O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1961

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretários os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros

José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Deu-se conta de um officio do director da alfandega de Lisboa. - Entrou em discussão o projecto de lei n.º 198, que organisa o pessoal da secretaria da escola polytechnica. - Depois de algumas reflexões do sr. D. José de Saldanha, o sr. Matoso Santos, que o apresentára, retirou o seu pedido de urgencia e ficou suspensa a discussão do projecto.
Na primeira parte da ordem da noite foram approvados sem discussão: o projecto n.° 177, com relação ao abastecimento de aguas na cidade de Coimbra; e o projecto n.°158, ampliando as operações da administração da caixa geral de depositos. - Entra em discussão o projecto n.° 166, auctorisando o governo a nomear professores proprietarios dos lyceus, o qual, depois de algumas observações, justificando emendas que apresentou, do sr. José Castello Branco, foi adiado para se entrar
Na segunda parte da ordem da noite. Nesta continuou a discussão do projecto n.º 186.(reforma das pautas), occupando a tribuna até ao encerrar da sessão, e ficando ainda com a palavra reservada, o sr. Augusto Fuschini.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Moraes Carvalho, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Oliveira Pacheco, Tavares Créspo, Antonio Maria de Carvalho, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Feliciano Teixeira, Matoso Santos, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sá Nogueira, Candido da Silva; Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Alves Matheus, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, José Castello Branco, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Júlio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Marianno Prezado, Miguel Dantas e Estrella Braga.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Antonio Castello Branco, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Jalles, Barros e Sá, Urbano de Castro, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Emygdio Julio Navarro, Fernando Coutinho (D.), Fernandes Vaz, Cardoso Valente Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Silva Cordeiro, Joaquim Maria Leite, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Maria dos Santos, Santos Moreira, Vieira Lisboa, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.

ão compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Campos Valdez, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Hintze Ribeiro,. Augusto Pimentel, Santos Crespo, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos,
Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Oliveira Valle, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Elias Garcia, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Oliveira Matos, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Manuel José Correia, Pinheiro Chagas; Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do director da alfandega de Lisboa, visconde de Guedes Teixeira, acompanhando um exemplar dos relatorios da sua administração na alfandega do Porto.
Á secretaria.

O sr. Laranjo: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a proposta do governo, relativa á decima de juro.
O sr. Matoso Santos: - Mando para a mesa, com os pareceres das commissões de instrucção superior e de fazenda, o projecto de lei que organisa o pessoal da secretaria da escola polytechnica.
Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se dispensa o regimento para este projecto entrar já em discussão.
Foi dispensado o regimento e entrou o projecto em discussão.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 198

Senhores. - A vossa commissão de instrucção superior examinou com a devida attenção a proposta n.° 107-CC, da organisação da secretaria da escola polytechnica.
Considerando que muito convem, fixar definitivamente o quadro d'esta secretaria pela vantagem que d'ahi advirá ao serviço, o qual assim certamente se fará com maior regularidade e pontualidade;
Considerando que era injusto estivessem empregados do ministerio do reino em condições differentes dos outros do mesmo ministério
Considerando, finalmente, que não ha, pelo que se vos propõe, augmento de despeza, mas simplesmente melhor organisação do serviço e mais equitativa distribuição pelos empregados da quantia até hoje gasta com o pessoal da, secretaria o qual, alem d'isto, com vantagem para o expediente, fica augmentado:
Somos de parecer, de accordo com o governo, que deve ser approvado o seguinte, projecto de lei:
Artigo 1.° O pessoal da secretaria da escola polytechnica consta dos seguintes empregados:
1 secretario.
2 officiaes de secretaria.

93

Página 1962

1962 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

1 primeiro amanuense.
1 segundo amanuense.
1 porteiro.
1 guarda (chefe).
3 guardas.
5 serventes.
1 official lithographo.
1 guarda-portão.
§ unico. Os vencimentos de cada um destes empregados são os que se designam na. tabella junta, que desta lei faz parte.
Art. 2.° O secretario, os officiaes e os amanuenses serão nomeados pelo governo, sob proposta do conselho da escola.
Art. 3.° A importancia de todos os emolumentos provenientes de matriculas, cartas, e certidões de qualquer natureza é arrecadada na escola e dividida em duas partes iguaes, uma para o secretario, a outra para ser subdividida entre os dois officiaes, da secretaria.
Art. 4.° É extensivo aos empregados da escola polytechnica o disposto no artigo 40.° do regulamento do ministerio do reino, de 26 de junho de 1876.
Art. 5.° (transitorio). O official do exercito, que actualmente exercerem commissão o logar de secretario da escola continuará, emquanto desempenhe esta commissão, a vencer o soldo e gratificação correspondente á sua patente
mantendo-se durante este tempo os actuaes vencimentos e o actual quadro do pessoal da secretaria.
Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella dos vencimentos dos empregados da Secretaria da escola polytechnica a que se refere o artigo 1.° d'este lei e d'ella faz parte

[Ver tabela na imagem]

1 secretario - ordenado....
1 official - ordenado....
1 official:
Ordenado....
Para falhas como encarregado dos pagamentos....
1 primeiro amanuense - ordenado....
1 segundo amanuense - ordenado....
1 porteiro - ordenado....
1 guarda (chefe) - ordenado....
3 guardas, a 230$000 réis de ordenado....
4 serventes, a 188$000 réis de ordenado....
1 servente - ordenado....
1 official lithographo - ordenado....
1 guarda-portão - gratificação....

Sala das sessões da commissão do instrucção superior e especial, 9 de julho de 1887. = Antonio Candido = J. Frederico Laranjo = J. Alves Matheus = A. L. Guimarães Pedroza = Consiglieri Pedroso = Antonio Ennes = F. Mattozo Santos, relator.

A vossa commissão de fazenda está de accordo com o parecer, da illustre commissão de instrucção superior, visto que se melhora, pelo projecto apresentado, a organização do quadro da secretaria da escola polytechnica, sem que d'isto resulte augmento de despeza.
Sala das sessões da commissão de fazenda, em 12 de julho de 1886. = José Frederico Laranjo = Marianno Presado = Antonio Candido = Carlos Lobo d'Avila = Vicente R. Monteiro = A. Carrilho = J. P. de Oliveira Martins = Gabriel José Ramires = Antonio Eduardo Villaça = A. Fonseca = F. Mattozo Santos.

N.° 107-CC Senhores. - A regularidade do serviço e a sua pontual execução só podem exigir-se a um pessoal sufficiente e com estabilidade que o convido a bem desempenhar as suas funcções, e tenha pelo não cumprimento do que lhe incumbe uma responsabilidade effectiva.
Quando isto se póde conseguir sem encargo para o thesouro, rasão nenhuma ha para deixar em permanente interinidade funccionarios e serviços. A organisação e desempenho d'estes resentir-se-ha sempre da sua forma transitoria, como a não garantia da conservação dos logares desanima os empregados e faz-lhes suppor, e até aquelles que os dirigem, se lhes deve desculpar a menos assiduidade ou cuidado no desempenho do trabalho.
Por estas rasões, e muitas outras que á vossa sabedoria não é necessario apontar, tenho a honra de sujeitará vossa approvação a seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° O pessoal da secretaria da escola polytechnica consta dos seguintes empregados:
1 secretario;
2 officiaes de secretaria;
1 primeiro amanuense;
1 segundo amanuense;
1 porteiro;
1 guarda (chefe);
3 guardas;
5 serventes;
1 official lithographo;
1 guarda-portão.
§ unico. Os vencimentos de cada um d'estes empregados são os designados na tabella junta.
Art. 2.° Sempre que vague o logar de secretario, será n'elle provido o official mais antigo da secretaria.
Art. 3.° Os officiaes e amanuenses serão nomeados pelo governo, sob proposta do conselho da escola.
Art. 4.° A importancia de todos os emolumentos provenientes de matriculas e cartas, e a de todas as certidões, é arrecadada na escola e dividida em duas partes, iguaes, uma para o secretario e outra para ser subdividida entre os dois officiaes da secretaria.
Art. 5.º É extensivo aos empregados, da escola polytechnica o disposto no artigo 40.° do regulamento do ministerio do reino, de 26 de junho de 1876.
Art. 6.° (transitorio). O official do exercito que actualmente, exerce em commissão o logar de secretario da escola, continuará, emquanto desempenho esta commissão, a vencer o soldo é gratificação correspondentes á sua patente, mantendo-se durante este tempo os actuaes vencimentos e o, actual quadro do pessoal da secretaria.
Art. 7.° Fica revogada a, legislação em contrario.

Tabella

[Ver tabela na imagem]

1 secretario - ordenad....
1 official - ordenado....
1 official:
Ordenado....
Parafalhas, como encarregado dos pagamentos....
1 primeiro amanuense - ordenado....

segundo amanuense - ordenado....
1 porteiro - ordenado....
1 guarda (chefe) - ordenado....
3 guardas, a 240$000 reis-ordenado....
4 serventes, a 180$000 réis - ordenado....
1 servente - ordenado....
1 official lithographo - ordenado....
1 guarda-portão (veterano), a 200 réis diarios - gratificação....

Sala das sessões da camara, dos senhores deputados da nação portuguesa em 3 de julho de 1887. = F. Mattozo Santos.

Página 1963

1964 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Senhores. - A commissão de obras publicas de pareccer que o projecto de lei n.° 156-A, de iniciativa dos srs. deputados Francisco de Castro Matoso Côrte Real e João José Dantas Souto Rodrigues, relativo ao abastecimento de aguas da cidade de Coimbra, póde ser approvado sem inconveniente, porquanto as vantagens a que se refere áquella lei de 27 de julho de 1882 devem facilitar a execução dos trabalhos referentes áquella obra, que é de urgente necessidade. Entende tambem a commissão que ao artigo 1.° devem ser addicionadas as seguintes palavras: por contrato com a mesma camara.
Sala das sessões da commissão, em 9 de julho de 1887 . = Manuel Affonso de Espregueira = Elvino de Brito = Luiz de Mello Bandeira Coelho = Eduardo Abreu = José Augusto Barbosa Colen = Augusto Pinto de Miranda Montenegro = Francisco de Lucena e Faro = Antonio Eduardo Villaça.

N.º 156-A
Senhores. - As condições hygienicas da cidade de Coimbra, onde acode todos os annos uma grande parte da mocidade portugueza a professar os estudos da universidade, não podem deixar de merecer a mais seria attenção do governo é do poder legislativo.
É necessario remover as causas da insalubridade, que ainda ha pouco obrigou a suspender os exercicios escolares e causou um grande sobressalto em todo o paiz.
Para se conseguir este fim muito têem contribuido e podem contribuir as corporações locaes; mas não basta o seu esforço e não são sufficientes os seus recursos; é indispensavel e é justo o auxilio do estado, visto que se trata de um melhoramento publico, por ser em proveito de centenares de estudantes que vão viver em Coimbra durante cinco annos pelo menos.
O primeiro meio aconselhado para melhorar o estado sanitario de Coimbra é o abastecimento, de aguas.
Com este intuito fez a camara municipal d'aquelle concelho em 28 de janeiro de 1879 um contrato provisório com o dr. Antonio Augusto da Costa Simões, pelo qual este concessionario se obrigava-a abastecer a cidade com agua tirada do rio Mondego.
A esse contrato, aclarado por nova escriptura de 3 de junho de 1881, seguiu-se mais tarde um outro pelo qual o primeiro concessionario se fez substituir pelo subdito inglez James Easton, representante de um importante estabelecimento industrial de Londres.
Levado esse contrato provisorio perante O poder legislativo, a fim de lhe ser dada à precisa sáncção, foi-lhe esta com effeito concedida por lei de 27 de julho de 1882; e por essa mesma occasião foram auctorisadas differentes concessões, todas ellas tendentes a facilitar a execução d'quella importante obra.
Restava tornar definitivo o contrato provisorio, mas para o conseguir foram infructiferos todos os esforços empregados pelas corporações, que têem gerido até ao presente os negocios municipaes d'aquella cidade.
Não póde nem deve continuar um tal estado de cousas, e sendo necessario que a camara municipal d'aquella cidade cuide sem demora das, obras projectadas, torna-se indispensavel, que para essa corporação, ou para pessoa, ou empreza, que tenha de realisar aquella obra, sejam transferidas as mesmas concessões, feitas pela lei citada ao referido concessionário.
Por estas rasões e pelas que constam da representação que vae junta, tenho a honra de vos propor o seguinte
Artigo 1.° As concessões feitas ao engenheiro inglez James Easton pela lei de 27 de julho de 1882, tendentes a facilitar a execução das obras necessarias parado abastecimento de aguas na cidade de Coimbra, são mantidas á camara municipal d'aquelle concelho, ou a qualquer pessoa ou empreza, que tenha de realisar aquellas importantes obras.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Camara dos deputados, em 4 de julho de 1887. = Francisco de Castro Matoso da Silva Côrte Real = João J. D. Souto Rodrigues.

Entrou em discussão o projecto n.º 158.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 158

Senhores. - Com o intuito de empregar de modo lucrativo e certo reembolso, as quantias depositadas na caixa geral de depositos, apresentou o governo a proposta de lei n.° 156-P, tendente a alargar as operações auctorisadas pelo decreto regulamentar de 17 de agosto de 1881.
E achando a vossa commissão de fazenda que essa proposta encerra, um acto de boa administração da fazenda publica, entende que ella deve ser approvada e convertida no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As operações que pelos artigos 60.° a 62.° do regulamento de 17 de agosto de 1881 é auctorisada a realisar a administração da caixa geral de depositos são ampliadas nos termos seguintes:
§ 1.° Emprestimos sobre penhor de metaes preciosos, que representem para cada penhor valor superior a 50$000 réis.
§ 2.° Desconto de letras recebidas pelo thesouro em pagamento de bens nacionaes e direitos dos cereaes e ainda outras de proveniencias, analogas, e das sacadas pelas juntas de fazenda das provincias ultramarinas e commandantes das estações navaes, umas e outras, sobre o ministerio da marinha e ultramar, depois de verificadas e acceitas pela competente repartição da direcção geral da contabilidade publica.
§ 3.° Os emprestimos sobre penhor de titulos de divida publica fundada, interna ou externa, e obrigações da companhia geral de credito predial portuguez, poderão elevar-se a 90 por cento do valor effectivo dos mesmos titulos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão, aos 9 de julho de 1887. = José Dias Ferreira = Carlos Lobo d'Avila = A. Fonseca = Marianno Presado = Antonio Eduardo Villaça = Jose Maria dos Santos = F. Mattozo Santos = Antonio Candido = A. Carrilho, relator.

