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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

42.ª SESSÃO

EM 28 DE MARÇO DE 1903

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - O Sr. Presidente communica á Camara o fallecimento do antigo Deputado Sr. Pereira Borges, e propõe que na acta se lance um voto de sentimento por essa perda. Associam-se a essa proposta, que depois é approvada: o Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques) em nome do Governo, o Sr. Pereira dos Santos em nome da maioria, o Sr. Espregueira em nome da minoria progressista e os Srs. Mazziotti e Sousa Tavares em seu nome pessoal. - O Sr. Espregueira realiza o seu aviso previo sobre a demora na remessa de diversos documentos que pediu, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa). - O Sr. Queiroz Ribeiro refere se ao flicto dos juizes de direito se recusarem a receber attestados de pobreza de individuos que, embora filhos de pessoas ricas, nada possuem, obrigando-os ao pagamento de custas em dinheiro ou na cadeia. Responde o Sr. Ministro da Justiça. - O Sr. Lourenço Cayolla occupa-se da larga importação de pão hespanhol que se está fazendo em algumas terras fronteiriças da provincia do Alemtejo, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Fazenda. - O Sr. Francisco José Machado insta pela remessa de differentes documentos que pediu por alguns Ministerios e de que tem grande urgencia para tomar parte na discussão do orçamento. - Mandam documentos para a mesa os Srs. Matheus Sampaio, Oliveira Mattos e Espregueira.

Na ordem do dia, continuação da discussão do projecto de lei n.° 11 (interpretação de varios artigos do Codigo Civil), usam da palavra os Srs. João Pinto dos Santos, José Dias Ferreira e Luiz José Dias. - Mandam diversas propostas de emendas para a mesa, sobre o assumpto, os Srs. Francisco José de Medeiros, Almeida Serra, Sousa Avides e Reis Torgal. - O Sr. Francisco Beirão pede á commissão que tenha como proposito eliminar do projecto tudo o que não seja exclusivamente interpretativo. - Esgotada a inscrição, são lidos na mesa e approvados, sem prejuizo das emendas, os grupos 4.º e 5.° do projecto, estando prorogada a sessão a requerimento do Sr. Joaquim Jardim.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 62 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas da tarde.

Presentes - 62 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alvaro Augusto Froes Possolo de Sousa, Alvaro de Sousa Rego, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Conde de Castro e Solla, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa e Ornellas, Filippe Leito de Barros e Moura, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Alfredo de Faria, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, Joaquim Pereira Jardim, José Coelho da Motta Prego, José da Cunha Lima, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Maria de Oliveira Simões, Julio Augusto Petra Vianna, Julio Ernesto de Lima Duque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manoel Affonso de Espregueira, Manoel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira Rodrigo Affonso Pequito e Visconde de Reguengo (Jorge).

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Carlos de Almeida Pessanha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Mariano de Carvalho, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Penha Garcia, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Hypacio Frederico de Brion, João Augusto Pereira, João Monteiro Vieira de Castro, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José de Mattos Sobral Cid, Julio Maria de Andrade e Sousa, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manoel Antonio Moreira Junior e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Alaria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos Malheiro Dias, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Paçô Vieira, Conde de Restello, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Frederico dos Santos Martins, Jayme Arthur da Costa Pinto, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano Rebello, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Nicolau Raposo Botelho, Libanio Antonio Fialho Gomes, Manoel Francisco de Vargas, Manoel Homem de Mello da Camara, Manoel Joaquim Fratel, Mariano Cyrillo de Carvalho, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio e Visconde de Mangualde.

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SESSÃO N.° 42 DE 28 DE MARÇO DE 1903 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do mesmo Ministerio do Reino, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Lourenço Francisco Cayolla, copia da correspondencia trocada entre o Ministerio do Reino e o governador civil do Funchal e entre o commandante militar e o Ministerio da Guerra em 24 de junho de 1902.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio remettendo, em satisfação ao Sr. Deputado Francisco José Machado, nota da despesa com o pessoal da fiscalização dos impostos camararios nos bairros da cidade do Porto.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo nota das despesas feitas com as obras que se realizaram no Gabinete do Sr. Ministro da Fazenda, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo a copia do officio da Administração Geral das Alfandegas acêrca da syndicancia feita pelo capitão da guarda fiscal Florencio da Silva Granate às fabricas de cerveja de Lisboa, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado, enviando nota das quantias que devem ter sido pagas pelo ex-inspector dos impostos Jeronymo de Vasconcellos, para satisfazer os direitos de mercê pela Carta de Conselho com que foi agraciado.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, enviando os esclarecimentos relativos aos adeantamentos e gratificações concedidos ao ex-inspector geral dos impostos Jeronymo de Vasconcellos, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Guerra, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado, nota das despesas feitas pela guarda fiscal no anno civil de 1902.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso Espregueira, copia das contas sobre a applicação das receitas dos conventos supprimidos em virtude da lei de 29 de julho de 1899.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Communico á Camara o fallecimento do antigo Deputado e distincto medico militar o Dr. Pereira Borges e proponho que na acta da sessão de hoje se lance um voto de sentimento por esta perda. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: pedi a palavra para me associar em nome do Governo á proposta que V. Exa. acaba de apresentar á Camara.

O Dr. Pereira Borges foi não só um medico distincto pelo seu saber e pelos seus talentos, mas tambem um cidadão respeitabilissimo pela lealdade do seu caracter (Muitos apoiados) e pelos serviços prestados ao seu país. (Muitos apoiados).

Como antigo Deputado e como partidario mereceu sempre a estima dos seus amigos politicos e bem assim o respeito e a consideração dos seus adversarios (Muitos apoiados), de tal maneira se impunha a correcção impeccavel do seu procedimento. (Muitos apoiados).

É por estes motivos que em nome do Governo me associo ao voto de sentimento proposto por V. Exa., curvando-me respeitoso perante o tumulo de tão illustre cidadão.

(O orador não reviu).

O Sr. Pereira dos Santos: - Sr. Presidente: venho tambem associar-me em nome da maioria, ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor pela perda do antigo Deputado o Dr. Pereira Borges.

Foi elle durante muito tempo membro d'esta Camara, e V. Exa., muitos dos meus collegas e eu, lembramo-nos ainda da correcção de maneiras que o tornava extremamente sympathico (Muitos apoiados) e que fez com que mantivesse sempre as mais affectuosas relações tanto na vida publica como na vida particular. (Muitos apoiados).

Foi precisamente por estas qualidades e ainda tambem pelo seu caracter prestavel, pelas tendencias do seu genio obsequiador (Muitos apoiados) que elle conseguiu adquirir na vida politica uma posição evidente, podendo chegar a ser chefe do seu partido em Beja, situação em que se salientou pelos serviços prestados com tenacidade e amor ao seu país.

Por todos estes motivos, associo-me em nome da maioria, ao voto de sentimento proposto por V. Exa. (Muitos apoiados) acompanhando o partido progressista na justa magua que deve sentir pela perda do seu distincto correligionario. (Muitos apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira: - Sr. Presidente: por parte da minoria progressista associo-me tambem ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo fallecimento do antigo Deputado o Dr. Pereira Borges (Muitos apoiados), assim como me associo às palavras que o illustre leader da maioria, o Sr. Pereira dos Santos, acaba de proferir.

O Dr. Pereira Borges, tão dedicado sempre á causa publica mereceu o mandato para vir representar o país nesta Camara, de que foi um distincto ornamento, e onde por vezes mostrou quanto se interessava pelos negocios do seu districto. (Muitos apoiados).

Dedicadissimo á causa politica a que se associara, foi um dos seus mais leaes e mais illustres servidores. (Muitos apoiados).

