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SESSÃO DE 9 DE DEZEMBRO DE 1870

Presidencia do exmo. sr. Antonio Cabral de Sá Nogueiro

Secretários - os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado
Domingos Pinheiro Borges

Chamada - presentes 37 srs. deputados.
Presentes d primeira chamada, ao meio dia - Os srs.: Adriano Machado, Alberto Carlos, Osório de Vasconcellos, Soares de Moraes, Sá Nogueira, Freire Falcão, António Pequito, Coutinho de Macedo, Pinheiro Borges, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Pereira do Lago, F. M. da Cunha, Santos e Silva, J. C. de Moraes, Mendonça Cortez, J. A. da Silva, Nogueira Soares, Gusmão, Bandeira Coelho, Mello e Faro, Elias Garcia, Rodrigues de Freitas Júnior, Júlio Rainha, Leandro J. da Costa, Lopo de Mello, Luiz de Campos, Marques Pires, Mariano de Carvalho, e Visconde de Montariol.
Presentes á segunda chamada, ao meio dia e um quarto - Os srs.: A. de Ornellas, Villaça, Augusto de Faria, Bernardino Pinheiro, Carlos Bento, Barros e Cunha, e Camará Leme.
Entraram durante a sessão - Os srs.: Braamcamp, A. Pereira de Miranda, Veiga Barreira, A. J. Teixeira, Arrobas, Sousa de Menezes, António Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Barão do Rio Zezere, Barão do Salgueiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Francisco Beirão, Coelho do Amaral, Francisco Costa, Pinto Bes-sa, Barros Gomes, Silveira da Mota, Freitas e Oliveira, Palma, Jayme Moniz, Zuzarte, Mártens Ferrão, Alves Ma-theus, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Dias Ferreira, José Luciano, Teixeira de Queiroz, Rodrigues de Carvalho, Mexia Salema, Mendes Leal, José Tiberio, Júlio do Carvalhal, Luiz Pimentel, Affonseca, Paes Villas Boas, D. Miguel Pereira Coutinho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Sebastião Calheiros, Thomás de Carvalho, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, e Visconde de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram - Os srs.: Antunes Guerreiro, A. Pedroso dos Santos, Santos Viegas, B. Ferreira de Andrade, Conde de Villa Real, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Ulrich, J. J. de Alcântara, Figueiredo de Faria, Latino Coelho, J. M. dos Santos, Pedro António Nogueira, e Moraes Sarmento.
Abertura - Ao meio dia e um quarto.
Acta -Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo o processo eleitoral do circulo de Margão.
Á commissão de verificação de poderes.
Representação
Dos fabricantes de cerveja estabelecidos em Lisboa, pedindo que a somma de 750$000 réis annuaes de avença que fizeram por valida até o fim do corrente semestre, se reduza a 250$000 réis, em vista das rasões allegadas na mesma representação.
A commissão de fazenda ouvida a do commercio.
Participação
Participo a v. exa. que o meu illustre collega, o sr. José Pedro António Nogueira, falta á sessão de hoje por motivo justificado. = O deputado, Francisco de Albuquerque.
Inteirada.
Requerimentos
1.° Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio das obras publicas, que remetia a esta camara, com a possível urgência, os seguintes esclarecimentos:

I. Qual a producção de arroz em casca em todo o continente do reino no anno de 1869;
II. Qual o preço médio do mesmo arroz em 1869 nos logares da producção;
III. Qual o peso de um hectolitro do dito arroz em casca;
IV. Qual a percentagem das despezas de grangeio a deduzir da producção do arroz com relação às terras de 1.ª 2.ª e 3.ª classe, para se poder calcular o producto liquido médio da cultura do arroz em género.
V. Qual a superfície dos terrenos empregados na cultura do arroz, e quanto dessa superfície era pantanoso antes de ser arrozal;
VI. Qual a superfície de par os existentes no continente do reino, não applicados á cultura do arroz, distinguindo a parte occupada por pântanos mixtos, da parte que for de pântanos de agua doce; .
VII Qual a superfície de terrenos applicados a marinhas no continente do reino;
VIII. Em que situação se acham os terrenos marginaes do rio Sado, antes de serem applicados a marinhas ou arrozaes, e em que extensão.
IX. Qual a influencia das condições dos trabalhos das ceifas do trigo no Alemtejo, das vindimas no Douro, e das salinas sobre a saúde dos trabalhadores.
Sala das sessões, em 7 de dezembro de 1870. = António Maria Barreiros Arrobas.
2.° Requeiro, com urgência que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara copia dos trabalhos que serviram de base á proposta de reforma pautai, apresentada em sessão de 5 de dezembro pelo sr. ministro da fazenda, bem como as actas do conselho geral das alfandegas, em que foram discutidas as alterações propostas.
Sala das sessões, em 7 de dezembro de 1870. = O deputado por Valença, Joaquim José Rodrigues de Freitas Júnior.
Foram remettidos ao governo.
Nota de interpellação

Desejo perguntar ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, se o governo tenciona promover pelos meios ao seu alcance a consecução de alguns tratados commerciaes internacionaes, que facilitem a exportação dos nossos vinhos, expondo a conveniência e necessidade desses tratados. = O deputado, Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Mandou-se fazer a devida participação ao governo.
O sr. Candido de Moraes: - Pedi a palavra para mandar para a mesa copia de uma representação que me foi enviada pela camara municipal da Horta. Esta representação diz respeito á construcção do porto artificial, que foi auctorisada por uma lei de 1864.
Peço licença a v. exa. para ler alguns trechos dessa representação, que o poderão pôr ao facto do assumpto a que cila se refere, e da maneira por que os cavalheiros que constituem a camara, e que são muito respeitáveis debaixo de todos os pontos de vista, encararam este negocio (leu).
Como v. exa. vê, os povos do districto da Horta, e particularmente os que são mais interessados neste assumpto, que são os habitantes do concelho da Horta, descrêem já da sinceridade que o governo tenha, este ou outro qualquer, de mandar sem demora proceder às obras necessárias para a construcção daquelle porto. Esta desconfiança não será inteiramente justa, mas é completamente justificada pelos factos.
Ha cinco annos que o governo de Sua Magestade encar-

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regou um engenheiro, aliás distincto, de confeccionar um projecto para a construido d´aquelle porto. De então até hoje ter-se-hão de certo dado rasões extraordinarias que tenham impedido aquelle engenheiro de se desempenhar de uma commissão, que de certo seria facil para s. exa. attendendo á sua alta capacidade e competencia n´aquelle assumpto.
É certo porém que cinco annos são mais que sufficientes para a construcção do porto; e, portanto, tempo demasiado longo para se levar em estudos unicamente tendentes á apresentação de um projecto para a construcção que ainda ha de ter logar sabe Deus quando.
Desejava, e já tive a honra de dizer a v. exa. e á camara, que estas apprehensões se desvanecessem nos povos que tenho a honra de representar n´esta casa. Já tive tambem o prazer de conferenciar, em relação a este assumpto, com o sr. marquez d´Avila e de Bolama. s. exa. fez o favor de receber-me com a maior benevolencia e de tomar na devida consideração as rasões que tive a honra de lhe apresentar, tendentes a demonstrar, o que s. exa. conhece perfeitamente, a necessidade de se levar a effeito a construcção d´aquelle porto.
S. exa fez tambem o favor de dar immediatamente ordem para que se activassem os trabalhos de que está encarregado o sr. engenheiro Blanc; e espero portanto que não será necessario que eu continue a instar perante o parlamento pela construcção de uma obra, que têem direito de exigir os povos que eu aqui represento.
Os signatarios d´esta representação estabelecem uma alternativa, ou construir-se o porto, ou ser revogada a lei 20 de julho de 1864, e parar a cobrança do imposto creado por essa lei.
Deixo á esclarecida apreciação do sr. ministro das obras publicas a opção por qualquer d´estes alvitres. O que hei de exigir aqui até com importunidade, se for preciso, é que o governo adopte franca e rasgadamente um alvitre qualquer com relação a esta questão.
Não é possivel estar a cobrar impostos pesados, muito onerosos, e que aquelles povos pagam com difficuldade, alem dos já excessivos que pagam em virtude das leis que regem geralmente a materia tributaria.
Não é possivel, repito, continuarmos n´este caminho; é preciso tomar uma resolução qualquer em relação a este negocio ; e eu pedia ao sr. ministro das obras publicas o favor de attender a esta minha reclamação.
Já tive tambem a honra de fallar ao sr. ministro da fazenda, que vejo presente, sobro um outro assumpto, para o qual tomo a liberdade de novamente chamar a attenção de s. exa.
É uma representação que foi dirigida ao governo pela mesma camara municipal da Horta, pedindo que o governo solicite do poder legislativo a necessaria auctorisação para que se possam cobrar pela alfandega da Horta os impostos municipaes indirectos, que serão assim cobrados em vez de ser por arrematação, como até aqui, no acto da entrada d´estes impostos para o concelho.
Parece-me de uma extrema facilidade a realisação d´este desejo, aliás justissimo, que exprime a camara municipal da Horta: e eu confio inteiramente em que o nobre ministro da fazenda, tomando em consideração tambem este meu voto de adhesão á representação d´aquella municipalidade, se não demorará em apresentar ao parlamento uma medida necessaria para que se realisem os desejos dos signatarios da representação.
Já em 5 de maio do 1863 foi aqui apresentado um projecto de lei relativo a este objecto. Basta apenas renovar a iniciativa d´este projecto. Espero que s. exa. o faça, para que eu me não veja obrigado a faze-lo.
Parece-me mais vantajoso que medidas d´esta natureza partam da iniciativa do governo, em vez de partirem da iniciativa dos deputados que, embora solicitos e diligentes, nem sempre são attendidos nas commissões com a attenção que elles desejariam; sabendo eu tambem que obsta a isto, não a má vontade dos meus collegas mas as circumstancias que se dão e que todos nós conhecemos, e que eu não quero estar a repetir.
Ainda acrescentarei algumas considerações relativas a outro assumpto, para que eu chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas. É para a organismo do serviço de engenheria dos Açores.
Aquelle serviço está hoje montado por uma forma contradictoria com a que rege o mesmo assumpto no continente.
Eu já aqui tive a honra de o dizer também. Á testa d´aquelle serviço está um engenheiro muitissimo habil, que foi meu mestre na pratica de engenheria que tenho. Eu tiro-me ao sr. Miguel Henriques, tenente coronel do estado maior de engenhem, e estimo ter esta occasião de significar a s. exa. a muita consideração em que o tenho, não só pelas excellentes qualidades pessoaes e particulares que o adornam, senão tambem porque soa o primeiro a reconhecer que s. exa. é exemplarissimo na solicitude e zelo com que se desempenha dos serviços que estão a seu cargo.
S. exa. é o único engenheiro, que por parte do ministerio das obras publicas está nos Açores encarregado de dirigir as obras publicas. Alem de s. exa. está como engenheiro districtal, no districto de Ponta Delgada, o sr. Mariano Machado, mas seria conveniente, parece-me que desde já, e segundo o que o sr. Miguel Henriques representou ao governo, que este engenheiro fosse collocado ás suas ordens, e em todo o caso seria indispensavel que se augmentasse o pessoal technico dos Açores.
É evidente que dois engenheiros em nove ilhas, separadas por distancias consideraveis, não podem, a despeito da sua mais reconhecida capacidade e zêlo activissimo, dirigir as obras publicas em todas as localidades. Isto é impossivel.
A maior parte das ilhas só se communicam uma vez cada mez, e essas communicações são feitas pelos vapores da carreira, que se demoram muito pouco tempo em cada uma das localidades, e claro está portanto que é preciso que as obras publicas em cada uma das ilhas sejam dirigidas por pessoas competentes, e que o governo adopte uma medida em relação a isto, e que não continue por mais tempo a vigorar um systema que, alem de prejudicial às localidades, é inconvenientissimo por anti-economico.
Todas as pessoas que têem dirigido trabalhos da natureza d´aquelles a que me refiro, sabem que se esses trabalhos tiverem uma direcção conveniente, se podem muitas vezes fazer cora uma despeza que será a metade ou uma parte ainda inferior a ella, em relação á despeza que se faz com um pessoal que não seja competentemente habilitado.
Limito aqui as minhas considerações a este respeito, e espero que os srs. ministros me façam a honra de as considerar como devem e de dar uma solução prompta e immediata aos negocios que proponho á sua consideração.
O sr. Presidente:- Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia.
O sr. Osorio de Vasconcellos: - Eu tinha pedido a palavra para um negocio urgente.
O sr. Presidente: - Não lh´a posso conceder sem consultar a camará.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Osorio de Vasconcellos: - Vou mandar para a mesa a seguinte proposta (leu.)
Esta proposta vae assignada por mim e pelos srs. deputados Mariano de Carvalho, A. Vasconcellos, Marques Pires, Alberto Carlos, J. Augusto da Silva e Julio Rainha.
Se v. exa. me permitte farei algumas considerações para fundamentar a proposta que tive a honra de apresentar.
Não me parece que seja preciso uma grande argucia dialetica para fundamentar a minha proposta; porque está fundamentada por si mesma, e tem como justificação a ne-

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cessidade instante o imprescriptivel de quanto antes a camara se entregar á discussão dos proficuos e muito urgentes projectos, quaes são aquelas que se dirigem a resolver a questão financeira, e a votarem-se os pareceres que commissão de fazenda mandou para a mesa.
Ha dias ouvi a um sr. deputado, parece-me que foi ao sr. Barros e Cunha, que num intuito que, não quero classificar, entendeu dever fazer um verdadeiro insestro moral, querendo combinar a salvação da pátria com o subsidio dos deputados.
Peia minha parte considero-me assas superior a quaesquer allusões mais ou menos pérfidas, em virtude das quaes BC queira lançar sobre a camara um certo desfavor.
O sr. Presidente: - Peço licença ao sr. deputado para observar que não é este o objecto da sua proposta.
O Orador: - Eu tambem não quero continuar nesta discussão, mas unicamente fundamentar a minha proposta, e mostrar pela assiduidade, que não somos mercenários.
O sr. Barros e Cunha: - Eu tinha a palavra, sr. presidente, e se v. exa. entende que deve pôr o assumpto em discussão, para mim é indifferente; entretanto elle ha de voltar á discussão alguma vez.
O Orador: - Não me recuso á discussão, fique descansado o sr. deputado; mas acato e respeito a opinão do sr. presidente, que é sempre justa e sensata.
Não continuo nesta discussão; reservo-me, porém, para quando a minha proposta se discutir, a fira de arrancar de sobre a camara, e tambem da minha muito humilde pessoa, a insinuação que o sr. deputado fez.
A questão de fazenda é essencial. Ainda ha pouco tempo um sr. deputado da maioria interpellou a commissão de fazenda ácerca dos pareceres que ella devia dar sobre diversas propostas de lei apresentadas pelo governo, e sobre os diversos projectos de lei de iniciativa particular.
A commissão immediatamente correspondeu áquelle chamamento, e apresentou os seus pareceres.
Depois o meu collega e amigo o sr. Barros Gomes, propoz que, conjunctamente com o bill, se discutissem esses pareceres da commissão de fazenda, que estão sobre a mesa, de maneira que a minha proposta não é senão o complemento lógico desta primeira.
Limito-me a apresentar estes fundamentos, promettendo de novo, quando for necessário, o responder ao sr. Barros e Cunha, ou a qualquer outro sr. deputado que não aceite a minha proposta.
O sr. Barros e Cunha: - Peço a v. exa. que consulte a camara se me dá a palavra.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.
O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): - Mando para a mesa uma proposta de lei reduzindo os direitos de importação, fixados na pauta geral das alfândegas, dos objectos destinados a construcções navaes.
Esta proposta, é a satisfação de uma promessa por mim feita á camara.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta de lei

Senhores. - Em desempenho do compromisso contrahido pelo governo para com o parlamento, submetto á vossa consideração as presentes modificações na pauta, com o fim de melhorar as condições da industria do navegação nacional; tornando mais efficaz por esta forma a favor daquella industria o beneficio da lei de 18 de junho de 1866:
Artigo 1.° Os direitos de importação fixados na pauta geral das alfândegas para os objectos destinados á construcção naval, descriptos na tabeliã que faz parte da presente lei, são reduzidos aos que vão marcados na mesma tabella.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministério da fazenda, em 9 de dezembro de 1870. = Carlos Bento da Silva.

Tabella que faz parte da proposta de lei desta data

[Ver tabela na imagem]

Aparelhos e mais objectos proprios para a arrumação de navios não mencionados em outro artigo ....

Cordame ....

Ministério da fazenda, em 9 de dezembro de 1870. = Carlos Bento da Silva.
Foi admittida e enviada 4 commissão de fazenda ouvida a do commercio.
O sr. Ministro das Obras Públicos (Marquez, dÁvila e de Bolama): - Mando para a mesa uma proposta de lei.
Leu-se na mesa e é a seguinte:
Proposta de lei
Senhores. - Pelo contrato celebrado entre o governo e a companhia viação portuense, era 9 de setembro de 1851, approvado por decrete de 13 do mesmo mez e anno, e confirmado pela carta de lei de 1 de julho de 1853, obrigou-se esta a construir a estrada do Porto a Braga pela quantia de 54:000$000 réis, e a do Porto a Guimarães pelo preço de 78:000$000 réis, devendo o governo pagar á companhia 4 por cento do capital empregado na primeira estrada, e 5 por cento do empregado na segunda, e uma amortisação de 2 por cento ao anno para ambas as estradas; ficando a cargo da companhia a conservação das mencionadas estradas,, tanto na parte construída como na que restava a construir, devendo no fim do contrato ser entregues ao governo em perfeito estado de conservação.
Os juros e amortisação garantidos á companhia seriam solvidos pelo producto das barreiras ou portagens que a companhia estabeleceria nos termos da lei de 22 de julho de 1850, e pelo rendimento que excedesse a 7 por cento das diligencias e transportes accelerados, cujo exclusivo ficava garantido á companhia, deduzidas as despezas com as mesmas barreiras e com a conservação das estradas.
Alem disto foi tambem concedido á companhia:
1.° O transporte das malas do correio por 2/3 do custo que até então importava;
2.° O exclusivo por mais dois annos dos transportes accelerados, e por mais quatro das diligencias, depois de embolsada do capital e juros;
3.° O emprego dos materiaes, pertencentes ao catado, existentes nas duas estradas.
Ficava ao governo a faculdade de rescindir o contrato indemnisando a companhia da somma de que estivesse em desembolso na epocha da rescisão e juros respectivos, e bem assim do rendimento provável das diligencias durante quatro annos, e dos transportes durante dois, e estipulava-se tambem que o material circulante adquirido pela companhia constituía propriedade desta sem que o governo tivesse jus a havê-lo; que no caso de ser abolido ou alterado o imposto creado pela citada lei, de modo que não offerecesse solida garantia ao pagamento dos juros e annuidade, o governo satisfaria pela receita geral do estado o que faltasse para preencher o que fosse devido á companhia, e que esta se obrigava a arborisar as duas estradas e prover á sua conservação durante o tempo do, contrato.
Eram estas as condições do citado contrato, o qual foi publicado no Diario do governo n.° 242, de 14 de outubro io 1851; mas pela carta de lei de 13 de agosto de 1856 foi o governo auctorisado a altera-lo de accordo com a companhia, e nos termos das condições annexas a esta lei, em virtude da qual se celebrou o novo contrato em 20 de se-