N.º 156-P
Senhores. - O capital da caixa geral de depositos tem augmentado consideravelmente. De 2.100:000$000 réis, que era em 30 de junho de 1878, eleva-se actualmente a somma superior a 5.000:000$000 réis. As operações facultadas á caixa geral de depósitos para emprego do seu capital não previram tão considerável augmento d'este, e são presentemente insufficientes.
E por isso medida de boa administração ampliar essas operações de forma que todo o capital possa ser empregado em operações seguras é lucrativas de maneira a garantirem largos lucros que se traduzem em uma ampla amortisação da divida publica.
Assim tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° Os emprestimos sobre penhor de titulos de divida publica fundada, interna ou externa, e obrigações da companhia geral do credito predial portuguez, feitas pela caixa geral de depositos e que em virtude do disposto no artigo 62.° do decreto regulamentar de 17 de agosto de 1881 não podem ser por quantia superior a 80 por cento do valor effectivo que Os titulos tiverem no mercado, poderão elevar-se a 90 por cento do valor dos mesmos titulos.
Art. 2.° A caixa geral de depositos poderá fazer ,emprestimos sobre penhor de metaes preciosos, que representem para cada penhor valor superior a 50$000 réis.
Art. 3.° A caixa geral de depositos poderá descontar as letras recebidas pelo thesouro em pagamento de bens nacionaes e direitos dos cereaes e ainda outras de prove

Página 1964

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1963

Quadro comparativo dos antigos vencimentos e dos propostos n'este projecto

Pessoal actual e seus vencimentos

[ver quadro na imagem]

1 secretario (general de divisão reformado):
Soldo1....
Gratificação....
1 Official:
Ordenado....
Gratificação....
1 Official:
Ordenado....
Para falhas, como encarregado dos pagamentos....
1 amanuense - ordenado....
1 porteiro, ordenado....
3 guardas, a 240$000 réis - ordenados....
4 serventes, a 180$000 réis - ordenados....
1 servente - ordenado....
1 Official lithographo - ordenado....
1 guarda-portão (veterano, a 200 réis diarios) - gratificação....

Pessoal proposto, e seus- vencimentos

1 secretário - ordenado....
1 Oficial-ordenado....
1 oficial:
Ordenado....
Para falhas como encarregado dos pagamentos....
1 primeiro amanuense - ordenado....
1 segundo amanuense-ordenado....
1 porteiro....
1 guarda (chefe) - ordenado....
3 guardas, a 240$000 - ordenado....
4 serventes, a 180$000 - ordenado....
1 servente - ordenado....
1 oficial lithographo - ordenado....
1 guarda-portão (veterano a 200 réis diários) - gratificação....

1Recebe o soldo pelo ministerio da guerra.

O. sr. D. José de Saldanha: - Não posso entrar na apreciação d'este projecto, porque, como a camara acaba de ouvir, foi dispensado o regimento, para entrar já em discussão, mas não posso tambem pela minha parte approval-o sem fazer algumas breves observações tendentes a socegar, o meu espirito.
Ignoro quem seja o relator.
Uma Voz: - É o sr. Matoso Santos.
O Orador: - Muito bem.
Em primeiro logar direi que calculo que o sr. relator não a trazia á camara sem uma necessidade urgente, e em segundo logar direi, e este, ponto é importante, que no momento em que se estão pedindo sacrificios ao contribuinte, deve haver a maior parcimonia nas despezas, a maior economia nos dinheiros publicos.
Portanto, a primeira pergunta que tenho-a fazer é se o projecto que está em discussão se torna indispensavel para o bom andamento do serviço; a segunda pergunta é a quanto, monta a despeza que vae recair sobre a despeza geral do estado; a terceira pergunta é se existe verba especial para correr a esta despeza, e em quarto logar pergunto se, no caso do projecto não ser approvado, resultará d'ahi grande prejuizo para a administração publica.
Limito aqui as minhas observações.
O sr. Matoso Santos: - Em resposta às perguntas que acaba de fazer o sr. D. José de Saldanha, sobre o parecer que tive a honra de mandar para a mesa, direi que não ha augmento de despeza nenhuma com esta organisação, porque apenas se trata de distribuir melhor o pessoal e dar-lhe garantias para o futuro, permittindo-se que elle fique na mesma situação em que está o pessoal do ministerio do reino.
Ha uma gratificação para o secretario da escola; mas essa gratificação, quando esse official deixar de exercer tal cargo, não virá a pertencer ao futuro secretario, e será distribuida pelos empregados que ficam pertencendo ao futuro, quadro.
Portanto, a verba é a mesma: não ha augmento de despeza e trata-se apenas de dar uma distribuição differente ao pessoal.
Portanto, como v. exa. vê, parece-me que por este modo tenho respondido ás quatro perguntas do sr. D. José de Saldanha. Não ha augmento de despeza.
Mas como me parece que ha desejo de discutir, é não querendo demorar a discussão de projectos mais importantes, como o das pautas, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire o pedido de urgencia.
O sr. Presidente: - O sr. Matoso Santos pede para retirar o seu pedido de urgencia.
Vou consultar a camara.
Foi retirado.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DA NOITE
Leu-se na mesa o projecto n.° 177, que foi approvado sem discussão.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 177

Senhores. - À vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 156-A, que tem por fim transferir para a camara municipal de Coimbra, ou a qualquer pessoa ou empreza incumbida da execução das obras necessarias para o abastecimento de aguas d'aquella cidade, as concessões que, por carta de lei de 27 de julho de 1882, haviam sido feitas ao engenheiro inglez James Easton, encarregado, por contrato com a mesma camara, de levar a effeito a realisação de tão importante melhoramento.
Considerando que é de subida importancia e urgente necessidade proceder-se ao abastecimento de aguas da cidade de Coimbra como meio seguro de melhorar as suas condições hygienicas e beneficiar os seus habitantes;
Considerando que é de conveniencia e equidade que á : camara directamente, ou á empreza com que ella contrate sejam concedidas vantagens identicas ás que haviam sido feitas ao engenheiro inglez Easton que não chegou, a dar começo á obra e cujo contrato, segundo informações recentes, se acha já rescindido:
É a commissão de fazenda de parecer, de accordo com a illustre commissão de obras publicas, que merece a vossa approvação o seguinte.
Artigo 1.° As concessões feitas ao engenheiro inglez James Easton pela lei de 27 de julho de 1882, tendentes, a facilitar a execução das obras necessarias para o abastecimento de aguas na cidade de Coimbra, são mantidas á camara municipal daquelle concelho, ou a qualquer pessoa ou empreza, que tenha de realisar aquellas importantes obras por contrato com a mesma camara.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 13 de julho de 1887. = José Dias Ferreira = Antonio Candido = Antonio P. Carrilho = J. P. Oliveira Martins = Alves da Fonseca = Gabriel José Ramires = José Frederico Laranjo = Vicente B. Monteiro = Carlos Lobo d'Avila = A. Baptista de Sousa = Antonio Eduardo Villaça, relator.

Página 1965

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1965

niencias analogas, e, as sacadas, pelas juntas de fazenda das provincias ultramarinas sobre o ministerio da marinha e ultramar depois de verificadas e acceitas pela repartição, de contabilidade do mesmo ministerio.
Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio dos negocios da fazenda, 8 de julho de 1887. =
Marianno Cyrillo de Carvalho.
Foi approvado.

Leu-se na mesa o projecto n.° 166.
É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 166

Senhores. - Á vossa commissão de instrucção primaria e secundaria, foi presente o projecto de lei n.° 107-B, tendente a regularisar a situação dos actuaes professores prpvisorios dos lyceus.
Estudando attentamente, como lhe cumpria, um assumpto de tão melindrosa importancia para as necessidades da instrucção, e tendo em vista as justas reclamações de muitos professores a quem habilitações especiaes e uma longa pratica de ensino Official legitimaram, até certo ponto, interesses que o legislador não póde. deixar de garantir, pareceu á vossa commissão que devia acceitar o pensamento fundamental do projecto, conciliando assim as inadiaveis exigencias da reforma da instrucção secundaria, tão judiciosamente delineada no decreto com força de lei de 29 de julho de 1886, com as naturaes inspirações da equidade que o legislador não póde fazer calar e que, n'este ponto, já tem por si, a avigorar-lhe a energia, as disposições transitorias da lei de 14 de junho de 1880 e bem assim, para o real collegio militar, as do decreto de 31 de janeiro do anno corrente.
Difficilmente se executam as leis, ainda as mais justas e as mais profundamente reformadoras, quando na transição para o estado social que aspiram a crear não resalvam interesses que a posse porventura tenha justifacado no largo exercicio de uma profissão laboriosa e cheia de espinhos.
Orientada por este criterio, dizia em 1880 á camara dos senhores deputados a commissão incumbida de examinar o projecto de reforma da instrucção secundaria: «Tambem lhe pareceu que as disposições referentes ao provimento das cadeiras, vagas em professores provisorios poderiam ampliar-se a todos os professores d'essa classe que tivessem um curso superior e mais de seis annos de bom e não interrompido serviço, para que o magisterio não ficasse privado dos homens competentes, que o governo tem considerado aptos até hoje, não só para a regência das cadeiras mas tambem para o serviço dos exames.»
Filia-se n'estes principios o projécto que a iniciativa parlamentar commetteu ao exame da vossa commissão. Acceitando-o na essencia, como disposição transitoria e complementar da sabia reforma contida no decreto de 29 de julho de 1886, não podia, a commissão deixar de lhe introduzir algumas leves modificações tendentes, umas a ampliar a outras hypotheses, que se abonam com identicas rasões, a providencia do artigo 1.° do projecto primitivo; outras a assegurar a execução radical e completa da reforma de 1886, fixando prasos e impondo restricções.
Feita a collocação definitiva do pessoal dos lyceus e abertos immediatamente os concursos para as cadeiras vagas, ficará o governo armado de uma forte restricção legal contra as influencias que porventura vingassem obsidial-o, na vigencia plena da reforma tão louvavelmente affirmada no decreto de julho. Obedece a este pensamento o artigo 2.° e seu paragrapho.
Pelas considerações que ficam expostas e por outras que á vossa illustração facilmente suggerirá a leitura do projecto n.° 107-B e do seu bem elaborado relatorio, é a vossa commissão, ouvido o governo, de parecer que deve ser convertido no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a nomear professores proprietarios dos lyceus, sobre proposta fundamentada dos respectivos conselhos escolares e voto affirmativo da secção permanente do conselho superior de instrucção publica, independentemente do concurso exigido pelo artigo 11.º do decreto de 29 de julho de 1886.
1.º Os actuaes professores provisorios que, até o dia 14 de outubro do anno corrente, prefizerem seis annos de bom e effectivo serviço nos mesmos institutos e se mostrarem habilitados com a carta de algum curso superior;
2.º Os actuaes professores, provisorios das linguas franceza, ingleza ou allemã que até á mesma data prefizerem seis annos de bom e effectivo serviço no ensino official da respectiva lingua;
3.º Os actuaes professores provisorios das cadeiras de latim e litteratura que no referido praso completarem seis annos de bom e effectivo serviço e se mostrarem habilitdos com o curso especial de theologia dos seminarios do continente do reino;
4.º Os actuaes professores provisorios que no mesmo praso completarem quinze annos de bom e effectivo serviço no ensino official, sendo pelo menos oito de magisterio secundario;
5.° Os professores vitalicios de instrucção secundaria fóra dos lyceus, que actualmente estão servindo por commissão do governo nos mesmos institutos, os quaes poderão ser definitivamente collocados nas cadeiras para que foram approvados em concurso de provas publicas.
§ 1.º Os professores a que se referem os nos. 2.°, 3.°, 4.° e 5.º d'este artigo não poderão ser transferidos, sem concurso, para cadeira differente d'aquella em que, nos termos da presente lei, forem definitivamente collocados.
§ 2.° É comtudo facultada a transferencia para os lyceus, nos termos dos artigos 12.° e 24.º do decreto de 29 de julho de 1886, aos actuaes professores civis proprietarios, do real collegio militar, que tenham sido professores provisorios d'aquelles institutos.
Art. 2.° O governo usará das auctprisações conferidas na presente lei até 14 de novembro do anno corrente, não, podendo d'ahi em diante nomear professores sem concurso.
§ unico. Poderá comtudo o governo desde já proceder ás nomeações a que se refere esta lei, publicando na folha official, até, á data fixada neste artigo, a relação das cadeiras que ficarem vagas, as quaes serão immediatamente postas a concurso, nos termos do decreto de 29 de julho de 1886.
Art. 3.° Fica revogada á legislação em contrario
Sala das sessões, em 12 de julho de 1887 = José Simões Dias = Pedro Antonio Monteiro = José Alves de Moura = José Maria de Oliveira Matos = Luiz José Dias = Barbosa de Magalhães = João Augusto de Pina = Albano de Mello = J. A. da Silva Cordeiro, relator.