Por tudo isto sinto, e sente a minoria progressista, o fallecimento de tão prestimoso cidadão. (Muitos apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Mazziotti: - Sr. Presidente: como amigo pessoal do illustre extincto e como seu collega nesta Camara em varias legislaturas, não posso deixar de me associar ao voto de sentimento que V. Exa. acaba de propor.

(O orador não reviu).

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. Sousa Tavares: - Sr. Presidente: em manifestações d'esta natureza não ha progressistas nem regeneradores. (Muitos apoiados). O dever de todos é prestar homenagem de respeito aos mortos illustres, qualquer que tenha sido a sua situação politica, (Muitos apoiados).

Assim e que, tendo sido adversario politico do Dr. Ferreira Borges, mas seu amigo pessoal e admirador da suas qualidades de caracter, cumpro o meu dever associando-me pessoalmente a esta manifestação que a Camara presta á sua memoria.

O Dr. Pereira Borges foi medico militar e tão distincto que, quando a doença o obrigou a deixar de fazer clinica o seu conselho era ainda assim ouvido e acatado pelos collegas.

Servi com elle durante alguns annos em infantaria n.º 17. Travámos e estreitámos então relações que foram sempre affectuosas, sem a menor sombra que as empanasse

O Dr. Pereira Borges alliava às mais primorosas qualidades de caracter muito talento e muito saber. (Multo apoiados). Por isso elle mereceu e merece hoje a sua memoria a consideração e respeito de todos. (Muitos apoiados).

Em nome dos meus amigos regeneradores do districto de Beja abato neste momento a bandeira do nosso partido (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara considero a minha proposta como approvada.

Tem a palavra o Sr. Espregueira para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira: - Sr. Presidente: agradeço a V. Exa. o ter-me facilitado conversa com o Sr. Ministro da Fazenda a respeito de uns documentos que pedi e que julgo necessarios para a discussão do orçamento mas que ainda me não foram enviados.

Não pense o Sr. Ministro da Fazenda que vou increpá-lo por esse motivo. S. Exa. occupa ha tão pouco tempo a pasta da Fazenda que eu seria injusto se lhe attribuisse a falta de remessa dos documentos a que me referi.

Desejo principalmente mostrar que fui parcimonioso no pedido de documentos e que todos que antes pedi são absolutamente necessarios para a discussão do ornamento Alem d'isso desejo perguntar ao Sr. Ministro se m'os pode mandar com urgencia ou se ha algum inconveniente na sua remessa.

Vou resumidamente indicar quaes são esses documentos e o illustre Ministro pode dar-me resposta relativamente a cada um d'elles.

Na sessão de 10 de janeiro pedi eu uma nota das importancias já pagas por despesas respectivas á execução do convenio, qualquer que seja a sua natureza ou materia e ainda que estejam em operações de thesouraria, tudo desde janeiro de 1902. Nenhuma nota recebi a este respeito.

O illustre Ministro sabe que no orçamento cita-se a verba de 1.700:000$000 reis destinada a estas despesas. Uma parte d'ellas já está realizada, e por isso julgo que não ha inconveniente em que se diga não só o que já se gastou com aquelles serviços, mas ainda o que se calcula que resta gastar para completa regularização da nossa divida externa.

Pedi mais no mesmo dia: copias das informações ou propostas sobre que recaiu a ordem dada aos recebedores dos bairros de Lisboa para a publicação do edital de 24 de dezembro ultimo.

Iguaes esclarecimentos em relação ao edital dos escrivães de fazenda dos bairros de Lisboa respeitante ao edital por elles publicado sobre os prazos para o pagamento das contribuições directas e de repartição.

Recebi já uns documentos relativos a este assunto mas não me satisfazem.

Como V. Exa. sabe foram estipuladas certas facilidades para o pagamento dos impostos. Houve publicação de editaes dos recebedores na conformidade do que estava estabelecido no anno anterior; houve revogação d'esse edital e houve depois publicação de novo edital dos escrivães de fazenda.

O que eu pedi foi informação da direcção geral competente e o despacho do Ministro. O que me mandaram foram officios dirigido aos delegados do Thesouro dando instrucções aos escrivães de fazenda. Não é isso o que eu quero. O que eu quero é o despacho do Ministro que deve ser justificado.

Não digo mais nada a este respeito porque apenas quis mostrar que pedi cousa muito differente d'aquella que me mandaram.

Na sessão de 13 de janeiro pedi uma nota dos creditos especiaes autorizados para o exercicio de 1901-1902, separadamente, por Ministerios, e por capitulos d'esses Ministerios, indicando-se as datas em que foram publicados no Diario do Governo.

Não sei se todos os decretos abrindo creditos especiaes foram publicados no Diario do Governo; desconheço mesmo a data de alguns, porque no mappa das despesas autorizadas pelos differentes Ministerios não veem datas, sendo, portanto, difficil a qualquer Deputado percorrer toda a collecção do Diario do Governo à procura d'esses creditos. Creio que este documento é facil de mandar.

Por alguns Ministerios esses creditos, consta-me, foram insignificantes; em outros deve existir a relação d'elles e foi essa que eu pedi. O meu pedido é, portanto, facil de satisfazer.

Está, proxima a discussão do orçamento e eu desejo ver se no exercicio de 1901-1902, de que existem já contas publicadas, se deu cumprimento às disposições que regulam o assunto.

Na sessão de 19 de janeiro pedi tambem um documento, que não me foi enviado: a relação nominal de todos os empregados addidos e alem dos quadros servindo em diversas repartições e em commissão, com designação da data da nomeação do logar que desempenham e respectivos vencimentos, tudo referido ao dia 30 de novembro de 1902.

Não me parece que o numero d'estes empregados seja tão avultado que não possa, fazer-se uma lista dos que existem. Desejo saber qual foi o resultado das reformas feitas no Ministerio da Fazenda e quero comparar a relação dos addidos existentes actualmente com a dos que existiam em 1900.

Pedi mais em 20 de janeiro uma copia do despacho ministerial que autorizou a revisão da matriz industrial no concelho da Guarda, das informações sobre que recaiu esse despacho, e de todos os documentos que tenham relação com esse assunto.

Disse-se aqui na Camara, que se mandara proceder á revisão da matriz industrial do concelho da Guarda. Quero saber o motivo por que se mandou proceder a essa revisão depois de annunciada a abertura do cofre para o pagamento da respectiva contribuição. É um assunto importante e que eu desejo apreciar.

São estes os documentos que pedi até 31 de janeiro, data a que se refere o meu aviso previo e que não me foram enviados.

Creio estar demonstrado que não fui excessivo nos meus pedidos e perfeitamente justificado o desejo que tenho de que os documentos me sejam remettidos para poder fazer uso d'elles na discussão do orçamento.

Posteriormente, em 16 de março, pedi uma copia de todos os autos de transgressão levantados ultimamente em Coimbra pelos fiscaes dos impostos, que foram mandados annullar por ordem do Ministro da Fazenda.

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Esse esclarecimento é essencial, mesmo para se apreciar o fundamento da proposta consignado nas autorizações especiaes contidas no orçamento, relativamente ao imposto do sêllo.

Pedi mais em 24 do corrente uma nota do producto dos emolumentos de passaportes a nacionaes, e referendas em passaportes estrangeiros, assim como das importancias arrecadadas por virtude de multas impostas por diligencia dos empregados da policia de emigração clandestina nos annos economicos de 1900-1901, 1901-1902; e desde julho de 1902 a 31 de dezembro do mesmo anno.

A razão d'este pedido é tambem simples. Inscreveu-se uma verba no orçamento por este motivo, mas, como se alterou o decreto que anteriormente regulava estes assumptos; transformando completamente a sua distribuição, desejo apreciar a razão por que no orçamento se inscreveu a verba que lá está para tal effeito.

Já V. Exa. vê que me limitei a indicar os assumptos sobre que tinha pedido documentos, a mostrar aquelles que não me tinham sido remettidos e a demonstrar a necessidade que tenho d'elles.

