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Para pagarem o imposto de 10 por cento, não, que são pescadores, e os pescadores pagam só os 6 por cento; para pagarem o imposto de 6 por cento, não são pescadores, são industriaes, e querem então ser collectados nas suas localidades, aondem sabem muito bem que não pagam cousa nenhuma.

Eu entendo que cumpro o meu dever, e que só uma Lei declaratoria da Lei actual poderá acabar esta duvida do Sr. Deputado.

O Sr. Assis de Carvalho: - (Não restituiu o seu discurso).

O Sr. Presidente: - A Ordem do Dia para sexta feira é - em primeiro logar a continuação das Propostas dos Srs. Affonseca, e Rebello da Silva, e depois os Projectos n.ºs 34, 36, 37, 38, 35, 39 e 40 de 1850, e 43 de 1849, devendo comtudo preceder a qualquer discussão a do Parecer da Commissão Ecclesiastica, logo que estiver impresso e distribuido, assim como a das Commissões de Agricultura e de Commercio e Artes, sobre o Projecto n.° 17, a respeito dos cereaes, logo que fôr apresentado. Está levantada a Sessão. - Eram cinco horas da tarde.

O REDACTOR

JOSÉ DE CASTRO FREIRE DE MACEDO.

N.º 7. Sessão em 10 de Maio. 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 61 Srs. Deputados.

Abertura - Á meia hora depois do meio dia.

Acta - Approvada.

CORRESPONDENCIA.

OFFICIOS - 1.° Do Ministerio da Marinha e Ultramar, acompanhando uma Proposta de Lei para ser approvado o art. 6.° das condições que fazem parte do Decreto de 30 de Abril proximo passado, pelo qual artigo se estabelece a fórma do pagamento da total importancia do transporte dos presos, destacamentos, e passageiros do Estado, e de quaesquer objectos, que o Governo faça embarcar para Moçambique, a bordo da galera mercante Adamastor.

Declarada urgente, foi remettida á Commissão de Fazenda.

2.° - Do Ministerio da Fazenda, devolvendo com as informações que lhe foram pedidas, os Requerimentos do Presidente, e mais Membros da Commissão Administrativa da Misericordia da Villa de Almada, e da Irmandade de Nossa Senhora d'Assumpção, erecta no Castello da mesma Villa. - Para a Secretaria.

REPRESENTAÇÃO - Dirigida á Presidencia da Camara, em que a Camara Municipal de Lamego pede a continuação daquelle Bispado. - Á Commissão Ecclesiastica.

O Sr. Presidente: - Tenho a participar á Camara, que ha pouco se me apresentou uma Deputação composta de quatro respeitaveis Membros da Sociedade Promotora da Industria Nacional, e presidida pelo Sr. Visconde da Carreira, e me entregou uma Representação em nome da mesma Sociedade sobre objecto pendente, para que a Camara na sua alta sabeboria a tome na devida consideração. Ella diz respeito á Interpellação do Sr. Affonseca sobre os Pautas, que se verificou na Sessão de 27 de Abril ultimo, e contém varias considerações, todas em lingoagem propria, no destino de concluir e pedir que a Camara considere a conveniencia de que as Pautas se mantenham como expressão do systema protector, bem como de fazer ver a indispensavel necessidade de não proceder á alteração das Pautas sem ter ouvido por consultas, ou inqueritos todos os interesses que se cruzam ou se ligam nos differentes actos da producção fabril (Muitos apoiados). Tendo-se-me apresentado esta Representação pela Deputação presidida pelo distincto Sr. Visconde da Carreira, e composta dos illustres Srs. Barão de Alcochete, Ribeiro de Sá, e Proprietario da importante fabrica de algodões de Alcantara, e por este modo para tornar mais solemne o acto da apresentação, não podia eu deixar de fazer esta exposição á Camara, nem sei mesmo se quer, vista a importancia do objecto, e haver sobre elle questão pendente, que se leia a Representação (Muitos apoiados.).

Leu-se a Representação.

O Sr. Presidente: - (Continuando) Esta Representação fica sobre a Meza para ser considerada durante a discussão das Propostas dos Srs. Affonseca, e Rebello da Silva, e vai depois disto remettida ás Commissões de Commercio e Artes, e de Fazenda, para a tomarem na devida consideração.

O Sr. Agostinho Albano: - Mando para a Meza duas Representações, cada um dellas assignada por mais de 40 cidadãos: a primeira é dos possuidores de guias de bagageiros, e do fornecimento ao Exercito de 1846 a 1847; a segunda é tambem dos possuidores de credito de quinzenas, que pedem providencias ácerca dos recibos do mez de Setembro de 1847, e quinzenas de 1847 e de 1848. - Para seguirem os termos regulares

O Sr. Xavier da Silva: - Mando para a Meza duas Propostas (Leu) da primeira peço a urgencia, e da segunda não ha pressa.

1.ª PROPOSTA - "Proponho que a Camara resolva:

1.° - Se o Governo póde mandar reunir um Collegio eleitoral para proceder a nova eleição, a fim de preencher a vacatura de um Sr. Deputado, sem que esta Camara tenha declarado esta Cadeira vaga, e tenha resolvido que não procede a nova eleição.

2.º - Se as disposições do § unico do art. 117 da Lei eleitoral de 12 d'Agosto de 1847, são applicaveis a todos os casos de que possam resultar vacaturas por fallecimento - por ter sido nomeado Ministro de Estado ou Conselheiro de Estado - e finalmente pela desistencia de um Sr. Deputado - Xavier da Silva.

Foi declarada urgente.

O Sr. Presidente: - Esta Proposta que o Sr. Xavier da Silva apresentou, deve ir e vai á Commissão de Legislação, para dar o seu Parecer sobre ella.

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A outra Proposta ficou para segunda leitura - E se transcreverá quando a tiver.

O Sr. Affonseca: - Sr. Presidente, pedia a V. Exa. o favor de me dar a palavra quando estiver presente o Sr. Ministro da Marinha para fazer algumas reflexões que dizem respeito á sua Repartição.

O Sr. Previdente: - Digo ao Sr. Deputado que só se póde fazer por meio de Interpellação o que o Sr. Deputado quer; por tanto se lha quer fazer, mande a sua nota para a Mesa, para seguir os tramites do Regimento.

O Sr. Passos Pimentel: - Vou mandar para a Mesa uma Representação dos moradores da Freguezia de S. João da Foz do Douro, pedindo que a sua povoação se eleve a Concelho, e se desannexe do Concelho do Porto. Sr. Presidente, não sendo agora a occasião mais propria para entrar no conhecimento do Requerimento, devo comtudo notar que traz assignaturas muito respeitaveis, e vem assignado pela quasi totalidade dos moradores daquella povoação. Esta Freguezia já foi Couto sendo de menor importancia do que é hoje, porque muito tem augmentado pela grande concorrencia de gente que alli se ajunta a tomar banhos, principalmente da cidade do Porto e mais Provincias do Reino; mas tambem se deve attender a que os signatarios tem prestado importantissimos serviços para o restabelecimento do Throno da Senhora Dona Maria II e da Carta.

Peço que a Representação siga os termos marcados pelo Regimento, e que a Commissão a que fôr dirigida, não demore o seu Parecer. - Para seguir os termos regulares.

O Sr. Costa Xavier: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Forjaz encarregou-me de participar á Camara, que não podia comparecer á Sessão de hoje por incommodo de saude.

O Sr. Honorato Ferreira: - Mando para a Mesa 4 Representações das Camaras Municipaes de Melgaço, Coura, Valladares, e Ponte da Barca que pedem a approvação do Projecto n.° 17, para favorecer a exportação dos nossos cereaes. - Para seguir os termos regulares.

O Sr. Silva Cabral: - As Auctoridades Administrativas do Concelho de Fermedo, desde a Camara Municipal até á Junta de Parochia, e Proprietarios representam a esta Camara contra o Decreto de 13 de Setembro de 1848 que annexou aquelle Concelho, na parte administrativa, ao Concelho de Arouca: pedem que revogado aquelle Decreto, este Concelho seja estabelecido sobre si, como era até alli; e além disso que se crie para elle um Juiz de Direito. Parece-me que esta Representação pelos documentos que envolve, deve merecer toda a attenção da Camara; e peço que vá á Commissão da Estatistica para dar o seu Parecer. - Para seguir os termos regulares.

O Sr. Assis de Carvalho: - Sr. Presidente, mando para a Mesa 2 Representações de differentes cidadãos da cidade de Evora, a primeira dos cessionarios de creditos devidos aos Egressos do Districto de Evora, pedindo providencias legislativas para que, os recibos destes desde Novembro de 1843 até Junho de 1845 entrem no Fundo Especial de Amortisação, recebendo os competentes titulos em troca delles; e a segunda pedindo tambem providencias legislativas para que os recibos dos Egressos ultimamente em divida, sejam pagos devidamente. - Para seguir os termos regulares.

O Sr. Palmeirim: - Sr. Presidente, quando se discutiu o Projecto n.° 26, tomei eu a palavra na sua generalidade, e pedi ao Sr. Ministro da Fazenda que tivesse a bondade de declarar as intenções do Governo ácerca da sorte reservada aos possuidores de titulos regulares, e doutros titulos e quinzenas. Não mereci então de S. Exa. resposta á pergunta que lhe fiz; e sendo por essa occasião mandadas para a Mesa duas Propostas, uma do Sr. Deputado Pereira de Mello, e outra do Sr. Deputado Augusto Xavier da Silva, que foram remettidas á Commissão de Fazenda, pedi eu a palavra para fallar a respeito da materia dellas, porém a Camara na sua sabedoria julgou a materia exhausta e sufficientemente discutida, e por isso não pude fallar. Eu, Sr. Presidente, tenho toda a confiança no cavalheirismo do Sr. Ministro da Fazenda; e se a sua palavra como Cavalheiro me bastasse, estava satisfeito, porque S. Exa. disse que havia de ser apresentada a esta Camara uma Proposta especial para o pagamento dessa divida; mas a questão é outra; S. Exa. cessa de figurar como individuo porque é Membro do Governo, e as promessas do Governo nesta Camara já mais de uma vez se tem provado deficientes, e não obstante S. Exa. declarar tambem no seu Relatorio que o Governo se compromettia a fazer uma Proposta ácerca daquella divida, como os Relatorios dos Srs. Ministros não nos obrigam a sermos credulos, e sabemos que as palavras, no correr da discussão, não valem muito; desejando eu que com este negocio se tenha mais algum cuidado, e que se ratifique na Camara esta promessa do Governo para que quanto antes se satisfaçam aquellas dividas, e entendendo que com isto não irrogo uma censura aquelle illustre Cavalheiro que possue a Pasta da Fazenda, por isso mando para a Mesa a seguinte Proposta (Leu).

Ficou para segunda leitura - E se transcreverá quando a tiver.

SEGUNDAS LEITURAS.

