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RECTIFICAÇÃO

Na sessão de 11 do corrente, e na lista dos srs. deputados entrados durante a sessão, omittiram-se os nomes dos srs. Gonçalves de Freitas, Gaspar Teixeira, José Estevão e Freitas Branco, que tambem entraram durante a sessão.

Discurso do sr. Vaz Preto, proferido na sessão de 11 do corrente, e que devia ser publicado a pag. 1762, 3.ª columna, linha 69 d'este Diario

O sr. Vaz Preto: — Desejando apresentar algumas modificações ou emendas a differentes paragraphos da resposta ao discurso da corôa, pedi a palavra sobre a ordem, porque de outra fórma e na altura em que me achava inscripto sobre a materia por certo o não poderia fazer; sinto porém ter de preterir oradores, que pela sua illustração e saber, pelos seus conhecimentos e experiencia, abrilhantariam sem duvida a discussão, patenteando ao parlamento opiniões respeitaveis, idéas luminosas, considerações philosophicas; comtudo o dever de exprimir o meu pensar e sentir todas as vezes que d'elle possa resultar utilidade ao meu paiz em geral, ou em particular ao circulo que me conferiu um diploma, não consente que me prenda com similhantes ponderações; se não fosse este dever impreterivel, não ergueria eu hoje o meu brado debil e frouxo n'este recinto, aonde repercute ainda a voz sonora e vibrante do sr. deputado por Aveiro, que tanto commoveu e impressionou a camara. E que poderei eu dizer n'estas circumstancias? Como conciliar a attenção da camara? Que fazer pois? Exercer humilde e singelamente a nobre missão de que fui encarregado, e se não posso imitar o Vergniau portuguez na eloquencia inspirada, imita-lo-hei ao menos no profundo das convicções.

As emendas que mando para a mesa são as que vou ler (leu).

Sustenta-las-hei, e sustenta-las-hei em breves traços para não fatigar a camara, nem a privar de ouvir ainda alguns dos seus ornamentos; circumscrever-me-hei quanto possivel for á materia, sem comtudo deixar de trazer considerações geraes que me servirão de auxilio e mesmo de base á minha argumentação.

Antes de passar mais adiante, não posso deixar de notar á camara, em simples e breve observação, que as asserções feitas e dirigidas pelo nobre ministro da fazenda ao illustre orador que encetou este debate, não me pareceram justas e rasoaveis. As regras geraes que regem e regulam uma certa ordem de factos e phenomenos similhantes têem suas excepções todas as vezes que estes factos mudam, todas as vezes que estes phenomenos variam. Se a resposta ao discurso da corôa deve ser de curta e leve discussão, quando as circumstancias são ordinarias, quando o estado e situação das cousas é normal, ella deverá ser acalorada e debatida quando as circumstancias se tornarem especiaes, quando apparecer uma agitação no paiz que mova a cuidados serios e chame a attenção de todos os poderes publicos.

Factos importantes e de summa responsabilidade se succederam uns após outros: uma camara foi dissolvida, outra, a dos dignos pares modificada pelo augmento consideravel do numero dos seus membros; todos estes factos, todos estes acontecimentos importantes juntos á commoção da publica opinião, a que deu causa a irregularidade e a direcção menos acertada com que o governo do estado considerou um assumpto gravissimo: fallo da questão das irmãs da caridade, que ao principio era nada, era pequena, e agora se tornou grande e momentosa.

Á vista de todos estes acontecimentos, os homens politicos não podem nem devem deixar numa occasião tão solemne de manifestar livre e desassombradamente as suas opiniões ao paiz que, ávido das suas respostas, parece a todos os momentos interroga-los e lançar-lhes em rosto como criminoso o seu silencio. É mister que elles confundam com a sua voz auctorisada, e com seu brado energico aquelles que por via de menos exacção e talvez menos circumspectos pretenderam lançar sobre sentimentos cordatos e rasoaveis notas que lhes não competiam.

Mas suppondo mesmo que nas actuaes circumstancias se devesse considerar a resposta ao discurso do throno como um simples cumprimento, admittida ainda essa hypothese, mesmo assim as asserções a que nos referimos eram infundadas, porque n'esse caso a discussão versava sobre o modo de fazer esse cumprimento: uns querem que elle seja um cumprimento banal, sem significação alguma, e mesmo impregnado de lisonja e adulação; outros pelo contrario desejam que seja a expressão sincera dos sentimentos do povo, a linguagem viva, verdadeira e franca dos que pretendem remedio a tantos males como os que nos circumdam.

