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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

48.ª SESSÃO

EM 15 DE ABRIL DE 1903

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, deu-se conta do expediente quatro officios e segunda leitura de um projecto de lei do Sr. Claro da Rica. Foi admittido. - O Sr. Sergio de Castro, por parte da commissão de redacção, participa não ter soffrido alterações o projecto de lei n.° 12. - O Sr. Fratel participa a constituição da commissão de negocios externos, e propõe para ser aggregado a essa commissão o Sr. Eusebio da Fonseca. - O Sr. João Augusto Pereira faz perguntas ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima), que responde. - Trocam explicações sobre negocios publicos os Srs. Rodrigues Nogueira e Teixeira de Sousa (Ministro da Fazenda. - O Sr. Fialho Gomes apresenta um projecto de lei.

Na ordem do dia (continuação da discussão do projecto de lei n.° 13, Orçamento Geral do Estado) falam, successivamente, os Srs. Anselmo Vieira e Mello e Sousa. - Verificando-se não haver numero de Srs. Deputados, é levantada a sessão.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azevedo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Coelho da Motta Prego

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 9 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 1/2 horas da tarde.

Presentes - 52 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possolo de Sousa, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Roque da Silveira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Cesar Claro da Ricca, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Restello, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Ernesto Nunes da Costa e Ornellas, Filippe Leite de Barros e Moura, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José Patricio, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Augusto Pereira, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Maria Pereira de Lima, Julio Augusto Petra Vianna, Luiz Filippe de Castro (D.), Manoel Joaquim Fratel, Matheus Teixeira de Azevedo, Rodolpho Augusto de Sequeira e Rodrigo Affonso Pequito.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiro Dias, Carlos Mariano de Carvalho, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Francisco José de Medeiros, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico dos Santos Martins, Hypacio Frederico de Brion, João Monteiro Vieira do Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, José Adolpho de Mello e Sousa, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Dias Ferreira, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Simões, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manoel Affonso de Espregueira, Manoel Antonio Moreira Junior e Manoel Homem de Mello da Camara.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Botelho, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Augusto José do Albuquerque, Alvaro de Sousa Rego, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Boavida, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto Cesar da Rocha Louza, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Carlos de Almeida Pessanha, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Eduardo Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Frederico Alexandrino Garcia Ramircz, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Joaquim Pereira Jardim, José Caetano Rebello, José da Cunha Lima, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Ernesto de Lima Duque, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz José Dias, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manoel Francisco de Vargas, Manoel de Sousa Avides, Mariano Cyrillo de Carvalho, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Visconde de Mangualde, Visconde de Reguengo (Jorge) e Visconde da Torre.

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SESSÃO N.° 48 DE 15 DE ABRIL DE 1903

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Fazenda enviando, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Manoel Affonso Espergueira, copia do officio da Direcção Geral das Contribuições Directas, juntamente com as copias do despacho ministerial que autorizou a revizão das matrizes da contribuição de renda de casas e sumptuaria do concelho da Guarda e das informações sobre que recaiu esse despacho.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Cabral Paes do Amaral, a relação dos fiscaes a que se refere a communicação n.° 260 de 8 de abril de 1903.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio participando não ter sido por esta repartição que se procedeu a obras de qualquer natureza no gabinete de S. Exa. o Ministro da Fazenda, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio participando que só pode ser satisfeito pelo Ministerio da Fazenda o pedido do Sr. Manoel Affonso Espregueira, por onde deverá ter sido dado o despacho de 6 de fevereiro, autorizando as fabricas dos Açores a destillarem 2.500:000 kilogrammas de milho, no corrente anno.

Para a secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - A lei de 3 de março de 1858, no artigo 4.°, § unico, a proposito de promoção ao posto de alferes dispunha o seguinte:

«Nenhum individuo será promovido ao posto de alferes effectivo quando não tenha bom comportamento a todos os respeitos, nem haja dado provas de aptidão e zelo no serviço: e sem que alem d'isso conte, pelo menos, 1 anno de serviço effectivo nas fileiras em qualquer dos postos».

Veiu depois o decreto de 6 de fevereiro de 1895, regulamentado em 1 de março do mesmo anno, que no artigo 3.°, tratando da promoção dos sargentos ajudantes? primeiros sargentos e primeiros sargentos graduados, cadetes, dispunha no n.° 2.º das condições:

«Terem pelo menos 2 annos de bom e effectivo serviço nas fileiras das respectivas armas no posto de primeiros sargentos ou de primeiros sargentos graduados, cadetes».

A lei promulgada por decreto de 4 de agosto de 1898 no artigo 5.° preceitua como uma das condições para a promoção ao posto de alferes, condição 4.ª:

«Ter, pelo menos, 3 annos de serviço effectivo nos corpos ou companhias, como sargento ajudante, sargento quartel mestre ou primeiro sargento, sendo 2 no ultramar».

Os sargentos, portanto, que ao abrigo da lei de 1895 alcançaram o posto de primeiros sargentos não estão - de certo - sujeitos á lei de 1898; porque isto seria dar força retroactiva á lei. E com offensa de direitos adquiridos, o que certamente não se admitte.

É verdade que, como sempre, o artigo 10.° do decreto de 4 de setembro de 1898 determina que fica revogada a legislação em contrario. Mas é certo que se deve entender sem prejuizo dos direitos adquiridos. O contrario seria rasgar de uma pennada todas as disposições da lei e os preceitos salutares da não retroactividade.

Um sargento que, por dever de disciplina, acceita fazer um serviço na secretaria militar, ou na das circunscrições do cominando militar, ou na do conselho de guerra territorial, ou na de fazenda militar - um sargento, repetimos, que, por dever e disciplina, executa o serviço que lhe é ordenado, no corpo, na companhia, ou fora d'esta, não pode com justiça e em boa razão ser considerado ausente da fileira sem soffrer preterição, porque isto seria castigar a ordem e a disciplina (virtudes necessarias num militar).

E ás vezes, - como acontece nos conselhos de guerra e na fazenda militar - depois de ter elle desempenhado trabalhos arduos, vem uma lei dizer-lhe:

Não estiveste 3 annos na companhia, portanto outros mais novos, mais modernos, te preferem e ficas por elles preterido porque desempenhaste (embora bem) o serviço que te ordenaram!

É incoherente!

Eis o que, em nosso entender, justifica o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º A condição 4.ª do artigo 5.° do decreto de 4 de agosto de 1898 não é extensiva aos sargentos-ajudantes, aos primeiros sargentos e aos sargentos quartel-mestres que tenham alcançado o posto antes da promulgação do mesmo decreto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 de abril de 1903. = A. C. Claro da Ricca.

Foi admittido e enviado á commissão de guerra.

O Sr. Sergio de Castro (por parte da commissão de redacção): - Mando para a mesa a ultima redacção do projecto de lei n.° 12, relativo aos subsidios com que as corporações administrativas teem de concorrer para o fundo da Assistencia Nacional aos Tuberculosos.

Enviado á Camara dos Dignou Pares.

O Sr. Fratel (por parte da commissão dos negocios externos): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que se acha constituida a commissão dos negocios externos, tendo escolhido para presidente o Sr. Mariano de Carvalho, e a mim participante para secretario. = M. Fratel.

Para a acta.

Mando tambem para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão dos negocios externos o Sr. Deputado Eusebio da Fonseca. - Manuel Fratel.

Foi approvada.

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Sr. João Augusto Pereira: - Sr. Presidente: pedi, numa das ultimas sessões, a comparencia do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, nesta Camara, antes da ordem do dia, porque desejava chamar a attenção de S. Exa. para um assumpto que, interessando muito particularmente ao districto de que tenho a honra de ser um dos representantes nesta casa do Parlamento, não deixa tambem, e em grande parte, de interessar a uma das mais importantes regiões do norte do país, a região do Douro.

Quero referir-me, Sr. Presidente, ao commercio de exportação dos vinhos da Madeira, vinhos que, pelas suas excepcionaes qualidades, só teem como rivaes ou por competidores os vinhos finos do Porto. (Apoiados}.

Sr. Presidente: a Madeira que, ha bem poucos annos, passou por uma profunda crise de cujas desastrosas consequencias se não acha ainda refeita, crise proveniente da extincção dos seus vinhedos e aniquilamento dos seus canaviaes, uns e outros restaurados, em grande parte, á custa de enormes sacrificios dos seus proprietarios e lavradores, acha-se novamente ameaçada de outra temerosa crise, cujas consequencias serão das mais deploraveis se, a tempo e com solicitude, lhe não acudirem os poderes publicos.

Hoje, Sr. Presidente, uma das mais importantes fontes da riqueza da Madeira consiste na producção de preciosos vinhos, vinhos que de ha seculos gozam de fama universal e são lá fora conhecidos pela designação generica, typica, de - vinho Madeira. Esses vinhos licorosos, aroma ticos e delicados constituem um dos principaes ramos do commercio de exportação d'aquella ilha.

Tudo quanto for restringir esse commercio, pôr peias ou difficuldades á sua expansão, o mesmo será que ferir mortalmente a agricultura da Madeira. (Apoiados).

Pois é este o perigo que se acha imminente sobre a infortunada e formosissima ilha, ameaçada neste momento de uma dupla crise, a crise commercial e a crise agricola.

Hoje, Sr. Presidente, os principaes mercados consumidores do - vinho Madeira são as nações do norte da Europa, tendo entre ellas logar primacial a Russia, para onde a Madeira exporta annualmente vinho no valor de muitos contos de réis.

Pois, segundo informações que me foram fornecidas, e reputo seguras, o Governo d'aquelle imperio decretou em janeiro ultimo e está em vesperas de pôr, se é que não pôs já, em execução uma nova pauta aduaneira de importação por virtude da qual o imposto sobre os vinhos licorosos, que, até agora, era na Russia de £ 32.6sh.4d por pipa, passa a ser de £ 48.12sh.

Mas não é somente na Russia onde isto acontece: tambem a Noruega, outro mercado consumidor de vinho Madeira, acaba de elevar consideravelmente os direitos de importação sobre os vinhos licorosos.

Actualmente, Sr. Presidente, luta a viticultura da Madeira com grandes difficuldades; oneram-na pesados encargos, como são os que resultam do elevado preço das aguas de irrigação e dos adubos chimicos importados do estrangeiro, aos quaes vêem juntar se, alem das contribuições a pagar ao Estado, as não pequenas despesas de encana. cava, sulfuração e esfolha das vinhas, o que tudo faz com que a cultura d'estas seja das mais caras, das mais dispendiosas. (Apoiados).

Mas, como se tudo isto fosse pouco, na epoca das colheitas, por occasião das vindimas, os commerciantes de vinho, com o fundamento real ou apparente de que a exportação durante o anno tem sido fraca e de que os seus depositos se acham ainda abarrotados, conluiam-se, offerecendo pelos mostos um preço do qual resulta, não poucas vezes, receberem os lavradores quantias inferiores ás dispendidas no amanho e tratamento das vinhas, cuja cultura fica sendo não só das mais dispendiosas mas tambem das menos lucrativas. (Apoiados).

Aquelles dos lavradores ou proprietarios que dispõem de armazens e vasilhame encascam os seus vinhos, tratam-nos, aguardando occasião mais favoravel para os vender; mas os que não dispõem d'aquelle recurso, e esses são o maior numero, vêem se forçados a vender os seus mostos ao desbarato, o que lhes acarreta enormes prejuizos, collocando os em graves embaraços economicos e financeiros.

Ora, se isto succede actualmente, quando a exportação para a Russia e Noruega, não obstante a diminuição que tem experimentado nos ultimos annos, se pode considerar boa, o que não será amanhã quando, naquelles dois paises, entrarem em vigor as novas pautas aduaneiras? (Muito bem).

Tenho presente, Sr. Presidente, a nota do vinho da Madeira exportado para a Russia nos ultimos annos e que foi em:

Decalitros Valor em réis

1899........... 77.084............ 237:562$240
1900........... 67.460............ 202:237$650
1901........... 49.142............ 147:003$745
1902........... 23.971............ 71:945$450
Total..........217.657............ 659.349$085

Se attendermos, porem, a que o valor manifestado no acto da exportação é muito inferior ao valor real do vinho exportado, e não andarei longe da verdade calculando-o em um terço, teremos, sem exagero, que estes 217.657 decalitros de vinho representam uma exportação no valor de 1.500:000$000 a 1.600:000$000 réis, o que é importantissimo.

Mostram tambem estes dados que, não obstante a exportação - do vinho da Madeira - para a Russia ter diminuido nos ultimos annos, é ainda assim aquelle país um bom mercado consumidor do precioso e delicado vinho, mercado que ao transe convem conservar.

De resto, Sr. Presidente, os dados que acabo de indicar, e que representam a exportação peculiar á Madeira nos ultimos quatro annos, estão em plena concordancia com os que representam a exportação de vinhos communs e licorosos de Portugal para aquelle imperio no mesmo periodo de tempo.

Esta exportação foi em:

Hectolitros
1890..................................... 9.118
1900..................................... 9.004
1901..................................... 5.175
1902..................................... 3.971

Estes numeros, que são frisantes, referem-se muito especialmente aos vinhos licorosos - Madeira e Porto - pois que a mesma estatistica official, de onde colhi estes dados, mostra que a exportação de vinhos communs portugueses para a Russia foi, dentro do periodo que venho considerando, de 3 hectolitros em 1901 e de 6 hectolitros em 1902.