N.° 41 D. - Senhores: Tendo a experiencia mostrado a necessidade de se reformar o art. 8.° do Decreto de 13 de Agosto de 1839, em que se ordena, que a Mesa Administrativa da Real Casa de Nossa Senhora da Nazareth não possa dar dinheiro a juro sem prévia e expressa auctorisação Regia, a qual para se obter demanda a despeza demais de 30$000 réis, tenho a honra de offerecer á Commissão o seguinte

PROJECTO DE LEI. - Artigo 1.º A Mesa Administrativa da Real Casa de Nossa Senhora da Nasareth poderá dar dinheiro a juro unicamente até a quantia de 100$000 réis, precedendo hypotheca, fiança idonea, e prévia e expressa licença do respectivo Governador Civil em Conselho de Districto, a qual licença será gratuita.

Art. 2.° Ficam revogadas as disposições do art. 8.º do Decreto de 13 de Agosto de 1839, na parte que se oppuzer ao art. 1.° deste Projecto. Sala da Camara dos Srs. Deputados, 7 de Maio de 1850. - João Pereira Crespo.

Foi admittido - E remetteu-se à Commissão de Administração Publica, ouvida a de Misericordias.

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ORDEM DO DIA.

Continua a discussão da Proposta do Sr. Affonseca.

O Sr. Presidente: - Quando se discutia na penultima Sessão a Proposta do Sr. Affonseca, o Sr. Rebello da Silva, por occasião de quasi se fechar a Sessão, mandou para a Mesa uma Proposta que foi admittida, mas não classificada. Agora é classificada como Emenda, e fica em discussão com a Proposta do Sr. Affonseca. - (Vid. Sessão de 7 deste mez).

O Sr. Costa Lobo: - Sr. Presidente, entro com bastante infelicidade nesta quentão; o ter ella sido interrompida de muitos dias, e precedido Oradores de abalisados conhecimentos tornam a minha situação muito difficil. A natureza da questão, a gravidade della, que é sem duvida nenhuma, uma das questões mais graves que podem ser presentes ao Parlamento, tolhem-me a palavra, e escurecem-me o espirito. Eu tenho incerteza, os meus principios e raciocinios não são bastante claros; eu não posso dizer mesmo que tenho uma opinião firme, isto é, o resultado concludente das minhas meditações; no entretanto apresento essa mesma incerteza, essas mesmas razões, e a Camara pesando-as em sua alta sabedoria fará á vista dellas o que entender mais justo.

Sr. Presidente, o illustre Deputado pela Ilha da Madeira começou esta questão por meio de uma Interpellação, e S. Sa. não me levará a mal que diga que, foi tanto além das suas expressões que fez mal a causa que quiz advogar; eu mesmo, quando fallei já ácerca deste objecto, um pouco estava como resentido das expressões e significação dellas soltadas por S. Sa., porque tendo um coração Portuguez não pude ouvir a sangue frio essas expressões que no meu entender não estavam muito conformes com a verdade; mas é certo que algumas das suas idéas tambem ou as partilho; mas não no sentido tão lato como S. Sa. as apresentou.

S. Sa. pediu que esta Camara, nomeasse uma Commissão que examinasse as Pautas, e addicionou esta sua Proposta querendo que esta Commissão, tivesse o caracter de Inquerito para que podesse ouvir todas as pessoas interessadas, e que estivessem no caso de poder prestar todos os esclarecimentos convenientes para formar o seu raciocinio. Esta Proposta foi modificada por outra do Sr. Deputado Rebello da Silva.

Tudo isto trouxe ao campo da discussão toda a grande questão sobre liberdade do commercio, direitos protectores, e direitos prohibitivos. O illustre Deputado por Cabo Verde disse que nada havia de absoluto em Economia Politica; eu tambem partilho essa idéa, e o mesmo grande economista João Baptista. Say diz que não ha nada absoluto em Economia Politica, mas um celebre Expositor a este Economista diz que ha principios invariaveis e absolutos dos quaes se podem tirar rigorosas consequencias, mas accrescenta a isto, - que os Governos teem estabelecido tais entorpecimentos que não é possivel leval-os por diante. Em these, Sr. Presidente, parece-me que nenhum dos Srs. Deputados póde deixar de ser de opinião que a liberdade de commercio é um meio de felicidade para os povos; assim como a liberdade civil e politica é o meio de afiançar a felicidade social; assim a liberdade do commercio é um meio de viver commodamente, circumstancia essencial para essa mesma felicidade e de feito não seria muito feliz o homem que gosando da liberdade tivesse de soffrer as intemperies do tempo, falta de alimentos etc. Portanto, tanto a liberdade civil e politica como a liberdade commercial são meios de que a sociedade carece para a sua felicidade; não é o seu fim, que esse é o existir bem, é sim um meio para conseguir esse fim, o existir bem, mas tudo isto tem limites; se nós quizessemos collocar em competencia n'um combate um homem armado com outro desarmado, um homem com armas de bôa tempera com outro que as não tivesse, o homem desarmado seria, sem duvida nenhuma, victima; se nós quizessemos competir com nações que tem conseguido por meio de machinas centuplicar as forças do homem, se quizessemos estabelecer esta liberdade absoluta de commercio, e collocarmo-nos em competencia com essas nações mais adiantadas, haviamos por força de ser victimas, e em pouco tempo esse ramo de industria que começa a prosperar entre nós, acabaria; por consequencia, ainda que eu estabeleço os principios que sigo, e que estou certo de que muitos dos illustres Deputados seguem tambem, e que em these são verdadeiros, elles não podem com tudo ser geralmente applicados; e digo mais, muitas vezes são mais uma these academica do que um principio pratico. Mas eu não hei de concluir, nem por tanta liberdade como o illustre Deputado pela Madeira pareceu querer, nem tambem por tanta protecção, como talvez suppondo mal, me pareceu que devia duduzir dos argumentos apresentados pelo illustre Deputado por Cabo Verde; e permitta-me S. Sa. que eu lhe diga do coração, que sinto - S. Sa. tenha apresentado principios de uma protecção tão extensa; desejo ter-me illudido, porque considero o illustre Deputado de talentos tão superiores, que de certo lhe é devido um logar eminente na sociedade, e por isso receio que se S. Sa. continuar a presistir em taes principios, possa algum dia da adopção desses principios vir algum mal para a nossa Patria; eu quero pois que S. Sa. veja a sangue frio os meus argumentos, e que sem preoccupação algum, e pensando bem faça a analiso que espero que ha de fazer, destes meus argumentos, nos quaes se não ha de achar senão a verdade: e desta analise venha a adoptar principios diversos.

Sr. Presidente, seguindo quasi inteiramente as idéas do illustre Deputado por Vizeu, o seu discurso me servirá de egide que me sustentará. Sr. Presidente, quererei que a industria fabril seja protegida? Quero de certo; mas como determinar esta protecção, sem prejuiso das outras industrias? Aqui é que vem a difficuldade, e é que póde haver discordancia. Os illustres Deputados sabem que ha direitos protectores, direitos fiscaes, e direitos prohibitivos, e tudo que vai além de direitos fiscaes, ou de receita para o Thesouro, são direitos protectores sim, mas são um beneficio concedido a favor de uma industria com prejuiso das outras. Se considerarmos que as Alfandegas de Lisboa, Porto e Sete Casas em um anno dado renderam 4:800 contos de réis, se discriminarmos desta quantia o rendimento das Sete Casas - 800 contos - ficam 4:000 contos das duas Alfandegas Lisboa e Porto; se metade desta cifra fôr considerada como direitos fiscaes, a outra metade só o póde ser como direitos protectores, e como tal irá recair nas outras industrias, tendo em vista que a esta somma deverá ser ainda accrescentada a differença pelo maior pre-

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ço do que é fabricado no Paiz; por consequencia estes 2:000 contos vem a recair sobre a industria agricola a favor da industria fabril, se apenas houvera estas duas industrias. Já vemos por consequencia que devemos ser muito cautelosos quando queremos proteger uma industria, por isso que o vamos fazer á custa das outras. Mas eu quero que se faça este sacrificio; eu tenho todo o empenho na felicidade do meu Paiz, admitto mesmo esses sacrificios, mas se esses direitos forem taes que nem vão em proveito da industria fabril nem do Thesouro como receita, mas em proveito do contrabando, isso é que eu quero evitar. E de facto muitas cousas assim são; ha muitos direitos nas Pautas que em vez de serem em beneficio das industrias que por elles se querem proteger, ou da receita para o Thesouro, só servem para favorecer o contrabando. Isto é tão verdade que artigos ha que sendo consumidos em grande escala no Paiz não são despachados nas Alfandegas, e por consequencia, nem o Governo recebe esses direitos, nem as industrias ganham com isso, antes perdem muito. Eu vou dizer alguns dos artigos só para exclarecimentos desta verdade (Leu).

Se o Sr. Ministro da Fazenda mandar examinar a porção de botões de madre perola, que tinha sido despachada na Alfandega ha um certo tempo, por exemplo, achará pouco mais de zero: e no entanto elles consomem-se no Paiz.

Então a quem aproveitam estes direitos, que passam a ser prohibitivos? Para quem é a utilidade dos direitos excessivos que são marcados na Pauta? A utilidade é para o contrabandista que introduz os objectos sem pagar direitos (Apoiados). Os lenços de seda, por exemplo, tudo está cheio delles, e muito poucos são despachados na Alfandega. Será isto protecção para a industria nacional? De certo que não. Se examinarmos varios artigos da Pauta, veremos que os direitos com que são collectados, não é um direito protector, mas sim um direito prohibitivo; e então a classe fabril, que tem como nós um coração Portuguez, e que dezeja o bem da sua Patria, não póde querer que as Pautas continuem da fórma que estão (Apoiados).

Eu disse que queria proteger a industria fabril, que queria fazer todos os sacrificios em seu favor; mas o que não posso é admittir o interesse do contrabandista, sem resultar nem o interesse da Fazenda, nem o interesse dos particulares. Pensa-se que a industria vinicola está em guerra aberta com a industria fabril; e faz-se nisto uma grande injustiça (Apoiados).

A industria vinicola é muito importante para o Paiz; no districto do Douro, um quadrilongo espaço de 6 leguas de comprido e 2 de base apresenta uma producção de perto de 100 mil pipas de vinho; o terreno que produz estas 100 mil, n'outro tempo, avaliado em 4:00 mil por cada pipa de vinho que produzia, e ainda hoje em 300 mil por cada pipa, demonstra um capital de 30 mil contos: e se juntarmos a isto a quantidade de vinhos velhos em ser, os armazens, o vazilhame e o dinheiro para costear este commercio, não serei muito exaggerado se disser, que alli estão capitaes de 60 mil contos. Pergunto, que favor é dado a esta industria? Nenhum. Pois ella tambem tinha direito de pedir algum favor, e estava no caso de o obter; em casos taes a protecção é admittida pelos Economistas que mais professam a liberdade commercial; Adam Smith, por exemplo, diz - Quando ha uma industria que envolve grandes capitaes, e dá que fazer a muitos braços, não deve esta industria ser destruida para proteger e beneficiar outras; os direitos protectores devem continuar lentamente até que possa tornar-se desnecessario qualquer favor.