Eu sou d'esse numero; eu desejo, eu quero, já que ao conhecimento dos soberanos nunca ou quasi nunca chegam os gemidos dos infelizes que vergam sob o peso de enormes soffrimentos, porque, essa immensa cohorte de aulicos que os rodeiam lhes' desfiguram sempre os factos ou lh'os occultam (apoiados), elles tenham ao menos esta occasião em que a verdade chegue pura a seus ouvidos, e nós os representantes da nação mais um meio de unir e identificar o chefe do estado com o paiz.

Eu fallo em geral, não faço allusões, não me refiro a pessoa alguma; desejo comtudo que esse documento importante signifique alguma cousa e não occulte debaixo de phrases escuras e ambiguas a politica obnoxia da administração que dirige os nossos destinos.

Estas asserções, este modo de argumentar não é proprio de quem occupa um logar tão elevado, não é digno de quem deve ter principios firmes e estaveis, e que d'esta fórma parece temer a livre discussão em logar de a desejar, para que com a sua luz clara e brilhante esclareça e illumine os que vivem no erro.

Mas quem são os que vivem no erro? Não sei. Sei só que a victima expiatoria d'esses erros é o paiz, que clama debalde, que clama sempre, mas que clama no deserto.

Os seus clamores, embora repercutidos por esses ares, echoam ainda n'este recinto, e não foram attendidos; ministerios caíram, outros se ergueram no seu logar, e os cavalheiros que ascendiam ao poder pela vontade do povo e só para o povo, esqueciam-se em seguida que a bandeira dos sessenta mil peticionarios tinha tremulado na sua frente; esqueciam-se d'essas reclamações justas expondo-as á irrisão e ao escarneo por um proceder inconcebivel; depois esses cavalheiros que não tinham correspondido á esperança e confiança que n'elles se tinha, porque nada fizeram durante a sua administração, reascendem ao poder quasi em identicas circumstancias, e para que? Para se extasiarem, para se maravilharem, para estaticos contemplarem a obra dos seus antecessores; obra, systema ou plano que não tiveram o dom de conceber, e que professando principios oppostos o abraçam em viva contradicção, folgam com elle, e por fim ufanos de tamanha gloria vêm ainda dizer-nos: «Tivemos a coragem de levarmos á execução essas medidas affrontando todo o odioso».

Sr. presidente, não entendo similhante politica; acho-a tão mysteriosa e complicada, que cada vez conheço menos quaes as idéas, quaes os principios que dirigem o actual ministerio. Eu preferiria antes ouvir da bôca dos srs. ministros, em logar de recriminações continuadas para desculparem os seus erros com os erros dos adversarios, preferiria antes ouvir-lhes dizer: «Essas medidas, contra as quaes se levantaram reclamações tão justas desappareceram já, o nosso systema é opposto ao vosso, baseia-se em principios differentes, e o nosso modo de gerir os negocios publicos está em harmonia com esse systema; desta sorte nós temos sabido desenvolver a riqueza nacional, augmentámos a receita publica sem ser pelo imposto, diminuimos a despeza sem obstar a que o serviço continue expedito e regular, acabámos com as sinecuras que ressumbravam por toda a parte». Permitta-me n'esta parte o illustre deputado por Aveiro que eu me separe de s. ex.ª, pois estou intimamente convencido que entre nós existe grande quantidade de tribunecas desnecessarias.

Eu preferiria antes que os srs. ministros nos dissessem muito convencidos: «Pelo nosso systema damos ao credito a confiança, e ás finanças a economia; pelo nosso systema a receita equiparou-se á despeza ou cobre-a já, de forma que ou se póde amortisar uma parte da nossa divida, ou se póde realisar com condições vantajosas um emprestimo para explorar rasoavel e productivamente as nossas colonias, ou fazer florescer a nossa agricultura, commercio e industria»; e não virem dizer-nos: «Temos um deficit de mil e tantos contos, mas é de suppor que as alfandegas rendam este anno mais»; quando a verdade é que o deficit é muito maior, e sem esperanças de o diminuir.

