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SESSÃO DE 21 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 45 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Pereira de Miranda, Falcão de Mendonça, Silva e Cunha, Veiga Barreira, A. J. de Seixas, Sousa de Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, Eça e Costa, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, Barão da Trovisqueira, B. Francisco Abranches, Caetano de Seixas, Cazimiro A. da Silva, Conde de Thomar (Antonio), C. J. Freire, Palmeiro Pinto, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Quintino de Macedo, Barros Gomes, Vidigal, Mendonça Cortez, Alves Matheus, J. Pinto de Magalhães, Correia de Barros, Bandeira de Mello, Mello e Faro, Firmo Monteiro, Holbeche, J. M. Lobo de d'Avila, Rodrigues de Carvalho, Oliveira Baptista, Silveira e Sousa, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Penha Fortuna, Paes Villas Boas, Raymundo V. Rodrigues.
Entraram durante a sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, Alves Carneiro, Costa Simões, Guerreiro Junior, A. J. Pinto de Magalhães Fontes, Montenegro, B. F. da Costa, Carlos Bento, Fernando de Mello, Francisco Costa, Bessa, Noronha e Menezes, Gil, Baima de Bastos, Corvo, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Aragão, Matos Correia, Nogueira Soares, Thomás Lobo d'Avila, Cardoso, J. A, Maia, Galvão, Sette, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Nogueira, Mendes Leal, Levy, L. A. Pimentel, Affonseca, Espergueira, Fernandes Coelho, Valladas, Mathias de Carvalho, Thomás Lobo, Visconde do Carregoso, Visconde dos Olivaes.
Não comparecerem - os srs. Ferreira de Mello, Villaça, Sá Nogueira, Sá Brandão, Antonio Pequito, Belchior Garcez, F. F. de Mello, Henrique de Macedo, Mártens Ferrão, Infante Passanha, Dias Ferreira, Lemos e Napoles, Luciano do Castro, Teixeira de Queiroz, Latino Coelho, José de Moraes, M. A. de Seixas, Calheiros, Visconde de Bruges, Visconde de Guedes.
Abertura - Aos tres quartos para a uma hora.
Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Antonio Cabral de Sá Nogueira, relativos ás gratificações abonadas aos professores do seminario de Santarem.
Á secretaria.
2.° Do ministerio da guerra, remettendo 120 exemplares das contas d'aquelle ministerio, relativas á gerencia de 1867-1868, e exercicio de 1866-1867.
Mandaram-se distribuir.
3.° Do ministerio da guerra, remettendo diversos esclarecimentos pedidos pela commissão de guerra.
Á commissão de guerra.
4.° Do ministerio da fazenda, remettendo 120 exemplares do relatorio do tribunal de contas, acompanhados das respostas dadas por todos os ministerios ás observações feitas pelo mesmo tribunal.
Mandaram-se distribuir.

Representações

1.ª Dos possuidores do papel moeda, pedindo uma medida legislativa, a fim de lhes serem pagos os seus creditos.
Á commissão de fazenda.
2.ª Da associação dos operarios da fabricação do tabaco, reclamando contra a proposta de lei n.° 25, apresentada pelo, sr. ministro da fazenda.
A mesma commissão.
3.ª Dos empregados da camara municipal de Lisboa, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Augusto Cesar Falcão da Fonseca. A mesma commissão.
Leu-se na mesa uma participação do sr. Carlos Infante Passanha, de que por incommodo de saude não podia comparecer á sessão de hoje.
O sr. Saraiva de Carvalho: - Remetto para a mesa o parecer da commissão de fazenda ácerca da proposta n.° 3-L, apresentada pelo governo, e que diz respeito á contribuição pessoal transitoria.
O sr. Levy: - Participo á camara que por incommodo de saude não tenho podido comparecer ás ultimas sessões.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: - Ha tres dias, sr. presidente, que tenho pedido a palavra para antes da ordem do dia, mas, por infelicidade, não me tem chegado; hoje que v. exa. m'a concede vou aproveita la.
Em primeiro logar desejo que v. exa. me informe se o sr. ministro dos negocios da marinha e ultramar já se deu por habilitado para responder a uma interpellação annunciada por mim e pelo sr. deputado Abranches.
Alem d'este negocio especial do ultramar, e que diz respeito á provincia que temos a honra de representar, direi que alguns dos meus collegas do ultramar, ou pelo menos o maior numero, têem desejo de provocar n'esta camara algumas explicações do sr. ministro da marinha, com relação aos negocios das nossas possessões Não sei se s. exa. está na resolução de satisfazer a este desejo, que me parece necessario e urgente, porque uma grande parte das reformas intentadas por s. exa. n'aquelle ministerio, e que não foram comprehendidas nas medidas da dictadura, carecem ser explicadas por s. exa., para que se possa conhecer a conveniencia de taes reformas, as quaes foram no principio da sessão passada aqui impugnadas pelo sr. deputado Arrobas, que hoje não tem assento n'esta camara. S. exa. por essa occasião não teve logar de as vir explicar; por consequencia parecia-me conveniente, mesmo para o sr. ministro, que s. exa. viesse dizer qual tinha sido o seu pensamento quando formulou e adoptou aquellas medidas.
Por mais de uma vez tenho solicitado do governo, especialmente do sr. ministro da marinha, informações de que depende o podermos entrar na apreciação de alguns negocios que têem andamento por aquella repartição. Refiro-me principalmente ás contas circunstanciadas, que não podemos dispensar, relativamente á expedição mandada á provincia de Moçambique.
Muita gente, não sei se com bom se com mau fundamento, tem contestado a opportunidade de se fazer tal despeza mandando aquella expedição (apoiados}.
Sei extrão-fficialmente que o affretamento do vapor Bornéo custou 58:500$000 réis, não comprehendendo a despeza dos mantimentos necessarios para os soldados, porque o dono do navio apenas se obrigou a dar o alimento para quarenta officiaes, ou passageiros de categoria similhante, e que uma das condições era sair o navio directamente de Lisboa, para apenas tocar no cabo da Boa Esperança, no caso de precisar refrescar, ou em qualquer outro ponto da costa de Moçambique, onde o official commandante da expedição julgasse conveniente aportar.

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Noticias recentes nos fizeram saber em Lisboa que o navio tinha tocado nas ilhas de Cabo Verde, dizendo se que a isto fôra coagido o com mandante do navio por uma sublevação feita a bordo do vapor. Não sei se isto é verdade.
De que careço agora é que se mandem as contas circumstanciadas da despeza feita com a expedição, e confio que o meu pedido será attendido, pois já é tempo de se dar conta ao paiz da importante despeza feita com aquelle serviço.
Por esta occasião lembro tambem que ha perto de um mez solicitei pelo ministerio da guerra que se mandassem informações circumstanciadas a respeito das gratificações e outras despezas extraordinarias feitas pela verba de despezas eventuaes d'aquelle ministerio.
Isto é um assumpto urgente, porque se diz que se pagam por ali gratificações que foram mandadas abonar quando já estavam suspensas.
Permitta-me v. exa. que eu aproveite esta occasião, visto que ellas sito tão raras, para perguntar á illustre commissão de guerra se já tem alguns trabalhos terminados, ou mesmo começados, com relação aos projectos apresentados n'esta camara, que são importantíssimos, pela economia que trazem ao orçamento do estado...
O sr. Camara Leme: - Peço a palavra por parto da commissão de guerra.
O Orador:- Refiro-me aos projectos apresentados, um pelo nosso digno collega, o sr. Pimentel, e outro, mais modernamente, pelo sr. deputado Luiz de Campos, nobre o qual talvez ainda não haja tempo de se ter formulado parecer.
N'um d'elles mostrava-se que se podia reduzir a despeza do exercito a uma verba importantíssima de 410:000$000 réis, que ainda fica aquém d'aquella que o sr. Luiz de Campos, digno ornamento d'esta cana, indica na sua reforma, porque eleva essa quantia a 750:000$000 réis, se me não engano, o que é de certo uma importantíssima economia.
Isto é um assumpto importante, e tão digno da maior consideração, que não me parece que o sr. ministro da guerra, tão zeloso e tão solicito em todos os objectos de serviço, como de economias, possa por qualquer modo desprezar um tão favoravel ensejo, que de certo terá a approvação da camara, de reduzir no serviço a cargo do ministerio da guerra a despeza n'uma tão consideravel verba.
Ha tempo remetti para a menu, para ter o destino conveniente, que não podia ser outro senão o de ir á illustre commissão de petições, varios requerimentos, a respeito dos quaes não me consta que ate agora tenha havido solução.
Creio que quando qualquer parte entende que se lhe não faz justiça nos tribunaes competentes, e, se o governo não attende ao pedido a que se julga com direito, recorre para o poder legislativo, este não póde deixar de dar lhe despacho, deferindo ou indeferindo a sua pretensão, e muito me nos mandar o pretendente ao governo para que lhe faça justiça, quando elle recorre d'esta auctoridade para a camara. Este principio tem sido sempre acatado, já mo pronunciei a favor d'elle, e faço o agora novamente.
Parece-me que é tempo de se dar solução á pretensão do general Rudschi, que está sendo privado dos seus vencimentos, em virtude de uma ordem dada apenas por um despacho do sr. ministro da marinha, fazendo applicação de uma lei que não vigorava no ultramar, mas apenas no continente e ilhas adjacentes.
Peço pois aos dignos membros da commissão de petições que tenham a benevolencia de me informar sobre o estado em que está esta pretensão, e bem assim a dos officiaes do batalhão expedicionario á Zambezia, a que om governo entendeu dever tirar as vantagens que lhe tinha concedido, privando-os do posto que haviam recebido pelo simples facto de não terem marchado para Moçambique, ao que elles se não negaram.
Podia levar mais longe os meus pedidos, mas mão desejo enfadar a v. exa. nem privar os meus collegas de usarem da palavra antes da ordem do dia, que estão talvez anciosos, e que é este um direito que nós muito apreciamos como representantes do paiz.
Termino, mandando para a mesa dois requerimentos que talvez não tenham melhor sorte do que outros que tenho feito, pedindo esclarecimentos ao governo. Já tenho poucas esperanças de que elles me sejam enviados, mas em desempenho do meu dever vou manda-los para a mesa, e permitta-me v. exa. que os leia, porque assim póde a camara ter melhor conhecimento d'elles e da sua importancia.
Primeiro requerimento (leu).
D'este modo póde-se comparar quaes são as economias que se têem feito por aquella repartição, a importancia d'ellas e se com effeito valia a pena faze- las.
Segundo requerimento (leu).
O sr. Camara Leme: - O illustre deputado, que acabou de fallar, chamou a attenção da commissão de guerra para um assumpto que reputo importantissimo.
S. exa. referiu-se aos projectos que dois srs. deputados, meus illustres collegas e camaradas, apresentaram na camara em relação á organisacão do exercito.
Creio que os poderes publicos não se podem occupar de assumpto mais momentoso do que aquelle para que o illustre deputado chamou a attenção da commissão, a que tenho a honra do pretencer, não só pelo lado economico, mas tambem pela importancia do objecto.
Quando vejo que a nação vizinha, mais poderosa do que a nossa, discute no seu congresso a união iberica; quando, vejo que um orador eminente do congresso hespanhol, sr. Emílio Castellar, pretende provar n'um eloquente discurso, que a maneira mais facil de absorver Portugal seria a fórma republicana; quando vejo que se levanta outro orador, não menos notavel, o sr. Rios Rosas, pugnando pelo principio monarchico, sustentar os mesmos principios; quando vejo que passadas algumas sessões o ministro da fazenda d'aquella nação apresenta um projecto diminuindo consideravelmente o direito do tabaco, e diz que aquella medida é um meio indirecto de nos absorver; quando vejo ultimamente no museu de artilheria de Madrid figurar as nossas armas, como sendo rios uma provincia de Hespanha; quando vejo que ha pouco a imprensa, antes da revolução que teve logar em Cadiz, discutia a maneira de invadir Portugal; confesso a v. exa. que tenho serias apprehensões pela independencia do meu paiz.
Felicito o meu illustre collega e camarada, o sr. Pimentel, por ter tomado a iniciativa n'esta sessão sobre assumpto tão importante.
O projecto, a que se referiu o sr. deputado Lobo d'Avila, foi me distribuido; confio que a commissão de guerra ha de estuda-lo, e sem duvida apresentará opportunamente o seu parecer.
Devo declarar a v. exa. e á camara que não tenho grande confiança na iniciativa dos membros d'esta casa. Eu já sou velho no parlamento, tenho tido occasião de apresentar alguns projectos de lei, e sabe v. exa. o que tem succedido? Nunca tive a fortuna de os ver discutir aqui.
Em 1862 tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto, contendo uma base de organisação do exercito, que me parecia racional e economica. Eu tambem sou partidario das economias, mas das economias bem entendidas.
Sou de opinião que é indispensavel fazer economias no exercito. Nós gastâmos no ministerio da guerra, conforme o orçamento rectificativo ultimamente apresentado n'esta camara, 3.670:900$039 réis, e, com sentimento o digo, não temos exercito nas circumstancias de defender a nossa independencia. Esta é a verdade (apoiados).
Quando vejo que a Belgica, que é um paiz quasi nas condições do nosso, tem ura exercito bem organisado, que póde apresentar em pé de guerra cerca de 100:000 homens, e em pé de paz proximamente metade d'esta força, e que