Disse o nobre Deputado pela Madeira, que esta lavoura é muito favorecida, porque recebe do Estado 150 contos: ora eu direi ao illustre Deputado, sem attender aos contractos que existem, que estes 150 contos não são recebidos se não dos direitos que o vinho paga na sua saida: sem isto o nobre Deputado não havia nem podia querer que o vinho pagasse perto de 15$000 réis em cada pipa no acto da exportação para não acontecer como acontecia em França no seculo 13.°, que era prohibida a exportação, pensando-se que ella empobrecia a Nação, e por estes principios apenas como graça do Soberano era permittido exportar qualquer artigo; e fóra desta graça, os direitos a que eram sujeitos os generos exportados, eram considerados como indemnisação á sociedade da perda que a ella vinha dessa exportação.

Mas, Sr. Presidente, esta industria, a lavoura do Douro não pede protecção á custa das outras industrias; digo mais, até não tenho visto que representasse pedindo um Tractado com a Gram Bretanha, o seu primeiro consumidor; mas se o fizesse, estava no seu direito, e tinha razão para isto. Com tudo não tem apparecido representação alguma neste sentido, não obstante este commercio ter tido grandes soffrimentos, quando por varias vezes se tem apresentado a idéa de se fazer um Tractado com a Gram Bretanha, e que não se tem levado a effeito.

Em 842 depois do Tractado de 3 de Julho feito com a Inglaterra, n'uma das estipulações do qual os dois Governos se obrigavam reciprocamente a reverem as suas Pautas, o commercio parou na espectativa dessa redacção, e a exportação do vinho do Porto baixou a metade nesse anno, em consequencia do que aquella industria teve um grande prejuizo; mas supponhamos que o Douro não podia viver sem um Tractado com a Inglaterra, deviamos por isso sacrificar tudo? Não, Senhor: direi mesmo que o Tractado de Methuen feito com a Inglaterra não produziu tantas vantagens quantas os defensores daquelle Tractado quizeram apresentar, mas alguma utilidade deu ao Douro. Vou mostrar a verdade desta minha asserção (Leu).

De facto a exportação cresceu 300 porcento: mas tendo eu feito outro calculo 10 annos antes do Tractado, e 10 annos depois do Tractado, ainda assim houve um augmento de 200 por cento; quer dizer, que dobrou, mas não triplicou: mas póde haver outra interpretação, e é ella, quando se fez o Tractado, o gasto dos nossos vinhos ia em agmento, na Inglaterra, por isso ainda que tal Tractado não tivera sido feito, o augmento da exportação sempre se teria verificado. Admitto mesmo essa conclusão, não me opponho a ella.

Examinemos pois o Tractado de M... com relação á industria Portugueza que é o ponto principal. A nossa industria acabou em virtude do Tractado de Methuen! Não, Senhor. A industria Portugueza. acabou com a occupação do Reino visinho, e antes disso com as nossas descobertas da Asia e America; nós trazendo dalli dinheiro, deixamos todas as outras

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industrias, porque julgavamos que aquella fonte de riqueza era permanente. Assim se arruinou a nossa industria; mas esta reviveu no tempo do Marquez de Pombal; e o Tractado de Methuen estava em vigor. Este homem celebre seguiu a mesma regra que Colbert - a de protecção - fez mais ainda; assim como Chaptal mandou buscar um celebre fabricante para que ensinasse os seus,... assim fez tambem o Marquez de Pombal, mandou buscar homens de todas as Artes e Sciencias para que as ensinassem em Portugal. A industria cresceu no seu tempo, e cresceu sem os direitos protectores, e excessivos com que hoje é protegida a nossa industria; e cresceu esta industria não obstante os Tractados com a Inglaterra, que estavam em vigor, nem pelo Marquez de Pombal foram jámais derogados; vigorava o Tractado de Methuen, e muitos outros em antes deste, se bem que elles tinham principalmente por fim as garantias e immunidades para os subditos Britannicos. Por conseguinte a industria progrediu no tempo daquelle homem celebre, que soube provêr a todos os ramos de riqueza e prosperidade publica: mas em seguida á guerra da Independencia veio o Tractado de 1810. Este Tractado inteiramente minou, junto ás desgraças de uma guerra prolongada, de todo anniquillou a nossa industria: as fabricas que existiam no Paiz foram queimadas e inutilisadas, e os capitaes desappareceram; como era possivel poder reedificar depois aquelles Estabelecimentos? Nesse tempo as outras Nações tinham avançado muito mais em industria; e nós tinhamos muito mais difficuldade para poder competir com essas Nações. Eu não quero a industria agricola sacrificada, assim como tambem não quero oppôr-me a tudo aquillo que possa trazer a prosperidade á industria fabril Se alguem me pergunta, queres favorecer a industria, a minha resposta é prompta; todas as Nações a crearam com sacrificios; a Inglaterra deu-nos exemplo disso, ella chegou, por determinação do Parlamento em 1678, a determinar que até os mortos fossem enterrados, envolvidos n'um estofo de lã; o que por epigramma era traduzido, não basta a acção do Parlamento sobre os vivos, tambem é necessario entende-la aos mortos?!! E chegou tempo em que ella não precisa de protecção alguma, como é actualmente.

Mas, Sr. Presidente, se por ventura eu estou de accôrdo em que se dê toda a protecção á industria fabril, como já disse, não quero que se proteja falsamente, isto é sustentando-se a Pauta como está, quer dizer favorecendo-se o contrabando, é isso que eu não quero (Apoiados).

Sr. Presidente, se esta discussão fosse encetada aqui na Camara seis mezes antes, diria eu então - devem ser conservados aquelles direitos que dando favor á industria do Paiz o não dão aos contrabandistas, di-lo-ia seis mezes antes: mas hoje, Sr. Presidente, hoje! Deu-se um grande acontecimento!! Eu entendia que a classe agricola devia ter patriotismo bastante para se sujeitar ao peso que se lhe seguia deste favor á industria fabril, na esperança de que augmentavam os consumidores, e que havia de receber auxilio dos capitaes que lhe trouxesse essa mesma industria fabril; ha seis mezes contentar-me-ia com isto, não iria mais adiante no meu discurso, não passaria daqui; mas houve um grande acontecimento, disse eu, e é forçoso por isso ir além daquillo que eu tenho dicto; ha um facto de grandes e largas dimensões que nos inutilisa todos os nossos esforços, se quizermos sustentar as Pautas como estão; este facto é a admissão das fazendas Inglezas em Hespanha (Apoiados). Que importa que nós conservemos direitos elevados para favorecer a nossa industria fabril, se de todas as partes podemos ser invadidos pelo contrabando? Quem poderia estorvar e fechar a entrada ao contrabando entre nós, se a Hespanha tendo um acampamento ao pé de Gibraltar, tendo constantemente tropas ácerca de Gibraltar, um milhão libras esterlinas todos os annos em fazendas é exportado da Grã-Bretanha para aquella praça, e dalli introduzidas na sua maxima parte em Hespanha! E hoje em vista da admissão das suas fazendas, onde haverá que não possam ser introduzidas!! Em vista disto como poderemos nos estorvar que o contrabando nos entre no Paiz, e por toda a parte? Eu não direi: nem façamos um Tractado com a Grã-Bretanha diminuindo os direito, o avançando adiante de Hespanha, nem pensemos, no systema da união das Alfandegas da Confederação Germanica; não direi nada a este respeito, ao Governo cumpre meditar nisso: entendo mesmo que é dever meu não encetar aqui uma discussão sobre este ponto; mas se fecharmos os olhos, se esquecer tudo, avanço eu, nós não teremos barreiras que cheguem para estorvar o contrabando.

Eu, Sr. Presidente, quando vi uma Representação de Fabricantes, refiro-me á Covilhã, que queriam por suas proprias forças estorvar o contrabando, pareceu-me que tinham reflectido bem pouco. Pois podiam acazo estorvar o contrabando, pondo um cordão de guardas em toda a raia? Não lhes era possivel, não o pode fazer o Governo que dispõe da fôrça publica, como o podiam fazer os particulares? Quanto ás Pautas? Ellas podem estorvar que os pannos venham de Inglaterra, mas não que venham de Hespanha.

Sr. Presidente, nós temos de vender os nossos productos, e vende-mo-los já na importancia de uma grande cifra, e tanto que acabamos de ver ha poucos dias nas Estatisticas do anno de 43, que a nossa exportação, e reexportação sommava 9:000 contos, assim como tambem vimos que a importação sommava hoje 1:000 contos; de maneira que temos exportado valores avultados, cuja maxima parte são productos agricolas; mas nós devemos ver, que nós não podermos exportar esses valores, se acazo não importarmos. O Sr. Deputado pela Estremadura sabe melhor que eu, que Nação nenhuma compra, senão recebendo, não ha senão uma verdadeira permutação, o metal circulante é o intermedio, mas a operação verifica-se sempre pela permutação; se nós não exportarmos para Inglaterra, a Inglaterra não importa no nosso Paiz, porque são os generos que pagam os outros generos, o dinheiro é uma fiança da effectiva troca de especie por especie; se nós não mandassemos para ali os nossos generos, e se nós não recebessemos os generos Inglezes o commercio acabava entre as duas Nações; se não recebessemos os generos Inglezes, elles não poderiam comprar o nosso vinho, nem as nossas laranjas: está nos interesses da Inglaterra o comprar os nossos generos por muitas razões, e em consequencia de razões politicas, assim como tambem porque são os nossos principaes credores; mas é certo que no mesmo momento em que a Inglaterra deixasse de comprar os nossos generos, Inglaterra que é o nosso primeiro consumidor,

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a nossa industria agricola cairia completamente, e principiando pelo Douro, que ainda hoje traz ao Paiz 3:000 contos da sua exportação, cairia repentinamente.

Por conseguinte, digo eu - Nós temos muito interesse em que a nossa industria fabril não caia, mas temos muito interesse tambem em que a nossa Industria Agricola não caia, e se a nossa Industria Agricola caisse de todo, então nem Industria Fabril, nem cousa nenhuma; de maneira que assim como a Industria Agricola deve fazer sacrificios para adiantar e sustentar a Fabril, que lhe póde crear consumidores, vice-versa a Industria Fabril tambem precisa attender á Agricola.

Pareceu-me fazer estas reflexões para ratificar as minhas idéas em uma questão de tanta importancia.

Sr. Presidente, direi ainda uma cousa. Um celebre Ministro Inglez, fallando na Camara dos Communs em 1824, dizia - O monopolio tudo mata, tira todos os meios de aperfeiçoar, porque com a certeza que tem o productor, de que os seus generos hão de ser consumidos, não se esmera em melhorar a qualidade delles. Mas entenda-se bem, que eu não quero estas idéas ainda practicadas no nosso Paiz. Eu principiei por dizer - façamos quantos sacrificios seja necessario fazer para sustentar a Industria Fabril, mas que não sejam sacrificios improductivos e ruinosos: eu disse que seis mezes antes da época actual não passaria daqui, pediria só que os direitos prohibitivos fossem supprimidos, hoje depois do grande acontecimento a que me referi, digo que deixo isso à consideração da Camara, do Governo, e dos homens intelligentes do Paiz.

Mas, Sr. Presidente, á vista de tudo o que eu tenho feito parecerá cousa extravagante dizer eu, que voto contra a Commissão; mas porque voto eu contra a Commissão? Perdoe-me a Camara, não ha aqui especialidades bastantes, a quem possamos commetter o exame dos objectos em questão; a Camara composta de Deputados das Provincias, estando proxima a encerrar-se, e de ir cada um para suas casas, muitos já teem este desejo, não póde deixar de ver, que esta questão commettida a uma Commissão sua, vem a ficar em perfeito esquecimento; não vê mesmo o illustre Deputado, que essa Commissão da Camara não tem os mesmos meios á sua disposição, que tem o Governo para proceder a todos os exames necessarios? Ora eis-aqui a razão porque voto e contra a Commissão.

