O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 317

-317-

N.° 18.

SESSÃO DE 20 DE MAIO.

1854.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Ao meio dia procedeu o sr. secretario Rebello de Carvalho á chamada, e verificou-se estarem presentes 63 srs. deputados.

Entraram durante a sessão os srs. Cunha Sotto-Maior, Fontes Pereira de Mello, Saraiva de Carvalho, Castro Guedes, Dias e Sousa, Bento de Castro, Garcia Peres, Cunha Pessoa, Jeremias, Bivar, Rezende, Francisco Damazio, Bordallo, Pegado, Pessanha (João), Joaquim Guedes, Sousa Pinto Bastos, Magalhães Coutinho, Pestana, Menezes e Vasconcellos, Nogueira Soares, Novaes, e Visconde de Castro e Silva.

Faltaram com causa justificada os srs. Affonso Botelho, Vasconcellos e Sá, Fonseca Coutinho, Archer, Castro e Abreu, Mello e Carvalho, Cezar de Vasconcellos, Corrêa Caldeira, Antonio Emilio, Gomes Corrêa, Lage, Louzada, Pitta, Brayner, Pinheiro Osorio, Arystides Abranches, Barão de Almeirim, Basilio Alberto, Pinto Bastos (Eugenio), D. Francisco de Almeida, Costa e Silva, Nazareth, Silva Pereira (Frederico), Teixeira de Sampaio, Palma, Fonseca Castello Branco, Lobo de Avila, Pessanha (José), Baldy, Marçal, Silva Vieira; Paredes, Emauz, Miguel do Canto, Placido de Abreu, Moraes Soares, Pinto da França, Simão da Luz, e Northon.

Faltaram sem causa conhecida os srs. Alves Martins, Calheiros, Lopes de Mendonça, Carlos Bento, Conde de Saldanha, Diogo Forjaz, Faustino da Gama, Maya (Francisco), Honorato Ferreira. José Estevão, Ferreira de Castro, Cazal Ribeiro, Queiroz, e Passos.

O sr. Secretario Tavares de Macedo leu a acta da sessão antecedente, que foi approvada sem reclamação.

CORRESPONDÊNCIA.

Declaração: — Do sr. Antonio Feyo, de que o sr. Teixeira de Sampaio, por justos impedimentos, não póde assistir á sessão de hoje. — Inteirada.

Officio: — Do sr. Miguel do Canto, participando que não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. — Inteirada.

Representação: — Da camara municipal de Celorico de Basto, reclamando contra o decreto de 31 de dezembro de 1853, na parte em que desannexou algumas freguezias deste concelho, e as uniu ás de Fafe e Amarante. —.4 commissão de estatistica.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEC DESTINO PELA MESA,

Requerimento: — Requeiro que se peça ao governo, pelo ministerio dos negocios da fazenda:

A cópia da conta ou contas do director da alfandega grande de Lisboa, relativa ás duas ultimas embarcações mercantes nacionaes, que na mesma alfandega assignaram termo para Demerara.

Cópia da resolução que tiveram as mesmas contas; = Santos Monteiro.

Foi enviado ao governo. ~

O sr. Santos Monteiro: — Mando para a mesa 4 pareceres da commissão de fazenda, 2 dos quaes podem ser expedidos pela mesa, independentemente de resolução da camara.

ORDEM DO DIA.

Discussão do projecto n.° 7, do parecer n.° 45, e do projecto n.° 30.

Entrou em discussão o projecto n.° 7, que é o seguinte:

Projecto de lei (n. 7): — A commissão de guerra examinou a proposição de lei, apresentada a camara pelo governo, em 14 de janeiro ultimo, pedindo ser auctorisado a reintegrar nos postos que tinham aquelles officiaes do exercito, que pediram a sua demissão por motivos politicos; e convencida de que, em these, é menos conveniente á disciplina militar a maior facilidade havida em tempos modernos na readmissão ao serviço do exercito, de individuos que, nas differentes situações por que tem passado o paiz, tem renunciado as suas patentes, e annullado o seu prestimo, quando o seu serviço lhe podia ser exigido, serviço que o soldado deve antepôr a quaesquer outras considerações; não póde por outro lado desconhecer o pensamento de politica e de generosidade que distingue a referida proposição, e quanto elle se conforma á intenção deliberada da camara e do governo, de sanar, até onde fôr possivel, os effeitos de nossas passadas divergencias politicas. Readmittir, pois, ás fileiras os officiaes que quizerem continuar a servir a nação, na carreira a que se haviam dedicado, era por certo um dos expedientes indicados.

A commissão julgou, porém, de utilidade definir com maior clareza os termos desta medida, e lembrando-se de que a serie das que tem sido adoptadas depois de 1836 terminara na carta de lei de 10

— 517

Página 318

— 318 —

de julho de 1849 referiu a esta data a nova época, para que só depois da mesma se intenda ter logar o beneficio que se vai liberalisar.

Neste sentido, e de accôrdo com o governo, tem a honra de vos offerecer o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reintegrar nos postos de que foram demittidos, se assim o requererem, os officiaes do exercito, a quem foi conferida demissão do serviço militar, pelo haverem pedido, em virtude de motivos politicos, desde 10 de julho de 1819.

Art. 2.° A reintegração, de que tracta o artigo antecedente, não confere direito nem ás promoções feitas, nem aos soldos, ou a quaesquer outros vencimentos correspondentes ao tempo decorrido, em quanto os interessados estiveram demittidos.

Art. 3.° O prazo, dentro do qual se póde reclamar o beneficio da presente lei, é de 4 mezes para os individuos que se acharem em Portugal, de b para os que estiverem nas ilhas adjacentes, e de 1 anno para os que se acharem residindo nas provincias ultramarinas.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Casa da commissão, 1.° de fevereiro de 1854. = José de Pina Freire da Fonseca = D. Antonio José de Mello e Saldanha = José Ribeiro de Almeida = José Guedes de Carvalho e Menezes = Antonio Ladisláo da Costa Camarate = Carlos Cyrillo Machado = Augusto Xavier Palmeirim = José Joaquim da Silva Pereira.

Proposta de lei (n.° 2-C) a que se refere o parecer antecedente; — Senhores. Tendo-se concedido demissão do serviço militar a alguns officiaes do exercito, por assim o haverem requerido; constante no desejo de fazer desapparecer os resultados de nossas divergencias politicas; e oppondo-se o disposto no decreto de 16 de setembro de 1824 a que elles possam ser reintegrados; tenho a honra de submetter á approvação da camara dos srs. deputados a seguinte proposta de leu:,

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reintegrar nos postos de que foram demittidos, se assim o requererem, os officiaes, do exercito a quem se conferiu demissão do serviço militar, por a haverem pedido em virtude de motivos politicos.

Art. 2.° Os agraciados, comprehendidos no artigo 1.°, não tem, direito a indemnisação de vencimento de soldo, relativamente ao tempo em que estiveram fóra do serviço.

Art. 3.° Para a reclamação de regressarem ao serviço; do exercito é concedido o prazo de 4 mezes.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de estado dos negocios da guerra, em 14 de janeiro de 1854- = Duque de Saldanha.

O sr. Santos. Monteiro (Sobre a ordem): — Sr. presidente, approvando este projecto na sua generalidade, quero comtudo que, a sua disposição se torne mais generica; e isto em desempenho de uma promessa que fiz á camara em uma das sessões anteriores. Desde o anno passado tenros sido francos até ao ultimo ponto em fazer reparações; tenho votado a favor de todas, e nunca me hei denegar a ajudar com o meu voto singular a camara, que quer, por meio de differentes actos, vêr se consolida este estado de união que existe em Portugal ha 3 annos, e que é para desejar, que dure eternamente; pelo menos eu desejo que elle dure emquanto eu porca ando. Será isto um sentimento de egoismo; mas, entre viventes, ha sempre quem o seja em maior ou menor escala.

Quando proximamente se discutiu um parecer da illustre commissão de guerra, o meu amigo, o sr. D; Rodrigo de Menezes, e eu, fizemos algumas observações para que fossem applicaveis aos militares, que tivessem derramado o sangue pela causa da liberdade, disposições analogas ás que se tomaram nesta camara, que eu applaudi, e pelas quaes votei, e estou muito satisfeito de que ellas se tomassem a favor de individuos que pelejaram no campo contrario; mas o que eu não quero é que esses sejam mais felizes do que aquelles que derramaram o seu sangue defendendo as instituições liberaes, o throno e a Rainha, levando-nos ao estado de prosperidade a que o paiz visivelmente tem sido levado, desde que o regimen representativo foi arreigado em 1833.

Nesta conformidade, sr. presidente, eu digo que hei de votar pela generalidade do projecto, mas desejo que elle se torne mais amplo; e para esse fim mando para a mesa, porque me parece ser occasião competente, mais um artigo para entrar em discussão na generalidade. É o seguinte

Additamento: — E igualmente auctorisado o governo a reintegrar os officiaes, que, tendo servido no exercito libertador com distincção, pedissem a demissão por qualquer motivo de pundonor, ou de urgente necessidade. =: Santos Monteiro.

Se eu intender que devo entrar na discussão da generalidade deste projecto para o sustentar juntamente com este artigo, pedirei a palavra, e não o faço agora porque não desejo tirar a gloria aos oradores desta casa: eu apenas sou um indicador muito humilde.

O sr. Presidente: — Este additamento tinha mais cabimento na discussão da especialidade; mas isso não impede que na generalidade se tracte delle. Vou consultar a camara se admitte o additamento á discussão.

Foi admittido.

O sr. Palmeirim (Sobre a ordem): — Sr. presidente, este projecto teve iniciativa no governo, e na ultima sessão, em que se tractou de assumptos militares e do requerimento de um official que pedia a sua reintegração, indicou se que na discussão deste differente projecto se haviam de offerecer additamentos para serem contemplados officiaes que tinham pedido a sua demissão em diversas circumstancias; e não tendo podido a commissão de guerra conferenciar a respeito deste assumpto, parecia-me prudente não se continuar nesta discussão na ausencia do ministro da repartição competente. Neste sentido proponho o adiamento até que esteja presente o sr. ministro encarregado de responder por este negocio, por isso que s. ex.ª não póde tardar muito tempo.

O sr. Presidente: — Hei de dar seguimento á proposta do illustre deputado; mas tenho a ponderar á camara, que não ha nada que discutir, nem mesmo pareceres de commissões, a não serem os que vieram ha pouco para a mesa, aliàs teria annunciado a sua discussão; e entrou-se hoje na ordem do dia mais cedo porque os objectos de expediente, antes da ordem do dia, foram mui poucos.

O sr. Santos Monteiro: — Eu, em regra, intendo que o ministerio deve estar presente para a discussão de todos os projectos de natureza administrativa, e maiormente para a discussão daquelles que tem iniciativa no governo; e parece-me que a sua presença

Página 319

-319-

se torna mais necessaria, quando se passa á especialidade do projecto, do que na generalidade delle. Eu ainda não sei que coisa é generalidade; tenho feito toda a diligencia para vêr se intendo o que é generalidade, mas não o pude ainda saber. A definição que eu dou á palavra generalidade = e um pouco de tempo que se gasta em divagar extraordinariamente, chegando-se poucas vezes a conclusões. No entanto esta é a marcha, que não temos remedio senão continuar a seguir; e para o caso presente creio que a generalidade não póde ser outra senão assentar, se ha de haver uma lei que auctorise o governo a restituir aos postos que tinham certo e determinado numero de militares, que pediram a demissão; por consequencia neste caso a generalidade é a mais restricta possivel, porque foi o proprio governo, que indicou essa medida, e a illustre commissão de guerra não a combateu. Não sei para que seja necessaria a presença do ministerio, na discussão da generalidade do projecto; e quando se chegar á especialidade, que é quando póde haver alguma alteração ou ampliação no pensamento do projecto, então parece-me conveniente a presença do ministerio. Intendo pois, que se póde encetar a discussão da generalidade do projecto, até que chegue algum dos srs. ministros: é desnecessario, o adiamento, no que talvez concorde o meu amigo e collega, que o propôz.