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lembro do referido anno, o qual foi approvado por decreto de 21 de outubro seguinte (Diário n.° 290).
Estipulou-se neste novo contrato:
Que a companhia construiria a estrada de Villa Nova de Famalicão a Guimarães em logar da do Porto a Guimarães, pelo preço de 93:385$619 réis;
Que o governo subscreveria com 500 acções na importância de 25:000$000 réis;
Que entre Villa Nova de Famalicão e Guimarães haveria unia só portagem na ponte do Ave, desistindo a companhia dos direitos de barreira;
Que o producto daquella portagem conjunctamente com o das portagens na estrada do Porto a Braga, deduzidas as despezas da arrecadação e as de administração da companhia, seria empregado na conservação de ambas as estradas, e no pagamento do juro e amortisação dos capitães por que a companhia contratara a construcção;
Que era concedido á companhia o estabelecimento de uma portagem na ponte de Travagem sobre o Leça, na estrada do Porto por Santo Thyrso a Guimarães, applicando o seu rendimento liquido á conservação da mesma estrada desde o Porto até meia légua alem da dita ponte, e ao pagamento da somma despendida pela companhia na construcção e conservação de toda aquella estrada; e, saldada esta ultima conta, o excesso da receita da portagem sobre a despeza da conservação teria a mesma applicação a que eram destinados os direitos de barreira de que a companhia desistia;
Que a companhia se obrigava a estabelecer á sua custa as diligencias e mais accessorios para a exploração das estradas de Braga a Guimarães, e o governo lhe garantia o exclusivo de vehiculos de transporte accelerado nas referidas estradas pelo tempo do primitivo contrato, renunciando a parte que, nos termos daquelle contrato, lhe podesse advir em favor da conta de juro e amortisação.
Finalmente que a companhia transportaria uma vez pelo menos em cada dia as malas do correio, mediante uma gratificação diária de 7$000 réis.
São estas resumidamente as disposições do novo contrato, no qual se declarava que ficavam em vigor todas as disposições do primitivo contrato que não houvessem sido alteradas pelo novo.
E evidente que a construcção destas estradas foi contratada no intuito de completar a viação no Minho com o mínimo dispêndio da fazenda.
Fizeram-se as estradas, e a companhia estabeleceu os seus transportes e começou a arrecadar o producto das portagens que se estabeleceram.
É indubitável que nos termos do contrato a companhia estava obrigada á conservação das estradas de que se trata ; porém descurou este serviço e as estradas foram-se successivamente arruinando, o que deu origem a repetidas representações e queixas.
Por outro lado a companhia allegava que o governo lhe não mantinha o exclusivo das diligencias, porque diversos indivíduos estabeleceram carreiras em competência com as da companhia, sobre o que varias vezes representou também.
Este estado de cousas fez reconhecer, tanto ao governo como á companhia, a mutua conveniência da rescisão do contrato, que aliás nelle estava prevista.
Varias tentativas se fizeram neste sentido, e uma commissão nomeada em 1868 apresentou o seu parecer sobre similhante assumpto e indicou as bases da rescisão e da liquidação.
Tendo finalmente o governo chegado a um accordo com a companhia, lavrou-se em 1 de julho do corrente anno o competente termo de rescisão dos referidos contratos, segundo o qual o governo terá de pagar á companhia a somma certa de 358:228$140 réis em inscripções, a qual representa a liquidação de todos os créditos e contas da companhia até 30 de junho ultimo, excepto a que resultar da
conta da conservação das estradas que estava a cargo da companhia, devendo esta conta ter feita com relação ao tempo decorrido desde 1 de janeiro deste anno até á epocha em que se tornar effectiva a posse das estradas por parte do governo, sendo o saldo desta conta especial pago em metal pela parte devedora á parte credora.
Dependendo o termo de rescisão de sancção legislativa, temos por isso a honra de submetter á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado o termo lavrado em 1 de julho de 1870 para a rescisão dos contratos celebrados com a companhia viação portuense em 9 de setembro de 1851, approvado por decreto de 13 do mesmo mez o anno, e confirmado pela carta de lei de 1 de julho de 1803, e em 26 de setembro de 1856 em virtude da lei de 13 de agosto de 1856.
Art. 2.° Fica o governo auctorisado a emittir as inscripções necessárias para occorrer aos encargos provenientes do termo a que se refere o artigo antecedente.
Art. 3.° Continuarão a ser cobrados pelo governo, nos termos da carta de lei de 22 de julho de 1850, os direitos de portagem nas pontes do Arnoso, Ave e Lessa, na estrada do Porto a Braga, na ponte de Brito, na estrada de Villa Nova de Famalicão a Guimarães, e na ponte de Travagem na estrada do Porto por Santo Thyrso a Guimarães.
Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Ministério das obras publicas, commercio e industria, em 30 de novembro de 1870. = Marquez de Ávila e de Bolama = Carlos Bento da Silva.
Termo de rescisão dos contratos celebrados com a companhia viação portuense
No dia 1 de julho de 1870, no ministerio das obras publicas, commercio e industria, tendo comparecido o respectivo ministro e secretario destado o illmo. e exmo. sr. marquez de Angeja, por parte do governo, e o negociante António da Costa Carvalho, por parte da companhia viação portuense, cuja direcção devidamente auctorisada pela respectiva assembléa geral o constituíra seu procurador para assignar este contrato, como consta da procuração que me apresentou, e fica archivada na repartição a meu cargo; estando tambem presente o ajudante do procurador geral da corôa e fazenda junto deste ministério, o bacharel Antonio Cardoso Avelino, por elles outorgantes foi dito perante mim, que tendo reconhecido ser de mutua conveniência para o estado e para a companhia rescindir os contratos que com ella haviam sido celebrados para a construcção e conservação de algumas estradas na província do Minho; e tendo feito examinar devidamente este assumpto o governo por uma commissão especial que para esse fim nomeara, e a companhia pelo delegado que para esse effeito escolhera, haviam ambas as partes interessadas concordado em levar a effeito essa rescisão, nos termos das bases que haviam sido propostas pela dita commissão, as quaes se acham comprehendidas nas condições seguintes:
Condição 1.ª Ficam por este termo rescindidos, em todas as suas partes, clausulas e condições, o contrato celebrado entre o governo e a companhia viação portuense, em data de 9 de setembro de 1851, approvado por decreto de 13 do mesmo mez e anno; e bem assim o novo contrato que, como modificação do primeiro e com as condições auctorisadas pela lei de 13 de agosto de 1856, foi celebrado em data de 26 de setembro de 1856, e approvado por decreto de 21 de outubro do mesmo anno; contratos em virtude dos quaes a dita companhia construiu as estradas do Porto a Braga, e do Porto a Guimarães por Villa Nova de Famalicão.
Condição 2.ª O estado pagará á companhia viação portuense, como preço da rescisão de seus referidos contratos, e como indemnisação das sommas por ella despendidas e respectivos juros vencidos até 30 de junho ultimo, as seguintes verbas:
1.ª Capital em divisão pela construcção da estrado do

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Porto a Braga, segundo a conta de 31 de dezembro de 1809 - 36:002$695 réis.
2.ª Capital em divida pela construcção da estrada do Porto a Guimarães, segundo a conta de 31 de dezembro de 1869 - 75:327$667 réis.3.ª Juro de 4 por cento sobre o capital da estrada de Braga, contado de 1 do janeiro a 12 de maio de 1870, sobre 37:082$695 réis, e de 13 de maio a 30 de junho sobre 36:002$695 réis -729$757 réis.
4.ª Juro de 5 por cento sobre o capital da estrada de Guimarães desde 1 de janeiro a 12 de maio de 1870, sobre 77:195$506 réis, e de 13 de maio a 30 de junho sobre 75:327$667 réis - 1:901$487 réis.
5.ª Equivalente do rendimento das diligencias durante quatro annos, calculado segundo a media aos últimos cinco annos, 4:253$680 réis.
Importando todas as referidas verbas na quantia de réis 118:215$286 em metal.
Condição 3.ª O pagamento da referida somma de réis 118:215$286 será feito era inscripções de divida publica, com o juro desde 1 de julho de 1870, pelo seu valor no mercado constante do ultimo boletim official publicado no Diario do governo n.° 142, de 30 de junho ultimo.
E sendo esse valor de 33 por cento, como consta da certidão dos corretores da praça do commercio, fica desde já calculada em 358:2280140 réis a somma que por esta convenção é abonada em inscripções á dita companhia; ficando bem entendido que qualquer que seja a alteração que a cotação dos fundos possa soffrer para mais ou para menos entre o dia de hoje e o do effectivo pagamento, nunca a companhia receberá senão a precisa somma fixada nesta condição.
§ único. Fica expressamente declarado que a referida somma de 358:228$140 réis em inscripções, com o juro desde o 1.° de julho corrente, representa a liquidação de todos os créditos e contas da companhia até á data de 30 de junho do corrente annos excepto a que resultar da conta de conservação das mesmas estradas, e da de parte da estrada do Porto a Guimarães por Santo Thyrso, que estava a cargo da companhia pela condição 8.ª do seu referido contrato de 26 de setembro de 1856, devendo a liquidação desta conta ser feita com relação ao tempo decorrido desde 1 de janeiro do corrente anno até ao dia em que se tornar effectiva a posse das referidas estradas por parte do governo, sendo o saldo desta conta especial pago em metal pela parte devedora á parte credora.
Condição 4.ª O pagamento da referida somma de réis 358:228$140, era inscripções, com o juro desde 1 de julho corrente, abonada por este contrato á companhia viação portuense, fica dependente da approvação do corpo legislativo.
§ único. O disposto nesta condição não é applicavel á conta de conservação de que trata o § único da condição 3.a, porque o saldo dessa conta será promptamente satisfeito, em moeda metálica, por quem se mostrar devedor, logo que a liquidação esteja concluída.
Condição 5.ª O governo tomará immediatamente posse das obras das referidas estradas, e bem assim das respectivas pontes e casas de portagens dos depósitos de materiaes, utensílios e ferramentas, passando todas estas obras e objectos, no estado em que actualmente se acham, a constituir propriedade do estado, a cargo do qual ficará, desde o dia da effectiva posse tomada pelo governo, o encargo da conservação das ditas estradas, e de todas as respectivas obras.
Condição 6.ª São mantidos os contratos de arrematação de portagem que a companhia tiver feito. Os pagamentos, que era virtude destes contratos não estiverem ainda realçados, serão feitos ao governo. Se algumas portagens não tiverem sido arrematadas pela companhia serão os direitos recebidos directamente pelos agentes do governo, desde o dia em que este tomar posse das estradas.
Condição 7.ª O presente contrato não prejudica de forma, nem em parte alguma, os interesses e direitos que o estado tem na qualidade de accionista da companhia viação portuense.
E para firmeza da presente convenção de rescisão de contrato e fiz eu António Augusto de Mello Archer, secretario do ministerio das obras publicas, commercio e industria, lavrar o presente termo que vou assignar com os outorgantes, com o ajudante do procurador geral da corôa e fazenda, junto deste ministério, e com as testemunhas presentes a este acto, Viriato Luiz Nogueira, primeiro official deste ministério, e Francisco Augusto Florido da Monta e Vasconcellos, segundo official do mesmo ministério. = Marguez de Angeja = António da Costa Carvalho = Fui presente, António Cardoso Avelino Viriato Luiz Nogueira=Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos = António Augusto de Mello Archer.
Está conforme o original. - Repartição das obras publicas, em 28 de novembro de 1870. = Joaquim Simões Margiochi.

Illmo. e exmo. sr. - A commissão, nomeada pela portaria de 6 de julho de 1868, para propor as bases da rescisão amigável dos contratos celebrados entre o governo e a companhia viação portuense, examinou a nova representação datada de 25 de abril próximo passado, dirigida pela mesma companhia a s. exa. o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, na qual pede que ou os privilégios da companhia sejam mantidos, ou se ultime a rescisão dos contratos que celebrou com o governo.
A commissão em vista das rasões apresentadas no seu relatório datado de 21 de julho de 1868, é de parecer que a rescisão dos mencionados contratos póde ser levada a effeito segundo as seguintes Bases para a rescisão dos contratos celebrados entre o governo e a companhia viação portuense para a construcção, conservação e exploração por vehiculos accelerados, das estradas do Porto a Braga, e Guimarães.

O governo abonará á companhia:
1.° Capital em divida pela construcção da estrada
do Porto a Braga, segundo a conta de 31 de dezembro de 1869 .... 36:002$695
2.° Capital em divida pela construcção da estrada do Porto
a Guimarães, segundo a conta de 31 de dezembro de 1869 .... 75:327$667
3.° Juro de 4 por cento sobre o capital da estrada de Braga,
contado de 1 de janeiro a 12 de maio de 1870 sobre 37:0820695
réis e de 13 de maio a 30 de junho sobre réis 36:002$695 .... 729$757
4.° Juro de 5 por cento sobre o capital da estrada de
Guimarães desde 1 de janeiro a 12 de maio de 1870 sobre
77:195$506 réis e de 13 de maio a 30 de junho sobre réis 75:327$667. 1:901$487
5.° Equivalente do rendimento das diligencias durante quatro
annos, calculado segundo a media dos últimos cinco annos .... 4:253$680
Total a pagar á companhia .... 118:215$286

Importa em 118:215$286 réis.
Esta quantia poderá ser entregue á companhia em inscripções de 3 por cento pelo seu valor no mercado na epocha da assignatura do contrato de rescisão, com o coupon respectivo ao segundo semestre de 1870, por isso que liquidação dos juros do capital é feita em relação ao primeiro semestre do dito anno.
V. exa. porém mandará o que for servido.
16 de maio de 1870.- (Assignados)= Pedro Roberto Dias da Silva = Luiz Victor Cock = João Thomás da Costa.
Está conforme o original. = Repartição de obras publicas, em 28 de novembro de 1870. = Joaquim Simões Margiock.
Foi admittida e enviada á commissão de obras publicas.

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364 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Lopo Vaz:- Mando para a mesa o parecer da commissão especial sobre a proposta cio sr. Barros e Cunha. Aproveito a occasião para mandar lambera para a mesa uma nota do interpellação ao sr. ministro das obras publicas.
O sr. Presidente: - Peço perdão ao sr. deputado: é preciso cumprir o regimento, porque de outro modo não é possível haver ordem nas discussões. O sr. deputado tinha pedido a palavra por parte da commissão especial para apresentar um parecer da mesma, e por consequência devia usar da palavra sómente para esse effeito.
Vão ler-se a proposta do sr. Osório de Vasconcellos. Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que seja consultada a camara sobre se quer que, alem das sessões diurnas, haja a contar de hoje sessões nocturnas das oito horas á meia noite, ficando aquellas destinadas para serem discutidos os projectos de lei já apresentados ou que ainda o forem, e estas para a discussão do projecto de lei n.° 4, da commissão especial, até sua final votação.
Sala das sessões, em 9 de dezembro de 1870. - Alberto Osório de Vasconcellos = Mariano Cyrillo de Carvalho = António de Vasconcellos Pereira Coutinho de Macedo - Manuel Marques Pires - Alberto Carlos Cerqueira de Faria = Joaquim Augusto da Silva = Júlio César de Almeida Rainha.
O sr. Presidente: - Creio que o sr. deputado pediu a urgência desta proposta.
O sr. Osório de Vasconcellos: - Sim, senhor. Foi approvada a urgência da proposta, e entrou esta em discussão.
O sr. Santos e Silva: - Ouvi ler a proposta apresentaria pelo sr. Osório de Vasconcellos, que tem por fim pedir, que haja sessões nocturnas para exclusivamente serem empregadas na discussão do bill de indemnidade. E sempre perigoso para um deputado oppor-se a uma proposta destas, porque póde logo ser alcunhado de inimigo do trabalho, por não querer concorrer às sessões nocturnas.
O sr. Osório de Vasconcellos: - S. exa. é assás conhecido, para que se possa fazer similhante juizo a seu respeito.
O Orador: - Agradeço muito a s. exa. mas nem todos faraó um juizo tão benevolo a meu respeito.
O sr. Osório de Vasconcellos:- E justo.
O Orador:- Por isso não me levanto para combater a proposta, se effectivamente a grande necessidade fio serviço a justifica, mas afigura-se-me que não é assim.
Poucos dias temos, na verdade, daqui até que acabe a prorogação da sessão, mas tambem as medidas que temos n, discutir, e que estão por ora distribuídas na camara, não são de uma tão grande importancia não comportam uma tão larga Discussão, que não possam ser discutidas e resolvidas na primeira parte da ordem do dia, como foi proposto ha dois dias por um illustre membro desta casa.
Não vejo distribuídos, pelo menos a mim ainda o não foram, projectos de fazenda, dos chamados importantes, que produzem serio e verdadeiro augmento de receita, e que eu estou disposto a votar, se forem justos. Na falta delles, não acho motivo justificado para que nós transportemos a discussão do bill de indemnidade, do dia para a noite, em que as galerias estão menos frequentadas, em que muitos srs. deputados, ou cansados pela discussão do dia, ou era virtude de outros afazeres, em que figura tambem o trabalho das commissões, podem não concorrer às sessões. Por isso, repito, não me parece que haja motivo plausível, que nos leve a votar as sessões nocturnas. Tenho-as votado muitas vezes e tenho assistido a ellas, mas é quando tem havido assumptos importantes que discutir, e quando não cabe essa discussão no tempo que a camara tinha diante de si para funccionar. Actualmente não é assim. Não ha medidas importantes de fazenda; ainda não appareceram. Aquellas que se têem distribuído, não se têem distribuido, não são de uma magnitude tal, que não possam ser tratadas, como disse, na primeira Parte da ordem do dia. Quando as importantes medidas de fazenda, essas que na opinião de todos nós devem exigir uma discussão mais larga, não terei duvida em votar pelas sessões nocturnas.
E aproveito a occasião de pedir ao governo e á commissão respectiva que tenham a bondade de nos dar assumpto serio para discutir (apoiados). O nobre presidente do conselho, por occasião de tunas reflexões que ha tempos fiz, comprometteu-se a que a actual sessão não se havia de encerrar antes de virem á camara algumas medidas de fazenda para se discutirem e votarem. S. exa. não prometteu tudo, prometteu algumas propostas importantes. Pergunto: qual a medida de fazenda importante que mereça este nome, qual esteja submettida actualmente ao exame da camara? Não vejo nenhuma. Não quero dizer com isto que sejam insignificantes as que estão distribuídas, mas não são de certo as taes importantes, que aqui nos prometteram, quero dizer, medidas que tenham por fim contribuir para a organisação das nossas finanças, creando receita valiosa, fazendo largas e profundas economias, e grandes e sensatas reducções. Se a crise financeira é grande, se o estado da fazenda publica não é florescente, o facto é que as medidas relatadas são pequenas, e nada attenuam a gravidade das nossas circunstancias.
Concluindo direi que não tenho duvida em votar as sessões nocturnas quando haja medidas de valia na tela da discussão.
Até agora a illustre commissão de fazenda não tem tido tempo por quaesquer circumstancias, de que a não accuso, para nos dar trabalho serio, com que alimentemos a nossa actividade. Sei as dificuldades, com que se luta muitas vezes, era obter esclarecimentos, que possam servir para sensata e rasoavelmente relatar um parecer, e detende-lo na camara. Já se vê portanto, que não me opponho, em absoluto, á moção do sr. Osório de Vasconcellos, mas peço que seja adiada até que se apresente alguma medida importante de fazenda, e nós vejamos que não podará ser discutida durante o tempo da prorogação da sessão.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez dÁvila e de Bolama): - Não desejava tomar parte neste debate, que é puramente da economia da camara; mas vendo que o illustre deputado se referiu...
O sr. Presidente: - Eu dei a palavra ao sr. presidente cio conselho, porque me pareceu que s. exa. queria dar explicações para esclarecimento da camara, quando não de certo que lha não concederia.
O Orador: - È exactamente para dar explicações. O illustre deputado interpellou o governo, e eu quero, por consequência, dar explicações á camara que facilitem a resolução da moção que foi mandada para a mesa. Mas antes disso parece-me que me será permittido lembrar á camara que não basta que este parecer seja discutido e approvado nesta casa, é preciso tambem que elle seja approvado na outra casa do parlamento (apoiados). E lembrarei que apenas ha cinco sessões até quinta feira, suppondo que a camara funccionará neste dia, como o póde fazer; portanto não me parece ser conveniente, nem que o paiz possa applaudir muito que se feche a camara, ficando ainda o bill para a sessão seguinte (apoiados).
O sr. Thomás de Carvalho: - Póde prorogar com já prorogou. Não ha inconveniente nenhum nisso.
O sr. Presidenta: - Mas o sr. deputado é que não póde interromper quem está fallando.
O sr. Thomás de Carvalho:- Posso. O sr. Presidente: - Mas fica sujeito às penas do regimento.
O Orador (continuando): - O governo não é que proroga. O illustre deputado é bastantemente instruído para saber que o poder executivo não é que proroga...
O sr. Thomás de Carvalho: - Então quem é?