N.° 107-B

Senhores. - No projecto de lei, que temos a honra de submetter á vossa illustrada apreciação, procura-se attender as justas reclamações de alguns dos actuaes professores provisorios dos lyceus, que pretendem ser providos definitivamente nas cadeiras que regem há bastantes annos.
A ultima reforma da instrucção secundaria; decretada em 29 de julho de 1886, determina no artigo 11.° que os professores proprietarios e aggregados dos lyceus serão sempre nomeados pelo governo em concurso de provas publicas dadas no lyceu da séde da circumscripção respectiva.
Não pretendemos contestar as vantagens do concurso, que é sem duvida o meio mais útil e proficuo para que o mérito possa ter o cabimento que lhe é devido nos logares do professorado; mas não podemos deixar de considerar que o tirocinio de bastantes annos é tambem uma prova assas attendivel senão mais segura, para aquilatar a com

Página 1966

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1966

petencia, zêlo e aptidão dos que sejam dignos de exercer as importantes funcções do magisterio.
Assim o reconheceu a lei de 14 de junho de 1880, dispondo que os professores provisorios que tivessem seis annos de bom e effectivo serviço e um diploma de curso de instrucção superior, bem como aquelles que contassem quinze annos de serviço, embora lhes faltasse a habilitação especial superior, poderiam ser collocados na propriedade das cadeiras que então regiam, independentemente do concurso que a mesma lei exigia.
Assim o reconheceu tambem o decreto de 31 de janeiro do corrente anno, consignando nos artigos 29.° e 30.° a dispensa do concurso aos professores do real collegio militar, os quaes pela nova organisação dada a este instituto em virtude dos decretos de 29 de julho e 3 de novembro de 1886, devem ser habilitados pela mesma forma que fôra estabelecida para os dos lyceus. Fundados n'estes principios e exemplos, e attendendo a que não ha rasão plausivel para recusar os direitos e vantagens, da legislação citada aos actuaes professores provisorios dos lyceus, que estiverem em condições iguaes às dos que receberam o beneficio que se propõe, esperâmos que merecerá a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Os actuaes professores provisorios dos lyceus que provarem ter ao tempo da promulgação da presente lei, seis annos completos de bom e effectivo serviço nos mesmos institutos e carta de algum curso de instrucção superior, poderão ser nomeados pelo governo professores proprietarios ou aggregados independentemente do concurso exigido pelo artigo 11.° do decreto de 29 de julho de 1886.
§ 1.° Podem ser nomeados, sem concurso, professores proprietarios de linguas franceza, ingleza ou allemã os actuaes professores provisorios que respectivamente tenham ensinado nos lyceus essas linguas durante seis annos completos com proficiencia, zêlo e aptidão, dispensando-se-lhes a carta de um curso de instrucção superior.
§ 2.º Igualmente poderão ser nomeados sem concurso, professores proprietarios ou aggregados os actuaes professores provisorios, que contarem mais de quinze annos de bom e effectivo serviço nos lyceus, embora careçam de carta de um curso de instrucção superior.
§ 3.° Os professores vitalicios das aulas secundarias fora dos lyceus, que estiverem presentemente servindo em commissão do governo nos lyceus, poderão ser providos nas disciplinas para que tenham sido approvados em concurso de provas publicas, e em cuja regencia hajam mostrado proficiencia, zêlo e aptidão.
§ 4.º As nomeações, de que se trata neste artigo e paragraphos antecedentes, serão feitas, precedendo requerimento dos interessados devidamente documentado, proposta fundamentada dos conselhos dos lyceus respectivos e voto affirmativo da secção permanente do conselho superior de instrucção publica.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara electiva, em 3 de junho de 1887. = José Joaquim de Vasconcellos Gusmão = Manuel Maria de Brito Fernandes = Francisco de Castro Matoso da Silva Corte Real = José Soares Pinto Mascarenhas = João de Menezes Parreira = Manuel José Vieira.

O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Não quero alongar-me em considerações com relação a este projecto, que julgo de toda a justiça.
Tenho de apresentar algumas emendas, para que chamo a attenção da commissão, porque me parece que ellas são mais equitativas, do que o que está expresso no projecto.
No n.° 2.° do artigo 1.° estabelece-se:
(Leu.)
Isto tem simplesmente como rasão justificativa é precedente estabelecido na lei que foi revogada pela actual lei de instrucção secundaria. E eu, para tirar todo o caracter de personalidade, fiz um pequeno calculo em virtude do qual a media das nomeações, é inferior a seis annos e até a cinco annos; tomei o numero dos actuaes professores provisorios e a data de nomeação provisoria, e dava a media de quatro annos e alguns mezes.
Mas, para pôr de parte numeros fraccionários, arredondei e sujeito á apreciação da camara a minha emenda, que é a seguinte.
(Leu.)
Mando tambem uma modificação ao artigo 2.°, porque, como elle está redigido, parece que fica facultativo ao governo usar ou não usar das auctorisações conferidas na presente lei até 14 de novembro, e eu quero que fique expresso na lei que deve usar.
Tenho de fazer outra proposta, que é tambem explicativa, e que é a seguinte. (Leu.)
Devo dizer que tirei a esta proposta o caracter de personalidade, porque, se fizesse uma lei que me aproveitasse, que sou provisorio, e ainda tenho o meu alvará, eu proporia tres annos e meio, e não cinco.
No entanto esta lei não me aproveita, e a minha proposta satisfaz a um principio de justiça.
As propostas que mandou para mesa são as seguintes:

Propostas
Emendas:
Artigo...
1.° Os actuaes professores provisorios que até ao dia 14 de outubro do corrente anno perfizerem cinco annos de bom e effectivo serviço nos mesmos institutos ou n'outros de igual ou superior categoria, e se mostrarem habilitados com a carta de algum curso superior.
2.° Os actuaes professores provisorios das linguas franceza, ingleza ou allemã, que até á mesma data perfizerem cinco annos de bom e effectivo serviço, no ensino da respectiva lingua.
3.° Os actuaes professores provisorios das cadeiras de latim e litteratura que no referido praso completarem cinco annos de bom e effectivo serviço nas mesmas cadeiras, e se mostrem habilitados com o curso especial dos seminarios do continente e ilhas adjacentes.
Art. 2.° O governo deverá usar, etc. (como no projecto). = José de Azevedo Castello Branco = Barbosa de Magalhães.

Proponho que, nos prasos de que trata o artigo 1.°, se contem para os effeitos legaes, e como de serviço effectivo, os mezes de ferias de agosto e setembro, e bem assim o tempo de serviço em côrtes, como par ou deputado. = O deputado, José de Azevedo, Castello Branco.
Foram admittidas.
O sr. Presidente: - Fica adiada a discussão d'este projecto, e passa-se á segunda parte da ordem da noite.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 186 (reforma das pautas aduaneiras)

O sr. Presidente: - Continua com a palavra o sr. Fuschini.
O sr. Fuschini: - Sr. presidente, desde b momento em que v. exa. poz em simultanea discussão a minha proposta de adiamento e o projecto, sei de antemão qual é a sorte que a espera.
Realmente não me parece muito regular, que uma proposta de adiamento, verdadeira questão previa, seja simultaneamente posta em discussão com o projecto, que se pertende adiar; mais regular seria, e mais lógico, apreciar as rasões do adiamento, approval-as ou rejeital-as e assim suspender ou continuar na discussão do projecto de lei.

Página 1967

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1967

Não perderei, porém, o meu tempo em sustentar a boa doutrina, que poucos vejo inclinados a seguir.
Em vista d'isto passo á ler á camara as propostas que faço, ácerca da pauta, na questão dos cereaes.
Proponho o additamento seguinte:
«Art. 2.° É o governo auctorisado a montar, uma fabrica para, moagem exclusiva dos trigos rijos nacionaes, cujas farinhas serão empregadas nos fornecimentos para o exercito e para a marinha.
§. unico. O governo auxiliará a camara, municipal de Lisboa na organisação das padarias municipaes para abastecimento economico de pão na capital.
Para os direitos sobre o trigos e farinhas estrangeiros proponho as seguintes hypotheses:
«l.ª hypothese.
«.Conservação do direito e dos addicionaes da pauta em vigor, 12,4 réis por kilogramma de trigo em grão importado.
«Idem, 20 réis por kilogramma de farinha importada.
«2.ª hypothese:
«Elevação do direito total sobre o trigo em grão a 13,5 réis por kilogramma importado. Diminuição do direito total sobre a farinha a 18,5 réis por kilogramma importado.
«3.º hypothese:
«Elevação do direito total sobre o trigo em grão a 15 réis por kilogramma importado. Diminuição do direito total sobre, a farinha a 17,5 réis por kilogramma importado.
São estas propostas que vou sustentar e desenvolver.
Não se incommode o illustre relator a tomar apontamentos. Acabada esta exposição, passarei para a sua mão os meus, que são completissimos, e certamente mais perfeitos do que aquelles que v. exa. póde tirar rapidamente.
S. exa., os estudara; e, como não faço questão da minha rethorica, nem me envaideça pela minha dialectica, porque apenas desejo ver o assumpto esclarecido, se s. exa. me provar o contrario do, que avanço, acceitarei as suas conclusões, e d'accordo com ellas modificarei as minhas opiniões.
Apresentando as minhas propostas, ácerca d'este importante projecto, vou, o mais succintamente, que me for possivel, desenvolver a doutrina com que me parece que as defendo cabalmente. N'este assumpto, como em todos os que trato n'esta camara, procurarei ser pratico; fugindo, pois, a considerações didacticas, não entrarei na definição de principios e em questões de escolas.
Perniittam-me, porém, v. exa. e a camara que n'este momento, abrindo uma ligeira excepção, manifeste a minha opinião geral, sobre todos os assumptos economicos e financeiros, que directamente ou indirectamente podem interessar o paiz.
O sr. D. José de Saldanha, referindo-se ás minhas idéas, parece que me classificou de livre cambista. S. exa. está completamente enganado. Não sou livre cambista, nem proteccionista.
Parece-me que hoje as sciencias economicas applicadas pozeram de parte essas escolas extremas, em que theoricamente se divide a economia politica. Bellas concepções das theorias scientificas, excluidas vão do dominio pratico das questões sociaes, em que a sciencia tem de ser applicada e apuradas pela experiencia as suas leis e os seus principios.
Sou opportunista na economia politica, como ha opportunistas, e como sou tambem, na politica geral.
Entendo, que nas organisações sociaes, cada problema economico, deve ter estudo proprio em harmonia com as condições geraes e especiaes do paiz, para que se legisla, segundo a propria natureza da questão, que se ventila, conforme as conveniencias das classes, que têem relações com esse problema, e cujos interesses serão modificados, ou pelo menos influenciados, pela resolução, que haja de ser abraçada.
Sr. presidente,affimo que esta é a doutrina scientifica moderna, a doutrina dos verdadeiros homens d'estado; e com isto não quero por fórma alguma dizer, que tenha o menor dote do estadista; se bem que estadistas ha, que dos dotes têem apenas a simples encadernação. Sem querer, repito, por fórma alguma dizer, que tenha o menor dote de estadista, posso affirmar á camara, que não ha hoje homem d'estado, para mim d'esse nome merecedor, que não encare os problemas sociaes, e sobretudo os economicos, sob o ponto de vista de um sabio opportunismo de tempo, e de doutrina.
Um grande revolucionario d'este seculo, que não deixou tambem do ser um dos maiores genios e dos mais profundos pensadores do seculo XIX, Pedro José Proudhon, no seu bello livro Da justiça na revolução e na igreja, respondia áquelles que o chamavam communista e socialista, com singellas palavras, que a meu ver, definem a natureza e o caracter da moderna seiencia economica.
«Dizeis que sou socialista? Talvez, dizia Proudhon. Chamaes-me communista? Talvez. Penso não ter existido alguem que mais tenha combatido estas doutrinas do que eu; mas tudo emfim se reduz a uma simples definição. Se os meus detractores, ou os meus contradictores, julgam, que são socialistas aquelles que estudam os phenomenos economicos nas suas proprias e directas origens sociaes, para d'elles tirarem as leis, assim como os physicos estudam os phenomenos physicos, e os chimicos estudam os phenomenos chimicos e d'elles deduzem as leis experimentaes da physica e da chimica; se admittem para a economia politica o methodo positivo, e experimental que as sciencias naturaes adoptaram e pelo qual se desenvolveram; se isto é ser socialista e communista, então sou-o. Se ser communista e socialista, no vosso entender, é cousa differente na essencia e no methodo, então não sou nem socialista nem communista.
Ora, sr. presidente, esta definição admiravel e caustica de Proudhon deve ser hoje considerada como a revelação do grande genio d'aquelle poderoso transformador e a prophetica definição de um principio, hoje admittido em todas as sociedades cultas, o lemma e a norma scientifica de todos os homens considerados como, verdadeiros estadistas.
Assim como entendo, e tenho-o praticado, supponho eu, que em politica não se devem fazer especulações, especulações no bom, sentido da palavra; assim como afirmo que politico algum, deve sacrificar as normas e os principios de justiça a qualquer interesse, partidario ou de classe, entendendo, como entendo, que deve a disciplina partidaria, e politica ser circumscripta por modo, que não fira jámais os principios, fundamentaes, sem os quaes não ha convicções, e sem convicções não ha individualidade, e sem individualidade não ha honestidade; também, sr. presidente, affirmo, que nas questões economicas se não, deve por fórma alguma transigir com os interesses de uma classe, seja ella numerosa, rica e respeitavel, quando essa transigencia atacar e menosprezar, as normas da justiça e do direito, que constituem a harmonia e o equilibrio social.
O nosso seculo manifesta desgraçadamente tendencias, que é preciso corrigir.
Um pouco falto de convicções e de fé; não tanto, como disse o sr. Antonio Candido, arrastado pela sua elevada rhetorica e pela sua eloquencia, porque é sabido que a eloquencia e a rhetorica sacrificam muitas vezes não direi já o bom senso, mas apenas a boa doutrina; bastante utilitaria, sceptico e sybarita, o nosso, seculo manifesta uma tendencia pronunciada para já plutocracia, isto é, para a força e predominio das classes ricas, para a olygarchia dos millionarios.
Provém isto de que se vive mais de apparencias do que, de realidades, de que se adora mais a materia do que o espirito, de que se crê mais n'este mundo do que se espera do outro; porque para a maior parte da gente não ha ou a fé e o temor de um espirito superior, que nos ha de julgar, ou a intuição serena da magestade d'esta força, que dentro