Mas, digo mais, o Governo se não fizer senão o que tem feito até aqui, não conseguirá cousa alguma, porque até aqui não tem feito nada (Apoiado). Digo mais, é preciso que o Governo se desengane; na Capital ha homens distinctissimos; mas aqui a attenção sobre Politica, sobre o commercio de Papeis absorve a consideração de todos; é necessario ouvir os Commerciantes das Provincias tambem; se o Governo escutar a Associação. Commercial do Porto, e a Mercantil de Lisboa, ha de achar trabalhos feitos, aonde todas as cousas, por mais minuciosas, que sejam, hão de ser bem consideradas; mas nós, Camara dos Deputados, delegarmos alguns de nós para esses trabalhos, quando a Sessão está para ser encerrada, e sem meios nenhuns ao seu alcance, não é possivel conseguirmos o que desejamos. Como posso eu nestas circumstancias commetter este negocio a uma Commissão da Camara? Não é possivel. Por isso não só voto contra a Commissão, mas declaro ao Governo, que se não fizer mais alguma cousa, não terá feito nada.

Por esta simples razão eu voto contra a nomeação da Commissão, porque julgo que o Governo póde fazer na questão sujeita muitos mais serviços por si, do que os que esta Commissão ha de fazer. Aqui não me é licito rogar á Imprensa, porque se o fosse, eu lhe pediria que tractasse desta questão; nas questões politicas muitos recursos se offerecem para evitar os males consequentes de uma revolução, uma Lei póde a maior parte das vezes ser remediada com a sua emenda, interpretação, ou derogação, mas as questões de interesse material, e desta magnitude quando perdidas uma vez não é possivel remediarem-se. Eu espero pois que a Imprensa, que tem tantos homens tão talentosos e distinctos, tractará desta questão a mais grave que póde vir ao Parlamento. Muito, Sr. Presidente, tinha mais a dizer, as forças porém me faltam, não posso mais, e por isso termino aqui.

O Sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra sobre a ordem, porque tenciono mandar para a Mesa uma Proposta, que julgo indispensavel motivar, porque é a que determina a natureza do voto que hei de dar sobre a moção que está na Mesa.

Sr. Presidente, não posso approvar a nomeação de uma Commissão de Inquerito, que tem por fim examinar as circumstancias dos diversos ramos da nossa producção, senão estabelecendo a condição de que o Governo não fica desobrigado de apresentar quanto antes a esta Camara medidas, que é urgente apresentar. Eis-aqui a Proposta que eu julgo indispensavel motivar antes de a manejar para a Mesa.

Desgraçadamente ha desconfiança em relação ás posições que occupamos na Camara; estamos pouco dispostos a ter plena confiança, e dar plena approvação ás idéas dos individuos que não commungam nas nossas idéas politicas; mas é indispensavel em certas occasiões pôr de parte essas idéas, porque os factos clamam ás vezes tão alto que não é possivel deixar de attender ao seu brado. Ninguem desconhece que é indispensavel fazer alguma cousa, e que nada se tem feito.

O Sr. Presidente: - Eu advirto ao Sr. Deputado que não póde agora fundamentar a sua Proposta.

O Orador: - Parece-me que o Regimento me dá esse direito.

O Sr. Presidente: - O Regimento dá o direito de mandar para a Mesa a Proposta, não o de a fundamentar.

O Orador: - Não insisto, mas digo que julgo ter no Regimento esse direito, e nos precedentes está elle consignado.

O Sr. Presidente: - Nem o Regimento nem os precedentes estabelecem que qualquer Sr. Deputado no meio da discussão peça a palavra sobre a ordem para mandar para a Mesa uma Proposta, e a fundamente, servindo-se desse meio para tirar a palavra aos outros Senhores que estão inscriptos.

O Orador: - Permitta-me V. Exa. duas palavras: nesta Camara, um illustre Deputado ligado a V. Exa. por meio de relações muito intimas pediu a palavra sobre a ordem em uma circumstancia muito notavel, e antes de mandar a sua Proposta para a Mesa motivou-a largamente, e V. Exa. não o chamou á ordem. No entanto, como V. Exa. entende

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que não me deve conceder a mim o mesmo direito, eu mando a Proposta.

O Sr. Presidente: - Não o póde fazer agora; mande a sua Proposta, e em occasião opportuna a motivará.

O Orador: - V. Exa. diz que ha Deputados inscriptos antes de mim, e que eu lhe queria assim tirar a palavra; permitta-me lhe diga não é isso exacto; os Deputados que estão inscriptos antes de mim já tiveram a palavra, e já fallaram, alguns até duas vezes, e além disso teem uma garantia que eu não tenho, porque hão de ter occasião de fallar e de serem ouvidos, e a mim não me ha de chegar a palavra; no entanto V. Exa. entende que me não deve conceder este direito, quando eu podia citar muitos precedentes desta natureza; eu cedo e mando a minha Proposta para a Mesa (Leu).

Eu julgava indispensavel dizer quaes eram esses inconvenientes, não mo deixam fazer, não o faço.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado veiu vêr á Mesa a inscripção, e naturalmente temendo que lhe não chegasse a palavra sobre a materia, quiz servir-se do meio de a pedir sobre a ordem para fallar sobre a materia; mas o Regimento não lhe permitte isso, nem ha os precedentes que o Sr. Deputado diz. Se alguma vez aconteceu isso, o Sr. Deputado tinha direito e dever, nessa occasião, de chamar a ordem o Deputado que estivesse fallando fóra della. Vai-se-lêr a Proposta.

EMENDA. - "Proponho que a nomeação de uma Commissão de Inquerito sobre os differentes ramos da producção nacional, se considere sem prejuiso da necessidade urgente de o Governo apresentar os meios de obviar aos actuaes inconvenientes da nossa constituição economica." - Carlos Bento.

O Sr. Presidente: - Esta Proposta importa uma declaração que não está prevenida no Regimento, mas considerada como uma limitação ás Propostas anteriores ficará considerada como Emenda, e ha de votar-se no logar competente. Nestes termos continua a discussão sobre todas as tres Propostas que foram admittidas.

O Sr. Agostinho Albano: - Congratulo-me com o illustre Deputado pela Madeira por trazer esta questão á discussão nas alturas da Sessão em que nos achamos; a importancia della é de tal ordem, que não póde deixar de ser tractada, como tem sido até agora, com toda a consideração que merece. Ainda bem que o illustre Deputado a apresentou, mas ainda mal que a fez preceder de observações e asserções que desgraçadamente lançaram, talvez sem fundamento, e de certo sem intenção do illustre Deputado, apprehensões muito graves sobre uma classe productiva que tem adquirido ha muito pouco tempo uma extensão consideravel, e a que nós não podiamos esperar que chegasse tão cedo (Apoiados). Estas apprehensões teem crescido a um ponto mui alto, e estou certo que são devidas ás expressões lançadas na Camara pelo illustre Deputado, e apesar de lhe fazer a devida justiça de que ellas não tinham o alcance que se lhes tem dado.

Sr. Presidente, eu acho-me já em uma altura da discussão em que pouco posso dizer além do muito que teem dicto todos os illustres Deputados, que me teem precedido. Não vejo já um largo campo de discussão, porque na verdade os illustres Deputados que desde o principio della a teem tractado, tem-no feito com tanta proficiencia, extensão, e principios estatisticos de tal ordem, que pouco mais posso accrescentar sobre o objecto; mas eu tinha pedido a palavra, e não posso deixar de offerecer algumas novas considerações sobre o assumpto, aliás, no meu modo de pensar tão bem tractado. Sr. Presidente, avançou-se aqui um dos dias passados, e já hoje o ouvi repetir, que a Economia Politica não tem principios certos e absolutos. Eu peço licença aos illustres Deputados, que taes principios sustentam, para discordar da sua opinião. A Economia Politica é uma Sciencia como qualquer outra, tem principios certo?, radicaes, normas infalliveis que hão de dar consequencias igualmente certas; é uma Sciencia senão tão exacta, e por essencia, como é a Mathematica, é todavia uma Sciencia assente em principios fixos, coordenados methodica e systematicamente. Sr. Presidente, se esta não fôra a minha opinião já de ha muito tempo, já desde quando tive a honra de professar esta Sciencia, e de publicar algumas prelecções em uma Cadeira que honrosamente me conferiu a Associação Commercial do Porto, que me deu occasião para estudar com mais profundidade uma materia que eu achei de muito mais extensão, do que comporta a minha capacidade, senão tivesse tido esta occasião de mais profundamente estudar esta materia, e me convencer desta opinião, eu ía hoje achal-a nos escriptos de Rossi.

Sr. Presidente, a Economia Politica é uma Sciencia que tem principios absolutos e incontroversos, mas a applicação destes principios é que varia em relação ás circumstancias do tempo, e do logar. Se é neste sentido que os illustres Deputados empregaram estas expressões, vou com ellas; mas se é outro o sentido que lhe quizeram dar, se a querem considerar como uma Sciencia simplesmente de manta de retalhos, não posso concordar com elles. Sr. Presidente, a liberdade absoluta do commercio é o principio natural, e a ordem natural das cousas, das a ordem natural das cousas é subordinada a circumstancias taes que ella não póde deixar de ser muitas vezes tida e reputada essencialmente. Se nós formos applicar a liberdade absoluta á nossa industria actual, nesse momento, este Paiz, que vai prosperando, cairia n'um estado de ruina no que respeita a essa industria. Sr. Presidente, lembra-me um facto que creio estar tambem na lembrança de todos, e já o disse aqui em 1848, e este facto é o Decreto de 30 de Maio de 1834, que foi o que extinguiu a Companhia dos Vinhos do Alto Douro; não pela instincção da Companhia, mas pela fórma com que se fazia o commercio do vinho. As intenções com que esse Decreto tinha sido promulgado, foram as melhores, mas seus resultados foram desgraçados; as intenções com que foi dictado, foram as melhores, as mais patrioticas, aquellas com que se suppoz que este Paiz havia de prosperar, e todavia prosperaria se viesse acompanhado de algumas outras provisões, porque desligado de todo o systema economico e administrativo desse tempo, ainda que pouco se tenha feito, então não se presenciariam as graves e terriveis consequencias que hoje tractamos de remediar.

Sr. Presidente, a liberdade absoluta do commercio sendo para mim um principio natural e por tanto respeitavel, não pode com tudo ser seguido no nosso Paiz com a mesma extensão como actualmente se segue em Inglaterra.

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Sr. Presidente, por onde é que começou a grandeza de Inglaterra?... Foi por ventura com a liberdade absoluta do commercio?... Não; começou pelo systema prohibitivo, pelo systema protector adoptado e seguido em muito grande escalla.