Mas, Sr. Presidente, se a tudo isto que acabo de indicar e representa a exportação directa para os portos da Russia acrescentarmos a que tem logar para o mesmo país, pelos portos intermedios de Londres e Hamburgo, maior importancia tem para a Madeira e Porto como consumidor dos seus preciosos e delicados vinhos, o imperio moscovita. (Apoiados).

Outra cousa ha ainda a considerar. Para ella chamo eu a attenção do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e vem a ser que se não trata apenas de um mercado a criar, o que não era para ser desprezado, mas de um mercado já feito, de um mercado de ha muito criado e que é indispensavel sustentar. (Apoiados).

Actualmente uma pipa de vinho licoroso, Madeira ou Porto, ao entrar na Russia paga £ 32.6sh .9d ou sejam 181$000 réis, moeda portuguesa; pela pauta que breve-

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mente entrará em vigor passará a mesma pipa de vinho a pagar £ 48.12sh ou sejam 272$000 réis! O simples confronto d'estes numeros fala mais eloquentemente do que quaesquer commentarios que eu pudesse fazer (apoiados); mostra elle a impossibilidade em que ficará o commerciante de vinho - Madeira ou Porto - de fazer entrar naquelle país uma pipa de vinho de qualquer d'aquellas duas proveniencias.

A manter-se na Russia o direito de £ 48.12sh por pipa de vinho licoroso - Madeira ou Porto - direito que é absolutamente prohibitivo, pode dizer-se sem exagero, antes como expressão da mais rigorosa verdade, que ficará tal mercado fechado á importação d'aquelles vinhos, o que para as regiões interessadas virá a representar enormes prejuizos. (Apoiados).

Muito especialmente para a economia agricola e commercial da Madeira, se o facto vier a realizar-se, traduzirá um irreparavel desastre. (Apoiados).

Haverá meio de o evitar? Creio bem que sim.

Em poucas palavras o exporei á Camara e para isso ouso eu chamar a especial attenção do nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Entre Portugal e a Russia existe um tratado de commercio, cuja duração, supponho eu, está a findar. Esse tratado, portanto, ou ha de ser prorogado ou substituido por outro; qualquer, porem, que seja o diploma que o venha a substituir talvez não seja difficil incluir-se nelle clausula que favoreça a introducção na Russia dos vinhos portugueses, incluidos os licorosos - Madeira e Porto.

E, Sr. Presidente, se alludo aos vinhos do Porto não é porque eu tenha procuração para defender os interesses d'aquella região, interesses que se acham muito bem entregues á solicitude dos seus distinctissimos Deputados, que, melhor do que eu, muito bem sabem o que mais lhes convem reclamar a beneficio dos povos que aqui representam.

Se alludo aos vinhos do Porto não é porque pretenda metter foice era seara alheia; mas porque, sendo os vinhos d'aquella região equiparados, pelo que respeita á sua graduação alcoolica, aos preciosos vinhos Madeira, tudo o que se conseguir para este aproveitará áquelle. (Muito bem).

Como muito bem sabe o illustre Ministro, os tratados de commercio nada mais são do que contratos bilateraes, per meio dos quaes as altas partes contratantes se concedem vantagens reciprocas.

Ora agora pergunto eu: teremos nós vantagens que possamos offerecer á Russia, que de ha muito luta por introduzir nos nossos mercados os seus petroleos, as suas madeiras, os seus linhos, e em troca das quaes ella, não só não applique aos nossos vinhos licorosos - Madeira e Porto - o novo direito de £ 48 e 12sh por pipa, mas reduza o actual, que é de £ 32?

Parece-me bem que sim, Sr. Presidente.

Para isso bastará fazer cessar o tratamento de nação mais favorecida que concedemos aos petroleos da America, o que poderá ter logar sem inconveniente, visto estar a terminar o tratado de commercio pactuado com esta nação e conceder á Russia protecção pautal aos seus petroleos, aos seus linhos, ás suas madeiras ou a quaesquer outros productos d'aquelle imperio que possam ter consumo em Portugal, concedendo-nos ella a livre entrada nos seus mercados dos nossos vinhos, das nossas cortiças ou pelo menos a reducção do direito actualmente applicado a estes e outros productos portugueses.

Aqui tem o nobre Ministro dos Negocios Estrangeiros muito despretenciosa e rapidamente esboçado o assumpto para o qual eu desejava chamar a sua esclarecida attenção.

Não sei, Sr. Presidente, se o alvitre que offereço á ponderação do illustre Ministro é ou não viavel ou terá grandes difficuldades de execução.

Tenha-as ou não este ou qualquer outro que a S. Exa. se afigure mais efficaz e decisivo, é indispensavel que se adopte a fim de poupar á Madeira os enormes prejuizos que ella viria fatalmente a soffrer se o Governo da Russia persistisse em applicar aos preciosos e delicados vinhos d'aquella ilha o direito de importação de £ 48 12sh por pipa. (Apoiados).

Não se trata, Sr. Presidente, de uma questão de politica partidaria, mas sim de uma questão administrativa que muito particularmente interessa á desventurada ilha da Madeira, para quem o actual Governo, mais do que nenhum outro, tem sido madrasta descaroavel. (Apoiados).

Applique o nobre Ministro á solução do problema toda a sua boa vontade em bem servir o país, e que acredito ser grande, todos os recursos da sua vasta illustração e esclarecida intelligencia, consiga, o que me não parece difficil, que ao menos não seja elevado o direito de importação que actualmente na Russia incide sobre o vinho da Madeira e terá prestado áquella ilha um relevante serviço, que ella lhe agradecerá e pelo qual não regatearei a S. Exa. os meus calorosos applausos, os meus sinceros louvores.

Tenho dito. (Apoiados. Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Wenceslau de Lima): - Prestou toda a attenção á exposição feita pelo illustre Deputado relativamente ás difficuldades da expansão commercial dos nossos vinhos licorosos da Madeira e Douro, cujos interesses, em sua opinião, não são antagonicos, antes perfeitamente se harmonizam e conjugam.

O quadro triste que S. Exa. traçou das difficuldades em que se encontra o commercio de vinhos da Madeira é o mesmo que pode traçar-se a respeito da região do Douro. Não se trata porem neste momento de defender nem os interesses da Madeira nem os do Douro. Trata-se de defender os interesses nacionaes tão intimamente ligados á exportação dos nossos vinhos, e para esses convergem todas as attenções e todas as boas vontades do Parlamento e do Governo.

As considerações apresentadas pelo illustre Deputado foram acompanhadas de dados estatisticos que elle, orador, seguiu de perto para ver até que ponto podem ser tomadas como explicação dos inconvenientes por S. Exa. apontados, e a convicção que sente é de que esses inconvenientes não podem ser attribuidos aos tratados de commercio em vigor, porque a diminuição na exportação directa não tem só diminuido em relação á Russia, mas para outros países com quem aliás não temos tratados de commercio, ou os possuimos em condições diversas.

Não quer com isto dizer que não seja effectivamente para recear a elevação de direitos que a Russia ultimamente decretou, e que não haja da parte do Governo todo o desejo de procurar attenuar os seus effeitos; entretanto os alvitres apresentados pelo illustre Deputado não lhe parecem a elle, orador, praticaveis, não só porque S. Exa. parte do principio de que o tratado de commercio e navegação com a Russia caduca no fim do anno corrente, o que não é exacto, pois ainda tem dois annos para vigorar, mas ainda porque não é a denuncia do tratado com a America que deve importar-nos neste momento, mas sim o que possa obter se da Russia.

É certo que a Russia tem uma convenção commercial com o nosso país; todavia reservou-se autonomia pautal, isto é, deu nos tratamento de nação mais favorecida, mas ficou na plena liberdade de alterar os seus direitos pautaes sobre quaesquer generos.

O que não pode fazer é aumentá-los em desfavor nosso e em beneficio de qualquer outra nação.

Afigura-se-lhe, porem, a elle, orador, que dentro da convenção commercial com a Russia ha uma clausula, não no proprio tratado, mas no protocollo final, que pode ser

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invocada para defesa da expansão commercial dos nossos vinhos.

Essa clausula estabelece que, sempre que a Russia aumente a sua tributação dos vinhos licorosos, Portugal poderá aumentar proporcionalmente a tributação dos petroleos russos.

Este é o remedio que na opinião d'elle, orador, pode servir para o caso; como, porem, se trata de uma retaliação, embora perfeitamente legal e ao abrigo do estipulado, e a politica de retaliações é a peor de todas, não tem duvida em affirmar que empregará todos os seus esforços para que, entrando num caminho de compensações, conseguir melhores resultados para os interesses do nosso país.

Ao que lhe consta, muitos vinhos que não são de producção nacional invadem o mercado russo com os nomes de Porto e Madeira. Sendo possivel libertar esses nossos productos d'essa concorrencia desleal não teria duvida em ceder da clausula do protocollo a que ha pouco se referiu.

Seja, porem, qual for o caminho a seguir, e nestes assuntos não se obtem o que se quer obter, mas o que se pode obter, pode o illustre Deputado estar certo que não esquecerá os interesses geraes do país, tão intimamente ligados á expansão do nosso commercio de exportação.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Sr. Presidente, acabo de ter um grande prazer, neste momento, por ver entrar o Sr. Ministro da Fazenda, porque ha quasi dois mezes que venho instando pela presença de S. Exa. na Camara, sem que o meu desejo se tenha realizado.

Por varias vezes tenho aqui censurado o caracter português pela falta de persistencia no caminho que a si traçou. Quem conhece isto nos outros, tem obrigação, com o seu exemplo, de provar que segue caminho differente.

Ha quasi dois meses que eu disse na Camara, que tendo pedido pelo Ministerio da Fazenda uma nota de todo o material entrado com isenção de direitos pela alfandega de Lisboa, nessa nota encontrei que o material para a ponte sob o Mondego, na Figueira da Foz, fora isento de direitos na importancia - só de direitos - de 398:167$000 réis.

Apenas tive conhecimento d'este facto numa ponte que tinha custado apenas, isenta de direitos, 400:000$000 réis, fui ao Ministerio das Obras Publicas e, vendo qual era o peso d'essa ponte, achei que pelo seu peso tinha de lhe applicar direitos na importancia de 129:000$000 réis.

Em vista d'isto procedi da seguinte maneira. Procurei particularmente o Sr. Ministro da Fazenda, dei-lhe conhecimento do facto e entregando-lhe os documentos, disse-lhe o dia em que vinha á Camara occupar-me do assumpto - e S. Exa. até hoje, durante quasi dois meses, tem conservado um religioso silencio! O Ministro a quem communiquei isto, particularmente, é o Sr. Teixeira de Sousa.

Eu não accusei ninguem. Disse que havia um facto grave que merecia estudo. Procedi de maneira a que me parece os meus deveres de Deputado não me obrigavam (Apoiados), mas quis cumprir outros deveres. Como se correspondeu ao meu procedimento a Camara acaba de o conhecer.

Eu disse isto aqui ha dias ao Sr. Ministro da Justiça. S. Exa. incumbiu-se de transmittir as minhas considerações ao seu collega. Passaram-se dias, semanas e eu novamente repeti estes factos na Camara e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que me respondeu nessa occasião, tambem se incumbiu de transmittir as minhas considerações ao seu collega da Fazenda; mas até hoje não sei absolutamente nada, nem se houve ou não descaminho de direitos, nem me mandaram os meus documentos!

Eu não accusei ninguem. Hoje vou acrescentar uma cousa: Se houve descaminho de direitos, quero a importancia que me pertence, como denunciante.

E desde já previno o meu amigo, o Sr. Jayme Pinto, de que os seus asylados serão largamente contemplados com a parte que me pertencer - e o resto será distribuido por outros estabelecimentos de caridade.

Um outro facto para que tambem chamo a attenção do Governo, - e desde já declaro que hei de insistir terminantemente. Foi um facto provocado por declarações feitas ainda pelo Sr. Ministro da Fazenda, - declarações a que eu já estou acostumado, porque já conheço o systema de se pôr bandeirolas para se enganar o mundo, e o programma de administração de S. Exa. não foi mais do que uma bandeirola para ver se enganava o povo. S. Exa. chegou ao Ministerio da Fazenda e mandou os differentes officiaes que lá estavam a fazer serviço para fora; foi esta a sua maneira de proceder. Poucos dias antes tinha nomeado funccionarios para o ultramar, mandando-lhes dar os vencimentos. Eu pedi a nota d'esses officiaes, ha já bastante tempo, e até hoje ainda não me foi enviada, apesar de já ter insistido por ella, por diversas vezes.

São bandeirolas que não illudem ninguem, sobretudo a quem conhece os homens e as pessoas da nossa terra. Insisto novamente pela remessa d'esses documentos. Eu não quero citar nomes, mas quero ver os algarismos das verbas que se pagam a funccionarios que estão illegitima e illegalmente a fazer serviço fora dos seus logares, com prejuizo para as instituições - e para o resto que eu não quero dizer.

Sr. Presidente, eu quero fazer uma affirmação com respeito aos cortes feitos por todos os Ministerios, quero referir-me aos cortes assombrosos feitos principalmente no Ministerio das Obras Publicas.

São faceis de fazer esses cortes, são faceis de fazer essas economias - e eu vou dizer a maneira como se fazem:

Apresenta se uma conta numa repartição publica, feita por um funccionario legal; resposta: o Sr. Ministro da Fazenda suspendeu todos os pagamentos!