Página 1968

1968 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de nós mesmo existe e comnosco talvez morrerá, mas que por sor á nossa propria dignidade, e o caracteristico sublime do homem, devemos conserval-a, até um dia a abandonarmos, immaculada e pura.
Eu não soa plutocrata; Não vejo classes nem individuos mas simplesmente a sua justiça e os seus direitos; se alguma, porém, tivesse de considerar, lembrar-me-ia tambem de que um grande genio d'este seculo, Saint-Simon, disse: «tolas, as instituições, no sentido largo da palavra, devem contribuir para o desenvolvimento regular, social, intellectual e moral, das classes mais numerosas e mais pobres.»
Sr. presidente, para mim este grande principio de Saint Simon é, sem contestação, no mundo moderno um lemma da justiça politica e social; constitue, quando realisado nas sociedades, o indicador do seu progresso e do seu estado de
civilisação; não ha hoje alguem, que trema diante do nome terrivel de socialista, que em tempo foi lançado em menosprezo do grande homem, que escreveu este sublime pensamento.
Felizmente, sr. presidente, as idéas avançam e os preconceitos recuam, todos nós somos socialistas; (Apoiados.) bom é, porém, que em vez de affirmações pomposas, modestamente pratiquemos as sãs doutrinas do socialismo;
porque hei de ter occasião de me referir ainda hoje a certos factos e certas opiniões, que, são, a meu ver, á negação completa do bom socialismo.
Hei de provar isso, e mais alguma cousa.
N'este ponto de vista, sr. presidente, como deputado da nação portugueza, unica manifestação por que posso ter alguma importancia, (Não apoiados.) não nego, nem negarei por fórma alguma, a protecção, que possa conceder na minha pequena esphera de acção, com o meu voto, com a minha palavra o com a minha convicção, a qualquer classe que a mereça e justamente a exija por carecer d'ella. Não nego, nem negarei, o meu auxilio, logo que seja concedido por modo efficaz e não fira uma outra classe, aliás seria injusto; e sobre tudo que não se protejam as classes mais ricas com detrimento das mais pobres, porque n'esse caso será criminoso.
É claro que a protecção, que se reduz a deslocar a riqueza nacional, transportando-a simplesmente de uma para outra classe, é absurda e inutil. O capital nacional é constituido pelo capital particular dos differentes individuos e das familias, que compõem a nação. Transportar de uns para outros a riqueza particular, sem produzir e crear nova riqueza, sem engrossar o capital nacional, é sempre uma detestavel protecção; assim não enriquece o paiz.
Ha deslocamentos de valores, não creação d'elles; a operação corresponde a mudar o dinheiro de uma algibeira para outra, suppondo-nos por este facto mais ricos. A protecção, que se reduz a deslocar a riqueza publica de uma para outra classe social é absurda sempre, e será criminosa quando beneficiarias classes ricas com sacrificio das classes pobres. (Apoiados.)
Desde o momento em que se prove, com factos evidentes e não com simples dissertações ou lamentações interessadas o suspeitas, que soffre qualquer classe social, o nosso dever como homens e como deputados, o nosso dever como politicos e como particulares, é de lhe prestarmos auxilio e protecção; o caso está na escolha dos meios convenientes para a levar á effeito, com utilidade para os que soffrem e com justiça para todos (Apoiados.)
Soffre uma classe agricola?
É indispensavel protegel-a; a questão está exactamente em descobrir, estudar e applicar medidas acertadas. (Apoiados.)
Francamente devo affirmar a v. exa. que não acredito nada, absolutamente nada, na efficacia da protecção aos agricultores, que resultará do augmento dos direitos de importação do trigo e das farinhas, segundo as medidas apresentadas pela commissão de fazenda, de accordo com o governo seria escusado dizer isto desde o momento em que faço outras propostas, é venho sustentar, principios differentes.
Emquanto a commissão de fazenda, de accordo com o governo, propõe a elevação simultanea dos direitos sobre o trigo em grão e sobre a farinha, pela minha parte proponho a organisação das moagens dos trigos nacionaes, exclusivamente, por conta do estado; em relação aos direitos pautaes mantenho os actuaes (1.ª hypothese) ou, acceitando a elevação dos direitos sobre o trigo, baixo convenientemente os direitos sobre as farinhas (2.ª e 3.ª hypothese).
Hei de demonstrar mais tarde ser esta a unica fórma, de conseguir que o trigo nacional entre nas mós dos farinadores nacionaes, se ainda assim entrar.
Eis aqui, como considero em geral este problema, aliás grave e importante, da protecção ás industrias e ao trabalho nacional; parece-me, sr. presidente, que estou bem longe de ser esse inimigo implacavel, como me têem querido definir, de certas classes agricolas do paiz.
Esta profissão de fé economica era, quasi indispensavel. Nunca protestei contra a protecção do estado, nem mesmo seria logico fazel-o com as opiniões socialistas, que sempre professei e tenho sustentado.
Estudei a questão como melhor pude, e venho ,com a plena certeza de que, adoptado o meu systema, a protecção á agricultura será efficaz e, o pão não, ha de encarecer no paiz; emquanto que, adoptado o systema da commissão, nada lucrará a agricultura e o encarecimento do pão é fatal e necessario. E a minha prophecia, se for preferido o systema da commissão, o que não espero, não terá prova muito longinqua; esperemos apenas o dia 31 de janeiro de 1888.
Por todas estas rasões não posso deixar do sentir profundamente a mudança de opinião rapida e radical, que manifestou o ministerio na questão dos cereaes em assumptos d'esta ordem, em dois ou tres mezes apenas, não variam por tal fórma as condições economicas do paiz, nem se produzem phenomenos tão importantes, que sejam sufficientes para transformar completamente a doutrina e a opinião convictas de homens serios e intelligentes. Sinto profundamente a mudança de opinião do sr. ministro da fazenda, do sr. ministro das obras publicas, e ainda, embora não tenha tantos elementos, para o affirmar, a da propria commissão e do sr. relator.
Sr. presidente, merece-me tanta consideração a commissão de fazenda, que, para mais não ser, devo affirmar a v. exa., que o relator d'este projecto é tão meu intimo amigo, que maior amisade, talvez, não existe entre bons irmãos.
Não quero dizer com isto, que mais de uma vez nos não tenhamos encontrado em discussões acirradas, nunca odientas, ou repassadas de qualquer sentimento que não seja generoso; não quer isto dizer, que em breve, talvez, os nossos animos irritados e genios irasciveis não produzam uma pequena tempestade; affirmo, apenas, que tanto quanto é possivel ter consideração por alguem, tanto quanto possa ligar importancia a um homem não só pelo seu talento, mas principalmente pela sua individualidade e pelo seu caracter, que são da responsabilidade do individuo, tenho-a pelo sr. relator.
E digo pelo seu caracter e pela sua individualidade principalmente, porque o talento só por si é uma utilidade gratuita, como o é um raio de sol; vale o talento pelo que realmente produz, pelo esforço, pela applicação e pelo traba- lho util de quem felizmente o possuo; aliás, quer seja o producto de maior ou menor quantidade de phosphoro, que o cerebro do homem encerra, quer seja mercê e dadiva divina, o talento é uma força, natural, nem mais nem menos respeitavel do que qualquer outra, das muitas que existem dissiminadas sobre a terra.
Engrandece o eleva o homem tudo quanto envolve a sua responsabilidade e que portanto elle tem a liberdade de organisar e constituir; pelo talento ninguem é responsavel,

Página 1969

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1969

mas a responsabilidade apparece, e com ella o respeito merecido, na constituição da individualidade moral e scientifica.
Eis o que possue o meu illustre amigo Mattoso dos Santos.
Não veja portanto alguem nas minhas palavras a menor insinuação, a mais leve duvida, se qualquer, phrase poder parecer duvidosa.
De ha muito prevíra eu este reviramento de opinião; não o esperava do illustre relator.
Lamento que depois de me dar os melhores argumentos, desenvolvidos eloquente e cuidadosamente, fóra da esphera de acção da má politica, toda esta argumentação, brilhantemente desenvolvida no relatorio, seja destruida por uma conclusão falsa.
É lamentavel, como a camara vae apreciar, que o sr. relator, sem que se saiba bem porque, tire uma pessima conclusão de premissas excellentes!
Sr. presidente, não tenho pressa alguma; desde o momento era que o governo e a maioria entendem dever-nos sujeitar á violencia de duas sessões, uma de dia e outra de noite, sem descanso algum, não me julgo no dever de encurtar as minhas reflexões; e como por outro lado desejo vulgarisar, tanto quanto é possivel, tudo que é bom, como é este relatorio, vou ler á camara algumas phrases, que dizem respeito aos cereaes.
Na pagina 22 o sr. relator trata da questão dos cereaes.
É claro que s. exa. resumiu, as suas opiniões e as da commissão, porque um relatorio, tratando de questões numerosas e vastas, como as que envolve uma pauta aduaneira, não póde entrar em extremas minucias e desenvolvimento de alguma em particular.
Diz o illustre relator: «a questão dos cereaes preoccupa de ha muito todos os governos. Ligada, por um lado, á alimentação de todas as classes, por outro, a industria que, no conjuncto dos seus diversos ramos, representa a maior riqueza nacional e o maior emprego de braços, apresenta-se sob fórma tão complicada, que á primeira vista parece até vir de rogar leis economicas, tidas por incontradictaveis.»
Apoz estas palavras, que mostram a delicadeza da questão, continua s. exa. em largas considerações, que vou procurar resumir fielmente.
Não ha correlação entre o preço do trigo e o do pão, não se manifesta influencia do augmento do valor do trigo, no preço dos salarios. Decresce o preço do trigo, não desce o do pão, augmenta o preço de trigo e não sobem os salarios.
Explicar-se-ha o segundo facto pelo primeiro?
Não se elevará o salario porque o preço do pão é, em qualquer caso, constante? Nos grandes centros póde admittir-se esta explicação; poderão ser os intermediarios, que transformam o trigo em farinha e esta em pão, que manteem fixo o preço d'este ultimo producto; mas nos pequenos centros, nas populações mais pobres estes, intermediarios não existem; logo diz s. exa.: «As causas a que se attribue a não subida do preço do pão nos grandes centros não existem, ou não podem ter iguaes effeitos, nas nossas povoações ruraes».
Logo, affirmo eu, corroborado na minha opinião pela do illustre relator, é falsa a affirmação d'aquelles que dizem que o trigo póde encarecer mantendo-se o mesmo preço do pão; pelo menos, nas povoações ruraes, por que ahi onde cada um faz o pão em sua casa a influencia d'esses intermediarios é necessariamente mais limitada e o custo do pão tenderá a seguir as evoluções do preço ao trigo. São as proprias palavras do sr. relator.
E nos grandes centros não seguirá essas evoluções, pergunto eu?
Certamente, salvo-se os intermediarios, como é obvio, quizerem (se o mechanismo da pauta os não obrigar) suportar o augmento do preço do trigo, materia prima do seu producto, o pão.
Continua s. exa.: «ganham muito as fabricas de moagens? Se formos calcular qual é a protecção que a pauta, lhes tem dado, não teremos realmente a surprehender-nos senão pelo pouco».
D'estes calculos, conclue o illustre relator, a protecção para as fabricas de moagens é, pois, de 5,25 por cento do valor da materia prima. Estamos, porém, convencidos de que ganham e ganham muito estas fabricas.»
Logo exclamo eu: augmento de direito protector! É logico.
Passando á padaria, diz: «É n'esta que para nós está tambem grandissima parte do mal».
A padaria, é um pesado intermediario; se os padeiros não enriquecem, como os farinadores, é porque estes são em pequeno numero, dividindo-se por poucos o muito que tiram da sua industria, emquanto aquelles são numerosos e fazem-se uma concorrencia terrivel.
«Aqui está, chamo a atenção da camara para esta conclusão geral do illustre relator, porque uma baixa no trigo não embaretecerá o pão, mas qualquer alta, há de fazer-se sentir.»
Assim, sr. presidente, é o proprio sr. relator que confessa que o augmento do preço do trigo acarreterá, quer nos grandes centros, quer nas povoações ruraes, como consequencia inevitavel, augmento do preço do pão. Se ao menos os sacrificios do contribuinte pobre revertessem em favor da agricultura?
Mas não revertem, é ainda a opinião do relator.
«É inquestionavel, escreve o relator, que o preço actual dos cereaes não é remunerador, e que a cultura cerealifera atravessa uma crise, a qual, sendo geral, é no nosso paiz, por causas mui diversas o algumas irremediaveis (sic) muito intensa e necessitando remedio immediato.»
O sr. relator, confessa que a crise existe, mas que tem causas algumas irremediaveis. Effectivamente terei occasião de me referir a alguma d'estas causas e de provar, que a crise não é no nosso paiz tão geral, como só pertende demonstrar.
«Mas, continua o sr. relator, estará o remedio da crise na pauta aduaneira? Affoutamente respondemos que não está, nem só, nem principalmente na pauta.»
E para que não fique duvida sobre a opinião da commissão, que s. exa. representa, acrescenta estas phrases clarissimas: «para que pedem os agricultores augmento nos direitos? Para venderem mais caro; mas se tiverem a quem».
Inutil, perfeitamente inutil, elevar os direitos dos cereaes affirma o sr. relator; o trigo nacional não sáe dos celleiros dos agricultores, porque o consumidor rejeita as farinhas dos trigos duros, que o paiz principalmente produz, «taes como a sabem e podem produzir as fabricas com a sua actual montagem.»
«A pauta não póde dictar leis ás exigências do consumo, nem modificar os habitos nem os gostos.»
Paremos n'este ponto; pergunto eu, sr. presidente, se alguem quer melhor demonstração da inconveniencia e da inutilidade da elevação do imposto protector?
Inconveniente porque ha de, elevar o preço do pão, inutil porque o cereal ficará nos celleiros, não pela concorrencia dos trigos estrangeiros, mas porque o padeiro não quer a farinha dos trigos rijos, que, as fabricas lhes fornecem, porque estas não podem ou não sabem adequal-a ao gosto especial do consumidor.
Occorre immediatamente a necessidade de transformar o processo das moagens, e visto que os farinadores não sabem ou não podem produzir boa farinha, lembra encarregar o estado de organisar fabricas, que saibam e possam, produzil-a; mas, como resultado d'esta exposição, o que a ninguem, por certo, lembrará, é elevar os direitos do trigo, e ao mesmo tempo os das farinhas!