De resto não me parece que seja difficil a sua remessa. Entretanto preciso da resposta do Sr. Ministro da Fazenda para saber com o que posso contar.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): - Sr. Presidente: o illustre Deputado o Sr. Espregueira deseja ser informado sobre os motivos por que lhe não teem sido ainda enviados os documentos que S. Exa. pediu.

S. Exa. foi o primeiro a fazer-me a justiça de acreditar que eu não podia estar informado acêrca dos pedidos por S. Exa. feitos para mandar esses documentos á Camara. Entretanto, tive conhecimento de que o illustre Deputado desejava realizar um aviso previo sobre os motivos por que esses documentos lhe não tinham sido remettidos. Hontem mesmo pedi copia dos documentos que S. Exa. tinha pedido e hontem mesmo fui informado na Secretaria do Ministerio da Fazenda acêrca dos requerimentos já satisfeitos e dos que ainda o não tinham sido.

Vi então que o illustre Deputado, durante os meses de janeiro e fevereiro, pediu varios esclarecimentos pelo Ministerio da Fazenda, tendo recebido, em resposta, a maior parte das informações que S. Exa. desejava, faltando ainda satisfazer alguns dos outros. Evidentemente as minhas informações concordam com as do illustre Deputado, pelo que diz respeito á falta de resposta com relação aos documentos relativos á despesa feita com a conversão, á matriz industrial e á nota dos empregados addidos.

Sr. Presidente: não vem para aqui, agora, referir á Camara as informações que me foram dadas sobre os motivos por que esses pedidos de documentos não foram satisfeitos; o que importa que o illustre Deputado saiba é que dei hontem as mais terminantes ordens para que o mais rapidamente os documentos em questão sejam remettidos ao illustre Deputado.

E se ainda, Sr. Presidente, se der a circunstancia de não poderem ser satisfeitos e o illustre Deputado quiser usar d'esta autorização dou-a para que S. Exa. possa examinar naquella secretaria os documentos que ainda lhe não tenham sido enviados.

Com relação ao pedido de S. Exa., de ha dois ou tres dias, para satisfazer os requerimentos do illustre Deputado, é certo que posso informar que no proprio dia em que recebi o officio no Ministerio, acompanhando o requerimento do illustre Deputado, nesse mesmo dia o mandei satisfazer.

Portanto, com relação aos documentos pedidos durante os meses de janeiro e fevereiro, dei terminantes ordens para elles serem satisfeitos com urgencia. Essas ordens hão de ser cumpridas, esperando eu que quando se encetar a discussão do orçamento S. Exa. tenha já em seu poder os documentos referidos (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Matheus Sampaio: - Mando para a mesa um projecto de lei tendente a regular a aposentação, jubilação e reforma, que deverão ser somente baseadas na incapacidade absoluta, physica ou moral.

Peço licença para ler o relatorio e o projecto. São os seguintes:

Projecto de lei

Senhores. - A leitura e analyse do Orçamento Geral do Estado na metropole para o exercicio de 1903-1904 sobresaltou e entristeceu o meu espirito, aliás pouco propenso a desanimo e tristeza.

As despesas com as classes inactivas, reformados, aposentados, jubilados e subsidios a montepios computam-se já em 3.693:294$975 réis; isto é, absorvem quasi 7 por cento das receitas orçadas.

As verbas correspondentes a reformados, não incluindo os da guarda fiscal, cifram-se em 1.192:533$661 réis.

Estes encargos representam, e verdade, a magra recompensa de serviços prestados pelos funccionarios civis e militares.

Vivem d'estes recursos milhares de familias, às quaes se antolha um futuro de fome, miseria e desespero, bem maus conselheiros, se o Thesouro, por penuria, tiver um dia, que Deus afaste para longe e para sempre, de começar por diminuir primeiro e suspender depois o pagamento de pensões ganhas com o sangue de alguns e com muitos annos de serviços de todos.

Para que tal hypothese se não realize e para não sermos conniventes com um facto que pesaria sempre sobre a nossa consciencia, devemos todos, sem distincção de partidos, trabalhar do coração para evitar despesas que não sejam justa recompensa de serviços prestados, ou reproductivos.

Travar desde já o augmento perigoso de despesas progressivas com classes inactivas é um acto de prudencia administrativa; impor a ociosidade forçada a homens validos é uma violencia e uma immoralidade.

Por isso tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Art. 1.º A aposentação, jubilação e reforma não podem ser impostas por motivo de edade nem concedidas senão por incapacidade absoluta, physica ou moral.

Artigo 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Desejava referir-me a actos da responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho. Como S. Exa. não está presente, rogo a V. Exa. a fineza de lhe pedir para comparecer numa das proximas sessões antes da ordem do dia.

Aproveito a occasião para o mais rapidamente possivel me dirigir ao Sr. Ministro da Justiça sobre um assumpto que me parece de bastante importancia.

Differentes juizes de direito costumam recusar-se a receber attestados de pobreza de individuos que nada possuem, obrigando-os ao pagamento de custas, a pretexto de que teem parentes com recursos. Resulta d'esta maneira de julgar que individuos que em face da lei estavam isentos de irem pagar na cadeia importancias às vezes de quantias grandes se encontram nas circunstancias de serem privados da sua liberdade por uma sentença ou por um despacho illegal.

Eu sei perfeitamente que o Sr. Ministro da Justiça não pode intervir de uma maneira directa nos arestos judiciaes; mas tambem sei que S. Exa. pode com a sua acção intervir para que se uniformize o modo de julgar a este respeito, a fim de que os juizes de direito, que assim o

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não façam, passem a cumprir o seu dever acceitando, como manda a lei, os attestados de pobreza.

Era só para isto que eu queria chamar a attenção do Sr. Ministro, e estou certo de que S. Exa. prestará ao assumpto a attenção que elle merece.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Como o illustre Deputado sabe, não cabe ao Governo intervir e resolver sobre assumptos d'essa natureza, que são da exclusiva competencia do poder judicial. Se, porem, alguma reclamação me for apresentada, officiarei ao Presidente da Relação para que proceda em conformidade da lei.

(O orador não reviu).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Ha dias referi-me a um facto para o qual chamei a attenção do Sr. Ministro da Fazenda; mas, como nesse dia S. Exa. não assistiu á sessão, aproveito agora a occasião de o ver presente para voltar a referir-me a elle, pois me parece o assumpto de verdadeira importancia; - tanto mais que li que hontem o Sr. Presidente do Conselho na Camara dos Dignos Pares alludiu ao abuso que se estava commettendo na raia de Hespanha com a entrada do pão hespanhol em termos que me parece devem ser rectificados.

Eu narrei aqui na camara a forma como estava sendo sophismado, grosseiramente sophismado, o tratado de commercio com a Hespanha, permittindo-se a importação de enormissima quantidade de pão hespanhol, livre do pagamento de quaesquer direitos e as minhas palavras tiveram a boa sorte de merecer o applauso de muitos Srs. Deputados, sem distincção de côres politicas, porque traduziam fielmente um facto conhecido por muita gente.

Um digno Par do Reino chamou tambem, na outra Casa do Parlamento, a attenção do Governo para esse facto, e o Sr. Presidente do Conselho disse que recebera informações do Sr. Governador Civil de Portalegre de que o tratado com a Hespanha sobre importação de pão hespanhol estava sendo fielmente cumprido.

Respeito muito o Sr. Governador Civil de Portalegre com quem mantenho até relações pessoaes, e tenho a certeza de que a communicação que elle fez ao Sr. Presidente do Conselho só pode ser attribuida a informações dos seus subordinados, pois os factos, que narrei á Camara são absolutamente verdadeiros. A importação do pão hespanhol faz-se com o maior descaramento deante da guarda fiscal nos differentes pontos da raia. A guarda fiscal assisto impassivel a essa importação, absolutamente contraria não só aos interesses dos agricultores e do commercio nacional, como ao proprio espirito do tratado de commercio com a Hespanha.