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O Orador: - É o poder moderador.
O sr. Thomás de Carvalho: - Bem sei.
O Orador:- É certo que o poder executivo não póde ser estranho á prorogação. O poder executivo ha de representar ao poder moderador o que julgar conveniente para o bom andamento dos negócios... (O sr. Thomás de Carvalho:- Bem, bem.), mas quem resolve a questão da prorogação é o poder moderador com audiência do conselho ditado.
(Áparte do sr. Thomás de Carvalho, que não se ouviu.)
O Orador: - Ora o illustre deputado sabe muito bem que eu não me incommodo com apartes, pelo contrario, como parlamentar velho estimo muito os apartes; mas não espere tambem que eu lhe faça aqui uma prelecção sobre a esphera das attribuições do poder moderador e do poder executivo. Eu tenho obrigação de as conhecer, e parece-me que se eu disser alguma cousa sobre esse assumpto, hei de apresentar doutrina que não possa ser contestada.
Nós temos cinco sessões. A prorogação da camara tambem já não depende só do poder moderador, depende também, para se tornar effectiva, de que haja numero nesta casa para poder funccionar. Faço votos para que os srs. deputados se prestem a estar aqui emquanto não acabar a prorogação, esta ou outra; mas declaro que não sei se effectivamente todos quererão ou poderão estar aqui até ao dia 31 de dezembro. O que sei é que já alguns srs. deputados se retiraram da camara, e elles que o fizeram é porque rasões tiveram para isso. Eu nesse ponto não sou juiz.
O governo cumpriu a promessa que tinha feito pela minha boca. Apresentaram-se já propostas de fazenda; distas propostas já algumas estão approvadas pela commissão, e estão até dadas para ordem do dia; e sei que a commissão de fazenda tem promptos outros pareceres para apresentar ao parlamento incessantemente.
Tenha portanto s. exa. a certeza de que não ha de haver falta de assumpto para a camara discutir, porque ainda mesmo que se votem as sessões nocturnas, não tenha s. exa. receio de que no dia seguinte áquelle era que ellas se votem não tenha nada que fazer.
Alem disso a discussão do bill ainda está na generalidade, ainda temos a discussão na especialidade, e ha a circumstancia, que ponderei já e para que peço a attenção da camara, que é que ha outra estação que tem tanto direito como esta camara para se occupar largamente deste assumpto.
O meu único fim é, como v. exa. indicou, responder às observações do nobre deputado.
trazer tambem incessantemente, porque entendemos que é necessario aproveitar o tempo, que é precioso; e afigura-se-me que, se a camara não tiver em consideração esta circumstancia, a sessão se ha de fechar, e o paiz ha de ter alguma rasão de queixa de nós, e ha de dizer que nós nos esquecemos da situação em que nos achamos, e que imitamos os gregos do baixo império, que discutiam questões de theologia quando os turcos estavam às portas de Constantinopla.
O sr. Barros e Cunha: - Numa das sessões passadas o sr. Francisco de Albuquerque apresentou aqui uma proposta, para que a sessão se abrisse á uma hora e durasse até às cinco da tarde.
Foi rejeitada essa proposta, e eu fui um dos que a rejeitaram.
Approvo portanto a proposta do sr. Osório de Vasconcellos. E, se v. exa. me permitte, aproveitarei a occasião para explicar uma citação do Evangelho, que me parece ter feito emoção no animo dos meus collegas.
Eu não pretendi, nem podia pretender, dizer aos homens que estão nesta casa, que elles serviam aqui unicamente por dinheiro; o que eu disse tem relação remota com os actos da minha vida, porque pela primeira vez queimo propuz a deputado advoguei a abolição do subsidio, e hoje reconheço que talvez não tinha avaliado bem a questão, e que será mais liberal que a representação nacional seja retribuida, para que os homens que não têem meios, mas que têem o talento necessario e capacidade bastante para collaborarem nos negocios publicos, não possam ser afastados da urna, vindo em seu logar os homens que podem comprar as eleições.
Ora, para que os deputados que não têem fortuna possam viver com a decência necessária e concorrer a esta casa, é necessario que o paiz lhes pague.
Tive portanto a idéa de dizer que o governo errou não restabelecendo as leis do reino, tendo a camara dos deputados, por uma fatalidade, de se sujeitar a restabelecer uma lei que não competia ao poder executivo promulgar, porque a carta não está revogada, e a carta determina que seja a camara dos deputados que no fim da legislatura estabeleça o subsidio para a legislatura seguinte.
Isto disse eu em harmonia com a proposta que mandei para a mesa, convidando o governo a que restabelecesse as leis do reino, e trouxesse depois uma proposta aqui, sob sua responsabilidade, se o julgasse necessário, para que o paiz não soffresse em consequência da legislação arbitraria pá dictadura que principiou a executar-se. Mas a lei sobre o subsidio aos deputados nem sequer teve começo de execução.
Se se tivesse seguido por esta norma constitucional, a proposta para o subsidio não vinga á camara dos deputados. Não estava em discussão, não tinha precisão de ser julgada.
Isto é tanto mais exacto, quanto um cavalheiro que vejo sentado nos bancos superiores, que representa o districto de Vizeu, considerou de tanta delicadeza esta matéria, que, expondo as mesmas idéas que eu exponho, entendeu que pela sua parte devia ceder do seu subsidio.
Não sei se algum dos meus collegas ficou sobresaltado com a minha declaração.
Depois desta explicação, tem alguém receio, póde julgar que eu podia ter o pensamento, pouco delicado, de dizer que os meus collegas, a quem aperto a mão todos os dias, eram mercenários? Não disse isso. Quem trabalha para o, paiz seja, em que for, tem direito a ser retribuído pelo seu trabalho.
Desejaria fazer uma pergunta aos srs. ministros da fazenda e negócios estrangeiros.
Nós tínhamos em Berlim o sr. conde de Rilvas como representante do paiz.
O sr. Presidente: - Peço perdão ao illustre deputado: é preciso cumprir o regimento tal qual; e o regimento manda ao presidente que chame o deputado para a questão. Essa não é a questão agora.
O Orador: - A minha questão acabou.
O sr. Osório de Vasconcellos:- Tendo eu sido o auctor da proposta, devo dizer ainda algumas palavras com que a fundamente, e com que desfaça, quanto possível, os argumentos apresentados pelos srs. deputados, dos quaes um não a combateu, apresentou simplesmente algumas duvidas, e o outro approvou-a fazendo uma rectificação.
O sr. deputado Santos, e Silva apresentou algumas duvidas, uma das quaes consistia principalmente na ausência de medidas importantes de fazenda. E depois, para corroborar a sua opinião, tratou de definir o que se póde entender por este adjectivo qualificativo - importante.
Eu declaro que a definição apresentada pelo illustre deputado não me satisfaz; não sei onde é que uma medida de fazenda começa a ser importante, não sei qual é o ponto alem do qual uma medida é importante! O que sei, sr. presidente, é que sobre a mesa existem pareceres sobre medidas de fazenda para serem discutidos, e julgo-as importantes, porque tendem mais ou menos a augmentar, a receita publica. No estado bastante exhausto e precário do thesouro, todos aquelles pareceres que tiverem por fim contribuir, com um grão de areia que seja para o edifício da regeneração financeira, acho-os importantes. Alem de que alguns desses

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pareceres suo na verdade importantes, aceitando mesmo a opinião apresentada pelo sr. deputado. E escuso de dizer quaes elles sito, porque, indicando-os, passaria alem dos limites que me devem ser permitir doa na defesa da minha proposta (apoiados).
Uma outra duvida, apresentada pelo sr. deputado, consiste em que ha grandíssima vantagem e conveniência em que as galerias sejam muito povoadas pelos concorrentes, a um de assistirem a esta amplíssima discussão do bill de indemnidade. Ora, s. exa. de certo não pensou bem quando apresentou este argumento, que é simplesmente contraproducente.
É de presumir que as galerias hão de estar muito mais povoadas numa sessão nocturna do que numa sessão diurna, porque de noite não ha os variadissimos negócios da vida social. Os indivíduos que desejarem concorrer às sessões publicas, e que o não podem fazer de dia por causa dos seus negócios, torna-se-lhes naturalmente mais fácil satisfazer o seu desejo, pois de noite lhes sobra muito mais desafogo para assistirem às sessões desta camara (apoiados).
Ainda ha um outro argumento que já foi apresentado pelo illustre presidente do conselho, o sr. marquez dAvila e de Bolama, e é que esta camara não constituo por si todo o poder legislativo; alem desta camara ha a camara dos dignos pares, a cuja sancção hão de ser apresentados todos os projectos de lei que passarem nesta casa.
Mas, sr. presidente, provada a necessidade fatal da prorogação logo que a discussão corra com largeza, prorogação que não é muito fácil e que até julgo impossível, é claro que da nossa parte deve haver toda a actividade, toda a boa vontade e toda a energia na continuação dos nossos trabalhos, porque é conveniente respeitar o dever ou desejo que qualquer deputado tenha de emittir a sua opinião, e discutir francamente os pareceres que sejam submettidos á apreciação da camara (apoiados).
Parece-me, sem querer de modo algum offender a minha modéstia, ter respondido aos argumentos ou antes às duvidas apresentadas pelo sr. Santos e Silva.
Agora cumpre-me simplesmente dizer duas palavras ao sr. Barros e Cunha.
O sr. Presidente:- Peço ao sr. deputado que discuta sómente a sua proposta, reservando para occasião opportuna outras observações que porventura tenha a fazer.
O Orador: - Respeito e acato profundamente a sua opinião; mas v. exa. não póde deixar de concordar que eu ficaria numa posição singular se porventura não dissesse duas palavras ao illustre deputado que me precedeu,
Eu alludi aqui, em apoio da minha proposta, a algumas palavras que s. exa. proferiu, as quaes tinham a interpretação que eu lhes dei. S. exa. veiu agora dar lhe uma nova interpretação, e era necessario que o fizesse, porque não me parece que, quando se trata de discutir princípios constitucionaes, seja necessario recorrer ao Evangelho. Nós temos muitos códigos políticos, e temos mesmo a letra expressa das leis a que recorrer, e não julgo necessario ir colher flores e argumentos por todos os ramos da encyclopedia, a fim de justificar qualquer opinião.
Não me lembra agora bem a palavra que s. exa. proferio; mas parece-me que fallou em mercenarios.
O sr. Barros e Cunha:- Operários é que eu disse.
O Orador:- Muito bem; isso é outra cousa. Mas eu pela minha parte não quero nunca deixar de protestar solemnemente, como ainda agora fiz, contra qualquer interpretação que nos possa ser menos favorável.
Não li ainda o discurso do illustre deputado. O sr. deputado retirou toda e qualquer offensa a esta camara, se alguém podesse julgar que elle lha tinha dirigido. Logo que o sr. deputado collocou a questão neste terreno, posso proseguir; mas quero ainda dizer que havia de reagir solemnemente contra as expressões proferidas pelo illustre deputado, no sentido por que as interpretei, e, como eu, todos ou quasi todos os membros desta casa.
Dito isto, repito o que ha pouco afirmei, e é, que todas as vezos que a esta casa se soltar uma expressão que posta ter uma interpretação monos rasoavel, hei de protestar solemnemente contra ella, porque prezo a dignidade do parlamento, e entendo que, sem que elle seja respeitado e acatado como instituição política, a mais elevada do paiz, nós caminhamos por um trilho muito errado. Esse é, sr. presidente, o caminho mais próximo e directo para irmos cair no abysmo das dictaduras, o qual muitos srs. deputados têem escavado com certos desvarios, que eu não quero qualificar.
Tenho dito.
O sr. Mariano de Carvalho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se esta matéria está ou não sufficientemente discutida (apoiados).
Julgou-se discutida, e em seguida foi approvada a proposta do sr. Osório de Vasconcellos.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM NO DIA

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei n.° 10

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou devidamente a proposta de lei n.° 3-F, pela qual o governo pretende que o preço da venda dos bens nacionaes seja realisado, na sua totalidade, em moeda metallica, e conseguintemente revogadas as disposições da lei de 13 de julho de 1863 e do regulamento de 12 de dezembro do mesmo anno, que permittem aos compradores o pagamento em títulos de divida fundada, de metade do preço das vendas de taes bens.
Considerando que da approvação da proposta supracitada ha de resultar vantagem para o thesouro, visto que a receita de tal proveniência proporcionará ao governo recursos de que immediatamente, e sem depreciação, poderá servir se para occorrer a uma parte da despeza publica;
Considerando que, embora a approvação de tal proposta de lei traga como consequencia a diminuição da procura no mercado dos títulos de divida fundada, obstará a que o governo augmente a offerta desses mesmos títulos, visto que não os recebendo nas vendas de que se trata os não poderá vender;
Considerando que para o credito publico será sempre uma importante vantagem não ser o governo compellido a realisar no mercado vendas mais ou menos consideráveis de títulos de divida publica, vendas que, pelas circumstancias que ordinariamente as determinam, affectam o valor intrínseco dos mesmos titulos;
E considerando finalmente que, se a circumstancia de terem os possuidores de taes titulos, quando queiram comprar bens nacionaes de se desfazer dos mesmos titulos, importa um prejuizo immediato, esse prejuízo será fictício, visto que é a praça que faz o preço das vendas dos mesmos bens:
É a vossa commissão de parecer que a proposta do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O preço da venda dos bens nacionaes será realisado, na sua totalidade, em moeda metallica.
Art. 2.° Fica revogada sómente nesta parte a lei de 13 de julho de 1863 e regulamento de 12 de dezembro do mesmo anno.
Sala da commissão de fazenda, era 5 de dezembro de 1870. = Anselmo José Braamcamp = Alberto Carlos Cerqueira de Faria - João José de Mendonça Cortez = Alberto Osório de Vasconcellos = José Joaquim Rodrigues de Freitas Júnior -António Augusto Pereira de Miranda = Henrique de Barros Gomes = José Dionysio de Mello e Faro- Mariano Cyrillo de Carvalho - Eduardo Tavares, relator.
(Pausa.)
O sr. Presidente: - Como ninguém pede a palavra vou pôr o projecto á votação. Os senhores que o approvam, tenham a bondade de se levantarem.
O sr. Santos e Silva: - Peço a palavra.

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O sr. Presidente: - Não lha posso conceder! porque já não é occasião própria.
Não se levantou suficiente numero de srs. deputados para o approvar.
O sr. Presidente:- Tem a palavra o sr. Santos e Silva.
O sr. Santos e Silva: - Como v. exa. disse que estava approvado o projecto, não sei se é sobre a generalidade ou sobre a especialidade que me dá a palavra.
O sr. Presidente: - Eu não disse que o projecto estava approvado; tratava se de votar, por isso não podia dar a palavra ao sr. deputado. Como não houve votação, concedi a palavra.
O sr. Santos e Silva: - Não me levanto para combater este projecto, mas preciso esclarecer-me antes de o votar. Necessito que o sr. ministro da fazenda tenha a bondade de me dizer qual foi o termo médio do producto da venda dos bens nacionaes, nos tres ou cinco últimos annos; producto metallico e em inscripções que entrou, neste espaço de tempo, nos cofres do estado.
Por esta forma se poderá avaliar quaes são os verdadeiros resultados e vantagens que desta medida advém ao thesouro. Nem o relatório que precedeu a proposta do governo, nem o relatório que precede o projecto de lei em discussão, me dão esclarecimentos satisfactorios a tal respeito. Desde que se liga â esta medida uma certa importancia financeira, eu não posso deixar de indagar até onde vão esses beneficios ou essa receita.
Á primeira vista parecerá a muita gente que esta medi da não é vantajosa por um motivo que, se não é verdadeiro, deve aqui hoje ser desfeito.
Muita gente suppõe que as inscripções que entram na compra dos bens nacionaes são canceladas, amortisadas ou inutilisadas, e que por consequencia o governo poupa por esse modo o juro que lhes corresponde, resultando tambem desta subtracção de titulos da circulação a diminuição da offerta, e por consequência o augmento do pedido e a elevação do seu preço ou cotação. Isto é trivial e conhecido de todos. Se assim é, as actuaes operações da venda de bens nacionaes significam, ainda que em pequena escala, uma verdadeira amortisação das nossas inscripções.
Hoje que o governo por este projecto não aceita titulos na compra dos bens nacionaes, para cancelar ou amortisar, poderá concorrer este facto para a depreciação do valor dos nossos titulos no mercado.
Esta circumstancia faz impressão no animo de muitos, porque se suppõe acabada uma operação, que podia concorrer para a elevação dos nossos titulos no mercado, pela sua procura e emprego na compra de bens nacionaes.
Agora ficam elles na mão dos possuidores, e deixam de ter a applicação, que tinham tido até aqui, com vantagem para os compradores, e quiçá para o credito publico.
Desejo portanto que se desfaçam as duvidas, que se destruam os argumentos, levantados contra este projecto, e que ao mesmo tempo a camara e o paiz fiquem esclarecidos sobre as suas vantagens financeiras e economicas.
São estas as observações que tenho por ora a fazer.
O sr. Eduardo Tavares: - Na qualidade de relator do projecto de que se trata, vou responder ao illustre deputado que me precedeu como poder e souber, sem tomar muito tempo á camará, não só porque o assumpto não se presta a um grande desenvolvimento, mas tambem porque a não quero enfastiar com a minha pobríssima dialectica.
O projecto do governo tem por fim cassar a faculdade que tinham, pela lei de 13 de julho e regulamento de 12 de dezembro de 1863, os indivíduos que quizessem comprar bens nacionaes, de pagar metade em titulos de divida publica e outra metade em moeda metallica.
Quando este projecto me foi distribuído, tive as mesmas duvidas que teve o illustre deputado e meu amigo, porque supponha que os titulos provenientes das vendas desses bens eram amortisados, e deixariam de o ser se o projecto que se discute fosse convertido em lei.
V. exa. sabe que eu tenho grande amor ao principio da amortisação, e que seria uma incoherencia imperdoavel da minha parte dar a minha approvação a uma proposta de lei desfavorável a esse principio, quando, poucos dias antes, eu tinha apresentado aqui um projecto em que, com relação á divida interna, consagrava esse mesmo principio, que reputo sempre uma vantagem, pelo menos relativa, quaesquer que sejam as circunstancias do thesouro.
Mas a verdade é que, em nenhuma das disposições da lei de 13 de julho de 1863 e do regulamento de 12 de dezembro do mesmo anno, apparece a prescripção de que esses títulos devam ser amortisados; esses títulos entram na receita geral do estado, e o governo acha-se perfeitamente auctorisado a dispor delles como lhe convier, isto é, recebe-los em uma das mãos, e vende-los logo com a outra.
No orçamento do estado o illustre deputado verá, se quizer, na nota desenvolvida que diz respeito aos próprios nacionaes, qual a somma provável, orçada no que toca á venda annual dos bens nacionaes, tanto em metal como em inscripções; posso dizer-lhe que essa somma vem calculada, no orçamento para 1870-1871, apresentado pelo illustre ex-ministro, o sr. Anselmo Braamcamp, approximadamente em 100:000$000 réis.
As apprehensões do illustre deputado teriam todo o cabimento, e eu não teria dado o parecer que dei, se effectivamente os titulos fossem destinados a amortisação, e deixassem agora de o ser; porém desde o momento em que isto se não realisa, eu não tive duvida em relatar, approvando-a, a proposta do governo que neste momento se discute.
Creio que nesta parte tenho respondido ao illustre deputado e meu amigo, mas não sei se ficará satisfeito quanto eu desejava que ficasse.
Com relação á media das vendas de bens nacionaes nestes últimos cinco annos, não tenho aqui a nota respectiva; pedi, pela mesa, que me fossem enviados alguns esclarecimentos, mas a direcção dos próprios nacionaes não mos póde mandar. Seguramente não foi porque os intelligentes empregados daquella repartição não tivessem vontade de os colligir, naturalmente outros trabalhos de mais momentosa importância impediram que fosse satisfeito o meu pedido.
Não tenho, por conseguinte, diante de mim a nota do producto da venda nos últimos tres ou cinco annos, que o illustre deputado deseja; eu sei extra-officialmente que ha ainda uma massa considerável de bens por vender, e parece-me que me não enganarei muito dizendo que os disponiveis para prompta venda orçam talvez pela importante somma de 1.200:000$000 réis, sem fallar em alguns edifícios do estado que na actualidade são occupados por differentes repartições dependentes dos ministérios da guerra e obras publicas.
Devo dizer, no entretanto, com respeito á nota, que o illustre deputado desejava, do producto das vendas nos últimos três ou cinco annos, que pelo calculo, já citado, do orçamento, se pode deduzir approximadamente a media, porque esses cálculos baseiam-se, como o determina o regulamento de contabilidade, no producto da receita, a que respeitam, nos últimos annos. Já por conseguinte o illustre deputado vê que a media deve orçar por 100:000$000 réis approximadamente.
Nada mais tenho a acrescentar, nem me parece que seja necessário.
O sr. Ministro da Fazenda: - Nada tenho que acrescentar ao que disse o illustre deputado, relator da commissão, que na minha opinião deu explicações cabaes a respeito deste projecto, mas é unicamente para me congratular pela apresentação dessas objecções e dessas perguntas.
Eu entendo que a apresentação dessas duvidas é sempre conveniente, quando ellas são assim cabalmente res-