Sr. presidente, o estado das nossas finanças é medonho, é assustador; e se continuarmos n'este systema de desperdicios; se não esquadrinharmos os meios de resolver este difficil e escabroso problema de matar o deficit; se todos os annos a nossa divida for augmentando progressivamente, ai de nós! Onde iremos parar? A banca-rota é inevitavel. Desde 1833 até hoje (apesar de immensos bens nacionaes terem sido vendidos), desde essa epocha até hoje, a divida interna tem subido cinco ou seis vezes mais, e a externa tem augmentado sete ou oito vezes. Verdade incontestavel, e que se reconhece facilmente, se juntarmos 30.000:000$ réis, quantia que se accrescentou á divida neste curto praso em que o actual ministerio occupa o poder, aos calculos infalliveis, feitos e apresentados ao parlamento pelo sr. conselheiro Silva Cabral, quando, depois de dez annos, se sentou aqui de novo no logar que lhe competia, e pronunciou um memorando discurso na resposta ao throno.

É sobre este objecto de alta transcendencia, sobre este assumpto de summa gravidade, sobre este ponto de elevada magnitude, que eu exijo, em cumprimento do meu dever, do sr. ministro da fazenda uma resposta categorica e definida; que me diga, clara e terminantemente, se pelo seu systema e principios encontra o meio de resolver este difficultosissimo problema de matar o deficit, e se pelo seu methodo e idéas chega a esse resultado feliz; e não venha, com uma resposta palliativa e duvidosa, dizer-nos: «Os tributos indirectos têem dado resultados satisfactorios na Europa; as alfandegas com a nova reforma rendem mais; e se lhe abaixarmos de novo as taxas ainda hão de render mais; e não sabe o nobre ministro que este abaixamento tem seus limites? E que as mercadorias e generos importados estão na rasão do consumo e concorrencia?

É muito facil ser ministro, e muito difficil: muito facil se o papel de ministro se reduz simplesmente a ir á secretaria assignar o expediente, vir á camara pronunciar um discurso no campo vasto e improprio das recriminações, e voltar depois para sua casa acompanhado de um correio.

E muito difficil, se os que têem de occupar aquelles logares (apontando para as cadeiras dos srs. ministros) se lembrarem de um pensamento profundo do grande Epaminondas, que quando lhe deram um logar insignificante para o amesquinharem, disse: «Eu mostrarei que os homens é que ennobrecem os logares, e não os logares os homens». Então o papel de ministro é muito difficil; é necessario um estudo profundo sobre a historia dos estudos destinados a elevarem a alma e a esclarecerem o espirito, um dos mais importantes, quando ella é considerada não como uma serie vã de nomenclaturas e de datas, mas sim como fazendo parte do grande systema das sciencias politicas e moraes, como o deposito onde se encontram todas as observações feitas, todas as experiencias realisadas no trajecto das gerações que passam, tendentes a esclarecer a theoria do bem publico; é mister então que desse estudo profundo nasça um systema governativo muito pensado, e que seus auctores confiem n'elle abandonando por uma vez essa volubilidade de idéas. Então é necessario emendar as nossas instituições, reformar a administração publica com melhores bases, harmonisar o systema tributario de fórma que não haja vexames (apoiados), e recaia o imposto proporcionalmente sobre todas as classes, sobre todas as industrias e commercios: dar ao paiz uma organisação mais conforme com a sua indole, habitos, costumes e civilisação, conservando a nossa originalidade em logar de nos tornar copias ridiculas. Foi sem duvida por este caminho que os Fox, os Chatams, os Peels engrandeceram a Inglaterra; e nós, pelo caminho opposto, somos conduzidos á beira de um abysmo insondavel. A responsabilidade é immensa, e eu lamento estes desvios que conduzem á ruina o nosso pobre Portugal.

Sr. presidente, eu desejaria demorar-me mais sobre este assumpto senão fosse divagar da materia. Guardarei pois o seu desenvolvimento para melhor e mais opportuna occasião.

E não passarei desapercebido o discurso do illustre relator da commissão de resposta ao discurso da corôa. A sua apreciação respeita unicamente ao governo actual.

É desculpavel que a opposição note aberrações e erros aos cavalheiros que occupam as cadeiras do poder, é mesmo do seu dever faze-lo quando a justiça lhes assiste como agora. É igualmente rasoavel e admissivel que o governo se defenda, mas o que ninguem póde admittir, e o que é fóra de toda a rasão é que, aquelles que são accusados de praticarem o mal, deixem de confundir os accusadores mostrando-lhes que o apreciaram injustamente, é queiram defender-se accusando os adversarios de iguaes erros.

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Se o fazem provam que não podem desculpar os erros proprios, porque, se o podessem, confundiriam, como já disse, os adversarios com a sua justificação, e não opporiam ás proprias as faltas alheias.

