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SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 1887 861

tendo o sou passado compromettido e o seu futuro vinculado ao eloquente folheto intitulado os fuzilamentos. A proposito do referido folheto, e para que bem se comprehenda a minha commoção n'este momento, peço licença para contar á camara uma particularidade que ella de certo ignora.
Em 1874 perpetrára-se na cidade de Lisboa um crime que, pelas circumstancias especiaes, em que se tinha praticado, concitara contra si geral animadversão e horror!
Um soldado assassinára á traição um seu superior em serviço e sem que attenuante alguma podesse explicar tão monstruoso attentado. A opinião publica unanime e os poderes do estado sobresaltaram-se com este acto criminoso de indisciplina e voz em grita e como que allucinados, todos pediam a applicação rigorosa dos artigos da lei, sem que o proprio poder moderador podesse commutar o castigo que devia ser a pena ultima!
N'aquella occasião, porém, e em meio do vozear dos quarteis, que reclamavam a vida do delinquente, houve dois jurisconsultos que ousaram com nobre coragem contrariar a opinião geral, vinculando o seu nome a um commovente protesto contra a applicação severa da justiça que nas altas regiões se preparava. Um d'esses jornalistas era o sr. Antonio Ennes; o outro era o actual sr. ministro das obras publicas. Ao lado d'estes dois homens, já aureolados nas lides da imprensa, surgia então pela primeira vez um escriptor obscuro, quasi uma creança, e assim como o sr. Emygdio Navarro tinha levantado a sua voz potente e posto a sua penna vigorosa ao serviço da inviolabilidade da vida humana, dedicando como delicadissima homenagem ao mais caro penhor das suas affeições, dedicando a seu filho este folheto, esse jornalista humilde, esse estudante que ainda se sentava nos bancos das escolas, publicava tambem outro folheto que só a este se podia comparar pela sinceridade das intuições, e dedicava-o também, não a um filho, porque o não tinha, mas a seu pae, porque era essa a homenagem mais querida, que elle podia prestar a quem muito devia e amava! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Quer a camara saber agora, quem era esse jornalista obscuro? Era eu! (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
E aqui está, sr. presidente, como uma fortuita coincidencia, trouxe n'este momento á minha recordação tempos já separados do dia de hoje por treze annos de intervallo! Mas se tal recordação póde para mim ser saudosa, o confronto com a actualidade é bem pungente, (Apoiados.) porque os gloriosos companheiros que então se levantaram a meu lado na defeza da mais nobre das causas, não se recordam hoje, um sentado no banco dos ministros, o outro sentado nas cadeiras da maioria, - do que devia estar sempre presente á sua memoria! (Muitos apoiados.) Apenas o que de longe os seguia na sua modesta humildade permaneceu -fiel aos principios, que, para eterna gloria da imprensa portugueza, n'essa solemne conjunctura os srs. Emygdio Navarro e Antonio Ennes com tanto calor advogaram! (Muitos apoiados.)
O sr. Franco Castello Branco abrindo, por assim dizer, um parenthesis na discussão, tal como hontem fôra iniciado pelo sr. Marçal Pacheco, pediu ao sr. ministro das obras publicas, que, em nome da coherencia de principios e das affirmações solemnes que estão aqui n'este folheto, dissesse á camara quaes as rasões de força maior, quaes as causas de excepcional gravidade que tinham actuado no seu espirito, para que s. exa., não se importando com os mais terminantes compromissos do seu passado, auctorisasse com a sua presença nos conselhos da corôa e até com a sua assignatura, todos os actos do governo n'este desgraçado incidente, actos que estão em contradição manifesta com a que em 1874 s. exa. havia affirmado! (Muitos apoiados.)
Nunca esperei, é verdade, que o sr. ministro das obras publicas, apesar do seu talento de habilissimo parlamentar, podesse dar a esta camara explicações cabaes que desculpassem o seu procedimento; mas, se não esperei isto, sr. presidente, esperei que s. exa. se levantasse e procurasse, bem ou mal, ao menos defender-se! (Muitos apoiados.)