Sr. Presidente, é preciso lembrar-me-nos do acto de navegação de Cronwel que deu á Inglaterra o poder dos mares, ao menos é attribuido o estado actual da navegação ingleza a esse acto; todo o systema proteccionista existente na Legislação Ingleza até certa época, e principalmente em 1834, começou a abrir os olhos a muita gente que estava preparada contra os principios da liberdade absoluta do commercio, ou pelo menos contra a reciprocidade commercial; e essa chamada reciprocidade já nos foi bastante inconveniente pelo Tractado de 1810; pergunto - qual foi o resultado dessa reciprocidade? Foi o empolgamento formal do nosso commercio, por parte dos Inglezes, elles usaram do seu direito, e da força para tractar dos seus interesses, a culpa foi nossa que não tivemos juizo, nem forças nem mesmo patriotismo, para resistir às influencias de Strangford que no Rio de Janeiro manifestou bem claramente a idéa de que este Paiz havia de ser preza dessa Nação, fallo da Inglaterra, não considerava o territorio Portuguez como territorio pertencente a Corôa de Portugal; mas isso passou, já lá vai esse desgraçado acontecimento, eu não quero por elle fazer imputação alguma aos Inglezes, fizeram o que puderam, a culpa foi no nosso Governo d'então, os Inglezes tractaram dos seus interesses e fizeram muito bem, não os crimino por isso, reconheço a Nação Ingleza como a mais illustrada de toda a Europa, e que tem dado grandissimo impulso social a todo o Mundo, tem feito com isso muito bem, não posso pois de modo algum censurar qualquer Nação por ter sabido procurar os seus interesses.

Sr. Presidente, tenho necessidade de recorrer rapidamente a certos pontos, dos quaes alguns já foram tocados, mas que me parece que ainda alguma cousa ha a tractar delles; antes disso quero estabelecer, ou desejo estabelecer como principio positivo, que não ha nenhuma industria que possa considerar-se como antagonista d'outra no mesmo Paiz; mesmo não o deve ser, não o pode ser, as industrias rirem umas das outras; logo ha necessidade absoluta de considerar todas conjunctamente, e ellas não se podem fazer fortes sem conservarem a mesma acção, e d'um modo que possam marchar livre e desaffogamente de qualquer força estranha, e livres dos seus contrarios e dos grandes inconvenientes, taes são o contrabando, e outras coisas que muito as prejudicam.

Sr. Presidente, a nossa agricultura tem ultimamente recebido tanta protecção quanto tem sido possivel, ou quanto era possivel esperar desde 1833 para cá; no tempo do progresso que vai de 1833 até ao principio da Monarchia nenhum augmento obteve a nossa agricultura, todo o tempo foi empregado, ou consumido em lhe pôr pêas, conservou os disimos, quartos, oitavas, fóros etc., pois que foi tudo isto senão pêas feitas á agricultura?... É certo pois que a agricultura com estas pêas que lhe lançaram, não pôde desenvolver-se; e era impossivel desenvolver-se, a principal protecção, a grande protecção, a extensissima protecção de todas quantas se podiam dar á agricultura, era uma, e essa foi a que se lhe deu pelo Decreto da extincção dos disimos, dos quartos, das oitavas, dos fóros, da Lei dos transportes, e em fim de todas essas alcavalas que lhe punham pêas e que recaíam todas sobre o desgraçado lavrador para sustentar meia duzia de ociosos, que disfructavam e sorviam a longos tragos o sangue dos lavradores, que se empregavam em tirar o miseravel sustento da terra.

Sr. Presidente, a industria foi constantemente affogada entre nós, e quando ella começava a levantar cabeça, veio o Tractado de Methuen que a destruiu completamente, essa industria havia sido muito protegida pelo Conde da Ericeira, mas ella foi por aquelle Tractado completamente sacrificada aos interesses de Inglaterra: esse Tractado reduzido a 2 ou 3 artigos, se por um lado fez algum bem a Portugal, por outro foi causa de graves prejuisos; e não foi feito só por se ter em vista o commercio que se podia fazer com Portugal propriamente dicto; ocaso era outro, ocaso era a extincção immensa das nossas Possessões de America, da Asia, e da Africa, o caso era o oiro das minas do Brasil que então vinha para aqui, e daqui passava para Inglaterra, e para a Hollanda.

Sr. Presidente, se é certo que em uma dada época a nossa agricultura dos vinhos algumas vantagens recebeu, resultado desse Tractado, a que ha pouco um illustre Deputado se referiu, tambem é fóra de duvida que então o commercio dos vinhos foi empolgado pelos Inglezes, que o terreno do Douro estava dominado completamente por suas influencias commerciaes, que os Portuguezes eram meios caseiros, meios feitores dos Inglezes; tambem não quero mal á Nação Ingleza por isso, quiz tirar o proveito por todos os lados; foi necessario, para que taes inconvenientes terminassem, que viesse o genio do grande Marquez de Pombal, que nessa occasião e seguindo as idéas daquelle tempo, contra talvez as suas proprias idéas, estabeleceu a Companhia dos Vinhos do Alto Douro; esse grande genio deu todo o impulso à nossa agricultura, e à nossa industria, não temeu nem lhe importaram os embaraços que se moveram contra elle, caminhou apesar disso, tal era a força do seu genio, e a força da razão, e mesmo a força de que podia dispôr que pôde conter os excessos dessa Nação, fallo da Inglaterra, grande, rica, e poderosa, excessos com mettidos contra Portugal; lembre-me-nos do facto das costas do Algarve, e lembre-me-nos do genio, e da maneira como esse grande Estadista Portuguez soube saír das difficuldades, e nessa mesma occasião a nossa industria recebeu grande impulso, as nossas fabricas chegaram a um ponto de grande consideração, não só as fabricas de lãs, mas todas as demais fabricas, as de algodão, as de chapéos, as de vidros, as de seda, e emfim outras muitas tinham caido um pouco da sua primitiva elevação, e foi elle que com os seus profundos conhecimentos soube dar-lhes todo o desenvolvimento mandando vir artistas estrangeiros, aquelles que estavam no caso de dar-lhes todo o desenvolvimento de que careciam, e a que chegaram pelos esforços daquelle grande genio. Com effeito as nossas sedas fabricadas na Fabrica do Ralo, sedas douradas ou tecidas com ouro, eram as mais perfeitas que podiam concorrer na Europa (Apoiado). Mas, Sr. Presidente, o genio do mal não deixou por muito tempo prosperar esta crescente industria; lá veio a revolução Franceza, e com ella as tres invasões que nos arruinaram as nossas fabricas. Era em 1810 quando eu -hisce oculis vidi - vi com estes olhos as chamas na fabrica de Alcobaça... Eu vi, Sr. Presidente, o

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que?!! Vi as moxillas dos soldados carregadas de manufacturas de algodão daquella fabrica... Bem sei que ordens muito positivas, muito directas, muito terminantes foram dadas pelo Commandante em Chefe do Exercito para restituirem tudo quanto haviam arrebatado por occasião do incendio posto ao tempo da retirada para as Linhas, vi dar tão severos castigos que foram inflingidos sobre esses desgraçados a quem a cubica levou a lançar mão das manufacturas que tinham sido condemnadas ás chamas; vi tudo isto, tudo foi feito, e não me persuado eu que nem o Governo Inglez nem os seus mandatarios, nem esse distincto General Lord Wellington a quem respeito, approvavam taes excessos, ou taes violencias, ao contrario deram-se ordens as mais terminantes para que se impedissem: mas não bastam em taes circumstancias ordens positivas, quando são, ou se fazem esquecidos os deveres que a cada um incumbe.

Eu poderia produzir outros factos com que podia demonstrar a má, sorte que entre nós tem tido a industria fabril. E quanto á fabrica de Alcobaça, ella e algumas outras não deixaram de soffrer tudo quanto podiam naquella ocasião; e não julgo que um General ou Commandante das forças auxiliares consentisse, e muito menos auctorisasse qualquer acto de violencia no sentido de com elle fazer serviços a seu Paiz: e porém indubitavel que os profundos sentimentos de patriotismo de qualquer estrangeiro podem inspirar actos, por certo illicitos, mas exercidos com as vistas no bem do Paiz do seu nascimento; e que o patriotismo do povo Inglez para toda a parte que vai, leva impresso na memoria o - England for ever! - Tomára eu que cada um Portuguez, em qualquer parte em que se ache, ainda na mesquinha situação em que, depois de tanta gloria passada, nos vemos agora, bradasse como dantes - Portuguez, e sempre Portuguez! - (Apoiados) Porque nós com quanto não possamos chegar á elevação a que chegaram outras Nações, não poderemos por isso deixar de apresentar-nos ainda em alguns casos, e em algumas circumstancias concorrendo com essas Nações productivas.

Es-aqui, Sr. Presidente, factos que destruiram a nossa industria, e nesse mesmo anno em que ella se anniquilava em Portugal, se estava assignando no Rio de Janeiro o Tractado com a Inglaterra, que veio arruina-la completamente! Eu estava então em Lisboa, e vi a immediata paralysia que accommetteu todas as fabricas de tecidos, de cutelarias, e de outras muitas manufacturas! Tudo acabou por uma vez, todas se fecharam; esse Tractado de 1810 veio anniquillar completamente a nossa industria fabril: e a agricultura soffreu igualmente. Depois raiou para Portugal o Dia 24 de Agosto de 1820, esse dia glorioso, as esperanças de todos os Portuguezes, começavam a reanimar-se, porque sentiram então a possibilidade da sua emancipação, por se haverem quebrado as algemas e os ferros que nos haviam lançado os inimigos da nossa industria e prosperidade. Realisaram-se logo factos que fizeram reviver a industria nacional, pela grande protecção que recebeu; a agricultura não podia nunca levantar cabeça, senão fossem os direitos protectores; do mesmo modo a grande protecção que a industria, fabril achou, a unica reconhecida para a industria nacional, e pela qual ainda está protegida e sustentada, foram as Pautas publicadas em principios de 1837, preparadas já pela Administração anterior aos acontecimentos de Setembro de 1836, mui pouco modificadas pela Administração dessa época; mas por ventura estas Pautas tiveram o cunho da perfeição? Não; Sr. Presidente. Essa porém foi a era feliz e prospera que sobreveio á nossa industria; e desde essa época ella começou a prosperar. Olhemos para o Districto do Porto, não vemos ai diffundida por tal maneira a industria, que aquella grande Cidade do Porto deve ser considerada como uma fabrica continuada (Apoiados)? Alli se vê um grande edificio, e grandes estabelecimentos, tal como o de Jacintho da Silva (se me não engano), de tecidos de algodão e sedas; o do Sr. Machado, e outros mais: mostrem-nos as Estatisticas dos braços que se acham empregados em toda a industria desse Districto, mas mui essencialmente na Cidade do Porto (Leu). Ha em ambos os sexos, adultos, e moços cerca de 5 mil e tantos operarios, fabricantes uteis que são ao mesmo tempo consumidores dos productos de outras industrias.