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despende com esta instituição 6.624:000$000 réis, parece-me que Portugal, proporções guardadas, devia gastar muito menos.
Eu creio que ha grande defeito na nossa organisação, e que não será difficil encontra-lo com algum estudo.
Não julguem que o defeito da nossa organisação está na parte que se denomina força combatente; o defeito julgo que existe na parte administrativa do exercito. Ahi é que se deviam fazer profundas economias. Emquanto os corpos das diversas armas custam ao paiz 2.250:677$388 réis, despende se com a parte administrativa, deduzindo a verba dos reformados, na importancia de 451:830$000 réis, a somma avultada de cerca de 1.000:000$000 réis.
Eu creio que todas as economias, que ha a fazer no exercito, devem consistir em augmentar soldados e peças de artilheria, e na constituição de uma boa reserva (apoiados). Em Portugal, sr. presidente, existem duas escolas distinctas em relação á existencia do exercito. Uma suppõe que não precisâmos d'este primeiro elemento de força publica, e que a nossa autonomia ha de ser defendida, ou pelos esforços da diplomacia, ou pelo levantamento em massa da população. A outra, que é a escola de Montesquieu, do general Jomini, do marechal Niel, que é a escola da Belgica, da Dinamarca e de todas as nações nas circumstancias de Portugal, é a escola a que eu pertenço tambem.
Querem v. exa. e a camara saber o que aconteceu no corpo legislativo francez quando se tratava da questão do recrutamento? Discutia se a questão do exercito permanente d'aquella nação. Por essa occasião pronunciaram se notaveis discursos, de que v. exa. e a camara de certo têem conhecimento.
Entre os oradores, que tomaram parte no debate, houve um, o sr. Jilio Simon, que condemnnou o exercito permanente; foi então que o marechal Niel tomou a palavra, e disse com a franqueza de soldado, que apesar da França ser urna nação bellicosa por excellencia, que apesar do grande patriotismo do povo Francez, se a França fosse invadida por um exercito, ainda que mal organizado, seria necessariamente subjugada =.
Este illustre general creio que fazia mais do que repetir a opinião eloquentemente escripta n'um dos livros do marechal Gouvion de Saint-Cyr.
Por consequencia creio que, seguindo esta opinião, sigo a opinião dos homens mais auctorisados.
Não se póde pois sustentar que o levantamento em massa, sem exercito permanente que o auxilie, expediente para que muitos appellam, seria o mais deploravel systema para manter a independencia das nações.
O exercito activo, como está organisado, não póde passar rapidamente do estado de paz ao de guerra, principio fundamental a que devo satisfazer toda a boa e racional organisacão militar. A reserva está apenas consignada na lei, e se o exercito, pela sua organização, não corresponde ao seu objecto - á defeza da patria -, não deixa comtudo o thesouro de despender com este primeiro elemento da força publica quasi a quarta parte da sua receita, gerido pouco proficuo o resultado d'esta util e indispensavel instituição. Desgraçadamente as organisações, que se têem feito no exercito depois que foram implantadas as instituições liberaes em Portugal, têem apenas consistido em favorecer uma ou outra arma, em augmentar ou diminuir um ou dois regimentos e em mudar a cor das golas das fardas (riso).
E pensa v. exa. que não temos um excellente modelo de organisação de 1806 que foi aperfeiçoada em 1816. A tão admiravel organisação do exercito da Prussia não é senão a organisação do conde de Lippe. Por consequencia não tínhamos a resolver um problema difficil; temos aquelle excellente modelo, e podiamos adapta-lo ás nossas circunstancias politicas e financeiras. E estou convencidissimo de que nós podemos ter um svstema militar n'essas condições sem gastarmos mais do que gastâmos actualmente. Ahi é que está a economia; fazendo a mesma despeza, podemos ter uma instituição que póde servir de nucleo para a defeza da nossa autonomia.
Em 1862 tive a honra de apresentar n'esta camara um projecto, pouco mais ou menos modelado pela organisação citada, em que fazia importantes economias. Reduzia dois regimentos nas armas de infanteria e cavallaria, mas sem diminuir a força. Não prejudicava em cousa alguma o accesso nas differentes armas.
Fui eu o primeiro que apresentei na camara a reducção do estado maior general. Fui o primeiro que apresentei a idéa do generalato por armas.
Mas sabe v. exa. o que aconteceu? Ninguém então fez caso do meu projecto.
É verdade que depois tive o prazer de ver convertidas em lei muitas d'aquellas disposições.
Ultimamente foram reduzidas a cinco as divisões militares, e eu propunha que fossem reduzidas a tres.
Se a camara me permitte, referirei uma circumstancia que aconteceu na sessão passada, se porventura não a estou enfadando.
Vozes: - Falle, falle.
Na sessão passada, e na mesma occasião em que um ex-ministro, que infelizmente já não existe, o general Magalhães, apresentou a reducção do estado maior general; na mesma occasião apresentei eu um projecto de lei, propondo ainda maior reducção no generalato, e como consequencia logica a reducção das divisões militares, d'onde resultava uma economia importante.
Sabe v. exa. o que aconteceu? O sr. ministro da guerra d'essa epocha, que de certo era um ornamento do exercito portuguez (apoiados), e que eu sinto que a morte tivesse arrebatado das fileiras do exercito, entendeu que não era conveniente n'aquella occasião adoptar a minha idéa, e a camara approvou a proposta de lei do governo, e o meu projecto de lei nem se quer teve a fortuna de obter o parecer.
E era aquella uma idéa já proposta pelo infeliz e benemerito general Gomes Freire, auctor de um excellente livro sobre organisação do exercito.
As tres divisões militares era assumpto já estudado por este illustre general. N'aquella epocha em que não havia estradas, nem caminhos de ferro, nem telegraphos electricos, já então entendia Gomes Freire que era conveniente reduzir as divisões militares territoriaes a tres. Eu nada mais fazia do que seguir aquella opinião auctorisada, e não vejo rasão plausivel para que o governo a não seguisse tambem nas reformas que ultimamente decretou. Eis-aqui por que eu não creio na iniciativa dos deputados.
Eu tambem tive idéa de apresentar n'esta sessão um projecto de lei sobre organisação do exercito, mas declaro a v. exa. que me não sinto com animo para o fazer. As minhas idéa», boas ou más, já apresento! no parlamento e na imprensa, e agora apenas me limito a pedir á commissão e guerra que tome em consideração o meu modesto trabalho conjunctamente com os projectos ultimamente apresentados pelos illustres deputados a quem já me referi.
Agora permitta-me v. exa. que, em relação a este assumpto, faça succintas considerações. Um illustre deputado chamou a minha attenção sobre o projecto apresentado pelo sr. Pimentel. Esse projecto fui-me distribuido, tenho feito já algum estudo sobre elle ; estou habilitado, quando a commissão o entender, a tratar do assumpto. E eu, como já disse, felicito o illustre deputado, o sr. Pimentel, por s. exa. ter tomado a iniciativa sobre assumpto tão importante. Mas pemittam-me a camara e o illustre deputado que eu, por esta occasião, faça succintas considerações acerca d'este projecto que a camara recebeu com certo enthusiasmo. Propõe o illustre deputado dotar o paiz com um exercito de 70:000 homens, fazendo a economia de 468:000$000 réis. A camara ficou sobresaltada (apoiados).
O sr. Pimentel: - Lá está demonstrado.
O Orador: - Muito bem. O que resta é virmos á prova cabal e completa. Oxalá que o illustre deputado possa attin-

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gir ao seu fim. Dou-lhe os parabens por tão feliz resultado e por tão importante serviço que faz ao paiz.
E realmente um problema importante que o illustre deputado se propõe resolver com grande vantagem para o thesouro. Mas afigura-se-me que a empreza não é tão facil como o illustre deputado imagina.
O projecto do meu illustre camarada não é propriamente um projecto sobre organisação do exercito, tal nome se lhe não póde dar.
A organisação do exercito comprehende differentes elementos todos harmonicos entre si, e o projecto do illustre deputado limita-se apenas á organisação da arma de infanteria; trata alguma cousa a respeito da organisação da reserva, e junta a isso uma agglomeração de artigos sobre differentes ramos de administração militar. Aqui está de que consta o projecto do illustre deputado; não se póde considerar como uma organisação propriamente dita.
Effectivamente a arma de infanteria é o elemento principal do exercito. O illustre deputado julgou que quanto a outros elementos não havia necessidade de reformar cousa alguma, e n'esta parte está em completa opposição com o projecto do sr. deputado e meu amigo, o sr. Luiz de Campos.
O sr. Pimentel: - Conformo-me com o que existe.
O Orador: - Bem. Ora n'essa parte peço licença para não concordar com s. exa., porque entre esses elementos ha uma certa relação , uma certa harmonia! de que não é possivel destruir, e que tambem precisam de ser reformados.
é a de que o exercito teria 70:000 homens no pé de guerra e 30:000 no pé de paz, separando d'estes 12:000 homens e applicando os aos trabalhos publicos.
Esta idéa é antiga. Quem primeiro a apresentou foi o general Oudinot, que pretendia, como principio economico, applicar o exercito para os trabalhos publicos; está porém hoje completamente abandonada, e ignoro que fosse adoptada em nação alguma; e o illustre deputado, que é muito lido n'estas materias, não ignora de certo isto.
Examinando-se o orçamento do illustre deputado, que creio não ser tão impenetravel como os rochedos da Estrella, não se encontra ali um real sequer destinado a fazer face á despeza com que se havia de pagar a esses 12:000 homens que s. exa. queria applicar ás obras publicas. Ora s. exa. de certo não póde ter a idéa que esses soldados sejam empregados da camara a quanto subiria a despeza com esses 12:000 homens? Não subia a menos de 800:OOO$000 réis. Suppondo mesmo que só metade era empregado n'aquelle serviço, lá desapparecia a economia do illustre deputado.
O sr. Pimentel: - Pois o ministerio das obras publicas não paga aos trabalhadores? Pague então aos soldados.
O Orador: - Peço perdão; deixe me o illustre deputado continuar na minha argumentação, não me interrompa e peça a palavra para me responder, porque eu tenho sempre muito gosto de o ouvir.
E a proposito lembre-me dizer que eu não sei que haja ainda obras publicas no paiz. Creio que ellas estão hoje reduzidas á expressão mais simples, e segundo as informações, que tenho podido colher, creio poder assegurar á camara que
Não há hoje mais de 5:000 ou 6:000 homens n'esses serviços. Ora, adaptando se a proposta do sr. Pimentel, que destino se havia de dar aos outros 6:000 homens?
O sr. Pimentel: - Eram licenciados: lá o diz o projecto claramente. A argumentação do illustre deputado cáe completamente pela base.
O sr. Bandeira de Mello: - Peço a palavra para um requerimento.
O Orador: Se a camara entende que eu a estou incommodando, calo me, mas peço ao illustre deputado que me interrompa.
Vozes: - Falle, falle.
O Orador: - Ha mais algumas verbas importantes, que eu não vejo figurar no orçamento do illustre deputado, provavelmente por lapso. Por exemplo: em relação á 2.ª direcção do ministerio da guerra. S. exa., n'um artigo que escreveu posteriormente, confessa que se enganou, porque referia-se ao ultimo orçamento em logar de se referir ao orçamento rectificado. Segundo o decreto de 23 de dezembro, a despeza com aquella direcção importa n'uma verba muito inferior á que vem consignada no orçamento do illustre deputado.
O sr. Pimentel: - Perdão; 65:000$000 réis. Queira ver o orçamento rectificado.
O Orador: - O orçamento rectificado existe na mão de todos os srs. deputados, e póde tirar se a duvida.
O illustre deputado pretende organisar a 2.ª direcção do ministerio da guerra com officiaes reformados. Ora, sr. presidente, a administração militar de um exercito e considerada como um dos seus principaes elementos; estão a seu cargo serviços importantissimos. Como imagina o illustre deputado obter este resultado com officiaes que não foram educados para este fim? Eu sou o primeiro a concordar que a 2.ª direcção do ministerio da guerra precisa ser reformada, substituindo-se talvez pelas intendencias militares. O serviço d'esta repartição precisa ser simplificado. Sabem v. exa. e a camara quantos documentos se processam mensalmente n'aquella repartição? Cerca de 5:000 a 6:000, o que occupa um enorme pessoal.
Como disse a v. exa. e á camara, não me faço cargo dos pequenos enganos do orçamento do illustre deputado. A minha questão toda era sobre o emprego dos 12:000 homens nas obras publicas, e sobretudo na despeza que é necessario fazer com a reserva; porque a reserva do exercito, segundo a lei actual, no fim de cinco annos deve necessariamente citar completa, se a lei do recrutamento não continuar a ser uma ficção, como tem sido até agora (muitos apoiados).
N'uma das sessões passadas tratou-se aqui d'este assumpto. Pedi a palavra, mas não me chegou, aliás teria a honra de expor á camara que o paiz nunca terá exercito emquanto houver excepções na lei fundamental do exercito (apoiados), emquanto o serviço do primeiro elemento a força publica não for obrigatorio (apoiados), emquanto recrutamento servir de arma eleitoral (apoiados).
Quando vejo que a divida dos contingentes é de 25:000 recrutas, declaro a v. exa. que não tenho confiança alguma que no fim dos cinco annos nós possamos ter na reserva a força conveniente (apoiados).
Emquanto não vir eliminadas na lei do recrutamento todas as excepções, e só permittidas as de incapacidade physica ou mental, declaro a v. exa. que não tenho confiança alguma em que possamos ter um exercito competentemente organizado (muitos apoiados).
Em relação ao mesmo importante assumpto, o illustre deputado no seu projecto propõe organisar a reserva, que deve ser constituida nu fim dos cinco annos, com cerca de 40:000 homens.
A conta é facil de fazer. O contingente, sendo a lei uma verdade, e não uma facção, deve ser de 10:000, mas se attendermos aos mancebos recrutados que devem fazer parte da reserva, e ás falhas que se dão, teremos infallivelmente no fim dos cinco annos 40;000 na reserva.
Pergunto a v. exa. e á camara, e digam-me francamente, se é possivel organisar a reserva n'estas condições convenientemente instruida, convenientemente armada, e convenientemente equipada, com 22:000$000 réis, que é a verba de despeza que o illustre deputado apresentou no seu orçamento?
O sr. Pimentel: - E para os officiaes.
O Orador: - Para os officiaes?! Peço perdão; o illustre deputado quer que o soldado da reserva se transporte a 10 ou 12 kilometros sem 5 réis na algibeira? No tempo em que havia outras administrações em Portugal e em que o