O pedido, ou antes a intimação do sr. Franco Castello Branco exigia, no entanto, uma categorica explicação! (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Com espanto de todos, porém, foi ao sr. Eduardo José Coelho a quem competiu a defeza do sr. ministro das obras publicas. (Muitos apoiados.)
Mas de que modo defendeu o illustre deputado a incoherencia do ministro? Defendeu-a, dizendo que o folheto escripto pelo sr. Emygdio Navarro, como simples jornalista, não podia vincular as responsabilidades nem o procedimento do ministro das obras publicas! Porque?! Porventura os homens publicos, quando chegam áquellas cadeiras, têem obrigação de lançar para traz de si, como bagagem incommoda, os principios que affirmaram na opposição? (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Sei que infelizmente assim têem praticado quasi todos os politicos na nossa terra; mas tão lamentavel fórma de proceder, se explica muitas apostasias, não as póde justificar, invocando-se como precedente! (Apoiados.)
Não insisto mais n'este assumpto, sr. presidente, em primeiro logar, porque a questão, tal como a collocou o sr. Franco Castello Branco, e como a deixou ainda melhor collocada o silencio do sr. ministro das obras publicas, (Muitos apoiados.) deve estar resolvida já para a camara; (Muitos apoiados.) em segundo logar, porque tendo sido a sessão prorogada, e estando depois de mim inscriptos alguns oradores dos mais eminentes da opposição, não desejava, alongando-me demasiadamente, privar a camara de os ouvir.
Dito isto, passarei muito rapidamente a responder aos pontos principaes do discurso do sr. Eduardo José Coelho.
S. exa., que de ordinario é tão modesto, julgando-se sempre muito abaixo d'aquillo que é e do que merece, foi hoje de uma immodestia extraordinaria, (Apoiados.) quando nos disse que tinha estudado cuidadosamente e a fundo esta questão! Pois s. exa. prepara-se cuidadosamente para este debate e esqueceu-se da existencia de uma lei que é capital para o assumpto que tratâmos, ordenança geral da armada, de 3 de maio de 1866, affirmando que para a marinha não existia lei especial, mas unicamente se praticava por analogia o que o codigo militar estatue para o exercito de terra...
(Interrupção do sr. - Eduardo José Coelho.)
Lá chegaremos; mas antes d'isso repetirei ao illustre deputado, o que s. exa. ha pouco disse, pôr bem uma questão é resolvel-a. (Apoiado.) E é exactamente porque o governo poz esta questão desgraçadamente, que para elle tal questão é insoluvel, não podendo sair d'ella a não ser pela violencia e pelo atropelo de todas as praxes e usando d'estes processos que estamos vendo! (Apoiados.)
Disse tambem o sr. Eduardo José Coelho, e n'esse momento eu estava quasi suppondo que s. exa. tinha voltado aos bons tempos a que ha pouco me referi: «Deus nos livre, porque então retrocediamos ao tempo do mais ominoso absolutismo. Deus nos livre que nos processos d'esta ordem, em que está em jogo a vida, a honra e o futuro de um collega nosso, do um deputado da nação portugueza, o governo podesse intervir de qualquer maneira no que deve ser unica e simplesmente da alçada do poder judicial!»
Oh! sr. presidente, eu acceito completamente similhante modo de ver, e tomo boa nota d'esta declaração, visto que dentro em pouco estará s. exa. ao meu lado a pedir por todas as fórmas, não direi que se corrija, porque já é tarde, mas que se ponha ponto n'esta torrente de irregularidades que se têem succedido com vertiginosa rapidez no processo do sr. Ferreira de Almeida, desde o primeiro acto do governo até este, que parece ser na camara dos deputados o epilogo de tão triste e desgraçada questão! (Apoiados.)