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pendidas, porque não fazem senão auctorisar as providencias que o parlamento discute e resolve que sejam convertidas em lei do estado.
O pensamento desta proposta é a realisação da venda dos bens nacionaes numa espécie indispensável para occorrer às despesas publicas, insuficientemente custeadas pela receita do estado, sem que dessa venda possa resultar prejuízo algum para o thesouro.
O illustre deputado não combateu o projecto; apenas pediu explicações, que já foram cabalmente dadas pelo sr. relator da commissão, e eu nada mais tenho a dizer.
O sr. Santos e Silva: - Fiquei esclarecido em relação a umas duvidas que apresentei, duvidas que não eram talvez minhas, porque tinha já lido o relatório que num dos seus considerandos implicitamente as destroe.
O que eu queria ouvir do illustre relator da commissão ou do governo era qual o destino dado às inscripções empregadas em bens nacionaes. Muita gente suppõe que era o da amortisação, e o illustre relator da commissão (com quem eu conversei ácerca deste projecto), tinha as mesmas duvidas que eu, como acaba de declarar.
Encaremos agora o projecto debaixo do seu ponto de vista essencialmente productivo ou financeiro, attendendo aos lucros ou receita que elle póde dar para o thesouro. Esta pergunta não foi respondida.
Pretendi saber qual o termo médio do producto da venda dos bens nacionaes em três ou cinco annos, tanto em metal como em inscripções, para avaliar o que o estado de hoje por diante ficaria annualmente ganhando. Se o thesouro recebia, por exemplo, annualmente 100:000$000 réis, metade em dinheiro, metade em inscripções, admittindo que continua o mesmo movimento de compra e venda, e que se realisam annualmente 100:000$000 réis em metal, está claro que a receita publica será acrescentada com uma certa diferença metallica em relação ao valor das inscripções. É esta differença, creio eu, que representa em algarismos o valor financeiro desta medida. Esta differença ou este augmento é incerto, e está essencialmente subordinado á cotação das inscripções (apoiados).
Se o sr. ministro da fazenda tem tenção de favor alguma operação financeira sobro os bens nacionaes, póde ser que esta medida tenha algum alcance. i£ outra questão, o, nesta hypothese, não posso calcular as vantagens dessa operação, porque não sei quaes as bases em que será realisada.
Mas se collocarmos a questão no campo do orçamento, ou da venda annual dos bens nacionaes, não me pareço que tenha qualquer significação esta medida do fazenda. Era este ponto, que eu desejava ver bem esclarecido pelo sr. ministro da fazenda. Avaliemos de vez a alta importância desta lei, que pertence ao numero das salvadoras.
No relatório faltado do sr. ministro da fazenda, quer dizer no discurso com que s. exa. procedeu ou acompanhou a apresentado das suas medidas financeiras, parece me que ha uma allusão a este projecto de lei. Se me não engano, s. exa. encareceu as suas vantagens (apoiados). Necessitamos, pois, saber quaes são.
Não fazendo a conta a qualquer occulta operação, que o sr. ministro da fazenda tenha em mente, supponho que a questão se póde reduzir aos seguintes termos: os lucros para o thesouro cifrara se na differença que houver entre réis 50:000$000 em metal, e 50:000$000 réis em inscripções, valor nominal (apoiados}.
Quer dizer, tomando para ponto do partida uma cotação de 33 1/2 por cento, que é a actual, pouco mais ou menos, o governo lucrará annualmente pouco mais de 32:000$000 réis, ou 2/3 de 50:000$000 réis (apoiados).
Creio, que não passará disto o alcance financeiro desta medida. Se o alcance é outro, é mais uma rasão para eu insistir neste ponto, para que de vez nos sejam fornecidos esclarecimentos, que até agora debalde pedi.
Ha poucos momentos, nesta sessão, o nobre presidente do conselho de ministros veiu em auxilio dos que pediram nocturnas, em nome da urgencia de discutir assumptos importantes de fazenda.
Fiz algumas reflexões, mas não me oppuz a ellas, em nome das promessas, ha pouco feitas pelo nobre marquez de Avila, nas quaes já não tenho grandes rasões para confiar.
Uma voz: - Temos a reforma das pautas, que é importante.
O Orador:- E quando se dará parecer sobre a reforma das pautas? Para janeiro, fevereiro, ou para março. Quando vem o parecer sobre o augmento do imposto na propriedade territorial? Naturalmente para janeiro. Quando se apresenta o parecer sobre a proposta dos arrozaes? Para fevereiro, provavelmente. Quando vem o projecto sobre a contribuição pessoal? Talvez para março.
Tudo isto ha de ficar para o anno que vem, porque a commissão de fazenda, ou o governo, não quer resolver estas questões agora; se quizesse já teria dado rasão de si. Apresenta-nos medidas insignificantes, e deixa o que é importante para as kalendas gregas (apoiados).
Não foram estas as promessas que se nos fizeram. Quando o governo prometteu apresentar medidas importantes nesta sessão, compremetteu-se tambem á sua discussão. Esta é que é a verdade (apoiados).
Sr. presidente, não me opponho com o meu voto á approvação desta medida, cujo alcance financeiro é duvidoso.
Voto-o todavia, apesar de não ter sido esclarecido satisfactoriamente pelo governo. Esquecia-me fazer uma rectificação. Quando ha pouco avaliei, segundo o meu modo de ver, os lucros em algarismos desta proposta de lei, figurei uma hypothese favorável para o thesouro, que está bem longe de se dar. Quero dizer, as propriedades nacionaes que até aqui se compravam e vendiam por 100:000^000 réis, sendo metade em inscripções, o que equivale, segundo a actual cotação, a 66:000$000 réis, números redondos, estai ao longe, de hoje em diante, de ser compradas e vendidas por 100:0000$000 réis em metal (apoiados).
É natural que o comprador saiba fazer soffrivelmente as suas contas.
O sr. Ministro da Fazenda:- Parece-me que depois das explicações dadas pelo sr. relator da commissão, a camara e o illustre deputado devem ter perfeitamente comprehendido a necessidade que ha de se approvar o projecto; e dos documentos, que estão já impressos, consta tambem qual é a importância da venda dos bens de que se trata. E devo declarar que a vantagem do projecto é superior á que póde vir da venda destes bens. O governo póde realisar vendas com mais vantagens, no que póde fazer uma economia, demonstrando que tem estes valores realisaveis na sua posse, para poder levantar as som mas de que precise, e parece-me que é sempre um bem, financeiramente fallando, ter o governo meios de poder realisar receita sem encargos onerosos. Ora o projecto que se discute conduz exactamente a este fim. Depois esta idéa não é nova: o sr. Dias Ferreira foi o primeiro que a apresentou, e depois a mesma idéa fez parte das indicações apresentadas por uma commissão externa.
Mas eu não quero alargar-me nesta discussão, e portanto fico por aqui.
Posto a votos o projecto na generalidade, foi approvado.
Passou-se á especialidade,
Artigo 1.° - approvado.
Artigo 2.° - approvado.
Entrou em discussão o projecto de lei n.° 11.
É o seguinte:

Projecto de lei n.° 11
Senhores.- Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposta de lei n.° 3-H, ácerca da abolição do quinto differencial de que trata o artigo 27.° dos preliminares da pauta geral das alfândegas, com respeito às mercadorias importadas em embarcações de paizes onde não existir direito análogo.

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A navegação desenvolve-se quando a industria, a agricultura e o commercio prosperam; será, portanto, grande incoherencia pretender que a navegação progrida, e ao mesmo tempo estorvar o tracto mercantil.
Neste caso de incoherencia está o direito differencial legislado em 18 de outubro de 1841, com o fim de proteger a industria de construcções navaes; direito inconveniente ainda quando impendesse de artifícios aduaneiros o engrandecimento da industria.
Em verdade, havendo uma taxa de nacionalisação de embarcações, por esta se regulava a concorrência das nossas construcções navaes com as dos outros povos, e não pelos favores concedidos á carga, favores de todo independentes do logar onde o navio fosse fabricado.
Alem disto, conforme as variações das taxas aduaneiras sobre todas as mercadorias, assim variava a supposta protecção á marinha mercante portugueza; estas alternativas não ha escóla que as considere profícuas.
E como o quinto differencial recae sómente sobre commercio indirecto, a nossa marinha mercante é obrigada a concorrer com as das nações que maior commercio têem conmosco; resta-lhe o favor no trafego com portos donde mandemos vir poucas mercadorias sujeitas a grandes taxas. Nestes casos o quinto differencial póde ser relativamente valioso; mas pequena importância tem para a navegação em geral, e damnifica as transacções, tolhe a iniciativa, transtorna os cálculos do commercio e retarda as remessas.
Tanto damno em troca de problemáticos benefícios não é proteger o trabalho nacional, é opprimi-lo.
A commissão deve ainda ponderar que por mantermos ainda tal legislação, têem os navios portuguezes sido estorvados de ir dos portos do Brazil aos dos Estados Unidos, porque a applicação de princípios analogos aos que temos até agora adoptado, é a lição impressiva que casa vasta republica nos dá ácerca do erro que ternos commettido; e no Brazil estão sempre muitos navios nossos, que encontrariam prompto e proveitoso frete para a America do norte, já porque são grandes as nossas relações naquelle império, já porque os capitães portuguezes não ficam inferiores aos que melhor tratam as mercadorias.
Outros meios que não o quinto differencial podem contribuir para o augmento da industria de construcções navaes. Um delles é a diminuição dos direitos das matérias primas; e a commissão regista com prazer que o sr. ministro da fazenda trata de attender a esta necessidade na proposta que tenciona apresentar brevemente ao parlamento. Por estas considerações, que nos parecem fundamentaes e claras, e nos dispensam de entrar no desenvolvimento de uma questão já apreciada em vários relatórios officiaes, e nos de muitas associações commerciaes, a vossa commissão, depois de ter ouvido a illustre commissão de commercio, é de parecer que a proposta do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E abolido o quinto differencial de que trata o artigo 27.° dos preliminares da pauta geral das alfandegas, com respeito às mercadorias importadas em embarcações de paizes onde não existirem direitos análogos.
Ar t. 2.° E auctorisado o governo a supprimir o mencionado direito com relação áquelles paizes onde vier a dar-se a concessão reciproca para os navios mercantes e commercio de Portugal.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario. Sala da commissão, o de dezembro de 1870. = Anselmo José Braamcamp = Alberto Carlos Cargueira de Faria = António Maria Barreiros Arrobas = Henrique de Barros Gomes = António Augusto Pereira de Miranda = José Dionysio de Mello e Faro = Alberto Osório de Vasconcellos = Eduardo Tavares = Mariano Cyrillo de Carvalho = José Joaquim Rodrigues de Freitas Júnior, relator.
Pertence ao n.° 11
Senhores - Á vossa commissão de commercio foi remettida pela commissão de fazenda a proposta de lei n.° 3-H, apresentada pelo sr. ministro da fazenda na sessão de 22 de novembro, e que tem por fim abolir o quinto differencial de bandeira, de que trata o artigo 27.° dos preliminares da pauta geral das alfandegas.
Esta commissão, considerando que os factos mostram que aquella disposição não tem produzido o desenvolvimento da industria de construções navaes, e que ao mesmo tempo estorva o commercio de procurar os meios orais económicos de transportar os productos de uns para outros portos;
Considerando que o sr. ministro da fazenda já prometteu trazer ao parlamento uma proposta de reforma pautal, em que fossem diminuídos os direitos das matérias primas das construcções navaes, vindo assim auxiliar mais eficazmente os seus progressos, do que o quinto differencial de bandeira:
E de parecer que a referida proposta deve ser approvada.
Sala da commissão, 5 de dezembro de 1870.= José Dionysio de Mello e Faro = António Augusto Pereira de Miranda = José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães = José Joaquim Rodrigues de Freitas Júnior, relator.
Foi approvado na generalidade sem discussão.
Artigo 1.° - approvado sem discussão.
Artigo 2.°
O sr. Santos e Silva: - Não me opponho a este artigo nem ao projecto [...] mesmo o artigo 1.° foi votado sem eu estar aqui [...] portanto que approvo este artigo, assim [...] o projecto; mas, como se está tratando [...] lei saídos da commissão de fazenda, quero [...] a attenção da camara e do paiz, para que se saiba que por ora não nos estamos occupando de projectos alguns que tendam a resolver a grande questão financeira.
Feita esta declaração, só tenho a dizer que voto o parecer.
O sr. Barros Gomes: - S. ex.a, o sr. Santos e Silva, pareceu dirigir-se á commissão de fazenda, increpando-a até certo ponto por não ter ainda formulado os pareceres sobre as propostas tributarias do governo.
Direi a s. ex.a, que hoje mesmo serão apresentados á camara alguns dos pareceres relativos às medidas do governo que tendem a elevar a receita, dando-se assim satisfação, não só á camara, mas a todo o paiz.
Vozes:- Muito bem.
O artigo 2.° foi approvado.
Artigo 3.°-foi approvado.
O sr. Jayme Moniz: - Tenho a honra de mandar para a mesa o diploma do illustre deputado eleito António Augusto Teixeira de Vasconcellos, e peço a v. ex.ª que tenha a bondade de o mandar á commissão respectiva, para ella dar com a maior brevidade o seu parecer.
O sr. Presidente: - Vae á commissão de verificação de poderes.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM no DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO no PROJECTO DE LEI N.° 4 SOBRE O BILL DE INDEMNIDADE
O sr. Candido de Moraes: - Pouco tenho que acrescentar ao que disse na ultima sessão ácerca do projecto que se discute. Se não fosse até o mau estado da minha saúde teria eu pedido a v. ex.ª e á camara a bondade de me permittirem que terminasse mesmo naquella sessão. Já estava, porém, muito fatigado, e na impossibilidade de continuar não fiz esse pedido, nem poderia usar da concessão se, tendo-a pedido, me fosse feita.
Referia-me eu, pouco antes de terminar a sessão de antehontem, aos arrolamentos; esse abysmo profundo, essa medida abominável e fatal, essa barreira insuperável que separa completamente os dois partidos - reformista e histórico.
Faltando, sr. presidente, mas por esta vez sómente, ao preceito que me tinha imposto, ao começar o meu discurso,

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alludirei a uma asserção do meu amigo e collega o sr" Luiz de Campos.

S. exa. entende que o partido histórico faltara aos seus deveres quando alguns dos seus membros, seguindo os preceitos da delicadeza, acediam aos convites dos chefes do partido reformista e iam assistir ás conferencias, para as quaes s. exas. com a mesma delicadeza solicitavam a presença d'aquelles cavalheiros.

Accusaram o partido histórico de ter commettido atrocidades, e accusaram-nos aqui de termos enchido o tal abysmo cos arrolamentos, de o termos cumulado de cadaveres. Pois seria indignidade da nossa parte accedermos ao convite delicado de s. exas., e não seria menos próprio da do partido reformista o fazer convite aos mesmos homens que tinham procedido por aquella fórma? Eu abstenho-me de quaesquer considerações mais sobre este ponto.

Mal pensava eu quando aqui fallava que havia de encontrar, voltando a casa depois d'aquella sessão, a cabal demonstração de que os arrolamentos foram unicamente condemnados n'aquella epocha em que se serviram d'elles contra nós como arma politica, em que se serviram ainda d'elles como arma injusta (apoiados) e iniqua contra as necessidades urgentes e reconhecidas da nação. Mandaram-me de uma das ilhas dos Açores uns jornaes, aonde vem transcriptas as diversas representações que os povos do districto de Angra do Heroismo enviaram ao governo manifestando a sua indignação justa contra a iniquidade da distribuição dos impostos que são obrigados a pagar, representando a favor dos arrolamentos que se faziam n'aquella ilha, e contra o decreto que suspendeu a sua execução.

Os povos dos districtos açorianos o que pagam quanto devem pagar e muito mais do que devem pagar em relação aos continentaes, e que têem pago tudo sempre sem reacção} sem hesitação e sem promoverem aos poderes publicos difficuldades que aqui em alguns dos districtos do continente se lhes pretendem suscitar, entendem que chegou o tempo de fazer sentir ao governo que elle lhes pretende impor uma obrigação de que se não podem desempenhar. Faziam-se nos Açores os arrolamentos sem a menor dificuldade, e eram bem recebidos, porque da execução d'esses arrolamentos se entendia que havia de resultar ajusta distribuição das contribuições relativamente aos districtos do continente, e relativamente aos diversos concelhos de que se compõem os differentes districtos, e ás freguezias de que se compõem esses concelhos. Suspenderam-se esses arrolamentos. Eis-aqui como os povos se exprimem em relação a esse facto. Permitta-me v. exa. que eu leia (leu).

Eis aqui um trecho de uma representação (leu).

Eis o que diz outra (leu).

Eis aqui está como se exprimem aquelles que pagam o que devem, e que têem pago muito mais do que deviam sem queixume.