As dividas do Ministerio das Obras Publicas a liquidar importam algumas em mais de 2.000:000$000 réis.

Assim é facil fazer cortes!

Eu faço esta affirmação, responda o Governo lealmente como é sua obrigação, mandando os documentos que eu peço e então veremos quem fala verdade.

É por tudo isto, Sr. Presidente, que eu vou mandar para a mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pela Secretaria dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, me seja enviada nota de:

l.° Todas as contas liquidadas e não pagas, devidas por fornecimentos de materiaes ou execução de quaesquer trabalhos feitos por intervenção do Ministerio das Obras Publicas.

2.º De todas as importancias a pagar, ainda não liquidadas, por virtude de ordens dadas ou contratos feitos por aquelle Ministerio. - A. R. Nogueira.

Para terminar eu quero fazer uma pergunta ao Governo. Gostava que me respondessem porque me parece que a pergunta que vou fazer tem uma certa gravidade e importancia:

Está pendente da approvação das Camaras um contrato de navegação; a primeira viagem já se fez; eu queria que o Governo me dissesse terminantemente se essa viagem já é subsidiada pelo Estado.

V. Exa. tem a bondade de me dizer a que horas se passa á ordem do dia?

O Sr. Presidente: - As quatro horas.

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SESSÃO N.° 48 DE 15 DE ABRIL DE 1903 7

O Orador: - Como só faltam oito minutos para as quatro horas e eu desejo que o Sr. Ministro da Fazenda me responda, termino por aqui as minhas considerações.

Tenho dito. Vozes: - Muito bem, muito bem.)

O Sr. Deputado não revê os seus discursos e a tachygraphia, por não ouvir, não pôde tomar nota do começo da sua oração.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): - Sr. Presidente, ouvi com toda a attenção, como era da minha obrigação, o discurso do illustre Deputado Sr. Rodrigues Nogueira. Confirmo tudo quanto V. Exa. disse acêrca da ponte do Mondego; mas quem ouviu o illustre Deputado havia de suppor que eu tinha contrahida uma grande responsabilidade com a recepção dos documentos relativos a essa parte. Ora a verdade é que tendo S. Exa. tido a attenção de me entregar esses documentos e a amabilidade de me dizer que, em sua opinião, os calculos da isenção de direitos não estavam bem feitos, apenas prometti verificar se assim era, para o que consultei a repartição respectiva, que respondeu com argumentos que realmente me convenceram de que esse calculo estava bem feito.

É possivel que eu tenha commettido uma falta, mas ha uma cousa de que V. Exa. não mo pode accusar; é de não comparecer na Camara. A nenhuma sessão tenho faltado.

Eu devo dizer, para tranquilizar o espirito do illustre Deputado e de toda a Camara, que desde que se tratava da isenção de direitos de material para a ponte do Mondego...

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Então não podia entrar esse material isento de direitos a coberta de um outro qualquer?

O Orador: - Se o illustre Deputado me faz essa accusação...

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Perdão, eu não fiz accusação alguma a V. Exa. ...

O Orador: - Mas formulou uma hypothese que se parece com uma accusação.

De resto o illustre deputado tem á sua disposição não só o documento que me entregou mas toda a secretaria do Ministerio da Fazenda, onde pode estudar os documentos de que precisar.

Disse o illustre Deputado que eu entrei para o Ministerio da Fazenda com bandeirolas, que mandei para o Ministerio da Guerra officiaes que estavam no Ministerio da Fazenda e que quando Ministro da Marinha eu nomeara para o ultramar ficando esse pessoal no reino com os seus vencimentos.

O que falta e que S. Exa., ou alguem, me accuse de esbanjador!

Eu não nego, nem me lembro, se demorei alguns funccionarios no reino. É possivel que tenha feito isso - como o teem feito todos os Ministros da Marinha. (Apoiados).

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Apoiado.

O Orador: - Não me recordo d'isso; mas nomear qualquer funccionario que tenha de partir para o ultramar no fim de 50 ou (30 dias, e demorá-lo em logar d'esses 50 ou 60 dias noventa, não me parece um caso que mereça tão grande censura. (Apoiados).

Com relação aos fornecimentos do Ministerio das Obras Publicas digo que o illustre Deputado está inteiramente enganado. Eu não suspendi os pagamentos d'esse Ministerio porque não tenho competencia legal para o fazer. (Apoiados).

Ha um facto que a Camara conhece e que o illustre Deputado tambem conhece muito bem. Pela lei de receita e despesa do anno passado, foi dada autorização para se contrahir um emprestimo destinado á construcção e reparação de estradas; por conveniencia do Ministerio das Obras Publicas esse emprestimo não se contrahiu, mas por conta d'elles foram adeantados a esse Ministerio 947:000$000 réis. Entendi eu que, dada a situação da Fazenda Publica e encontrando-a com um deficit, que tornava necessario recorrer a emprestimos á divida fluctuante, praticaria um acto que não correspondia aos meus principios de administração se continuasse a fazer ao Ministerio das Obras Publicas adeantamentos de dinheiro; o que fiz, pois, foi suspender os adeantamentos aos diversos Ministerios. Mas não fiz isso para perturbar os serviços nem prejudicar as obras; e combinei com o meu collega das Obras Publicas dar-lhe as quantias necessarias e indispensaveis para os trabalhos continuarem, com regularidade e sem a perturbação que naturalmente resultaria se elles fossem interrompidos. (Apoiados).

E eu posso affirmar ao illustre Deputado que o Ministerio das Obras Publicas tem tido recursos sufficientes para fazer a liquidação de todas as contas que estão já apuradas.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Peço desculpa para affirmar que não é exacto.

O Orador: - O que posso affirmar é que o Ministerio das Obras Publicas não luta com difficuldades para a liquidação das contas que estão já apurada?. Pode haver algumas duvidas, como houve em todos os tempos...

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Os estuques, as cadeiras em que nos sentamos já estão pagas?

O Orador: - O illustre Deputado não me pergunte isso a mim; pergunte-o ao Sr. Ministro das Obras Publicas. Mas o que eu desejo dizer ao illustre Deputado é que não é...

O Sr. Rodrigues Nogueira: - É verdade, não ha duvidas a esse respeito.

O Orador: - Perdão. O que eu quero dizer é que a affirmação de eu ter suspendido os pagamentos no Ministerio das Obras Publicas não é verdadeira.

Esta é a resposta que, dentro do apertado da hora, posso dar ao illustre Deputado.

O Sr. Rodrigues Nogueira: - Mas V. Exa. nada disse a respeito da navegação.

O Orador: - O illustre Deputado perguntou-me a mim, e não sou eu que lhe devo dar a resposta, porque o assumpto a que S. Exa. se referiu não corre pela minha pasta; mas não tenho duvida em dar a minha opinião. Fez-se um contrato, provisorio, de navegação para a costa occidental da Africa. Esse contrato provisorio só pode ter execução depois de approvado pelo Parlamento, mas como elle ainda o não foi - a minha opinião e que essa viagem não pode ser subsidiada pelo Estado.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia; os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Fialho Gomes: - Manda para a mesa um projecto de lei autorizando a Camara Municipal do concelho de Vidigueira a contrahir com a Companhia Geral do Credito Predial Português um emprestimo até 25:000$000 réis, para satisfação das suas despesas.

Ficou para segunda leitura.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 13

(Orçamento Geral do Estado para o anno de 1903-1904)

O Sr. Anselmo Vieira: - Começa por ler a seguinte.

Moção de ordem

A Camara, satisfeita com a attitude do Governo em reduzir quanto se possa e sem prejuizo de economia nacional as despesas publicas, e esperando que os partidos politicos, compenetrados da urgencia de aumentar a riqueza nacional pela expansão economica da nação e regularidade das finanças publicas, se unam para este fim num esforço commum e num mesmo plano de administração, que não soffra soluções de continuidade, sem o que o Pastado difficilmente se libertará das difficuldades financeiras e economicas que o cercam, felicita-se com o Governo por collocar francamente a discussão do Orçamento num terreno alheio aos exclusivismos partidarios, e continua na ordem do dia. = Anselmo Vieira.

Isto não pode continuar assim. Foi a frase com que a opposição iniciou o debate sobre o Orçamento Geral do Estado. Foi a frase de um illustre membro do partido progressista, calorosamente applaudida e energicamente vibrada. Em resposta a esta frase o illustre Ministro da Fazenda veiu pôr a descoberto a situação das finanças publicas, para que todos vissem o estado do país e dissessem sem retaliações partidarias o que entendessem sobre o assunto.

Por isto elle, orador, entrava no debate; tambem para dizer sem obcecações partidarias a rude verdade dos factos. Applaudiu a frase isto não pode continuar mas mais calorosamente applaudiria um brado unanime da opposição e maioria, dos estadistas de todas as feições e da imprensa do todos os partidos affirmando - nós não queremos que isto continue assim. Nós todos, porque todos que se teem revezado na gerencia dos negocios do país teem um quinhão de responsabilidades maior ou menor nos males, cujos remedios se procuram agora, como a todos toca uma parte de benemerencias pelo que hajam feito em beneficio da nação.

Nós não queremos que isto continue assim, todos, porque é preciso que todos se revistam de abnegação pelo que se refere aos proprios interesses e ás questões da politica local, para que então tivessem a força irreductivel de se imporem a quaesquer caprichos, viessem de onde viessem.

Isto não pode continuar assim, disse a opposição; mas isto, o que? Importa determinar o que é que não pode continuar assim?

É o poder judicial que precisa ser remodelado? É o poder legislativo que não corresponde á sua missão? É o poder executivo que saiu fora da esfera das suas attribuições?

É o nosso systema administrativo excessivamente centralizado, em que todas as collectividades dependem para o mais simples acto da sua vida normal do poder central? Mas em todo este estado de cousas tem a opposição de hoje, Governo de hontem, uma parte effectiva de responsabilidades.

É na synthese economica e financeira que isto não pode continuar assim? Realmente apavoram-nos os deficits e os constantes aumentos de despesa; mas nos deficits e no aumento de despesas tem a opposição as suas responsabilidades.

Os aumentes de despesa constantes e progressivos teem se dado principalmente nos Ministerios da Fazenda, Marinha, Guerra, e Obras Publicas.

No Ministerio da Fazenda o aumento vem principalmente depois que se instituiu a guarda fiscal. Sabe que essa despesa é de certo modo compensada pelo aumento
de receita nos impostos indirectos. Mas será necessario para se conseguir a mesma fiscalização manter uma guarda fiscal que é um verdadeiro exercito com generaes, coroneis, tenentes-coroneis, majores, um verdadeiro estado maior dispensavel?

No Ministerio da Marinha tambem o aumento tem sido grande. Entende que devemos ter uma marinha de guerra offensiva e defensiva. Mas não haverá meio de reduzir as despesas d'esse Ministerio? Afigura-se-lhe que não, pois que o partido progressista, combatendo o conselho do almirantado, por ser luxuoso, o transformou na Direcção Geral da Marinha e Majoria General da Armada, mas não reduziu a despesa, antes a aumentou.

No Ministerio da Guerra tem havido tambem consideraveis aumentos de despesa, e nos dois annos que tem assistido á discussão do orçamento d'esse Ministerio ouviu maioria e minoria dizerem que a dotação para os serviços da guerra são insufficientes, que tudo está mal pago, e que é preciso mais dinheiro. Faz largas considerações sobre o exercito, a sua funcção social, os reformados, o limite de idade, combatido pelo partido progressista, mas não revogado por esse partido quando foi ao poder.

Analysa as despesas no Ministerio das Obras Publicas, e entende que nesse Ministerio ha excesso do pessoal technico e dirigente contrastando com a deficiencia do pessoal trabalhador. Não concorda com a forma como se fazem as arrematações de material e adjudicação de obras. O partido progressista tem-se referido ao regime tributario português. Não temos regime tributario algum, mas um conjunto de leis fiscaes que não pertencem a nenhuma escola, nem se justificam nas condições geraes do país. Analysa todo o systema de imposto existente em Portugal, e confronta-o com o dos principaes países europeus, terminando por condemnar um systema de tributação era que generos de primeira necessidade que não se produzem no país pagam 200 por cento de direitos de importação.

Agora mesmo reclama-se o equilibrio orçamental pela reducção das despesas e arrecadação impiedosa de receita, e ninguem quer saber de mais nada. Imaginemos que se tinha realizado essa aspiração; imaginemos que se tinham realmente nivelado as despesas com as receitas. Tinhamos acaso concluido a nossa missão?

É certo que as despesas teem aumentado constantemente nos ultimos cincoenta annos do seculo XIX. Assombra-nos essa vertigem de despesas. Parece que o futuro que aguarda esses povos será uma bancarrota universal. Ha, porem, outra cousa que mais nos assombra: é no mesmo periodo de tempo o aumento de poder productivo que o homem se criou e como consequencia o aumento de riqueza produzida pela expansão economica.

A verdadeira funcção dos homens de Estado hoje é criar riquezas. Exemplifica com a expansão da America do Norte.

Entende que a verdadeira necessidade hoje em Portugal e attender á questão economica, porque o deficit entre a importação e a exportação é enorme. Ainda em 1902 tivemos de importar 1.800:000$000 réis de gado vacum. Importamos 1.200:000$000 réis de arroz. Entregámos ao estrangeiro 2.000:000$000 réis para comprarmos açucar.

Analysa toda a situação commercial de Portugal e confronta-a com a da Belgica, Grecia, Hollanda, Suecia, Noruega, Servia, Romania e Dinamarca, e frisa como de todos estes Estados e Portugal aquelle que accusa maior differença na proporção progressiva entre a importação e exportação.