O illustre relator foi o primeiro a condemnar o governo, dizendo = que a opposição exagera o mal que elle fez. = Se a opposição exagera o mal é porque elle existe, e se não existe é impossivel exagera-lo. Esta defeza equivale a uma condemnação, ou eu não pude entender o nobre deputado. A maioria que, com estridentes apoiados, o applaudia, caiu igualmente na mesma falta. Esta e aquella o condemnaram; tal é o peso da verdade e a força da consciencia que lhes insinua aos labios e faz pronunciar aquillo mesmo que de certo occultariam as conveniencias partidarias e as complacencias politicas.

Sr. presidente, o relator da commissão, o sr. Lobo d'Avila, não podendo defender os actos do governo volta-se para os seus adversarios e diz-lhes: «Vós quizesteis fazer tudo de uma vez sem nos deixardes cousa que nos merecesse séria attenção, e por fim reduziste-vos a copiar». O desejo de ser util ao seu paiz, o trabalho continuado para conseguir esse fim é sempre louvavel, sempre digno de respeito e consideração. O nobre deputado é injusto quando ataca d'essa fórma as intenções e os esforços dos seus adversarios. Não sabe o nobre deputado que a vantagem das nações mais atrazadas é aprenderem com os exemplos das mais adiantadas, e poderem ensaiar em si systemas já conhecidos e approvados? Não sabe o nobre deputado que os ultimos que vem têem maior responsabilidade, porque subidos, permitta-se a expressão, sobre os hombros dos que os antecederam, divisam um horisonte mais extenso?

Sr. presidente, eu persuado-me que o nobre deputado fallando assim quiz imitar Alexandre, o grande, filho de Filippe de Macedonia, de quem se conta que chorava quando lhe noticiavam que seu pae tinha praticado mais uma acção gloriosa, receiando que não lhe ficasse cousa alguma para elle fazer: se pois se recorda de similhante heroe, recorde-se tambem de como elle exaltou e engrandeceu a sua patria, e aconselhe ao seu partido a que o imite, engrandecendo a nossa segundo as idéas da epocha, e em relação ás nossas circumstancias.

Se o sr. Lobo d'Avila, proferindo similhantes asserções, fallava serio, dir-lhe-hei que desconhece a natureza humana que em tudo quanto faz é pequena e acanhada, e que só encontra limites no infinito, no que ha e póde fazer; se pelo contrario no seu animo se abrigava outra idéa, a de amesquinhar os que tinham bons desejos e empregavam porfiados esforços, asseguro ao sr. relator que n'esse tempo em que se apoderava de todos a mania de fazer muito, a idéa do fomento geral apoderou-se tambem de s. ex.ª que então era relator da commissão de fazenda e queria então e desejava fazer tudo d'uma vez: se eu gostasse de me lançar no passado lá encontraria nos seus discursos a apologia d'aquelle systema.

Esse tempo passou, e com elle as idéas do nobre deputado, porque sapientis est mutare concilium.

N'aquelle tempo sustentava o ministerio pelo que fazia, pelos seus actos reaes, agora sustenta este pelo que ha de fazer, e pelo que deseja que elle faça. Eis-aqui o que o sr. Lobo d'Avila nos diz.

Eu espero que o governo use da sua iniciativa ácerca de diversas propostas. Desejo que o sr. ministro da justiça se compenetre bem da questão do credito predial. Emquanto a instrucção publica, desejo que o sr. ministro do reino apresente alguma reforma.

Peço e espero que o sr. ministro da fazenda ha de fazer novas modificações no sentido mais amplo e liberal; naturalmente o sr. deputado referiu-se ao abaixamento do imposto sobre o pimentão e alpiste (riso). Espero tambem a organisação da força publica. Quando se sustenta um governo só pelo seu desejo, e não pelo seus actos, só por esperanças do que elle ha de ou deve fazer, não pelo que elle faz; quando este é o apoio unico que lhe dá um dos seus mais estrenuos campeões, e a maioria que o applaude com os seus apoiados, é porque a enfermidade é de suprema gravidade.

Sr. presidente, vendo eu e reconhecendo o terreno escorregadio por que subia o illustre relator, e reciando-lhe tremenda quéda quando elle percorria todos os ministerios sem lhes encontrar meios de defeza, a não serem conselhos, esperanças e desejos, compenetrado da situação difficil em que se achava, quiz prestar-lhe um relevante serviço auxiliando a sua memoria, apontando-lhe do lado para o regulamento dos inspectores das obras d'este ministerio. Mas qual foi a minha surpreza, quando, em logar de me agradecer este relevante serviço, se espinhou de todo, e iracundo pretendeu fulminar a minha innocente e singela lembrança.