Disse aqui o sr. Gamara Leme, meu illustre amigo e camarada que muito respeito, que uma das causas da sublevação de 19 de maio foi a desconsideração praticada para com o sr. duque de Saldanha =. Faço mais justiça ao nobre caracter do duque de Saldanha, do que s. exa. fez ao seu proprio amigo. Era impossivel que uma causa d'esta ordem, um capricho infantil, podesse dar origem a um acto d'aquella natureza. O nobre marechal trabalhou muito em prol da causa liberal. Auxiliou poderosamente os seus companheiros de armas, prestou-lhes o principal auxilio quando elles tratavam de conquistar as liberdades patrias. Outros fizeram tanto como elle, Elevemos-lhe um monumento, mas não guindemos tanto o pedestal até venha a ser monstruoso, e sobretudo colloquemo-lo de fórma que a sua sombra se não projecte nos monumentos que tambem temos obrigação de levantar aos vultos nobres e gloriosos que, tanto como s. exa., contribuiram para que triumphasse a causa que elle defendeu.

Referir-me-hei agora especialmente ao decreto dictatorial da promoção, e responderei ás accussações que o sr. Camara Leme directamente me fez, por eu ter tido a honra de apresentar ao parlamento um projecto de lei estabelecendo a annullação d'essas promoções feitas por decreto de 21 de julho do corrente anno.

Foi ella concedida por serviços ultimamente prestados.

Ha apenas uma unica interpretação que convenha a esta palavra ultimamente, e eu não lhe quero dar essa interpretação.

Não sei se o governo da dictadura teve em mente legislar, ou simplesmente decretar segundo as attribuições concedidas pela carta ao poder executivo. Arguimo-me s. exa. pela supposta confusão dos poderes do estado.

Não sei quaes foram as suas intenções e dos seus colle-gas, publicando aquelle decreto das promoções, e seria mesmo muito difficil attingir a verdadeira significação d'ellas, mas entendo que o governo dictatorial legislou fazendo, como fez, aquella promoção.

Não havia em parte alguma da legislação que regulava o assumpto uma unica determinação que podesse justificar uma promoção feita por-serviços ultimamente prestados -. Em parte alguma havia essa determinação.

Dar-se-iam porventura circumstancias extraordinárias nos individuos promovidos, e seria essa a unica justificação do facto; dar-se-iam circumstancias extraordinarias no paiz? Mas, se se davam essas circumstancias, só ao poder legislativo cumpria resolver em relação á situação especial d'esses individuos. São os principios que o dizem. É esta a pratica geralmente seguida; é isto o que estabelecem todos os arestos parlamentares. Ora para annullar uma lei devia-se apresentar no parlamento um projecto; é a norma a seguir.

Disse o sr. D. Luiz da Camara Leme, que não foi violado o decreto de 10 de dezembro de 1868, porque esse decreto não está em execução.

Peço perdão e licença a s. exa. para provar o contrario; mas esse decreto está effectivamente em execução.

Referiu-se s. exa. a dois avisos, que passo a ler. Dizem esses avisos (leu).

Subsistem as bases do decreto a que me refiro; subsistem todos os principios em que elle se funda; subsiste, finalmente, tudo o que não for regulamentar e que ali se determina.

Mas que me importa esses avisos absurdos e ineptos? Eu, deputado da nação portugueza, poderei porventura reconhecer auctoridade n'esses avisos, poderei reconhecer que o ministério da guerra está no seu direito, suspendendo a execução de uma lei a seu capricho? Não posso reconhecer isso.

Esses avisos, insertos nas ordens do exercito n.ºs 3 e 30, do anno de 1869, são absurdos, não têem auctoridade, não podem neta devem ser mesmo executados.

Supponhamos, porém, que está suspenso o decreto de 10 de dezembro de 1868, e supponhamos, como é natural, dada a primeira hypothese, que está em vigor a legislação anterior, se o ministerio da guerra não quizer outra cousa. Qual é essa legislação? Essa legislação estabelece que as promoções só se possam fazer por antiguidade, excepto n0 caso de distincção no campo de batalha.

Em 1837 foi, por ordem do sr. marquez de Sá da Bandeira, creio eu, instituida uma commissão com o encargo especial de rever toda a legislação que se referia a este assumpto de promoções militares, e essa commissão affirma no seu trabalho, que é immemorial a pratica seguida no nosso exercito de serem as promoções geralmente feitas por antiguidade; cita o relatorio a resolução de consulta do conselho de guerra de 1761, e toda a legislação posterior, confirmando isto mesma.

O regulamento de infanteria, de 1763, estabelece, de uma maneira clara e positiva, que o preceito de antiguidade será, sempre que possa ser, considerado para as promoções de um posto para outro, e essa regra nunca foi violada. Era a legislação que, com modificações accidentaes, vigorava até á publicação do decreto de 10 de dezembro de 1868.

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Por consequência, ainda mesmo suppondo que o decreto de 10 de dezembro de 1868 não rege, como entendo que rege, o assumpto a que mo refiro das promoções militares, toda a legislação anterior seria a confirmação da doutrina desse decreto, que apenas se aparta della nas normas seguidas ato ali, estabelecendo regras fixas para a demonstração de capacidade para o exercício dos postos, estabelecendo os exames para majores e as habilitações que os coronéis devem ter para serem elevados ao generalato, regras que sempre existiram com ligeiras alterações, que, se tivessem sido observadas, seria isso de uma grande utilidade para o nosso exercito, e não teríamos a lamentar hoje que indivíduos, que não quero designar e a quem não me quero referir, mesmo senão desta maneira geral, occupem posições militares tão eminentes como occupam.
A guarnição de Lisboa não adheriu ao movimento de 19 de maio, ar. presidente. A guarnição de Lisboa estava formada nessa occasião debaixo das ordens do sr. general commandante da divisão, no Terreiro do Paço; obedeceu às determinações do governo e às do poder moderador, quando este lhe disse que tinha constituído novo governo, demittindo o anterior. A guarnição de Lisboa conservou-se fiel aos princípios de disciplina e de subordinação, e só recolheu a quarteis, tranquilla, silenciosa e triste, quando recebeu a ordem, a que entendeu dever obedecer, e não quiz constituir-se revolucionariamente.
Os militares, a generalidade dos militares, póde mesmo estabelecer-se a totalidade, porque são poucas as excepções, são pouco dados á insubordinação, são nobres os seus sentimentos, não podiam por forma alguma associar-se a uma opinião manifestada por soldados que não cumpriram o seu dever.
O outro objecto, de que desejo fazer a critica, é a organisação da legião ultramarina.
A legião ultramarina foi creada com o explendor insólito entre nós que amesquinhâmos tanto as cousas militares.
Em contradicção com a pratica, tão invariavelmente seguida, crearam-se batalhões de caçadores, estabeleceram-se estados maiores grandiosos, baterias de artilheria e o correspondente quadro de uma organisação de forças consideráveis, tendo o seu quartel permanente em Lisboa.
Não sei qual foi a idéa que presidiu á creação de tal legião, e não me associo á apreciação, que se fez então e continua agora a fazer se, sobre os motivos que originaram aquella invenção luxuosa.
Seja verdade ou não o que por ahi corre, para mim é indifferente, e não é debaixo desse ponto de vista que desejo encarar a questão.
Invocando-se as necessidades urgentes, que são obvias e provém das circumstancias que se dão no ultramar em relação às forças que são mandadas daqui para lá em diffe-rentes epochas, forças que na totalidade se podem considerar como companhias ou depósitos disciplinares, pelo modo da sua organisação, observando-se principalmente as difficuldades que encontram todas essas forças por falta de aclimatação, admira que se fosse estabelecer o quartel daquella legião em Lisboa.
Ninguém dirá que o clima de Lisboa é próprio para predispor homens a habilitarem-se a soffrerem os rigores dos climas africanos. Mas essa legião tinha grandes inconvenientes debaixo do ponto de vista económico. A sua sustentação ficava a cargo da metrópole, emquanto que os contingentes mandados para o ultramar, e a parte do nosso exercito que é obrigado a servir nas colónias, fazem a despeza pelos cofres dessas colónias.
Por consequência, como a legião ultramarina não nos dispensava de termos ali as forças que actualmente guarnecem as nossas differentes possessões, visto que era creada para fazer nada em Lisboa, teríamos augmentado a verba da despeza do nosso orçamento, sem utilidade alguma, com a sustentação de homens que não tinham nem podiam ter em Lisboa occupação alguma,
Nós carecemos effectivamente de algumas cousas para se obstar aos vícios de organisação que levam daqui as forças que são mandadas servir no ultramar.
Precisámos ter aqui em Lisboa uma força sempre prompta a marchar, e termos um quadro fixo, fiscalisação, instruindo e disciplinando; porém, esse quadro deve ser limitado pelas necessidades eventuaes que possam dar-se, necessidades que são fáceis de attender, porque nós não teremos nas nossas possessões africanas nem as campanhas da Bohemia nem as da França; essas não se reproduzirão lá. Em relação á África, nós precisamos ter organisada uma força que marche quando for necessário, e a que for necessária, e tal que fique apenas a bastante para ser augmentada, a fim de se promptificar novamente e num curto praso para, como a primeira, acudir às necessidades urgentes e de momento. Agora o que nós não precisamos, o que não tem justificação possível, é a organisação de uma legião ultramarina na metrópole.
Limito por aqui as minhas observações em geral, com respeito aos differentes pontos a que me tenho referido; e, na discussão da especialidade do projecto, farei então a analyse de cada um dos §§ de que se compõe o artigo 2.° Tenho concluído (apoiados).
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(Vários srs. deputados foram comprimentar o orador.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Artigo 1.° E relevada a responsabilidade em que incorreu o governo pelas medidas de natureza legislativa que promulgou desde o dia 29 de agosto do presente anno em diante.
Art. 2.° E igualmente relevada a responsabilidade em que incorreu o mesmo governo pela execução de quaesquer medidas de idêntica natureza, promulgadas pelo governo de facto desde 19 de maio até 29 de agosto do presente anno.
Art. 3.° São annulladas todas as medidas de caracter legislativo promulgadas pelo governo de facto durante o periodo a que se refere o artigo precedente.
Sala das sessões,, em 9 de dezembro de 1870. = João Candido de Moraes.
O sr. A. J. Teixeira... - (O sr. deputado não restituiu seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho a eliminação do § único do artigo 2.° do projecto em discussão. = Antonio José Teixeira. Foi admittida.
O sr. Veiga Beirão: - Mando para a mesa a ultima redacção dos dois projectos de lei que ha pouco foram approvados nesta casa: o primeiro, com relação á extincção do quinto differencial e o segundo, com relação á venda dos bens nacionaes.
O sr. Barão do Salgueiro: - Participo a v. exa., que se acha constituída a commissão de estatística, tendo nomeado para presidente o sr. Costa e Silva, a mim para secretario, reservando nomear relatores especiaes para os differentes projectos que lhe forem submettidos.
O sr. Barros Gomes: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre a proposta de lei, apresentada pelo governo, que tende a augmentar o imposto denominado real de agua, estabelecendo sobre a carne o direito de 10 réis por kilogramma, e sobre o vinho o direito de 5 réis por cada litro.
Leu-se na mesa e approvou-se a ultima redacção dos projectos n.ºs 10 e 11.
O sr. Ministro da Fazenda:- Pedi a palavra em uma occasião em que me pareceu que do banco dos ministros se devia reclamar, não contra as intenções do illustre orador que me precedeu, mas contra a intelligencia litteral de algumas expressões que elle tinha empregado.
Entendi, como membro que tenho a honra de ser deste

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governo, que não podia deixar passar sem reparo algumas expressões que, indevidamente interpretadas, podiam ter uma significação inteiramente alheia às intenções do illustre deputado. Não podia conservar-me nesta logar se, quando ouvi por em duvida a liberdade completa, que o chefe do estado tinha tido ao nomear o ministerio de 20 de agosto, me não levantasse para protestar contra tal asserção (apoiados). Essa liberdade teve-a, não ha ninguém neste paiz que o não reconheça, e é-lhe garantida na constituição que nos rege (apoiados).
Se a mudança do ministerio foi feita regularmente nos termos da constituição, como podia ser objecto de censura o exercício de uma prerogativa que a carta concede ao Soberano? (Apoiados).
Não me parece que a idéa do illustre deputado, quando se referiu a um golpe destado; fosse que este ministerio estava aqui em virtude de um golpe destado, segundo a intelligencia que costuma dar-se a esta expressão, porque nenhum dos indivíduos que aceitaram o poder nessa occasião podia considerar como tal a prerogativa da corôa.
O poder executivo passou das mãos de um militar respeitabilissimo, que tem feito relevantissimos serviços a este paiz, para as mãos de outro militar que não deixou tambem de prestar iguaes serviços, e cujo caracter nobre e honrado todos reconhecem (apoiados).
Creio que ninguém póde nutrir a mais remota suspeita de que podesse imperar no coração deste illustre general outro sentimento, que não fosse o de cumprir com o seu dever de ser fiel á liberdade e independencia deste paiz, como tem sido sempre, e como o demonstra, mais do que as biographias escriptas, a presença daquelle vulto venerável (muitos apoiados).
Sr. presidente, grande indulgência para com os revolucionarios, grande indulgência para com os dictadores; mas de uma vez por todas não sejamos tão indulgeates para com as revoluções, não sejamos tão indulgentes para com as dictaduras, que a continuação seja sempre auctorisada pelos precedentes.
E o que é que as dictaduras têem alcançado entre nós, tiradas as que fazem parte de revoluções brilhantes, que não se repetem sem se inutilisarem, que não se repetem sem se tornarem prejudiciaes?
A Inglaterra tambem fez uma revolução, mas ha quanto tempo? Ha duzentos annos, e o resultado é que esta nação, onde depois disso se não têem repetido as revoluções, é a nação que hoje tem mais liberdade e mais prosperidade.
Também se não improvisam constituições, como o illustre deputado indicou que era o recurso de que a dictadura devia ter lançado mão. Ainda bem que a dictadura não seguiu o tardio conselho que o illustre deputado lhe quiz dar.
Pois o illustre deputado acredita muito nas constituições improvisadas pelas dictaduras? Pois a respeitabilidade das constituições não se compõe da permanência do seu exercício? Pois o illustre deputado suppõe que uma nação possa todos os dias fazer uso da sua prerogativa, prerogativa que aliás ninguém lhe contesta, inventando uma constituição que lhe pareça que resolve todas as necessidades do momento? Pois s. exa. suppõe que essa constituição tenha força, para que no dia seguinte o partido contrario não peça uma nova constituição, uma constituição mais recente, mais adequada aos costumes da moda ou às necessidades do momento? (Apoiados.)
O illustre deputado sabe perfeitamente que as modas podem variar muito, e estar mesmo em contradicção umas cuia as outras. Por consequência para que havemos nós estar a fazer uma nova constituição a cada commoção que apparece?
E eu duvido muito de que uma nova constituição podesse influir tanto no animo dos credores que temos no estrangeiro, que diminuíssem o juro dos adiantamentos que fazem ao governo (apoiados). Duvido muito de que obtivessemos taes resultados das cortes constituintes, se se tivessem reunido, segando o conselho do illustre deputado, e acho que a dictadura fez muito bem em não as decretar.
Mas nesse caso está o illustre deputado em opposição com a dictadura, porque no fim de contas o illustre deputado não a pode approvrar desde que entende que ella faltou ao que s. exa. entende ser o seu primeiro dever, que era estabelecer uma nova constituição.
Ainda bem que o illustre deputado fallou em these. Eu sou o primeiro a fazer-lhe justiça, e por isso, quando tomei a palavra, o que tinha mais em vista era explicar bem as palavras de s. ex.a, persuadido de que elle era o primeiro a approvar a interpretação que eu lhes dou.
Que em circumstancias extraordinárias, quando os povos não podem lançar mão dos recursos da constituição para manifestarem as suas opiniões; que em taes occasiões, e não digo que devam ser muito repetidas, porque as nações tambem se devem encher de rasão como os indivíduos; que em taes occasiões, digo, os povos lancem mão de meios extremos para saírem de situações extremas, comprehende-se; mas de modo que, compromettendo a ordem, não comprotam a liberdade. Do contrario, pelo caminho da dictadura tambem se vae ao despotismo, da mesma forma que tambem se póde chegar ao direito divino sem ser pelo regimen despótico.
Por consequência direi eu, que todas as nações que podem contar com uma constituição que lhes dá os meios de poderem satisfazer as necessidades dos verdadeiros princípios liberaes, essas nações devem respeitar a constituição que têem, e não suppor que a innovação da constituições ha de trazer a satisfação de todas as necessidades e sobretudo o respeito a constituições improvisadas (apoiados).
E difficil nas circumstancias actuaes fazer historia com a imparcialidade com que é indispensável fazel-a, e a política por outro lado é talvez tardia para satisfazer a todos os recursos da nossa muita imaginação em avaliar a importância dos actos passados, e dirigir reconvenções sobre a significação desses mesmos actos. Eu supponho que muito pouco longe iriamos seguindo esse caminho. De mais a mais o projecto que se discute não é nem a consagração, nem a condemnação do movimento de 19 de maio; não é para esse caso que se pede o bill de indemnidade. O bill de indemnidade refere se exclusivamente às medidas de dictadura que foram publicadas naquella occasião; medidas que, sou o primeiro a confessar, não foram promulgadas com a intenção de atacar nenhuma das liberdades de que gosava este povo. Mas o illustre deputado mesmo que entende que não havia necessidade de nenhuma mudança política na administração superior do paiz, foi o primeiro que reconheceu que havia o concurso de todos os partidos, pedindo que cessasse aquelle estado de cousas que existia. Entende porém o illustre deputado, que em todo o caso se devia esperar que a representação nacional se pronunciasse a respeito dos actos praticados; mas s. exa. invalidou um pouco a força deste argumento quando disse em seguida, que todos os governos exerciam uma pressão sobre a formação das camaras. Se os governos todos exercem uma pressão sobre a formação das camaras, o que eu contesto, como é que o illustre deputado via um testemunho eloquente de approvação da nação na sancção do parlamento formado debaixo da pressão do governo? (Apoiados.) Se todos os governos procuram fazer um parlamento á sua imagem, não tem valor a opinião de que era necessario esperar pela demonstração de um parlamento eleito nestas condições, porque um similhante parlamento não dava auctoridade moral ao governo.
Mas eu pedi a palavra, repito, principalmente movido pela idéa de explicar o sentido de expressões que me não pareceram orthodoxas.
Estou persuadido de que o illustre deputado entende, como eu, que o livre exercício da prerogativa real é um direito consagrado na constituição, que esse direito é do in-

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teresse do Soberano exerce-lo em sentido sempre justo e conforme a manifesta-lo da opinião publica (apoiados).
Se o illustre deputado não contraria que houvesse manifestações dos differentes grupos políticos do patê (e creio que é unia indicação a seguir); se partidos diversos, collocados em posições distinctas, concordaram todos em condemnar a marcha seguida num certo sentido, já o illustre deputado vê que pelo lado da opinião publica houve estas indicações, que eram sufficientes para que o poder moderador fosse exercido no sentido das demonstrações dessa mesma opinião, e isso é o que entendo ser o verdadeiro governo constitucional (apoiados).
Quanto a medidas de dictadura ha muito que eu conheço que ha uma certa tendência e uma certa opinião manifestada a provocar os indivíduos que estão no governo a exercer a dictadura. Essa opinião parece-me completamente errada (apoiados).
Eu entendo que não ha vantagem alguma na successão das dictaduras (apoiados). As dictaduras nascem sem a auctoridade legal sufficiente para produzirem os effeitos moraes indispensáveis para o credito das leis (apoiados). Eu entendo que a primeira necessidade de um paiz é a legalidade (apoiados).
Somos sempre fáceis em Conjugarmos o verbo conspirar: eu conspirei, tu conspiraste, elle conspirou, todos conspiraram ; mas eu entendo que, contra nossa vontade, enfraquecemos o sentimento da legalidade de que uma nação deve estar possuída (apoiados).
Os resultados raras vezes correspondem aos nossos intuitos. Nós lemos peior cabeça que coração, esta é a verdade, e sobretudo uma imaginação a que assiste o desejo constante de sairmos da vulgaridade, fazendo-nos a cada passo cair no paradoxo.
Creio que todos estamos animados do desejo da legalidade na execução das leis. Todos entendemos que para usarmos do nosso direito é preciso que reconheçamos os direitos alheios; porque a convicção de que só nós temos deveres, conduz a que os outros se esqueçam de que têem direitos a cumprir.
Tenho dado as explicações que entendi nesta occasião dever dar, sem querer tirar a palavra no seu logar aos oradores que estão inscriptos, e peço desculpa á camara do tempo que lhe tomei.
(v. exa. não reviu este discurso.)
O sr. Barjona de Freitas: -... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.) Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que o projecto n.° 4 volte á commissão para que esta, ouvido o governo, descrimino entre as providencias de caracter legislativo, promulgadas de 19 de maio em diante, aquellas que, ou por conterem organisação de serviço, ou por dizerem respeito a direitos de terceiro, não podem deixar de continuar em execução sem grave damno da administração e das conveniências publicas.
Sala das sessões, em 9 de dezembro de 1870.- Barjona de Freitas.
Foi admittida.
O sr. Presidente:- Tem a palavra o sr. Coelho do Amaral.
O sr. Coelho do Amaral: - Tinha pedido a palavra sobre a matéria, e não sou completamente a favor. Por consequência, parece-me que me não compete agora a palavra. O sr. Presidente: - Não ha distincção entre os pedidos de palavra sobre a ordem e sobre a matéria, e conseguintemente tem o sr. deputado agora a palavra.
O sr. Coelho do Amaral: - Faltam sete ou oito minutos para dar a hora em que costumamos terminar os nossos trabalhos; não concluindo o meu discurso dentro do tempo que me resta, e não desejando levar a palavra para casa, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão nocturna (apoiados).
O sr. Presidente:- A ordem da noite para a sessão de hoje é a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram quasi quatro horas da tarde.