O sr. Presidente: — É preciso, primeiro que tudo, saber se é apoiado o adiamento.

Foi apoiado.

O Sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente,eu não pedi a palavra centra o adiamento, porque não ache que seja preciso adiar este projecto; mas quero um adiamento mais longo; queria que se adiasse O projecto para voltar á commissão, e concordar com o governo em algumas alterações, que se devem introduzir neste projecto. Portanto, se se proposesse o adiamento para o projecto voltar á commissão, e esta concordar com o governo nas alterações que se devem introduzir no projecto, approvava-o; mas adiar o projecto só até que chegue o sr. ministro, parece-me inutil, porque no tempo que levamos a discutir o adiamento, podemos discutir a generalidade do projecto, e entretanto chega o sr. ministro. Por estas razões, voto contra o adiamento.

O sr. Palmeirim;' — Sr. presidente, o primeiro illustre deputado que impugnou o adiamento, disse que não podia distinguir bem entre generalidade e especialidade, porque confundia uma com outra coisa.

O sr. Santos Monteiro: — Eu não disse isso.

O Orador: — Então o que disse?

O sr. Santos Monteiro: — O que disse foi, que não sei o que é aqui a generalidade

O Orador: — Bem; mas direi que como se tracta do projecto n.° 7, na generalidade, e como o pensamento do governo foi adoptado pela commissão, se se tractar sómente do que se contém no projecto, a commissão não tem duvida alguma em que elle não seja adiado, porque está prompta a sustentar as suas disposições; visto, porém, que já um illustre deputado propôz uma emenda, e que outros srs. deputados offereceram outras, a commissão intende que o projecto deve ser adiado até que venha o sr. ministro, porque reputa necessaria a presença do governo; mesmo porque sou obrigado a dizer, e v. ex.ª acaba de declarar, que a camara se abriu hoje mais cedo, é que entrámos mais cedo, do que nos outros dias, na ordem do dia; más, hontem, depois que v. ex.ª deu a ordem do dia, tractei de vêr se reunia o meus collegas da commissão de guerra, pára assentarmos n'alguma idéa relativa á questão que se suscitou n'uma das proximas sessões, por occasião da discussão de um parecer da commissão de guerra; porém, os meus collegas já se tinham ido embora; e agora estavamos reunidos para este fim, quando fomos avisados de que entrava em discussão o projecto n.° 7, e não tivemos tempo para assentar em opinião alguma ácerca de quaesquer additamentos que se offerecessem, e eis a razão porque propuz o adiamento, em quanto não viesse o sr. ministro; mas, se a camara quizer que se continue na discussão deste projecto na generalidade, por mim não me recuso.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, ha dois adiamentos; um proposto pelo meu nobre amigo e collega o sr. Palmeirim, e o outro o que indicou o sr. D. Rodrigo, O adiamento proposto pelo sr. Palmeirim já s. ex.ª reconheceu que é insustentavel, porque s. ex.ª mesmo concorda em que para a discussão do projecto, na generalidade, é escusada a presença do sr. ministro; ora parece-me que isto importa o mesmo que dizer que o adiamento é desnecessario.

O outro adiamento indicado pelo sr. D. Rodrigo, intendo que é prejudicial, e muito, e vou dizer a razão por que assim o considero. S. ex.ª já viu que eu mandei para a mesa um artigo addicional a este projecto; e podemos nós adivinhar quantos mais additamentos hão de ser mandados para a mesa? Não. Por isso intendo que deve continuar a discussão, e depois, conforme os additamentos ou emendas que se apresentarem, é que tinha logar a remessa á commissão, para haver o accôrdo entre este e o governo; mas antes disto parece-me prejudicial. O que devemos é discutir aquillo de que tractou a illustre commissão e o governo, deixando assim o campo aberto para qualquer sr. deputado poder propôr as alterações que intender conveniente. Um adiamento é pois insustentavel; e o outro perdôe-me o meu nobre amigo que lhe diga, que póde vir a ser prejudicial; e nestes termos não posso deixar de me oppôr a ambos os adiamentos.

Agora resta-me dar uma explicação, que v. ex.ª e a camara me hão de permittir. Eu disse que ainda não sabia que coisa era a discussão na generalidade; e duvido que alguem 0 saiba. Nas discussões da generalidade de qualquer projecto abre-se aqui uma academia, ficando o curso livre para cada um fallar no que quizer; porque, ainda que pareça incrivel, é certo que muitas vezes se falla em coisas, que não tem relação, absolutamente nenhuma, com a materia que se discute; e muitas vezes até se não dá uma unica palavra a respeito da questão que se quer sustentar. (Entrou o sr. ministro da marinha) Parece que o adiamento acabou, porque já vejo presente o sr. ministro da marinha, que responde pelo ministerio da guerra.

O sr. Presidente: — Continúa então a discussão sobre o projecto n.° 7, na sua generalidade.

O sr. Rivara: — Sr. presidente, eu não tenho duvida em votar pelo pensamento do projecto, mas desejo ser illustrado pela illustre commissão sobre certas duvidas que me occorrem emquanto á letra delle. O pensamento do projecto é readmittir nas fileiras os officiaes que pediram a demissão movidos por motivos

Página 320

— 320 —

politicos. Mas onde estão allegados e provados esses motivos? Estão nos requerimentos? Estão nos decretos? Faço estas perguntas, e tenho estas duvidas por não ser practico na administração dos negocios militares, e espero d commissão que em poucas palavras me possa esclarecer e solver as minhas duvidas.

Eu creio que não e commum allegarem os officiaes que pedem a demissão os motivos politicos em seus requerimentos; o costume é allegarem outras causas e pretextos mais ou menos especiosos, sobre cujos fundamentos assentam depois os decretos de demissão,

E como descriminar agora se as allegações eram sinceras ou se apenas serviam para encobrir a divergencia pura, e simples opinião politica? Se não ha meio de descriminar isto, para que serve a lei que discutimos em projecto? Espero pois da illustre commissão que me esclareça, porque, repito, estas minhas duvidas são de certo filhas da minha impericia na gerencia das cousas militares.

O sr. Palmeirim: — A commissão não póde informar o illustre deputado do modo por que se acham redigidos os requerimentos, pelos quaes os officiaes, de que tracta, pediram as suas demissões; mas esta circumstancia não tem importancia para a camara, porque a esta só cumpre estabelecer a these da lei, pertencendo ao governo a sua execução, para a qual, e só nesse momento, deve examinar com escrupulos se no beneficiando se encontram as condições previstas e definidas. A commissão seguiu além disso os precedentes estabelecidos nas leis especiaes de differentes épocas, nas quaes foram reintegrados outros officiaes por casos politicos.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, lendo eu tomado a iniciativa do projecto, relativo aos officiaes da guarda municipal, não podia de maneira alguma deixar de lotar a favor da generalidade deste projecto; tanto mais, sr. presidente, que ainda ha duas sessões corroborei a minha opinião a favor destes officiaes, sustentando que muitos outros tinham alcançado as suas demissões, por differentes motivos, aliàs honrosos, mas que nem todos se podiam dizer politicos. Esses officiaes vendo reintegrados aquelles contra quem combateram, achavam que era uma grande injustiça relativa o não se verem collocados nas posições em que outros estão. Fundado nesta opinião, parece-me que se devia ampliar a auctorisação ao governo, para reintegrar esses officiaes; e um sr. deputado, que se senta daquelle lado, disse que, quando se tractasse do projecto n.° 7, seria occasião de se dar essa nova auctorisação. Parece-me que é agora que ella deve ter logar.

Mas eu não me posso conformar inteiramente com o additamento que mandou para a mesa ò meu amigo, o sr. Santos Monteiro; porque contém a clausula de considerar para as reintegrações os officiaes, quando elles servissem distinctamente; porém provar a distincção no exercito é muito difficultoso. Nem todos os officiaes tem a fortuna de practicarem actos de valor e galhardia militar diante de toda a gente; os actos de mais valor são feitos, quando ha poucos que os presenceiam; porque quando ha muitos, a valentia é repartida por muitos. E, como já disse, difficultoso provar estes actos de distincção, e poderia com isto prejudicar officiaes que podem ler muito direito a reintegrações.

Ainda ha outra razão: a auctorisação do projecto começa de 1849 para cá; e pelo additamento do nobre deputado, vejo que não são comprehendidos a maior parte delles, ou todos, que foram demittidos, porque essas demissões tiveram logar antes de 1849. Logo o additamento não póde ter uma data muito mais anterior, sem que vá prejudicar muitos officiaes que aliàs tinham direito, por precedentes, de se lhes conceder a reintegração.

Em quanto, sr. presidente, á generalidade com que se falla em demissões por motivos politicos, assento que a coisa mais difficultosa é conhecer o motivo pelo qual o official é demittido. Ainda não houve um official que pedisse a sua demissão, dizendo que o motivo por que a pedia era por motivos politicos; quasi todos dão um outro motivo, e quasi sempre, quando se pede a demissão por motivo politico, é em uma crise tal, que quem a pede tem todo o receio de declarar esse motivo, e por isso allegam negocios de familia, doença e outras razões que não são as verdadeiras. E o mesmo digo a respeito dos que emigram; porque muitas vezes declaram que é por sentimentos de brio; mas, Deus de misericordia! ás vezes não se póde dizer a razão, nem das demissões, nem das emigrações. Acontece muitas vezes, que um que pede a sua demissão, porque practicou um acto máo de serviço, não quer que seja sabido de todos, e para não ser castigado pede a sua demissão.

Não é possivel readmittir no exercito os que comtudo estiverem neste caso; não vejo meio algum de remediar este mal, porque todo o official ha de dizer, que foi demittido por motivo politico; mas ao governo que é o fiscal do bom cumprimento das leis e da moralidade publica, compete e pertence-lhe dizer em sua consciencia que esse official não foi dimittido por motivos politicos, mas por outros quaesquer motivos; porque desde o momento em que depender do governo a reintegração de um official, e esse official foi reintegrado com o pretexto de motivo politico, mas a quem a demissão foi dada por um motivo qualquer deshonroso, o governo assume uma responsabilidade muito grande, porque se torna cumplice com esse official nas acções más que practicou, indo collocado a par de outros muitos dignos, e além disso sobrecarregando o estado com mais despeza.

Portanto, sr. presidente, eu voto pela generalidade do projecto como elle está, perfeitamente elaborado; comprehende todas as differentes circumstancias, e não vejo meio de obstar aos inconvenientes que se tem apresentado.

Em quanto ao additamento, acho-o justo, ma sé preciso que a data a que se referir não seja de 1849, aliàs não abrange ninguem; a data é preciso que abranja a larga época da divisão da familia portugueza. E pedia ao meu nobre amigo que tivesse a bondade de supprimir esta condição da distincção, porque é de difficultosissima prova. Voto pela generalidade do projecto.

O sr. Presidente: — Devo de novo declarar que toda a discussão sobre o additamento é um pouco intempestiva, porque elle deve ser considerado na discussão especial, e deste modo não se evita de maneira nenhuma essa discussão, e provavelmente o facto o ha de demonstrar, quando esta questão entrar na discussão da especialidade do projecto.

O sr. Gomes: — Mando para a mesa a seguinte

Proposta.: — Proponho o adiamento da discussão do projecto n.° 7, até que venham os seguintes esclarecimentos que requeiro:

Página 321

— 321 —

1.º Quantos e quaes officiaes foram reintegrados por medidas analogas que se tenham tomado depois de janeiro de 1834.

2.º A quantos e quaes e possivel que aproveita este projecto. — Gomes.

Sendo apoiado, entrou em discussão

O sr. Palmeirim: — Sr. presidente, parece-me que o adiamento é desnecessario. Se elle tem referencia aos officiaes a quem as differentes leis tem restituido aos seus postos, depois de demittidos em consequencia de motivos politicos, são actos consummados, e não vem nada para o caso. Em quanto ao numero de individuos que este projecto abrange, a commissão pelas informações que obteve, sabe que são apenas dois officiaes, um tenente, e um capitão graduado. Póde já o illustre deputado fazer idéa da despeza que isto importa.