Sr. presidente, eu, alheio á politica, ignoro todos estes mysterios; aproveito porém a occasião para asseverar que a minha lembrança, simples de sua natureza, não atacava o merecimento do regulamento, se elle o tinha, e por isso direi alto e em bom som - que respeito muito o sr. ministro das obras publicas, que lhe sou até obrigado, e que estou completamente convencido que fossem quaes fossem os motivos determinativos d'esse regulamento, haviam de ser sem duvida muito honrosos para s. ex.ª

O illustre ministro podia errar; a sua obra póde ser imperfeita, comtudo as suas intenções e desejos eram de ser util ao paiz e dota-lo com uma medida proveitosa.

Emquanto ao meu modo de ver, parece-me que a reforma poderia ser mais economica, e que o quadro dos inspectores não está em relação nem com a nossa pequenez e meios, nem tem proporção com os de Hespanha e França, de que foi copia. Aqui é provavel que o sr. relator encontre originalidade! Tambem não me parecem os ordenados em muita harmonia com os dos outros servidores do estado.

O trabalho deve ser bem retribuido, mas desgraçadamente entre nós trabalha-se pouco, e então para que se ha de retribuir muito?

Um governo não se sustenta assim; mostra-se que o seu systema, que o seu plano governativo é o verdadeiro, e deduzem-se por uma rigorosa demonstração quasi mathematica as suas consequencias que devem ser e são uteis ao paiz; sustentam-se e defendam-se os seus actos que devem ser bons e proveitosos a todos: mas nada d'isso fizeram, porque não se podia fazer, porque o systema, o plano governativo d'este não existia, e por isso era impossivel mostrar as suas vantagens e perfeições.

Sr. presidente, vou sendo mais extenso do que desejava, peço desculpa á camara, e passarei á questão das irmãs da caridade; mas primeiro confessarei que me surprehendeu que o sr. ministro da justiça viesse dizer no seio do parlamento, querendo defender certos accordãos, que o fabrico da moeda falsa de nação estrangeira não era um crime.

Vozes: — Não, senhor.

O sr. Ministro da Justiça: — Nego.

O Orador: — Eu notei as palavras que proferiu o sr. ministro = que não podia ser punido este crime senão depois da convenção feita com o Brazil, porque antes como era um objecto anterior á convenção e não havia legislação especial, não podiam ser punidos factos d'esta ordem.

O sr. Ministro da Justiça: — Não disse isso.

O Orador: — Espero que v. ex.ª terá a bondade de se explicar, para continuar a minha argumentação.

O sr. Ministro da Justiça: — Com todo o gosto. O sr. presidente dá licença. Eu disse que antes da convenção com o Brazil de 12 de janeiro de 1855, avista do codigo penal era duvidoso, se era ou não punivel, o fabrico da moeda estrangeira; uns opinavam pela negativa, outros pela affirmativa. Mas depois da convenção que veio firmar o espirito e intelligencia da legislação anterior, já não podia haver duvida alguma. (Uma voz: — Ali são notas.) No Brazil a moeda é representada por meio de notas, porque a essas notas é que se referem todos os outros valores, por consequencia não ha falsidade de moeda metallica, o que é crime em toda a parte.

O Orador: — Depois de ouvir o sr. ministro, direi ainda que essas duvidas eram o meio de ficarem os crimes impunes. E se não havia entre nós uma legislação especial para punir os crimes de notas, havia a legislação do codigo relativa a escriptos falsificados: o que são notas falsas? Não são escriptos falsificados? Uma consulta de um dos illustres collaboradores do codigo tira toda a qualidade de duvidas a este respeito; portanto o nobre ministro devia proceder energicamente, e empregar todos os meios e precauções para que os criminosos não ficassem impunes.

Sr. presidente, passarei á questão do dia. Tinha eu dito que a questão das irmãs da caridade que ao principio era nada, era pequena, hoje é grande e momentosa, e hoje que se diz que está no fim está cada vez mais embrulhada, de mais difficil resolução e em peiores circumstancias que no principio, isto é o que se deprehende da confusão de todas as opiniões, o que se deprehende de todas as respostas equivocas o ambiguas do sr. ministro da justiça e das respostas claras e terminantes do sr. ministro dos negocios estrangeiros, declarando á camara que documentos havia, que negociações estavam pendentes de que não lhe podia dar conhecimento.