Página 1970

1970 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Vacilla o espirito sobre a logica, que conduziu a commissão de fazenda depois d'aquellas reflexões a augmentar os direitos sobre o trigo, e a duvida cresce no augmento dos, direitos da farinha.
É verdade que o sr. relator acha arithmeticamcnte pequena a protecção concedida á industria das farinhas; mas confessa, ainda assim, que os ganhos são enormes, e todavia, sem que se saiba a rasão, eleva essa protecção, confessando que o pão ha de encarecer; isto é, facilita aos farinadores, a sombra de maior direito, o elevar em occasião opportuna o preço das suas farinhas.
Procurei debalde qual fosse a rasão que motiva tal protecção, e francamente a unica que encontro, e não quero, dizer que não seja attendivel, tanto mais quanto é catholica apostolica romana, foi a protecção á industria das hostias. (Riso.)
É uma industria nacional como outra qualquer, que muito interessa aos priores...
Sr. presidente, estou convencido que alem d'esta rasão haverá outras, eu é que encontrei apenas esta, e fiquei satisfeito, porque diz o meu illustre chefe, o sr. Barjona de Freitas, que mais vale uma rasão má, do que nenhuma; talvez o governo não tenha outra melhor.
(Interrupção.)
Chefe espiritual, está claro. O temporal está em gestação.
Sr. presidente, o relatorio do sr. Marianno tambem avança proposições, que convem ler á camara: «a questão dos direitos sobre os trigos e farinhas estrangeiras não está ainda cabalmente resolvida. É incontestavel a crise dolorosa, que pesa hoje sobre a cultura d'aquelle cereal, porém, a situação actual da industria das moagens e da padaria não permute elevar o direito, sem logo sobrevir um augmento ao preço do pão, o que levantaria enormes clamores e prejudicaria gravemente a situação das classes mais pobres principalmente ao sul do reinos.
Não está bem estudada a questão, por isso o governo nomeou uma commissão de inquerito agricola, que por ora, que eu saiba, só produziu duas cousas: levantar á presidencia um nome illustre, como é justo, e crear sub-commissões, que ainda não produziram trabalho util. Já é alguma cousa, embora não seja sufficiente. É certo que essa commissão foi nomeada haverá quasi um anno; mas em qualquer caso o governo devia aguardar os trabalhos d'aquelles que, directa e expressamente, nomeou para estudarem a crise agricola.
Podia tambem citar as phrases do sr. Navarro, não o farei, todavia, porque hontem affirmei e s. exa. contestou.
Os discursos ministeriaes não são publicados; por consequencia não existem documentos comprovativos, mas simples allegações que repousam sobre a auctoridade pessoal; ora qual e a minha auctoridade posta em frente da aucto-ridade de s. exa.
Lamento sinceramente que se desse este reviramento de opinião, para o qual não encontro uma unica rasão plausivel. Concordando, pois, com o sr. ministro e com o sr. relator em que a questão é muito importante, não podendo esperar indefinidamente pelos trabalhos da sabia commissão de inquerito agricola, vou estudal-a directamente, com a maior simplicidade, fazendo-me por um momento farinador, e, permitta-me v. exa. e a camara que o diga, padeiro; o que não fica mal a alguem, porque os padeiros são pessoas muito dignas, que muitas vezes fazem o sacrificio de se levantarem cedo para fabricar o pão para nós... quasi todos. (Riso.)
Permitta-me a camara que n'este momento lhe recorde, precisamente o que disse, quando discuti o projecto sobre os melhoramentos do porto de Lisboa.
Não sei, dizia eu então, se os meus dados os meus elementos estatisticos e os meus calculos são ou não verdadeiros, colligi-os com grande cuidado e desenvolvias com cautela; procurei acertar, não sei se errei. O method que sigo, esse é seguramente verdadeiro; não se pode estudar a questão por outra fórma. Corrijam, se quizerem, os elementos de que me sirvo, emendem-n'os; mas o methodo tenho a certeza de que é o unico conducente a conclusões verdadeiras.
É claro que, estudando a crise agricola, não tenho por fórma alguma a pretensão de a resolver, nem mesmo de dar opinião decisiva sobre assumpto, para cujo estudo foi chamada uma numerosa commissão; um simples individuo, por melhor que seja a sua vontade, não tem os meios de acção que possue o governo para estudos d'esta natureza; na falta, porém, de melhores recursos, sirvo-me dos meus, embora me pareça singular que se tenha descurado esta questão, e largos annos tenham passado, contentando-se os srs. ministros, de todas as parcialidades politicas valha a verdade, com pronunciar solemnes phrases, mais ou menos vagas, com praticar actos, mais ou menos platonicos, e com nomear commissões de inquerito agricola, essas então de um platonismo completo.
Pois, sr. presidente, com os meus elementos, com a minha critica, com o auxilio dos meus amigos e d'aquelles que me fizeram o delicado favor de me prestar os elementos da sua sciencia e da sua experiencia, vou estudar se effectivamente ha crise agricola, onde ella está, se é profunda e radical no paiz, ou se apenas pesa sobre uma classe social ou parte d'ella.
É evidente que os justos clamores de uma classe são attendiveis, mas é preciso notar que os que se acham no meio do perigo, ou sentem dor, geralmente imaginam que todos estão em perigo, que todos estão doridos, porque, em geral, cada um vê este mundo pelo prisma dos seus sentimentos, das suas impressões e do seu modo de ser.
O agricultor de cereaes sente um certo mal estar, é natural que, imaginando-se a unica força viva do paiz, supponha todas, como elle, periclitantes e em más condições economicas.
Pois vejamos se a crise e geral; temos um processo muito simples para o apreciar; são os importantes elementos, que nos fornecem as estatisticas officiaes.
Já disse n'esta camara, o repito-o outra vez, que o ramo especial da sciencia economica, que se chama estatistica é difficil, não porque o seja colligir os elementos que lhe são base, mas porque é delicado obrigal-os a fallar, isto é, forçar uma columna de numeros rudemente silenciosos a dizer as verdades, que em si encerram, a experiencia e as leis, que regem os phenomenos, de que elles são o registo cuidadoso.
Exactamente a maior difficuldade da estatistica reside n'este ponto, porque em regra procura-se por meio d'ella corroborar opiniões preconcebidas, o que é a completa negação d'esta sciencia. Erro tanto mais facil, quanto, geralmente, quem nutre convicções apaixona-se pelas suas idéas e pelas suas opiniões. Quando não haja outro amor n'este mundo, ao menos exista o das convicções.
Vejamos o que nos dizem a Estatistica de Portugal do anno de 1885; recentemente publicada e o Boletim estatistico de 1886.
No mappa seguinte compendio a importação do trigo em grão no periodo de dezeseis annos, que decorrem de 1871 a 1886, bem como a exportação do vinho ordinario e da cortiça nacionaes, no mesmo periodo.
São productos agricolas muito importantes, que nos podem dar algumas noções claras e imparciaes ácerca do estado da nossa agricultura.

Página 1971

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1971

Importação de trigo em grão e exportação de vinho ordinario e da cortiça em bruto e em obra

[Ver tabela na imagem.]

Diz-nos este mappa que nos quatro primeiros annos, de 1871 a 1874, a importação do trigo é quasi igual e constante, sendo em media:

Quantidade, kilogrammns.... 22.557:000
Valor, réis.... 1.116:250$000
Valor medio do kilogramma de trigo, réis.... 49,4
Nos annos seguintes o crescimento é rápido e com pequenas oscillações, até que em 1886 attinge a cifra maxima:

Quantidade, kilogrammas.... 122.835:000
Valor, réis.... 4.269:491$000
Valor medio do kilogramma de trigo, réis.... 35

No periodo de doze annos, portanto, a importação cresceu, póde dizer-se, regular e constantemente, offerecendo a media de cerca de 8.500:000 kilogrammas por anno.
A importação do trigo custou, pois, ao paiz em 1886 4.270:000$000 réis, afóra a importancia dos direitos aduaneiros, que devem ter subido a 1.459:000$000 réis, isto é, exigiu o sacrificio de 6.729:000$000 réis.
É verdade e é lastimavel; vejamos, porém, se houve compensação para esta consideravel diminuição de riqueza nacional na propria industria agricola.
Encontramol-a na exportação dos vinhos ordinarios; effectivamente nos tres annos de 1871 a 1873 a exportação é quasi igual, sendo em media:

Quantidade, decalitros.... 1.291:900
Valor, réis....1.347:300$000
Valor medio do decalitro, réis.... 1$042,5

Nos annos seguintes a exportação offerece oscillações até 1879, para crescer rapida e constantemente nos annos seguintes até 1886, no qual attinge as seguintes cifras:

Quantidade, decalitros.... 15.377:380
Valor, réis.... 9.226:368$000
Valor medio por decalitro, réis.... 600

Portanto, sr. presidente, se é certo que a importação dos cereaes cresceu em 100.000:000 kilogrammas, que representam uma exportação de 3.500:000$000 réis, certo, é tambem que a exportação do vinho ordinario cresceu do 14.000:000 decalitros, que representam uma importação de 8.400:000$000 réis, segundo os valores medios manifestados.
Supponho, pois, que podemos d'aqui tirar algumas conclusões importantes e logicas.
Em primeiro logar o augmento de importação do trigo tem sido compensado com o crescimento da exportação do vinho ordinario. Melhor seria, certamente, exportar vinho e produzir trigo sufficiente e em boas condições para o consumo.
Se attendermos á cortiça, quer em bruto quer em obra, a exportação cada vez se accentua mais; tanto que sendo em 1871 de 13.111:000 kilogrammas no valor deveis 746:400$000, em 1886 attingiu a cifra de 25.375:000 kilogrammas, representando o valor de 2.612:200$000 réis.
Balanceando o valor d'estes productos, no periodo considerado, chegariamos a este resultado:

[Ver tabela na imagem.]

Certamente não attribuo a este balanço maior importancia scientifica do que merece, sabendo, como todos sabem, que a theoria da balança commercial não é exacta; mas no caso presente é um excellente indicador.
Outra conclusão ainda se póde tirar dos algarismos apresentados.
É sabido que uma producçãq qualquer, em parte é consumida pelo paiz, n'outra parte fórma as reservas indispensaveis, e só depois é exportada em menor ou maior quantidade.
Ninguem poderá certamente affirmar que o excesso de exportação de vinho, de 1886 sobre 1871, que monta a cerca de 14.000:000 de decalitros, se fizesse pelas reservas dos differentes annos; realisou-se evidentemente em resultado de desenvolvimento consideravel da cultura da vinha.
Ora a cultura da vinha alargou-se á custa dos terrenos, onde se cultivava o cereale em parte, talvez na menor,

Página 1972

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1972

por terrenos incultos; basta, para admittir isto, percorrer os concelhos da Batalha, Porto de Moz, Caldas, Peniche, etc., onde a cultura da vinha era insignificante, e onde hoje os melhores terrenos estão cobertos de vinhedos novos.
Se os elementos estatisticos nos mostram isso, podem tambem quasi indicar-nos o numero de hectares, que se transformaram em vinha.
Acceitemos uma producção vinicola de 400 decalitros por hectare de vinha. É uma media admissivel, e resulta de elementos, que me foram fornecidos por pessoas competentissimos.
Sendo o augmento da exportação de 14.000:000 de decalitros, admittida a media por hectare de 400 decalitros, corresponderia este augmento á cultura de vinha em 35:000 hectares de terreno.
É claro que isto são approximações.
O sr. A. M. de Carvalho: - Não apoiado.
O Orador: - Não apoiado?
O sr. A. M. de Carvalho: - V. exa. esquece-se de um elemento importante, uma grande parte das vinhas da Extremadura, têem sido postas em terrenos de mato.
O Orador: - Estou de accordo, mas tambem muito tem soffrido a transformação de cultura.
De resto não quero affirmar que estes numeros sejam completamente exactos; quero demonstrar apenas que parte importante da zona cerealifera foi transformada em vinha. Que seja maior ou menor do que o numero, que acabo de calcular, eis o que pouco importa, visto que este numero foi fixado assaz empiricamente e só para esclarecer raciocinios, que vou seguidamente apresentar.
Esse enorme deficit de 100.000:000 de kilogrammas de trigo encontraria já uma boa correcção.
Supponhâmos effectivamente a media de producção do hectare de terreno applicado á cultura do trigo de 1:800 litros, ou seja 1:386 kilogrammas; se a superficie transformada em vinha fosse toda cerealifera, teriamos uma diminuição de producção nacional de 48.500:000 kilogrammas, e assim explicado claramente quasi 50 por cento do augmento de importação. Não será tanto, concordo, mas alguma cousa ha de ser e importante.
E que enorme valorisação experimentou o hectare de terreno transformado em vinha!
O hectare de terreno cerealifero de boa qualidade póde produzir 1:800 litros, que a 40 réis o litro representam um producto bruto de 72$5000 réis. O hectare de vinha póde produzir em media 400 decalitros, que a 600 réis representam um producto bruto de 240$000 réis. Assim o valor do hectare triplicou.
Mas ainda aqui não ficamos. Estes 100.000:000 de kilogrammas são ainda compensados pelo augmento do consumo do trigo. Quando as fabricas de moagem não tenham prestado outro serviço, ao menos prestaram o de levar as suas farinhas a pontos, aonde jamais penetrou o trigo.
Este augmento de consumo do trigo, que por toda a parte bate victoriosamente o milho, e facto reconhecido por todos. Não será facil reduzil-o a algarismos, mas é incontestavel. Sabem-no por experiencia os cultivadores de milho, que d'isso começam a queixar-se amargamente.
Lamentem-se embora, eu tambem sou um pequenissimo agricultor de milho, embora não me chore nem peça protecção; mas o alargamento da area do consumo do trigo é um bem para a collectividade. O povo, o nervo e o musculo da nação, alimenta-se melhor; trabalha, portanto, mais e mais riqueza produz.
E ainda teremos que considerar o augmento do consumo pelo crescimento da população. Em dezeseis annos o augmento de população não dá um consumo importante? Dá, com toda a certeza.
Apesar da população se desenvolver lentamente no nosso paiz, o coefficiente do crescimento annual em Lisboa é de 0,8 por cento. Em dez annos são 8 por cento e em dezeseis annos 12,4 por cento. Já é rasoavel. No resto do paiz acontece o mesmo, embora mais lentamente.
Portanto, sr. presidente, se attendermos á transformação da cultura, ao alargamento da area do consumo do trigo e ao augmento da população, reduziremos consideravelmente o deficit de 100.000:000 de kilogrammas de trigo, que importamos; já largamente compensados, aliás, pela exportação do vinho, e pela exportação da cortiça, como demonstrei.
Apresentei á camara uma face importante da questão que, se não é inesperada, pelo menos não se descobre á primeira vista. A meu ver, não só o paiz não empobreceu, como ainda a crise não é geral; um ramo da industria agricola, o ceralifero, parte apenas de uma classe social precisa de protecção.
E digo uma parte apenas, porque realmente os terrenos de primeira e segunda qualidade podem victoriosamente luctar com os trigos estrangeiros, como em breve demonstrarei.
Em todas as questões d'esta ordem ha o que se vê e o que se não vá. Aqui está o que os srs. ministros das obras publicas e da agricultura, actuaes e futuros, effectivos e pretendentes, têem obrigação de investigar e de esclarecer, sobretudo os pretendentes! (Eu declaro á camara que não sou pretendente.)
Reconheço que uma classe, ou parte d'ella soffre; mas, emfim, não estejamos sempre a apregoar que o paiz está á beira da ruina e n'uma crise geral. Não está.
Se a phylloxera não se desenvolver, e confesso que começo a ter esperanças de que não, se desenvolverá, ou pelo menos que não será tão nocivo, quanto se esperava á primeira vista; se da parte dos nossos viticultores, note bem a camara, houver prudencia e honestidade (Apoiados.) nas transacções; se em vez de pretenderem enriquecer de repente, se contentarem com rasoaveis ganhos, se receberem os que lhes vem comprar os seus productos, leal e francamente, se lh'os derem bons e baratos; o futuro é nosso. (Apoiados.)
A França não deixará de vir comprar os nossos vinhos. Havemos de alargar os nossos mercados; e será occasião para os srs. ministros da agricultura, actuaes e pretendentes, mostrarem as suas aptidões especiaes, abrindo e rasgando novos mercados para os nossos productos.
Da cortiça muito ha tambem a esperar; por toda a parte os nossos montados, preparados e limpos, promettem tiradas abundantes. A nossa excellente cortiça é quasi um producto previlegiado, os concorrentes de Argelia e de Italia por causas conhecidas, uma das quaes a sua inferior qualidade, não são para temer, só a Hespanha nos ameaça um pouco; mas é certo que esta cultura se desenvolverá, e crescerá a exportação se, como é mister, e mais tarde o proporei o sustentarei, forem abolidos os obsoletos direitos de exportação sobre ella e sobre o vinho.
Sr. presidente, é preciso que saibam todos aquelles que andam menos occupados d'estas questões economicas, que um paiz não enriquece quando produz muitas cousas, más quando produz poucas, excellentes e sem competencia.
A antiga doutrina economica, a dos nossos avós e do antigo regimen, exigia que cada vim produzisse aquillo de que carecia. N'esse tempo pensava-se que a familia devia produzir tudo; era isto quasi uma necessidade, porque isolada na sua aldeia, sem uma estrada, apenas com uns carreiros que mal a ligavam com as povoações proximas o vizinhas, via-se obrigada a satisfazer as suas impreteriveis urgencias. Fiava e tecia o seu linho, semeava o seu trigo, moia-o e fabricava o seu pão, n'uma palavra praticava todas as industrias, porque a isso o obrigava o isolamento. Era um ménage delicado, bonito, poetico se quizerem; mas a negação completa da lei suprema da producção, da divisão do trabalho.
Os estados seguiam os exemplos das familias, e adoptavam o mesmo principio.