O sr. Gomes — Sr. presidente, fizeram-me impressão as observações que aqui se fizeram sobre discriminar bem quaes foram as demissões por motivos politicos, e quaes por outros motivos. Vendo effectivamente que será muito difficultoso estremar isto, notei que se ía votar uma coisa que podia ser muito grande, ou muito pequena, conforme rigor com que fôr cumprido este projecto quando convertido em lei. Lembro mesmo um exemplo. O sr. conde de Semodães (se estou certo da historia da demissão do sr. conde de Semodães) (parece-me que é isto), o sr. conde de Semodães em certa occasião teve ordem de fazer serviço n'uma das nossas ilhas; o sr. conde de Semodães quiz ficar no reino como estudante, e não lhe foi isto consentido; pediu a sua demissão; parece-me que é isto pouco mais ou menos o que se passou. (Vozes: — E verdade)

Ora pergunto eu: o sr. Conde de Semodães foi demittido por motivos politicos ou não? Aquelles que encararem o negocio a favor do sr. Conde de Semodães, tem muito bom fundamento para a affirmativa, porque todos sabem em que época teve logar a sua demissão, e por consequencia hão de trazer a grande influencia que exercia então a politica: Mas aquelles que virem o negocio de outra fórma, isto é, pelo lado da obediencia militar, dirão que o sr. Conde de Semodães era um militar, e como tal lhe cumpria obedecer; que teve ordem para ir para aquelle ponto para onde o mandaram, e por isso devia partir, logo que essa ordem lhe foi communicada; e como o não fez, que é réo e muito réo contra a disciplina militar. Mas eu direi á camara, que voto com mil vontades pela reintegração do sr. Conde de Semodães. Aqui não faço senão expôr as differentes maneiras por que este negocio póde ser encarado.

Por consequencia digo eu, se em logar de se apresentar o projecto como se apresenta, nelle se designassem as differentes hypotheses em que podem estar comprehendidos os officiaes a quem deve aproveitar a medida, parece-me que mais facilmente se poderia resolver esta questão.

Talvez, é muito provavel, em vista das informações do illustre relator da commissão, que um desses officiaes será o sr. Conde de Semodães. O outro não o conheço, não sei quem é; mas se está nas mesmas circumstancias, ou n'uma situação analoga áquella em que está o sr. Conde de Semodães, não teria a menor duvida em votar pelo projecto.

Agora quanto á razão apresentada pelo illustre relator da commissão, de que, quanto ao passado, eram factos consummados, eu não pretendo impugnar esses factos consummados: eu só queria avaliar por paridade a medida que agora se vai tomar.

Mas uma vez que o illustre relator da commissão nos informa, que a illustre commissão já indagou, e sabe que provavelmente a medida não aproveitará senão a dois individuos, se a illustre commissão tivesse mais a bondade de nos informar quem eram esses dois individuos, parece-me que a camara ficaria mais habilitada para approvar ou rejeitar o projecto; e neste caso eu não teria duvida nenhuma em retirar a proposta que mandei para a mesa.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, o nobre deputado concluiu como eu intendo que deveria concluir — que não tinha dúvida em retirar o adiamento — o qual por força tem de ser retirado, porque é impossivel que a camara approve similhante adiamento. Nós votâmos muitas vezes, sabendo já, que aquillo que votâmos ha de ter applicação a certos e determinados individuos. Ninguem ignora que ha um nome que já aqui se pronunciou, a quem esta lei deve aproveitar; mas o que eu intendo é que não devemos por maneira alguma pronunciar nomes nesta casa. (Apoiados) Nós aqui devemos ser inteiramente estranhos a individuos, nem devemos tractar os objectos senão em relação a coisas.

Ora, a proposta do meu illustre amigo e collega o sr. Gomes contém duas partes; a primeira diz — Quantos e quaes officiaes foram reintegrados por medidas analogas, que se tenham tomado depois de janeiro de 1834. —

Eu queria que o meu illustre amigo me dissesse para que isto póde servir na discussão deste projecto; e que tempo ha de levar a secretaria de estado respectiva a basculhar os seus archivos, e verificar os diplomas, que se tem expedido por aquella repartição desde 1834 a esta parte, não só em virtude de actos emanados do poder legislativo, como do executivo, quanto tem assumido os poderes do estado, e em virtude dos quaes ha muitas nomeações e demissões antigas! Isto abrangia uma relação enorme, porque necessariamente havia tambem de abranger a relação de todos os officiaes que serviram no exercito do usurpador, que foram mandados reintegrar por uma lei que passou aqui no anno passado. Por este lado já vê o nobre deputado que não póde satisfazer-se a toda a sua indicação.

Quanto á segunda parte da proposta, diz ella — A quantos e quaes é provavel que aproveite este projecto. —

Digo que não sabemos a quaes e quantos póde aproveitar a medida, porque não sabemos ainda como o projecto ha de saír desta casa. Como havemos nós ou o governo saber, sem termos o dom profetico, como uma lei que ha de ser discutida nesta casa, e que tem de passar ao outro ramo do poder legislativo, e que ainda não podemos dizer se será sanccionada, como, digo, póde saber-se a quaes e quantos individuos este projecto deve aproveitar? Não póde saber-se. Do que eu estou persuadido e que elle não deixará de aproveitar a um maior numero de individuos, porque a camara de certo não ha de querer que este projecto sáia daqui manco; isto é, que aproveite só a 2 individuos, quando deve aproveitar a muitos outros.

Se acaso aqui se propozesse um projecto contendo uma lista de nomes, como aquelle que aqui se pro-

Página 322

— 322 —

nunciou ha pouco, esta camara deveria ate vota-lo por acclamação, porque já teve occasião de o fazer, quando aqui se fez uma proposta com relação a esse individuo. E eu acho mais politico, e mais curial que esta nova reintegração relativa a um moço distincto, dotado de merito, intelligencia, e honradez, que já tem feito muitos serviços ao paiz, e que ha de ainda fazer-lhe outros muitos, acho que era melhor votar-se por acclamação..

De resto, parece-me que não devemos estar a perder tempo. Este adiamento e a sua discussão não serve senão para entreter tempo, que podemos aproveitar na discussão deste projecto, e de outros muitos, que estão sobre a mesa, porque mesmo (para me servir de uma frase do sr. José Estevão) o calor já nos/yai obrigando a saír desta casa, e é conveniente que não nos vamos daqui embora, sem fazer alguma coisa util —

Eu voto contra o adiamento; e o que me parecia que deviamos, fazer, era tractar de approvar ou rejeitar o projecto, abstendo-nos de citar nomes nas nossas discussões. (Apoiados)

O sr. Silva Pereira (José): — Se v. ex.ª me consentisse em mudar, a palavra, que pedi: sobre a materia do adiamento, para fazer um requerimento, seria para que v. ex.ª consultasse a camara sobre se o adiamento está discutido.

O sr. Bivar: — Eu requeiro a v. ex.ª que tenha a bondade de consultar a camara sobre se a materia do adiamento está sufficientemente discutida.

Decidiu-se affirmativamente, e foi rejeitado o adiamento........

O sr. Presidente: — Continúa a discussão sobre a generalidade do projecto.

O sr. Santos Monteiro: — Sr. presidente, V. ex.ª fez-me desse logar, que tão dignamente occupa, uma advertencia que de certo me põe n'uma grande tortura. V. ex.ª não quer que se faça allusão, absolutamente nenhuma, á substituição, ou antes additamento, que mandei para a mesa. Eu mandei esse novo artigo para a mesa, suppondo que elle podia ser considerado na generalidade juntamente com a materia do projecto, porque é uma ampliação ao mesmo projecto; não entrarei porém na apreciação do novo artigo, mas pedirei licença a v. ex.ª e á camara para dizer unicamente duas palavras. Eu não tenho duvida de concordar em substituir a ultima parte, do meu additamento; podendo dizer-se, por exemplo — que servissem sem nota; — porque eu não quero a reintegração dos que tenham nota no serviço.

Ha outro escrupulo tambem do meu illustre amigo o sr. D. Rodrigo, que diz respeito á data, intendendo que por aquella que se indica no artigo 1.° ficam excluidos os militares que serviram no exercito libertador; mas esta duvida póde desapparecer, não subordinando estes officiaes á data que se indica no 1.* artigo do projecto. Deste modo não póde s. ex.ª ter o menor escrupulo; e quando vier á discussão, esse artigo que a camara já leve a bondade de admittir, eu explicarei bem o meu pensamento.

Ora, em quanto ao projecto, é tempo perdido o que se gasta nesta discussão da generalidade; está já discutido na consciencia ena opinião de todos nós, porque todos reconhecemos que é necessario um acto de justiça que equipare alguns militares distinctos, que por diversas circumstancias pediram a sua demissão, aos outros que já foram attendidos pelo corpo legislativo. O, meu nobre amigo o sr. D, Rodrigo, quando principiou a fallar, quiz-me parecer que lhe fazia muito peso o termo empregado no 1, artigo do projecto — em virtude de motivos politicos. — Eu e todos, nós sabemos que não se allegam motivos politicos, quando se pedem certas demissões, mas ninguem ignora nesta terra, que a maior parte dellas,»rn certas circumstancias, tem origem em motivos politicos. Quando se entrar na discussão da especialidade, eu espero offerecer um paragrafo, que seja como o modo de levar regularmente á execução tanto o que dispõe este artigo, como o que dispõe o outro que tive a honra de offerecer. Não desejo mencionar nomes, nem o faço; tornara eu que a maior parte dos acontecimentos que tem tido logar neste paiz fossem completamente esquecidos, e que continuassemos no systema actualmente seguido, que me parece que conduz a esse fim. Voto, pois, pelo projecto na sua generalidade, e creio que os escrupulos do meu amigo o sr. D. Rodrigo devem desapparecer com as observações que eu fiz.

O sr. Silva Pereira (José): — Sr. presidente, esse projecto teve origem, como toda a camara sabe, n'uma recommendação que a dissolvida camara de 1852, fez ao governo, unanime, ou quasi unanime. (Apoiados) Esse projecto é restricto a um pequeno numero de individuos; complica-lo com additamentos, pelos quaes eu votaria em tempo, mas additamentos que se referem a circumstancias que precisam ser maduramente meditadas, é protelar a sua decisão. O meu pensamento, advogando só a approvação do projecto, é que elle passe, e que assim successivamente, a pouco e pouco, vamos concorrendo para que se faça justiça a todos, ou mesmo graça, se graça fôr preciso fazer-se. Não posso, portanto, approvar o additamento do meu amigo o sr. Santos Monteiro na presente occasião; approvando comtudo o projecto; intendo que elle deve ser votado, porque toda a demora é prejudicial.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, ninguem está inscripto contra o projecto; a camara acabou de rejeitar o adiamento proposto pelo sr. Gomes; á vista disto parece que o projecto está approvado.

Eu votaria contra o adiamento e voto contra a substituição do sr. Santos Monteiro, porque tanto o adiamento como a substituição tendem a protrahir o debate. A camara teve o bom senso de rejeitar o adiamento; e se se emmaranhar na substituição, póde muito bem acontecer que, contra vontade da camara, o negocio fique por decidir.

Este projecto, como v. ex.ª sabe, como sabe a commissão, como sabe o governo, diz respeito exclusivamente, e só exclusivamente, a dois unicos cavalheiros; e os illustres deputados que tem tomado a palavra, parece que ignoram que já tem havido differentes leis mandando reintegrar officiaes demittidos por motivos politicos. Em 1840 fez-se uma lei para reintegrar todos os officiaes demittidos por motivos politicos desde 1831 até então. Em 1849 fez-se outra lei para reintegrar aquelles que foram demittidos, pelos mesmos motivos desde 1810 até 1849; e agora faz-se outra para reintegrar os demittidos desde 1849 até agora, e estes são unicamente o conde de Semodães e o tenente Lucena: não ha mais ninguem; nem na secretaria da guerra, nem na commissão de guerra, nem na camara, nem official, nem extra-officialmente consta que haja mais algum official demittido

Página 323

— 323 —

Depois da regeneração. Por consequencia, se o projecto diz respeito só a dois cavalheiros, que durante a sua vida militar se comportaram muitissimo bom; se o projecto de mais a mais está recommendado implicitamente pela maioria da camara dissolvida; se a commissão o sustenta; se o governo lhe não resiste, não sei que possa ser impugnado, sobre tudo por aquelles cavalheiros que outro dia se agastaram comigo, porque impugnei a readmissão no exercito de um ex-capitão, que dera voluntariamente a sua demissão por motivos de molestia e de interesse domestico!