O descaramento chega ao ponto dos individuos interessados trazerem enormissimas porções de pão hespanhol para differentes pontos da raia, collocando um carro áquem da raia e familias inteiras passarem o dia transportando porções de pão até encherem o carro, fazendo o numero preciso de viagens para esse fim.

Foi este facto que expuz á camara e que repito novamente.

Mas ha mais. Tenho informação de pessoas da maxima respeitabilidade e de quem não posso duvidar, de que alem d'este contrabando descarado ainda se praticam outros. Entram directamente na fronteira alguns carros carregados de pão hespanhol para despachar nas nossas estações fiscaes com a declaração de que foram vistos nas estações fiscaes hespanholas, não tendo portanto que fazer-se verificação.

A declaração das autoridades hespanholas é effectivamente verdadeira, porque quando os carros ali passam trazem effectivamente o pão que a declaração diz, mas depois pelo caminho collocam-lhe mais pão, effectuando-se assim o contrabando com prejuizo para as nossas industrias da padaria e de moagem. Mas ainda a respeito d'este assumpto um outro facto me foi narrado e d'esse tive eu a prova material. É que os contrabandistas de pão hespanhol não se limitam só a esse genero; á sombra da entrada do pão pelos meios que já expuz praticam outros contrabandos. E assim é que introduzem dentro dos pães relogios de algibeira que passam aos direitos!

O pão hespanhol tem uma especie de capa; abrem a capa e mettem o relogio dentro.

Não attribue a responsabilidade d'esses factos ao Governo; estou, apenas, narrando a maneira como se fazem os contrabandos na fronteira.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa uma representação da Companhia da Borracha, relativamente as propostas de fazenda, pedindo a sua publicação no Diario do Governo.

Agora desejo fazer uma pergunta ao Sr. Ministro da Fazenda.

S. Exa. em resposta ao Sr. Espregueira, que lhe pedira varios documentos, autorizou-o a ir á sua secretaria examinar os documentos pedidos. O antecessor do Sr. Teixeira de Sousa declarou que autorizava todos os senhores deputados a poderem ir á secretaria do Ministerio da Fazenda consultar os documentos que pediam. Desejo saber se a autorização dada pelo Sr. Ministro da Fazenda ao Sr. Espregueira é restricta a S. Exa. ou extensiva a todos os Srs. Deputados. (Apoiados).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): - Vou responder ao illustre Deputado o Sr. Cayolla.

Todas as vezes que os Srs. Deputados pedirem documentos que não possam ser satisfeitos com a brevidade que S. Exas. desejarem, não faço nenhuma restricção ao que está determinado em ordem a permittir que os Srs. Deputados possam examinar na secretaria do meu Ministerio os documentos pedidos.

O Sr. Lourenço Cayolla chamou a minha attenção para o contrabando do pão hespanhol, e referiu-se á declaração feita pelo Sr. Presidente do Conselho em resposta ao Sr. Laranjo, dizendo que o tratado de commercio com a Hespanha era grosseiramente violado.

Em vista do que disse o Sr. Laranjo, o Sr. Presidente do Conselho pediu informações ao Sr. Governador Civil de Portalegre que mandou um telegramma em resposta.

Nessa resposta o Sr. Governador Civil diz que não é exacta a informação do Sr. Laranjo, assim como na parte em que disse que junto da raia só haviam estabelecido presentemente um grande numero de fabricas de pão.

Desejo informar o illustre Deputado de que o assumpto não é novo para mim.

As reclamações feitas pelo illustre Deputado relativamente ao pão hespanhol que entra por contrabando pela raia do Alemtejo são a repetição das reclamações sobre o contrabando de pão que tambem se faz pela raia do Minho.

Sou informado de que na raia do districto de Vianna se faz largamente a importação do pão hespanhol, não por contrabando, mas por virtude de execução do tratado de commercio, pois o illustre Deputado sabe muito bem que é permittido a cada pessoa trazer pão até ao peso de 3 kilogrammas.

Este assumpto, como o illustre Deputado reconhece, é muito melindroso; em todo o caso pode S. Exa. estar certo de que eu providenciarei para o districto de Portalegre como já providenciei para Vianna do Castello.

O Sr. Lourenço Cayolla (interrompendo): - Eu, alem d'esse facto do pão entrar clandestinamente, disse tambem que entrava muito pão a despacho, mas que os mesmos postos fiscaes o despachavam sem o conferirem

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e simplesmente pelas informações da autoridade hespanhola.

O Orador: - Recorda-me agora que effectivamente o illustre Deputado disse que entrava muito pão a despacho sem se proceder á sua contagem e peso, mas sim pelas informações dadas pela autoridade hespanhola, resultando d'este facto para os postos fiscaes um grande prejuizo, e prejuizo portanto para a receita publica.

Vou colher informações officiaes a este respeito, e pode S. Exa. estar certo que, se ellas confirmarem o que disse S. Exa. eu darei instrucções no sentido de que tal facto se não repita.

(O orador não reviu).

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira: - Pedi a palavra a V. Exa., Sr. Presidente, simplesmente para agradecer ao Sr. Ministro da Fazenda a resposta que me deu e a faculdade de eu poder ir ao Ministerio examinar documentos.

Pretiro não ter que ir á secretaria, porque isso representa muito mais trabalho, e que elles me sejam enviados, porque na discussão do orçamento desejo apresentá-los á Camara, a fim d'ella se inteirar do seu conteudo.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa um pedido de documentos pelo Ministerio das Obras Publicas.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Oliveira Mattos. Previno S. Exa. de que faltam apenas 5 minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Oliveira Mattos: - Nem de tanto necessito.

Sr. Presidente: tendo o illustre Deputado Sr. Costa Ornellas annunciado um aviso previo ao Sr. Ministro das Obras Publicas sobre o procedimento do director das obras publicas de Coimbra, e desejando eu tambem entrar nessa questão, vou mandar para a mesa um requerimento pedindo varios documentos que me são necessarios para formar juizo seguro acêrca do acontecimento.

Devo dizer desde já que, segundo me consta, o Sr. Director das Obras Publicas de Coimbra parece ter cumprido os seus deveres, ter zelado os serviços a seu cargo com a competencia que lhe dão sessenta annos de idade e trinta de serviço sem a minima nota na vida militar, porque S. Exa. é major de engenharia.

Abstenho-me por agora de fazer mais considerações, e mando para a mesa o meu requerimento, rogando a V. Exa. que o mais breve possivel lhe dê deferimento.

Tenho dito.

(O orador não reviu).

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja enviada, com urgencia, copia de todos os requerimentos apresentados na Direcção das Obras Publicas do districto de Coimbra por Ernesto Nunes da Costa Ornellas, e as informações dadas pelo director acêrca da concessão feita de um caminho velho existente entre a estrada de serventia de Pedrogam á Amieira e o estabelecimento das aguas da Amieira e propriedade de Antonio Victor Reis e Sousa. = Oliveira Mattos.

Mandou-se expedir.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: diz-me V. Exa. que faltam apenas tres minutos para passar á ordem do dia. Vou, portanto, aproveitar o pouco tempo que resta em pedir a V. Exa. a fineza de instar com os Srs. Ministros da Fazenda, Obras Publicas e Reino para que me mandem os documentos que tive a honra de pedir, porque necessito d'elles para discutir o orçamento.

Ha já bastante tempo que pedi esses documentos e não pode apresentar-se a desculpa de que os desejo com precipitação.