Página 1973

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1973

Depois surgiu o progresso, esse progresso que está sendo realmente, tão mal considerado por alguns dos homens importantes da nossa terra, terrivel progresso, que em oitenta annos de liberdade tem transformado a superficie da terra, veio o conhecimento das leis economicas que modifiram radicalmente esta doutrina e disseram á familia: - produz uma cousa só, mas produz bem, e sem concorrencia se poderes, porque n'esse caso terás a fixação do preço; e se tiveres concorrencia, desenvolve a tua industria, melhora-a, embaratece o teu producto e lucta.
Eis o que o progresso e a sciencia ensinaram ás familias e aos estados.
Assim, digo eu; um paiz enriquece quando, produz poucas cousas, sem competencia, e excellentes. Portugal não póde, nem deve, a meu ver, procurar outras fontes, de riqueza, que não estejam, nas duas, que acabo, de citar, e em poucas mais.
Permitta-me, v. exa. que agora, termine esta parte da minha exposição com uma tirada, não direi eloquente nem sentimental, mas em fim, philosophica.
É preciso que as classes nacionaes saibam, que ha de acontecer com ellas precisamente o mesmo que acontece com as familias e com os individuos. Dada a liberdade, como a tem o nosso paiz - e não, imaginem, que a supponho demasiada -abolidos os privilegios, uns são ricos hoje e ámanhã pobres, e n'esta rotação, de fortuna está justiça a harmonia, social. Haja paciencia nas classes
Sociaes; como nas familias e nos individuos, a riqueza desloca-se. Enriquecem umas, empobrecem outras; mas a unidade nacional progride sempre.
Succede isto na agricultura como na industria.
Francamente, não sou dos espiritos mais sentimentaes, no sentido lyrico da palavra, mas quando vou por esse paiz fóra, e vejo no alto dos montes, velhos, abandonados, os esqueletos dos antigos moinhos de vento, sinto as afflicções de uma industria nacional, que alimentava tantas familias, esmagada, pelas poderosas fabricas de moagens! No fundo do meu coração lamento aquelle abandono, que foi a miseria de tanta gente; mas não condemno o progresso, e digo philosophicamente como disse. Victor Hugo: ceei tuera cela.
Custa muito a ser pobre, mas, consolem-se os que o são porque francamente o digo, não ha dignidade como a do pobre, que o sabe ser, o que aliás é difficil. (Apoiados.)
Não contente com estas investigações procurei descer a inquirições directas, cousa difficil para um homem só, principalmente em assumptos d'esta ordem.
Dirigi-me pois a alguns amigos, pedindo-lhes esclarecimentos sobre as questões, agricolas. Para este effeito organisei um pequeno questionario, simples, modesto, e que está muito longe de ter a riqueza de terminologia e a
exuberancia de pedidos, que vejo, em alguns questionarios; riqueza e exuberancia que chegam a atterrar. Esse questionario, reduzia-se a, estas seis perguntas:
1.ª Qual é, em media, o preço do hectare de terreno applicavel á cultura do trigo?
2.ª Qual é, em media, a producção do hectare do terreno cultivado do trigo?
3.ª Qual é, em media, a despeza de grangeio de um hectare de terreno applicado á cultura do trigo?
4.ª Qual tem sido, em media, o preço, da venda do trigo?
5.ª Qual é, em media, o peso do hectolitro de trigo n'essa localidade?
6.ª Qual é, em media, a quantidade de palha produzida n'um hectare do terreno applicado á cultura do trigo; valor médio d'esta palha?
Posso affirmar a v. exa., e sobretudo ao sr. ministro das obras publicas, que commissão de inquerito, que responda cabal e satisfactoriamente a estas perguntas, póde enunciar, em bases seguras, a sua opinião sobre o estado da nossa agricultura; escusa de perder, em philosophicas e luxuosas questões tempo precioso, escusa de atterrar o cidadão, que generosamente se presta a responder com uma enfiada de perguntas umas impossiveis de resposta, outras inuteis.
As respostas obtidas são interessantes, e entre ellas figuram nomes bem conhecidos na agricultura portugueza; os srs. Duarte Caldas, de Rio Maior; o sr. José Pinheiro, das Gaieiras, o sr. Palha Blanco, de Villa Franca.
Varias conclusões se podem tirar das respostas d'estes illustres agricultores.
1.ª Que o preço do hectare de terreno varia de 120$000 a 400$000 réis, podendo classificar-se pela seguinte fórma:

Terrenos de 1.ª classe.... 400$000
Terrenos de 2.ª classe.... 240$000
Terrenos de 3.ª classe.... 120$000

2.ª Que a producção por hectare, póde suppor-se:

Terrenos de 1.ª classe.... 2:484 litros
Terrenos de 2.ª classe.... 1:242 litros
Terrenos de 3.ª classe.... 828 litros

3.ª Que a despeza de grangeio para todas as classes, póde suppor-se a mesma, mais favoravel, talvez, para os terrenos superiores, e que, não suppondo o emprego de machinas, póde calcular-se:

Media do sr. José Pinheiro (orçamento detalhado).... 33$100
Media do sr. Palha Blanco (orçamento detalhado).... 29$000
62$100

Media admittida.... 31$050

4.ª Que a producção da palha é muito variavel, mas que póde avaliar-se por hectare doe 750 a l:800 kilogrammas, valendo de 5$000 a 10$000 réis.
Vou, pois, concentrar os meus raciocinios sobre, os terrenos de 2.ª classe, que, por hectare, valem 240$000 réis e produzem 1:242 litros de trigo, isto é, 90 alqueires de 13,8 litros.
O preço medio da venda do trigo tem sido superior a 500 réis, como o indicam as estatisticas, que mais tarde apresentarei; supponhamos, porém, este preço, teremos:

[Ver tabela na imagem.]

90 alqueires de trigo, a 500 réis....
1:275 kilogrammas de palha a 66 réis....
A descontar, despeza de grangeio....
A descontar (impostos 20 por cento)....
Liquido....

Suppondo, pois, os afolhamentos triennaes, o liquido será de 12$000 réis por anno, que representa 5 por_cento do valor do terreno, isto é, de 240$000 réis.
E, todavia, convem observar que a maior parte dos terrenos não estão hoje na mão dos seus possuidores por aquelle valor medio, mas por outro inferior; devendo tambem notar á camara, que não attendo a outros elementos de receita que exagero, a despeza, e que, finalmente, um grande trato de terra póde
explorar-se mais economicamente do que alguns hectares.
O agricultor não póde queixar-se, recebendo 4 ou 5 por cento ao anno; quando nos fundos publicos e no giro commercial a taxa do juro normal é pouco superior a 5 por cento, e tende a descer. Sempre assim foi; a terra rende menos, do que o capital, exactamente porque tem outras garantias

Página 1974

1974 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

As proprias industrias, hoje a não ser as mais fidalgas que queremos ainda proteger augmentando-lhe os rendimentos, não dão taes dividendos.
Portanto quem soffre? Os agricultores de terrenos mais pobres: É lamentavel, certamente, e devemos protegel-os quanto pudermos, porque é justo fazel-o e é mesmo, conveniente; mas não consintâmos em esmagar outras classes para corrigir os defeitos naturaes dos terrenos e a rotina dos agricultores.
Um homem habilissimo do nosso paiz, agricultor também, o meio illustre amigo sr. Fernando Palha, dizia-me haverá dias: tendo de lavrar os meus montados
aproveito a occasião para semeiar trigo, pouco recolho, duas ou tres sementes, mas tudo quanto vem é ganho.» Se elle pedisse a protecção para a lucta igual com os trigos, estrangeiros, se perdendo a idéa de que o producto principal dos montados está na cortiça, que exporta, e na bolota, com que engorda os porcos, se quizesse obter preço remunerador para o trigo assim produzido, teriamos de esmagar o consumidor com direitos prohibitivos.
O sr. Fernando Palha é par do reino, não é adepto da protecção pautal, em tempo opportuno, certamente, o paiz ouvirá as suas valiosas opiniões a este respeito.
Aqui tem v. exa., como se formou no meu espirito a convicção arraigada de que a crise se manifesta na agricultura ceralifera, e n'esta abrange apenas os agricultores dos terrenos de inferior qualidade.
Isto posto, passemos a outra questão de grande importancia que se liga directamente ao assumpto em discussão.
Qual é a media que se deve admittir para o consumo de pão por individuo? Não conheço, infelizmente, e creio que não ha estudos directos feitos no nosso paiz sobre este assumpto; posso, portanto, servir-me de elementos colhidos em Paris e em Londres.
Em Paris o consumo medio diario de pão por habitante é computado em 508 grammas, e em Londres foi avaliado em 455 grammas.
Supponho que não commetteremos grave erro, admittindo que entre nós o consumo medio de pão por individuo é de 500 grammas por dia. Se há exagero, e creio que o não lhe, será insignificante.
Vamos estudar as leis este consumo, porque são importantissimas.
O consumo do pão é proporcional á pobreza. Come mais pão, quem é mais pobre. A rasão é simples: o pobre não se alimenta, como o rico, de substancias variadas e abundantes de principios nutritivos, procura a sua alimentação no pão, na sardinha, no bacalhau e consome pouca carne; portanto, precisa de ingerir em pão uma quantidade superior, á que ingere o rico.
Os direitos sobre o pão, que é uma substancia de primeira necessidade, por excellencia, para as classes pobres, não constituem progressão, mas regressão, ferindo-as violentamente. E o inconveniente geral dos impostos de consumo
sobre as substancias alimenticias de primeira necessidade, n'este caso gravemente accentuado.
Realmente importante seria podermos determinar o consumo das classes pobres e o das ricas. É difficil encontrar elementos para este estudo senão por meio de inqueritos (mas que não fossem feitos por commissões) lembro, porém, uma phrase portugueza, que é um verdadeiro proloquio economico: meio pão a cada quartel. Portanto, 750 grammas é provavelmente o consumo por cabeça nas classes pobres, e naturalmente 250 grammas nas classes ricas.
Todos sabem a pequena quantidade do pão, que se consome nas mesas ricas. As massas, os vol-au-vents, os pastellões, que não detesto e de que, pelo contrario, gosto muito, os doces e toda essa bateria de bellas cousas de cozinha, que constituem a alimentação do rico, fornecem-lhe em abundancia os principios nutritivos, diminuindo o consumo do pão.
Em vista de tudo isto, chamo a attenção do sr. ministro, das obras publicas e da commissão de fazenda, o imposto ha de re cair mais pesadamente sobre as classes pobres do que sobre as ricas, talvez na proporção de 3 para 1.
Os proprios usos de uma terra podem, ás vezes, ter influencia, sobre estas, questões!
Em Lisboa não se compra pão senão de meio kilo; por uso é habito nem o comprador quer outro, nem o padeiro o fabrica. Logo, qualquer augmento de direitos, que produza elevação no pão, ha de obrigar a fixal-o na ultima moeda divisivel por 2; sendo a ultima moeda divisivel por 2,10 réis, o preço do pão elevar-se-ha de 80 a 90 réis por kilogramma, para que os pães usuaes de 500 grammas se possam vender por 45 réis.
Uma das dificuldades do lançamento dos impostos indirectos é calculal-os por fórma, que não produzam um augmento desporporcional no preço das subsistencias. Por outra fórma o fisco, carregando com todos os odios do contribuinte, não aufere vantagem em porporção com o sacrificio dos consumidores, sacrificios que na maior parte vão engrossar os rendimentos dos intermediarios.
Este augmento de 10 réis por kilogramma, sabe v. exa. quanto produz em Lisboa? Suppondo por habitante de Lisboa o consumo medio diario de 500 grammas, e admittindo na cidade a população de 250:000 almas, o que é certamente inferior á realidade, Lisboa consumirá por dia 125:000 kilogrammas de pão; o augmento de 10 réis em kilogramma dá por dia l:250$000 réis, e por anno 456:250$000 réis! Quantia que vamos arrancar principalmente ás classes pobres de Lisboa.
Creio que isto merece ser pensado (Apoiados.); um problema d'esta ordem deve ser maduramente meditado.
Não é facil de calcular rigorosamente, o encargo total resultante para o paiz; mas é facil de o determinar no minimo.
O excesso da importação de trigo sobre 1871, é de 100.000:000 de kilogrammas. Em que se transforma principalmente este trigo? Em pão.
Ora, é principio admittido na padaria, ennunciado, se bem me recordo, por Lavoisier, que um kilogramma de trigo produz em media kilogramma de pão; os 100.000:000 de kilogrammas, que nós importâmos, transformam-se, por consequencia, em 100.000:000 de kilogrammas de pão, o augmento de 10 réis produz 1.000:000$000 réis pelo menos, dos quaes paga Lisboa, 456:000$000 réis, isto é, cerca de 50 por cento.
Para onde vão esses 1:000:000$000 réis? Para o fisco 200:000$000 ou 300:000$000 réis; para o lavrador, como hei de provar, nada ou quasi nada, para os intermediarios o melhor de 700:000$000 réis!
Vale a pena fazer sacrificios d'esta ordem para irem algumas dezenas de contos, se forem, para as classes agricolas, admittidos os direitos que a commissão descreveu na pauta de accordo com o governo!
(Interrupção.)
Confesso que questões d'esta ordem são por via de regra seccas e aridas; peior de que estudal-as, é expol-as, e peior do que expol-as, ouvil-as.
Convém toda via notar que o que vos faz bocejar a vou outros ricos, pode amanhã fazer chorar os pobres!
O sr. Matoso Santos: - Peço a v. exa. que não me chame, rico, é uma injustiça
O Orador: - Não me refiro a s. exa., mas a quem boceja ruidosamente.
Conhecendo agora, como conhecemos, as leis que regulam entre nós o consumo do pão, seguramente podemos continuar o nosso estudo.
A importação do trigo em 1885 foi de 99.544:000 kilograimmas, representando um valor de 3.481:000$000 réis, e havendo pago direitos de cerca de 1.182:600$000 réis.