Em quanto ao additamento do sr. Santos Monteiro, não sei que possa ser approvado; porque, em primeiro logar, não ha mais nenhum official demittido por motivos politicos senão o conde de Semodães e o tenente Lucena, e de mais a mais o additamento está redigido de uma maneira tão restricta, é tão incompleto, tão imperfeito, que era necessario que a elle fossem addidas duas definições. O additamento diz — os officiaes demittidos por motivos de pundonor e urgente necessidade —; era preciso que o illustre deputado nos désse a definição do que é pundonor e do que é urgente necessidade, porque póde muito bem acontecer, que uma circumstancia que o official demittido considerou de pundonor, não seja considerada paio governo do mesmo modo, e póde tambem um militar ter julgado de urgente necessidade pedir a sua demissão, e o governo não concordar nessa urgente necessidade. Era pois, necessario, que á proposta do illustre deputado viessem appensas estas duas definições: o que é pundonor e o que é urgente necessidade; e não lendo o illustre deputado apresentado estas definições, estando o additamento redigido n'um sentido tão abstracto, não é possivel fazer obra por elle.

Eu não quero prejudicar a decisão da camara neste negocio. Declaro que voto restrictamente o projecto, porque, se quizermos entrar em grandes generalidades, inventar coisas que pão existem, circumstancias que não apparecem, eventualidades que não se dão, a discussão ha de alargar-se e a camara talvez, enfastiada, não resolverá o negocio, quando isto é uma coisa simples. Ninguem póde impugnar o projecto: refere-se a dois unicos cavalheiro, um dos quaes a maioria da camara transacta recommendou ao governo; por consequencia é já uma questão parlamentar, e a camara não póde voltar atraz. Declaro que voto pelo projecto tal e qual está.

O sr. C. M. Gomes: — Sr. presidente, parece-me que foi o anno passado, que, tractando-se do orçamento, eu fallei em economias; e disseram-me, que apontasse algumas. Eu disse então — que vendo o governo, que havia n'uma ou n'outra classe de servidores um numero além do necessario, o governo devia ser strictamente rigoroso para se vêr livre do numero excedente ao necessario; e expliquei-me neste sentido: por exemplo, temos mais operarios no arsenal do que aquelles que são necessarios: não se dando esta circumstancia, podia relevar-se a um operario que faltasse um ou dois dias; mas havendo operarios de mais, seja-se rigoroso, aproveita-se este ensejo, e limite-se por este modo o numero dos operarios. Apontei tambem o caso dos officiaes e disse — tendo nós mais officiaes do que os necessarios, se um official pede a sua demissão, se commette qualquer falla, o governo deve usar ai todo o rigor, para por este meio aproximar o numero dos officiaes ás necessidades do serviço. — Ora, tendo eu enunciado estas proposições, seria contradictorio se hoje fosse votar este projecto sem se me dizer as circumstancias especiaes dos individuos a quem aproveita o projecto. Todas as vezes que entrar no exercito um official como o sr. conde de Semodães, isto é, de caracter independente, de illustração, e de conducta muitissimo regular, isso não é uma despeza, é uma utilidade publica. Citem-me nomes como o do sr. conde do Semodães, e podem contar com o meu voto. E esta minha opinião a respeito do sr. conde de Semodães já a manifestei claramente, pondo o meu humilde nome em lima solicitação que se foz para a sua reintegração.

Eu acho que é um pouco difficil o dizer-se que lia de por força aproveitar só a 2 este projecto: póde apparecer um requerimento de mais algum outro. Mas quero que não aproveite senão a esses 2: se me disserem que o sr. Lucena, que não conheço absolutamente, está em circumstancias analogas ás do sr. conde de Semodães, ou quasi analogas, eu com mil vontades voto pelo projecto; mas se eu me conservar na ignorancia a respeito das suas qualidades e circumstancias da demissão, como até ha um momento estava a respeito do seu nome, e de que elle era um dos incluidos, confesso que não quero estar em contradicção com o que disse uma vez nesta camara, e que ainda intendo ser muito plausivel.

O sr. Presidente: — Eu pedirei aos srs. deputados que, tanto quanto é possivel, se não faça desta questão uma questão de individuos; (Apoiados) que se tracte a materia na these, sem applicação della a ninguem, (Uma voz; — Como é de reintegrações, é de individuos.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Sr. presidente, o projecto não é combatido, e a invocação feita pelo illustre deputado ácerca da economia ou augmento da despeza não póde ser de maneira nenhuma tomada em consideração pela camara.

Isto é uma questão de tolerancia politica. E sobre tudo aquelles illustres deputados que approvaram a promoção monstro, e que deixaram entrar supranumerarios no exercito talvez 700 ou 800 officiaes, não podem vir aqui regatear que se admittam no exercito mais 2 officiaes, cheios de serviços, de dignidade é de merecimento. Não é uma questão economica; não rebaixei nos o assumpto; o assumpto é uma questão de tolerancia politica, s de nobreza para n camara; e o illustre deputado fazia parte da camara dissolvida, e votou tambem com a maioria da camara — que se recommendasse ao governo nominalmente o sr. conde de Semodães — (O sr. Gomes: — Apoiado) Por consequencia, como sequer agora estar a rebaixar uma questão nobre ás proporções mesquinhas de 30$000 réis por mez?! Não póde o illustre deputado votar este projecto porque ha 30$000 réis mais no orçam -nto da guerra!... Diz-se isto quando vemos que ha deputados que ficaram muito silenciosos diante de uma promoção que veiu gravar o thesouro com uma somma enorme de contos de réis!... Termino aqui.

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athouguia: — Sr. presidente, o illustre deputado que acaba de fallar, estabeleceu a questão nos seus verdadeiros principios: é uma questão de tolerancia, é uma questão politica; mas um illustre deputado por Gôa está em duvida sobre o numero de officiaes a que deve aproveitar este projecto, se passar. Até onde me pos-

Página 324

— 324 —

se comprometter por parte do governo, não sei senão de 2. Levantei-me para dar esta explicação, porque me parece que em vista della devem cessar todas as observações que se tem feito em contrario.

Não havendo quem mais tivesse a palavra, pro-cedeu-se á votação, efoi approvado o projecto na generalidade.

O sr. Pinto de Almeida: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se desde já quer entrar na especialidade deste projecto.

Assim se resolveu.

Entrou em discussão o

Artigo 1.º

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sr. presidente, qualquer proposta de lei, qualquer projecto, qualquer coisa em discussão póde ser approvada por differentes motivos, e differentes razões. Ouvi a um illustre deputado, que se senta do outro lado, nomear 2 pessoas a quem esta lei aproveita. Não me importa a quem ella aproveita; todo o acto de justiça para mim é feito pelo amor e pela verdade, devidos á mesma justiça; (Apoiados) e não pelos individuos a quem elle e applicado. Applique-se a 4, a 6, a 20 pessoas, para mim é isso indifferente. Voto porque é justo, e não voto porque seja para o sr. conde de Semodães, ou para outra qualquer pessoa. E não sou suspeito em dizer isto, porque fui um dos deputados que assignaram uma petição ao governo para que se restituisse o posto que tinha no exercito, ao sr. conde de Semodães, que era um dos deputados mais dignos que entravam nesta casa, e com quem eu sympatisava. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — Mas olho que o assignou toda a camara, não foi só o illustre deputado) Não me dá nisso novidade nenhuma.

Eu aproveito esta occasião para dizer ao illustre deputado, que se senta nos bancos superiores, que, a respeito do sr. conde de Semodães, não ha duvida de que foram motivos politicos, que o obrigaram a pedir a demissão; porque, se o não fosse, pelas razões que deu o nobre deputado, era criminoso o governo que o não mettesse em conselho de guerra; e o governo que o não metteu em conselho de guerra, é porque intendeu que os motivos, pelos quaes elle pedia a sua demissão, eram motivos politicos, motivos muito nobres, muito elevados, e que não mereciam um tão grande castigo, como era applicar-lhes uma sentença.

Sr. presidente, v. ex.ª declarou que o additamento do sr. Santos Monteiro ficava para o fim da proposta. (O sr. Presidente: — Há de ser discutido em seguida a este artigo) Parece-me isso bem, e não digo mais nada, porque receio de alguma maneira prejudicar este projecto, embaraçando-o agora na discussão do artigo 1.° Voto pelo artigo.

Foi approvado o artigo 1.°

O sr. Presidente: — Aqui é o logar proprio para o additamento do sr. Santos Monteiro, porque elle amplia a auctorisação do artigo 1.° que os dois ultimos artigos regulam. Vai por isso lêr-se o additamento do sr. Santos Monteiro, para entrar em discussão.

Foi lido na mesa.

O sr. Santos Monteiro: — Eu não quero por maneira nenhuma prejudicar o andamento deste projecto. Já disse, respondendo ainda agora ao meu amigo, o sr. D. Rodrigo de Menezes, que eu não tenho duvida, absolutamente nenhuma, antes era essa a minha intenção, de mudar uma expressão contida naquelle novo artigo offerecido ao projecto, dizendo sem nota, em logar de com distincção, se não se me responder affirmativamente á pergunta que vou fazer.

Hei de dizer ao sr. Cunha Sotto-Maior, sem ser necessario incommodar os diccionarios, o que quer dizer motivos de pundonor e de urgente necessidade j mas não e isso para agora.

O que eu não quero de maneira nenhuma e prejudicar o andamento deste projecto; mas não podia por fórma alguma deixar de mandar para a mesa aquelle novo artigo, depois da declaração que fiz n'uma das sessões passadas, e que foi apoiada pela maioria da camara, da necessidade em que estavamos de attender a muitissimas reclamações de officiaes, que tem aqui vindo nesta sessão e na sessão passada. Se a illustre commissão de guerra, e se o governo promettem que hão de trazer, depois de bem pensado, um projecto que comprehenda, pouco mais ou menos, o que indico nesse artigo addicional, que me pareceu ser a traducção dos desejos da camara, manifestados aqui uma e muitas vezes, não tenho duvida em retirar o artigo addicional. Concordo que vamos á discussão simples deste projecto; mas ha de ser depois da declaração feita, ou por parte do governo, ou por parte da commissão de guerra, ou de ambos ao mesmo tempo.

O sr. C. M. Gomes (Sobre a ordem): — Mando para a mesa um additamento á proposta do sr. Santos Monteiro. Ouvi a ultima declaração feita pelo illustre deputado, e quero que este meu additamento siga a sorte da proposta do sr. Santos Monteiro.

É o seguinte:

Additamento: — Proponho que o pensamento do additamento do sr. Santos Monteiro seja extensivo aos funccionarios civis. = C. M. Gomes.

Foi admittido, e ficou tambem em discussão.

O sr. Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu não intendo que possam invocar-se os principios de rigorosa justiça, para satisfazer aos desejos manifestados por alguns srs. deputados, attendendo a todos os servidores, quer militares quer civis, que por qualquer motivo justo, para elles, voluntariamente pediram as suas demissões; comtudo póde haver razões taes da parte desses individuos, que recommendem ao governo e ao parlamento o sentimento de uma justa equidade. Entretanto, sr. presidente, as propostas que foram mandadas para a mesa por dois illustres deputados, uma para que sejam reintegrados nos respectivos postos todos os officiaes militares que serviram no exercito libertador, e que pediram a sua demissão; e outra, a do illustre deputado que me precedeu, em que pede que esta disposição do projecto em discussão, seja extensiva a todos os empregados civis; podem trazer com a sua approvação um augmento de despeza, que nem eu posso, nem creio que os illustres deputados poderão designar qual ella será.