Logo no principio da sessão pedi uns poucos de documentos d'esta natureza; só hontem me foram enviados dois ou tres, e para V. Exa. ver o cuidado com que são confeccionados vou dizer o seguinte:

Nos documentos que ha tempos pedi, e que ha pouco V. Exa. me mandou entregar, lê-se num d'esses com a data de 11 de março:

Imposto do pescado:

1901................................ 238:000$000
1902................................ 262:000$000

No Relatorio de Fazenda, pagina 100, diz-se:

Imposto do pescado:

1901................................ 223:000$000
1902................................ 231:000$000

Differença de 1901.................... 15:000$000
Differença de 1902.................... 31:000$000

O Sr. Presidente: - Tambem chegaram hoje á mesa documentos pedidos por V. Exa.

O Orador: - Agradeço a informação de V. Exa.

Uma differença de 15:000$000 réis num caso e 31:000$000 réis noutro.

De maneira que não sei qual dos documentos é verdadeiro, nem sei de qual d'elles heide fazer uso. Isto serve para provar que o documento que se vae discutir, o Orçamento Geral do Estado, é uma perfeita inutilidade.

Sr. Presidente, requeri tambem para me ser mandada por diversos Ministerios uma nota da despesa feita com o expediente e só me foi enviada essa nota pelo Ministerio dos Estrangeiros. Veja V. Exa. como posso assim apreciar o orçamento.

Dos outros Ministerios ainda não vieram e por isso pedia a S. Exa. para instar por elles.

Sr. Presidente: pouco tempo depois de chegar a esta Camara fui informado de que o illustre Deputado Sr. Matheus Sampaio mandou para a mesa um projecto de lei para se abolirem todos os limites de idade.

Não sei se o facto é verdadeiro.

Se é, felicito S. Exa. pelo enorme serviço que prestou ao seu país; tem o meu caloroso apoio e provavelmente o do Governo e certamente o do Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda diz, ou mandou dizer pela commissão de fazenda no parecer do orçamento - que ficavam abolidas no Ministerio da Fazenda todas as reformas com o limite de idade. Não sei se no seu Ministerio são muitas ou poucas as aposentações que se teem effectuado por motivo dos limites de idade.
Mas sejam quaes forem, acho que S. Exa. faz um bom serviço acabando com essa immoralidade.

O que é necessario é que igual principio se applique a todos os funccionarios, quer civis quer militares. Não seja só o Ministerio da Fazenda que vá gozar d'esse beneficio, applique-se igualmente aos Ministerios da Marinha e da Guerra e terá o Governo prestado um enorme serviço ao país. (Apoiados).

No Ministerio da Guerra despende-se já com essas reformas 960:000$000 réis, segundo o que diz o orçamento que breve sê vae discutir e essa quantia ainda não chega!

E se realmente ha vontade de fazer economias, de que por agora não descreio, aproveite-se o ensejo para se suspender no exercito e na armada as reformas por limite de idade, com o que se prestará um grande serviço ao país.

Se as palavras do Sr. Ministro da Fazenda não são para armar ao effeito e se S. Exa. tem realmente vontade de

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fazer economias mostre-o fazendo approvar o projecto do seu distincto correligionario o Sr. Matheus Sampaio, que com isso terá prestado um grande serviço ao país.

Desde que se estabeleceu os limites de idade no exercito, em 1895, tenho constantemente protestado contra tal medida e os factos teem me dado razão, porque a despesa com os reformados tem crescido enormemente todos os annos e o país não pode com tão grande encargo. Hei de voltar mais vezes a este assumpto, que é muito serio e muito grave, como mais de uma vez o tenho mostrado á Camara. Termino felicitando ainda o Sr. Matheus Sampaio pela sua isenção e desassombro, e pelo serviço enorme que deseja prestar ao seu país, acabando com uma das maiores immoralidades que se tem introduzido na nossa legislação.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que tiverem documentos á mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Manoel Affonso de Espregueira: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me seja enviada, com urgencia, copia do despacho de 6 de fevereiro, a que se refere o relatorio da commissão do orçamento a pag. 3, autorizando as fabricas dos Açores a destillarem 2.500:000 kilogrammas de milho no corrente anno, e igualmente de todas as informações referentes a este assumpto que serviram de base para o mencionado despacho. = M. Espregueira.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 11 (interpretação de varios artigos do Codigo Civil)

O Sr. João Pinto dos Santos: - Foi sempre sua opinião que estes assuntos devem ser discutidos em pequenas divisões para que a discussão possa ser mais proficua. Foi por isto que na ultima sessão se manifestou contra a ideia de reunir a discussão de dois grupos.

Não pode elle, orador, referir-se a todos os artigos contidos nesses grupos; e, portanto, vae limitar-se áquelles que considera mais importantes.

Julga, porem, necessario accentuar que o facto de não discutir todos não significa, o que seria falso, que concorda com elles.

Dada esta explicação, entra na analyse dos artigos que lhe merecem mais attenção.

Começa pelo artigo 1764.°, e diz que não pode concordar com que se faça nelle o acrescentamento do § unico, que destoa completamente da ideia do codigo. Entendo, portanto, que deve ser eliminado, eliminando-se tambem, como consequencia, o artigo 1923.º

E visto que fala em eliminações, não pode deixar de dizer que lhe parece futil e pueril o receio patenteado pelo Sr. Ministro da Justiça e pela commissão de fazer eliminações, pois que a propria lei é clara a tal respeito e a commissão delegada fica com plenos poderes para isso.

Parece-lhe tambem importantissimo o artigo 1785.°, que, a seu ver, teve por parte da commissão uma interpretação que nada significa.

Acêrca d'elle, como do precedente, manda para a mesa propostas de emenda para as quaes pede toda a attenção da commissão.

Igualmente manda emendas em relação artigo 1814.° e outras.

Não deseja fatigar a Camara, por isso vae pôr termo às suas considerações, pedindo ao Sr. Ministro e á commissão que prestem toda a sua attenção às emendas apresentadas; que se compenetrem bem da ideia de que as questões juridicas precisam ser maduramente pensadas e que tomem nota de todas as duvidas para que amanhã não tenham de repetir-se novas interpretações

Manda para a mesa as seguintes

Propostas

Artigo 1764.° Os que não podem ou não sabem ler são inhabeis para dispor em testamento cerrado.

Artigo 1923.° Deve ser eliminado este artigo por desnecessario.

Artigo 1785.° Deve eliminar-se o n.° 3.° acrescentado, redigido assim o n.° 2.° «...e sairá só da terça da herança que constitue sempre a quota hereditaria d'estes filhos, não podendo ser prejudicada por doações ou disposição testamentarias, quer anteriores ou posteriores á perfilhação».

Artigo 1814 «... subsequente matrimonio, mas a disposição testamentaria ficará valendo apenas em quanto á terça como simples legado».

§ 1.° Como está.

§ 2.° O legado e a herança da terça não caduca... = João Pinto dos Santos.

Foi admittida.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Dias Ferreira: - Sr. Presidente: não venho trazer novidade ao debate, que vae largo e que tem sido admiravelmente tratado pelos oradores de um e outro lado da Camara que se occuparam do assunto.

A questão não é do Governo, nem da opposição. A questão é de nós todos. (Apoiados). O projecto é inteiramente alheio a interesses partidarios e mesmo a interesses politicos...

Permitta-me V. Exa. e a camara que eu me envolva na discussão menos para esclarecer o assunto do que para agradecer aos illustres oradores que teem entrado no debate as referencias amaveis que teem feito aos modestos trabalhos por mim publicados sobre o Codigo Civil.

As questões de direito são muito complexas e a primeira necessidade para bem legislar, aconselhar e julgar é não ser teimoso; e eu não o sou.

Por isso entro no debate sem opiniões preconcebidas, preferindo ao meu o parecer alheio sempre que a razão de preferencia se apresente lucida e nitida no meu espirito.