Faz depois a synthese da vida economica e financeira de Portugal desde 1834 até hoje, e remata as suas considerações appellando para a união dos partidos politicos, a fim de que, de acordo e num plano de administração que não tenha soluções de continuidade, se resolva a ques-

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tão financeira e economica por uma larga reforma de todo o systema economico e financeiro existente.

A proposta foi admittida.

(O discurso será publicado na integra guando o orador o restituir}.

O Sr. Mello e Sousa: - Falou o illustre Deputado que o precedeu muito eloquentemente; não tratou, porem, do orçamento em discussão; e é exclusivamente d'este que elle, orador, vae occupar-se.

Em sua opinião o que se discute é, não o parecer da commissão do orçamento, mas um orçamento rectificado. Não pode isto offerecer duvida alguma. E a propria commissão que o diz na seguinte frase: «Sujeitamos á apreciação da Camara as correcções apresentadas pelo Governo». Diz-se isto, é certo, mas não se dá a explicação do motivo por que se diz.

Já por mais de uma vez tem elle, orador, ouvido dizer que são regularmente combatidas as reducções de despesas. Não e assim; o que se tem dito, por parte da opposição, o que elle proprio, orador, diz é que se fazem reducções sem se explicar o motivo por que se fazem, como se fazem e quem as faz, pois que ao passo que o Governo falando do orçamento affirma que elle é obra sua, o mesmo diz a commissão.

Muito ha que criticar neste trabalho, como tambem alguma cousa ha que elogiar. Começará pelo elogio.

Segundo o artigo 30.°, todas as receitas devem ser inscritas no orçamento. Esta é a boa doutrina; todavia algumas excepções se fazem relativamente ás contas da Imprensa Nacional, serviços de recrutas e outros.

Uma das receitas que foi inscrita, e por isso elogia o Sr. Ministro da Fazenda, é a das Bolsas, que segundo o respectivo decreto organico foi especialmente applicada ao pagamento de uns illustres funccionarios, conhecidos pela designação de commissarios regios.

A respectiva verba foi agora inscrita no orçamento; mas é necessario inscrevê-la sob uma designação especial por causa da sua applicação, e nesse sentido apresenta a seguinte

Proposta

Proponho que, em conformidade do determinado no artigo 30.° do projecto em discussão, seja incluida no mappa n.° 1 da receita a verba de 32:000$000 réis, sob a designação de «Receitas das Bolsas», e em representação dos rendimentos criados pelo artigo 65.° do decreto de 10 de outubro de 1901. = Mello e Sousa.

D'este modo, acrescenta o orador, repara-se o esquecimento havido, e fica completada a disposição do artigo 30.°

Pena é que o mesmo não succeda a todas as receitas e despesas, conforme preceitua o regulamento da contabilidade publica, regulamento que não sabe com que fim se pretende agora tambem reformar.

Se a disposição do artigo fosse mantida evitar-se-hiam, por exemplo, os aumentos na despesa da Imprensa Nacional e na Imprensa da Universidade, aumentos que são realmente curiosos, comquanto seja ignorada a sua origem.

É verdade que a par d'esses aumentos apparece, por exemplo, a economia de 400$000 réis no pagamento aos distribuidores do Diario do Governo e o pagamento ao medico sae dos salarios dos pobres trabalhadores que estejam doentes, fazendo-se assim um corte nos salarios e ferias do pessoal, exactamente na occasião em que elle mais precisa que se lhe pague!

Refere-se depois o orador ao pedido que o Sr. Ministro da Fazenda faz para reformar o regulamento de contabilidade publica, pedido que acha realmente extraordinario, por isso que S. Exa. na organização do orçamento saltou a pés juntos por sobre esse regulamento, que é excellente na opinião não só dos nossos homens competentes, mas até de tratadistas estrangeiros.

O orçamento está feito, não ha duvida, contra as disposições d'esse regulamento. Não comprehende, portanto, repete, para que quer o Sr. Ministro da Fazenda reformá-lo.

E, já que falou neste assunto, não pode deixar de notar tambem o extraordinario atraso em que se encontram as contas de exercicio. É necessario que isto não continue, porque essas contas devem estar feitas e fechadas era devido tempo.

A responsabilidade de tudo isto não é, porem, do Sr. Ministro da Fazenda, que logo ao apresentar-se o Governo á Camara teve o cuidado de dizer «que acceitara aquella pasta com grande sacrificio e por dedicação partidaria». A responsabilidade cabe ao Sr. Presidente do Conselho, que consente que o Sr. Ministro da Fazenda exautore antigos Ministros como o Sr. Vargas, e que elle proprio se exautore, como succede na verba destinada a despesas de saude publica, que no entender do Sr. Presidente de Conselho deviam ser aumentadas, mas que foram agora reduzidas em 5:000$000 réis por indicação do Sr. Teixeira de Sousa.

Refere-se em seguida o orador propriamente ao projecto, entrando na apreciação rapida, porque o tempo mais não permitte, de alguns dos seus artigos, que na opinião d'elle, orador, carecem de explicação. Nestes casos está, por exemplo, o § 3.° do artigo 1.°, relativamente ao qual alguns illustres Deputados da opposição fizeram já varias considerações.

Relativamente ao artigo 2.°, é tal o absurdo que nelle se contém que, não pode deixar de ser eliminado. Nestes termos manda para a mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja eliminado o artigo 2.° = Mello e Sousa.

No artigo 9.° ha uma alteração á lei de salvação publica, de fevereiro de 1892, que representa a perda de algumas dezenas de contos de réis. Para este ponto chama a attenção do Sr. Ministro da Fazenda.

Seguindo no caminho que traçou, está elle, orador, chegado á importante questão do alcool.

O que vê no projecto é que o Sr. Ministro da Fazenda suggeriu á commissão a ideia de o autorizar a uma cousa para que já estava autorizado pela lei de 1901. É que a questão é muito outra; precisava da interpretação da lei de 1901 e por isso se soccorreu do parecer da commissão.

Só esta pode ser a razão do procedimento do Governo, que d'este modo consegue introduzir alcool para arranjar vinho do Porto de segunda ordem ou seja uma completa mixordia.

Se tivesse tempo trataria largamente este ponto, porque a questão é capital, e grande é o perigo de se permittir a exportação de um vinho que do Porto apenas tem o rotulo.

Nem mesmo se comprehende que em tal se consinta, quando o chamado vinho para preto é rodeado de todas as cautelas e precisa até de marca registada, não estando livre de ser deitado ao mar, se todas as prescrições que o rodeiam não forem cumpridas.

Tambem não comprehende elle, orador, que sem previo estudo se vá diminuir o direito de um artigo como o alcool, quando em tempo nenhum caso se fez do desejo manifestado pela Allemanha, que podia trazer-nos vantagens para a collocação dos nossos vinhos.

Apresenta depois o orador a seguinte

Proposta

Proponho que seja eliminado o § unico do artigo 20.° do projecto em discussão. -Mello e Sousa.

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E acrescenta que acha realmente estravagante autorizar o Governo a cumprir a lei, quando é essa a sua obrigação.

Seguidamente manifesta-se o orador contra a forma injusta como são lançados os impostos municipaes destinados ao fundo da instrucção primaria.

Estranha depois a maneira por que foram feitas pelo Sr. Teixeira de Sousa correcções ao orçamento apresentado pelo Sr. Hintze Ribeiro, a começar pelas verbas das despesas de material d'esta Camara, que são cortadas a torto e a direito, sem que se dê a razão d'esses cortes.

S. Exa. não tinha autoridade para o fazer e em todo o caso é necessario que dê explicação sobre os cortes feitos naquellas verbas e tambem nas gratificações do pessoal do trafego, o mais importante dos serviços aduaneiros.

Não basta dizer que não se tira o pão a ninguem, é necessario mostrar que assim é, não tirando insignificantes verbas aos distribuidores do Diario do Governo e aos modestos funccionarios que não teem voz na Camara para se defender.

Refere-se tambem á diminuição nas verbas destinadas á cavallaria da guarda fiscal, transporte de vadios e reincidentes, serviços de saude publica e serviços dos hospitaes. Nenhum d'estes cortes tem explicação ou a unica que pode ter é a imposição da vontade do Sr. Teixeira de Sousa.

No Ministerio da Guerra são tambem fundos os cortes e o proprio Sr. Pimentel Pinto, tão cuidadoso nas questões da sua pasta, a tudo se sujeitou! O facto é tanto mais incomprehensivel quanto é certo ter o Sr. Teixeira de Sousa responsabilidade no orçamento anterior.

Occupa-se tambem o orador dos cortes feitos no orçamento do Ministerio das Obras Publicas, sentindo não ver presente o Sr. Vargas, facto que muito estranha, porque depois da extraordinaria descortesia que os seus collegas no actual gabinete lhe fizeram não se comprehende que S. Exa., saindo da cadeira de Ministro, se mettesse socegadamente em casa.

No orçamento que S. Exa. apresentou, tambem assinado pelo Sr. Presidente do Conselho, propunha-se um aumento de despesa em varios serviços no valor de 130:000$000 réis. Entra o Sr. Teixeira de Sousa para a pasta da Fazenda e esse orçamento apparece com uma reducção de 335:000$000 réis e a mesma assinatura do Sr. Presidente do Conselho. Este facto carece de uma explicação, porque é necessario saber-se quando é que se fala verdade.

Nesta altura o orador sente que o Sr. Presidente do Conselho se tenha retirado da sala não querendo continuar a dar-lhe a honra de o escutar, embora se esteja referindo a actos da responsabilidade de S. Exa.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora regimental, tendo S. Exa. ainda um quarto de hora qara concluir o seu discurso.

O Orador: - O Sr. Presidente do Conselho não pode fugir a essas responsabilidades e folga de ver que S. Exa., cujo procedimento o maguou, entra de novo na sala.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Não está no seu caracter nem nos seus habitos maguar alguem. Saiu da sala unicamente porque o chamaram para um assumpto urgente acêrca do qual a sua opinião era reclamada.

O Orador: - Agradece a explicação que o Sr. Presidente do Conselho acaba de dar e a seguir analysa ainda o orçamento do Ministerio das Obras Publicas, referindo-se á diminuição das verbas destinadas ao material das escolas industriaes e á ponte sobre o Mondego.

Concluindo, insiste na necessidade de que os cortes sejam explicados, porque o facto realmente não tem precedentes e fica registado como um caso unico e completamente isolado.

As propostas foram admittidas e ficam em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Arthur Montenegro: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. que se proceda á contagem, a fim de verificar se ha numero sufficiente de Deputados para a Camara poder funccionar. = Arthur Montenegro.

Fez se a contagem..

O Sr. Presidente: - Estão presentes 49 Srs. Deputados. Portanto, não ha numero sufficiente para a Camara continuar os seus trabalhos.

A proxima sessão é amanhã. A ordem do dia é a mesma que vinha dada para hoje.

Em seguida encerra a sessão.

Eram 6 horas e 15 minutos da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Representações

Dos fabricantes de bebidas espirituosas e licores, de Lisboa, pedindo que seja elevado ao duplo, isto é a 5$000 réis por decalitro, o direito sobre as bebidas alcoolicas não especificadas, e equiparado á garrafa escura (20 réis por kilogramma), ou ainda, como protecção á industria nacional, a 25 réis por kilogramma, o direito sobre as garrafas de qualquer outra cor, seja qual for a sua capacidade.

Apresentada pelo Sr. Presidente da Camara, e enviada á commissão de fazenda.

Dos empregados dos correios e telegraphos, pedindo melhoria de situação.

Apresentada pelo Sr. Deputado Alipio Camello, enviada á commissão de obras publicas e mandada publicar no «Diario do Governo».

O REDACTOR - Barbosa Colen.

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APPENDIOE Á SESSÃO N.° 48 DE 15 DE ABRIL DE 1903 11

Discurso proferido pelo Sr. Deputado Anselmo Vieira, que devia ler-se a pag. 8 da sessão n.° 48 de 15 de abril de 1903

O Sr. Anselmo Vieira: - Em obediencia ás prescripções do Regimento mando para a mesa a seguinte

Moção de ordem

A Camara, satisfeita com a attitude do Governo em reduzir, quanto ser possa e sem prejuizo da economia nacional, as despezas publicas, e esperando que os partidos politicos, compenetrados da urgencia de augmentar a riqueza nacional pela expansão economica da nação e regularidade das finanças publicas, se unam para este fim num esforço commum e num mesmo plano de administração, que não soffra soluções de continuidade, sem o que o Estado difficilmente se libertará das difficuldades financeiras e economicas que o cercam, felicita-se com o Governo por collocar francamente a discussão do orçamento num terreno alheio aos exclusivismos partidarios, e continua na ordem do dia. = Anselmo Vieira.

Sr. Presidente: antes de começar as considerações que vou ter a honra de expor á Camara, e cujo pensamento fundamental resumi na minha moção, cumpre-me agradecer ao illustre Deputado que me precedeu, Sr. Dr. Luiz José Dias, a deferente amabilidade que S. Exa. quiz dispensar-me, prevenindo-me de que pelo seu estado de molestia não podia comparecer hoje á sessão. Sinto a ausencia de S. Exa. pelo motivo que a determina, e faço votos sinceros para que em breve se restabeleça a saude do illustre Deputado, e assim o vejamos restituido a esta Camara, onde occupa um logar distincto, para satisfação de todos e maior lustre da opposição, em cujos arraiaes o Sr. Dr. Luiz José Dias é um valoroso combatente. (Apoiados).