Discurso do sr. deputado Luis de Campos, proferido na sessão de 7 de dezembro, e que devia ler-se na pag. 361, cot. 2.ª

O sr. Luiz de Campos: - Sr. presidente, é sempre com a maior dificuldade, e hoje com estranha commoção, que tomo a palavra no seio da representação nacional.
A consciência da falta de subsídios intellectuaes, a consciência da mesquinhez e quasi insufficiencia de recursos oratórios, a certeza de que não posso manter as discussões na sua verdadeira altura, e a convicção de que tambem não tenho, nem quero ter, a pretensão de as tratar pelo lado do burlesco, porque me repugna e rejeito o officio de fazer rir os outros, estas circumstancias todas, e o meu grave estado de saúde, concorrem hoje poderosamente para que eu sinta esse receio e essa commoção em que fallei ha pouco, e para que me veja como que embaraçado ao principiar as minhas breves reflexões.
Só um dever de cargo me obrigaria a tomar hoje a palavra no seio da representação nacional. Sou um dos deputados que tiveram a honra de pertencer á commissão do bill de indemnidade. Assignei o parecer redigido pelo seu illustre relator; assignei o sem declaração alguma, e preciso, por consequência, justificar o meu voto, preciso mostrar como o deputado de 1870 é coherente com o deputado de 1869. A minha vida política não vem de mais longe.
Permitiam, v. exa. e a camara, ao orador insipiente, ao homem pouco destro nas lutas parlamentares, que elle queira ter a audácia de se medir, frente a frente, com o vigoroso athleta da palavra que mais longe, com mais eloquência, e menos affectos para o partido reformista, levou a discussão combatendo o parecer da commissão. Refiro-me ao sr. Santos e Silva.
S. exa. é aguia muito alterosa, de ímpetos muito audazes, para que á sombra da sua aza, no vácuo que vae formando pela rapidez e vigor do seu vôo, não possa affrontar no espaço o humilde pardal (riso).
Não se riam os meus illustres collegas; este nome foi-me dado outrora por um talentoso publicista, em dia em que o seu espirito humorístico o levou a escreve-lo no seu jornal.
O sr. Santos e Silva: - Não fui eu que lhe dei esse nome.
O Orador:- Eu tambem aceitei-o com a mesma consciência com que v. ex.a, provavelmente, aceita o que eu agora lhe decretei (apoiados).
Mas (e deixemos o pardal) o orador insipiente fará todos os esforços para acompanhar no vôo elevadíssimo a águia alterosa, e, pondo de parte alguns argumentos que, pela sua natureza, devem ser respondidos pelo illustre relator da commissão, como os que são directos e allusivos ao governo que ali se senta, seguirá, por os apontamentos que tem presentes, um por um, os argumentos do seu discurso, e tratará a questão política no campo em que s. exa. a collocou.
Tratarei como s. exa. o fez a questão política. Farei todos os esforços, quanto em miai caiba, para manter a discussão serena, plácida e na sua verdadeira altura; esforçar-me-hei por não descer a recriminações pessoaes, não querendo ver, nas minhas expressões, o homem particular, mas sómente o publico, o político, o partidário, e os partidos. Estou no meu direito de fazer apreciação sobre os seus actos.
Dito isto, se porventura me escapar alguma phrase que possa melindrar alguém, e principalmente o nobre partido histórico, a que terei a honra de me dirigir especialmente, peço que não tome isso em conta de recriminação pessoal para com os cavalheiros que formam esse nobre partido.
Eu não tenho senão uns leves apontamentos que tomei das palavras do sr. Santos e Silva. Por consequência não

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posso acompanha-lo, nem quero, como já disse! em todo o seu discurso, mas hei de seguir, mais ou menos, as observações que s. exa. apresentou. S. exa. não accusa; não vem aqui para accusar; deixa isso aos outros! Faça-o quem quizer, diz s. exa.! Mas tambem não tem a generosidade sufficiente para absolver, para perdoar, para relevar!
A doutrina é fácil e comesinha.
Mas é preciso que nós vejamos quaes são as circumstancias em que se encontra o governo demissionário, o governo dictador para quem o bill é principalmente pedido.
Quando um governo sae da esphera do poder executivo e se envolve mais ou menos violentamente no que é própria e exclusivamente do poder legislativo, este excesso de poder, esta exorbitancia de funcções, devem ser avaliados conforme os resultados que trazem ao paiz, resultados que só têem duas classificações, bons ou maus, isto é, como simples faltas, ou como crimes. Como faltas, porque lhes falta tão sómente a sancção legal, dá-se-lhes e perdoa-se a irregularidade; como crimes verdadeiros ou suppostos, porque a paixão partidária póde ver o crime onde elle não existe, julga-se, e sentenceia-se o réu, e dá-se-lhe a condemnação ou a absolvição (muitos apoiados).
Mas o que não póde ser por forma alguma, sr. presidente é deixar o ministerio demissionário eternamente debaixo da espada de Damocles (apoiados). Não póde ser de justiça nem de rasão que uns poucos de indivíduos, que precisam dar conta dos seus actos, não sejam julgados nem absolvidos, nem perdoados, nem condemnados. Isto não póde ser (Vozes:- Muito bem.)
É muito fácil declarar que não se acusa, que não se absolve. Invocam-se os conciliábulos políticos, os mútuos esforços partidários, as representações dos differentes centros, dos municípios, de tudo emfim para debellar a dictadura, e quando se chega ao ponto de sanccionar ou repellir os seus actos vá a cruz para cima do enfesado partido reformista! (Apoiados.) Haja mais coragem em quem invoca todos estes títulos, haja a coragem da accusação.
Mas o nobre partido histórico não accusa, entrega a tarefa a outrem. Santa e generosa abnegação! (Vozes: - Muito bem.)
São altamente significativas as palavras com que s. exa. começou o seu discurso, a propósito de não entorpecer a acção governativa do actual gabinete.
S. exa. não teve necessidade de perguntar ao governo donde vinha nem por onde ia; e note-se que não era por ser esta uma phrase sacramental que esteja gasta, mas porque era intuitivo que o governo vinha do nada, porque era intuitivo que o governo não marchava para parte alguma, ou marchava para o acaso ou para toda a parte.
Não percebi; falta de comprehensão já se vê.
O que deprehendi de tudo isto, o que immediatamente me saltou ao espirito, é que um governo, como s. exa. o suppõe, nas circumstancias de não marchar para parte alguma, ou de marchar para toda a parte, ou de marchar para o acaso, é inconveniente e prejudicial ao paiz (muitos apoiados); e que a primeira obrigação de um partido é depor as conveniências políticas, os arranjos partidários, toda e qualquer ambição mais ou menos justa de escalar o poder á custa da annullação de um governo e de um partido, tudo com a capa de generosidade e patriotismo; é depor tudo isto, digo, ante o altar da pátria para ensinar, a tempo de remediar grandes males, aos ministros o caminho por onde se sae do poder (muitos apoiados).
Esta generosidade não é simplesmente pharisaica, porque é criminosa. Criminosa, sr. presidente, porque é attentatorio, das liberdades pátrias, que uma opposição com força, com prestigio, com moralidade, com intelligencia, com saber, com todos os dotes governativos, que tudo monopolisou o nobre partido histórico, consinta que estejam nas banquetas ministeriaes homens que saíram do nada e que vão parei toda a parte, ou para o acaso (apoiados - Vozes: - Muito bem.)
Eu declaro em meu nome, e tomo a liberdade de o declarar tambem era nome de todos os meus correligionários políticos, em nome dos taes rapazes novos ...
O er. Thomás de Carvalho:- Onde estão os rapazes novos?
O Orador: - Estão aqui.
O sr. Thomás de Carvalho: - São todos novos?
O Orador: -Eu não o metto a v. exa. na conta (riso).
Declaro em meu nome, digo, e tomo a liberdade de declarar em nome de todos os meus correligionários políticos, em nome dos taes rapazes novos, de que nos fallou o sr. Santos e Silva, que se o partido reformista entrar um dia nesta camara e encontrar sentados nos bancos ministeriaes homens que venham do nada, tendo a certeza de que vão para o acaso, guerreá-los ha abertamente como já fez (apoiados).
Aqui tem v. exa. como procede e como procederá o partido reformista. (Vozes:- Muito bem.)
«A desbotada bandeira deste miserando partido implantada nas banquetas ministeriaes!...»
Desbotada! E por que?... Talvez porque não apresenta as variadas e variegadas cores da bandeira histórica. Ha algumas naquella bandeira, sr. presidente, que eu nunca desejarei ver na minha; e são ellas tão vivas, como o mais vivo escarlate. Não as quero lá (muitos apoiados).
Mas esta bandeira por que desbotou? E porque o nobre prelado de Vizeu, miniatura insignificantissima dos marechaes do segundo império, marcha de derrota em derrota, de capitulação em capitulação, de vergonha em vergonha...
O sr. Santos e Silva: - Ainda ha mais alguma cousa.
O Orador: - Pois se apparecer mais alguma cousa, eu responderei ao mais que vier. (Vozes: - Muito bem.)
Ora, a primeira cousa que falta é a derrota; eu não comprehendo derrota sem batalha.
Vejamos se houve batalha, que batalha foi? Em que campo se deu? Houve batalhas, sr. presidente, e muitas, e aturadas, no tempo em que este miserando partido não era tão feio como hoje o pintam!
Essas batalhas não sei quem as provocou. Seriam os desejos das conciliações? Eram as conciliações, sr. presidente, e porque se não fizeram, desbotou a bandeira (apoiados).
Mas isto era a exhauturação do nobre partido histórico,..
O sr. José Luciano: - A iniciativa não partiu de cá.
O Orador: - Não sei se a iniciativa partiu de certos homens, se partiu do nobre partido histórico. Não sei donde partiu, mas sei que o facto se deu...
(Interrupção do sr. José Luciano.)
O partido histórico tratou de se approximar...
O sr. José Luciano: - Já disse que não partiu de cá a iniciativa.
O Orador: - Eu cedo ao illustre deputado todo o meu material de guerra; aceito a batalha no campo em que s. exa. a põe, ainda que estou convencido do contrario, e respondo se não tinha rasão de ser o partido reformista, se era insufficiente, se nada valia, se era inepto, no dia em que o nobre partido histórico aceitou conferencias conciliatórias, lavrou o próprio epitaphio e a sentença da sua desgraçada condemnação. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
(Interrupção do sr. José Luciano.)
Não sei se partiram de lá se de cá, mas o certo é que se não partiram de lá aceitaram a convocação...
O sr. José Luciano:- Não havíamos de ir onde nos chamavam?
O Orador: - Eu não sei, nem o partido a que eu pertenço (apoiados).
(Interrupção do sr. José Luciano.)
S. exa. póde dizer o que quizer, mas o que não póde é tirar-me do campo em que estou. Digo, que as conferencias foram aceitas. Não deviam aceita-las (apoiados). S. exa. foram ao chamamento, não deviam ir...
Uma voz:- Não houve conciliações para o actual gabinete ?

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O Orador: - Eu hei de provar que ha perfeita homogeneidade no ministério; não a haveria se estivessem ali sentados (apontando para as cadeiras do governo), conjunctamente com os ignorantes, os sábios do nobre partido historico, entre os quaes, e o partido a que eu pertenço, ha barreiras insuperáveis (apoiados).
Diz o illustre deputado «de capitulação em capitulação, de vergonha em vergonha!» Tambem não comprehendo.
Vergonha de que? De quem?
Desceu tão baixo este partido, que tenha de envergonhar-se de si próprio?
Então a que proposito a apostrophe?
Já sei; s. exa. refere-se ao tal imprevisto.
A vergonha, o rebaixamento do partido, foi a entrada do sr. marquez, d'Avila no ministério. Se o partido recebesse outros, não havia vergonha! (Apoiados.)
Mas a vergonha que s. exa. atirou para a cabeça do illustre prelado, salpicando a fronte a todos os seus correligionários, hei de eu lança-la para o campo donde veiu, quando fallar da formação do gabinete, e sobre o préstimo ou insignificância deste partido ha de responder por mim ao illustre orador o sr. duque de Loulé. Ha de ser o sr. presidente do governo demittido na noite de 19 de maio; ha de ser todo esse gabinete o justificador da nossa causa.
Na memorável circular ao paiz disse o sr. duque de Loulé, e com elle o nobre partido histórico que o gabinete Sá-Vizeu, com louvável intento, note a camara, tinha feito reformas radicaes e dado golpes profundos nas despezas publicas = (muitos apoiados). Foi o sr. duque de Loulé quem de antemão se encarregou de responder ao illustre deputado.
Então o ministerio tinha feito profundas reformas, e...
(Interrupção que não se percebeu.)
O Orador (com muita vehemencia): - Não é isso, é mais alguma cousa. É que estes liberaes de agora, não me retiro a partido algum, nem aos cavalheiros que têem assento na camara; é que estes liberaes de contrabando não querem ver senão a capa e não o interior bom e generoso, seja a simples profissão estygma e condernnação de quem a professa, não reconhecem que um indivíduo, pelo lacto de ter uma profissão, possa praticar qualquer outra (apoiados).
O commerciante não póde legislar, porque commerceia; o juiz, porque veste toga; o militar, porque veste farda; o padre, porque é padre! (Apoiados.)
Que princípios, que homens e que liberaes! (Vozes: - Muito bem.)
Mas nós havemos de ver que as incompatibilidades que o sr. Santos e Silva apresentou entre o sr. bispo de Vizeu e o sr. marquez d'Avila não eram as que s. exa. julgou...
O sr. Santos e Silva: - Não existem outras.
O Orador: - Eu hei de provar o que digo, sem querer por forma alguma roubar ao sr. marquez d'Avila, nem ao sr. bispo de Vizeu a honra de responderem ao illustre deputado, se entenderem que o assumpto o merece.
Não posso deixar de dizer desde já que é preciso repor os factos com a verdade que os caracterisa, e como se passaram ; a historia delles é simples.
Na noite de 29 de agosto caiu o ministerio do sr. duque de Saldanha. Foi chamado ao paço e encarregado de formar o novo gabinete o sr. marquez de Sá; e o sr. bispo de Vizeu, estando a sessenta léguas de Lisboa, na sua residencia de Fontello, recebeu um telegramma em que se lhe dizia estar nomeado ministro do reino.
Os compromissos que o governo cá tomava nessa occasião não eram, não podiam ser, da responsabilidade do sr. bispo de Vizeu. Quando s. exa. chegou, estavam feitos.
O sr. marquez d'Avila, que era e é conselheiro destado, tinha dado a sua opinião franca e clara, em vista das manifestações da imprensa, da opinião de todos os partidos políticos, de todo o paiz emfim, a Sua Magestade. Disse que = era preciso que a dictadura saísse quanto antes da orbita illegal em que marchava; proceder quanto antes ao acto eleitoral o convocar o parlamento -. Ora, desde o momento em que s. exa. tinha posto, com a mão na consciencia, nas suas palavras e no seu conselho, esta opinião, podia transigir quanto ao dia da eleição, e quanto ao dia da convocação do parlamento?
O sr. Marquez d'Avila e de Bolama: - Apoiado. O Orador: - Mas o sr. bispo de Vizeu, que não tinha assistido a estes factos, que não tinha tomado estes compromissos e que entendia que a eleição feita: immediatamente debaixo da influencia, das auctoridades da dictadura não ciaria em resultado a genuína expressão da vontade do paiz, pareceu-lho conveniente espaçar por mais quinze dias o acto eleitoral.
O paiz levantado do soçobro inherente á maneira por que muitos governos toem feito eleições, teria assim tempo para escolher a sua representação (apoiados).
Aqui tem v. exa. o ponto de divergência entre os srs. marquez de Ávila e bispo de Vizeu, era uma questão unicamente de administração. O sr. marquez d'Avila saiu do ministerio por coherencia com a sua primeira opinião e nunca por ser conservador, incompatível com o sr. bispo, ou por quaesquer outros compromissos (apoiados).
O sr. Santos e Silva:- E a carta do marechal?
O Orador: - Só eu fosse a dar credito a todas as cartas, às que correm com assignatura... e outras sem ella.
O sr. Santos e Silva: - Essas suo anonymas, e não se trazem para aqir.
O Orador: - E porque não hei de eu cita-las, quando sendo impressas correm, tentando formar opinião? (Apoiados.) Deus me livre de entrar na consciência de ninguém, mas. ..
O sr. Sanfos e Silva: - Parece-me que o tem estado a fazer.
O sr. Presidente: - Peço que não haja interrupções. O Orador: - A mim não me perturbam as interrupções. Sr. presidente, não as deixo sem resposta.
O sr. Santos e Silva: - E eu tenho muito prazer em o ouvir, póde citar-me uma carta?
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que se dirija para a mesa.
O Orador: - Como o sr. Santos e Silva quer por força que eu cite uma carta, faço-lhe a vontade, e vou citar.
O sr. Santos e Silva: - S. exa. é que deseja citar, percebi-lhe a intenção.
O Orador: - Então não cito (riso). Disse se que sr. bispo de Vizeu, desde que o sr. marquez d'Avila safa do ministerio por iniciativa sua ou dos seus collegas, andou em conferenciam constantemente. Todos os seus amigos políticos não desejavam fusão de qualidade alguma, porque tinham visto o desastrado e ominoso fim da primeira fusão (apoiados).
O sr. ministro do reino, portanto, fiel ao seu partido com a generosidade, abnegação e desinteresse do seu elevado caracter; e com a humildade, que é própria da sua missão sacerdotal, não desejando representar o primeiro papel na governação publica, foi pedir ao sr. marquez d'Avila, a contento dos seus amigos, que não viam neste cavalheiro opiniões radicaes que os separassem, que aceitasse a presidência do conselho, por isso que estando o parlamento aberto tinha acabado a primitiva divergência, e não havia agora compromissos que os devessem separar (apoiados).
Estes dois cavalheiros associaram-se na mesma empreza, e o sr. marquez d'Avila veiu dar testemunho da lealdade e boa fé com que vinha trabalhar ao lado do partido reformista. O seu programma foi exactamente o programma que o sr. bispo de Vizeu tinha apresentado em 1869 (muitos apoiados).
É possível que o partido reformista esteja na algibeira do sr. marquez d'Avila, como alguém diz; onde me pareceu que elle estava hontem, pelas censuras que mereceu, era na garganta do sr. Santos e Silva (riso).
Mas a vergonha continua. Entrou o sr. marquez d'Avila