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principio da auctoridade era respeitado, antes das instituições liberaes em que havia a organisação das milicias, v. exa. e a camara sabem perfeitamente que era uma dificuldade immensa fazer reunir os milicianos n'esses dias de reunião, quanto mais agora que os costumes são outros e os habitos differentes; é impossivel fazer reunir as companhias de reserva nas epochas marcadas, sem lhes dar cousa alguma.
Não é possivel obrigar um soldado a percorrer 10 ou 12 kilometros sem meios alguns de subsistencia. Mas isto necessariamente representa uma importante verba, porque, como já disse, todas as vezes que a reserva se não reuna um dia em cada mez, e n ao póde ser outra a idéa do illustre deputado, e pelo menos doze até quinze dias no anno, a reserva é completamente inutil.
O illustre deputado propoz uma organisação de reserva, preoccupando-se de mais com os principios economicos.
O sr. Pimentel: - Eu já expliquei isso na imprensa e em outras partes, e não explicarei agora na camara, porque o projecto não está cm discussão. Mas na commissão póde o illustre deputado apresentar essas suas reflexões, que eu. quando isso acontecer, sustentarei o projecto em todas as partes. Por ora parece-me improprio discuti-lo aqui.
O Orador: - Eu não pretendo discutir aqui o projecto do illustre deputado, aliás teria ainda muito a dizer.
O sr. Pimantel: - Mas está a discuti-lo.
O Orador: - O meu illustre collega, o sr. Lobo d'Avila, chamou a attenção da camara para este importante assumpto; eu tinha de dar algumas explicações sobre elle, e a camara permittiu-me que me alargasse um pouco mais n'estas considerações. Mas vou concluir immediatamente, porque se pretendesse discutir cada uma das partes d'esta materia levava a sessão inteira, e eu não desejo contrariar o illustre deputado.
O sr. Pimentel: - É por isso que eu tambem não entro na questão, porque precisava estar duas horas a fallar e não valia a pena, porque o projecto não está em discussão. Discuta o na commissão e depois fallaremos aqui.
Orador: - Restringindo me á questão, eu posso assegurar á camara que todo o meu desejo é que o paiz seja dotado com uma organisação militar racional e economica.
Não direi mais nada a este respeito, e peço á camara que me releve, pela intenção da idéa, o ter-me demorado tanto com estas observações.
A discussão dos projectos do sr. deputado Luiz de Campos, na commissão, depende de que ella se reuna e lhe seja remettido o trabalho que fizer o sr. deputado, a quem foram distribuidos e que o illustre deputado o sr. Campos, que é o secretario da commissão, póde informar á camara quem é.
Aproveitando a occasião peço licença para mandar para a mesa a seguinte proposta, tambem sobre o assumpto (leu).
Este trabalho foi elaborado por uma commissão, á qual pertenciam officiaes do exercito muito distinctos, com exclusão da minha humilde pessoa. Fazia parte d'essa commissão, como presidente, um distincto general, o sr. Baldy, que eu creio que todos reconhecem como uma capacidade militar; faziam tambem parte d'essa commissão outros dois distinctos generaes o sr. Palmeirim e o sr. barão de Wiederhold, que ha pouco a morte arrebatou e que de certo era um dos ornamentos do exercito portuguez; era um nobre caracter e um distincto general. Permitta-me a camara este preito de saudosa homenagem á memória de tão estimavel cavalheiro.
Parece me que este trabalho é digno de se consultar, e creio que n'elle haverá muitos assumptos que mereçam ser estudados pela commissão.
Essa commissão tambem tratou da reforma da secretaria da guerra; elaborou um excellente relatorio, não só em relação á organisação do exercito, mas em relação tambem á secretaria da guerra; é um trabalho primoroso como todos
aquelles que são escriptos pelo meu illustre amigo o sr. ministro da marinha.
Permitta-me ainda a camara que por esta occasião mande tambem para a mesa um requerimento das infelizes pensionistas do monte pio militar, ás quaes se estão ainda deduzindo 25 por cento nos seus vencimentos.
Parecia-me que o monte pio militar devia ser uma cousa sagrada, e que os vencimentos das respectivas pensionistas deviam ser isentos de todas e quaesquer deducções (apoiados); entretanto, ao passo que os servidores do estado pagam, o maximo, 15 por cento, estas infelizes senhoras estilo pagando 25 por cento; e são tão rasoaveis, que apenas pedem ser equiparadas nas deducções aos funccionarios do estado.
Peço a v. exa., sr. presidente, a bondade de enviar este requerimento á illustre commissão de fazenda, a fim de que a mesma commissão se digne dar quanto antes o seu parecer sobre este assumpto, que é de toda a justiça e equidade.
Tenho concluido.
O sr. Bandeira de Mello: - Requeiro a v. exa., que dê as suas ordens para que no Diario da camara se não repitam os equivocos que frequentes vezes se notam, não sei por descuido de quem, na parte em que se mencionam os nomes dos deputados que assistem ás sassões da camara, e dos que não comparecem ás mesmas sessões.
Ha tempos vi eu, por acaso, o meu nome figurando no numero dos que não haviam comparecido á sessão, quando eu tinha estado presente a ella desde o seu começo. Ainda não faltei senão a duas sessões no mez de maio por incommodo de saude.
Hoje não figura o meu nome no Diario da camara nem entre os que estavam presentes á abertura da sessão, nem no numero dos que entraram durante ella, nem na relação dos que não compareceram!
Por esta occasião peço tambem a v. exa. que se sirva ordenar que no Diario da camara se façam algumas rectificações no discurso que proferi na sessão de sexta feira.
O sentido das minhas palavras foi alterado em alguns pontos...
O sr. A. J. de Seixas: - É que os tachygraphos ouviram mal.
O Orador: - Perdão, os tachygraphos ouviram-me, e tanto que eu, tendo revisto os seus apontamentos, não tenho senão a louva-los e muito pelo seu excellente trabalho, em que só corrigi uma ou outra palavra, mas muito poucas.
Os erros a que me refiro são typographicos; porém embora involuntarios, porquanto faço justiça á diligencia que na imprensa nacional se emprega para a perfeição dos trabalhos, transtornam, como disse, completamente o sentido ás minhas palavras.
Ha dois erros que não posso deixar passar. Um dá-se n'um ponto em que se me trocou a palavra concessão pela palavra economia. E outro dá-se n'outro ponto em que se me attribue o haver eu dito que approvava sem reluctancia todo o projecto de lei, quando o que disse foi-que se havia artigo que approvasse sem reluctancia, e até com satisfação, era o artigo 4.°
O sr. Secretario (Holbeche): - Devo informar o sr. deputado de que, se não apparece o seu nome na lista dos que estiveram presentes á ultima sessão, não sei de quem é a culpa; mas isso acontece frequentes vezes com todos os srs. deputados, porque algumas vezes eu não os vejo entrar, e não vem á mesa para eu tomar nota da sua entrada; outras vezes na relação que se manda para a imprensa falta um ou outro nome; e finalmente é um engano muito possivel de dar-se.
O sr. D. Luiz de Carvalho: - Pedi a palavra para mandar para a mesa duas representações. Uma d'ellas é dos operários de fabricação do tabaco, contra a proposta de lei n.° 25, na parte em que ella apresenta 400 réis de direitos em cada kilogramma de folha de tabaco, e que eleva no

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manipulado 200 réis, o que contribuo poderosamente para o aniquilamento d'aquella industria, que já se acha bastante affectada.
Á outra representação é dos empregados da camara municipal de Lisboa, em que pedem que esta camara se digne approvar o projecto apresentado pelo sr. deputado Falcão da Fonseca, em sessão de 3 do corrente mez, applicando aos empregados das camaras municipaes as disposições do decreto de 26 de janeiro ultimo, sobre deducções nos vencimentos. Não farei a leitura d'esta representação, porque é um pouco longa, mas peço licença para ler só uma parte d'ella (leu).
Aproveito esta occasião para participar que não pude comparecer na sessão do dia 18 por incommodo de saude.
O sr. Correia de Barras - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que sejam aggregados á commissão de obras publicas os srs. Belchior Garcez e Mello e Faro; e aproveito esta occasião, para pedir á illustre commissão de guerra que dê o possivel andamento ao requerimento em que o capitão Adriano José Semedo Portugal da Silveira pede melhora na sua reforma.
Consultada a camara resolveu que fossem aggregados á commissão de obras publicas os srs. Mello e Faro, e Belchior Garcez.
O sr. Luiz de Campos: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se me concede a palavra, para responder ao sr. Lobo d'Ávila, São só duas palavras e serei o mais breve possivel.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Luiz de Campos: - O sr. Lobo d'Avila chamou a attenção da commissão de guerra, da qual tenho a honra de ser secretario, sobre o projecto apresentado pelo sr. Pimentel, e sobre aquelles que há poucos dias submetti ao exame da camara.
Pelo projecto do sr. Pimentel fez já brilhantes considerações geraes o sr. D. Luiz da Camara Leme, e sobre os meus tenho a dizer, que só hontem os recebi e que não foram ainda distribuidos, nem o podem ser, emquanto eu não apresentar aqui um trabalho, que é por assim dizer, na minha opinião, o que os completa.
Vim aqui n'uma outra sessão confessar um erro, que o não era, mas simplismente falta clareza, talvez generosidade de mais da minha vida. Não me arrependi ainda, apesar da critica posthuma e das observações que a imprensa se encarregou de fazer. Está ella no seu direito, é ao que estão sujeitos todos homens publicos. Não discuto com a imprensa; hei de discutir aqui como souber e puder; mas lá fóra nunca o farei.
Eu poderia ter-me desculpado com o orçamento rectificado não vir redigido como devia, pois que apresenta o numero de 12:000 soldados licenciados, que nunca foram soldados, que nunca tiveram praça. O meu trabalho foi comparado com o plano de organisação de 1863 e a deducção logica e immediata que há a tirar é que no que eu propunha, poderiamos Ter um exercito de 24:000 homens, em logar de 18:000 nominaes que temos, e ainda com uma despeza inferior.
N'essa occasião não trouxe aqui projectos que desejava apresentar mais tarde, e a que me refiro no relatorio; um d'elles era que, não vem do eu a necessidade de estarem em effectivo serviço todas as praças designadas no effectivo do meu plano, fazia uma economia importante no licenciamento de parte d'essas praças.
Não tomo agora mais tempo á camara; ámanha ou depois apresentarei um projecto, e direi alguma cousa mais em explicação d'este assumpto. E se n'este paiz se entende que o homem que trabalha, mas que trabalha com vontade, consciencia e boa fé, merece alguma desculpa das faltas que pratica no exercicio da sua intelligencia, muito bem; se se não entendem assim, levanto eu a cabeça com dignidade de quem se preza, olho para dentro, e absolvo-me a mim mesmo.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Costa e Almeida: - Mando para a mesa um requerimento.
O sr. Mathias de Carvalho: - Mando para a mesa algumas notas de interpellação.
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Vae ler-se o projecto n.° 17.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto n.° 17 (lei de meios)

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou attentamente a proposta n.° 16-B, apresentada ao parlamento pelo respectivo ministro. Considerando que o anno economico vae expirar em breve, e que o orçamento geral do estado não póde estar discutido quando entrar o anno novo, é a vossa commissão de parecer, de accordo com o governo, que aquella proposta seja convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos relativos ao exercício de 1869-1870, e applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes ao mesmo exercicio, segundo o disposto nas cartas de lei de 26 de junho de 1867, e disposições legislativas ultimamente promulgadas e approvadas pelas côrtes.
Art. 2.° São declaradas em execução no exercício de 1869-1870 as disposições de carta de lei de 16 de abril de 1867, que alterou o artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860.
Art. 3.° A auctorisação concedida ao governo nos precedentes vigorará sómente emquanto as camaras continuarem reunidas na actual sessão legislativa, e até que seja convertido em lei o orçamento geral da receita e despeza do estado para o exercicio de 1869-1870.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 18 de junho de 1869. = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = José de Mello Gouveia = Henrique de Macedo Pereira Coutinho = João José de Mendonça Cortez = Antonio Augusto Ferreira de Mello = Manuel Antonio de Seixas = Francisco Pinto Bessa = Augusto Saraiva de Carvalho, relator.
O sr. Presidente: - Está em discussão a generalidade do projecto n.º 17.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Desejava perguntar ao sr. ministro da fazenda, que não vejo presente, se elle aceita a alteração feita pela illustre commissão de fazenda ao artigo 3.º da sua proposta.
Visto porém que s. exa. não está presente, desejo consignar este facto, que é novo nos anuaes parlamentares, de se discutir a lei de meios na ausencia do respectivo ministro (apoiados).
O sr. Saraiva de Carvalho: - Tenho a declarar á camara, que a modificação feita pela commissão na redacção do artigo 3.º d'este projecto não altera em cousa alguma o pensamento da proposta do sr. ministro da fazenda, pensamento que se acha consignado no relatorio que precede a proposta do mesmo sr. ministro.
Por consequencia o governo está perfeitamente de accordo com esta redacção da commissão, que não differe em cousa alguma do pensamento do mesmo governo.
São estas as explicações que tenho a dar ao illustre deputado.
Foi approvado o projecto na generalidade e especialidade.
O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Peço á camara e a v. exa. desculpa de não ter assistido desde o principio da sessão, mas objecto urgentissimo do serviço publico me impediu de estar aqui á hora do costume, para tomar parte na discussão do projecto da auctorisação para o governo poder continuar a cobrar os impostos no anno economico proximo futuro, emquanto não for approvado o orçamento respectivo. Como sei que alguem tinha feito reparo de eu não estar presente, entendi dever apro-

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veitar esta occasião para declarar que a minha falta aqui foi devida a objecto urgentíssimo de serviço que me impediu de comparecer, como já disse.
O sr. Presidente: - Passa-se á discussão do projecto n.° 16. Vae ler-se.
E o seguinte:

Projecto de lei n.° 16

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente a proposta do governo n.° 12-B, auctorisando a camara municipal de Villa Viçosa a levantar um emprestimo na importancia de 3:000$000 réis, com applicação ao reparo das calçadas da villa, melhoramentos das fontes publicas e obras indispensaveis no edifício do extincto convento de S. Paulo, ultimamente concedido á mesma camara para n'elle collocar a escola de instrucção primaria.
A commissão, considerando que a quantia de 3:000$000 réis, que a camara municipal de Villa Viçosa pretende levantar por emprestimo, é destinada para melhoramentos locaes importantes e de evidente necessidade, aos quaes a camara não póde occorrer pela sua receita ordinaria;
Considerando que as condições em que, segundo a proposta do governo, deve ser levantado o dito emprestimo são razoáveis e previdentes, não só quanto á applicação do dinheiro, como a respeito do pagamento do capital e respectivos juros;
Considerando finalmente que, como principio geral de boa administração, devem auxiliar-se sempre compativelmente os municípios em tudo quanto possa concorrer para os seus melhoramentos locaes:
É a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Villa Viçosa a levantar por emprestimo a quantia de 3:000$000 réis, a juro que não exceda a 6 1/2 por cento ao anno.
Art. 2.° O emprestimo será exclusivamente applicado á reconstrucção das calçadas da villa, ao melhoramento de algumas das suas fontes e ás reparações necessarias no edifício do extincto convento de S. Paulo, para que possa ali ser collocada a escola de instrucção primaria.
Art. 3.° O emprestimo será levantado por series, precedendo licença do governo, a qual sómente será concedida á proporção que as sommas a levantar forem necessarias para o pagamento das despezas com as obras, e provada a existencia dos meios precisos para o juro e amortisação do emprestimo.
Art. 4.° O emprestimo poderá ser contratado com quaesquer bancos ou sociedades de credito, por concurso publico, ou por acções, como melhor parecer ao governo, ouvido o conselho de districto.
Art. 5.° Se o emprestimo for levantado por acções, a amortisação far-se-ha por sorteio publico no dia 31 de dezembro de cada anno; se for por diverso modo, far se ha a amortisação segundo for accordado entre a camara e os mutuantes, e se for contratado por annuidades, as prestações semestraes serão pagas nos prados convencionados.
Art. 6.° As obras a que é destinado o emprestimo poderão ser feitas por administração ou por arrematação em hasta publica, no todo ou em parte, como parecer conveniente ao governador civil, em conselho de districto.
Art. 7.° Ao pagamento do juro e amortisação do emprestimo será applicada a quantia de 300$000 réis annuaes, que a camara para este fim inserirá sempre no sou orçamento até final pagamento, e sem a qual não poderá ser approvado o mesmo orçamento.
Art. 8.° Os vereadores e quaesquer outros funccionarios que effectuarem, auxiliarem ou approvarera o desvio das quantias mutuadas, ou da que serve de garantia ao emprestimo para qualquer applicação diversa da que lhes é prescripta por esta lei, incorrerão nas penas do artigo 54.° da de 26 de agosto de 1848.
Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 14 de junho de 1869. = Anselmo José Braamcamp = Antonio Cabral de Sá Nogueira = José de Mello Gouveia = Manuel Redondo Paca Villas Boas = Custodio Joaquim Freire = Caetano de Seixas e Vasconcellos -José Carlos Infante Passanha = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens, com declaração = José Pedro Antonio Nogueira.
Foi approvado sem discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Veiga Barreira: - Pedi a palavra para dirigir ao sr. ministro da fazenda uma pergunta sobre a execução do decreto de 14 de abril ultimo.
Tem entrado era duvida, por parte de algumas auctoridades administrativas e fiscaes, se esse decreto devia entrar em execução desde logo, ou se a sua execução dependia de regulamentos fiscaes. Em consequencia d'isso, algumas auctoridades, tanto administrativas como fiscaes, têem-se escusado a dar lhe cumprimento, umas julgando-se incompetentes; outras entendendo que o decreto não lhes póde ser obrigatório senão depois de apparecerem publicados os regulamentos a que esse decreto se refere.
Desejava pois que s. exa. tivesse a bondade de explicar-me a sua opinião a tal respeito; e se isto não é possivel sem que eu faça uma interpellação em fórma, então mandarei para a mesa a respectiva nota.
O sr. Ministro da Fazenda: - Responderei desde já ao illustre deputado que o decreto que s. exa. se refere está na maxima parte dependente de regulamentos, que se estão organisando para dar cumprimento ás differentes disposições do decreto.
Nomeei algumas commissões para me proporem os projectos de regulamentos para a execução das diversas disposições d'aquelle decreto. Essas commissões estão em exercício, têem os seus trabalhos adiantados, e dentro em poucos dias poderão estes apparecer, e serem então publicados os regulamentos respectivos. Emquanto esses regulamentos não se publicarei , não se póde dar inteiro cumprimento ás disposições do decreto.
A verdadeira interpretação, aquella que sempre se tem dado pela secretaria de fazenda e pelas differentes repartições dependentes do ministerio a meu cargo, a casos analogos, é a de não se dar cumprimento ás disposições que dependem de regulamentos especiaes, emquanto esses regulamentos não se publicam.
Ora, n'este caso, os regulamentos hão de ser bastantemente desenvolvidos, como as disposições do decreto o exigem. Portanto, logo que elles estejam promptos, hão de ser publicados, para que então o decreto tenha completa execução.
O sr. Veiga Barreira: - Agradeço ao nobre ministro da fazenda a sua explicação, com a qual me conformo inteiramente.
O sr. Penha Fortuna: - Peço a palavra para dirigir uma pergunta ao Sr. ministro do reino.
O sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra sem consentimento da camara.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Tem a palavra.
O sr. Penha Fortuna: - Pedi a palavra para fazer uma simples pergunta ao sr. ministro do reino, sobre um negocio que para mim tem muita importancia, e direi logo a rasão por que a tem.
Sr. presidente, tive occasião de ver ha dias n'um jornal que tinham sido nomeados inspectores para assistirem aos exames nos lyceus de Vizeu e de Braga. Confesso que não estranhei que se nomeasse um inspector para os exames do lyceu do Vizeu, porque, como v. exa. sabe, o lyceu de Vizeu foi ha pouco elevado de 2.ª a 1.ª classe, conservando o mesmo pessoal, e portanto era natural que na epocha dos exames fosse um inspector, não só para auxiliar o serviço, mas para informar sobre os effeitos da transição e sobre as providencias que é necessario tomar. Mas estranhei muito que se fizesse igual nomeação para o lyceu de Bra-

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ga, que é ha muito de 1.ª classe; e não só estranhei, mas confesso que me maguou este facto, porque eu tenho a honra de fazer parte do corpo docente d'aquelle estabelecimento, e prezo muito a sua boa reputação.
Já v. exa. a camara vêem que não será para estranhar que eu diga em abono d'elle algumas palavras, e desejo ser esclarecido pelo sr. ministro a este respeito.
Eu sei perfeitamente que em muitas occasiões se têem mandado inspectores aos lyceus.
(Varios srs. deputados pediram a palavra sobre este incidente.)
V. exa., sr. presidente, dá licença que eu continue?
O sr. Presidente: - A camara permittiu que v. exa. fallasse, e por consequencia póde continuar.
O Orador: - Dizia eu que em diversas epochas se têem mandado inspectores para assistirem aos exames dos lyceus. Não trato agora de apreciar as vantagens d'essas inspecções.
Limito-me a dizer de passagem, que não sou dos maiores apologistas d'ellas, porque, não dando grandes resultados para o ensino, estabelecem uma certa desconfiança sobre a probidade e capacidade dos differentes professores, o que tem pessimos resultados.
Comtudo, quando esta medida é tomada em geral para todos os lyceus do reino, e extraordinariamente, comprehende-se. Mas o que eu realmente estranhei foi que se mandassem inspectores unicamente para os lyceus de Braga e de Vizeu.
Sr. presidente, se eu posso estar convencido, como effectivamente estou, de que o sr. ministro do reino, mandando esta inspecção para Braga, não foi levado, de certo, por nenhum motivo menos agradável para o lyceu a que me refiro, talvez não succeda o mesmo no publico, em que esta medida póde fazer levantar uma opinião desfavoravel para os professores d'aquelle estabelecimentos.
Eu serei talvez suspeito, porque faço parte d'aquella corporação, mas, com a eonvicção que me dá o conhecimento profundo da verdade, e dos factos, posso assegurar á camara que os professores do lyceu de Braga cumprem zelosamente [...] os seus deveres, quer durante o anno, quer na [...] dos exames.
Por [...], para que se desvaneça qualquer opinião [...] que no publico se possa fazer sobre este assumpto [...] que eu desejo que s. exa. o sr. ministro do reino me diga se teve algum motivo particular para fazer esta excepção com relação ao lyceu de Braga, e se esse motivo nasceu de alguma falta commettida por ou professores d'aquelle estabelecimento, ou se teve alguma queixa a tal respeito.
Peço desculpa á camara por ter n'esta occasião dirigido esta pergunta ao sr. ministro do reino. Mas a minha posição [...] de professor do lyceu a que me refiro faz-me crer que [...] jus a que a camara me desculpe por ter occupado [...] algum tempo a sua attenção. Como professor d'aquelle estabelecimento era do meu dever procurar esclarecer esta tão que, como a camara vê, diz respeito á reputação de individuos que têem direito a não serem desconsiderados pelos poderes publicos.
Aguardo a resposta do sr. ministro do reino, e peço a v. exa. que me reserve a palavra para depois do sr. ministro fallar.
O sr. Alves Matheus: - Eu tinha pedido a palavra em seguida ao sr. Penha Fortuna.
O sr. Presidente: - Não lh'a posso conceder sem consultar a camara.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - A vista d´esta manifestação, tem a palavra.
O sr. Alves Matheus: - Pedi a palavra com o fim unico de applaudir o pensamento, que presidiu á interpellação do meu prezado amigo e muito digno professor do lyceu de Braga, o sr. Penha Fortuna.
A interpellação, que o illustre deputado acaba de fazer ao sr. ministro do reino, revela o seu grande interesse e sincero desvelo pela dignidade e bom nome da corporação de que faz parte.
E muito desejava eu que o nobre ministro do reino desse ás perguntas do illustre deputado, o sr. Penha Fortuna, uma resposta tal, que não podesse significar um desaire, nem traduzir-se por uma desconsideração para com o professorado do lyceu de Braga.
Conheço algumas occorrencias e successos que se têem dado em relação áquelle estabelecimento litterario. Uma epocha houve, em que ao professorado do lyceu de Braga se fizeram accusações gravíssimas, em que a sua nomeada andou exposta aos baldões publicos, em que se pregoaram attentados e horrores, que, a serem verdadeiros, mereciam severo e exemplar castigo.
Aquella corporação de ensino viu-se tão gravemente affrontada, que julgando impreterivel dever seu procurar illibar-se e justificar-se, requereu uma syndicancia.
Foi nomeado um syndicante conhecido pela sua severidade inflexível em cousas de serviço publico.
Não discuto agora se essa grave e melindrosa missão da syndicancia foi desempenhada da maneira mais conveniente e mais fructuosa.
O que é verdade é que se fez um processo, que foram ouvidas testemunhas, que foi elaborado um relatorio, e que todos estes documentos foram remettidos para o ministerio do reino.
E o que tenho eu observado, sr. presidente? É que depois de tudo isto providencia nenhuma se tomou em relçcão ao lyceu de Braga.
A conclusão que eu devo tirar, reconhecendo a integridade de caracter, o zêlo pelo serviço publico e a provada honradez de sr. Mártens Ferrão, assim como de todos os ministros do reino, que a s. exa. tem succedido, e que n'aquellas qualidades e virtudes lhe não são inferiores, é que as accusações que se tinham feito ao lyceu de Braga não tinham grande fundamento.
Reconheço a utilidade das inspecções, destinadas a colher as informações necessarias, para que as reformas m façam, para que os serviços se melhorem, para que os methodos se aperfeiçoem, e para que nos estabelecimentos de ensino publico possa estabelecer se uma uniformidade racional e proveitosa. Mas o que eu não admitto, pois mo parece inconveniente, perigoso e altamente condemnavel, são as inspecções extraordinarias seguidamente feitas a estabelecimentos litterarios, mais com o fim de reforma na moralidade dos professores, do que de reforma na instrucção.
Sr. presidente, vou expor os fundamentos da minha asserção. Inspecções d'esta natureza, parece me que significam sempre, da parte do governo, senão certeza, pelo manos desconfiança, de que os professores não cumprem os seus deveres e praticam actos reprehensiveis,
As consequencias são verdadeiramente desastradas, porque o professorado fica desecreado da auctoridade moral e do respeito publico de que carece para desempenhar com dignidade e com fructo as tão arduas como nobres funcções do magisterio, para que ninguem possa empanar-lhe os créditos, abocanhar-lhe o nome, e pôr em duvida a sua honestidade.
Sr. presidente, sou professor de ensino superior; se estando em serviço de exames eu visse ao meu lado um homem estranho, embora revestido de caracter official, que estivesse fiscalisando os meus actos, espiando os meus procedimentos, e prescrutando as minhas intenções, os meus sentimentos e a minha moralidade no modo de julgar, levantava me do meu logar, lavrava um protesto, e não fazia mais serviço; fossem quaes fossem as consequencias, havia de antepor o sentimento da minha dignidade ao deslustre de uma ignominia.
Não conheço bem a historia do lyceu de Braga nos der-

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radeiros tempos. O que se tem passado deve sabe-lo o governo, deve conhece-lo especialmente o sr. ministro do reino; mas o que eu sei, o que eu posso attestar, é que n'aquelle estabelecimento ha professores digníssimos pela sua illustração, pela sua honradez e imparcialidade (apoiados). O que posso declarar é que parentes mui chegados de alguns professores e filhos das familias mais poderosas e illustres d'aquella localidade têem sido reprovados, não obstante o costumado e apertado assedio de recommendações.
Abstenho-me de referir agora muitos outros factos, que demonstram no professorado d'aquelle lyceu uma nobre coragem, uma esforçada isenção, uma inquebrantavel independencia, e muito espirito de justiça e de moralidade (apoiados).
Se ha faltas, corrijam se; se ha irregularidades, cohibam se; se ha abusos, cortem se; se ha actos contrarios á lei e nocivos á instrucção, punam-se com severidade; mas o que não posso louvar são as inspecções feitas, não ao ensino propriamente dito, mas áquelles que o dão, porque o resultado inevitavel é o abatimento e desdouro para o professorado, que os poderes publicos têem rigorosa obrigação de considerar, e que nunca devem desautorar (apoiados).
As leccionações particulares feitas pelos professores publicos a individuos ou a alumnos, que elles hão de julgar, são o cancro da instrucção (apoiados). Mas se alguns professores do lyceu de Braga têem feito leccionações em particular, eu sei tambem que essas leccionações se fazem igualmente em Lisboa. E não sei porque havendo tamanhas severidades, rigores e continuas inspecções para os lyceus de Vizeu e Braga, os não ha tambem para o lyceu de Lisboa (apoiados).
Quer o governo desenraizar aquelle cancro, e extirpar pela raiz aquelle mal das leccionações particulares? De aos professores de instrucção secundaria remuneração sufficiente e condigna, que lhes assegure subsistencia decorosa, e lhes caucione a independencia (apoiados).
Damos 350$000 réis aos professores de ensino secundario, e damos muito mais ao porteiro de uma secretaria ou de uma alfandega.
Não ha paiz nenhum em que a remuneração dos funccionarios publicos se faça de uma maneira mais absurda, mais desigual e iniqua do que em Portugal (apoiados).
Eu quero a reforma da instrucção publica, reputo-a indispensavel; mas não quero uma reforma acanhada, obscura e impraticavel (Os .Fernando de Mello: - Apoiado.); quero a completa, radical, descentralisadora e económica para o thesouro; quero a acommodada ás necessidades do tom pó, c consoante ao progresso das sciencias e das letras.
Já que a camara teve a generosa benevolencia de me conceder o uso da palavra, permitta-me ella, que aproveite a occasião para fazer ainda mais algumas considerações.
Não posso ver com indifferença a guerra, a princípio surda e agora aberta, que mesmo nas regiões officiaes se este está lingua latina.
O estudo d'esta língua na Inglaterra e na Allemanha, que são os paizes da Europa mais adiantados na cultura das letras e nas conquistas da sciencia, occupa quatro ou cinco annos no quadro do ensino. Nós reduzimos o estudo d'esta língua a algumas horas no espaço de dois annos!
Lamento deveras isto, e não me conformo com a explicação que se quer dar d'este cerceamento no estudo do latim, dizendo-se que esta língua é morta, e que todas as obras n'ella escriptas se acham trasladadas para as línguas vivas.
Sabe v. exa., sr. presidente, porque eu discordo profundamente doesta opinião? É porque a língua latina põe a nossa intelligencia em communicação com as mais altas e robustas intelligencias do antigo mundo, cujas producções só podem ser bem comprehendidas e avaliadas nos proprios originaes (apoiados).
Lamento isto, sr. presidente, porque a língua latina é o opulentissimo deposito dos mais bellos monumentos de uma grande litteratura e de uma grande civilisação (apoiados).
Lamento isto, porque nenhum portuguez que siga uma carreira litteraria póde, ignorando o latim, conhecer a origem, a propriedade, a energia, a virilidade e a formosura de innumeravel multiplicidade de termos com que aquella língua contribuiu para crear, enriquecer e aformosear a nossa (muitos apoiados).
Os estudos, que n'outro tempo se chamavam humanidades, vão muito reduzidos e decadentes hoje.
Observo que a nossa mocidade fica sabendo pouco ou nada d'essas muitas cousas que estuda, fica com uns laivos de instrucção secundaria tão tenues e tão mal postos, que cáem logo e pouco aproveitam.
E succede isto com os regulamentos volumosos, com os programmas extensissimos e complicados, com dois e tres exames sobre a mesma disciplina.
Não posso comprehender a necessidade de se fazerem dois e tres exames de latim e portuguez; pois não e possivel e facil conhecer-se em um só exame se o alumno está sufficientemente habilitado? (Apoiados.)
A mingua senão a carencia quasi total de conhecimentos apparece em triste quadro, e não obstante os encruado, e rigorosíssimos exames de madureza!
Tenho ha sete annos a honra de exercer o magisterio de instrucção superior, e tenho me espantado e affligido com a ignorancia da nossa mocidade nas cousas mais elementares. A minha paciencia tem sido muitas vezes posta a dolorosas provas; tenho passado por grandes desgostos, e tenho sentido tristíssimos desalentos.
Leio por um compendio escripto no latim mais chão e mais corrente, e tão claro como o Mundus a Domino constituius est, de Sulpicio Severo; pois muitas vezes vejo mo constituído na dura necessidade de deixar as demonstrações doutrinaes, para fazer explicações grammaticaes; de descer da esphera da sciencia, para desempenhar as funcções do mestre de latim! O maior numero não só ignora o latim, a philosophia e o portuguez; como outras materias que são essencialmente necessarias para se progredir no estudo da sciencia. E como não ha de succeder assim, se os pobres moços vão sem bases, vão carecidos de princípios? Como podem elles caminhar bem pelas regiões da sciencia, se ficaram aleijados nos preparatorios? Mas em taes condições a tarefa do magisterio não é só enfadosa, é tambem improductiva.
Ponho aqui remate ás minhas considerações. A reforma de instrucção publica hei de discuti-la, quando ella vier á tela parlamentar, se porventura me chegar a palavra, e me não succeder o mesmo que succedeu com a questão do emprestimo; hei de discuti-la tambem na conferencia escolar, a que tenho a honra de pertencer. E creio que o sr. ministro do reino, tendo uma comprehensão tão alto, e uns espíritos tão elevados, não ha de fazer da reforma de instrucção publica uma questão política, porque a reforma de instrueção publica não é d´este ou d'aquelle governo, é um assumpto estreitamente ligado á civilisação do paiz; não é uma questão de política, uma questão do presente e do futuro (apoiados). Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - O sr. Penha Fortuna fez-me uma pergunta muito simples, alargou-se em algumas considerações, e seguiu-se-lhe o sr. Alves Matheus. E isso muito natural, não ha nada que estranhar tratando se da reforma da instrucção publica.
O governo mandou um inspector para o lyceu de Braga outro para o lyceu de Vizeu; o sr. Penha Fortuna, sendo membro da corporação do lyceu de Braga, pergunta ao governo qual é o sentido que deu a este - passo; se elle vae porventura atacar a dignidade e a honra dos professores d'aquelle lyceu. Eu declaro ao illustre deputado, que o governo não teve em vista com a nomeação do inspector cen-