Cumpre-me ainda declarar á Camara que o Sr. Conselheiro Abel Andrade, illustre relator geral do orçamento, por se achar neste momento no desempenho de funcções officiaes, a que não podia deixar de comparecer, não veiu á sessão, e commetteu-me o encargo de o substituir, emquanto S. Exa. não estiver presente.

Sr. Presidente: Isto imo póde continuar assim! Foram estas as palavras com que a opposição parlamentar abriu a discussão sobre o Orçamento Geral do Estado. Foi esta phrase, vibrada por um dos mais valiosos membros do partido progressista e calorosamente applaudida, que a opposição inscreveu como legenda symbolica na vanguarda do seu ataque ao Governo ao iniciar o debate a proposito do orçamento, do orçamento que, por concesso unanime de todos, ha já largos annos adoptado e seguido, tem sido o thema para as grandes discussões politicas, economicas e financeiras, que outr'ora se debatiam na resposta ao Discurso da Corôa.

Isto não póde continuar assim, disse a opposição parlamentar, essa opposição que hontem foi Governo e que amanhã voltará a ser Governo. E em resposta a esta phrase o illustre Ministro da Fazenda Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, pondo a descoberto a situação das finanças publicas, abriu campo á discussão clara e franca, sem retaliações que nada remedeiam, mas para que cada um diga o que sente e pensa lealmente sobre a situação politico-economica do paiz. (Apoiados).

Se outro motivo eu não tivera que me compellisse a entrar no debate, bastaria o ter-se-lhe dado o caracter d'uma discussão aberta, como o reclama a situação do
paiz. Por isso tambem applaudi a phrase com que se iniciou a discussão - isto não póde continuar assim. E mais caloroso seria o meu applauso, se ouvisse a maioria e minoria, os estadistas de todas as feições politicas, a imprensa de todas as parcialidades, tudo, emfim, que constitue o sensorium nacional, a consciencia do paiz, o cerebro da nação, conclamar - nós não queremos que isto continue assim. Sinceramente applaudiria eu essa phrase, quando convencido de que ella era a traducção fiel de um sentimento firme, de uma vontade inflexa, de uma resolução tenaz, de um bemdito amor á patria. Nós não queremos que isto continue assim, nós todos (Apoiados), porque todos quantos se teem revesado na administração do paiz teem uma quota parte, maior ou menor, de responsabilidades nos males, cujos remedios desejamos encontrar, como teem um quinhão nas benemerencias que lhes competirem pelos esforços empregados em pró da prosperidade nacional.

Nós não queremos que isto continue assim, nós todos, porque é mister que nos revistamos da maior isenção, para que não queiramos fazer aquilatar o nosso valor e importancia na politica pelo numero de protegidos que conseguimos collocar nos quadros da burocracia ou pelo numero de recrutas que conseguimos livrar do serviço militar; todos, porque é mister abroquelarmo-nos com a maxima energia e independencia, para que não exerçamos pressão sobre os Governos com o intuito de nos satisfazerem as solicitações de cada um de nós, mais ou menos importantes, mas que era regra significam sempre um augmento de despeza, maior ou menor; todos, porque urge sacrificar os proprios interesses e os da politica local, a fim de que, unidos e alvejando o mesmo fim, tenhamos a auctoridade necessaria para dizer - nós não queremos que isto continue assim, e ao mesmo tempo a firmeza irreductivel para nos podermos impor a quaesquer vontades ou caprichos que pretendam ser-nos superiores, venham de onde vierem. (Apoiados).

Isto não póde continuar assim, é certo; mas isto o que? Sr. Presidente: nos animes da nossa historia constitucional encontramos a esmo phrases similares a esta, com que sempre se tem agitado a opinião publica, mas que nem sempre teem sido a synthese de uma boa administração.

Moralidade e economias, vida nova, respeito ás leis, observancia rigorosa da Constituição, alargamento das liberdades individuaes, descentralisação administrativa, tudo encontramos abundantemente na historia da nossa vida constitucional, como programma de futuras administrações, e tudo vemos fementido, sem que os factos correspondam na sua eloquencia suprema ás formulas sonoras e impressivas, com que foram pre-anunciados. Talvez que tudo assim tenha acontecido por uma iniqua fatalidade das cousas, que a razão não póde explicar.
E por isso eu, ao ouvir o illustre Deputado progressista exclamar - isto não póde continuar assim, perguntei a mim proprio, e reproduzo agora a mesma interrogação, - mas isto o que?

Eu não ouvi ainda a ninguem, nem o disse o distincto parlamentar que protestou contra isto, nem o illustre Deputado a quem estou respondendo, o que é esse isto que não póde continuar assim. (Apoiados).

Na vastissima complexidade que offerece á nossa meditação o funccionamento dos Estados modernos, funccio-

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namento que se desdobra em syntheses diversas - politica, fiscal, economica, administrativa e até moral, em tão amplas e variadas funcções, é mister a harmonia a mais perfeita em todos os systemas do organismo social. Irregular, como é, o funccionamento do organismo da sociedade portugueza, para se corrigir essa irregularidade é previamente necessario auscultar os diversos systemas de que se compõe, no intuito de se ver qual é aquelle ou aquelles que perturbam a normalidade de funcções. É isso o que eu não vi ainda que ninguem fizesse, para indicar precisamente o que ha a corrigir.

É acaso pela má politica que temos seguido que nos vemos forçados a reclamar vida nova? E se é na synthese politica que reside o erro, qual é dos chamados poderes do Estado aquelle que carece de ser modificado?

É o poder judicial? Curvo-me respeitoso perante a nossa magistratura, honesta e digna; merece ella a homenagem da nossa veneração; mas, apesar d'isso, carecerá o poder judicial de modificações para que a mais rigorosa observancia da lei tenha salutares effeitos na moral do povo?

É porventura o poder legislativo, que não está dentro da esphera das suas attribuições, porque defeitos de origem ou de funccionamento o viciam e impossibilitam de exercer em toda a sua magestade a missão que pretendeu dar-lhe a revolução que o produziu?

É o poder executivo que sahiu fora do ambito das suas attribuições, e em si compendiou e resumiu todas as funcções do Estado, num collectivismo absorvente, nocivo e paralysador?

É o poder moderador que precisa de ser modificado para se lhe alargarem as prerogativas ou para se lhe restringirem, para se lhe diminuir a acção nos negocios do Estado ou para se lhe dar maior imperio nesses negocios, mas n'este caso então impondo-se-lhe directamente responsabilidades?

Não o dizem aquelles que affirmam que isto não póde continuar assim; e, comtudo, creio ser indispensavel e fundamental accentuar primeiramente o que é que nós precisamos de reformar. Talvez que os vicios que urge cortar residam no systema politico, mas não póde o partido progressista esquivar-se a acceitar o quinhão de responsabilidades que lhe pertence, porque ha já largos an-nos que o nosso systema politico vive tal como hoje está. (Apoiados).

Se passarmos ao systema administrativo, tambem importa estudal-o, para se verificar se não será defeituoso esse mecanismo. Mas desde quando é que se inaugurou o regimen de centralisação administrativa, em que todas as collectividades e todas as corporações dependem, para o mais simples acto da vida normal, immediatamente do respectivo Ministerio, que quasi é o mesmo que dizer de um director geral ou de um chefe de repartição? Ha quantos annos se iniciou o processo de cercear ás corporações administrativas todas as suas attribuições ou pelo menos as mais importantes em nome dos abusos que se iam commettendo? Pergunto, não teria sido preferivel punir os delinquentes, quando os houvesse, em vez de se punir a instituição, reduzindo-lhe a esphera das suas actividades?

A verdade é que, porque appareceram administradores menos escrupulosos nos municipios, amputaram-se direitos e regalias ás camaras municipaes, e assim successivamente se praticou n'outras corporações, deixando impunes os responsaveis pelos desmandos. (Apoiados). Com assentimento de todos tornámos do poder executivo a machina immensa, donde irradia a vida para todas as espheras sociaes e para todas as collectividades do paiz. Supprimiram-se autonomias e robusteceram-se as influencias do poder central. Julgo não ser este assumpto de tão somenos importancia que não deva merecer a attenção de quem pensar sobre a administração do paiz n'este momento.

E não tem por egual o partido progressista responsabilidades na orientação seguida ha tantos annos na vida administrativa do paiz? Não tem tambem esse partido collaborado na obra de centralisação absorvente, que é a caracteristica do nosso systema administrativo? (Apoiados). Entremos nas syntheses economica e financeira. É ahi que isto não póde continuar assim?

Apavoram-nos os constantes desequilibrios entre a receita e a despeza. De facto, não é para ser olhado de animo leve um tal estado de cousas, que não póde continuar, e tem de ter um termo, ainda que não seja senão pela fatalidade dos acontecimentos. E porque a necessidade imperiosa de chegarmos a esse termo está gravada, mais do que na nossa intelligencia, na consciencia do paiz, vemos confluir de toda a parte o mesmo grito - reducção de despesas para equilibrar o orçamento. É isto tambem o que reclama o partido progressista, insurgindo-se contra os augmentos de despeza. Mas não teem sido constantes e progressivos os augmentos de despeza ha muitos annos, principalmente nos Ministerios da Fazenda, Marinha, Guerra e Obras Publicas?

Desde quando augmentou consideravelmente a despeza no Ministerio da Fazenda? Desde que n'esse Ministerio se organisou a guarda fiscal. Não discuto os serviços que a guarda tem prestado á organisação dos impostos indirectos. Sob este ponto de vista essa despeza tem sido compensada pelo incremento de receitas. Mas se não discuto os serviços da guarda, posso, comtudo, perguntar se para se conseguirem os mesmos resultados, é necessario fazer-se uma duplicação do Ministerio da Guerra, sustentando-se outro exercito no Ministerio da Fazenda, com generaes, coroneis, tenentes-coroneis, majores, todo um estado maior que se me afigura perfeitamente dispensavel, sem que o serviço da fiscalisação se minore em cousa alguma? Julgo que a simplificação da guarda fiscal poderia e deveria realisar-se, o que seria de vantagem para o serviço e para o Thesouro.
Ao invez, todos teem complicado mais essa organisação, augmentando o numero de officiaes superiores e conseguintemente a despeza, sem que isso influa de qualquer forma no serviço. (Apoiados).

Passemos ao Ministerio da Marinha, onde os augmentos de despeza teem sido enormes. É certo que temos refeito a nossa marinha de guerra, da qual não podemos prescindir. Portugal precisa de ter marinha não só defensiva, mas até offensiva. Mas será acaso necessario, para sustentarmos a marinha que temos, manter um excessivo numero de officiaes fóra dos quadros e um numero não menos excessivo de officiaes superiores reformados? E quem procurou já em obviar a este mal que ha tanto tempo subsiste? (Muitos apoiados).

Infelizmente, temos visto as opposições combaterem reformas de serviços no Ministerio da Marinha pelo augmento de despeza que importam, mas tambem temos visto que esses mesmos impugnadores, quando assumem a administração do paiz, o menos que fazem é conservar e manter tudo, ou se reformam alguma cousa, fazem-no sempre por modo que se augmente a despeza.

O que succedeu a proposito do Conselho do Almirantado? O partido progressista combateu-o por ser uma organisação cara e dispendiosa de mais para tão pequeno paiz. Combateu egualmente a disposição que auctorisava a collocação dos officiaes que não tivessem commissões como addidos ao Conselho do Almirantado, a fim de receberem a gratificação respectiva. Pois quando o partido progressista foi ao poder, transformou o Conselho do Almirantado em Majoria General da Armada, mas conservou, se é que não augmentou, a despeza, mantendo as mesmas disposições que havia combatido, quando esteve na opposição.

Entremos no Ministerio da Guerra. Já assisti no Parlamento, em dois annos successivos, á discussão do orçamento d'esse Ministerio, e ouvi concordes opiniões de um e outro lado da Camara sobre a deficiente remuneração que teem os serviços do Ministerio da Guerra. De um e

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outro lado se affirmou e se sustentou que o que se gasta com o exercito não chega ainda, e está muito longe do que precisamos de gastar. (Apoiados geraes). O que não vi foi que alguem estudasse uma organisação militar menos dispendiosa ou pelo menos mais completa do que a que temos actualmente, e que melhor corresponda ás nossas necessidades e até aos nossos deveres de povo que tem allianças offensivas e defensivas. (Muitos apoiados).

O Sr. Francisco José Machado: - Eu peço a V. Exa. que faça uma excepção para mim. Tenho apresentado uma reducção proveniente da suppressão dos limites de edade.

O Orador: - A proposito do limite de edade, ahi tem a Camara outro facto que prova o que tenho dito. Acompanhei com interesse a discussão que se travou, quando foi trazida ao Parlamento a proposta de lei sobre limite de edade para os militares.

A refrega foi violenta. O partido progressista combateu resolutamente semelhante principio. Entre as razões adduzidas occupava o primeiro logar o augmento de despeza que isso iria trazer. Eu, simples observador, não tinha a tal respeito um criterio definido. A minha capacidade não chegava para apreciar se um general póde commandar um batalhão aos 60 annos e o não póde fazer aos 61. Parecia-me que poderia haver generaes de primeira grandeza aos 70 annos e pessimos aos 40. (Muitos apoiados). Mas, emfim, em contendas de tal quilate é perigoso entrar quem não conhecer todas as subtilezas da questão. Dir-se-ha que para estes casos e analogos produziu um dos brilhantes espiritos da velha Roma aquella bella phrase - Non nostrum inter vos tantas componere lites.