Se bem percebi a discussão, na sua essencia todos os argumentos dos illustres Deputados que combatem o parecer se resume pouco mais ou menos nos seguintes pontos:

1.° Que sem considerar intangivel o Codigo Civil entendem que se lhe não deve tocar senão depois de largo e consciencioso exame porque o julgam obra digna do mais profundo respeito;

2.° Que no parecer para a interpretação ou declaração de varios artigos do Codigo Civil faltam muitos outros, que precisariam tanto ou mais de aclaração;

3.° Que não foi devidamente estudado o assumpto.

Este ultimo defeito é que facilmente se remedeia, e exactamente para lhe prover de remédio é que nós temos estado aqui a estudar e a discutir o projecto. (Apoiados).

No entretanto sempre quero dizer a V. Exa. e á Camara que o debate sobre este pequeno parecer tem levado muito mais tempo do que levou ha trinta e sete annos o exame de todo o Codigo Civil numa e noutra casa do Parlamento.

No exame do projecto do Codigo Civil foi sobre o casamento civil a discussão mais larga, levantando-se rija luta tanto na Camara como fora da Camara, e sobretudo fora da Camara, entre a reacção e a liberdade, tendo-se preoccupado o Governo simplesmente com harmonizar os representantes de uma e de outra.

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Compôs a reacção incluindo no codigo o artigo «os catholicos celebrarão o casamento pela forma estabelecida na igreja catholica, os que não professarem a religião catholica celebrarão o casamento perante o official do registo civil com as condições e pela forma estabelecida na lei civil».

A reacção, como o que não queria era casamento civil para os catholicos, ficou logo desarmada com a inserção do artigo «o casamento catholico para os catholicos e o casamento civil para os não catholicos».

Mas era igualmente necessario satisfazer o partido liberal. Pois tambem o Governo o conseguiu porque, depois do preceituar que o casamento civil era só para os não catholicos e que para os catholicos não havia casamento civil, deixou no codigo que o official do registo civil, no acto do casamento, leria na presença dos contratantes ou de seus representantes, e das testemunhas, os artigos 1056.° e 1057.° do Codigo Civil, e perguntaria em seguida a cada um dos contrahentes se permanecia na resolução de celebrar o casamento por aquella forma, e com resposta affirmativa de ambos lavraria o assento do casamento sem poder haver inquerito previo acêrca da religião dos contrahentes.

O official do registo civil ha portanto aos contrahentes o artigo que determinava o casamento catholico para os catholicos e o casamento civil para os não catholicos.

Mas limitava-se á leitura dos artigos. Já não podia perguntar aos contratantes se eram ou não catholicos, porque lhes não podia perguntar pela sua religião, visto ser prohibido o inquerito previo sobre a religião dos contrahentes.

Perguntava-lhes, sim, depois da leitura d'aquelles artigos se persistiam em fazer o casamento pela forma prescrita na lei civil e com isso tinha de contentar-se, porque á resposta affirmativa havia de casá-los.

Não só o official do registo civil não pode fazer inquerito previo acêrca da religião dos contrahentes, como em caso nenhum pode ser annullado o casamento por motivo de religião.

Julgaram Governo e Côrtes que ficava por esta forma satisfeita a reacção e respeitada a liberdade!

Nessa discussão me queixei eu, e muito, da precipitação com que veiu a debate obra de tamanha importancia, porque essa pressa me impediu de apresentar emendas em todo o codigo.

Então sustentei, como sustento hoje, que é uma atrocidade negar ao filho ou á filha que pretende casar o direito de recorrer aos tribunaes contra a opposição dos paes; porque não são raros os casos de interesses oppostos entre os paes e os filhos.

Quantas vezes os paes embaraçam os casamentos dos filhos para continuar a disfructar-lhes os rendimentos durante a menoridade!

O ter-se encurtado a maioridade dos 25 aos 21 annos não desculpa a autoridade tirannica que se deixou aos paes sobre os filhos.

Tambem me revoltei na antiga Camara dos Deputados contra a disposição do Codigo Civil que garantia ao pae binubo o usufructo dos bens dos filhos, e negava á mãe binuba igual beneficio com prejuizo da justiça e da moral.

Pelo Codigo a viuva perde o usufruto dos bens dos filhos, logo que passe a segundas nupcias, e pelo contrario continua a gozá-lo entregando-se a uma vida licenciosa e dissoluta se por qualquer circunstancia não for inhibida do patrio poder. Alem d'isso os trabalhos dos paes não soffrem confronto, sequer, com os sacrificios que os filhos custam às mães!

Estas considerações porem não representam qualquer pensamento de propor emendas que me reputo inhibido, desde que assinei sem declarações o parecer.

O Sr. Ministro da Justiça e a illustre commissão queriam não uma remodelação completa do Codigo Civil, mas um projecto modesto tendente a resolver algumas duvidas e a pôr claro o direito onde assim foi pedido pelos tribunaes. Pela minha parte, comquanto sob minha exclusiva responsabilidade fosse outra a orientação, não quis embaraçar a votação de um projecto que com pequenas emendas de redacção representa serviço importante ao país. (Apoiados?.

E, dito isto, ha de V. Exa., Sr. Presidente, permittir-me que eu, apesar de já votados muitos artigos do projecto, faça referencias com quanto ligeiras sobre todos os pontos mais importantes.

Começo pela emenda ou aclaração ao artigo 897.°, que tem sido muito atacada aqui e lá fora, e sem razão alguma.

O artigo ainda que ficasse como está no codigo não prejudicaria nenhum principio de direito.

Mas a alteração tambem não vem modificar nenhuns direitos civis.

Não estabelece o artigo, como estabelecia a Novissima Reforma Judiciaria, a separação de patrimonio. Limita-se a negar ao credor do herdeiro o direito de hypotheca legal sobre a herança.

O que o artigo não permitte é hypotheca legal com prejuizo dos credores da herança.

Pode o credor do herdeiro registar hypotheca legal sobre os bens da herança, que o registo é valido para todos os effeitos menos para prejudicar os credores da herança.

Não teve o legislador em vista no artigo 897.° proteger os credores do herdeiro ou os credores do autor da herança. O que o codigo determinou foi que por lei não teriam os credores do herdeiro hypotheca nos bens da herança. Nada mais e nada menos.

Na minha longa pratica judicial ainda não vi levantarem se questões sobre o artigo 897.°

Mas desde que nos tribunaes surgiram duvidas sobre o artigo é nossa obrigação aclará-lo.

O artigo 900.° é que precisava de explicações e de algum additamento.

Desde que o Governo e a illustre commissão julgaram necessario substituir as palavras no ultimo anno e no corrente, e a nova contagem respeita só aos processos de execução, torna-se indispensavel determinar a epoca em que começa o anno anterior nos outros processos, como inventarios, arrecadações e expropriações por utilidade publica em que houver juros a contar de dividas hypothecarias.

De todos os artigos do projecto o que mais precisa de alterações é o artigo 952.º

O que está no artigo 952.° não é o que está no codigo, pois que pelo codigo não precisa do registo a posse para ser invocada como prova de propriedade.

Quinze annos de posse sem registo dão a propriedade, e se esta posse sem registo se prolonga por outro tanto tempo, nem a má fé nem a falta de titulo a pode já prejudicar.

É o que está bem explicito nos artigos 528.° e 529.º do Codigo Civil, inspirados no pensamento do projecto primitivo.

Mas em materia de registo substituiu a commissão revisora completamente o systema do projecto.

Pelas doutrinas que a commissão revisora introduziu no codigo nesta materia pode ser registada a posse de cinco annos, e está adquirido o dominio pela prescrição passados outros cinco.

Pelo Codigo Civil, pois, dá o dominio pela prescrição a posse registada de dez annos, contando-se os cinco antes do registo ou para melhor dizer, contando-se os cinco antes da acção de justificação para o registo, porque requerida a justificação pode ser logo feito o registo provisorio da posse, que depois se converte em definitivo pelo averbamento da sentença cujos effeitos se retrotraem á data do registo provisorio.