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surar nenhum dos professores do lyceu de Braga, porque não chegou ao seu conhecimento queixa alguma contra elles. Por consequencia a medida n'esse ponto é a mais innocente do mundo.
Se a minha declaração vale alguma cousa, póde o nobre deputado ficar descansado e da mesma maneira o podem ficar os seus collegas, que hão de ler estas palavras que estou proferindo. Não tive queixa alguma contra os professores do lyceu de Braga, e portanto não tem nada com a sua dignidade, nem com o seu pundonor, nem com as suas qualidades o mandar-se um inspector assistir aos exames n'aquelle lyceu.
Agora responderei tambem ao sr. Alves Matheus. Não sei se as inspecções são boas ou más, mas estão estabelecidas na lei. E não estão estabelecidas só a respeito da instrucção publica; tambem ha inspecções militares, ha inspecções ás alfândegas, etc.
Em todo o serviço são admittida s as inspecções, e não se póde entender que ellas importem um ataque aos individuos que estão encarregados d'esse serviço, quando os legisladores que determinaram estas inspecções somente tinham em vista o bem, a regularidade e o melhoramento do serviço, e não a censura.
Para que nos havemos de queixar das inspecções, se ellas são permanentes em todos os serviços?!
Nós somos inspeccionados mutuamente em todas as posições sociaes. Não ha empreza nenhuma que se possa dizer que não está inspeccionada ou de inferior para superior ou vice versa. As inspecções são uma cadeia de suprema vigilancia em todos os serviços, e eu entendo que os empregados se não devem reputar offendidos com ellas (apoiados). Por exemplo, o chefe de uma repartição tem obrigação de vigiar os trabalhos dos seus subordinados, e com esse procedimento não se pratica nenhuma censura para com elles, antes pelo contrario é o cumprimento de um dever (apoiados).
As inspecções, tanto ordinarias como extraordinarias, estão estabelecidas, e têem-se feito.
O professor de primeiras letras está a ensinar, e, quando menos espera, bate lhe á porta o inspector, a fim de ver o methodo de ensino por elle seguido; depois dá as suas informações ao governo, e o mestre continua, da mesma maneira, ensinando, e não fica por isso desprestigiado.
Por consequencia parece-me que não ha fundamento para levantar voz em grita contra as inspecções, porque ellas são innocentes, e o seu fim é a melhoria do serviço.
Com referencia directamente á pergunta que o illustre deputado fez, tenho a dizer que o governo soube officialmente, por participação do reitor de Vizeu, que n'aquelle lyceu se tinham apresentado mais de seiscentos examinandos, e havendo esta accumulação, creio que era de rasão que se mandasse um professor áquelle lyceu, não só para ajudar a dirigir o serviço, mas para informar o governo sobre este movimento de examinandos (apoiados).
No lyceu de Braga ha tambem um grande movimento, e por consequencia o procedimento do governo para com este lyceu foi igual ao que teve para com o lyceu de Vizeu.
O governo, alem d'isso, mandando esses professores aos lyceus a que me refiro, teve não só em vista que informassem o governo sobre o movimento dos examinandos, mas tambem que colhessem os dados que lhes fosse possivel para serem apresentados á conferencia escolar, e tomados em consideração quando se tratar da reforma da instrucção publica.
Clama-se constantemente pela reforma da instrucção publica; é possivel que n'esta sessão não se trate d'esse assumpto, e consequentemente é necessario que nos comecemos a habilitar para que em janeiro, ou o mais breve possivel, possamos tomar uma deliberação definitiva a respeito de um objecto tão importante (apoiados).
Conseguintemente, repito, o governo mandando esses professores aos lyceus a que me refiro, não lhe passou pelo pensamento a mais pequena idéa de censura aos professores, e só teve em vista a regularidade do serviço. Nada mais tenho a dizer.
O sr. Fernando de Mello (sobre o modo de propor): - Se v. exa. fizesse sentir á camara que não havia outro objecto de que ella se occupasse n'este momento, talvez consentisse, e seria até conveniente que se trocassem algumas explicações entre os deputados que pedirem a palavra e o sr. ministro do reino, sobre a questão da reforma da instrucção publica, o que vem até muito a proposito pela pergunta feita pelo sr. Penha Fortuna.
O sr. Ministro do Reino: - V. exa. é quem dirige os trabalhos da camara. Se v. exa. entende que as explicações que se pretendem pedir não impedem o andamento de qualquer assumpto que esteja sobre a mesa para ser resolvido, não me opponho, até acho conveniente, a que se troquem essas explicações, porque conveniente e de interesse é sempre trocarem-se quaesquer reflexões sobre todos os ramos do serviço publico (apoiados).
O sr. Presidente: - Visto a manifestação da camara, e não haver por ora negocio algum na mesa para resolver, continua este incidente, e tem a palavra o sr. Penha Fortuna, que pediu lhe fosse reservada para depois do sr. ministro do reino.
O sr. Penha Fortuna: - Uso mais unia vez da palavra unicamente para agradecer ao sr. ministro do reino o favor de ter respondido á pergunta que tive a honra de lhe dirigir, e folgo muito que a resposta de s. exa. fosse era termos taes e tão categoricos que collocasse os professores do lyceu de Braga em situação agradavel; porque effectivamente podia suppor-se que a inspecção extraordinaria, que foi pelo governo mandada áquelle lyceu, tinha por fim vigiar algum acto menos favoravel para a honra, honestidade e zelo dos membros d'aquella corporação.
Sr. presidente, não entro em largas considerações sobre as vantagens ou desvantagens das inspecções; parece-me não ser agora logar opportuno para isso: quando se tratar da reforma da instrucção publica então me occuparei d'esta materia e de outras: mas seja-me permittido dizer rapidamente que as inspecções muito repetidas, e só a certos e determinados lyceus e não a todos, collocam realmente os professores d'esses estabelecimentos em circunstancias muito desfavoraveis (apoiados), tiram-lhes a força moral, porque da parte do publico suppõe-se quasi sempre que ha algum motivo particular para se fazerem as inspecções nas epochas dos exames; e até affectam de alguma fórma a frequencia nos lyceus, e affectam porque os alumnos receiam que no fim do anno a inspecção torne demasiadamente rigorosos os actos dos exames, e então não frequentara esses lyceus, que mais costumam ser inspeccionados. Eu tenho presenciado nos exames que, estando os alumnos respondendo ás perguntas que sito feitas pelos professores c respondendo socegadamente e bém, desde o momento era que apparece o inspector apodera-se d'elles tal terror que não respondem mais ou se perturbam completamente. Muitas vezes acontece que estudantes, aliás de intelligencia, ficam em tal estado que collocam os professores em circumstancias muito difficeis. Isto é um facto que eu tenho presenciado. Digo pois que as inspecções, a serem feitas, devem ser uma medida geral e a todos os estabelecimentos, e não a uns certos e determinados, porque isso, por via de regra, produz sempre mau effeito.
Não quero cansar mais a camara. O meu fim era tirar de cima dos professores do lyceu de Braga uma certa suspeita ou apprehensão desfavoravel que podia apparecer em relação aos seus actos, pelo facto da inspecção extraordinaria que acaba de ser mandada áquelle estabelecimento; suspeita que desapparece completamente pelas explicações categoricas que acabou de dar o sr. ministro do reino.
A camara conhece que eu não podia deixar de occupar a sua attenção por alguns minutos, pois que n'este negocio

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estava collocado n'uma situação verdadeiramente excepcional (apoiados).
O sr. Andrade Corvo: - Pedi a palavra sobre este incidente porque, attendendo ás reflexões do sr. ministro do reino, me pareceu ser agora occasião opportuna para trocarmos algumas explicações acerca do decreto que reformou a instrucção publica.
Fortalece-me n'esta minha opinião uma phrase que s. exa. soltou ha pouco.
S. exa. disse que, não podendo a camara occupar-se n'esta sessão legislativa de discutir a reforma da instrucção publica, era indispensável multiplicar as inspecções aos estabelecimentos de instrucção, a fim de se poderem estabelecer os princípios sobre os quaes, mais tarde, em janeiro próximo futuro, havia de assentar a reforma importantíssima d'este ramo de serviço publico, que tanta influencia tem sobre a illustração e a moral do povo.
É claro pois que se quer fazer agora o que se devia ter feito, e não se fez antes da publicação do decreto de 31 de dezembro de 1868, que alterou profundamente as leis anteriores de instrucção publica, e deu nova organisação a este serviço. O governo declara impossível a execução d'esse decreto, julga impossível a resolução da questão, sem que se estude o assumpto, e se façam sobre elle as necessarias averiguações.
Em tal caso cumpre-nos estudar o assumpto e tratar d'elle com o escrúpulo que merece pela sua importancia, a fim de nos habilitarmos para cm janeiro próximo futuro podermos levar a effeito uma verdadeira transformação na instrucção publica; cumpre-nos indagar, discutir e assentar por fim quaes as idéas, quaes os principios, quaes as bases que devemos ter em vista no proposito de se conseguir uma boa organisação. Depois então realisar a reforma.
Estou de accordo com o sr. ministro do reino, no que toca á significação que devem ter as inspecções; porem não me acontece outro tanto em tudo o mais que disse relativamente ao decreto de reforma.
Com respeito ás inspecções, supponho eu que não ha, n'esse acto de administração, cousa que possa trazer desaire para os estabelecimentos de instrucção.
As inspecções devem fazer se repetidas vezes, como systema ordinario e como meio extraordinario. D'ellas não póde resultar senão clareza, lucidez nos actos da administração, e não póde vir senão o conhecimento da maneira por que procedem os professores, e se elles cumprem ou não o seu dever.
O que eu sinto é que no decreto da reforma de instrucção publica, referendado pelo governo, se dê a entender que os professores não cumprem o seu dever; porquanto, no relatorio se diz que a reforma era necessaria, era indispensavel para acabar com os abusos.
Esses abusos existiam pois no professorado ou na instrucção.
Se existiam no professorado, eu não supponho que o meio de os extinguir seja declarar só que existiam, e oppor-lhes medidas inefficazes.
Mas a verdade é que a grande maioria da classe do professorado é altamente respeitavel, e é preciso que todos nós a respeitemos (apoiados).
Concordo portanto, como disse, na conveniencia das inspecções, e agora mais do que nunca, visto a necessidade absoluta de se estudar a questão da instrucção publica, para depois se poder fazer uma reforma, que não seja declarada impossível tres dias depois de adoptada.
É isto o que eu entendo relativamente ás inspecções.
Não podemos n'este momento estar a discutir todo o decreto da reforma da instrucção publica.
Para o fazermos havíamos de notar: que o decreto não reformou nem ampliou a instrucção primaria; que traz, em relação á organisação do ensino normal, algumas disposições que contrariam o desenvolvimento d'elle; e que apenas, muito perfunctoriamente, dispõe acerca do ensino da pedagogia dos lyceus sem a ordem, sem o methodo, sem o systema que convinha adoptar n'um assumpto da natureza d'este.
A condição essencial para o ensino primário é que o mestre seja um bom mestre e um bom director para a moral, para a dignidade e para a educação do povo.
Não basta só dizer - ensine-se a pedagogia -, principalmente usando o nome e não explicando a cousa. E bem sabe o sr. ministro, que esta disposição no decreto involve alguma cousa de incerto e de mal definido. O dizer-se que existe uma cadeira onde se ensina a pedagogia, é não dizer nada.
Eu estou apenas fazendo ligeiras reflexões, porque estes pontos hão de ser mais tarde discutidos, e eu espero que s. exa. o sr. ministro ha de n'esta parte, como em muitas outras, reformar a sua opinião.
Quanto ao ensino secundário, concordando com o principio das inspecções para estudar a questão, declaro que não concordo com as disposições adoptadas no decreto, em quanto a mim, inconvenientemente.
Na minha opinião a instrucção secundaria tem dois fins: preparar os espíritos para receberem a instrucção superior, e dar instrucção especial bastante larga a um grande numero de individuos, que vão, nos estabelecimentos de instrucção secundaria, completar as noções recebidas na instrucção primaria.
Para estes segundos desejava eu que a instrucção secundaria tivesse um caracter essencialmente pratico. Em vez de ser largamente litteraria, seria talvez bom que fosse uma instrucção fundada nas noções das sciencias uteis á vida pratica, porque preparam para entrar na vida industrial, na vida agrícola, na vida activa, em fim.
Portanto, quanto á organisação dos lyecus, parece-me que alguma cousa havia a fazer, mas não o que se fez.
Não convem multiplicar os lyceus de 1.ª classe, mesmo pelos princípios de economia. Os lyceus de 1.ª classe devem constituir-se largamente, como escolas, tendo secções de letras e de sciencias; é preciso pois que haja poucos. Com os fundos destinados aos lyceus de 2.ª classe e ás aulas de latim, poder-se-íam constituir as escolas praticas, as escolas reaes.
Estas escolas pois constituiriam o caracter principal dos lyceus de segunda ordem, e então, em vez de se diminuírem estes lyceus, entendo que se deviam multiplicar, segundo os recursos da administração publica, estabelecendo mesmo que uma parte das despezas d'essas escolas fosse lançada á conta das localidades.
Portanto parece-me que por estas rasões, sem eu querer n'este momento discutir se o sr. ministro do reino fez bem ou mal em elevar a lyceu de 1.ª classe o lyceu de Vizeu, a creação d'este lyceu de 1.ª classe não era de certo uma cousa de primeira necessidade. Não era uma necessidade publica. Na minha opinião seria mais conveniente que na cidade de Vizeu, que está collocada nas vizinhanças do Porto e de Coimbra, onde deve haver lyceus de 1.ª classe; em Vizeu, digo, houvesse uma das escolas reaes, onde se ensinassem os princípios das sciencias com bastante largueza, para assim influir sobre o desenvolvimento da industria
da agricultura n'aquella região, onde ha tantos elementos de riqueza.
Emquanto pois a este ponto parece-me que muito ha que modificar no decreto, e talvez seja este um dos pontos a que o sr. ministro do reino attenda na reforma que nos prometteu apresentar.
S. exa. deu tambem como rasão das inspecções que mandou fazer, a affluencia de alumnos externos que correram a habilitar-se no lyceu de Vizeu. Esta rasão é deduzida da propria reforma; foi ella que influiu no grande numero de individuos que estão em Vizeu a fazer exame.
Poz-se em exercício como lyceu de 1.ª classe, habilitando para as escolas superiores, ura lyceu onde ainda não havia as condições necessarias, nem para a frequencia, nem para