Todavia, eu inclinava-me para os que combatiam o limite de edade. Afigurava-se-me que elles tinham razão. E enganei-me. Os que então combatiam a proposta de lei, não só conservaram o limite de edade, que rudemente haviam impugnado, mas até o ampliaram.

O Sr. Francisco José Machado: - V. Exa. dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Com muito prazer.

O Sr. Francisco José Machado: - Eu direi a V. Exa. que tudo isso é inteiramente verdade, porque o melhor Ministro da Guerra é aquelle que faz carreira, fazendo mais promoções. (Riso). Esta é a verdade genuina: não sei dizer outra cousa. E por isso se gasta tanto com o exercito.

O Orador: - Note V. Exa. que eu não estranho que se gaste muito com a força armada. Os exercitos absorvem em todos os paizes o melhor quinhão da riqueza dos povos, e são as despezas militares as que mais oneram os orçamentos de todos os Estados modernos. Isto é assim, e tem de ser assim. Folgo de poder affirmar n'este momento que eu reconheço a necessidade dos exercitos.

Não me cegam as theorias socialistas, que consideram o militarismo um instrumento de guerra, avido de aventuras e conquistas, refractario a todo o habito profundo e serio de trabalho, nem me encantam os bellos sonhos da solidariedade social. Taes theorias de uma sonhada symbiose não passam de vaniloquios, e a cada passo os factos o comprovam. O militarismo é ainda o subsidio natural e necessario de toda a forma de Estado (Muitos apoiados), a garantia mais solida das liberdades publicas (Apoiados), o meio mais efficaz de manter, compacta a synergia dos elementos sociaes. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

Tambem me não seduzem os ideologos da democracia, que evangelizam o principio da nação armada, á similhança da Suissa, para substituir o exercito permanente.
Esse bello trabalho de tornar a quasi totalidade de cidadãos aptos para o combate pelas associações de tiro, é muito louvavel e até necessario, mas não póde substituir uma organisação militar, que não se improvisa, do mesmo modo que não se improvisa o que constitue a força essencial de um exercito, a disciplina (Apoiados), que exige um periodo de elaboração, uma educação cuidada e completa da vontade. Além d'isso, afigura-se-me que para conceber a nação armada seria necessario suppor a existencia de uma nação compacta, toda accorde, refractaria ás rivalidades de partidos, uma nação na qual a subordinação espontanea substituisse a coerção energica, uma nação governada pela ordem a mais perfeita, pela justiça a mais severa, porque, não sendo assim, ter-se-hia uma collectividade em estado de guerra civil permanente, sob o jugo de uma violencia desenfreada ou sob o cesarismo rigido de uma oligarchia ambiciosa. (Muitos apoiados).

É certo, Sr. Presidente, nenhum Estado moderno póde prescindir do exercito; mas pode o deve harmonisal-o com os recursos orçamentaes e com as necessidades do meio. Tem-se feito isto entre nós? Deixo a resposta á consciencia, de todos que teem tratado do assumpto, e que pela. sua competencia melhor podem avaliar o que é e vale o nosso exercito em relação aos sacrificios que nos impõe. (Apoiadas).

Passemos ao Ministerio das Obras Publicas. Vê-se que esse Ministerio tem tido um augmento constante nas suas despezas; mas é preciso notar-se, que pelo Ministerio das Obras Publicas corre tudo quanto representa fomento e riqueza. (Apoiado»}. Não venho com esta simples referencia desculpar demasias que no Ministerio das Obras Publicas se hajam commettido, taes como o excesso de pessoal technico e dirigente contrastando com a insufficiencia do pessoal trabalhador (Apoiados), o alargamento do quadro de engenheiros, constante e successivo, que absorve uma verba consideravel, a forma por que se fazem os fornecimentos de material e a arrematação das obras. Não julgo difficil corrigirem-se estes males, cuja responsabilidade pertence a todos os Governos; mas é para isso que eu julgo necessaria a firmeza na resolução tão simples d'este pequeno problema. (Apoiados).

Tambem a opinião publica se queixa do esplendor e luxo com que se realisam certas obras, que não são de interesse nacional nem melhoram as condições economicas do paiz. E porque não importa agora referir que obras são essas, basta salientar que ha um meio simples de se saber quanto se gasta em todos os trabalhos feitos pelo Ministerio das Obras Publicas. É estabelecer-se que nenhuma obra, seja qual for, possa realisar-se sem ter dotação votada pelas Côrtes. E uma vez estabelecido isto, que todos os Governos o cumpram religiosamente. As Camaras votarão o que for necessario para todos os trabalhos, absolutamente todos, a effectuar, e ás Camaras exclusivamente cumpre julgar da opportunidade ou inopportunidade de todos os melhoramentos a fazer em quaesquer edificios, seja qual for a applicação que elles tenham. (Apoiados).

Talvez assim se evitasse o pendor para o luxo e opulencias, que sempre tem florescido na sociedade portugueza. Não ignoro que a hereditariedade tem um grande poder nos povos, nas raças e nas familias; mas os defeitos de herança tambem se corrigem. É certo que esse defeito entre nós é muito antigo. Já em tempos, não muito remotos, quando as naus dos quintos singravam polo-oceano em demanda do Tejo, carregadas de ouro, a phantasia de D. João V se comprazia, em desbaratar dinheiro nas purpuras do patriarchado, ao mesmo tempo que sepultava só nas opulencias de Mafra 21.400:000$000 réis. Eis no que se gastavam os impostos pagos pelas minas do Brazil. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

E a proposito de impostos surgiu-me agora no espirito a visão do nosso regimen tributario, aqui tão rudemente atacado pelo illustre partido progressista na discussão do

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orçamento. Mas ha quantos annos é esse regimen defeituoso e lesivo para os interesses do Thesouro e para o contribuinte?

Com effeito, o nosso systema tributario, ou digo melhor o conjuncto das nossas leis tributarias, porque de facto não temos systema nenhum, é o fructo de um empirismo grosseiro, que se evidencia caracteristicamente quando se estabelece a proporção entre as receitas e a riqueza do paiz, entre a despeza na cobrança dos impostos e o producto d'estes, ou quando se estuda a imperfeição da proporção externa entre os impostos directos e indirectos e da proporção interna de cada grupo de imposto.

Irregular, cheio de injustiças, o regimen tributario em que vivemos não se justifica nem pelas necessidades publicas, porque estas reclamam que esse systema seja remodelado (Apoiados) em novas bases, nem pelos sãos principios de qualquer escola, porque não pertence a nenhuma. (Apoiados).

É certo que pelo que se refere ao imposto directo, cuja elasticidade é menor do que a do imposto indirecto, elle figura no computo das receitas do nosso paiz numa proporção maior do que a que se vê na grande parte dos orçamentos europeus, ou seja 26,20 por cento. Deixando de parte a Russia, em cujo orçamento o imposto directo figura na proporção de 6,55 por cento em relação a todas as receitas do Imperio, e deixemos de parte a Russia, porque as differenças do desenvolvimento e do regimen economico, politico e financeiro da Russia não permittem uma comparação - só a Hespanha e Italia nos são superiores. Assim, em todas as receitas da Hespanha o imposto directo figura numa proporção de 42,44 °/o, e nos da Italia 28,13 °/º. A Hollanda quasi se approxima de Portugal 23,00 °/o; a Hungria 19,90 %; a Inglaterra 18,18 %; a Austria 17,10 %; a França 16,79 %; a Prussia 13 % e a Belgica 12,41 %.

Á primeira vista parece que este confronto é favoravel ao nosso regimen tributario; mas não é. Em todos os Estados a que acabei de referir-me, é a propriedade immobiliaria a base do imposto, e as percentagens que citei são fornecidas quasi exclusivamente pelo imposto predial. Entre nós a contribuição predial representa-se estabelecida a proporção para as receitas do Thesouro, por 5,72 %. E ha quanto tempo existe semelhante estado de coisas?

Ora, o que é que se tem feito desde 1802 no intuito de se remodelar seriamente o regimen tributario e sobretudo o imposto predial, que logo na sua origem brotou defeituoso, como o indica o proprio relatorio do decreto dictatorial que criou essa contribuição? Exceptuemos o plano de impostos de Barros Gomes, em 1881, e os trabalhos iniciados, mas mortos quasi á nascença, pelo Sr. Conselheiro Augusto Fuschini, em 1893, e o resto que ficou em materia de tributação, é apenas o fructo de um opportunismo commodo, indefensavel e condemnado pelos dictames da justiça e da humanidade. (Muitos apoiados).

Não é n'um simples discurso parlamentar que se póde salientar devidamente tudo quanto de anomalo, asynergico e anti-economico encerra o conjuncto das nossas leis fiscaes. Quando nos lembramos de que ha generos de primeira necessidade, que não se produzem no paiz e que pagam de direitos de importação 200 por cento do seu valor, não precisamos de mais largas reflexões para lavrar a sentença contra semelhante organismo tributario. (Apoiados geraes). Absolutamente condemnada está de ha muito a nossa legislação fiscal, cujas linhas geraes e principaes disposições são absurdas. E, todavia, não se tem tratado uma reforma ab imis n'esse importantissimo ramo de serviços; temos ido vivendo, cultivando com porfiado ardor a planta dos addicionaes, que só deprime a economia nacional.

Agora mesmo, perante a situação embaraçosa que estamos atravessando, reclama-se como remedio supremo e quiçá unico o equilibrio do orçamento sómente pela reducção das despesas e arrecadação impiedosa das receitas. Parece que está n'este plano, relativamente simples, a salvação do paiz. Não condemno, antes applaudo, a reducção e até a suppressão de algumas despezas. Tambem louvo os intentos do Governo de cobrar as receitas publicas sem contemplações por quem quer que seja. E extranha contradicção é essa em que o partido progressista está cahindo. Pede a reducção de despezas, mas combate o orçamento que estamos discutindo, porque n'elle se reduzem as despezas. Se são contraproducentes as reducções apresentadas, como o teem dito os illustres Deputados que teem entrado n'este debate, então indiquem outras verbas que possam ser reduzidas, apontem claramente onde querem que se façam economias. (Muitos apoiados). Eu não perfilho a theoria de reduzir a torto e a direito as despezas nos serviços publicos. Julgo que no estado actual da civilisação, n'esta vertiginosa transformação por que estão passando as sociedades, o paiz que tiver como unico recurso para viver a reducção de despezas, é um paiz morto. (Apoiados). Não me repugna, porém, votar a diminuição de qualquer despeza, quando me convença de que o funccionamento e a evolução do paiz nada soffrem por isso.

Mas imaginemos que de feito se tinha conseguido o equilibrio do orçamento pela reducção das despezas e pela impiedosa arrecadação das receitas. Bastará isso para se attender ás necessidades inadiaveis do paiz? Toda a nossa missão estaria cumprida com esse desejado equilibrio orçamental?

Sr. Presidente: quando analysamos a historia politico-economica dos povos na segunda metade do XIX seculo, assombra-nos realmente ver o extraordinario incremento que em cada povo teem tido as receitas e as despezas. O nosso espirito sente-se como que tomado de verdadeiro terror, pensando no futuro que aguardará os diversos Estados, cujas despezas parecem não ter um termo. Ao meditar sobre este estado de coisas, como que se antevê uma verdadeira bancarrota universal, porque as despezas publicas crescem, progridem vertiginosamente em toda a parte, desde a Belgica pequenina,, microscopica pelos seus limites geographicos, mas grande pelo seu genio activo e trabalhador, até á America do Norte, esse paiz privilegiado, onde as cidades são Estados e os lagos são mares, onde as terras ferteis parece não terem limites e os jazigos de riquissimos minerios simulam thesouros inexhauriveis. Em toda a parte as despezas crescem doidamente, é verdade.

Ha, porém, uma outra coisa que mais nos assombra, Sr. Presidente. É quando analysamos a marcha ascensional do progresso humano, tambem no mesmo periodo do tempo, e vemos o rapido augmento do poder productivo e destructivo que o homem se criou, e num deslumbramento intraduzivel fitamos a assombrosa riqueza accumu-lada por esse augmento de poder. Então comprehendemos que a missão dos verdadeiros homens de Estado modernos está em procurar a conquista de riquezas pela expansão economica do seu paiz. E está, desde que a subordinação das forças da natureza á producção dos materiaes necessarios á vida permittiu a acquisição de productos decupla e por vezes centupla em troca da mesma quantidade de trabalho. (Muitos apoiados). Está porque reside na criação das riquezas a verdadeira grandeza dos povos. (Apoiados geraes. - Vozes: - Muito bem, muito bem).

Deixe-me a Camara adensar n'um exemplo a minha affirmação. Em 1851 a riqueza da União Americana era avaliada em 7.135.000:000$000 réis ou 308$000 réis por habitante; em 1900, precisamente ao fechar-se o XIX seculo, a riqueza da America do Norte tinha subido a réis 90.000.000:000$000, ou 1:18$000 réis por habitante. A população que era em 1850 de 23 milhões subiu em 1900 a 76 milhões, isto é, cresceu em 50 annos 330 por cento. Só nos ultimos dez annos do seculo dindo a riqueza dos

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Estados Unidos da America do Norte tinha crescido réis 35.000.000:000$000, somma maior, affirma um grande economista americano, do que toda a riqueza accumulada pelo Novo Mundo desde a descoberta de Colombo até á guerra da Separação.