Mas pode ser invocada a posse sem registo, como a

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posse registada, para prova de propriedade, com a unica differença de na posse sem registo ser preciso mais um terço de tempo, para alcançar a prescrição.

Assim, ao passo que decorridos dez annos de posse com registo está consummada a prescrição são precisos quinze annos de posse sem registo para conseguir o mesmo fim.

Do mesmo modo á posse registada de vinte annos não pode oppor-se nem má fé nem falta de titulo, quando a posse sem registo só decorridos trinta annos é que pode resistir absolutamente á arguição de má fé ou de falta de titulo.

Pelo Codigo Civil, artigo 1580.º, nem a venda de bens immobiliarios carece de registo para transmittir o dominio.

O nosso Codigo Civil permitte invocar a posse, não só sem registo, mas até contra direito inscrito.

Foi introduzido pela commissão revisora, no Codigo, o artigo 952.°, que podia e devia talvez ser eliminado como incompativel com muitos outros artigos como são os artigos 528.° e 529.°

Ficou o artigo 952.° no Codigo, porque estava na lei de 1863 onde tinha cabimento, porque essa lei exigia o registo obrigatorio do dominio; como bom cabimento tinha no decreto de 17 de novembro de 1865, que tambem estabelecia o registo obrigatorio do dominio no ultramar. E é claro que sem o registo do dominio obrigatorio não podia invocar-se posse que não estivesse registada.

O certo é que á sombra do artigo 952.° se commetteram verdadeiras barbaridades nos tribunaes, desattendendo-se embargos de terceiro fundados numa longa posse, só por não estar registada essa posse e não reconhecer o artigo 952.° effeitos juridicos á posse sem registo.

Só nove annos depois é que se descarregou um golpe de morte nesta disposição cruel, introduzindo-se no Codigo de Processo Civil o preceituado no artigo 957.° que fez desapparecer essas barbaridades!

Não havendo posse attendivel sem registo nada mais facil (e muitas vezes isso se fez) do que combinarem-se dois individuos para um vender o que não é seu e o outro comprar o alheio, e registar logo a transmissão; e quando viesse o dono, que podia por si e por seus antecessores, ter a posse de ambos, ser corrido por não ter registado essa posse!

O mais logico seria eliminar o artigo 952.º Mas com a redacção que se lhe deu a sua conservação no codigo não tem inconvenientes.

Vejamos agora a modificação ao artigo 1022.°

Todos os oradores que impugnaram o parecer julgaram desnecessaria a emenda d'este artigo, por estar claro o caso no Codigo de Processo Civil.

E realmente devia ser escusada a emenda.

O Codigo Civil, ora vamos ao caso, em termos muito claros salvava no artigo 1022.° os onus reaes intercalados entre varias hypothecas se o registo da hypotheca de onde resultasse a expropriação fosse posterior ao registo do onus real.

Assim registada uma hypotheca em 1900, um onus real em 1901, e outra hypotheca em 1902, o onus real ia ou não a terra conforme a hypotheca expropriada fosse a de 1900 ou a de 1902. Alterou o Codigo de Processo Civil, nomeadamente no artigo 856.° esta disposição do Codigo Civil, mandando arrematar o predio livre de onus real que não tiver registo anterior ao de qualquer hypotheca.

Mas os tribunaes em geral teem julgado que Codigo de Processo não podia derogar neste ponto de direito o Codigo Civil.

Convem portanto conservar a emenda.

(Interrupção do Sr. Francisco Medeiros).

Vamos a outro artigo:

«A doação legitimamente feita, seja de que valia for e embora celebrada antes da promulgação do codigo, produzirá todos os seus effeitos juridicos, independentemente de insinuação ou de qualquer outra formalidade posterior á mesma doação...»

É de pequena importancia esta disposição, porque a insinuação só podia ter logar antes da promulgação do codigo, e, decorridos como são já trinta e cinco annos, qualquer falta estará sanada hoje pela prescrição, e às questões pendentes por falta de insinuação não é applicavel a presente lei. (Apoiados).

(Interrupção do Sr. Luiz José Dias).

Pode haver nos tribunaes alguma questão pendente por falta de insinuação.

Mas às questões pendentes não é applicada a lei nova.

O que é importantissimo é resolver a questão se nas doações inofficiosas á reducção ha de ser feita em especie ou em valor.

Governo e commissão preferiram á reducção em especie a reducção em valor como mais razoavel e mais conforme ao systema do codigo, onde pode ficar com todos os bens do casal pelo direito amplissimo de licitação, pagando aos outros a dinheiro, aquelle dos herdeiros que maior preço offerecer.

Pelo systema do codigo a divisão da herança representa menos partilha de objectos do que partilha de valores.

O Sr. Presidente: - Deu a hora. V. Exa. tem mais um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Sobre esta materia é difficil encontrar no Codigo Civil artigo que não tenha soffrido tratos crueis em virtude de providencias emanadas das repartições, burocraticas.

(Nesta ponto não foi possivel ouvir o orador).

É claro que o Codigo Civil tinha de acompanhar o Codigo Penal de 1852...

O Codigo Civil declara que o conjuge pode separar-se quando o conjuge for encontrado....

A lei de 24 de maio de 1901

Mas vamos á corregedoria.

No artigo 140.° do Codigo Civil...

Pelo artigo 143.° do Codigo Civil não podia a justiça commum levar a prisão do filho incorrigivel alem do prazo determinado.

Agora o corregedor mantem a prisão pelo tempo que lhe parecer justo.

O Sr. Presidente: - Previno V. Exa. de que decorreu o quarto de hora.

O Orador: - Eu pedia que me fossem concedidos somente 2 minutos.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Vou consultar a Camara.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. e á Camara a deferencia que acabam de ter comigo, e a que eu saberei ser agradecido, gastando pouco mais tempo no debate.

Tambem foi posta de parte a interferencia do pae do detido que o Codigo Civil admittia.

Pelo Codigo Civil não podiam os juizes decretar contra os menores incorregiveis prisão por mais de trinta dias; e antes mesmo de findarem os trinta dias podia o pae fazer cessar a prisão.

O arbitrio dos juizes estava restricto pela lei e pela vontade do pae. Mas o poder da corregedoria hoje no caso é tambem sem limites.

A corregedoria pode mandar qualquer menor para a Escola Villa Fernando ou para a Casa de Correcção logo.

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que assim lhe seja reclamado pelo pae ou pelo tutor devidamente autorizado. Mas por quanto tempo? Até um mês como os juizes? Isso sim! Pelo tempo que á corregedoria parecer justo!!... (Muitos apoiados).

A este tempo chegámos!!...

O pae que podia fazer cessar a acção do juiz de direito não pode fazer cessar a acção da corregedoria! (Apoiados).

O corregedor desde que o menor lhe cae nas mãos pode retê-lo na prisão pelo tempo que quiser!!... (Apoiados).

E com isto tenho concluido. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Joaquim Jardim: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se consente em que a sessão seja prorogada até se votar o projecto em discussão. = Joaquim Jardim.

Foi approvado.

Consultada a Camara, foi approvado o requerimento por 63 votos contra 14.

O Sr. Luiz José Dias: - São evidentes as difficuldades em que se encontra: seis horas da tarde, assumpto arido, sessão prorogada e o ter de usar da palavra depois do brilhante discurso do illustre lente da Universidade, mestre de quasi todos que tão attentamente o escutaram, advogado distinctissimo e commentador do Codigo Civil! Tudo isto conspira para avolumar as difficuldades em que se encontra.

Para as attenuar tem a benevolencia e a illustração da Camara, alem da lição que acaba de receber de tão illustre jurisconsulto.