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os exames, segundo o que a lei e regulamentos exigem nesses lyceus de 1.ª classe. Faltam actualmente era Vizeu as condições, que podem tornar os exames tão desenvolvidos quanto o devem ser para habilitarem para as escolas superiores. E isto não por culpa dos professores. O professorado não póde ser accusado de culpabilidade alguma n'este caso; mas por falta de professores, por falta do pessoal necessario para poder examinar alumnos estranhos ao lyceu em matérias de um lyceu de 1.ª classe; e por falta naturalmente, nos alumnos, da necessaria instrucção.
Se o sr. ministro do reino tinha desejos de crear em Vizeu um lyceu de 1.ª classe, devia o ter creado segundo as prescripções do seu proprio decreto, antes de lhe dar todas as attribuições de um lyceu de 1.ª classe; attribuições, que elle, por emquanto, não póde desempenhar, porque não tem para isso todos os elementos necessarios, nem no numero dos professores, nem na organisação dos estudos.
A maneira de cortar esta questão, seria ter dito ao lyceu de Vizeu aquillo que era justo «será lyceu de 1.ª classe, quando podér sê-lo». Feito isto, parece me que as difficuldades teriam desapparecido.
A inspecção, não tendo senão aquelle fim, que o sr. ministro disse, era inutil, porque mesmo de Lisboa se podia já adivinhar o que havia de acontecer. Já se póde saber que os inspectores vem dizer ácerca do lyceu de Vizeu uma cousa que toda a gente sabe.
É necessario pois crear lyceus de duas ordens. Não lhes chamaria de 1.ª e 2.ª classe, porque d'essas denominações póde resultar, talvez, uma especie de resentimento ou má vontade d'aquellas terras em que se estabelecessem os denominados lyceus de 2.ª classe, julgando que d'ahi lhes provêm inferioridade.
Tal inferioridade não ha. O que ha, o que deve haver, é outra ordem de estudos, tão necessarios e úteis como os dos outros lyceus. Mas demos lhes outro nome. Chamemos-lhes como em Allemanha, e temos assim evitada esse inconveniente. Damos-lhes o nome de escolas reaes, escolas de sciencias ou academias polytechnicas, ainda que este nome já tem hoje entre nós outra significação, e talvez não possa convenientemente dar-se lhes. Chamemos lhes escolas reaes ou de sciencias elementares. Esse nome por certo se lhes póde dar.
Demais, se houvesse poucos lyceus de 1.ª ciasse, e esses fossem verdadeiras escolas litterarias, havia ainda a grande vantagem que tanto desejava alcançar o illustre deputado o sr. Alves Matheus. Disse s. exa.: anos lyceus ensina-se tão pouco as humanidades, e principalmente línguas mortas, que eu encontro a cada passo graves dificuldades quando os meus alumnos, embora habilitados com os exames dos lyceus, me dão provas que não estão habilitados com o conhecimento da língua latina. É verdade. A língua latina tem uma directa influencia sobre a língua portugueza, que é filha d'ella. Foi essa idéa justamente que me levou a mim, quando membro do antigo conselho geral de instrucção publica, a propor que se ensinasse em Portugal a língua portugueza; que nunca até ali se havia ensinado nos lyceus.
Já se vê que estou de accordo com s. exa. em que se deve ensinar latim n'esta terra. Mas entendo que a língua latina é um conhecimento essencial para certas e determinadas carreiras, para as carreiras litterarias, n'uma palavra. Nós não podemos crear uma academia em cada terra. Crehemos pois lyceus, com uma ou outra designação; demos-lhes o desenvolvimento completo para que satisfaçam aos seus uns plenamente.
Sr. presidente, n'estas breves palavras eu quiz apenas indicar, primeiro que tudo, que desejo, com o meu voto e com a minha palavra, auxiliar o sr. ministro do reino em tudo em que esse auxilio for compativel com as minhas opiniões, e em segundo logar quaes os pontos em que discordo do governo, relativamente á organisação da instrucção publica que elle assignou; organisação que o sr. ministro mesmo reconhece hoje, que é preciso modificar na próxima sessão legislativa.
Mas digo eu - se esta organisação foi feita antes de verificadas as inspecções que deviam servir-lhe de base; se esta organisação é reconhecidamente erronea em certos pontos (a palavra erronea não tem aqui nada de offensivo, porque a organisação é mesmo reconhecida pelo governo como tal), façamos uma cousa bem simples; suspendamos essa reforma até se poder discutir e formular a verdadeira organisação da instrucção publica.
Não é de certo a falta da applicação de uma má reforma durante seis mezes que ha de fazer perigar a instrucção publica em Portugal; emquanto que a applicação d'essa má reforma durante esse tempo póde tornar difficil uma boa organisação (apoiados).
Por consequencia o que ha de melhor a fazer é suspende-la. S. exa. é muito rasoavel, muito illustrado para, tendo reconhecido que a reforma que está em vigor é má, não ser o primeiro a reconhecer tambem que é logico suspende-la; e no entretanto multiplicar as inspecções, fazer inquéritos, alargar estudos, emfim preparar uma verdadeira reforma, e apresenta-la ás camaras em janeiro proximo.
D'esta maneira ficaremos de accordo, e o governo collocado em uma perfeita posição relativamente á melhor organisação da instrucção publica.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino: - Ouvi com toda a attenção o illustre deputado, o sr. Corvo, não só pela materia que tratou, como pela consideração da pessoa. s. exa. julga má a reforma da instrucção publica que se fez, e acha logico suspende-la. Foi assim que elle acabou o seu discurso, e é n'este ponto que eu principio a responder lhe; quer dizer, principio por onde s. exa. acabou.
O illustre deputado applicou a sua theoria da suspensão á reforma da instrucção publica feita por este governo; mas se nós alargássemos a orbita d'esta theoria, s. exa. devera ter igualmente suspendido muitas reformas que fez (apoiados).
Não sabe s. exa. que nós não podemos fazer cousa nenhuma perfeita? As obras dos homens são todas imperfeitas, absolutamente faltando; e relativamente aquella a que o illustre deputado allude, nos auditorios a que foi apresentada as opiniões variam muito (apoiados).
Aquillo que s. exa. julgou mau, eu julgo-o bom, outros julgam-o medíocre e outros julgam que é pessimo. As opiniões variam, e não ha bitola nenhuma para julgarmos e condemnarmos como má ou pessima, ou elogiarmos como boa qualquer reforma senão os tramites legaes das maiorias parlamentares (Vozes: - Muito bem.); porque se fossemos appellar para a chamada opinião publica, veríamos que no publico variam os pareceres, e não achariamos nada solido em que nos firmássemos (apoiados).
Algumas reformas que s. exa. fez quando foi ministro, como sempre acontece não agradaram a todos, e depois d'ellas feitas se houvesse um deputado que dissesse atai reforma é má, não é perfeita e julgo que é logico suspende-las, s. exa. não havia de responder é perfeita, porque a fiz eu. Em absoluto não o podia dizer.
E mesmo relativamente faltando. As reformas são boas ou más segundo as circumstancias do logar e do tempo em que ellas se fazem e segundo a possibilidade de se apreciarem mais ou menos, e não dependem só da opinião e da intelligencia do sujeito que reforma, porque a idéa póde estar madura na sua cabeça, mas não o estar na dos outros e lá fora a opinião publica não a receber bom (apoiados).
Mas ainda ha uma reforma que é util no logar A, e que muitas vezes é prejudicial sendo applicada ao logar B.
De uma idéa boa publicada hoje podem resultar grandes inconvenientes, e publicada um anno depois, quando ella já esteja madura na opinião publica, póde trazer grandes vantagens (apoiados).
Por conseguinte, porque s. exa. diz que a reforma não

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é boa e eu mesmo confesso que não é boa, não manda a logica que ella fique já suspensa; a lógica não pede isso.
O illustre deputado, se estivesse no meu logar, não consentia n'isso, porque os inconvenientes haviam de ser maiores do que as vantagens.
Applique-se o mesmo principio a todos os outros decretos dictatoriaes e aos que promulgámos usando da auctorisação, e ficaremos sempre no mesmo estado.
Se o governo viesse dizer que esse decreto era uma obra perfeita, não dizia a verdade, mas por esse motivo deve o governo cruzar os braços e não fazer nada? Deve suspender a execução de uma lei, que póde vir a ser perfeita? Parece-me que d'esse modo só para o anno 2000 é que se poderia obter alguma cousa.
Diz-se que o decreto é impossivel; e porque? Não se prova.
Isto é uma conversa, não é outra cousa; conversa despida das animosidades que a politica muitas vezes aqui traz, porque tanto o illustre deputado, como eu, estamos a discutir e a conversar sem a mais pequena acrimonia; mas o facto é que todas as conversas em que não haja uma these sobre a mesa, uma solução que ella haja de ter, são tempo perdido, porque cada um dos membros d'esta casa fica com a opinião que tinha.
Apresente-se uma reforma qualquer, e, analysada ella, todos hão de ter, ou que tirar, ou acrescentar, e ninguem a ha de achar perfeita.
Não havendo uma proposta na mesa, sobre que verse a discussão, e sem que essa proposta vá a uma commissão para a examinar, não só chega nunca a um resultado.
O decreto de 31 de dezembro teve uma rasão de ser. Não tem aspiração a ser uma reforma radical de instrucção publica, não será como os illustres deputados o desejam, mas tem uma rasão de ser.
Concordo com o que disse o sr. Alves Matheus a respeito das muitas exigencias que ha sobre este ramo dos estudos. Hoje desdobram-se cadeira, criam-se novos estudos e novas denominações. Hoje existem três exames de portuguez e dois de latim; quando dantes havia um só exame de cada disciplina, e sabia-se muito mais ou pelo menos tanto como hoje.
Repito, o decreto não tem aspirações a reformar a instrucção publica em todos os seus graus; o illustre deputado bem o sabe, e sabe tombem os motivos verdadeiros por que o governo não poz a sua mira e cuidado em reformar a instrucção publica, porque com difficuldades demasiadas estava elle já a braços, e nem o tempo nem as circumstancias permittiam que elle se lançasse n'esse campo.
A tarefa não é tão facil como parece, ha de haver, ou continuar a haver em Portugal, n'este pequeno territorio, tres escolas superiores do medicina? A resposta a isto, que parece facil a cada um de nós, não o é na pratica; a resolução d'este problema e mais difficil do que parece (apoiados).
E qual d'essas tres escolas ha de ceder o lugar ás outras?
Diz o sr. Alves Matheus que estas cousas se devem tratar abstrahindo de questões políticas. Todas as questões que aqui se tratam são mais ou menos políticas; esta é tambem uma questão política, mas não no sentido partidário em que se costuma tomar esta palavra.
Esta questão ha de vir aqui, e eu desde já faço uma prophecia, e é, que ella ha de levantar grandes tempestades. Parece impossível? Pois não é.
Nós temos escolas do exercito, escolas navaes, escolas militares, escolas polytechnicas em Lisboa e Porto, temos escolas de mathematica duplicadas, de sciencias naturaes, etc., etc., e todos estes estabelecimentos podem continuar como estão? E refundir estes e crear só os estabelecimentos necessarios, é cousa simples de fazer?
Eu estou de accordo com o sr. Corvo em algumas das idéas que apresentou com relação á instrucção secundaria, mas muita gente pensa de outro modo.
Todos sabem a luta que tem havido em Inglaterra ácerca da instrucção secundaria, assim como são conhecidos de nós todos os excellentes relatorios dos subditos francezes, os srs. Pharaoon e Arnaud, sobre o estado da instrucção publica, e o que se passa igualmente na Allemanha e na Italia, que não é preciso historiar agora aqui.
Finalmente, reconheço que ha da parte dos illustres deputados muita vontade de reformar convenientemente este importante ramo de serviço, mas a occasião será opportuna agora? Creio que não, e eu escuso de dizer as rasões, porque toda a camara tem este sentimento.
Mas poder-se-ha fazer uma reforma em ponto grande? Creio que não; parece-me que não podemos fazer uma reforma tão radical e perfeita como desejaríamos que ella fosse.
O decreto de 31 de dezembro foi muito accusado e foi victima de iras que elle realmente não merecia, porque nunca aspirou a ser uma reforma completa de toda a instrução publica em todo o paiz, E ha de condemnar-se o pensamento que dictou aquelle decreto? Não vejo rasão para isso.
Não digo a este respeito mais nada. O campo é vasto e podia fazer-se uma dissertação que occupasse a attenção da camara por muito tempo, mas parece me que não vem a proposito.
Emquanto ás inspecções, o proprio illustre deputado diz que se conforma com o seu pensamento, mas que não as queria feitas d'este modo. É natural esta opinião, vista a posição politica que o illustre deputado occupa, já se vê que acha mal feito tudo que o governo fizer. Entretanto noa vamos fazendo aquillo que sabemos e podemos, porque muitas vezos não podemos fazer tudo quanto queremos o sabemos por não termos meios para Uso. Vamos assim andando a pouco e pouco, e os que vierem depois de nós continuarão n'esta marcha como lhes cumpre.
O sr. Fernando de Mello: - É conveniente aproveitar a occasião para fazer algumas considerações acerca da instrucção publica, porque vem a proposito da pergunta feita ao sr. ministro do reino pelo meu illustre amigo, o sr. Penha Fortuna, relativamente ao facto de ter sido mandado para o lyceu do Braga um inspector n'esta epocha de exames.
Eu não condemno por fórma alguma as inspecções, nem as syndicancias; mas não posso deixar de dizer que a fórma e a occasião em que são feitas influe muito na sua significação. Sempre julguei de grande proveito que sejam inspeccionados os estabelecimentos de qualquer natureza durante o tempo da sua acção.
Nos lyceus, por exemplo, durante o tempo do ensino, e depois na occasião dos exames. Mas passa todo o anno lectivo sem inspecção, não se trata de saber qual o proveito dos methodos de ensino mandados adoptar e que ali se usam, como se executam, e só na occasião do julgamento dos aluamos é que se manda um inspector!
Parece me que já ouvi aqui explicar bem o sentido d'estas inspecções - ou são em virtude de uma accusação ou indicam desconfiança, Que as inspecções sejam mandadas fazer no tempo do ensino, para se avaliar do merecimento dos professores e da maneira como se cumprem os programmas e os regulamentos, comprehende se; mas uma inspecção mandada a um d'estes estabelecimentos, exactamente na epocha de terminarem os seus trabalhos, sem que se tenha avaliado de antemão o modo por que esse estabelecimento satisfez as suas obrigações, e só com o fim de ver como são julgados os examinandos, tem uma significação, que não se lhe póde tirar.
A proposito d'isto, fallou o meu illustre collega e antigo amigo, o sr. Alves Matheus, n'uma inspecção feita ha annos ao lyceu de Braga por um commissionado do governo, que era e é lente da universidade. S. exa., referindo-se a essa syndicancia, servindo-se da sua linguagem sempre esmerada e polida, deixou ver uma certa desconfiança e um