Página 1975

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1975

Importação de 1883

Trigo em grão

[Ver tabela na imagem]

Emquanto á farinha, o que muito interessa tambem, a importação foi mais modesta, apenas montou a 1:632:000 kilogrammas, que representavam um valor de 97:000$000 réis, e pagaram ao fisco 31:000$000 réis.

Importação em 1885

Farinha de Trigo

[Ver tabela na imagem.]

A enorme desproporção, que se observa n'este anno; como em todos, entre a importação do trigo em grão e a importação em farinha, deve predispor logo o espirito, dos que estão habituados a tratar d'estas questões, para a desconfiança de que o direito actual sobre a farinha é prohibitivo, e não simplesmente protector. (Apoiados.) Mais tarde o demonstrarei porque não quero atropellar a ordem dos meus raciocinios.
Os direitos de importação da pauta actual são:

1 kilogramma de trigo em grão.... 10 réis
1 kilogramma de farinha.... 16 réis

Sobre estes direitos primitivos têem successivamente vindo pesar os seguintes addicionaes: imposto para portos até 2 por cento e taxa complementar 2 por cento ambos ad valorem; 6 por cento de addicionaes sobre á somma d'estas tres parcellas, e finalmente para emolumentos 3 por cento sobre os direitos primitivos.
O calculo é o seguinte:

[Ver tabela na imagem.]

Este cahos de direitos, está phantasmagoria de alcava-las, está facilidade de cobrança e de expediente foram invenção de varios srs. ministros, que se têem succedido n'aquellas cadeiras, os quaes misturavam direitos ad valorem com direitos especificos, sem attenderem ás difficuldades de expediente e de outras ordens, que produziriam enormes confusões.
Esta sciencia dos nossos ministros da fazenda fez com que um viajante inglez a nosso respeito dissesse: que alfandegas peiores do que as de Hespanha só as portuguezas; que em Hespanha são precisas doze assignaturas para se ultimar um despacho é em Portugal vinte e cinco!
Sr. presidente, estes meus calculos não estão errados, e dão 12,4 réis por kilogramma de trigo importado.
Como é, pois, que o sr. ministro affirma no seu relatorio, que englobando todos os direitos descreve no seu projecto da pauta o direito total de 13,5 réis por kilogramma, e declara ter apenas augmentado 0,2 de real para arredondamento?
S. exa. arredondou, augmentando 1,1 réis. O proprio sr. relator calcula, e muito bem como sempre, o direito so-

Página 1976

1976 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES

bre o trigo pago em 1886 e chega a 11,88 réis por kilogramma, o que é exacto, visto que o imposto para portos nunca attingiu o maximo de 2 por cento; não imagine, v. exa. que estou a pôr em relevo o erro.
O sr. Fernando Matoso: - Não ha erro.
O Orador: - Não ha erro? Acabei de proval-o a v. exa. com o seu proprio calculo.
Na pag. 23 do seu esplendido relatorio.(Apoiados.) diz a exa. o seguinte: «o valor medio do kilogramma de trigo em 1885 foi de 35 réis. (Estatistica de 1885, pag. 107, n.° 254) e conforme, o direito de 10 réis, que lhe impunha a antiga pauta, pagava 10+0,93+0,65+0,30 = 1l,88 réis.»
Ora eu achei 12,4, porque v. exa. não calculou por completo o imposto para portos; entrou apenas com 0,66 por cento, que foi o, que se cobrou n'esse anno. O importador pagava, pois, efectivamente 11,88 réis por kilogramma, pelo projecto do sr. Marianno paga actualmente 13,5, portanto augmento real 1,62 réis.
Devo observar ao illustre deputado que ha certas habilidades, que se voltam contra o habilidoso. (Riso.)
Ha manifesto engano. Mas foi o sr. ministro que errou? Não foi. Toda a gente sabe que o ministro não é senão o colleccionador dos documentos que lhe fornecem, e d'elles se serve para o seu trabalho. Creio que não ha inimigo acirrado de s. exa. que não lhe reconheça talento, e habilidade. (Apoiados.) Supponho que lhe chamarão tudo, tolo é que ninguem lhe chamará, creio eu. (Riso.)
Sobre o erro do ministro tambem a commissão errou o, calculo; sommou mal, cometteu uma falta involuntaria; mas o certo é que quando diz que foi augmentado o direito do trigo em 1,5 real, se engana redondamente.
O augmento de 1,5 real é da sua responsabilidade, mas já o ministro augmentara por sua conta 1,62 por kilogramma. Effectivamente sendo o direito proposto de 15 réis por kilogramma e o que se pagava effectivamente de 11,88 réis, o augmento é na totalidade 3,12 réis.
Isto para a tal experiencia in anima vili, que o sr. ministor das obras publicas aconselha e tenta fazer com este direito, já não é mau; porque com esta experiencia são sobrecarregados os consumidores com 9, por cento do valor do kilogramma de trigo, que consumirem.
Em relação ás farinhas, todos sabem que a proposta levanta o direito de 20 a 22 réis; note-se que está uma prova da exactidão do meu calculo para o trigo nos resultados iguaes aos do ministro, que achei para a farinha.
Isto posto, convém succintamente conhecer as funcções nutritivas do trigo, o que é tambem da maxima importancia, para o assumpto em discussão, como todos podem ver.
De entre os cereaes o trigo é, o alimento por excellencia, demonstra-o a sua intima composição. Superior a todos os cereaes, que podem ser, não panificaveis commo elle, mas transformados em massa, é mister por todas as fórmas antepol-o, o milho ao em beneficio dos que trabalham. Isto ha de doer a alguem, hão de protestar necessariamente os cultivadores do milho, n'essa occasião não gritarei eu, mas tambem me hei de lamentar; não é muito o que tiro de um pequeno trato de terra, que possuo; mas, emfim, n'um pequeno orçamento qualquer verba de receita é attendivel. Mas no dia em que todos no paiz comerem pão de trigo, a força e o trabalho da massa, popular serão mais productivos, o que é um bem para o paiz.
Não vou ler á camara, o que aliás publicarei, as analyses qualificativas e quantativas do trigo e de outros cereaes.

Composição media dos cereaes

[Ver tabela na imagem.]

Da sua comparação resulta; que o trigo é o único cereal que tem gluten em grande quantidade e panificavel, porque o centeio tem-o igualmente mas em pequenissima quantidade e naõ o elastico, isto é, não panificavel e portanto não facilmente assimilavel.
Não quero n'este momento antecipar o que mais tarde direi ácerca do gluten, das suas propriedades e das rasões de preferencia dos trigos molles sobre os trigos duros. A seu tempo me referirei desenvolvidamente a estes assumptos; todavia para seguir logicamente as minhas idéas, direi unicamente: que o trigo americano palhinha é um trigo molle; que esse trigo é principalmente usado entre nos, e faz, segundo dizem, grave concorrencia ao trigo rijo nacional.
Vejamos se effectivamente as, estatisticas nos comprovam isto.
Haverá lucta de preço entre a palhinha e o trigo rijo? Qual é o preço minimo por que se póde vender em Lisboa o trigo palhinha?
Este preço compor-se-ha de tres elementos: primeiro, o valor manifestado na alfandega; todos sabem que sobre este valor recaem direitos ad valorem; o interesse do importador é, pois, diminuir quanto possa o valor manifestado, que a seu turno reduzirá os addicionaes ad valorem; em segundo logar devemos attender, aos direitos aduaneiros e aos ganhos dos importadores e intremediarios.
Os calculos são faceis. Segundo a estatistica de 1885, já por mim citada o valor medio do trigo foi de 35, réis por kilogramma.
Admittindo o peso de 0,770 grammas por litro de trigo (é a media dos trigos molles) o alqueire de 13,8 litros pesa 10,626 kilogrammas.
Teremos pois:

Valor do manifesto....
Direitos....
Beneficio 10 por cento....

Este preço de 554 réis por alqueire é, a meu ver, o preço minimo do palhinha em Lisboa.
Ora as estatisticas parecem confirmar este calculo. No seguinte mappa reuni os preços correntes no mercado dos trigos nacionaes e estrangeiros.

Página 1977

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1977

[Ver tabela na imagem.]

Tomei, quando os encontrei publicados, os preços de 1885, 1886 e 1887, que regulavam na primeira semana de cada mez, e vejo que o preço nunca desce a baixo de 560 réis, sendo o minimo poucas vezes attingido de 560 e o maximo 610 réis. Em regra o minimo mais constante e de 570 réis e o maximo de 600 réis.
As fabricas de moagens, que se fornecem em occasiões opportunas e em grandes porções, póde sair mais barato, mas não póde nunca admittir-se abaixo de 540 ou 555 réis o preço por alqueire de 13,8 litros.
Agora pergunto se o palhinha faz concorrencia de preço aos nossos trigos? Se e o estalão para o preço dos trigos nacionaes, as oscillações d'estes dois preços devem corresponder-se; desce, o preço do palhinha, descera o preço do nosso, sobe o do palhinha subira o do nosso.
Exactamente as estatisticas demonstram que isto não acontece. Comparemos o preço do nosso trigo lobeiro, com o do palhinha.
No anno corrente de 1887.

Preço maximo do palhinha....
Preço do lobeiro....
Preço minimo do palhinha....
Preço do lobeiro....

N'este mesmo anno, inversamente:

Preço maximo do lobeiro....
Preço do palhinha....

isto e, aos maximos do palhinha não correspondem os do lobeiro. Observa-se exactamente o mesmo nos annos anteriores.
O principio das oscillações correspondentes não se verifica; logo, o preço da palhinha não parece ser estalão.
Elevem, pois, levantem, a sua vontade o direito sobre o trigo palhinha, que não conseguem nada. Emquanto o direito não for proibitivo, não terá influencia sobre o preço do trigo nacional. É a estatistica que o diz.
Não quero contestar que a agricultura soffre, porque o preço dos trigos não é remunerador; apenas digo que não confio muito na influencia do preço do trigo palhinha sobre o preço dos trigos nacionaes, e que portanto e indispensavel descobrir outro remedio; que se antolhe mais efficaz.
Este facto e por tal fórma importante, que me parece necessario que s. exa. o ministro das obras publicas mande fazer investigações immediatas e mais completas. Não pude, nem posso fazel-as, porque infelizmente não tenho senão
algumas horas disponiveis, visto que do meu trabalho vivo.
S. exa. tem repartições as suas ordens; algumas que ja existiam, e outras organisadas recentemente por s. exa., ao menos as que creou ponha-as a trabalhar. Convém que estas minhas conclusões sejam apreciadas e avaliadas;
estarão talvez erradas ou incompletas, mas o methodo de estudo é este, repito, não ha outro.
A depreciaçao dos trigos nacionaes deve ter outra causa mais importante do que a influencia do trigo palhinha; hei de occupar-me d'esta questão muito brevemente, quando tratar da padaria, e então direi, o que aliás já está demonstrado por outros, qual e a verdadeira causa da depreciação dos trigos nacionaes.
Reservando os nossos raciocinios para então, vou desde já entrar directamente na questão importante da transformação do trigo em farinha, e determinar o beneficio da moagem, porque póde determinar-se este elemento com grande approximação.
A primeira cousa, que temos a procurar, é a relação entre o trigo e a farinha, que elle produz. Por experiencias officiaes feitas no paiz não me consta que se tenha fixado exactamente esta relação.
Não vale a pena que os illustres ministros pensem n'isto; como grandes homens, que todos somos, passâmos o tempo a discretear; ir procurar em qualquer elemento positivo a base de um raciocinio seria envergonhar-nos.
O trigo molle, com o peso medio de 77 kilos por hectolitro, dá pela moagem, segundo varias experiencias, que, tenho aqui notadas, os seguintes resultados:

[Ver tabela na imagem.]