Eu tenho visto mais de uma vez, que alguns dos illustres deputados, levados dos seus desejos, certamente muito louvaveis, tem proposto, e tem passado nas duas casas do parlamento, emendas e additamentos a projectos que tem trazido despeza para o thesouro.

Quando mesmo haja principios de justiça a que seja indispensavel attender, é necessario saber tambem se acaso se póde fazer essa justiça no momento actual. Não basta que seja fundado em justiça aquillo que se pretende fazer; é necessario saber se póde

Página 325

— 325 —

fazer. Ha muita gente que tem justiça, e apezar disso não tem podido ser attendida; tem justiça os portadores do papel moeda, para o receberem; (Apoiados) tem justiça os possuidores das letras da Bahia, para receberem a sua importancia; (Apoiados) tem justiça os donos dos padrões dos juros reaes; tem justiça aquellas pessoas que depositaram quantias nos depositos publicos, e que tem direito a levantar aquelle dinheiro, mas de que o estado lançou mão; em fim ha outras muitas coisas a respeito das quaes a justiça é sacratissima, e comtudo não se tem podido attender. E preciso não nos deixarmos impressionar por estes sentimentos, aliàs louvaveis, que se apoderam de nós, quando tractâmos de objectos taes, como este que se discute; porque cada um desses sentimentos, cada um desses desejos, traduzidos em lei, obrigam o governo a um augmento de encargos, que não é possivel prever desde já.

Os illustres deputados sabem todos muito bem, que algumas propostas que na sessão passada foram approvadas, em que se introduziram differentes disposições, trouxeram um excesso de despeza, que então se reputou que seria muito insignificante, irias que tem sido enorme. Todos os illustres deputados sabem a que eu me refiro. Ora, neste estado, e tendo nós tantas coisas sacratissimas a attender, não me parece prudente que, sem examinarmos previamente as circumstancias que se dão para com todos os individuos, a que poderão ser applicaveis estas disposições, que benevolamente os srs. deputados querem introduzir na lei, e sem se reconhecer antecipadamente as despezas que dessas disposições possam vir para o thesouro publico, se deva approvar qualquer disposição tendente a augmentar os encargos do estado nas circumstancias em que nos achâmos actualmente. Portanto parece-me que, antes de se consignar neste projecto alguma disposição que se encaminhe a ampliar as disposições do mesmo projecto a outra classe, ou a outros individuos, a camara deve procurar que o governo se esclareça, primeiramente, sobre quem são os individuos a quem podem aproveitar essas disposições; e em segundo logar, saber quaes são os encargos que podem resultar para o thesouro.

Parece-me, portanto, conveniente não serem approvadas agora essas propostas sem que....

O sr. Santos Monteiro: — Eu já declarei que não tinha duvida em retirar a minha proposta, logo que o governo declarasse que se occuparia do objecto della.

O Orador: — Então declaro que virá tempo em que o governo attenda a estes individuos. O governo não póde dizer que ha de attender a estes individuos nesta ou naquella época; compromette-se a examinar este negocio, vêr os individuos a quem diz respeito, e apresentar ás cortes a sua opinião ácerca deste objecto. Tudo o que fôr além disto, será complicar o negocio que actualmente se tracta sem utilidade nenhuma.

O sr. Santos Monteiro: — Eu, sr. presidente, suppunha que me tinha explicado de modo a ser bem intendido. A camara toda sabe que o artigo que mandei para a mesa, não é mais que a traducção fiel do pensamento que a camara manifestou por uma e muitas vezes; e para realisar esse pensamento da camara e que eu desejava que se verificassem as indagações indicadas ha pouco pelo sr. Custodio Manoel Gomes.

Eu intendi, e intendo ainda, que este meu artigo

addicional não póde ser approvado pela camara, sem ír, pelo menos, á commissão; mas, por outro lado, não desejando retardar a approvação deste projecto, e tendo dicto que — se o governo, ou a commissão, ou ambos juntos, ou separados, declarassem que haviam de trazer um projecto ao parlamento, eu retirava o meu artigo addicional — e acabando o sr. ministro da fazenda de fazer essa declaração por parte do governo, o meu fim está preenchido; e concordo em que não é possivel marcar tempo.

Agora, o que é necessario, e muito necessario, é, que antes de se promulgar uma lei, se calcule a despeza aproximada que ha de resultar dessa lei. Tambem não ha duvida sobre a exactidão do que acabou de dizer o sr. ministro da fazenda; algumas leis votadas no anno passado foram calculadas em certa despeza, e esta despeza a respeito de algumas triplicou. Nestes termos, nós, como deputados, devemos fazer todas as diligencias possiveis para não votarmos coisa nenhuma sem sabermos qual será o encargo que ha de resultar dessa votação. Eu conheço perfeitamente, que, se votasse o meu artigo addicional sem exame, sem uma informação cabal, não se sabendo qual seria a despeza resultante da approvação deste meu artigo, poderiam dahi resultar alguns inconvenientes: e por isso desejo que este negocio se examine convenientemente; e portanto termino pedindo a v. ex.ª dando-me por satisfeito com a declaração do sr. ministro da fazenda, que consulte a camara sobre se me dá licença para retirar o meu artigo addicional.

Não tracto do additamento do sr. Gomes, porque realmente, se tivesse de fallar sobre elle, não acabaria nunca.

A camara consentiu em que fosse retirado o artigo addicional do sr. Santos Monteiro.

O sr. Presidente: — Nesse caso fica tambem retirado o additamento do sr. Custodio Manoel Gomes, porque o sujeitou á sorte que tivesse o do sr. Santos Monteiro. Vai lêr-se o artigo 2.° do projecto.

Seguidamente foram approvados sem discussão os artigos 2.°, 3.° e 4.° do projecto.

O sr. Presidente: — Passa-se ao parecer n.° 45 da commissão de marinha. E o seguinte,:

Parecer ( N.º 45.): — Senhores. A commissão de marinha foi enviada pela illustre commissão de fazenda a mensagem da camara dos dignos pare«, com as alterações alli feitas á proposição de lei, datada de 29 de dezembro de 1853, desta camara, em que é auctorisado o governo a abrir um credito extraordinario até á quantia de 6 contos de réis, para os fins e pelo tempo nelle mencionados; declarando a a mesma commissão que não tem que emittir opinião a respeito da referida mensagem, porque esta não importa alteração de despeza auctorisada na dita proposição.

Mas a commissão de marinha, ao passo que reconhece que a provisão contida no artigo additado pela camara dos dignos pares não altera a despeza auctorisada no 1.° artigo da proposição, que fóra desta casa, tambem não deixa do reconhecer que elle é de natureza mui diversa da provisão deste artigo; porque este se limita a auctorisar o governo a fazer uma certa despeza, por tempo determinado e segundo condições indicadas; em quanto que, pelo additamento, fica o governo auctorisado a considerar habilitados para passarem a segundos tenentes da

29

VOL. V — MAIO — 1854.

Página 326

— 326 —

armada nacional, e seguirem os mais postos,.os aspirantes a guardas-marinhas de qualquer das classes, por um systema de habilitações, que não é o das nossas leis; embora possam ser equivalentes ou melhores.

Com effeito esta proposição, assim additada, contém tres artigos:

O 1.º — Uma auctorisação que dura apenas tres annos, e se limita a permittir uma despeza até 6 contos de réis annuaes;

O 2.º — Uma provisão permanente, que offerece aos aspirantes a guardas-marinhas de qualquer classe novos meios estranhos á nossa lei de marinha, pelos quaes são considerados habilitados para passarem a segundos tenentes, e seguirem os mais postos da armada nacional;

O 3.º — A revogação de toda a legislação em contrario.

Reflectindo-se que se a disposição do artigo 1.° não encerra bastantes e evidentes garantias de que o nosso governo fará a escolha, que só deve recair em individuos de provado talento e vocação para o serviço da marinha militar; ao menos nem esse mal é duradouro, nem as nossas leis de habilitações são, por este meio, postergadas.

Entretanto que a disposição do artigo 2.º (additado) pelo qual os aspirantes a guardas-marinhas, que servirem com permissão do governo a bordo dos navios de guerra das esquadras das nações alliadas, e obtiverem as habilitações a que estão sujeitos os guardas-marinhas dessas nações para serem promovidos a tenentes de marinha, são considerados habilitados para passarem a segundos tenentes seguirem os mais postos da armada nacional; esta disposição, que poderia, ser considerada admissivel, durante a guerra, durante emprezas arriscadas e importantes, em fim, em circumstancias extraordinarias, que poderiam mesmo entrar em consideração n'uma refórma não occasional, mas positivamente meditada e mais reflectida, dos nossos estudos theoricos e practicos de marinha; não parece caber aqui juntamente com uma auctorisação temporaria, sem mais attenção alguma ás nossas leis, que regulam esta materia.

Em fim, a revogação indeterminada de legislação em contrario parece fechar a porta a toda a habilitação, que não fôr a consignada neste artigo 2.°

Em vista do que, julga a commissão de marinha não poder approvar o. additamento da camara dos dignos pares, e que por conseguinte deve ter logar a commissão mixta.

Sala da commissão de marinha, em 17 de abril de 1851. = José Ferreira Pestana — Frederico Leão Cabreira — Joaquim Pedro Celestino Soares = José Tavares de Macedo = Augusto Sebastião de Castro Guedes.

Parecer (n.° 45) da commissão de fazenda a que se refere o antecedente: — A commissão de fazenda tem a honra de enviar á de marinha a mensagem da camara dos dignos pares, contendo as alterações alli feitas ao projecto de 29 de dezembro de 1853, auctorisando o governo, a dispender até 6:000$000 réis com os guardas-marinhas e aspirantes, que forem practicar nas esquadras das nações alliadas; declarando que, não importando aquella mensagem alteração da despeza auctorisada no projecto de 29 de dezembro de 1853, não tem que emittir opinião a respeito da referida mensagem.

Sala da commissão, 24 de março de 1854 = Justino Antonio de Freitas = Augusto Xavier Palmeirim = Antonio dos Santos Monteiro = Francisco Joaquim Maya = J. M. do Cazal Ribeiro = Visconde da junqueira.

Alterações feitas na camara dos pares do reino na proposição de lei da camara dos srs. deputados, datada de 29 de dezembro de 1853, auctorisando o governo a abrir um credito extraordinario para pagamento de gratificações aos officiaes da armada, que forem practicar nas esquadras das nações alliadas.

Artigo 1.° — Approvado.

Art. 2.° — (Additado). Os aspirantes e guardas-marinhas de qualquer das classes, que servirem, com permissão do governo, a bordo dos navios de guerra das esquadras das nações alliadas, e obtiverem o competente certificado, passado em fórma, de haverem sido approvados nos exames, e cumprido todos os mais requisitos a que estão sujeitos os guardas-marinhas dessas nações, para serem promovidos a tenentes de marinha, são considerados habilitados para passarem a segundos-tenentes, e seguirem os mais postos da armada nacional.

Art. 3.° (O mesmo do 2.° da proposição) — approvado.

Palacio das córtes, em 22 de maio de 1854. = G. Cardeal Patriarcha, presidente = Conde de Mello, par do reino secretario = Conde da Fonte Nova, par do reino vice-secretario.

O sr. Pinto d'Almeida (Sobre a ordem): — Este projecto já foi discutido e approvado nesta camara, e passou para a camara dos dignos patês do reino, Onde soffreu um pequeno additamento; por isso peço que v. ex.ª consulte a camara se permitte que haja uma só discussão sobre elle.