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no gabinete: é a desauthoração do partido reformista porque entrou expressamente para o fazer passar e ao ar. bispo de Vizeu pelas forcas caudinas, obrigando a maioria a votar o bill! O nobre marquez d'Avila não teve compromissos com o sr. duque de Saldanha, porque é muito estadista para tomar compromissos á custa da dignidade do seu paiz. Mas concedamos por hypothese que os tivesse. O ministerio de que fazia parte o nobre marquez, quando fez esses compromissos, já não existe (apoiados); tem um logar na historia muito honroso, porventura, muito digno, mas não existe (apoiados). O nobre marquez d'Avila saiu desse ministerio em que era simples ministro, e hoje é presidente do conselho de um novo gabinete.
Uma voz: - O argumento é subtil, mas não verdadeiro.
O Orador: - E verdadeiro.
Mas houve compromissos, e esta camara ha de passar pelas forcas caudinas, ha de approvar o bill de indemnidade. Parece que o bill de indemnidade é uma espécie de monstro do apocalypse, que horrorisa alguns deputados.
Mas o bill é uma cousa muito das praticas legislativas do nosso generoso paiz. Temos tido uma immensidade delles. Eu tenho aqui diante dos olhos um muito curioso, não de tempos immemoriaes, mas de 1869, quando ainda não era absolutamente preciso discutir tudo no campo dos princípios, ou quando os princípios eram outros, porque os princípios variam aqui por circumstancias que não é dado determinar (apoiados). Quando as opposições nem mesmo queriam discutir o bill e fugiam dessa questão para tratar das medidas de fazenda (apoiados). Pois nesse tempo os princípios não eram verdadeira base onde devesse assentar a sociedade política e o systema constitucional que nos rege? Aqui temos o bill de indemnidade pedido pelo ministerio Sá-Vizeu, e digo que este bill não foi tão combatido no campo dos princípios, que num parlamento de cento e oito deputados apenas dezeseis votaram contra, e entre os que votaram a favor estão alguns dos que hoje votam em sentido contrario. Citarei apenas o sr. Anselmo Braamcamp, o sr. José Luciano de Castro (Vozes:- Muito bem).
O sr. Santos e Silva: - Também lá está o meu nome?
Citarei apenas os srs. Anselmo Braamcamp e José Luciano de Castro. (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Santos e Silva: - Também lá está o meu nome?
O Orador:- O sr. Santos e Silva votou contra. Era isto que s. exa. queria saber? S. exa. é coherente, mas como órgão que se mostrou do partido histórico...
O sr. Santos e Silva: - Fallei em meu nome e não em nome do partido histórico.
O Orador: - Mas como o ouvi fallar interpretando os sentimentos políticos do seu partido, como o ouvi pronunciar umas poucas de vezes nos, a não ser que se habituasse á linguagem episcopal (riso). Mas depois da declaração do illustre deputado tomarei os seus argumentos como opinião individual, e não farei responsável o partido.
O sr. José Luciano: - Nós aceitamos a responsabilidade.
O Orador: - Então continuo a dirigir-me ao partido. «Desautorisam-se os que voteram o bill de indemnidade e que não condemnarem as promoções, disse s. exa.»
Quando se abriu o parlamento, alguns deputados, dos mais reformistas que aqui estão, de cuja cor política ninguém póde duvidar, porque têem dado provas sobejas, não tiveram duvida em associar-se ao pensamento de um deputado opposicionista, assignando um projecto de lei para a annullação das promoções, não porque entendessem que fosse necessario um projecto de lei para esse fim, pois que consideram esse acto da dictadura como uma infracção do poder executivo, mas para significarem o mais depressa possível que eram intransigentes com o abuso pernicioso que premeia o crime.
Então como é que uns poucos de cavalheiros da maioria, que é julgada subserviente ao ministério, põem o seu nome debaixo de um projecto de lei contrario aos compromissos que, na linguagem do illustre orador, o sr. marquez d'Avila tinha contraindo? (Apoiados.) A isto não se chama argumentar. Serão apostrophes muito eloquentes, mas nem são argumentos nem a expressão da verdade. (Vozes: - Muito bem.)
Demais, s. exa. sabe que já a commissão de guerra na sua maioria deu parecer ácerca do destino dos officiaes promovidos; em que a justiça não é preterida.
Mas estes dez representantes do paiz que tiveram a temerosa audácia de pôr o seu nome debaixo de uma representação; que foram leva-la a Sua Magestade, pedindo-lhe que, quanto antes, fizesse entrar o governo na orbita legal das suas attribuições! Oh! Estes tem s. exa. a certeza de que não virão rasgar a própria escriptura.
Qual escriptura?
Tenho muita pena de não haver assignado essa petição; não estava em Lisboa; assignava-a, assim como assignaria tudo quanto nessa occasião me fosse apresentado, tendente a fazer entrar o governo na lei e na ordem, e não achava nisso a menor incoherencia, com a votação do bill proposto (apoiados).
Que lógica é esta que obriga á força um indivíduo, porque censura a illegalidade de certos actos, a não ter o juízo e critério bastante para os avaliar, para os julgar, e para os perdoar? Onde está a contradicção ? (Apoiados.)
Demais, não tem sido a generosidade a amnistia que mutuamente pôs concedemos, o perdão onde escondemos as affrontas ao systema, a única política que neste paiz tem exibtido, que o tem levantado acima de muitas outras nações, que o apontam como o typo da tolerância?
S. exa. não perdoa, não vae tão longe a sua generosidade, mas não tire da representação illações forçadas (apoiados).
Eu já disse que comecei a vida política concedendo perdão, e em conceder perdão não ha os perigos que s. exa. suppõe.
O sr. Camara Leme: - Muito obrigado.
O Orador: - Se s. exa. quer retiro a palavra perdão, e pronuncio em vez della a palavra relevação. É talvez mais sonora, mas para o caso significa o mesmo. f Mas disse eu que não achava perigo em conceder o bill. E um incentivo para futuras dictaduras, é a certeza da impunidade a causa dellas se repetirem.
Pareceu-me ouvir esta ordem de argumentação ao illustre deputado. Responderei perguntando qual foi a dictadura condemnada até hoje neste paiz? Já houve alguma?
Ninguém me responde. Tem passado incólumes, e os seus actos, sempre approvados, ficam em execução como leis do estado (apoiados).
(Interrupção que se não percebeu.)
Mas porque a não accusa, porque a não condemna s. exa? (apoiados).
O sr. Santos e Silva: - Talvez faça a accusação.
Uma voz:- Não faz.
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.
O Orador: - Deixe v. exa. interromper á vontade...
O sr. Presidente: - O regimento não permitte isso.
O Orador: - Deixe v. exa. interromper; é uma espécie de etape que vou encontrando na minha jornada; é o descanso de um instante que me faz bem, reparo as próprias forças, respondo e sigo sempre o meu caminho. (Riso. - Vozes:- Muito bem).
Não cheguei a comprehender bem, apesar da cerrada argumentação do brilhante discurso de s. exa.; não cheguei a comprehender bem, digo, qual é o pensamento do illustre deputado. S. exa. elimina o artigo 1.° e modifica o artigo 2.°
O er. Santos e Silva: - Altero-o profundamente.
O Orador: - Altera-o profundamente; de accordo, alguma vez havíamos de estar de accordo. Mas não altera para saber nem o que fica em execução, nem o que deixa de ficar, é simplesmente para que se explique o que é pro-

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prio do poder executivo é o que é do legislativo; ou aliás entendi eu mal.
O er. Santos e Silva: - Como quizer.
O Orador: - Se entendi mal, s. exa. me elucidará, porque sobre os argumentos de s. exa. fundamentarei os meus.
Antes de tudo devo dar os parabéns ao illustre ex-dictador, o sr. Dias Ferreira, por ter merecido as boas graças do illustre deputado, que ao menos achou que s. exa. tinha sido muito mais liberal em seus decretos, de que o código penal que fica subsistindo pela revogação delles.
Já essa dictadura, que todos nós condemnâmos, teve uma cousa boa, quem tal diria! Parecia que não, e que devia-mos estar resolvidos a vir para aqui com um daquelles instrumentos façanhudos que o sr. Barros e Cunha disse existirem num supposto arsenal do nobre bispo de Vizeu, e não deixarmos decreto algum em pé (riso.) Pois não é assim, algumas cousas fez a dictadura muito boas, e muitissimo mais liberaes do que as leis que existiam!
Mas o que o sr. Santos e Silva combate propriamente é a forma s. exa. apellou para a dictadura de 1837 e para a de 1851 e 1852. Esta ultima, que passou á posteridade com o nome de canastrada e constava de 242 projectos, é muito conhecida. Nestas sanccionou-se e validou-se tudo.
S. exa. não se incommoda, ou parece não se sentir fora do campo dos princípios por que se dá força legislativa a estas ou áquellas medidas, incommoda-se com a relevação da responsabilidade. Julgo que o seu appello ao passado não procede em primeiro logar, porque nesse tempo era o ministerio dictador quem vinha apresentar ao parlamento os seus próprios actos; e em segundo logar, porque variam completamente as circumstancias actualmente; das medidas da dictadura approvam-se umas e condemnam-se outras, e em 1852 não se fez o mesmo, approvou-se tudo.
Que maior relevação queria o illustre deputado, que approvar tudo o que estava e o que não estava em execução? (Apoiados.)
Não sei qual foi então o critério de justiça. Approvou-se tudo.
O sr. Santos e Silva: - Como em 1869.
O Orador: - De accordo, como em 1869; mas quem é que não quiz discutir?
(Interrupção do sr. José Luciano, que se não percebeu.)
O Orador: - E o illustre deputado porque não condemnou a de 1869?
Digo, pois, que a questão é de forma e não de essência (apoiados.)
O poder executivo e o poder legislativo foram os embaraços que suscitaram duvidas no espirito do illustre legislador.
Ora eu declaro, com toda a franqueza, que não dou a minha sancção legislativa senão para aquelles actos que tenham ou devam ter caracter legislativo; e não venho confirmar medidas que são propriamente da esphera do poder executivo (apoiados).
Eu considero as promoções como um acto próprio do poder executivo, e mais do que isso como um abuso, como infracção de lei, e por essa rasão não as sancciono nem ao gabinete demissionário nem ao que está hoje á frente dos negócios públicos.
Mas qual é o critério que a commissão adoptou para avaliar a justiça, a opportunidade dos decretos?
Uma circumstancia material do acaso; a execução ou não execução, argumento já apresenta-lo pelo talentoso deputado o sr. Alves Matheus; s. exa. tem rasão, e fácil é tê-la neste assumpto: eu estou de accordo com s. exa.
O verdadeiro criterio de justiça seria o que resultasse da analyse detida e minuciosa de todos os setenta e dois decretos publicados pela dictadura, mas eu pergunto - quando sairíamos da discussão? Nunca, seria interminável (apoiados).
Tendo pois de adoptar se uma base de trabalhos, qual seria a mais conveniente e portanto a mais facil? Era um arbitrio positivamente, sem rasão de justiça, mas rasão de conveniência, pura não perturbar o andamento dos negócios (apoiados).
Mas o illustre orador pretendeu demonstrar que nem essa base tinha sido a escolhida, pois que medidas havia exceptuadas que estão em execução, e a outras se dava sanação que ainda não têem effeito algum de execução.
Compete a resposta ao illustrado relator da commissão, e eu não devo da Ia por elle, mas tenho a certeza, tanta é a confiança que o seu talento e estudos me merecem, que elle ha de responder triumphantemente (apoiados).
Disse s. exa. que o artigo 2.° tinha sido redigido no vago, no infinito, no contrasenso, creio eu, porque a commissão legisla para a excepção e não para a regra! Outra questão de forma. A commissão diz «ficam exceptuados taes e taes decretos» logo todos os mais collecionados e publicados ficam em vigor; o systema do illustre deputado seria: «ficam em vigor taes e taes» logo, os não nomeados, comprehendidos na excepção. Pura questão de forma, que não deve tornar-nos tempo (apoiados).
E eu não quero toma-lo á camara na discussão de todos os argumentos que s. exa. apresentou, entretanto vou referir-me u alguns.
O sr. Santos e Silva fallou em revoltas é em revoluções, em sedições e em insubordinações, em revoluções más e em revoluções boas, quaes as que trazem dictaduras úteis e proveitosas, quaes as prejudiciaes; e disse, supponho eu, que as revoluções proveitosas eram áquellas que abalam pelos fundamentos as nações, as que se desentranham do seio da sociedade, espécie de vulcão que lança as suas lavas a milhares de léguas em redor, como elemento de fecundação e de futuras prosperidades. São estas as que trazem aos paizes a felicidade, porque engendram as dictaduras boas. Como se da circumstancia de ser uma revolução muito grande ou muito pequena nasçam homens mais ou menos aptos para a governação do estado! (Apoiados.)
Mas, pela doutrina do illustre deputado, vê-se que em todo o caso ha boas e más revoluções, bondade ou ruindade, que é quasi sempre apreciada por a parte que ellas nos trazem no poder. Assim tambem as dictaduras resultantes são boas ou más, segundo o ingresso mais ou menos fácil de certos indivíduos ao poder. (Vozes: - Muito bem.) Refiro-me aos que têem a intelligencia para aspirar a tão altos cargos.
(Interrupção que não se percebeu.)
O Orador: - É para aquelles que têem direito a subir aos conselhos da coroa; para mira, não, que sou um humillissimo soldado, mas fiel.
Ora, sr. presidente, ha um ponto importantíssimo que preciso tratar com todo o desassombro, e hei de emittir a minha opinião a esse respeito, com a franqueza e com a coragem que o caso demanda; refiro me á apreciação que o sr. Santos e Silva fez do attentado de 19 de maio. S. exa., referindo-se a este facto, disse = que, era uma luva grosseira lançada á face de todos os partidos libertes desta terra =.
O sr. Santos e Silva: - Eu não disse isso.
O Orador: - Tinha esse apontamento, enganei-me. Irei ao mesmo fim por outro caminho.
Disse-se aqui que uma das causas da revolta de 19 de maio foi a saída da camara pelos deputados da opposição.
O sr. Santos e Silva: - Também fui eu que disse?
O Orador:- Não foi s. exa., foi o sr. Camara Leme.
Eu fui, sr. presidente, o mais responsável por esse acto que se accusa; tambem pertenci á opposição parlamentar que saiu desta casa, e aceito toda a responsabilidade que d'esse facto me pertence, tanto mais que a mim é que foi negada a palavra.
(Interrupção do sr. Santos e Silva, que não se percebeu.)
O Orador: - A verdade é esta. Saí da camara, e preciso refazer a historia, que me parece anda completamente errada (muitos apoiados).
O sr. Santos e Silva fez-nos uma historia a datar de 19

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de maio; o sr. Camara Leme tratou do uma epocha mais atrazada para explicar os actos do nobre marechal Saldanha, e para o salvaguardar de accusações que, como amigo o collega no ministério, lhe incumbiam; e eu preciso de referir-me na minha historia, na verdadeira historia que vou contar, a uma epocha que não vae muito longe - a 1868.
Refiro-me a 1868, quando essas caras patibulares, quando esses homens que andam, ao som dos pifanos e dos tambores, como s. exa. os pintou na sua marcha para o pateo do Geraldes, na praça publica, e taxando toda a qualidade de manifestação, marchavam para a Ajuda, e derrubavam num dia o ministerio chamado da fusão. E desde esse dia que ha de começar a minha historia.
S. exa. nessa occasião não os achou tão feios, tão mal trapilhos como hoje os considera, pois que ia na frente delles usar do seu direito de petição (apoiados).
E todavia, sr. presidente, forçoso é dize-lo, aquellas caras são sempre as mesmas. São uns certos emprezarios de motins, de revoluções e de desordens, conhecidos nos enterros dos generaes, nas paradas e exercícios da divisão, nas grandes procissões, e em todas as manifestações politicas qualquer que seja o seu intuito (apoiados).
É um ser collectivo e escholaticio de todas as misérias. Esse sim, esse é que é o verdadeiro bifronte. E a propósito de bifrontes, é bom que acabara umas certas reticencias, ou se expliquem, que se trazem para o parlamento, deixando suspenso o juizo de quem ouve pronunciar a palavra.
Esse é que é o verdadeiro bifronte, repito, multifronte que applaude de manhã o que reprova á noite, que reprova de manhã o que applaude á noite. E todavia essas caras silo tétricas ou prasenteiras, ameaçadoras ou amáveis, pátibulares ou innocentes, conforme, no seu desvario lastimoso, se encaminham a realisar o nosso pensamento, ou o pensamento daquelles que nós combatemos e representam política adversa á nossa (apoiados).
Este é que é o facto; deplorável e pouco edificante, mas verdadeiro.
Por essa occasião foi elevado aos conselhos da corôa o sr. marquez dAvila, que pouco tempo esteve no ministério, seguindo-se-lhe o gabinete Sá-Vizeu.
Desde então começou, e eu tomo como garantia das minhas palavras as declarações espontâneas que o sr. Santos e Silva fez; desde esse dia começou um systema de conspirações neste paiz, pernicioso systema. S. exa. sabia destas conspirações.
O sr. Santos e Silva: - Eu não disse desde esse dia. O Orador: - S. exa. sabe mais, sabe até quem eram os conspiradores, sabe-lhes os nomes, eu é que os não sei. O sr. Santos e Silva: - Do uma certa epocha para cá. O Orador: - Era na epocha a que eu me refiro, naquella em que estava o sr. bispo de Vizeu no poder (apoiados).
O sr. Santos e Silva: - Se s. exa. e o pr. presidente me permittem eu dou uma explicação.
O Orador: - Se v. exa. permitte, sr. presidente, sr. Santos e Silva deseja dar-me uma explicação.
O sr. Presidente: - Não é uma cousa muito regular, mas consinto.
O sr. Santos e Silva: - Eu hontem não asseverei que desde que o sr. bispo de Vizeu entrara para o governo se começara logo a conspirar; não podia affirmar, nem negar, o que não sei; o que me parece ter dito e que tinha a certeza, quanta se póde ter em taes assumptos, de que durante a dictadura do sr. bispo de Vizeu se tinha conspirado para o expulsar do poder. E não admira que isso tivesse acontecido, porque o governo estava fora da lei, porque tinha violado a constituição, tinha feito em dictadura uma reforma eleitoral; e por consequência, repito, não espanta que houvesse cidadãos, sinceros defensores da constituição, que se congregassem, mais ou menos publicamente, para derrubar um governo que tinha atacado e violado a lei fundamental do paiz.
É pouco mais ou menos o que eu disse; e alludindo a uma phrase do nobre presidente do conselho, que me não pareceu vir a propósito, creio ter dito tambem que eu conhecia e sabia quem eram os conspiradores, sem comtudo ter declarado o nome de nenhum conspirador.
Não alludi ao sr. presidente, não alludi a ninguém, nem me citei a mim.
Pedi ao governo e á camara, que não se trouxesse para aqui essa questão de conspiradores, porque eu talvez podesse citar nomes de pessoas que tinham conspirado, que haviam de surprehender o próprio sr. bispo de Vizeu; quer dizer, podia apresentar como conspiradores muitos amigos íntimos e actuaes do sr. bispo de Vizeu, se tanto fosse preciso. Repettirei todas as insinuações, e espero não ser obrigado a declarar os nomes de ninguém.
Nunca o fiz, nem o hei de fazer, a não ser forçado pelo direito de justa defeza. Calarei tambem a posição política que elles hoje occupam.
Parece-me que foi isto o que eu disse; agora se s. exa. tomou apontamentos em contrario, não sei.
O Orador: - Peço perdão a s. exa., não tomei apontamentos, ficou-me de memória o que s. exa. disse.
O sr. Santos e Silva: - Não duvido dos seus recursos, e quando disse que s. exa. tinha tomado apontamentos não fiz uma allusão que lhe pedisse ser desagradável era sentido algum.
O Orador: - Muito bem.
Das palavras do illustre deputado colhi duas cousas, e uma della confesso que me surprehendeu, foi um apoiado do sr. José Luciano.
O sr. José Luciano: - Não me recordo de nenhum apoiado.
O Orador: - Agora mesmo quando nas suas explicações o sr. Santos e Silva disse que não se admirava que conspirassem, pois que o governo abusava do poder, a ponto de fazer reformas eleitoraes em dictadura.
(Um áparte do sr. José Luciano que não se ouviu.)
O Orador: - Mas s. exa. dá agora um apoiado, e comtudo approvou o bill de indemnidade (apoiados).
O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que fallem para a mesa, pois não posso por mais tempo consentir que continuem diálogos, porque o regimento se oppõe a isso.
O Orador: - Não tenho culpa, se sou interrompido constantemente, mas entra no systema responder. Alem disso ainda tirei outra conclusão das palavras do sr. Santos e Silva, que não deixarei de aproveitar, tirando-lhes as consequências. Diz s. exa. que = não tem certeza de que se tivesse conspirado logo =. Esta declaração e a confirmação do meu juizo. S. exa. tem a certeza de que se conspirou passado tempo, e eu precisava dessa declaração.
A revolta de 19 de maio era inevitável, era uma consequencia lógica e fatal, porque quando se buscam para derrubar governos os meios subversivos da conspiração, quando se explica direito publico na caserna, quando se alliciam soldados e fazem promessas de augmento de posto a officiaes e sargentos que não pensam na infâmia da acção, quando se lança á terra uma semente tilo perigosa, ella ha de um dia necessariamente germinar e produzir o fructo desgraçado (muitos apoiados).
O sr. Santos e Silva: - São empregados do governo aquelles que me consta que conspirassem desse modo.
O Orador: - Bera, muito bera. S. exa. já principiou a dizer mais alguma cousa, e eu espero que dentro em pouco tempo ha de dizer o resto (apoiados).
Eu não digo quem conspirou, porque não sei nem suspeito de pessoa alguma; seu tão novo na vida política e tão contrario a estes meios, que não pude entrar ainda nesses mysterios.
O sr. Santos e Silva: - Já disse que são empregados de confiança do governo.
O sr. Barão do Rio Zezere: - Não são.
O sr. Santos e Silva: - São.
O sr. Barão do Rio Zezere:- S. exa. sabe quem são.