É que não basta, no estadio actual da civilisação, um simples equilibrio do Orçamento para a prosperidade dos povos. Certamente é esse equilibrio uma condição indispensavel, mas não é condição unica. Ao lado do equilibrio do Orçamento importa que caminhe na sua escala ascendente e progressiva a expansão da riqueza publica pelo desenvolvimento do trabalho. (Muitos appoiados). Póde um paiz encontrar-se em excepcionaes condições de riqueza apparente pela abundancia de dinheiro, e comtudo esse paiz póde ser pobre sob o ponto de vista economico. Eu poderia citar agora exemplos que superabundam, e temol-os até na nossa propria historia, com factos quasi nossos contemporaneos. Mas seja-me permittido referir um só exemplo.

Está na lembrança de todos a historia da Prussia, d'aquella Prussia que na batalha de Sadowa empunha o endurecido sceptro de ferro e o guarda até Sedan, ou antes até á paz de Francfort, para o entregar á confederação dos povos germanicos. A França, pagando á Allemanha com o fidalgo orgulho da raça gauleza a pesada indemnisação de cinco milhares, inundou de oiro a sua rival. Houve um momento, em que na Allemanha se pensou que se tinha feito a riqueza da confederação. Pararam algumas fabricas; já não era preciso trabalhar. Supprimiram-se alguns impostos; havia muito dinheiro. Em 1872 a riqueza mobiliaria da Allemanha distribuia-se por 479 sociedades anonymas com um capital de 328.702.000:000$000 réis. Passam tres annos, e o numero das sociedades anonymas tinha decrescido; estava em 55, e o capital reduzia-se a 10.035.000:000$000 réis. Tinham desapparecido mais de 318.000.000:000$000 réis.

Foi então que a Allemanha pensou que era mister trabalhar, se queria ser grande; foi então que ella sentiu, em toda a plenitude do seu significado, o valor d'aquellas palavras de Bismarck na sua proclamação de 18 de janeiro de 1871, annunciando que o imperio não se engrandeceria pelas conquistas sangrentas da guerra, mas pelos fructos e beneficios da paz. A Allemanha cresceu pelo trabalho, e foi tal a sua expansão que em treze annos, desde 1882 até 1890, viu a sua população industrial passar de 16 milhões a 20 milhões de individuos, e a sua população commercial de 4 milhões e meio a 6 milhões.

Então viu a confederação germanica o rapido augmento da sua riqueza, e se assim não acontecesse o imperio allemão não poderia manter-se, sustentando as enormes despezas do seu immenso organismo politico-militar. (Apoiados). Se o tempo e o logar me permitissem citaria ainda outros exemplos.

Depois d'isto respondam os que só querem o equilibrio do Orçamento, os que combatem todos os augmentos de despeza, se nós poderemos quedar-nos satisfeitos só com o equilibrio das despezas pelas receitas que temos actualmente.

Olhemos para as condições economicas do paiz; analy-semos attentamente a situação em que vivemos; vejamos o muito que nos falta, se quizermos equiparar-nos á Belgica, á Hollanda, á Suissa, e até á propria Romania, para não fallar senão das pequenas nações, e feito isto, não teremos um momento de hesitação em affirmar que não podemos ficar no simples equilibrio orçamental.

Se olharmos para a nossa rede ferro-viaria, vemos que ella é das mais pequenas dos estados europeus, pois apenas ficam abaixo de Portugal, a Bulgaria, a Grecia, e a Servia. E se estabelecermos a relação entre a extensão das linhas ferreas e a superficie do paiz, encontramos para Portugal 26 metros de linhas ferreas por kilometro quadrado, quando a Belgica tem 219, o Luxemburgo 105, a Inglaterra 114, a Allemanha 95, a Suissa 93, a Hollanda 86, a Franca 80, a Dinamarca 78, a Austria Hungria 56, a Italia 55. Emfim, approximamo-nos da Romania, que com uma superficie de 130:000 kilometros quadrados tem 23 metros de linha ferrea por kilometro quadrado.

Poderemos deixar de completar a nossa rêde de caminhos de ferro, tão indispensavel á expansão economica do paiz? Não, evidentemente; e tanto assim é que os ultimos Ministros das Obras Publicas teem estudado com solicitude este assumpto capital. Diz-se que vamos concluir a rede ferro-viaria, custeando as despezas de construcção das novas linhas com o rendimento das linhas em exploração na posse do Estado. Não importa apreciar agora qualquer operação financeira que o Governo haja de effeituar para pôr em pratica a construcção de novas linhas. Seja qual for essa operação ella ha de necessariamente traduzir-se num encargo para o Thesouro, porque, ainda que tenha por base o rendimento dos caminhos de ferro do Estado, cerceia ás receitas publicas esse rendimento. (Apoiados). Não pretendo significar com isto outra coisa que não seja a confirmação de que, embora equilibremos o Orçamento, é mister fazer-se mais alguma coisa. (Apoiados).

Se da viação ferrea nos voltamos para as vias fluviaes, não é menor o nosso desalento. O que temos feito no sentido de se aproveitarem as correntes de agua em proveito do commercio, da industria, e da agricultura, é nada. Canalisar rios, aproveital-os para irrigar e fertilizar campos, dirigir-lhes o volume de agua, e utilisar-lhes as quedas para substituir a hulha, que temos de comprar no estrangeiro, tal interpreza seria das mais uteis, e de maior alcance economico, porque produziria augmento de riqueza. (Muitos apoiados). E, todavia, o illustre partido progressista, que se insurge contra o actual estado de coisas, não atacou nenhum d'estes problemas, e apenas se preoccupou com successivas reformas de secretaria, perdendo tempo que antes devia ser aproveitado em questões de maior alcance. (Apoiados).

A Belgica e a Hollanda cruzaram-se de canaes e aproveitaram convenientemente os seus rios. Vota annualmente a Belgica cêrca de 140:000$000 réis para a manutenção dos seus canaes, e nós deixamos perder as estradas á falta de dotação para concertos, e consentimos que se açoriem os nossos bellos portos, e d'elles afugentamos a navegação. (Apoiados).

De molde vem agora, Sr. Presidente, referir-me aos portos de Portugal, e ao papel preponderante que elles deviam desempenhar no commercio internacional.

Entristece ver dia a dia diminuir o movimento da nossa marinha mercante. Cada vez é mais raro vêr-se fluctuar nos mares a bandeira portugueza. Até para o Brasil deixemos de ter navegação nacional. E, comtudo, os mercados brasileiros pertencem ao numero d'aquelles que deviamos cercar de maiores cuidados e attenções. Durante muito tempo para o Brasil correu a melhor parte da nossa exportação, e em vez de a mantermos, pelo menos, quando não a augmentassemos, abandonámos ao acaso o nosso commercio com a grande republica sul-americana, e deixámos morrer totalmente a navegação portugueza para a America, quando antes deveramos trabalhar por que o porto de Lisboa se transformasse n'um entreposto para os generos do Novo Mundo. (Apoiados). E por isso recebemos os productos do Brasil do porto de Hamburgo, do mesmo modo que recebemos os generos da provincia de Moçambique, isto é, da nossa propria colonia, do porto de Marselha.

Tudo isto está em perfeita relação com as actuaes condições do porto de Lisboa. Nas aguas do Tejo sepultámos 5 ou 6 mil contos de réis; e, comtudo, a unica pente que tinhamos junto da alfandega para embarque e desembarque de passageiros, para carga e descarga de mercadorias, desmoronou-se, ha quasi 5 annos, sem que até hoje se tenha reedificado. D'este modo todo o trafego, ou pelo

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menos o mais importante, realisa-se n'uma acanhada doca, e por tal forma alli se faz o serviço que ha occasiões em que um navio para descarregar leva mais tempo do que o que gasta em vir da America a Lisboa.

Preoccupam-se n'este momento, entre outros paizes. a França e a Hespanha, sobresaltadas com o incremento que teem tomado os portos de Hamburgo, Bremen, Liverpool, Antuerpia, Rotterdam, etc., incremento que contrasta com a estagnação, senão decrescimento, no movimento dos portos do Havre, Marselha, Cadiz, etc.. com a grande questão dos portos francos e entrepostos geraes, e nós deixamos que até os productos das nossas proprias colonias tenham os seus entrepostos em portos de paizes estrangeiros. (Apoiados).

Pensou-se n'este assumpto em 1886 e 1887, quando era Ministro das Obras Publicas o Sr. Conselheiro Emygdio Navarro. Estudou S. Exa. esta importantissima questão, de intenso alcance economico, mas ninguem mais se preoccupou com tal coisa. Note a camara que esta referencia não é um elogio amistoso, porque apenas de vista conheço o extraordinario jornalista e eminente homem, publico, a que me estou referindo. Nem sequer tenho relações de mero comprimento com o Sr. Conselheiro Emygdio Navarro. Ha, porém, uma coisa a que nunca sei faltar - dar a cada um o que lhe pertence. Raros tiveram, como o Sr. Conselheiro Emygdio Navarro, a visão nitida dos verdadeiros interesses economicos do paiz, e do que era mister fazer-se, a fim de que Portugal se alevantasse á devida altura para poder entrar na concorrencia economica, já então gigantesca, e hoje verdadeiramente assombrosa.
Póde dizer-se que perdemos uns bons quinze annos em estereis reformas, de quasi nullo valor, salvo alguma excepção honrosa.

Afigura-se-me que muito util seria para o nosso movimento economico a existencia de grandes entrepostos geraes, era Lisboa e Porto, quando não se estabelecessem n'estes dois portos grandes zonas francas. Aos seus bellos entrepostos deve, entre outros, o porto de Hamburgo a grandeza do movimento commercial, que disfructa. Não poderia o porto de Lisboa ter igualmente um grande entreposto, para receber mercadorias, que d'aqui se exportassem sem encargos aduaneiros e livres de embaraços fiscaes? Não está o porto de Lisboa indicado para um grande entreposto de generos coloniaes, e não se poderia tambem expedir d'aqui para a America do Sul e para a Africa uma parte das mercadorias que para aquelles paizes são expedidas de Hamburgo e Liverpool?

Todo o bacalhau norueguez que vae para o Brazil e republicas sul-americanas é expedido por via Hamburgo, excepto uma pequena quantidade que segue por via Liverpool. Seria acaso muito difficil fazer derivar uma parte d'esse movimento para o porto de Lisboa?

Tambem a Africa, e o que é peior as possessões portuguezas d'aquelle continente, recebe bacalhau e outras mercadorias do porto de Hamburgo, e não do porto de Lisboa. E o que se tem feito para que o nosso commercio de transito e reexportação augmente?

Parece-me ser este assumpto pelo menos digno de estudo, e não vejo que elle prenda as attenções nem sequer d'aquelles que bradam isto não póde continuar assim.

É certo que algumas difficuldades se offerecem á expansão do nosso commercio de transito. A barreira hespanhola é de certo modo um embaraço a essa expansão; mas não julgo insuperaveis essa difficuldade e outras que se possam erguer.

Não me referirei, n'esta apreciação á nossa vida economica, á situação creada pelo exagero pautal estabelecido em 1892. Já aqui expuz a minha opinião sobre este assumpto por mais de uma vez, e ainda muito recentemente quando se discutiu o contrato de navegação para a costa oriental da Africa. Sómente accentuarei que com a pauta de 1892 tivemos, como fim supremo, tornarmo-nos um paiz industrial, sem attentarmos a que a industria é um meio e não um fim. (Muitos apoiados).

Produzimos assim uma alta consideravel em todos os productos e generos de primeira necessidade sem augmentarmos correspondentemente a riqueza nacional. Creámos uma situação perigosa, porque nos ha de trazer uma grande crise com todas as consequencias da questão social. (Apoiados).

A estatistica dá uma lição eloquente sobre a nossa situação economica. Portugal quer passar por ser um paiz agricola, e ainda em 1902 teve de importar gado vaccum no valor de 1.800:000$000 réis. quando a media da importação d'essa especie de gado em 1890 a 1892 era de pouco mais de 700:000$000 réis. Não ignoro que a importação e exportação de gado se contrabalançam, devido á exportação de gado suino e caprino, mas não é querer muito, desde que estamos n'um paiz agricola, pretender que a exportação excedesse a importação, e que não carecessemos do estrangeiro para importarmos a carne, de que nos alimentamos. (Apoiados).

Se reflectimos sobre a deficiencia de outros generos de alimentação, que temos de comprar aos diversos mercados do mundo, mais nos apavora a nossa situação economica.

Quando todos os paizes estão produzindo assucar, Portugal entrega annualmente aos mercados francezes e allemães 2.000:000$000 réis para adquirir assucar. Fallou-se em tempo em promover no paiz a cultura da beterraba, para que produzissemos assucar, e assim nos emancipassemos do estrangeiro pelo que respeita a este genero, mas não se passou de simples projectos.

O arroz que ainda ha dez annos importavamos n'uma media annual de 600:000$000 réis, importamol-o hoje no valor de 1.200:000$000 réis. Nos productos agricolas apenas temos visto decrescer a importação do azeite, manteiga e queijos, porque até pelo que respeita a cereaes, á excepção do anno de 1901, ainda não logramos ter uma producção que chegasse para as necessidades no nosso consumo.