O sr. Presidente: — Effectivamente o que está em discussão é o parecer e o additamento; por consequencia não ha sobre que consultar a camara. (Apoiados)

O sr. Palmeirim (Sobre a ordem).: — Sr. presidente, como ha apenas um artigo sobre que recáia a votação, para o poder fazer conscienciosamente desejava ouvir o sr. ministro da marinha, para saber qual a intelligencia que s. ex.ª dá ao mesmo artigo. Eu sou de opinião que os officiaes do marinha podem ir aprender nus esquadras alliadas; mas diz-se aqui — e obtiverem o competente certificado,. passado em forma, de haverem sido approvados nos exames, e cumprindo todos os mais requisitos, etc. —

Aqui é que está a minha duvida. Na Inglaterra a instrucção é uma, e na França é outra, e muito mais extensa, onde se cursam differentes disciplinas, e onde a practica é tambem differente; por exemplo, em França ha navios fundeados, onde a marinha se exercita; e na inglaterra ha navios á vela e tambem fundeados para o mesmo fim.

Desejava saber se este certificado é passado pelo sr. ministro da marinha, pelo almirante, ou pela escóla: desejava ouvir o sr. ministro sobre este objecto, porque sendo differentes os estudos, e differentemente adquiridos, precisava saber qual u auctoridade que o ha de passar.

O sr. Ministro da marinha (Visconde d'Athoguia): — E simples a resposta que tenho a dar ao il-

Página 327

-327-

lustre deputado. O aspirante portuguez que fizer serviço a bordo das embarcações das esquadras alliadas, e que obtiver os mesmos conhecimentos e habilitações que o tornem habil para seguir alli a segundo tenente, é o mesmo que se requereu aqui para subir a esse posto, se o projecto passar.

O sr. Barão de Castro-Daire: — Sr. presidente, se o projecto que se discute, fosse approvado na camara dos dignos pares, como o foi nesta, já o governo podia ler aproveitado a occasião mais opportuna para realisar o seu pensamento, com vantagem para a nossa marinha.

Estão no mar muitas esquadras de potencias alliadas, promptas a entrar em operações da primeira importancia, e taes opportunidades são raras, porque as occasiões dellas terem logar tambem são raras, (Apoiados) quero dizer, o conflicto que se está dando entre as principaes nações da Europa, tambem é raro.

Mas o projecto veiu additado da outra camara, e este additamento não foi approvado pela commissão de marinha, e se agora tambem não fôr approvado pela camara, segue-se a commissão mixta; e como esse processo ha de levar muito tempo, o resultado e passar-se o tempo, e o governo não poder aproveitar a occasião que tem. (Apoiados) Resta vêr se o additamento que veiu da outra camara, prejudica o projecto, como intende a commissão de marinha, com a qual eu não concordo, não obstante a minha insufficiencia para tractar esta materia, na qual entro só movido pelo desejo de vêr approvar o projecto e seu additamento, porque intimamente estou convencido, de que da sua approvação ha de resultar grande vantagem para a instrucção dos nossos officiaes de marinha. (Apoiados)

Se, pelo artigo 1.° do projecto n.° 131, se auctorisar o governo para mandar aspirantes a guardas-marinhas practicar nas esquadras estrangeiras, pelo tempo dê 3 annos; se elles, durante esses 3 annos, puderem adquirir as habilitações necessarias para passarem a officiaes nessas nações, onde estão practicando, com muito mais razão nós devemos approvar o additamento, porque estabelece para com os officiaes da nossa marinha as mesmas garantias que lá gosariam, se seguissem os postos nas esquadras onde vão practicar. Parece-me que, bem longe de resultar o mais pequeno inconveniente na carreira militar da arma de marinha do nosso paiz, vai augmentar na vantagem e garantia que o individuo póde dar de bom official. (Apoiados) E porque razão se ha de negar essa vantagem? Não se allegue com a differença dos estudos, porque eu intendo que o governo não tem outro pensamento senão mandar os officiaes practicar na marinha ingleza ou franceza, que são as duas primeiras do mundo; e, sendo assim, e tendo tanto a Inglaterra, como a França, adquirido, pelo estado da sua marinha, toda a preponderancia na Europa, segue-se que, se os governos inglez e francez intendessem que os estudos dos seus officiaes não eram sufficientes, já os tinham augmentado. Por consequencia, intendo que os estudos que elles tem na sua marinha são mais que bastantes para constituir um bom official; e se estes aspirantes assim fossem habilitados, intendo que a nossa marinha ganharia muito.

A commissão, julgando delicado o additamento deste projecto, parece que pede que o negocio se tracte em separado; mas eu não vejo que no additamento se offenda lei alguma, ou altere a legislação em quanto ás approvações dos nossos officiaes de marinha, e parece que isto tanto se póde fazer em um projecto em separado, como neste.

Tambem á commissão fiz muita impressão o artigo 3.° do projecto, que diz — Fica revogada toda a legislação em contrario. — Isto é uma formula que se usa em todas as leis, e que neste projecto só consigna a revogação das leis, que o contrariam, deixando em vigor as leis e instrucções a respeito dos nossos aspirantes que não forem practicar nas marinhas estrangeiras; por isso ficam obrigados a seguir todos os estudos. Como se vê, pois, esta clausula não quer dizer senão que fica revogada a legislação que contraria este additamento.

Por consequencia, intendo que da approvação do additamento, longe de vir algum mal para a nossa marinha, pelo contrario, é mais uma garantia que póde dar-se a esses officiaes, quando elles tragam das marinhas onde practicaram, as habilitações necessarias. Portanto, voto pelo additamento, e contra o parecer da commissão.

O sr. Tavares de Macedo: — Sr. presidente, as razões que o illustre deputado acabou de apresentar contra o parecer da commissão, vejo que fizeram muita impressão na camara; quasi que posso prever que o parecer será rejeitado. Eu tambem já posso declarar que estimarei que o parecer seja rejeitado, porque se o não fôr, o resultado será que a lei não é approvada, terá de haver uma commissão mixta, e tarde terá de ser approvado o pensamento do governo, isto é, tarde o governo ficará habilitado para mandar os nossos officiaes practicar nas esquadras alliadas estrangeiras. —

Eu sou o primeiro que faço elogios ao governo pelo pensamento que teve de mandar officiaes portuguezes servir é practicar nas marinhas estrangeiras. Nós hoje não podemos ter com regularidade o serviço das grandes embarcações, nem tão pouco o serviço das esquadras; e para que os officiaes de marinha sejam practicos e habeis neste serviço, é necessario que os mandemos practicar nas esquadras estrangeiras, para alcançarem estas habilitações. Mas, quando a camara dos deputados tinha já convindo no projecto do governo, e quando o pensamento do projecto tinha merecido a approvação da outra camara, a camara dos pares offereceu um additamento, o qual, não direi pelo modo como foi offerecido, mas pelo modo porque foi redigido, veiu suscitar escrupulos e duvidas á commissão. Diz elle — o governo mandará muitas vezes officiaes de marinha practicar nas marinhas estrangeiras — Até aqui muito bem. Se mesmo se disse-se que os mancebos que começassem a sua carreira militar no exercicio da guerra, e que fizessem longas campanhas nos navios estrangeiros, ficavam habilitados tambem para servir na nossa marinha, eu acceitaria com muito gosto o additamento proposto pela commissão. Sá se dissesse, ainda, que ficam habilitados para servir na nossa marinha aquelles que servirem nas marinhas das nações mais adiantadas, eu approvaria tambem o projecto; porque por mais de uma vez tenho dito, que é bom comparar os differentes systemas de habilitações, porque só feita esta comparação é que se póde justificar o nosso systema de habilitações, ou emenda-lo como mais convier. Mas não foi assim que procedeu a camara dos pares; e eu peço que se me permitta a leitura do additamento, por

29

Página 328

— 328 —

que eu desejo fazer algumas observações a este respeito.

Como se vê daqui, a camara dos pares disse — nações alliadas — não fallou nas nações mais adiantadas. Ora, nação alliada é aquella com quem houver algum tractado; quero dizer, são todas as nações. O resultado que se tira, pelo modo por que este pensamento está redigido, e que os nossos officiaes de marinha não podem ser os melhores officiaes, nem mesmo alguns dos melhores; o que podem, quando muito, e ser iguaes aos das nações alliadas.

Por consequencia eu intendo que se devia substituir o pensamento que se acha aqui consignado; e que em logar de se dizer — com as nações alliadas — dizer-se — com as nações mais adiantadas. — Intende-se pela maneira como isto está redigido, que é com toda e qualquer nação; digo que é rebaixar muito o sentimento portuguez; o nosso coração revolta se contra esta idéa; porque o que se infere daqui, é que os nossos officiaes nunca poderão ser os melhores officiaes de marinha; quando muito podem ser iguaes aos das nações alliadas. Portanto, substituindo-se isto por qualquer outra redacção, neste sentido que acabo de enunciar, eu approvo o additamento.

O sr. Ministro da marinha (visconde de Athoguia): — Sr. presidente, o governo não podia admittir a especificação das nações, para onde teria de mandar os aspirantes a practicar, por isso que isto irrogava, contra a vontade do governo, uma censura áquellas nações que não fossem aqui mencionadas. Permitta-me a camara e o nobre deputado, que acabou de fallar, que lhe faça uma observação. Intendo que é um impossivel moral, que Portugal mande os seus officiaes de marinha habilitar-se n'uma marinha que saiba menos do que a sua. Se o argumento do illustre deputado fosse procedente, então poderia estender-se até áquellas nações que fossem barbaras. Mas qual seria o ministro que, no governo representativo, tivesse a desfachatez de se apresentar n'um parlamento depois de ter dado um passo tão indigno como este?! Em verdade custa a admittir que isto seja possivel. (Apoiados) A idéa em que o governo actual está, e em que provavelmente estarão todos os governes, é de pedir auctorisação ás nações mais adiantadas neste serviço, como é a Inglaterra, a França, e tambem a Hollanda, para que os nossos officiaes possam ir practicar nas suas esquadras. Quando digo isto, intenda-se bem, que eu não quero avaliar os conhecimentos, aptidão, e pericia de todas as outras nações, que não entram neste enunciado. (Apoiados)

Parece-me portanto que o nobre deputado deve ficar satisfeito, e julgar o governo preso por esta asserção que acabo de enunciar, em quanto estes individuos, que se sentam nestas cadeiras, tiverem a honra de tomar parte nos conselhos de Sua Magestade. Estou certo de que esta prisão não servirá só para os actuaes ministros, mas tambem para todos os outros que vierem; porque a mesma razão pela qual hoje se pede e deseja, que os aspirantes a officiaes de marinha vão practicar nas marinhas das nações mais adiantadas, não poderá deixar de ter toda a força nos ministros que tem de nos succeder.

O sr. Celestino Soares: — Sr. presidente, a commissão da marinha examinou o additamento ao projecto do governo, devolvido da camara dos dignos pares, e acha-o inadmissivel debaixo de tres pontos de vista, dos mais importantes á sociedade; que vem a ser: debaixo do ponto de vista da sciencia, debaixo do ponto de vista da justiça, e debaixo do ponto de vista da moralidade.

Digo, que a commissão achou o additamento inadmissivel, debaixo do ponto de vista da sciencia, comparando as habilitações dos aspirantes e guardas-marinhas, que estudam em Portugal, com aquellas desses, que o additamento tende a habilitar nas marinhas de Inglaterra ou França; achou que os habilitados em Portugal reunem maior cópia de conhecimentos, do que os habilitados em outros paizes. Por consequencia, pelo lado da sciencia não se ganha nada em mandar habilitar esses individuos fóra de Portugal, quando elles tem na patria todos os meios de. instrucção necessarios para a servir bem.

Debaixo do ponto de vista da justiça, a commissão intendeu, que esses individuos, que se habilitam em Portugal, levam muito mais tempo a firmara sua carreira, ou definir a sua posição na arma da marinha, pelas provas que se lhes exigem, cada qual mais difficil e tardia, ao mesmo tempo que os habilitados fóra de Portugal são mais depressa, e com menos difficuldade, feitos officiaes, e isto era injusto; tanto porque dava as mesmas garantias e vantagens áquelles, como a estes, os mesmos meios de subsistencia, a mesma consideração, equiparando sacrificios a gosos, estudos e privações, ao deleite das viagens, despezas, e manutenção á custa das familias, ao credito de se estudar fóra do paiz, e mantidos com primor á custa da nação; tudo isto era injusto.