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O sr. Santos e Silva: - Também s. exa. o sabe.
O sr. Barão do Rio Zezere: - O que sei é que fui eu e os commandantes dos corpos que lá estavam, que pensámos de outra maneira...
O ar. Presidente:- Isto é a desordem da discussão, e não póde continuar. E preciso que os srs. deputados attendam às advertências da presidência, que são as advertências do regimento (apoiados). Peço ao sr. deputado que, em cumprimento do regimento, falle virado para a mesa e não para os outros srs. deputados.
O Orador: - Peço a v. exa. desculpa, se porventura exorbitei em me calar perante o dialogo. V. exa. sabe que a camara quiz pronunciar-se; não podia por forma alguma impedir o dialogo que se travou entre dois cavalheiros, e daqui veiu a minha desattenção. Eu, acatando sempre e respeitando muito as advertências de v. ex.a, vou continuar.
O que é facto, e bem averiguado ficou agora, é que houve por muito tempo conspiradores; eu não teria duvida alguma em ter desde logo escripto uma pagina da historia futura. Não lhe marcaria com toda a certeza o dia 19 de maio, mas podia dizer que, num dado tempo, havia de amadurecer o fructo que esses liberaes progressistas tinham levado às casernas (apoiados). Era certo o fructo, havia de amadurecer e produzir um movimento de insurreição, isto sem mesmo metter em conta todas as considerações que o sr. Camara Leme apresentou, mostrando as circumstancias excepcionaes em que se achara o sr. duque de Saldanha, e a posição a que haviam levado procedimentos que não foram justos.
Esta é, sr. presidente, sem duvida, a origem do movimento de 19 de maio. Tenho a maior consideração para com os cavalheiros que formavam o gabinete que se sentava naquellas cadeiras, derrubados do poder por uma se dição de poucos soldados; era composto de homens de muito valor e coragem pessoal, de certo, mas nessa noite de ignominia esqueceram a coragem cívica, um dos primeiros deveres dos governos, uma das suas mais sagradas obrigações (muitos apoiados). (O sr. Lobo d'Avila: - Peço a palavra.)
Note o illustre deputado que trato da coragem cívica. Não é meu intento pôr em duvida, por forma alguma, nem a nobreza de caracter nem as condições que devem andar inherentes aos homens públicos, sobretudo na altura em que s. exas. estavam. Repito, com a mão na consciência, coragem cívica não existiu no gabinete (apoiados).
A coragem civica não é simplesmente mandar 2:000 homens para os desgraçados de Castro Daire, e aboleta-los pelas suas casas por muitos dias (apoiados). (Susurro.)
(Interrupção.)
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que se dirija para a mesa.
O Orador (com vehemencia): - Para isso havia coragem (apoiados). Havia coragem para mandar 2:000 homens para aquella localidade, para os disseminar pelas casas de miseráveis, lançar-lhes boleto?, tirar-lhes até ao ultimo ceitil, porque isto dava força moral ao governo (muitos apoiados). Havia coragem para se dizer aqui que o governo tinha energia, tinha força, que o governo havia de fazer manter e respeitar a lei. Havia coragem para se fallar nas mortes providenciaes de Arada. Havia coragem para se tapar a boca aos deputados da opposição que vinham depor aos pés do governo um sudário de atrocidades, que vinham levantar um brado de indignação contra os assassinos auctoritarios dos livres eleitores de Machico (muitos apoiados). Havia coragem para se juntarem 3:000 homens firmes e leaes ao Rei e às instituições, e quando era preciso commanda-los, esperava-se que o sol allumiasse a cidade no Terreiro do Paço, e depois ... e depois, sr. presidente, não se marchava contra 400 homens! (Vozes: - Muito bem.) Esta é a historia, e é preciso restabelece-la (apoiados).
Disse-se nesta casa que a retirada da opposição havia provocado o movimento do 19 de maio. É possível que ella concorresse um pouco para isso; mas não foi a cauta. E quando fosse a causa, que não foi, era uma causa justa (apoiados).
Uma voz: - Injusta.
O Orador: - Sr. presidente, depois de sair daqui consultei-me, achei-me bem com a minha consciência, apresentei-me aos meus eleitores e contei-lhes o que se havia passado, pedindo-lhes a sentença sobre o meu procedimento, mandaram-me novamente á camara, reelegeram-me por unanimidade (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Thomás de Carvalho: - Quem o reelegeu foi o sr. bispo de Vizeu.
Vozes: - Ordem, ordem.
O Orador: - O sr. Thomás de Carvalho, com a graça que lhe é natural, costuma interromper os deputados, quando estão fallando, com apartes chistosos e quasi sempre faz rir; ainda desta vez conseguiu o seu intento, mas foi injusto. Eu appello para o sr. Dias Ferreira, que foi ministro da dictadura, para que diga se o governo podia intervir contra mira na eleição de Vizeu.
O sr. Dias Ferreira: - Não me lembra, isso é com os eleitores.
O Orador:- S. exa. tinha as informações das suas auctoridades, e deve estar convencido, bem como o sr. Thomás de Carvalho, de que a cidade de Vizeu é bastante liberal para escolher os seus representantes sem attender às influencias do poder (apoiados).
A minha candidatura não foi governamental nem antes nem depois da dictadura, a minha candidatura é dos homens liberaes do meu circulo.
Mas está claro, a independência de voto, e a liberdade da uma estão no ultramar (riso).
Ora, a saída dos deputados da camara foi para fugir a uma oppressão horrível, que se tornou tão tyranna, que um illustre orador insuspeito, porque era da maioria, daquella maioria que arremessou para cima dos hombros do sr. presidente da camara as culpas que elle não tinha; esse illustre orador, invectivando alguns dos membros dessa maioria, disse que grande parte do facto occorrido era devido a serem alguns seus collegas mais ministeriaes do que o próprio ministerio =. E o sr. Barros e Cunha que sustentou nessa occasião os direitos da minoria, esteve a ponto de sair tambem da camara, e foi lhe estranhada a nossa defeza (apoiados).
Eis aqui como procedia essa maioria, e eu estou, simplesmente a contar os factos como se passaram.
A opinião publica de ha muito tempo alarmada, e que começava a suspeitar que aquelle governo, comquanto não fosse inepto como o actual, não tinha todos os dotes precisos para felicitar o paiz, não agradando a este o modo por que se estava procedendo aos arrolamentos, sobresaltada pelos attentados de que ha pouco fallei, a opinião publica começou a manifestar-se contra esse governo.
Alem disto como se não fossem bastantes as causas para uma commoção qualquer, quando a opposição deixou as cadeiras da representação nacional disse se que tinha obrigação de appellar para a revolução; isto é, estavam lembrando e indicando o caminho aquelles mesmos que com as alliciações anteriores não careciam de mais este subsidio. O movimento fez-se (apoiados).
Aqui estão as origens e as causas da revolução de 19 de maio. Mas a revolução de 19 de maio foi condemnada por todos os partidos, diz o sr. Santos Silva. Não foi; posso provar que o não foi, e hei de prova-lo triumphantemente.
Compunha-se a maioria daquelle tempo de tres distinctos partidos, eu antes de dois distinctos partidos e um principio de partido. Creio que o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, não leva a mal que eu me sirva desta expressão.

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Eram o nobre partido histórico e o intelligentissimo partido regenerador.
No dia immediato ao do golpe destado não havia quem presidisse aqui. No parlamento ficavam uns poucos de homens denodados e corajosos que, por um excesso do zelo, por um phenomeno parlamentar, vinham fazer um juramento que já haviam feito ao entrarem nesta casa. Vinham jurar que manteriam illesas as liberdades pátrias!
Eu se aqui estivesse, com certeza não teria jurado, e sou tão português como qualquer de s. exa., mas porque já o tinha feito ao entrar no parlamento, no principio da sessão legislativa (apoiados).
Eram os restos do partido histórico que se congregavam em roda da sua bandeira e que tratavam de formar o partido de salvação publica no paiz. Os outros, sr. presidente, o partido regenerador? Esse aceitava o facto consummado. Deplorava a revolta, como se deploram sempre os actos in justos, e attentatorios da constituição, mas aceitava-lhe as consequências e não tinha duvida em compartilhar o poder para fazer entrar o governo que então surgisse no caminho legal; logo, esse não achava muito criminosa a revolta que tinha derrubado violentamente os seus companheiros (apoiados).
O sr. Dias Ferreira? Esse teve a honra de carregar com a cruz até aos últimos dias da vida daquella situação, sempre agonisante (apoiados).
O partido reformista? Esse não tinha voz aqui, porque havia saído por aquella porta; mas, se bem que não concorresse por forma alguma para o acto irregular que se deu, deixou passar a revolta como tantas outras sem maior reparo, o que elle lastimou foi o desvio della.
Eu, sr. presidente, agora fallo de mim, não associo o meu partido; eu tive um certo regosijo em ver cair um gabinete que suppunha uma calamidade.
E quer v. exa. ver o que era aquella colligação monstruosa?
Aqui tem-se lido periódicos, tem-se lido representações, e eu tambem hei de referir-me a alguns periódicos daquella epocha. A minha memória é escassa, mas algumas das minhas reminiscências hão de ajudar-me de certo.
Eu vou dizer qual era o osculo fraternal que os dois partidos, amigos de três annos, imprimiam na face um do outro no dia da sua separação.
O órgão de um desses partidos punha na fronte do outro a ignominia e vilipendio, fallava dos aluados de três annos, em oito dias tornados inimigos, lastima é dize-lo, mas decretava-lhe as grilhetas; o outro mais generoso respondia perguntando aos linguarazes pela espada de Varro, e dispensando-lhe apenas o nome de Vitellos.
Deplorável final de uma associação de três annos! Sirva isto de exemplo e de correctivo aos que de boa fé nutrem ainda crenças pelas fusões neste paiz. Sirva para demonstrar que, alem da immoralidade política do acto, alem do desconceito de uns e outros, de elementos heterogéneos não póde sair conciliação possível. (Vozes: - Muito bem.)
Esta é a historia. Começo a estar fatigado, mas não posso deixar de dedicar dois ou três minutos ao meu respeitável collega, o sr. Barros e Cunha. Não posso acompanhar s. exa. nas suas profundas divagações e innumerosissimas lucubrações, sobretudo quando se originam no campo da poesia e da rethorica. Não posso acompanha-lo em todas as suas evoluções. Não posso, por forma alguma, segui-lo nos instrumentos do martyrio que acepilhou aos pés do digno prelado de Vizeu.
Parece me que s. exa. não tratou da questão. O seu discurso todo foi um folhetim humorístico. Foi um lindo ramalhete, que por mais de uma vez obrigou ao riso. Não me parece que o seu discurso mereça discussão em vista do pronunciado pelo sr. Santos e Silva, que eu segui quanto pude. Entretanto ha um argumento a que é preciso responder promptamente.
S. exa. entende, que este governo é irregular por tor deixado fazer a eleição. S. exa. entende era toa conivência, que a obrigação do governo era chamar a camara dissolvida e pedir-lhe a lei de meios.
Ora eu direi, te s. exa. mo não leva a mal, que isto é um paradoxo, e vou prova-lo.
Vejamos bem a questão. Quem é que dissolve a camara? É o poder moderador. Quaes as circumstancias em que o poder moderador dissolve a camara? Ou no pleno uso das suas faculdades e direitos constitucionaes ou por coacção. Se, portanto, dissolve a camara confiando no governo que tem a seu lado que lhe aconselhou esse acto, e manda consultar novamente a opinião do paiz, a camara assim dissolvida não póde ser convocada de novo. Se a camara é dissolvida por um acto irrito e nullo, porque El-Rei está coacto, é preciso ver quando houve essa coacção, por que se exerceu e como. Quem exerceu essa coacção? Venha mais essa condemnação para o seu governo. Pois serviu a coacção e pró vá-se por o facto do presidente do conselho não referendar um decreto, e não serviu a coacção para marcharem os 3:000 homens do Terreiro do Paço para a Ajuda? (Apoiados.) Sá El-Rei estava coacto, porque não marchou o sr. ministro da guerra de então á frente dos 3:000 homens que tinha sob as suas ordens? (Apoiados.) Se El-Rei estava coacto, não mandava...
O sr. Thomás de Carvalho: - Ainda que não estivesse coacto, tambem não mandava (riso).
O Orador: - Muito bem e muito obrigado (riso). Dá-me mais força ao argumento. Faltava ainda esse reforço (apoiados). Se estava coacto, porque não marchou a divisão? Devia ir á Ajuda, submetter os revoltosos, bate-los, salvaguardar as instituições e o Rei, libertar a corôa da pressão, metralhar quaesquer insubordinados, e depois vir o governo sentar-se naquellas cadeiras e dizer ao paiz-cumpri o meu dever, aceito o vosso julgamento. (Vozes: - Muito bem.)
Uma voz: - Quem havia de commandar?
O Orador: - O ministro da guerra.
Uma voz: - Esse não ia.
O Orador:- O commandante da divisão era competente, e conhece os seus deveres para com o ministro da guerra.
Pois não haveria ninguém que podesse commandar a divisão? Pois está tão resumido o quadro dos officiaes generaes, que não houvesse um homem de coração e amante do seu paiz que se encarregasse de manter as instrucções e salvar o Rei se estava ameaçado? Faço justiça a todos. Havia muitos. O que não houve foi ministro da guerra.
(Interrupção.)
O Orador: - Disse que havia de fazer a historia dos factos, tenho-a feito com severidade, mas com toda a verdade (muitos apoiados).
Recordo-me das ultimas palavras com que o sr. Barros e Cunha terminou o seu discurso. Não repetirei o latim, por que sou fraco de memória; não o pude decorar; mas a traducção que o illustre deputado me deu foi esta.
O sr. Barros e Cunha: - Eu não traduzi.
O Orador: - Mas paraphraseou nas seguintes palavras: restituído o subsidio está salva a pátria; estão salvas as instituições. Foram estas as palavras de s. exa.
Oh! sr. presidente, eu não esperava, a camara não esperava isto do illustre deputado. Estou persuadido que não teve intenção de nos offender. S. ex.º não ousaria atirar para cima de uma camara inteira a affronta de que vende a sua consciência e dá o seu voto a troco do prato de lentilhas. Não póde ser; é impossível (apoiados). S. exa. dará de certo explicações cabaes das suas palavras. Eu não quero tratar desta questão, porque a acho inopportuna posta neste campo. Mas às palavras do illustre deputado dou como resposta a opinião da imprensa periódica e illustrada deste paiz (apoiados).
Tenho agora de me dirigir a um illustre orador que me precedeu, porque a todos desejo responder. Fallo do sr. Braamcamp.
No seu discurso foi, como sempre, conveniente, genero-

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so, e na altura do assumpto. Estabeleceu a sua argumentação o melhor que pôde. Não direi que fosse a mais verdadeira, mas foi sempre delicada e amena.
Um dos argumentos que s. exa. apresentou na sua revista política ácerca do nosso estado geral, foi que o desanimo do paiz era devido aos seus mandatários que cedem ante conveniencias políticas do dever de garantirem os direitos dos seus constituintes.
É talvez uma verdade, para a qual todos concorremos, um exemplo frisante do que digo se deu na sessão legislativa de maio com a maioria que o apoiava, quando s. exa. pedia auctorisações larguíssimas na contribuição pessoal e especialmente na industrial, que foi votada (apoiados).
Disse s. exa. que durante a dictadura reluziu, como clarão de resistência legal nas representações feitas pelas camaras municipaes. s. exa. aprecia por esta forma os municípios d´este paiz, que vieram intervir politicamente na governação do estado. Eu não quero entrar nesta matéria para ter o direito de responder a s. exa. como o sr. Santos e Silva, que mostrou possuir a esta respeito opisões differentes, e até contrarias. O sr. Braamcamp entende que as representações das camarás municipaes foram um clarão de resistencia legal, e o sr. Santos e Silva combate esta intervenção (apoiados).
Tambem o illustre deputado disse que as suceessivas dictaduras eram causa do desanimo do paiz. Parece-me que s. exa. tomou o effeito pela causa. Eu creio que os maus governos e os maus parlamentos é que, produzindo o desanimo no paiz, tem arrastado consigo as perturbações e as dictaduras resultantes.
Estou fatigado, e mesmo não quero tomar mais tempo á camara. Peço-lhe que me releve qualquer falta que commettesse, na certeza de que não tive idéa de offender ninguém, e apenas de repor os factos históricos á luz da verdade, e de justificar o meu voto.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por grande maioria da camara.)

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