Se a questão está resolvida para que é toda esta diplomacia? Para que são as negociações pendentes? Se não está resolvida, para que é tanta falta de franqueza? Por que não se nos apresentam as difficuldades, para todos juntos as vencermos. Não carece o governo do nosso auxilio ou teme elle o nosso julgamento?

Sr. presidente, eu estou convencido que esta questão tem sido explorada para armar á popularidade, e tenho serias e graves apprehensões que não se ha de resolver, porque o ministerio não quer. Se quizesse, que difficuldade haveria de aceitar o additamento, ou do sr. Claudio ou do sr. José Estevão. Mas o sr. ministro da justiça diz — que o do sr. Claudio não póde ser aceitado, porque é uma redundancia depois de se fallar no paragrapho a que se refere, em geral em reacções. Porventura haverá redundancia quando se quer especificar para mais clareza? Quando se desce do genero para a especie. O sr. Claudio quer a questão resolvida de direito e de facto, e é isso que não consegue. Emquanto ao additamento do sr. José Estevão, diz o illustre ministro — que não é agora a occasião propria de se tratar essa materia, mas sim conjuntamente com o projecto do decreto apresentado pelo sr. ministro do reino. E que queria o sr. José Estevão? Que se recompilasse e revalidasse toda a legislação sobre ordens religiosas; e não era este um meio, um passo dado mais para evitar reacções religiosas?

Combinando tudo isto com os actos do ministerio, em relação a tudo o que é reacção, cada vez o meu convencimento é mais seguro, relativamente á asserção que avancei.

Eis-aqui o que se passa no districto de Castello Branco. No concelho de S. Vicente existe um estabelecimento dirigido por alguns dos mais afferrados sectarios a essas idéas reaccionárias; ensina-se e converte-se (como elles dizem). Esse estabelecimento está illegalmente erecto, não tem estatutos approvados pelo governo, segundo me disseram alguns governadores civis d'aquelle districto, e o governo consente-o. O collegio existe ainda, e para lhe dar mais força e vigor, levaram-lhe irmãs da caridade e padres lazaristas. (Uma voz: — Ouçam, ouçam.) A sua luz, que elles chamam divina, e o seu fogo inspirado tem produzido effeito. Nas circumvisinhanças o fanatismo caminha com passos gigantescos; e a tal voz, que elles denominam de Deus, ingerindo-se nas familias e segredando-lhes aos ouvidos, fazem com que as mães, as filhas e as mulheres abandonem os seus deveres, e, fracas, lutem entre os sentimentos da natureza e a voz que as chama, que elles lhes inculcam ser do céu. Um abastado lavrador tinha duas filhas que estremecia (eis-aqui o prognostico do sr. José Estevão realisado); este honrado homem adorava-as, e perdeu-as ambas, e talvez para sempre, porque ellas diziam que Deus as chamava; abandonaram-n'o no leito da dor, venderam a legitima de sua mãe, e ellas ahi estão, não sei se já irmãs da caridade, e o governo impassivel a tudo! Iria longe se percorresse todos os actos do ministerio a este respeito, porém limitar-me-hei ao exposto, e passarei a tratar a questão da dissolução.

Tratarei pois d'esse acontecimento importante — a dissolução da camara. N'um paiz em que a educação constitucional estiver já bastante adiantada, factos d'esta ordem raras vezes se verificam; esta é uma das mais importantes attribuições do poder moderador, que não póde nem deve ser exercido senão em occasiões muito difficeis, com muita circumspecção, e só nos casos que a lei marca: existiu esse caso em que só poderia ter logar a dissolução? Estava a patria em perigo? A salvação do estado dependia de uma similhante medida? Estava a patria em perigo, se a patria era o ministerio; dependia sem duvida a salvação do estado d'essa medida, se a salvação do estado era a salvação do ministerio. O ministerio salvou-se, e salvou-se a patria? Não o creio; convenço-me pelo contrario que está mais em perigo do que estava. E que tinha feito o ministerio para merecer confundir-se com a patria? Tinha dito, ao menos corria n'esse tempo em que elle ascendeu ao poder, que podia governar com a camara que foi dissolvida, e governou na realidade, porque a camara foi coherente prestando-lhe o apoio emquanto elle seguiu a politica dos seus antecessores; e depois, quando a camara reconheceu que elle se affastava do verdadeiro caminho e que não convinha ao paiz, retirou-lhe o seu apoio, e elle respondeu-lhe: «Vós é que não convindes». E immediatamente apresentou ao chefe do estado o decreto da dissolução, e a dissolução realisou-se; e realisou-se, diríeis vós, em virtude de um acto do poder moderador, acto que não tendes direito a censurar.