Pelo lado da moralidade, era impossivel adoptar-se o additamento, porque elle tendia a dar ingresso na arma de marinha aos menos estudiosos, aos discolos e turbulentos, em prejuizo daquelles que tinham melhor conducta, mais talento e mais habilitações; não podia, nem devia concorrer, pelo seu silencio, a commetter similhante iniquidade.

Sr. presidente, não espere V. ex.ª e a camara, que eu os entretenha corri grandes discursos, e leve muito tempo a demonstrar-lhes as proposições que avancei.

Os homens do mar são pouco palavrosos; devem ser, e são, de ordinario, homens de acção. Quando se está de quarto, cogitando em usar desta ou daquella frase mais elegante, e de agradar na sociedade, lá vem um golpe de vento que, ou lhe parte um páo de cutello, lhe faz arrebentar a amura, a adriça do joanete, e á vista disto, todos os projectos de bellos discursos desapparecem; eu não vou, por consequencia, fazer o que os meus habitos me contrariam, nem de mim se póde isso esperar; vou fallar a linguagem singela da verdade, e servir-me dos termos que a minha razão me suggerir, independentemente desses preceitos ciceronicos, impossiveis de estudar-se no meio das manobras de um navio, e que pouco se casam com o cheiro da marezia e do alcatrão.

Sr. presidente, para se vêr que a commissão andou nisto com todo o escrupulo, consciencia e desejo de acertar, comparou os estudos dos aspirantes e guardas-marinhas, habilitados em Portugal; e reconheceu, como ainda agora disse, que elles eram muito superiores aos das marinhas franceza ou ingleza. O guarda-marinha, que se habilita em Portugal, manda a lei, que tenha dois annos de preparatorios na escóla polytechnica; nesses dois annos, suppõe a lei, que elle aprende as seguintes materias: arithmetica, algebra elementar, geometria, introducção á historia

Página 329

— 329 —

natural dos tres reinos, trigonometria, e primeiro anno de desenho no primeiro anno; e isto combinado com os exercicios practicos da companhia ás terças e quin tas feiras, aonde se lhe ensina: inglez, desenho, exercicios de infanteria e manejo de armas, esgrima, natação, e todos os artefactos do mister de marinheiro; quer dizer, que não tem um só dia feriado; e acabado o anno lectivo, dois mezes fóra da barra em, uma corveta de ensino.

No 2. anno da escóla polytechnica suppõe a lei que elle aprende: algebra superior, geometria analytica, calculo differencial e integral, e as distancias, 1.ª parte de chymica, 1.ª parte de física, e 2.° anno de desenho; e no fim, 2 mezes de mar. Depois destes 2 annos de estudos preparatorios passa á classe immediata, e entra na escóla de applicação, isto é, na escóla naval, onde deve frequentar 5 cadeiras, cada qual mais difficil, e cujo curso variadissimo comprehende, no 1.º anno: elementos de mechanica, astronomia esferica e nautica, principios de optica (1.ª cadeira) construcção e uso dos instrumentos de reflexão; practica das observações astronomicas no observatorio, asimuths, alturas, distancias; factura de uma derrota (2.ª cadeira), combinado sempre este curso com as aulas practicas da companhia, exercicios militares e apparelho ás terças e quintas da semana; e no fim do anno lectivo 2 mezes de mar. Com este 3. anno é promovido a aspirante de 1.ª classe. Continua ainda a estudar, e passa ao 2. da escóla naval, onde deve ser approvado na 3.ª cadeira que comprehende: artilheria theorica e practica, principios de fortificação provisional; geografia e hydrografia; na 4.ª cadeira que comprehende: elementos de architectura naval, seu correspondente desenho nos 3 planos de projecção, elevação, e horisontal, desenho de machinas; e na 5.ª cadeira, onde se lhe ensina: apparelho e manobra, principios de tactica naval!!

E tudo isto acompanhado sempre dos exercicios ás terças e quintas, tendo no fim dos 9 mezes de frequencia nas aulas, 2 mezes de embarque fóra do Tejo n'uma corveta de ensino.

Quer dizer, tem 4 annos de estudos, e 8 mezes de mar para ser aspirante habilitado a viajar outro anno para passar aguarda marinha!! Chegando a este desideratum) quer dizer, a despedir-se dos A A, e dos RR, ainda lhe resta a ultima prova de vocação para o mar, a fim de poder entrar na escala das promoções para 2. tenente; ainda ha de ter mais 2 annos fóra da barra!! E qual é a habilitação scientifica exigida por este additamento para se obter o mesmo posto e talvez maior consideração?!

Quando muito 4 annos. Mas com que direito? Quer saber a camara, o que se aprende em 4 annos? (porque o additamento da camara dos dignos pares não tracta daquelles que se habilitam no collegio naval de Portsmouth, ou na escóla naval de Brest; e mesmo quando tractasse desta especie de habilitação escolar, ver-se-hia que as nossas habilitações eram muito superiores áquellas que se exigem nas duas marinhas de França ou de Inglaterra.)

Na escóla naval de Brest apenas estudam 2 annos, e passam immediatamente ao navio-escola, surto no porto, onde aprendem manobra, e os exercicios de artilheria: no collegio naval de Portsmouth ouvem durante 2 annos as lições de um professor de hydrografia e mathematicas; de um de latim, de um 1.° ajudante, de um 2.° dito, de um mestre francez, de um de desenho; de um de armas, de um de dança, de dois sargentos de artilheria. A este respeito diz Charles-Dupin: — Les connaissances de mathematique, d'hydrographia de maneuvre des vaisseaux quon donne-auxélèves de Portsmouth, ne sont enrien super-ieur<;» à nos connaissances du rneme genre: sous plusieurs-pointsde vue elles sont mêmeinferieures. Durée des eludes trois années auplus. Para serem promovidos a 2. tenentes devem servir 4 annos a bordo, o que monta a 6 quando estudaram 2; ou a 7, quando estiveram 3 no collegio.

Em Brest, como já disse, estudam 2 annos na escóla, e outros 2 no navio, onde alcançam a qualificação de eleves de l'ecole navale. Isto é: aprés deux ans de séjour d'école navale, à un examen de sortie-seus toutes les connaissances theoriques el practiques-qui y sont enseignées, pour avoir droit au grade d'éléve de seconde classe de lá marine royale. (Di-ctionnaire de marine. Bounefoux) Et nul ne peut être éléve de premièr'e classe, s'il na satisfait aux-examens de sortie de cette école, s'il na deux ans de service à bord des bâtiments de l'état en qualité d'éléve de deuxieme classe, o que corresponde entre nós a 2.º tenente do mar: quer dizer, 6 annos de estudos e de practica, ao mesmo tempo que as nossas leis de habilitações exigem 8.

Mas não é isto de que tracta o projecto; o projecto tracta só de habilitações no mar; é dessas que eu tractarei para fazer sentir a injustiça, a inconveniencia, e a immoralidade de tal medida, que altera de um golpe todas as leis antigas e modernas. Na marinha ingleza tem muito menos professores, que os dirijam, porque a bordo ha apenas um professor de hydrografia; póde saber muito, e ensinar muito; mas póde ensinar as mesmas e tão variadas materias como as que se comprehendem em 16 cadeiras das nossas escólas? Parece-me que não. Além disso, até mesmo me parece, que é muito mais conveniente para o serviço publico, que as sciencias sejam, ensinadas por varias capacidades, porque se desinvolve mais a intelligencia do estudante, do que ensinadas apenas por um professor, ou dois; até porque o methodo seguido em diversas escólas, e por differentes professores, obriga a maior applicação da parte do estudante, e faz com que elle dê outras largas ao seu espirito; e daqui concluiu a commissão que não havia nada a ganhar pela parte da sciencia, podendo applicar-se as sommas pedidas com muito mais proveito dos mesmos aspirantes, lendo-os o duplo do tempo embarcados nos nossos navios, do que agora andam.

Ora já vê v. ex.ª e a camara, que por este lado a commissão andou bem em não adoptar o additamento: eu especialmente não poderia de maneira alguma concordar com similhante opinião, pela posição especial em que me acho collocado, de director de um estabelecimento desta ordem, reformado e ampliado debaixo dos mais rigorosos principios, da sciencia naval. Eu poderei nunca deixar de combater a falsa opinião de. que elle, e o meu serviço não prestam para nada?! que aqui não se aprende nada?! que lá fóra se aprende mais em 2 annos, do que aqui em 8? Pois era possivel que eu consentisse em deixar propagar tamanha falsidade, ou deixasse de empregar todos os meus esforços para combater uma idéa que me irrita, e me humilha e ao meu paiz, sempre atacado de falla de capacidades e de instrucção?! Não, senhor. Portanto, digo eu, sr. presidente, que pelo lado da sciencia já

30

VOL. V — MAIO — 1854.

Página 330

-330-

Vê v. ex.ª e a camara, que a commissão teve razão em rejeitar, o additamento; que elle em vez de ser proveitoso, é prejudicial ao credito das nossas instituições, e estabelecimentos de instrucção; que os aspirantes mandados em virtude delle buscar habilitações, forasteiras em detrimento das nacionaes, hão de regressar á patria, não portuguezes, não amantes do que temos ou fazemos, porém uns estrangeirados, meios francezes, ou meios inglezes, desdenhando de tudo que se faz na nossa terra, e talvez ignorando esse pouco ou quasi nada que o additamento presume que elles vão adquirir.

Agora, sr. presidente, pelo lado da justiça, é tambem evidente que se não podem comparar coisas incomparaveis, Pois 3 annos de estudos podem comparar-se a 6? Pois 4 annos podem comparar-se a 8? Pois é possivel que era 4 annos se possam adquirir tantas vantagens, tantos estudos como em 8? Igual practica e igual theoria? Quer v. ex.ª saber o que aconteceria se passasse este additamento? Era que, em quanto Um aspirante a guarda-marinha andava a calcar as ruas da Moeda para o Collegio dos Nobres, e do Collegio dos Nobres para a Moeda, á espera de um — A — venturoso do sr. Julio Pimentel, ou do sr. Pegado, tão escrupulosos, tão difficeis de satisfazer, tão avaros de A A, viria um outro e dir-lhe-hia — eu sei mais do que tu; eu fallo taes e taes linguas —; quando de certo saberia menos do que aquelles que aqui estudam, e que tem, mais probabilidade de saber, pela vigilancia que se exerce na sua applicação. Pois ha de um estudante estar sujeito ás impertinencias de 16 professores, e ás minhas impertinencias (porque tenho muitas), que não quero que andem a fumar por essas ruas, que não tragam os seus uniformes menos compostos, que não me faltem aos exercicios da companhia, que façam continencias aos seus superiores, e outras mais; e no fim de tudo vem um aspirante de fóra, e diz: — eu prefiro a todos os aspirantes que estudaram em Portugal; porque aprendi com os melhores mestres, presenciei scenas extraordinarias, vi mundo, e tive meios de aprender que não ha neste paiz: aqui não se aprende nada?!! E direi agora a v. ex.ª e á camara:

Pois aqui não ha estudos? Pois, porque não temos uma marinha florescente, não se póde aqui estudar a sciencia naval? Poderia, ou poderei conformar-me com estes insultos, e apoiar uma medida immoral que a elles conduz!? Não, sr. presidente, estou convencido que em Portugal ha meios de aprender, e ha quem saiba tanto, ou quasi o mesmo que nos outros paizes!!

