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10 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Sr. Presidente: é a situação mais ruinosa e mais miseranda que se pode encontrar percorrendo a historia, ainda mesmo dos povos que mais teem descido na sua economia e nas suas finanças.

Pois, a par disto, o que encontramos effectivamente neste projecto não é uma tentativa séria de evitar a repetição desses tremendos abusos, mas sim, somente, uma nova poeirada sobre a ingenuidade do publico, ao lado do proposito, explicitamente confessado pelo Chefe do Governo, de dar uma espécie, - como direi Sr. Presidente? - uma especie de refresco ao credito da monarchia e ao credito dos seus serviçaes, exhibido pelo Ministro da Fazenda em nome da supposta moralidade do Governo V. Exa. vae ver.

O que o projecto encerra pode dividir-se em duas partes distinctas:

1.º Fogo de vistas;

2.º O fim confessado e declarado de tentar rehabilitar Monarchia, continuando aliás com os mesmos processos de administração.

O fogo de vistas é a prohibição feita aos Deputados de apresentarem propostas que aumentem as despesas publicas durante a discussão do orçamento: é a prohibição de venda de titulos na posse da Fazenda; é a regulamenta cão do serviço de vales ultramarinos; é a commissão parlamentar de contas publicas.

Para realizar os fins verdadeiros do projecto está n'elle O artigo 48.°, que faz tabua rasa do passado e deixa nas mãos do Governo a maneira de defender criminosamente como encobridor perigoso, os autores e cumplices dos crimes anteriormente commettidos; e no projecto está tambem, Sr. Presidente, a concentração no poder executivo de tudo que diz respeito á contabilidade e sua fiscalização preventiva, sendo esses dois os mais graves dos muitos inconvenientes que o projecto contém.

Sr. Presidente: só duas palavras direi sobre o fogo de vistas, principalmente, quanto á commissão de contas e á restricção inconstitucional da iniciativa dos Deputados.

Não quero deixar de protestar contra a maneira como é constituida a commissão parlamentar de contas publicas.

Vê-se pelo projecto que, ao passo que da Camara dos Deputados são escolhidos cinco membros, da camara dos Pares são escolhidos outros cinco e mais o seu Presidente.

Portanto, ficam seis Pares do Reino de nomeação regia contra cinco Deputados de eleição popular!

Pergunto: a que criterio obedece um projecto que dá uma tal preponderancia á Camara de nomeação regia sobre a Camara de eleição popular?

Que país é este, em que o suffragio popular - base essencial de toda a democracia - é assim menosprezado, apesar de tanto falar d'elle, até com abuso, o Sr. Presidente do Conselho?

Que país é este em que se dá preponderancia numerica, e portanto de voto, á Camara dos Pares, numa commissão parlamentar de contas publicas?!

E depois, Sr. Presidente, que direitos de iniciativa e de fiscalização são concedidos por este desgraçado projecto á commissão parlamentar de contas publicas, quando é certo que, nos termos do § 5.° do artigo 39.°, os seus relatorios, para terem execução sobre qualquer aspecto, hão de ser votados anteriormente pelas maiorias das duas Camaras?

Em presença de tal disposição, mesmo as accusações contra os infractores e delinquentes, reconhecidas como jusias e necessarias pela commissão, só podem ser submettidas aos tribunaes respectivos -depois de terem sido approvadas pelas maiorias governamentaes, sempre tentadas a acceitar razões "politicas" para que se não persigam os correligionarios ou amigos.

Não ha aqui sómente um enxovalha sempre possivel á commissão paramentar de contas publicas. Ha mais: ha um embaraço absoluto e permanente ao exercicio da funcção judiciaria, á missão moralizadora e punitiva, que compete aos diversos órgãos judiciarios sobre os responsaveis pela Fazenda Publica.

É sabido que os tribunaes estrictamente judiciarios são competentes para conhecer dos delictos que n'esta materia possam commetter os diversos funccionarios, com excepção sómente dos Ministros de Estado, os quaes continuarão sujeitos, segundo o projecto do Governo sobre a responsabilidade Ministerial, á camara dos Pares, constituida em alto tribunal de justiça, não obstante o que o chefe do Governo pregou uns seus centros durante as vacas magras do ostracismo.

De todo o modo e aos tribunacs communs e á Camara dos Pares, como tribunal, que compete julgar os responsaveis.

Ora se a commissão, pela sua maioria saida das minorias parlamentares, declarar que alguns funccionarios do Estado praticaram crimes, o que seria justo e serio era que os tribunaes tomassem directamente conta d'essas accusações.

Mas não é assim pelo monstruoso projecto. Se o chefe do Governo não quiser que esses crimes sejam punidos, não tem mais do que fazer um discurso com as mesmas subtilezas com que o Sr. João Franco - em resposta á habilissima argumentação do illustre Deputado Sr. Moreira de Almeida- ha pouco rasgou o regimento da Camara.

Com esse discurso defenderá doutrina contraria ao parecer da commissão, deixando a sua maioria na situação, ou de lhe dar um cheque - o que não é presumivel, nem pode ser de todos os dias-ou de cobrir um funccionario com um voto illegitimo, que assim se antecipa ao voto do tribunal judiciario e embaraça definitivamente a sua intervenção e acção.

Veja V. Exa. e veja a camara como o próprio fogo de vistas do projecto se apresenta assim tão refulgente e tão pouco acceitavel.

Mas ainda n'esse aspecto do fogo de vistas ha cousa peor.

Ha a cessação da iniciativa parlamentar dos Deputados quando se discutir o orçamento.

Para se fazer passar esta medida trouxe-se, á tela da discussão o exemplo da Inglaterra e o da França.

São os países com que se costuma argumentar nesta Camara: a Inglaterra para os monarchicos e a França, para os republicanos.

Com estes dois países pretende-se reduzir ao silencio as bocas mais tempestuosas do radicalismo e do conservantismo.

Ora, Sr. Presidente, examinando a innovação com toda a calma, logo se percebe que ella não e nem pode ser destinada a impedir a iniciativa do* membros da maioria, antes ella é nem mais nem menos do que uma arma de guerra que fica nas mãos do Governo e das maiorias contra as minorias da Camara dos Deputados e da Camara dos Pares.

Sabe-se muito bem que se um Deputado ou Par da maioria durante a discussão do orçamento quiser apresentar uma proposta que aumente as despesas publicas, nada se importa com a prohibição agora proposta, porque he basta pedir, ao Ministro ou a qualquer membro da commissão de fazenda que arranje esse aumento, e tudo iça perfeito, ainda com a vantagem de não ter de se dar ao incommodo de defender em voz alta a sua proposta e de arrostar com o seu possivel odioso.

Com as minorias é que não acontece o mesmo. Impõe-se-lhes arbitrariamente uma restricção de iniciativa absolutamente inadmissivel no nosso systema politico. Essa restricção comprehende-se até corto ponto na Inglaterra e na França onde a preponderancia dos Parlamentos é absoluta e onde os orçamentos são verdadeiramente serios por