Que vemos nós em Lisboa? Bom numero de estabelecimentos grandiosos de manufacturas, a que teem dado grande impulso o auxilio das machinas que nelles hoje se empregam, porque os fabricantes reconheceram que era necessario acabar com uma idéa, que por muitos annos os prendia ou dominava, de que sem machinas que substituissem os antigos teares, haviam de obter em pouco tempo o mesmo resultado que com o auxilio do machinismo apropriado, e assim nós vemos já hoje, Sr. Presidente, quanto vão prosperando as fabricas de Lisboa: aí vemos no sitio de Alcantara a do Sr. Daupias, de tecidos, sedas, algodões, e lãs; cujas manufacturas todos as vimos na Exposição; os seus tapetes e outras producções competem com os melhores tapetes estrangeiros, não direi da Persia, mas de outras Nações. Nós vimos essa grande fabrica de fiação do Calvario, cujo machinismo veio todo de Inglaterra, é verdade, mas porém já muito se está fazendo cá, as suas manufacturas vão em um ponto tão grande, que em pouco tempo ha de dar alguns ciumes á Inglaterra, e desejo que lh'os dê, porque em quanto nós pudermos obter pelo nosso proprio trabalho os productos, que nos veem de fóra, é uma grande vantagem.

Sr. Presidente, eu desejava ainda vêr a industria estabelecida de outro modo; mas para isso falta uma cousa; desejava pois vêr a nossa industria fabril em grandes fabricas estabelecidas a pouca distancia das praias, porque os motores das quedas de agoa haviam de custar muito menos, do que custam aquelles que provêem do machinismo movido pela acção do carvão de pedra, e quando o Paiz nos offerece tão grandes e excellentes sitios: sirva de exemplo a fabrica de Torres Novas, estabelecida em uma bella situação, ainda me recordo daquelles sitios, que offerecem á industria locaes magnificos, aonde se póde economisar com o movimento da agoa menos da metade, ou da quarta parte, que está custando o movimento produzido pela acção do vapor de agoa, e este derivado do combustivel carvão de pedra.

A fabrica de Thomar é igualmente movida por agoa, onde se vê uma quantidade immensa de fusos, movidos todos por uma grande roda impellida pela queda de agoa; naquella se vê a grande perfeição a que tem sido elevada uma das materias primas da nossa industria - o linho. Em 1839 fui eu, que obtive um mappa da quantidade de fio de algodão de diversas

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grossuras, e por alli se via a quantidade importada, como materia prima, com que se animara a nossa industria; felizmente muita desta já se está preparando nas nossas fabricas.

Sr. Presidente, a nossa industria não póde prosperar no estado, em que actualmente estamos com direitos protectores, de que se acha livre a industria ingleza, diz o nobre Deputado; e eu digo que sim: eu leio em Bastiat, um dos maiores sustentaculos do systema da liberdade absoluta, que a Inglaterra prosperou na sua industria a despeito dos direitos protectores, - e eu digo, Sr. Presidente, que só com elles a Inglaterra chegou ao auge, em que ella está. Quando em Inglaterra pelas inspirações da boa razão, e da propria industria, Sir Robert Peel começou a estabelecer a liberdade de commercio, então, Sr. Presidente, o que queria ella? Nenhuma das outras Nações estava nas circunstancias de poder competir com ella: os inglezes hoje não tractam de outra cousa senão de achar área de consumo; e, Sr. Presidente, ha uma circunstancia assaz attendivel, para vêr o juiso d'aquella illustradissima Nação, que ao passo, que vão alargando as suas restricções, dando uma larga área longiqua para o consumo das suas producções, não se esquecem de levar o seu consumo ao mercado europeo: e, Sr. Presidente, este facto deve servir-nos de grande lição.

Quanto ao consumo dos vinhos nós devemos procurar todos os meios do competente consumo, se não inteiramente independente da Inglaterra, porque é esse o maior mercado do Mundo, ao menos quanto ser possa por outros, para que quando nos falhe este, achemos aonde os consumir, o que nos dará a precisa independencia.

Eu vejo, Sr. Presidente, que essa illustrada nação, essa Nação poderosa e rica leva ao interior e ao amago de todas as Possessões transatlanticas os seus productos manufactores, introdusindo-os por todos os modos não fallo no modo como os introduz; mas é fado, que os introduz. Um illustre Deputado já fallou largamente nesta materia: como responderam á Inglaterra, quando levantou muitos direitos d'entrada, a França, os Estados Unidos, e a Alemanha! Como responderam? Augmentando consideravelmente os direitos d'entrada, ás manufacturas inglezas. quasi prohibitivos. A Inglaterra, na verdade, viu prosperar em pouco tempo a sua manufactura de sedas, e a tal ponto que em pouco tempo levou á propria Franca quantidades enormes, o que aconteceu em 1825, isto é, depois da entrada das sedas? O valor da exportação, que da Inglaterra foi para França, subiu a quantias extraordinarias.

Mas como foram lá taes valores? Como foram, apesar do systema protector? É porque elle ainda ahi não esta estabelecido dentro dos verdadeiros limite: quando os direitos protectores não forem bem regulados entre os limites do custo do fabrico das Nações productoras, o resultado ha de ser o contrabando; aquella que fabricar mais barato, e que ainda com as despezas dos transportes, e com o risco dos prejuisos provenientes da fiscalisação, póde arrostar com ella, ha de forcejar para levar á outra por meio do contrabando, ou descaminho aos direitos, os productos de sua industria. Sinto-me cançado, rogo a benevolencia dos Srs. Deputados. (Continue, continue). Sr. Presidente, que nos falta hoje? Duas condições especiaes, capitaes e estradas: estradas ha de have-las, quando todos nós nos persuadirmos, que é necessario fazer todos os possiveis esforços para que ellas se consigam; já os povos começam a convencer-se da sua importancia; conseguidas ellas teremos revolvido uma grande parte do problema; e a outra parte, os capitaes? Pois póde resolver-se esta em quanto que o systema economico e financeiro do Paiz não fôr completa e cabalmente reformado e refundido? Pois em quanto que por este meio, por este commercio que eu não chamarei illicito, por que é tão licito como outro qualquer, em quanto por este commercio digo, se adquire 10, 15, 20, ou 25 por cento, poderá applicar-se a mesma quantidade de capitaes á industria e á agricultura que não dão tanta vantagem? De certo que não.

Disse o nobre Deputado - Que uma grande quantidade de capitaes acha-se encerrada nos cofres dos particulares - é verdade, Sr. Presidente, que uma grande porção de capitaes se acha encerrada nas mãos dos particulares; mas é tambem verdade que se elles se acham encerrados, é com mêdo d'um acontecimento extraordinario; é com mêdo d'um acontecimento politico, e sem que elles estejam convencidos de que ha confiança, certamente que esses capitaes não saem das mãos desses particulares. Pois em quanto a França der ao Mundo o sistema de revolução quasi permanente, podem por ventura saír a ver a luz do Sol esses capitaes que se acham enferrolhados?... Por certo que não verão a luz do Sol, em quanto não houver a certeza de que não ha de haver um outro cataclismo como houve em 1846 (Apoiados). Quando cessarem esses receios, nós veremos os capitaes saírem desses cofres, e serem de muita utilidade para a agricultura e industria do nosso Paiz. Mas apezar de todos estes receios, deveremos nós desprezar quaisquer meios com que alcancemos esta applicação de capitaes? Não podemos, nem devemos.

Sr. Presidente, o rumo que levamos, não é bom; bem o conhecem os Srs. Deputados. Mas voltarei a um dos milagres do systema protector: eu já me referi a elle por muitas vezes, mas não será sem fructo, nem vantagem tudo quanto se disser a respeito delle. A agricultura, Sr. Presidente, estava morta no nosso Paiz, e era necessario importar uma quantidade de cereaes immensa: vem o systema protector em 1820 e fechou-lhe as portas; a agricultura começou a augmentar, e a vivificar-se ao ponto em que hoje se acha; mas é necessario, Sr. Presidente, que nós nos não deixemos illudir pelo canto da Serêa, porque se nos deixassemos illudir por este canto, o nosso Paiz correria certamente para um abysmo: é necessario que nós trabalhemos quanto for possivel, para fazer com que a nossa agricultura prospere, porque se assim não fôr, em logar della ir em progresso, póde recuar. Eu já aqui disse que em 1819 entraram em generos cereaes mais de 5:000 moios, não é documento de auctor estrangeiro; e desde 1814 até 1819 entraram na sua totalidade 559:987 moios na importancia de mais de 20:000 contos.

A Nação soffreu muito no tempo da invasão Francesa, ou para melhor dizer no tempo das tres invasões, e no tempo das operações do Exercito Alliado; porque é necessario não esquecer aquelle pensamento do Marechal de Turenne, que os inimigos fazem a guerra com a espada na mão, e os amigos com ella

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na bainha; porém mesmo com a espada na bainha sempre é guerra: este é o dicto do grande homem, desse que deve sempre ser respeitado. Depois houve outra invasão, que foi a intervenção grego, a qual chegou até a levar os nossos patacos em cobre, objecto que obrigou a Regencia do Rocio a prohibir por dois Avisos a importação de cereaes; elles aqui vem citados nesta memoria; são os avisos de tantos de Janeiro e Abril de 1819.

Mas, Sr. Presidente, voltando ao assumpto, digo, que foi esta a época de protecção para a agricultura, e d'uma protecção muito valiosa. Quem fez este milagre não foi a liberdade do commercio, foi o systema protector, e mais ainda que o systema protector, foi o systema prohibitivo. Eu vejo que apezar da grande exportação que nós temos feito nestes ultimos annos, assim mesmo pelos documentos que o Sr. Ministro do Reino nos apresentou, se conhece que só, no anno de 1847, os cereaes que se importaram, montam a 13:299 moios: o que isto mostra é que os nossos gastos estão em uma escala tão grande que ainda permittem, além da importação clandestina, importarão que só se ha de diminuir com o progresso dado á nossa industria agricola. Sr. Presidente, eu entendo que a obra da reforma das Pautas, é d'uma necessidade; urgentissima, e que é um meio fiscal e financeiro para melhorar o nosso estado. Eu lembro-me do que ainda disse Sir Robert Peel em 11 de Maio de 1842, e é que o imposto diminuido sobre o consumo, não poderá jámais produzir o que produzira n'outro tempo, o que até certo ponto é verdade; mas a prova contraria está no consumo do café, e do Rum em Inglaterra, e tambem no systema postal, isto foi em 1842. Esse distincto Estadista não sustentaria hoje as mesmas opiniões. Em quanto no systema postal ainda não chegou em Inglaterra, diga o nobre Deputado o que quizer ainda não chegou a produzir, depois da reforma, quantia para o Thesouro como d'antes, com quanto á expedição de Cartas augmentasse immensamente. Mas quanto não tem ganho a civilização e a sociedade com a communicação por meio do novo systema? Hoje já quasi que vai orçando pouco mais ou menos a receita com a despeza; mas foi necessario augmentar esta a mais de 6 milhões, porque o novo systema absorve uma despeza enorme.

Sr. Presidente, eu estou quasi a concluir por que a materia está esgotada; a reforma das nossas Pautas é uma necessidade urgentissima. O Governo está auctorisado para a fazer, mas eu não posso recusar de maneira nenhuma todos os meios de esclarecimento Camara e o Paiz possam ter sobre o objecto: a Camara está, com razão, impaciente de proceder a votação, mesmo porque ha necessidade de concluir esta materia; muita cousa poderá ainda dizer-se, mas eu concluo votando pela nomeação da Commissão de Inquerito proposta pelo Sr. Deputado Rebello da Silva (Apoiados).