Estes numeros resultam de experiencias cuidadosamente feitas sobre os trigos
molles das cercanias de Paris; trigos cuja composição e peso são assás similhantes aos do pallinha.
Seria, inutil expor outras experiencias, que corroboram estes resultados.
Devo observar á camara, que d'aqui em diante me servi-

Página 1978

1978 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rei de elementos colhidos por uma commissão, que foi nomeada pelo conselho municipal de Paris, para estudar estes assumptos, e todos sabem quanto interesse e vigilancia têem manifestado, é manifesta, aquella corporação com respeito á alimentação publica.
Foi esta commissão chamada de subsistencias, que fez trabalhos sobre a percentagem da farinha, tratando de outros assumptos praticos, que são importantissimos para a questão dos cereaes.
Vou procurar a França estes elementos, porque não os encontro no meu paiz, onde todos os ministros entendem que não é necessario saber, a quanto sobe a producção do trigo nacional, a percentagem de farinha que, produz, se esta farinha tem bom ou mau glutten, etc. Têem mais em que pensar! Só o trabalho de referendar decretos de mercês honorificas!
Ora, com estes dados é fácil de calcular quanto produz a moagem para beneficio e despeza, do fabrico. Desgraçadamente, não posso, chegar a destrinçar estes dois elementos, mas ainda assim os resultados serão, ocncludentes.
Se formos procurar, os preços correntes das farinhas, depararemos com um facto singular, para o qual chamo a áttenção da camara, porque é preciso que seja, bem conhecido e apreciado; encontraremos o facto singularissimo de existirem 5 ou 6 companhias de moagem, todas com os mesmos preços correntes.
O sr. Antonio Maria de Carvalho: - Apparentemente.
O Orador: - Como?
O sr. Ministro da Fazenda: - (Marianno de Carvalho) Diz o illustre deputado que a realidade não corresponde aos annuncios.
O Orador: - Melhor! Quer dizer que nos annuncios fazem conluio; mas que a igualdade de preços é apparente, porque particularmente illudem-se reciprocamente! Eu desconfiava, que isso devia ser assim. Está provado portanto que ha um conluio de fabricas para a determinação dos preços apparentes, mas que depois de marcados os preços se illudem reciprocamente.
Os preços combinados das farinhas são:

[Ver tabela na imagem.]

Applicando estes preços medios, ás percentagens que determinei, teremos que cada 100 kilogrammas de trigo produzem:

[Ver tabela na imagem.]

Suppondo que as fabricas pagam o trigo a 600 réis por alqueire o que não succede, porque fazem os seus fornecimentos em tempo opportuno, e portanto o trigo não attinge para ellas esse preço; mas suppondo que o attingé, 100
kilogrammas de trigo custarão, 5$645 réis, isto é, para beneficio e despeza de fabrico tiram as fabricas 1$034 réis por cada 100 kilogrammas de trigo moído.
Será pouco? Será muito? Não sei. Mas o que sei, é que a commissão de subsistencias de Paris, quando tratou d'este assumpto, determinou que para beneficio e despeza de fabrico nunca poderia ser admittida somma superior a 2 francos, podendo até descer a 1,75 francos, por 100 kilogrammas de trigo; isto é, a commissão considerava sufficiente 360 réis por cada 100 kilogrammas de trigo: Pois bem; os nossos farinadores têem 1$034 réis pelo mesmo peso de trigo. Tres vezes, quasi, a somma calculada e indicada pela commissão.
Realmente, n'estas condições, os nossos farinadores são dignos de commiseração! Conceda-lhes, sr. ministro, um excesso de protecção!
São dignos de lastima, e eu peço á camara que lhes conceda toda a protecção que póder, porque realmente deve ser uma industria completamente morta, ou pelo menos extenuada por violentos esforços!
Consegui apenas levantar a pontinha do véu, que encobre este mysterio de um sanctuario, em que é difficil penetrar. Aqui não houve inquerito que servisse. Pedi a uns e a outros, esclarecimentos; os agricultores deram-m'os mas os farinadores esclareceram-me, por fórma, que não entendi as resposas; é o melhor systema de responder.
Passemos agora á padaria, e para conhecimento de causa, direi ligeiramente o que é a farinha.
Todos sabem que a farinha é, principalmente, a mistura do gluten, substancia fermenticivel e elastica, com o amido, mistura em que se contem ainda uma certa porção de semeas. E tanto mais pura é a farinha, quanto mais expurgada está das semeas.
O gluten é na farinha o elemento principal de nutrição; tanto mais panificavel e superior é, quanto maior for a sua elasticidade. Os trigos têem effectivamente tanto mais gluten, quanto mais rijos e polidos são; mas a quantidade d'esta substancia não basta, porque é indispensavel a sua boa qualidade. Chama a attenção da camara para este ponto.
Affirma-se, effectivamente, que o gluten, embora em maior quantidade, nos trigos rijos, não é tão elastico como o do trigos molles, e por isso não é tão panificavel e conveniente para a nutrição. Será verdade? Não sei.
É necessario fazer as experiencias indispensaveis para resolver esta duvida.
É claro que o gluten póde, ter qualidades differentes; e sendo em maior quantidade póde, todavia, offerecer qualidades, panificaveis inferiores. A quantidade só por si nada representa, porque é preciso que a qualidade lhe ,
esteja alliada.
É conveniente saber qual é a verdadeira causa da peior qualidade das farinhas de trigo rijo.
Dizia um medico distincto que o que a alimenta não é o que se ingere, mas o que se digere e assimilla. Se o gluten é mais assimillavel nos trigos molles, são estes preferiveis, se é em maior quantidade e igualmente assimillavel nos trigos duros, são estes preferiveis. A questão está scientificamente posta, a experiencia que resolva.
Chega a occasião de ler á camara ás affirmações feitas por um industrial importante, um farinador e padeiro francez, mr. Touaillon.
Chamo a attenção do sr. relator para este ponto, que é muito interessante. Diz este especialista: «os trigos contem tanto mais gluten quanto mais seccos são e mais duros. A seu turno as farinhas absorvem na amassadura uma quantidade de agua proporcional á quantidade contida de gluten.
«Estes factos deviam dar aos trigos rijos o primeiro logar, o que não acontece. Os trigos molles serão sempre preferidos aos trigos polidos, que não podem produzir senão pão caseiro.
«Diz-se, e muitas vezes se repete, que esta preferencia do comummidor pela brancura ao pão é uma mania, um prejuizo; não sou d'essa apinião.
«Effectivamente, o pão proveniente da farinha do trigo

Página 1979

SESSÃO NOCTURNA DE 21 DE JULHO DE 1887 1979

molle é mais saboroso o mais volumoso e portanto mais digerivel; emfim, é mais nutritivo em peso igual do que o fabricado com os trigos rijos. Se as farinhas d'estes ultimos têem a propriedade de reter mais agua, é em beneficio do padeiro, cujo rendimento em pão é mais elevado; com isto nada ganha o consumidor.
«A mistura das farinhas dos trigos molles e das farinhas dos trigos duros dá sempre um mau resultado; a farinha do trigo molle muito fina não se amassa facilmente; a massa fermenta mais promptamente do que a proveniente do trigo duro, e fica sempre no estado de granulos não utilisados, que fazem peso e não pão.
«Para fixar-a minha opinião sobre o valor do gluten dos differentes trigos, fiz experiencias que me provaram ser muito variavel e que a riqueza do pão não está em relação com a proporção do gluten, mas sim com a sua elasticidade e extensibilidade.
«O trigo branco, que não tem mais de 10 a 11 por cento de gluten, produz farinhas cujo pão é mais nutritivo do que o da farinha dos trigos duros, que contem 18 e mesmo 20 por cento; é mais alto, mais digerivel, e assimila-se melhor; é um facto incontestavel.»
Referindo-se a escolhas das farinhas, diz terminantemente: «tanto mais o pão é branco e alto, tanto maior é o seu valor nutritivo; se a brancura é prova de que o trigo foi bem limpo e era de boa qualidade, o desenvolvimento da massa demonstra ter sido a moagem bem feita, é que o gluten possue e conservou extensibilidade e elasticidade sufficientes».
E mais adiante: «...porque, nunca será demasiado dizel-o, tanto mais leve é o pão, tanto mais é nutritivo e melhor se digere; ao contrario da opinião do muita gente que considera o pão escuro e o pão caseiro como superior ao pão branco».
Parece me desnecessario multiplicar as citações. Eis uma opinião rasgada e assente: «os trigos rijos têem mais gluten, mas de peior qualidade, pelo menos produzem farinhas menos panificaveis, e portanto, menos proprias para a alimentação.»
Citarei ainda outra auctoridade. É conhecido um pequeno apparelho, denominado aleurometro, que tem por fim apreciar as propriedades nutritivas do gluten, isto é, a sua elasticidade.
O auctor deste apparelho, sr. Boland, padeiro em Paris, escreveu os seguintes periodos: «assim, para apreciar as propriedades panificaveis da farinha de trigo é necessario não só determinar a quantidade do gluten que ella contém, a fim de julgar a natureza do trigo de que provém, mas ainda comparar a elasticidade d'este gluten, para nos assegurarmos se elle não foi, alterado pela dissecação, pela fermentação ou por qualquer outra causa».
Ora n'uma serie do experiencias feitas com o aleurometro vi que as melhores qualidades panificaveis do gluten não estão exactamente nos trigos duros, mas nos molles.
Concluo de tudo isto, que uma boa farinha não depende só da quantidade do gluten mas das suas qualidades panificaveis isto é, da sua elasticidade.
Sendo assim, está explicada a repugnancia que o consumidor mamifesta no nosso paiz, como em toda a parte, pelo pão de trigo duro, mais pesado e indigesto do que o do trigo molle. Esta repugnancia, confessada pelo proprio sr. relator, não se vence, com o imposto protector, a menos que este não se torne prohibitivo.
O consumidor resignar-se-ha a comer o pão mais caro, o lavrador portuguez não, venderá melhor os seus trigos rijos, e os intermediarios embolsarão os sacrificios do uns e outros.
É indispensavel determinar a verdadeira causa da peior qualidade das farinhas dos trigos rijos. Está na inferioridade do seu gluten ou na imperfeição da moagem?
Seja, por um motivo, seja por outro, é certo que a farinha ,do trigo rijo não tem as condições, que o consumidor exige.
Pela minha parte tenho grandes duvidas sobre este assumpto e por isso, na parte que me toca, como vereador da cidade de Lisboa, promoverei que os laboratorios, municipaes procedam a analyses quantitativas e qualificativas dos trigos nacionaes e do seu gluten.
Emquanto as moagens não póde, por emquanto, a camara pensar em as organisar; por isso proponho que o governo seja auctorisado a estabelecer uma fabrica, com o fim de empregar os trigos rijos nacionaes, transformando-os em farinhas pelos processos mais aperfeiçoados.
É uma experiencia que póde custar alguns centos de contos de réis.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho: - V. exa. dá-me licença? Uma fabrica de moagem por conta do estado para 45:000 bôcas, dando o estado o ter- reno para a edificação, e com o motor hydraulico e machinas convenientes, custará só 90:000$000 réis.
O Orador: - Mais uma rasão para aconselhar o emprego d'este meio.
E então o illustre ministro, e ainda mais illustre dictador, não recuou diante de tantas medidas e atemorisou-se perante este simples e productivo intento?
(Interrupção.)
Atemorisou-se quando lhe fallaram em judeus?
Deixe-os lá.
Mais judeus ha n'esta nossa terra, do que muita gente suppõe; uns não o são e parecem-o; outros, sendo-o, não o querem confessar. (Riso.)
Estou, pois, perfeitamente de accordo com o sr. Mattoso dos Santos, quando escreveu no relatorio: «o agricultor soffre não só por a escassez e a carestia da producção cerealifera; soffre tambem, e principalmente, pela falta de venda dos seus trigos e não motiva esta falta de venda a barateza do trigo estrangeiro. O consumo rejeita as farinhas dos trigos rijos, tal como só a sabem e a podem produzir as fabricas com a sua actual montagem. Os farinadores não compram, portanto, taes trigos.
Todos conhecem praticamente a differença do pão do trigo molle e do trigo rijo; a experiencia temol-a feito nós, quando somos forçados a comer esse pão baixo, massudo e escuro, que produzem os trigos nacionaes rijos. Duro e pesado para o estomago, a sua digestão é difficil é laboriosa; quem o come, estando principalmente deshabituado, fica, não acho outra palavra senão uma realista expressão popular, impando.
A palavra é esta, não ha outra; não se offendam os castos ouvidos parlamentares de alguns dos meus collegas. É uma expressão popular.
Ora, o povo é o grande creado das linguas; não são os philosophos nem as academias que as fazem, é esse bom povo que produz por toda a parte tudo quanto ha de valor; elle dá dinheiro para os farinadores e para os padeiros, enche as arcas do fisco e ainda em cima, este bom povo, faz as linguas!
Bom povo em toda a parte laborioso e soffredor, como o demonstra, e demonstrará, esto excellente povo de Lisboa, que diante d'este novo imposto de 450:000$000 réis que lhe vão caír em cima, se conserva socegado e cheio de uma bonhomia que attinge os limites... não posso dizer de que, porque sou povo de Lisboa.
O remedio efficaz para este estado de cousas não é facil de encontrar, mas
póde-se affirmar não estar, por fórma alguma, na proposta da commissão. Em toda a parte aonde se cultivam os trigos rijos, por exemplo em França, observam-se os mesmos phenomenos; por isso a França procura transformar a sua cultura. Sei que a natureza dos nossos terrenos não permitte facilmente a transformação da cultura do trigo rijo em cultura do trigo molle; mas onde poder ser deve
tentar-se esta modificação.
O sr. Matoso da Santos: - De um dia para o outro?

Página 1980

1980 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O Orador: - Se poderem transformal-a rapidamente, melhor, como tem feito a França na Argelia.
Em todo o caso, não esqueçâmos que a boa vontade vence muitas difficuldades, e sobretudo que a experiencia é a grande mestra da vida. Sacrifiquemos, pois, modestos, capitaes em experiencias, em que sempre se despende pouco, se se áttender a que depois se ganha muito. (Apoiados.)
Deu a hora. Sinto ter alongado as minhas considerações, mas como v. exa. viu, não repeti um só dos meus raciocinios sirva-me isto de desculpa. As questões têem-se concatenado logicamente. Peço, pois, a v. exa., que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de ámanha é na primeira parte a eleição dos vogaes da junta do credito publico e o projecto de lei n.º 179,e na Segunda parte a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Era meia noite.

Redactor = Rodrigues Cordeiro

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×