Em direito publico constitucional não ha acto algum que seja praticado, cuja responsabilidade não recaia sobre alguem; sobre o chefe do estado não podia recaír, porque elle é inviolavel e irresponsavel pela carta; sobre o conselho d'estado tambem não (suppondo que elle aconselhou esse acto), porque elle é consultivo, e não é obrigativo á corôa seguir os seus conselhos: logo sobre quem recaíu a responsabilidade? Sobre o ministro que apresentou á corôa o decreto da dissolução, que o assignou e referendou.

O sr. Ferrer: — O conselho d'estado é responsavel pelas suas opiniões.

O Orador: — O conselho d'estado é responsavel pelas suas opiniões, segundo a carta constitucional, quando ellas são contrarias ás leis; mas como a lei fundamental da monarchia portugueza não marca os casos em que deve ter logar essa responsabilidade nem as penas competentes, essa responsabilidade fica sendo moral só. Mas admittida mesmo a responsabilidade, não teria logar n'este caso; porque, o conselho varia, conforme o modo como se lhe apresenta a questão; se se lhe fizesse ver que todo o ministerio era impossivel com aquella camara, então o caso variava. Eu porém estou convencido que um ministerio tirado d'aquella camara, que resolvesse o problema difficultoso das nossas finanças, o não pedisse mais sacrificios ao paiz, governava não só com aquella camara, mas com todas.

Resulta menos mal da queda successiva de ministerios, do que das successivas dissoluções de camaras.

Como é pois que o sr. ministro da fazenda se surprehendeu e viu com espanto - que o ministerio transacto caísse tendo uma camara sua?

Sr. presidente, tinha rasão s. ex.ª, porque surprehende sobremaneira ver caír um ministerio com uma camara sua, e conservar-se outro não tendo camara sua! Mas é porque da sua conservação dependia a salvação do estado! É como salvou elle o estado, a patria, que estava em perigo? Apresentando ao poder moderador a creação de novos pares, contra o voto expresso de todo o conselho d'estado, como assegura toda a imprensa periodica.

Sr. presidente, a nomeação de novos pares é tambem uma prerogativa da corôa, que lhe foi conferida para a exercer com toda a sabedoria. A camara dos pares deve ser um senado augusto, aberto só á intelligencia, ao merecimento e aos serviços relevantes, para que d'essa fórma a independencia dos seus caracteres sirva de penhor e garantia a todo o governo rasoavel, e de barreira invencivel a todas as facções exigentes. Eu não quero com isto dizer que a escolha foi má, pois respeito muito alguns d'esses cavalheiros pelas suas virtudes, serviços e saber; mas quero dizer que era escusada, e que se devia respeitar o voto de uma corporação tão respeitavel como o conselho d'estado, quero dizer — que não é por estes actos que se salva a patria.

Quereis salvar a patria? Não deixeis ir morrer nas praias longiquas da America, nessas regiões remotas onde o nosso nome se ouviu sempre com respeito, milhares e milhares de portuguezes, arrostando a custo a penosa vida de escravidão. Quereis salvar a patria? Mostrae-vos superior aos partidos; não obedeçaes a pressões facciosas; fazei respeitar e cumprir as leis; dae o exemplo da moralidade; abri canaes de alimentação ás nossas fontes de riqueza; creae um systema rasoavel e productivo para as nossas possessões ultramarinas; libertae a agricultura d'essas leis anti-economicas que se oppõem ao seu desenvolvimento, como por exemplo as das sizas nas trocas; fazei descer capitães á terra, e evitae que elles fujam espavoridos temendo a vossa versatilidade e falsos principios economicos; reformae as alfandegas e harmonisae as taxas, de fórma que as differentes industrias não se entregladiem nem tão pouco obstem ao commercio; simplificae a nossa administração embrulhadissima em todos os ramos; libertae-a dos empregados corruptos e

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ineptos, cujas corrupções vós tendes attestadas e provadas nas secretarias; dae ao governo unidade de pensamento, para que tenha unidade de acção; dividi o trabalho; organisae os municipios; dae ás freguezias ruraes o logar que lhes compete, e não as considereis sempre como ilotas de Sparta ou servos da gleba.