Permitta-lhe S. Exa. e permitta-lhe a Camara que antes de proseguir declare ao Sr. Dias Ferreira que tomou nota do modo como S. Exa. se referiu a um facto passado por occasião da discussão do Codigo Civil, com respeito ao matrimonio, classificando dois grupos e chamando a um liberal e a outro reaccionario e incluindo neste os catholicos.

Não pode deixar de lavrar a seu protesto, com todo o respeito, contra essa classificação, porque sendo, a liberdade filha do Evangelho não pode chamar-se reaccionarios áquelles que abraçam a verdadeira liberdade.

Lavrado este protesto, vae expor as razões demonstrativas da sua humilde opinião.

A exposição do Sr. Dias Ferreira veiu provar-lhe que tinha razão nas duvidas que acêrca do projecto se levantaram no seu espirito. Louva o Sr. Ministro da Justiça pelo seu trabalho; entretanto, como disse, a sua convicção de que o projecto é inconveniente, resultante do seu estudo e da sua analyse, mais se confirmou depois do que acaba de dizer o Sr. José Dias Ferreira.

Terá de afastar-se da ordem da discussão; tem, porem, de acompanhar S. Exa. na citação de varios artigos do projecto, tal como S. Exa. o fez.

A obra não satisfaz á ideia. Era esta consultar todo o país jurisperito, e não apenas os tribunaes collectivos e esses mesmo mais largamente de que o foram, porque são elles os primeiros a declarar que não tiveram tempo para estudar mais detidamente a questão. Isto consta do relatorio, em documentos que veem a folhas 13, 37 e 44.

Lê o orador esses documentos e acrescenta: ou isto se não dá á publicidade ou então, desde que se publica, encare-se a questão por todas as faces, de maneira que se remedeie o mal. O dever do Sr. Ministro da Justiça era em tal caso reformar primeiro os estudos juridicos e fazer parallelamente uma nova organização judiciaria.

Varias vezes tem sido dito que o projecto não só interpreta, mas altera. Deixa isto de parte para dizer que, alem dos que são interpretados, muitos artigos ha que carecem de interpretação sem que todavia o projecto se refira a elles.

Dito isto, acompanha o Sr. Dias Ferreira nas suas considerações, para mostrar, como ha pouco disse, que as suas duvidas se encontrara avolumadas.

O orador detem-se largamente nesta parte.

Muitas outras considerações desejava ainda fazer perante a Camara, mas seria realmente barbaridade da sua parte cansá-la por mais tempo.

Antes de terminar, porem, quer ainda repetir que o Sr. Ministro da Justiça é digno de louvor e pena é que não conseguisse para o seu trabalho mais elementos, de modo a torná-lo mais perfeito.

Termina mandando para a mesa as seguintes

Propostas

1.ª Que aos artigos 897.° e 900.° correspondem modificações nos artigos 878.° e seguintes, 1005.° e 1007.° e outros para o effeito da graduação dos creditos.

2.ª Que os artigos 952.° e 528.° se aclarem de modo que se fique sabendo se ha ou não prescrição fundada em posse sem registo.

3.ª Que o artigo 1022.° se redija de modo que o onus imposto antes da transmissão e depois do registo da hypotheca, penhora ou arresto não vá diminuir as garantias anteriores.

4.ª Que os artigos 1472.°, 1764.°, § unico, 1695.º, § unico, 1989.°, se combinem com o artigo 3.° do projecto, de modo que se não offendam interesses adquiridos.

5.ª Que se introduza no projecto qualquer providencia que obste a que o projecto influa na solução e destino dos pleitos pendentes. = Luiz José Dias.

Foi admittida e enviada á commissão.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Francisco José de Medeiros: - Mando para a mesa as seguintes

Propostas

Artigo 2313.° A obrigação de prestar passagem, nos termos do artigo 2309.°, pode cessar a requerimento do proprietario do predio serviente, cessando a necessidade de servidão, ou se o dono do predio dominante tiver possibilidade de communicação commoda com a via publica por terreno seu, comtanto que o desonerado pague a respectiva indemnização.

§ 1.° A disposição d'este artigo é applicavel às mais servidões de transito, qualquer que tenha sido o titulo da sua acquisição (com o additamento proposto pelo Sr. Ovidio de Alpoim ao § unico do projecto).

§ 2.° A indemnização será a que o desonerado tiver recebido ou, no caso de a não ter havido, a que for judicialmente arbitrada em attenção ao prejuizo soffrido pelo dono da servidão.

Artigo 2005.° Para o caso não esperado de não ser acceite a respectiva proposta que apresentei na sessão de 26 do corrente mês, proponho que este artigo seja addicionado com as palavras legitimos ou illegitimos em seguida às palavras transversaes, e com as palavras legitimos em seguida às palavras outros parentes. = Francisco Medeiros.

Admittidas e enviadas á commissão.

O Sr. Almeida Serra: - Mando para a mesa duas propostas, que não justifico porque a hora está muito adeantada. São as seguintes

Propostas

Proponho que o artigo 2000.° seja substituido pela seguinte forma:

Se o fallecido não deixar descendentes nem ascendentes e não dispuser de seus bens, herdarão seus irmãos

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

legitimos e os perfilhados, ou os descendentes d'estes, tanto legitimos como illegitimos, tendo sido perfilhados, com observancia do disposto no artigo seguinte.

Proponho seja supprimido o artigo 2002.°

Proponho que no artigo 133.° se acrescente o seguinte:

3.° Quando se achar na posse de estado nos termos do artigo 115.°, o pretenso filho poderá intentar a acção de investigação de paternidade ou maternidade depois da morte dos pretensos paes, embora fallecidos depois da maioridade d'aquelle, comtanto que a acção seja proposta no prazo de 4 annos a contar do fallecimento d'estes. = Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra.

Foram admittidas e enviadas á commissão.

O Sr. Sousa Avides: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Artigo 1989.° Os filhos illegitimos succedem ab intestato a seus paes quando tenham sido perfilhados ou reconhecidos legalmente e aos demais ascendentes quando estes não tenham successão legitima. = Sousa Avides.

Foi admittida.

O Sr. Reis Torgal: - Mando para a mesa as seguintes

Propostas

1.° Que ao artigo 1566.° se elimino a palavra «indivisivel», e na ultima parte do mesmo se substituam as palavras «a contar do dia em que teve conhecimento da venda» por estas: «a contar do dia em que a venda lhe for notificada judicialmente».

2.° O acrescentamento ao artigo 1922.° seja reduzido ao seguinte: «quando o testamento se achar escrito com uma só folha».

3.° O artigo 2002.° deveria redigir-se assim: «entre irmãos legitimos e illegitimos, devidamente reconhecidos e descendentes d'estes, o direito de successão é reciproco».

4.° No artigo 2145.°, § unico, eliminar-se as palavras «bens rendosos».

5.° O artigo 3.° do projecto deveria ser substituido pelo artigo da proposta do Governo. = Reis Torgal.

Proponho que ao artigo 1966.° se eliminem os n.ºs 1.° e 2.° = Reis Torgal.

Admittida. Vae á commissão.

O Sr. Francisco Beirão: - Pedi a palavra unicamente para rogar á commissão que tenha como proposito eliminar do projecto tudo o que não seja exclusivamente interpretativo.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscrição. Vão ler-se para serem votados os grupos 4.° e 5.° do projecto.

Lidos na mesa, e postos á votação, são approvados, sem prejuizo das emendas que vão á commissão.

O Sr. Presidente: - A primeira sessão é na segunda feira, 30 do corrente. A ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 10 minutos da tarde.

Representações enviadas para a mesa nesta sessão

Da Companhia da Borracha, pedindo que sejam modificados os direitos de importação da materia prima da sua industria.

Apresentada pelo Sr. Deputado Lourenço Cayolla, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no «Diario do Governo».

O REDACTOR = Mello Barreto.

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