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juizo pouco favoravel á imparcialidade e bom senso com que tinham sido executadas as ordens do governo.
Peço ao nobre ministro do reino que, se não achar n'isto inconveniente, mande á camara o relatorio d'essa syndicancia, com todos os documentos que porventura a acompanhassem, porque só assim a camara poderá apreciar a maneira porque o commissionado do governo, que foi, segundo julgo, um distincto professor da faculdade de philosophia da universidade, se desempenhou da commissão de que foi encarregado.
Estas accusações, assim vagas e não provadas, se não têem a força necessaria para ferir, sempre magoara, e não podem nem devem deixar de ser levantadas pelos collegas d'aquelles a quem se dirigem.
Das syndicancias passou-se a umas ligeiras considerações sobre a reforma de instrucção publica. Bem vinda seja a occasião.
Todos nós estamos de accordo em que a reforma da instrucção publica apresentada pelo governo actual não é boa.
Não é pelo principio geral de que nada é perfeito n'este mundo; não é por este principio absoluto que invocou o sr. ministro do reino; é porque todos lhe conhecemos os defeitos, e até o seu proprio auctor.
O sr. ministro do reino nunca fallou da sua reforma de maneira que a classificasse só de incompleta. Disse sempre que a não achava boa; creio que é esta a phrase de que s. exa. se serviu.
Ora, se a reforma não é boa, se s. exa. prometteu, e estas promessas estão registadas, que em janeiro, ou na sessão que principia em janeiro, ha de apresentar outra reforma completa, para que s. exa. trata de habilitar se por meio de syndicancias, de conferencias escolares, etc.; pergunto eu - não será logico que esta reforma, que pouco tem ainda de executada, se suspenda?
E não se diga que ficâmos sem esta e sem outra qualquer.
O sr. ministro do reino prometteu, com a solemnidade que costumam ter todas as suas promessas, que em janeiro havia de apresentar uma reforma mais completa, num radical, para o que trata de se habilitar por todos os meios e por todas as fórmas. s. exa. é incapaz de faltar ás suas promessas, e por isso digo e repito, sem receio, que se em janeiro temos outra reforma de instrucção publica, porque
Todos sabem que não é indifferente a execução de uma reforma, que está já condemnada a ser reformada.
Seja qual for o systema que o sr. ministro do reino adopte para o ensino nos lyceus, ou s. exa. prefira o ensino classico ou o ensino de applicação, ou se escolha o systema inglez ou o systema allemão, o que é verdade é que os lyceus não podem deixar de ser reformados, não só em relação ao estado em que estavam, mas muito principalmente em relação ao estado em que ficaram pelo decreto do governo actual.
A classificação e collocação dos lyceus ha de indispensavelmente variar pela nova organisação que se lhes der, e variar muito do que se lê no decreto de 31 de dezembro.
Se assim é, se ha de haver uma revolução completa do ensino secundário em janeiro, para que ó que hoje, n'este mez, que é o de junho, os professores de alguns lyceus hão de levantar-se com armas e bagagens d'onde estão colloca dos, para se irem estabelecer n'uma terra, da qual são provavelmente tirados no principio, ou durante o anno seguinte?
Pois será indifferente que os professores dos lyceus de Évora e Santarém saiam d'aquellas localidades para irem para Vizeu, onde foi creado um lyceu de 1.ª classe; e que depois, em janeiro, quando vier outra reforma, tenham que saír d'ali para outra qualquer terra, ou para aquellas em que primitivamente estavam? Querem que por esta fórma se tome interesse e faça gosto da vida do professorado?
Mas não são só os professores que soffrem, soffre ainda mais o ensino publico.
Para mim é ponto de fé que a reforma não póde ter execução. Mas, dado o caso que a possa ter, e que principie em outubro a organisação de ensino que ella determina, que proveito se póde tirar de um systema que nasce já condemnado a não viver mais do que alguns mezes?
Já a questão dos professores é grave, mas esta ainda é mais. A reforma está condemnada até pelo seu proprio auctor, que é o Sr. ministro do reino. O testemunho é insuspeito. s. exa. diz sempre o que sente, com uma franqueza que lhe faz honra.
Promette de em janeiro trazer á camara outra, e trata de empregar todos os meios para que se attendam todas as necessidades e exigências do ensino publico no sentido do maximo proveito para o paiz. Aguardemos a realisação das suas promessas, com a confiança plenissima de que é incapaz de faltar a ellas. Mas, sejamos logicos, a execução do decreto de 31 de dezembro de 1868 deve ser sustada já. Sr. presidente, quem vir aquellas «horas semanaes» que estão n'aquella celebre tabella, póde encontrar realisação possivel na reforma? E quando encontrasse, quando fosse physicamente possivel aquella distribuição de tempo, que proveito tiraria o ensino de se estudarem no mesmo anno seis, sete e oito matérias differentes? Não estará provadissima que não aproveita no nosso paiz uma tal mistura de doutrinas, e uma similhante sub-divisão do tempo?
E já que se fallou hoje aqui tanto no estudo do latim, que eu tambem julgo indispensavel como base de toda a instrucção, como se ha de elle estudar n'aquelles seis annos de horas semanaes tão esquecido n'uns dias, tão lembrado nos outros, misturado, confundido, e quasi que abafado com tanta cousa que se estuda ao mesmo tempo?
No meu tempo o latim estudava se em tres annos, ou em quatro, acompanhado, quando muito, de uma outra lingua ou do estudo do uma outra qualquer doutrina, e ficava-se sabendo sem fastio alguma cousa do que se estudava; segundo a nova reforma o estudante cansa-se de ouvir fallar em latim seis annos, e fica sem saber nada ou bem pouco.
O sr. ministro do reino disse que no seu tempo sabia-se latim, e que se estudava por gosto. Se pela sua reforma não acontecia isso.
Ê necessario nós estudarmos, e muito, o que se faz lá por fora; e eu folgo de ver o sr. ministro do reino já disposto a viajar scientificamente pelos paizes estrangeiros. Causou-me pena ouvir dizer a s. exa. na outra camara, que não acompanhava quem o quizesse levar por esse caminho. É necessario, digo, saber o que se faz dos paizes mais adiantados, mas nem tudo o que para elles é bom nos serve para nós.
Na Allemanha, por exemplo, esta multiplicidade de materias estudadas ao mesmo tempo não prejudica o aproveitamento dos alumnos, antes pelo contrario lhes faz economisar tempo e amenisa o estudo sem prejuizo.
No nosso paiz, dizem os factos, e sabemos explica-los pela posição geographica, pela constituição dos individuos e por muitas outras rasões, que não vale a pena agora descrever, esta multiplicidade de materias estudadas ao mesmo tempo é prejudicialissima. Nós temos a experiência já com os regulamentos anteriores dos lyceus, apesar de n'elles não haver cousa que se parecesse com o plano d'esta ultima reforma. Parece musica de piano a tabella das horas semanaes. Ora se abaixa uma tecla, ora outra. O que se estuda hoje não se estuda amanhã. Logo no primeiro anno estuda-se um bocadinho de portuguez, outro de latim, outro de mathematica, outro de geographia e historia, e tambem se estuda physica, chimica e historia natural, e calligraphia e desenho linear! Isto é impossível. E a proposito, porque apparecerá só no sexto anno a logica com quatro e meia das horas semanaes? E porque não haverá lógica nos lyceus de 2.ª ordem? Não podemos agora discutir tudo, mas podia-se já ir ouvindo as rasões de alguma cousa.

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Quando se tratar de uma discussão mais demorada, desde já declaro que aceito completamente as idéas apresentadas pelo meu nobre amigo o sr. Andrade Corvo. Desejo a classificação dos lyceus como s. exa., e a organisação da mesma fórma. Não desejo lyceus de segunda ordem. Não aceito o termo, porque prejudica a instituição. Não chamem de segunda ordem a estabelecimento algum, porque desde logo todos lhe voltam a cara. Se não ha titulo proprio, invente-se um. N'esta reforma já, e sem necessidade, se inventaram as horas semanaes e os minervaes.
Não desejava lyceus de segunda ordem, desejava-os com outro nome; como, por exemplo, escolas reaes, escolas de sciencias, outro qualquer nome, mas não extravagante.
Disseminem os pelo paiz nos pontos que se julgue mais adequados, e não se sacrifiquem os lyceus de primeira ordem á necessidade de escolas de applicação. Cada cousa tem o seu fim e o seu logar. Lyceus de primeira ordem, como se diz hoje, desejo-os só ao lado das escolas superiores para que elles habilitam. Dos outros espalhe-se pelo paiz o maior numero que for possivel em relação aos nossos recursos, e colloquem-se nas terras que mais tendencia mostrarem para tirar proveito das applicações que n'elles se devera ensinar. D'estas escolas de applicação, que devem substituir os lyceus que hoje se chamam de segunda ordem, deve haver uma em Vizeu. Nenhuma cidade nem provincia tem mais direito a isso do que Vizeu com a sua provincia da Beira; mas de um lyceu de primeira ordem, d'estes que habilitam para o ensino superior, precisa Vizeu menos do que algumas terras d'onde elles agora foram tirados. E se é contestavel a necessidade, muito mais contestavel é a urgencia com que por um telegramma se arvorou cm primeira ordem o lyceu que lá existia com pessoal e organisação de segunda.
Uma das explicações que queria pedir ao sr. ministro do reino, quando mandei para a mesa a minha interpellação, era que me dissesse a rasão da urgencia com que tinha elevado um lyceu da 2.ª classe a 1.ª por meio de um telegramma, conservando n'elle o mesmo pessoal e a mesma organisação de ensino!
Sr. presidente, o lyceu do Vizeu foi elevado á categoria de 1.ª classe sem ter tido novo plano de estudos, nem augmento de pessoal. O decreto teve ali vigor apenas foi publicado. Não se esperaram regulamentos nem mais professores. O ensino ficou á antiga, mas os foros e regalias á moderna. Não esqueceram os minervaes, que entraram logo em cobrança, como excepção unica no paiz. A planta exotica só lá se póde aclimatar, a diz-se que os exames feitos n'este anno lectivo já têem o valor, para todos os effeitos, de exames do lyceu de 1.ª ordem! Desejava saber se tudo isto é verdade.
Se o é parecia me, sr. presidente, que precisava de ser explicado, porque havia de haver rasões fortes e poderosíssimas que levassem a inflexibilidade do sr. ministro do reino a fazer uma excepção d'esta ordem para a terra em que está collocada a sua cadeira episcopal (apoiados).
Espero ainda hoje ouvir as explicações do sr. ministro do reino, e folgarei muito poder concordar com s. exa.
Sr. presidente, nós tinhamos mais dois lyceus de primeira ordem que se supprimiram, e feitas as sommas da despeza, ha hoje uma certa economia para o thesouro, por que a despeza de dois não é igual, nem podia sê-lo, á de um que se creou. Temos hoje pois a diminuição de um lyceu de primeira ordem, e vejo que as cousas se dispõem para me dizerem que houve uma certa economia; mas, digo eu, se fossem supprimidos os dois, e não se orçasse nenhum, a economia era maior.
Eu fallo nas economias, e trago os algarismos para a reforma da instrucção publica, porque é o argumento da moda. Este governo não póde crear despezas, porque para reduzir das que havia «cortou muita aspiração nobre e atacou muitos direitos adquiridos». Quando se leva tão longe o sacrificio não podem attender se os pedidos de Vizeu, ainda que fossem absoluta e relativamente justificados.
Sr. presidente, o sr. ministro do reino queixa-se de que se quer tratar esta questão de instrucção publica sem uma proposta precisa e determinada sobre que recaia a discussão. V. exa. e a camara bem sabem que a culpa não é minha. Já apresentei uma proposta, e a camara entendeu que não a devia aceitar. Appello por isso para a realisação da interpellação que tive a honra de annunciar, e póde ser que d'essa discussão nasça a proposta. Isto dá-se muitas vezes, e é ordem parlamentar.
Discutiremos então tudo - instrucção primaria, secundaria e superior. Havemos de encontrar necessidades que a reforma não remediou, e muitas que ella creou. Parece-me que não será difficil demonstrar que ficou tudo o que havia de mau, e que pouco ou nada se fez de bom.
As intenções foram as melhores, creio piamente n'isso, mas infelizmente não se realisaram. Discutiremos as necessidades que ha na organisação do ensino superior, que tambem as tem e não pequenas, e abordaremos desaffrontadamente a questão do ensino medico. Não tenha o sr. ministro medo dos médicos, que não são revolucionarios.
Pelo que respeita ás inspecções, que foi por onde esta discussão principiou, repito que sou apologista de todas, ordinarias e extraordinarias, mas que não possam ter, pela excepcionalidade da occasião, uma significação pouco airosa para os professores dos estabelecimentos onde essas inspecções são mandadas fazer.
Agora, na epocha dos exames, a inspecção mandada fazer pelo governo a dois dos lyceus do reino podia ter uma certa significação pouco favoravel para os professores d'aquelles estabelecimentos, se a explicação dada a tal respeito pelo sr. ministro do reino não fosse tão categorica.
S. exa. declarou muito expressamente que não tinha havido queixas nem accusações contra algum ou alguns dos professores dos dois lyceus, e que nem havia da parte do governo menos confiança na probidade dos funccionarios dos dois estabelecimentos inspeccionados.
Eu tomo para Vizeu o que s. exa. disse para Braga. Mas então se não houve accusações nem ha desconfianças, o que vão lá fazer os syndicantes? Só para ver o numero de alumnos que fazem exame? Ao sr. ministro sempre fez impressão o facto da grande concorrencia de examinandos ao lyceu de Vizeu. Pareceu-lhe extraordinario o numero de seiscentos. Não sei se no momento d'essa impressão houve o quer que fosse de desconfiança.
Segundo me diz um collega que aqui está ao meu lado, já ha sobre a mesa trabalhos importantes e por tal fórma urgentes, que é melhor guardar estas observações para outra occasião.
Termino, pedindo ao sr. ministro do reino, que está presente, que se digne dizer se tem duvida em que se destine a primeira ou a segunda parte da ordem do dia de uma sessão proxima para tratar com vagar d'este assumpto da instrucção publica.
Da discussão sobra elle não póde deixar de vir algum beneficio para a reforma futura, não por mira, mas pelos meus collegas que se dispõem a entrar no debate.
Estimarei muito que se realisem os meus desejos com relação á reforma da instrucção publica de um modo satisfactorio e conveniente, e reservo me para em occasião opportuna tratar mais detidamente d'este objecto.
O sr. Caetano de Seixas: - Mando para a mesa, por parte da commissão de redacção, a ultima redacção dos projectos de lei n.ºs 9 e 17.
O sr. Presidente: - Como não ha mais do que tratar, vou levantar a sessão.
O sr. Mathias de Carvalho: - Perdão. Estão alguns srs. deputados inscriptos sobre o incidente de que a camara se tem occupado; e parece-me que é conveniente que elle continue emquanto se não esgotar a inscripção.
O sr. Presidente: - Mas é quasi a hora.