O Sr. Crespo: - Peço a V. Exa. que consulte a Camara se julga a materia sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente - E pondo-se logo à votação, como Emenda á Proposta do Sr. Affonseca, a

Proposto do Sr. Rebello da Silva - foi approvada por 50 voto contra 10 - E ficou prejudicada a do Sr. Affonseca.

Proposta do Sr. Carlos Bento - foi rejeitada por 49 votos contra 12.

O Sr. Presidente: - Em consequencia, da resolução tornada hontem pela Camara sobre o Requerimento feito pelo Sr. Ministro da Guerra ácerca de algumas explicações pessoaes que S. Exa. desejava dar com relação a expressões que appareceram nos discursos dos Srs. Deputados Fontes Pereira de Mello, e Barão de Ourem, passo a dar a palavra a S. Exa. para essas explicações.

O Sr. Ministro da Guerra: - Sr. Presidente, a Camara consentirá que eu occupe alguns momentos a sua attenção sobre um objecto que nada lhe póde interessar, porque é puramente pessoal, mas serei relevado, quanto se observar, que póde affectar o conceito que eu tanto lhe desejo merecer.

Não tenho senão uma unica ambição, que é gosar a reputação de homem de bem; a base dessa reputação é a firmeza e honestidade do meu caracter, a lealdade dos meus principios, e a minha pureza em objectos que digam respeito a dinheiro; quando se lança suspeita sobre essas qualidades, sinto-me profundamente maguado, e é o que me leva a explicar-me ácerca de algumas allusões que se me dirigiram ultimente nesta Casa (Apoiados). O illustre Deputado por Cabo Verde, o Sr. Fontes de Mello, no discurso que pronunciou na discussão do Parecer da Commissão de Guerra, e ao qual ainda não tive occasião de responder, referiu que eu tinha mandado uma ordem verbal á Repartição de Liquidação para processar certas gratificações, e que depois ordenei que se retirasse a nota; o Sr. Deputado diz que viu a determinação escripta em lapis do respectivo livro do processo. O que inculca esta asserção? Que eu mandei abonar gratificações que não eram legaes, por uma ordem verbal para escapar á responsabilidade; e o que depois temeroso contramandara aquella determinação; este caso torna-se tanto mais serio quanto o processo referido me diz respeito; eu vou esclarecer a Camara sobre o facto occorrido.

Como Ministro, e segundo o estabelecido, recebo de 45 em 45 dias a differença entre o ordenado, e os meus vencimentos militares, e em consequencia do atraso destes, não tenho feito processar os meus recibos mensalmente ultimamente mandei vir os recibos impressos, e depois de assignados dei os a um Empregado para os encher e mandar á Repartição de Liquidação para serem processados; nisto não houve ordem nem auctoridade exercida, foi um acto como praticaria qualquer Official do Exercito que quizesse os seus recibos processados; quando vieram de novo á minha mão observei, que estava lançada a gratificação de Director da Escóla do Exercito, o que era irregular, porque durante os mezes a que se referiam os recibos, não tinha exercido aquelle logar, e supposto isso não influisse na totalidade do vencimento, porque se recebesse mais como Militar, receberia menos como Ministro, comtudo para evitar uma tal irregularidade, então ordenei, que se invalidasse a nota e se processassem novos recibos só com o soldo (Muito bem.) Que motivo ha pois para trazer á discussão caso tão innocente? Apresentado com o caracter de suspeitoso, até se occultou o nome da pessoa a que se referia. Não quero entrar nas intenções do illustre Deputado, supponho-as sinceras, porém é forçoso confessar, que similhante caso em nada vem a proposito para demonstrar os defeitos da nova orga-

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nisação da Fazenda Militar, pois qualquer que ella fosse, se podia dar o caso em questão (Apoiados).

O illustre Deputado increpou de se mandar abonar incompetentemente uma forragem: o Director da Escóla do Exercito, de cujo logar ainda não fui exonerado, tem na Tabella das despezas uma forragem, á qual, não sendo vencimento pessoal, eu me julguei com direito, assim como pela circumstancia de ser Official General em serviço, direito que não tem sido contestado a nenhum dos meus antecessores; pela nota, que passo a lêr, extraida da respectiva Repartição, se vê que a todos se tem abonado as forragens, e são os Srs. Duque da Terceira, José Jorge Loureiro, Visconde de Sá, Barão da Barca, Visconde de Ovar, Barão de Almofala, e Barão de Francos. Nenhum destes Cavalheiros era capaz de se abonar um vencimento a que não tivesse direito, o qual nunca lhe foi disputado, e a austeridade que agora se quer comigo exercer é na realidade significativa (Apoiados).

Folgo que o illustre Deputado fiscalisasse os meus actos dentro do seio das proprias Repartições do meu Ministerio, devassando os respectivos livros; não farei mesmo culpa aos Empregados que assim esclarecem a Opposição, procurando dar-lhe armas para hostilisar o seu Chefe, porque desejo, e quero, que os meus actos sejam bem patentes, bem conhecidos de todos (Apoiados).

O illustre Deputado, cujo brilhante talento eu admiro e invejo, recorrendo a estes e outros factos que taes, mostra pelo menos pobreza de argumentos, e vontade de aggredir por todos os modos (Apoiados) no excesso da sua fantazia chegou até a imaginar que os Alumnos do Collegio Militar começavam já a definhar-se, pela reducção nos alimentos, effeito da reforma, a qual com relação aos mesmos Alumnos ha de ser lenta e tardia, como se vê das disposições do Decreto; actualmente existe o mesmo numero e os mesmos vencimentos, e portanto a sua asserção é poesia.

Referindo-me ao illustre Deputado o Sr. Barão de Ourem observarei, que no seu ultimo discurso me dirigiu uma allusão que comporta uma insinuação tendente a comprometter-me na opinião dos meus Amigos politicos, se os meus actos não fallassem mais alto do que a voz do illustre Deputado.

S. Exa. provocou-me a exercer represalias de que não farei uso, porque hei de tractar a S. Exa. como sempre o tractei desde 16 annos em que foi Major de um Regimento que eu commandava; e por esta occasião tenho prazer em dizer, que recebi da intelligencia e actividade de S. Exa. a mais efficaz e proveitosa coadjuvação; tendo pois tractado sempre a S. Exa. com a mais cordeal attenção, com muita deferencia, e até com affeição, tinha jus a esperar justa retribuição, pois era pagamento de divida antiga; não tem porém acontecido assim de algum tempo a esta parte, pois S. Exa. se mostra iracundo comigo e raivosamente hostil; é preciso adivinhar a causa, porque a minha consciencia não me accusa de ter dado motivo a esses ataques violentos, e em frase descomedida, porque tudo o que tenho feito, em relação ás medidas decretadas em virtude da auctorisação do 1.° de Maio, não são para S. Exa. senão absurdos, anachronismos, antinomias, e outras frases similhantes: S. Exa. para mostrar a sua sinceridade até para combater aquellas medidas foi buscar uma Portaria que manda abonar certas gratificações a alguns Officiaes do Estado Maior, o que nenhuma relação tem com taes medidas, assim como a promoção dos Officiaes de Cavallaria; e a final S. Exa. deu a entender, que eu era Setembrista.

S. Exa. disse que eu aconselhei em 1846 a refórma do Collegio Militar tal como hoje a tinha mandado executar; que são bem conhecidas as minhas relações com os individuos dessa época; que quer dizer nisto S. Exa.? Que eu estou em contacto com os homens politicos desse tempo? É triste invento; eu respeito os Caracteres distinctos que então figuraram, porém declaro alto e bom som, sem receio de ser desmentido com a prova da verdade, de que nem nessa época, nem em nenhuma outra tive relações politicas, nem directas nem indirectas, com os adversarios do partido cartista; entre esses adversarios tenho amigos que muito preso pelas suas excedentes qualidades, e de quem tenho recebido demonstrações de verdadeira estima, e seria até uma ingratidão, sentimento que eu abomino, se lhes não correspondesse, mas estas relações nada tem com a Politica; nesta parte cada um está no seu campo; nas dissenções civis se vê muitas vezes um pai em bando que combate com outro aonde se acha seu filho, ou irmão contra irmão, e nem por isso se rompem os laços que os ligam (Apoiados). Para que são pois estas allusões? O que peço a S. Exa. é que seja como eu mais indulgente, e despeitado, sem eu saber pelo que não vá além do justo e do conveniente.

Sinto que a questão do Adiamento me não permittisse responder no sabbado aos ataques de S. Exa.; por falta de resposta pareceu ficarem triunfantes; porém a questão voltará, e então com o proprio trabalho de S. Exa. sobre a organisação do Exercito, que offereceu sendo Ajudante General do Exercito, a Sua Magestade El-Rei como Comandante em Chefe do Exercito; e que por tanto se deve reputar o melhor que S. Exa. podia fazer, e cujo trabalho foi approvado e remettido officialmente ao Ministerio da Guerra, razão porque delle faço uso: esse trabalho, servirá para justificar a accusada organisação; far-se-ha á comparação e cotejação, apparecerá o pensamento organisador do Sr. Barão de Ourem.

Naquelles pontos em que S. Exa. está discorde, se tivesse tido a bondade de me procurar as razões, eu lhas ministraria, e ainda quando não satisfizessem a S. Exa. pelo menos se convenceria que não eram disparatadas.

Sr. Presidente, não sendo agora occasião opportuna para desenvolver alguns pontos com relação á Cavallaria e Artilheria, eu n'outra occasião fallarei sobre este objecto, e concluo declarando, que muito estimei ter dado um sentido errado ás citadas allusões, pois o meu caracter e organisação são inteiramente conciliadores, e nunca desejo offender, nem ser offendido (Apoiados).

O Sr. Fontes Pereira de Mello: - (Sobre a Ordem) Peço a V. Exa. consulte a Camara sobre se, dispensando o Regimento, me permitte que eu possa dar algumas explicações a respeito do que acaba de dizer o Sr. Ministro da Guerra com referencia a mim.

A Camara dispensou o Regimento para o fim indicado.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: - Sr. Presidente farei apenas duas reflexões ácerca do que acaba

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de dizer o Sr. Ministro da Guerra, em referencia ao discurso que hontem proferi n'esta Casa, por occasião de se discutir o Parecer da illustre Commissão de Guerra.

S. Exa. alludiu a dois pontos importantes - O primeiro pelo que diz respeito á forragem que mandára abonar a si proprio, depois de ser Ministro, como Director da Escóla do Exercito - O segundo em relação ás gratificações que tinham sido notadas nos seus recibos por engano, e que depois se tinham retirado em consequencia de se notarem outros recibos.

Sr. Presidente, magôa-me sobre maneira ver-me obrigado a entrar em questões d'esta ordem; mas, pois que S. Exa. me chamou de novo a este campo, não tenho remedio senão acceder ao convite.