Não será este deficit economico tão perigoso e nocivo, se não mais, como o deficit orçamental? É, todavia, parece que fazemos consistir a nossa redempção apenas no equilibrio do orçamento, pois não vejo que o illustre partido progressista dispense os seus disvellos a estes assumptos.

Volvamos agora um pouco a attenção para o nosso commercio, tão ermo dos favores officiaes, trabalhando só por si. Não se póde contestar que o nosso movimento commercial tem augmentado, como tem augmentado em todos os povos; mas o incremento do commercio portuguez não é proporcional ao que tem tido o commercio dos outros paizes. N'este ponto os numeros dispensam mais largas considerações.

N'um periodo de vinte annos, desde 1880 até 1900, a progressão do movimento commercial dos pequenos paizes da Europa foi a seguinte:

Portugal Por cento

(Commercio geral)

Importação augmentou......................... 100

Exportação augmentou......................... 56

(Commercio especial)

Importação augmentou......................... 84

Exportação augmentou......................... 25

Belgica

(Commercio geral)

Importação augmentou............ 32

Exportação augmentou............ 48

Página 17

APPENDICE Á SESSÃO N.° 48 DE 15 DE ABRIL DE 1903 17

Hollanda

(Commercio especial)

Importação augmentou......................... 135

Exportação augmentou........................ 170

Dinamarca

(Commercio geral)

Importação augmentou......................... 131

Exportação augmentou......................... 100

Suecia

(Commercio especial)

Importação augmentou......................... 93

Exportação augmentou......................... 65

Noruega

(Commercio geral)

Importação augmentou......................... 105

Exportação augmentou......................... 90

Roumania

(Commercio geral)

Importação diminuiu........................... l5

Exportação augmentou......................... 27

Grecia

(Commercio especial)

Importação augmentou......................... 15

Exportação augmentou.........................146

Servia

(Commercio especial)

Importação augmentou......................... 13

Exportação augmentou......................... 86

Vemos, portanto, que os paizes onde a progressão das exportações é menor do que a das importações são: Suecia, Noruega, Dinamarca e Portugal, e d'estes é Portugal aquelle cuja exportação menos tem crescido, facto tanto mais significativo do relativo abandono a que temos votado o movimento commercial, quanto é certo que as nossas riquissimas colonias nos teem offerecido e offerecem campo para mais larga expansão mercantil. (Muitos apoiados).

Quaes são os elementos de informação e propaganda que temos creado e posto ao serviço do commercio?

E tão uteis e necessarios são esses elementos, que todos os paizes os possuem e os augmentam. Nós proprios já podemos ver quanto elles valem pelos resultados colhidos na Africa do Sul com a propaganda a favor dos nossos vinhos. (Apoiados). A Belgica, a França, a Allemanha, a Italia, a propria Hespanha, emfim, teem creado camaras de commercio em todas as localidades, onde as reclamam os respectivos interesses commerciaes. São ellas centros de informação e de propaganda, que prendem o commercio do paiz a que pertencem ao commercio dos paizes em que se foram estabelecer. Nós, contrariamente ao que teem feito os outros povos, limitámo-nos a ficar, n'este capitulo, na tentativa de Thomaz Ribeiro, que pretendeu instituir camaras de commercio no Brazil, - onde mais tarde as foi estabelecer a Hespanha, para nos vencer, como venceu, na conquista d'esses mercados, - e n'um projecto de regulamento consular, de iniciativa do partido progressista, no qual se preceituava a instituição de camaras de commercio portuguezas em paizes estrangeiros, projecto que naufragou na discussão do Conselho Superior do Commercio, por motivos que não pretendo apreciar.

Não menos importante julgo a existencia de um bom corpo consular. Não pretendo de qualquer forma significar que não temos consules bons, zelosos e cumpridores dos seus deveres. Em muitas localidades, porem, onde não temos consules de nacionalidade portuguesa, confiamos as funcções d'esse cargo a individuos que as desempenham igualmente em relação a outros paizes, e o que é peor, paizes cujos productos de exportação são similares aos nossos. Assim, por exemplo, o consul de Portugal em Christiandsund é tambem consul de Hespanha.

Não venho aggravar cem a mais leve suspeição o caracter do cavalheiro que n'aquella cidade occupa esse cargo para os dois paizes. Accentuo apenas o inconveniente do facto, pelos conflictos que d'elle podem emergir, desde que os productos de exportação de Portugal e Hespanha são identicos.

Tem crescido, embora lentamente, a exportação de vinhos generosos para a Noruega depois que com aquelle paiz celebrámos uma convenção commercial. Christiandsund é uma das praças norueguezas para onde temos mais commercio. Quero crer que se ali tivéssemos um consul portuguez o movimento commercial seria maior.

Devemos diligenciar por que sejam portuguezes os nossos consules, tanto quanto possivel, e quando não se possa conseguir isto, que ao menos os que representarem Portugal não representem simultaneamente outros paizes que teem generos de exportação iguaes aos nossos. (Apoiados).

Sr. Presidente: referindo estes factos - e não prosigo n'esta orientação, porque me não chega o tempo, nem desejo alongar-me mais,- eu quiz justificar a minha moção de ordem. Applaude ella o Governo pela attitude que assumiu em reduzir, quanto possivel, as despezas publicas, e appella para os partidos politicos para que num esforço commum augmentem a riqueza nacional.

Não basta equilibrar o orçamento. Ninguem discute que isso é indispensavel, porque não ha ninguem que não comprehenda que, emquanto o Estado vier ao mercado açambarcar os capitaes que a economia particular pode produzir, garantindo-lhes facil e commoda collocação, a industria, a agricultura e o commercio hão de resentir-se d'este estado de coisas extremamente exhaustivo da economia nacional. (Apoiados).

Isto não póde continuar assim. É esta phrase uma synthese pungente, mas pode tornar-se uma divisa gloriosa. Para tanto é mister que, no desejo do que isto não continue assim, não olhemos sómente para a reducção das despezas, embora seja preciso seguir por esse caminho, mas attendamos tambem e principalmente á criação das riquezas.

Sirvam-nos de lição os exemplos da historia.

Em 1834 estabeleceu-se definitivamente um Portugal o regimen representativo, e logo em 1836 rebenta, em nome da vida, nova, a revolução de setembro que leva aos conselhos da corôa Manuel Passos, a personificação insigne e egregia da vida nova. Reclamavam-na então a situação deploravel da fazenda, publica e o desequilibrio entre a recita e a despeza, que era de mais de 4.000:000$000 réis.

Fez-se uma dictadura, pautada pela inteireza dos principios liberaes, e marcou-se na historia moderna do nosso paiz, não ha duvida, uma epoca memoravel.

Comtudo, o grande caudilho da democracia, mais preoccupado com os principios liberaes, sentimental, apaixonado pelo movimento revolucionario de França, alargou a esphera das liberdades, e não eram as liberdades politicas que poderiam melhorar a situação do paiz; mas deixou a terra na escravidão, e deveria de ser a liberdade da terra protoplasma das outras liberdades.

Página 18

18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Assim, emquanto Passos Manuel na ancia de equilibrar o orçamento reduzia as despezas e limpava a arvore do Estado de plantas parasitas, pondo a esse serviço toda a cultura da sua intelligencia e toda a probidade do seu caracter, deixava de attender á necessaria transformação do regimen de propriedade, que nem a energia de Mousinho nem a audacia de Aguiar tinham realizado, e aos vicios de que enfermava o organismo fiscal d'esse tempo. Equilibrar o orçamento, reduzindo as despezas publicas, era o fito culminante, para que tendiam os esforços de Passos. As reformas politicas constituiam outro capitulo importante do seu programma.

E só isso não bastava.

Mousinho tinha esboçado um grande plano economico que era mister continuar. Não teve continuadores a obra do grande ministro do imperador; e foi por isso que o paiz não progrediu na sua riqueza.

Venderam-se bens nacionaes por papeis depreciados em desproveito do thesouro, o paiz foi arrastado para as luctas politicas que se travaram até 1851, feridas em nome de bysantinismos, em que se esgotavam os esforços e as intelligencias de todos, que antes deviam ser applicados ás grandes questões da economia nacional.

Ao invez do que se fizera em 1836, quando em nome do equilibrio do orçamento e das reformas politicas se inaugurou um periodo de esterilidade para a germinação de idéas que se traduzissem em grandes transformações sociaes, periodo anarchico, em que, os rancores politicos e as paixões pessoaes sobranceiros aos grandes interesses da patria, defalcaram homens que tinham de facto envergadura superior, o movimento da Regeneração, produzido por uma insurreição militar, não se afastou da linha visual das verdadeiras necessidades publicas. Produziu-se em todo o paiz um fremito unanime, reclamando que se acompanhasse a Europa nas evoluções do progresso moral, intellectual e material, e os homens que então assumiram a dictadura comprehenderam que errado caminho se tinha seguido até ahi na administração do paiz.

Não farei agora a apologia do movimento de progresso em todas as espheras da vida que a Regeneração imprimiu ao organismo debilitado da nação. Poderia ser inquinada de suspeitosa a minha apreciação, por militar eu hoje nas fileiras do partido que se afestoa com esses florões. Sobre factos tão conhecidos deixo á consciencia de todos reflectir e julgar.

Sómente direi que na historia do nosso paiz, ao instaurar-se o processo para se julgar a dictadura de 1852, a memoria dos homens que a assumiram, continuará a ser abençoada pela posteridade, como já a abençoam os nossos contemporaneos. (Muitos apoiados}.

E não é porque reduziram as despezas, mas porque criaram riquezas, que os homens da Regeneração merecem ser abençoados.

Commetteram erros os dictadores de 1852, não ha duvida. A parte executiva e administrativa do plano da Regeneração, que foi seguida por todos os homens que empunharam as redeas do governo, ainda mesmo por aquelles que combatiam as demasias com que esse plano era executado, não correspondeu integralmente ás necessidades da patria. A obra de fomento foi toda feita á custa do credito, alcaçar onde é facil ser-se admittido, mas de onde é mais difficil sair-se.

Esboçou-se um systema de imposto que se devera ter aperfeiçoado, mas até hoje permaneceu sempre nas mesmas linhas geraes, traçadas então. Abriram-se estradas, construiram-se caminhos de ferro e telegraphos, criaram-se es colas de instrucção technica, mas abandonou-se o trabalhe nacional, que não encontrava apoio na legislação do paiz nem nas altas regiões da administração. A propria agricultura que até 1855 tinha dado alguns symptomas de vida, a ponto de permittir uma exportação de trigo, embora insignificante, caiu rapidamente.

E assim o paiz, que se preparava para os grandes combates economicos, ia colher aos mercados estrangeiros dinheiro com que realisava os grandes melhoramentos intellectuaes e materiaes, e entregava o producto das suas economias e do proprio dinheiro que lá ia obter, para ter subsistencias do que se alimentasse, e tecidos com que se vestisse.

O Sr. Presidente: - Deu a hora; mas V. Exa. tem mais quinze minutos.

O Orador: - Muito agradecido a V. Exa. Eu vou concluir, e concluo pondo em relevo qual foi e tinha de ser necessariamente, a consequencia do estado economico do paiz, a despeito do muito que a Regeneração fizera a favor do fomento nacional. Continuou o deficit orçamental, e continuou outro deficit ainda peor, o deficit economico.

Assim quando o bispo de Vizeu entrou no poder a situação do paiz era realmente assustadora. Os encargos da divida publica tinham augmentado do 2.000:000$000 réis a 8.000:000$000 réis, e o deficit annual do orçamento era de cêrca de 7.000:000$000 réis.

O austero prelado, que só considerou a situação do paiz sob este aspecto financeiro, propoz-se a nivellar as despesas com as receitas.

Foi então que appareceu a larga ementa de restricções de despesas, desde a suppressão dos subsidios aos theatros até a expropriação dos bens da corôa; desde a reducção rigorosa na lista civil até o leilão dos diamantes da corôa, desde a reducção no numero e ordenados dos funccionarios publicos até a reducção nos effectivos do exercito a 16:000 ou 18:000 homens, para realizar só no exercito uma economia de 1.200:000$000 réis.

E no programma de reformas do ministerio do bispo de Vizeu não apparecia cousa alguma que tendesse a melhorar a situação economica do paiz, d'este paiz que entregava annualmente ás praças estrangeiras 3.000:000$000 réis para comprar trigo, e mais ll.000:000$000 réis ou 12.000:000$000 réis para adquirir outros generos e productos, de que carecia.

D'este modo nem se conseguiu o equilibrio do orçamento, nem o equilibrio economico; e ainda que o primeiro se tornasse uma realidade, as condições economicas do paiz não se modificariam sensivelmente se não se estudassem e resolvessem os problemas economicos, para os quaes poucos volviam as devidas attenções.

Sr. Presidente: que estes factos nos sirvam de lição, e que não julguemos que para felicidade do paiz basta equilibrar a despeza com a receita. É muito bom esse equilibrio, mas carecemos de fazer muito mais, e eu creio ter demonstrado isso sufficientemente. (Muitos apoiados.)

Remato por aqui as minhas considerações, mas desejo fazel-o appellando para a união dos partidos politicos, a fim de que de accordo e n'um bom plano de administração se resolva a questão financeira e economica por uma larga reforma de todo o systema economico e financeiro existente.

A grande, força dos partidos politicos está principalmente em saber auscultar as necessidades do paiz, e identificar-se com estas. Seguido este caminho, nós teremos naturalmente colhido os fructos do nosso trabalho.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

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