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O sr. Mathias de Carvalho: - Falta ainda um quarto de hora para a sessão dever terminar, e podiamos aproveitar o tempo com aquella questão (apoiados).
O sr. Presidente: - Não tenho duvida n'isso, Dou a palavra ao sr. Costa e Almeida, que é quem se segue.
O sr. Costa e Almeida; Pedi a palavra para responder a algumas reflexões do illustre deputado, o sr. Corvo, com respeito á materia que ha pouco occupou a attenção da camara.
Eu estou de accordo com as idéas do s. exa. ácerca da reforma e instrucção secundaria, e entendo que a reforma apresentada pelo governo no decreto de 31 de Dezembro de 1868 não foi a mais feliz.
Mas, apesar d'esta minha opinião, eu não podia deixar de reconhecer que n'aquella reforma se consignam alguns principios de incontestavel utilidade, que satisfazem algumas das necessidades manifestadas pelos estabelecimentos publicos nos seus relatorios annuaes. Não me parece porém que essa questão possa ter uma solução favoravel, tratada de uma maneira incidental na camara. E já que a camara, prestando attenção ao illustre deputado, se occupou d'este debate e mostrou sincero desejo de por termo a esta questão, eu reservo as observações que tinha a fazer para occasião opportuna, mesmo porque a hora está adiantada.
Quando tiver logar a interpellação annunciada pelo sr. Fernando de Mello ao sr. ministro do reino, sobre a reforma de instrucção publica, e para tomar parte na qual já me inscrevi, farei as considerações que julgar convenientes, e limito aqui as minhas observações por hoje.
O sr. Alves Mathias: - Poucas palavras direi. As explicações que o sr. ministro do reino teve a bondade de dar relativamente ás inspecções mandadas fazer aos lyceus de Braga e Vizeu, sinto dize-lo, não me satisfizeram completamente.
Disse s. exa. que as inspecções eram necessarias. Nas ponderações que ha pouco fiz, reconheci essa mesma necessidade e utilidade. s. exa. referiu as inspecções que se, fazem nas alfandegas, nas casas fiscaes e nas repartições de fazenda. Conheço a conveniencia geral das inspecções, porque d'ellas resulta o colherem se noticias, haverem se esclarecimentos que aperfeiçoam os serviços, e preparam as reformas. Entendo que devem fazer-se diligencias eficazes para se obterem as informações necessarias e conducentes á consecução de uma cansa tão importante, como é a reforma da instrucção publica.
Mas se porventura as inspecções aos lyceus de Braga e Vizeu se toem feito com este fim, relativo unicamente á melhoria da instrucção, qual é a rasão por que as mesmas inspecções se não fazem nos outros lyceus do reino? Se as inspecções são feitas, como disse o sr. ministro, para se alcançarem os dados e informações indispensaveis, para se chegar á desejada reformarão da instrucção publica, qual é o motivo por que são sómente inspeccionados dois lyceus?
Sr. presidente, disse eu que as inspecções repetidas em um estabelecimento litterario tem graves inconvenientes, porque desautoravam o professorado; e effectivamente o que se tem passado em relação ao lyceu de Braga, parece mostrar que as inspecções se têem feito mais com o fim de vigiar o professorado, do que inspeccionar o ensino.
Fez se uma syndicancia, depois uma inspecção; a esta seguiu-se outra, e durante este tempo não se tomou providencia alguma no pertinente ao pessoal do magisterio. De maneira que, se alguma falta d'aquelle estabelecimento era arguida, ella não foi corrigida, porque as cousas mantiveram se no mesmo pé ficaram nas mesmas condições. Não se ordenando agora inspecções para todos os lyceus, não será talvez aventurosa e errada a consequencia que eu tiro affirmando que a inspecção do lyceu de Braga no presente anno terá mais por fito examinar a maneira por que os professores desempenham as suas obrigações, do que para obter os esclarecimentos precisos para a reforma.
Ora, as inspecções repetidas no mesmo estabelecimento, feitas com tal intuito, reputo-as más e de resultados muito deploraveis, por isso mesmo que o publico faz apreciações ás vezes menos justas acerca do comportamento e probidade dos professores, e o seu nome fica exposto mesmo ás vezes ás calumnias e ás mofas insultadoras. Não alargo mais as minhas ponderações. Desejo, que as inspecções, a terem o fim da reforma do ensino, se estendam, não só ao lyceu de Braga e ao de Vizeu, mas a todos os lyceus do reino (apoiados).
O sr. Mathias de Carvalho: - Louvo-me de ter provocado a continuação da sessão, porque será o meio de terminar este incidente, e não o vermos renovado ámanhã; e
sinto que quando estou inscripto haja sempre duvidas da parte de v. exa. sobre se as discussões devem continuar, porque não me parece realmente isto muito bem em vista da fórma por que costumo conduzir a minha argumentação nos debates.
O sr. Presidente: - Pareceu-me ouvir dizer ao sr. deputado que eu ponho sempre em duvida dar-lhe a palavra, ou ponho obstáculos a que v. exa. falle...
O sr. Mathias de Carvalho: - Sim, senhor.
O sr. Presidente: - Peço-lhe o favor de ser mais justo. Nem a v. exa. nem a nenhum dos nossos collegas eu tolho a palavra. Folgo sempre muito de os ouvir, e quando lhes toca a palavra não lh'a nego. A prova é v. exa. estar fallando, porque eu podia pôr em duvida se era v. exa. quem se seguia agora a fallar; mas no caso de duvida que se apresentava, eu preferi antes dar a palavra a v. exa., do que ao sr. Saraiva de Carvalho, que tambem a pedira.
O sr. Mathias de Carvalho: - Se o sr. Saraiva de Carvalho estivesse inscripto antes de mim, eu não queria nem era proposito meu antepor-me a s. exa. Não desejo tirar a palavra a nenhum dos membros d'esta casa, desejo sómente quando me toca poder usar d'ella.
N'uma sessão anterior appareceu de repente o nome de um digno deputado anteposto ao meu na inscripção. Não reclamei, não disse cousa alguma, porque quiz acreditar que fora equivoco. Mas estes equivocos repetem-se successivamente, e, peço perdão a v. exa., hei de protestar contra elles energicamente.
O sr. Presidente: - O sr. deputado acaba de fazer uma increpação á mesa, e é necessario responder-lhe.
Tratava-se de duas inscripções simultaneamente, inscripção sobre a ordem e inscripção sobre a materia; e a ultima resolução que a camara tomou sobre este assumpto, todos os senhores então presentes estarão lembrados, foi que dois sr. deputados fatiarem sobre a ordem e outros dois sobre a matéria. Já se vê pois que n'estas circumstancias tinha de ser alterada a inscripção relativamente ao sr. deputado.
Não houve proposito nem o podia haver (apoiados), porque tenho por v. exa. toda a consideração e toda a estima, a mesma que pelos mais collegas, e porque procuro sempre não fazer injustiça a ninguem.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Mathias de Carvalho: - Eu não desejo por fórma alguma protrahir o debate, porque me parece que isso contraria a v. exa., e não desejo de modo nenhum contraria-lo. O que pedia unicamente ao nobre ministro do reino era que tivesse a bondade de me dizer se esta conversa parlamentar da sessão de hoje impedia que tivesse logar a interpellação annunciada acerca da instrucção publica. Se o impede, então usarei da palavra com referencia ao assumpto que se discute.
Se o sr. ministro do reino se promptifica a vir responder, não em praso fixo, mas quando s. exa. poder, ás interpellações que lhe foram dirigidas a este respeito, escuso de cansar agora a attenção da camara, porque o incidente levantado pelo illustre deputado, o sr. Penha Fortuna, está suficientemente elucidado, e nobre elle não tenho mais nada a dizer; de contrario usarei da palavra.
Aguardo a resposta do sr. ministro do reino.

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O sr. Ministro do Reino: - Eu já disse que não me parecia esta a occasião mais apropriada para estarmos a discutir o assumpto geral da instrucção publica.
É uma matéria vastíssima, gastavamos muito tempo, cada um dizia a sua opinião e ficava com ella, porque ninguem se convencia do que lhe dissessem, e no fim de tudo nunca chegávamos a um resultado pratico, que é o que todos queremos, visto que não temos assumpto que faça objecto de votação especial.
Entretanto, se os illustres deputados querem fazer-me quaesquer perguntas sobre este assumpto, eu declaro novamente que estou sempre prompto para lhes responder em qualquer occasião, embora conheça que nem por isso conseguimos nada, visto não termos objecto para discussão e votação.
O sr. Mathias de Carvalho: - Agradeço a resposta que acaba de me dar o meu nobre amigo o sr. ministro do reino.
V. exa. sabe que foi remettida para a mesa uma nota de interpellação do illustre deputado, o sr. Fernando de Mello, sobre um ponto determinado, isto é, sobre o decreto que reformou a instrucção publica.
Este decreto é hoje lei do paiz, e é sobre elle que versa a interpellação a que alludi, á qual se associou o illustre deputado e meu amigo o sr. Corvo, e eu tambem, e posso afiançar a v. exa. que logo que esta interpellação venha á téla do debate parlamentar, ha de haver uma base para discussão e votação, e essa base ha de ser uma proposta para a suspensão d'esse decreto.
Se nenhum dos illustres deputados a propozer, propornho-a eu.
Comquanto aquelle decreto não tivesse um determinado effeito ou não dissesse pessoalmente respeito a mim, póde v. exa. estar certo de que eu não tomava a palavra para entrar no debate; mas desde que esse effeito se deu commigo, acho-me perfeitamente á minha vontade para poder entrar na apreciação das medidas adoptadas com respeito á instrucção publica, que se acham consignadas no decreto de 31 de dezembro de 1868.
Portanto, a interpellação é importante, assumpto para discussão e para votação comprometto-me eu a apresenta-lo se ninguem o apresentar, e o sr. ministro quizer marcar dia para essa interpellação.
O sr. Ministro do Reino: - Pouco mais tenho que acrescentar ao que disse ha pouco. Sou velho n'esta casa, e ainda não vi, que uma interpellação revogasse um decreto. O decreto é lei do estado, e as leis emendam-se, mas nunca por motivo de uma interpellação.
Formular uma interpellação sobre o decreto de 31 de dezembro, discuti-lo em todas as suas partes, dar a rasão de cada um dos seus artigos, como o sr. Fernando de Mello parece pretende fazer, isso póde ser muito bom, mas não tem resultado, e não o tem, porque eu não me presto a isso. Seria muito boa uma discussão academica n'este parlamento, mas o parlamento é para fazer leis, para as alterar, para as votar, e não para uma academia de sciencias.
Agora, se é nobre deputado quer apresentar uma proposta para a suspensão do decreto, está no seu direito, apresente-se essa proposta, sigam-se os tramites legaes, discuta se e resolva-se sobre ella.
Emquanto á fórma da interpellação, estou prompto a entrar n'essa interpellação, mas o resultado ha ser o mesmo de hoje, uma conversa sobre a matéria e para cada um dizer as suas opiniões, apresentar as suas idéas acerca das reformas, dos methodos, dos compêndios, d'esse mare magnum em que nunca se achará fim.
Não obstante, eu estou prompto a entrar na questão quando quizerem.
O sr. Andrade Corvo: - Duas palavras bastam, porque a hora está dando. O sr. ministro do reino acha que uma conversação sobre este assumpto é esteril. S. exa. teve a bondade de conversar commigo sobre este assumpto, e então o que se vê é que esta nossa conversação foi esteril. Acho isto extremamente agradavel para mim. Para os outros srs. deputados não sei se o é. Agradeço muito a s. exa. Vamos a dar um thema de discussão a esta questão.
S. exa. disse ha pouco que = lhe parecia que não havia assumpto para uma interpellação; que a interpellação seria tão estéril como a conversação =. Parece-me que ha assumpto para uma interpellação; sobre o modo como se assignou, publicou e poz em execução o decreto que o governo promulgou, em relação, principalmente, aos estabelecimentos de instrucção secundaria, e em especial ao lyceu de Vizeu. Demais s. exa. a proposito da instrucção superior, levantou uma grave questão, e sobre ella ainda a interpellação poderia ter logar. Eu porém para dar á discussão o thema, a que o sr. ministro do reino obriga, tenho a honra de mandar para a mesa uma proposta, para que sobre ella seja ouvida a commissão competente. Tem ella por fim a suspensão do decreto até que os estudos, inqueritos e informações, que s. exa. julgar indispensaveis para reformar a instrucção publica, estejam colligidos, ficando em vigor a legislação anterior.
Leu-se na mesa a proposta do sr. deputado, a qual era um projecto de lei, de que se dará conta quando tiver segunda leitura.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a discussão dos projectos n.ºs 11 e 14.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas da tarde.

39 * 1:205 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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