Quereis salvar a patria? Organisae o paiz de fórma que, logo que a sua independencia e autonomia for ameaçada, elle se levante em massa como se fosse um só homem; tende muita prudencia, circumspecção, firmeza e vigilancia no vosso governo. Se fizerdes tudo isto eu vos asseguro que Lisboa, e Portugal inteiro não carecerá de outras muralhas e fortificações, e dispensareis a nação d'esses novos sacrificios.

Por esta simples resenha dos actos do ministerio se vê que elle não andou acertadamente; assim eu não poderei por fórma alguma contribuir para se approvar, quer tacita, quer expressamente esses actos; portanto propuz uma substituição ao primeiro paragrapho da resposta ao discurso da corôa, pois por elle parecia que a camara = vendo com regosijo =, etc. approvava tudo o que elle tinha feito até aqui.

Passarei a fundamentar a emenda ao terceiro paragrapho.

Sr. presidente, sendo a eleição a base do systema representativo, é por elle só que póde ser delegada a soberania nacional; é de necessidade absoluta que ella seja livre, e a expressão espontanea e conscienciosa do povo que exerce o seu mais importante direito.

Para se conseguir esse fim, para se alcançar esse intento, tem-se trabalhado muito; reformas sobre reformas se têem feito na lei eleitoral, e a poder de esforços insanos, de sacrificios enormes, de uma paciencia aturada e de uma resignação sem limites, temos conquistado essa lei já bastante liberal, porém que carece ainda de aperfeiçoamentos.

Se estudarmos a historia do systema representativo plantado no nosso Portugal, reconheceremos que os grandes males, que as immensas difficuldades, que os obstaculos que temos tido a vencer vem, não do povo, mas sim dos governos que, abusando do seu poder e desconhecendo a sua elevada missão, pretendem arrogar a si a soberania, usurpando-a a quem de direito pertence.

Não quero recordar-me das scenas de horror que têem acompanhado as nossas lutas eleitoraes; limitar-me-hei a examinar o que ultimamente se passou, quando o governo nos diz que houve completa tranquillidade.

A tranquillidade sem a liberdade é de nenhum effeito. E haveria liberdade quando as auctoridades do governo ameaçavam publicamente? Haveria liberdade quando se davam resalva, illegalmente a recrutas por um certo numero de votos? Haveria liberdade quando administradores de concelho abandonavam os seus logares e se combinavam para falsificarem os cadernos do recenseamento? Haveria liberdade quando elles abusavam da sua auctoridade para interpollar com differentes nomes os recenseamentos já encerrados? Haveria liberdade quando se promettia em nome do governo? Haveria liberdade quando o chefe superior de um districto espalhava boatos falsos, calumniava e alcunhava de lazaristas os candidatos? Haveria liberdade quando se mandava fazer diligencias no dia da eleição? O que fez o governo? Desconhece elle a sua missão? Por que, conhecendo elle estes factos, não mandou castigar severamente os seus auctores? Porque o governo tinha candidatos e queria que elles triumphassem, embora desconhecidos e antipathicos aos circulos.

Desde o momento que ha uma lista official e que o governo manda fazer deputados, e diz: «Este é o candidato ministerial», nomenclatura que eu ainda não comprehendi nem encontrei em publicista algum, desde esse momento o governo representativo é uma ficção, e a representação nacional uma pseudo-representação.

As consciencias dos deputados ficam agrilhoadas, e os governos para lhes lançarem essas, algemas constituem os seus subordinados na dependencia; impedem que elles administrem bem e com justiça; numa palavra, dão um exemplo subversivo da ordem publica, da qual tem nascido a corrupção que geralmente lavra no seio do paiz — o scepticismo e a politica utilitaria.

Sr. presidente, é necessario que nós todos nos convençamos que em politica sem a moral se anda ás escuras, e não se póde dar um passo; esta verdade a consignou Montesquieu quando dizia que a base da monarchia representativa c'est l'honneur. Para conseguir pois o fim social é mister que tanto as nossas leis como os que as executam estejam cheios deste principio; é mister que os differentes poderes do estado caminhem em harmonia sem se invadirem mutuamente as suas espheras de actividade, e que os governos tenham os interesses dos governados, porque assim serão a expressão da opinião publica, e não de facções.

Fundamentada pois a minha emenda ao terceiro paragrapho com as rasões que adduzi, espero que a camara não terá duvida de a votar, porque é verdadeiramente liberal, e tira-se n'estes actos a interferencia ao governo (O sr. José Estevão: — Apoiado), e assim poderemos ter então a verdadeira representação nacional.

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