Com satisfação posso recordar á Camara que não vim enganal-a nas asserções que avancei, em referencia ao Sr. Ministro, porque S. Exa. mesmo se encarregou de confirmar a verdade dos factos annunciados. No fim de tudo o que é evidente é que o nobre Ministro não encontrou uma só Lei com que abonar o seu procedimento, porque se soccorreu a precedentes; mas os precedentes não constituem direito, e muito menos quando ha Lei em contrario, como no caso presente - O mais que S. Exa. póde ter provado é que alguns dos seus antecessores tambem obraram mal. Eu fallo tanto mais desaffogadamente nesta questão, quanto que tendo em 1848, quando tomei assento na Camara, tanto direito a uma forragem, como o Sr. Ministro tem agora, porque para ambos procedia d'um exercicio que estava interrompido, nunca mais recebi um real a titulo de forragem, desde que optei pelo subsidio de Deputado, e continuei todavia a sustentar os meus cavallos á minha custa. Aponto este precedente ao nobre Ministro em resposta ao que S. Exa. apresentou.

Em quanto aos recibos que se notaram, declaro que o meu fim não foi, nem remotamente lançar a menor suspeita sobre a probidade pessoal de S. Exa.; mas só referi aquelle facto para mostrar que a nova refórma é tal que se podem notar vencimentos illegaes por uma ordem verbal do Sr. Ministro da Guerra. S. Exa. não tem direito ao abono de taes gratificações, porque ellas pertencem a um exercicio que S. Exa. não tem actualmente, e por isso muito bem fez em substituir os seus recibos; mas a nota a lapis que se acha no livro respectivo a S. Exa. e que o mesmo nobre Ministro não nega porque a verdade não se póde negar, é que compromette a refórma, porque mostra como taes abusos se pódem fazer daqui por diante.

Sr. Presidente, por mais desagradavel que seja a questão, folguei de que a Camara tivesse occasião de ver que eu só dissera a verdade no que avancei a tal respeito, como S. Exa. acaba de confirmar.

O Sr. Barão de Ourem: - (Sobre a Ordem) Peço a V. Exa. consulte a Camara sobre se, dispensando o Regimento, me permitte responder ao Sr. Ministro da Guerra, na parte que me diz respeito.

Decidiu-se affirmativamente.

O Sr. Barão d'Ourem: - Sr. Presidente, tenho bastante magoa de não estar presente á ultima Sessão: se o estivesse, não teria o Sr. Ministro da Guerra a moratoria que teve, porque eu immediatamente responderia ás allusões pessoaes que S. Exa. agora acaba de me dirigir. O Sr. Ministro da Guerra depois de fazer alguns elogios á actividade, e conducta que tive quando servi debaixo das ordens de S. Exa., e que me havia honrado com a sua amizade ha perto de 16 annos, tractando-me sempre maravilhosamente, não sabia a razão porque eu desde algum tempo o tractava de um modo iracundo, mostrando ter-lhe odio e inimisade, e usando de frazes descomedidas, quando entrou em discussão o Parecer da Commissão de Guerra. Respondo que agradeço a S. Exa. a bondade com que sempre me tractou, á qual eu tenho completamente correspondido; mas não sei em que tenho sido iracundo, nem quaes as frazes descomedidas de que tenha usado para com S. Exa.; estou convencido de que o Sr. Ministro é bastante Cavalheiro para não consentir que com a sua pessoa se usem de frazes taes, sem exigir logo que ellas sejam retiradas, como eu exijo que S. Exa. retire a frase de expressões descomedidas. - Eu não sei, Sr. Presidente, em que tenho mostrado inimisade para com o Sr. Ministro: depois de S. Exa. ser Ministro, muito raras vezes o tenho procurado, e essas tem sido sempre para objectos de serviço; na discussão do Parecer da Commissão de Guerra, eu na qualidade de Relator da mesma Commissão, sustentei o respectivo Parecer como me foi possivel, e pelo modo que o sustentaria qualquer dos meus illustres Collegas (que o assignaram sem declaração) que a isso fosse chamado; porque o Parecer é a expressão da convicção de todos que assignaram, e parece-me que a Camara me fará a justiça de acreditar, que eu não era capaz de vir aqui sustentar, senão o que na Commissão se assentasse. Não entro agora, Sr. Presidente, na discussão do Parecer da Commissão de Guerra, como o Sr. Ministro entrou, porque brevemente o Parecer voltará á discussão, e então a Camara e o Paiz avaliarão da parte de quem estava a razão (Apoiados).

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Guerra referiu-se a um trabalho que tem em seu poder, declarando ser feito por mim, dando a entender que lhe serviu de norma para a nova organisação do Exercito; mas peço licença á Camara para lhe referir este caso. Quando fui nomeado Ajudante General, achei na Repartição competente um Parecer de uma Commissão de Militares illustres, de que S. Exa. foi Membro, sobre uma nova organisação do Exercito; examinando este Parecer não achei boas as disposições nelle contidas, com quanto respeitasse muito os caracteres de que a Commissão era composta; era taes circumstancias declarei ao superior competente que não approvava a nova organisação do Exercito apresentada pela Commissão, e se me fosse permittido diria as modificações que entendia devia fazer no Projecto, e com o beneplacito do meu General, apresentei as reflexões que fizera sobre as diversas provisões contidas no referido Projecto, as quaes sendo approvadas mandei para a Secretaria d'Estado. É este o papel a que S. Exa. alludiu, o qual estou convencido que diversifica bastante da organisação que S. Exa. adoptou; supponho, mas não concedo, que o Projecto de que se tracta, era o mesmo que S. Exa. tinha adoptado; e pergunto, se me não é licito mudar de opinião? Se eu como Ajudante General não podia ter uma opinião, e depois como Ministro outra? Pois S. Exa. não mudou de opinião quando passou de Membro da Commissão da organisação do Exercito para Ministro da Guerra? Certamente S. Exa. não tem mais direito de mudar de opinião,

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do que eu; e permitta-se-me que diga que não ha paridade alguma entre o Projecto apresentado pela Commissão de que S. Exa. foi Membro, e aquelle que adoptou para a reforma do Exercito quando Ministro.

Sr. Presidente, estou tentado a entrar novamente na discussão do Parecer da Commissão de Guerra como o Sr. Ministro fez (Vozes: - Não póde entrar agora nessa discussão). Então reservar-me-hei para occasião opportuna; mas sempre pergunto, como explicará S. Exa. conservar 2:000 homens de Cavallaria a pé em tempo de paz?... E na arma de Artilheria?...... Não digo nada a este respeito; mas sempre declaro que faço justiça de acreditar, que S. Exa. não viu muitas das cousas da organisação antes de irem para a Imprensa.

S. Exa. disse, que não havia respondido ás razões apresentadas por mim na occasião da discussão do Parecer da Commissão de Guerra, porque não teve a palavra!... Por certo não fui eu, nem a Camara que o privou, ou convidou o seu illustre Collega para o defender (Apoiados).

Perguntou S. Exa. a que proposito tinha vindo a Portaria de 18 de Agosto de 1849? Respondo, que havendo S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho de Ministros declarado, que não tinha conhecimento de que o seu Collega da Guerra tivesse deixado de cumprir a Lei senão unicamente no augmento de forragens, e eu notasse - que fôra S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, que disse, que o seu Collega havia excedido a Lei no augmento de forragens; apresentei então a referida Portaria para mostrar, que S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra havia tambem excedido a Lei, estabelecendo vencimentos de Officiaes Engenheiros em Commissão activa aos Officiaes de Estado Maior, que por Lei os não tinham. Quem é, Sr. Presidente, que tem auctoridade de crear logares ou estabelecer vencimentos senão o Corpo Legislativo? E comtudo o Sr. Ministro da Guerra faltou á Lei, estabelecendo vencimentos para que não estava auctorisado!.... Podia ainda mostrar que S. Exa. excedeu a Lei em outros pontos, mas reservo-me para occasião opportuna; e eis aqui a razão porque eu citei a Portaria de 18 de Agosto de 1848.

Sr. Presidente, passo ao ponto principal. Disse S. Exa. - que queria justificar o seu caracter ácerca das suas opiniões politicas - S. Exa. imaginou que eu fiz allusões ás suas convicções politicas, julgando-o em intimidade com os illustres Cavalheiros que tinham feito parte do Governo de Maio de 46; S. Exa. de certo se enganou, ou não percebeu bem, ou não ouviu o que eu disse a similhante respeito; mas vou explicar, como já o fiz.

Eu sei, e sabem todos, a intima amisade que S. Exa. tinha, e tem com muitos dos illustres Cavalheiros que fizeram parte do Governo de Maio, e vendo que no tempo daquelle Governo se havia adoptado uma medida a respeito do Collegio Militar, que S. Exa. depois realisára quando Ministro, muito naturalmente acreditei que S. Exa. tivesse aconselhado a medida em questão, em Maio de 1846, e que depois sendo Ministro a tinha realisado, porque era da sua opinião. Já se vê portanto que de modo algum quiz irrogar a menor censura a S. Exa. por ter amisade intima com os illustres Cavalheiros que tinham feito parte do Governo de Maio de 1846 (Apoiados).

Isto mesmo já eu declarei quando de outra voz fallei; e sinto não ter sido entendido por S. Exa.; e estou certo que S. Exa. é firme nos seus affectos, como em todas as cousas.

Parece-me pois ter dado todas as explicações necessarias a S. Exa. ácerca da allusão do Governo de Maio; e não continuo por temer ser descomedido. A respeito de S. Exa. dizer - que eu ha tempos a esta parte me mostrava ser seu inimigo - digo só, que continue S. Exa. a pensar a meu respeito o que quizer, porque eu continuarei a proceder para com S. Exa. do mesmo modo que tenho procedido até aqui, isto é, dizendo o que entendo, e pelo modo porque o entendo (Apoiados).

O Sr. Presidente: - A Ordem do Dia para a Sessão de ámanhã é a mesma de hoje. Está levantada a Sessão. - Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR,

J. B. GASTÃO.

N.° 8. Sessão em 11 de Maio 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 48 Srs. Deputados.

Abertura - Á meia hora depois do meio dia.

Acta - Approvada.

CORRESPONDENCIA.

OFFICIOS. - 1.ª Do Ministerio da Guerra acompanhando a relação dos Officiaes Amnistiados pelo Convenção de Evora Monte, e dos separados da quadro do Exercito, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta Camara. - Para a Secretaria.

2.° Do Sr. Deputado Vieira de Araujo, participando que por motivos urgentes tem de se retirar á sua casa de Braga, e por isso não pode continuar a assistir ás Sessões - Inteirada.

3.º Do Sr. Deputado Oliveira Cardozo, pedindo 30 dias de licença, a fim de ir á Villa de Guimarães, onde o chamam negocios urgentes. - Concedida nos termos da Lei de 25 de Abril de 1845.

REPRESENTAÇÕES. - 1.ª Apresentada pelo Sr. Agostinho Albano, em que 44 possuidores de guias de bagageiros, e de fornecimentos do Exercito durante os annos de 1846 e 1847, da cidade de Evora, pedem que pela importancia das ditas guias se lhes deem Inscripções de 5 por cento a cargo da Junta do Credito Publico, ou se inclua no Orçamento uma verba para pagamento de seus creditos. - Á Commissão de Fazenda, e sendo preciso á do Orçamento.

2.ª Apresentada pelo Sr. Passos Pimentel, em que a Junta de Parochia e moradores da Povoação de S. João da Foz do Douro (em numero de 270) pedem que a mesma Povoação seja erecta em Concelho in-

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