Quanto ao terceiro ponto de vista, debaixo do qual a commissão encarou, o additamento, que foi o da moralidade, veja v. ex.ª, o que aconteceria. Ha filhos, de familia turbulentos, que não estudam, incorrigiveis, que os paes, as mães e os mestres não tem poder para os fazer entrar nos seus deveres, e que nunca seriam approvados nas nossas aulas e que por conseguinte nunca poderiam vir a ser officiaes de marinha? Sabe v. ex.ª o que havia acontecer? Sentavam-lhes praça, na companhia, pediam licença ao governo para os mandar practicar a. bordo dos navios das nações alliadas (porque o additamento diz;,os que forem com permissão do governo). Pediam licença simplesmente para evitarem as repulsas e evasivas, da auctoridade de falta de meios; mandavam-os sem subsidio do thesouro, e, lá iam os incorrigiveis, os, ignorantes, os turbulentos, os discolos, que andam a fumar por essas ruas e praças publicas, habituaes frequentadores dos bilhares e cafés, sem nunca ter aberto um livro de mathematica, viajar e gosar o urbano, que se tem de ordinar o com os estrangeiros, e quando regressassem cheios de vicios ainda, incorrigiveis, ou emendados, elles ahi promptos para preferirem, ou concorrerem com os mais antigos, e de maior talento, applicação e de melhor conducta?! Estes por modestos, estudiosos e de muitas esperanças, ficavam nas aulas vigiados, opprimidos e gastando a vida, a saude, e a paciencia, em adquirir uma habilitação difficil, duvidosa, tardia e mal recompensada; em quanto os estúpidos, ignorantes e viciosos os vinham preterir!! Isto se assim fosse era horrivel!!

Sr. presidente, ha de estar um pobre rapaz sujeito ás impertinencias de 18 mestres, sujeito a 18 exames; um rapaz que foi tractado por elles com rigor, durante 4 annos e pelos seus commandantes, um outro a bordo depois de saír das aulas, e ha de por fim de tamanho e tão trabalhoso tirocinio para guarda-marinha, concorrer com aquelle que dentro de pouco tempo, e quasi nenhum trabalho, se julga com tanto ou melhor direito ás promoções, dizer-lhe: eu sou guarda-marinha já feito, e você não é nada? Não sabe nada, não viu nada: eu estive na náo Wellington, na Revange, na Prince-Régent, o almirante Napier (porque os nomes são tudo) disse, fez, aconteceu; e bastam estes nomes historicos, estes titulos retumbantes para o nosso aspirante se julgar outro Napier ao pé dos seus pobres patricios, que apenas e por muito favor do sr. major-general poderam fazer um embarque no vapôr Mindello ou no Duque de Saldanha! Hei de eu concorrer para isto? Não, sr. presidente! Não é possivel que um rapaz que tem dado provas de bom estudante, que tem sido bem comportado, seja preterido por um mal comportado, por um que apenas sabe pronunciar quatro palavras francezas ou inglezas, e que se julga um sabio quando muitas, vozes não passa de ser um ignorante! Pois póde isto ser moral? Póde a camara consentir em uma substituição desta natureza? E não se diga que estas marinhas são as melhores marinhas do mundo: não é assim. E preciso que a camara saiba, que se algumas tiveram Nelsons, houve outras que lhe disputaram a gloria, honrando-se de contarem no seu seio os Ruiters, os Joões Borís, os Tromps, os Duperrés!

Os Nelsons não se fazem nas aulas, nem aprendem a sciencia escripta ou estampada nos livros: elles não aprendem, elles ensinam. Pois quem foi ao Tamisa e arrancou uma bandeira do almirante que nunca mais os inglezes poderam içar até ao anno de 13,06, se não por um acto do parlamento? Esses homens notaveis não estudaram a sciencia; um dom de vêr e de encarar as questões e os objectos por. certa, maneira, faz, com que, o que elles practicam, seja depois olhado como sciencia. E se não veja v. ex.ª e a, camara o que aconteceu nessa memoravel batalhado Cabo de Trafalgar.

Manda, a sciencia da guerra naval (isto, é a tactica até então escripta e seguida ) que, quando duas forças pretendam combater, se busque sempre ficar a barlavento,e a razão é porque a força que está a barlavento está sempre em circunstancias de sustentar ou abandonar o campo de batalha. E tambem porque estando-se a barlavento o fumo da artilharia não lhe intercepta

Página 331

-331-

As manobras do inimigo, nem lhe suffoca os combatentes. Os francezes buscaram ganhar esta posição, forçaram de todos os modos por dobrar a prôa ao inimigo: Nelson fingiu disputar-lhes aquella vantagem, mas a fina collocou-se a sotavento. Os francezes julgaram-se victoriosos, tanto por disporem de maiores forças, como por terem ganhado a posição de barlavento. Mas o bellicoso Nelson, heroe maritimo da Grã-Bretanha, tirou partido desta circumstancia desconhecida aos methodistas, e escravos dos preceitos escriptos, e ganhou a maior batalha naval que houve neste seculo! Quer v. ex.ª e a camara saber porque! Depois de Nelson expirar, foi que os livros e a sciencia o explicaram. O mar era grosso, a onda muito encapellada, e o vento duro: os navios de barlavento não podiam conteirar as suas peças, nem servir-se das suas baterias da coberta do lado de sotavento, pela inclinação resultante da acção das vélas, em quanto os de sotavento tinham as suas baterias muito acima da linha da fluctuação do lado do inimigo; e se bem os navios de Nelson fossem menos em numero, e elle parecesse dispôr de força inferior, por esta circumstancia não prevista pelos francezes, veiu a empregar maior numero de boccas de fogo, e de maior calibre, pois as primeiras baterias das náos eram de calibre 36, e 24, quando as do seu convez eram de 18. Já v. ex.ª vê que não foram os estudos que moveram Nelson áquelle modo de ataques; Nelson practicando assim, deu um novo preceito aos tácticos, mostrando-lhes que da applicação dos principios se tiram diversas consequencias. Foi por isto que a commissão approvou o projecto original do governo, em que pedia fossem practicar a bordo das esquadras estrangeiras os aspirantes e guarda-marinhas mais habilitados: então sim, então era conveniente, porque eram aquelles que já tinham dado provas de mais capacidade e de mais estudos, eram aquelles que tinham obtido melhores informações de seus mestres e dos seus commandantes. Deste modo a despeza que com elles se fazia era uma despeza util, mas do modo como agora se propõe é uma despeza inutil, porque dá logar a virem para a marinha aquelles que não tem estudado, nem talvez sejam capazes de estudar, e sem o menor caracteristico de aptidão para a vida maritima. E hei de eu consentir nisto? Hei de eu como director da escóla naval concordar com similhante principio. Não é possivel que eu renegue a tal ponto as minhas crença», nem macule a minha honra de official portuguez, preferindo-lhe coisas e pessoas de outros paizes, em menoscabo do que é nacional.

A camara faça o que quizer; no entretanto julgo ter dito com singeleza, e brevidade quanto basta para provar que a commissão andou nisto com toda a consciencia, com todo o escrupulo, e com os melhores desejos de acertar. Portanto, voto pelo parecer e contra o additamento.

O sr. Pinto de Almeida — Requeiro a v. ex.ª consulte a camara se a materia está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida.

O sr. Presidente: — Vai lêr-se a conclusão do parecer papa sobre elle se votar; senão fôr approvado, lêr-se ha o additamento para se votar sobre elle.

Submettido à votação q parecer foi rejeitado por 47 votos contra 19 e foi approvado o additamento vindo da tomara dos dignos pares.

Foi lida e approvada, na mesa, a ultima redacção dos projectos, n. 22, 23, 40 e 41.

O sr. Presidente: — Passa-se ao projecto n.° 30, que vai lêr-se.

É o seguinte: _ Projecto de lei (n.° 30): — Senhores. Á commissão do ultramar, foi presente o projecto de lei n.° 3-B, do sr. deputado Antonio Maria, Barreiros Arrobas, que tem por fim sujeitar os ajudantes de ordens de pessoa, que, pelo decreto com força de lei de 28 de setembro de 1838, competem aos, governadores geraes das provincias ultramarinas, ás mesmas condições a que estão sujeitos os referidos governadores geraes, pelo que respeita ao tempo de serviço ultramarino necessario para conservarem o posto de accesso.

A commissão, ouvindo as illustres commissões de guerra e marinha, e conformando-se com os pareceres por ellas emittidos, e de accôrdo com o auctor da proposta, é de parecer que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As disposições do artigo 4.° do decreto com força de lei de 10 de setembro de 1846, que limita a 3 annos o tempo de serviço ultramarino, necessario para que os governadores geraes das provincias ultramarinas conservem oposto de accesso a que houverem sido promovidos no exercito ou armada de Portugal, são extensivas aos ajudantes de ordens de pessoa, que, pelo decreto com força de lei de 28 de setembro de 1838, competem aos governadores geraes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 28 de março de 1854. = José Ferreira Pestana = Frederico Leão Cabreira = José Tavares de Macedo = Francisco Joaquim da Costa e Silva = Joaquim Pedro Celestino Soares = Estevão Jeremias Mascarenhas = Custodio M. Gomes, vencido.

O sr. Santos Monteiro (Sobre a ordem): — Intendo que este projecto não tem senão uma unica discussão, na generalidade e na especialidade; mas pedi a palavra sobre a ordem para fazer uma pergunta ao governo a respeito deste projecto, seguindo o exemplo que ainda agora me deu o meu nobre amigo e collega o sr. Palmeirim.

Este projecto não é da iniciativa do governo; mas intendo que as commissões em objectos administrativos, e em geral as commissões saídas do seio da maioria, não trazem, projectos á camara sem estar de accôrdo com o governo.

Parece-me impossivel que, existindo ha muito tempo a legislação que regula o tempo de serviço aos officiaes, que vão servir no ultramar, só agora lembrasse adoptar uma disposição a respeito dos officiaes que alli vão servir como ajudantes de ordens. Sei que ácerca de alguns officiaes que vão servir no ultramar, ha uma disposição na legislação, que é a de não passarem para o exercito de Portugal, sem que tenham servido por um espaço de tempo, muito maior do que aquelle que está marcado, no projecto — ceio que são 6 ou 9 annos: — mas observo agora que por este projecto se vai dar aos officiaes subalternos que, forem servir no ultramar, como, ajudantes de ordens, uma vantagem muito superior áquella que é concedida pelas leis aos officiaes que forem servir no ultramar nas fileiras. Póde ser que esteja em erro; mas a combinação que fiz, do projecto, com nutras disposições relativas aos officiaes que em diversas circumstancias

Página 332

— 332 —

Vão servir no ultramar, trouxe-me esta convicção. Parece-me, ou antes não tenho duvida acreditar, que se vai dar uma vantagem muito superior áquem vai fazer um serviço, que na minha opinião é menor, ou pelo menos é inferior nos postos, e mais vantajoso nos interesses; quero dizer, vão ter uma vantagem muito superior aos outros officiaes, que para alli vão para outro serviço. Penso que está estabelecido que os officiaes, que forem servir como ajudantes de ordens nos differentes governos do ultramar, em tendo 3 annos, devem passar para o exercito de Portugal, sendo subalternos até capitães, porque dahi para cima não é admittido; mas eu tenho visto ir tambem majores; e não sei o que vão para lá fazer.

Ora, para tirar todo o escrupulo, porque eu tenho muito medo da cruz feita aos bocadinhos de páo, e quero saber o que se vota, desejava que o sr. ministro da marinha me informasse sobre o que tem acontecido até agora, com os officiaes despachados para ajudantes de ordens para o ultramar — se, depois de acabarem de servir ás ordens de um governador, passam para o serviço do exercito de Portugal. Além disso, quando se entrar na discussão do projecto, ainda tenho de fazer uma outra observação, porque da maneira que o projecto está redigido — se houver um governador do ultramar, que por qualquer circumstancia não acabe lá o tempo de serviço que lhe está marcado por lei, e que venha para aqui gozar logo da vantagem do posto immediato; e essa circumstancia póde dar-se muitas vezes, ou por saír esse governador eleito deputado, ou por adoecer, ou por outro qualquer motivo que póde acontecer; affigura-se-me que póde vir esse governador com toda a sua pequena côrte, e que os seus ajudantes de ordens vem gozar tambem das mesmas vantagens.

Por consequencia, eu desejava saber em primeiro logar, o que se tem feito aos officiaes em circumstancias identicas até agora, regendo, como rege, uma legislação que obriga os officiaes que vão para o ultramar a completar alli um certo numero de annos de serviço?

O sr. Ministro da marinha (Visconde de Athoguia): — Quanto aos 9 annos não acontece esse caso, porque nenhum governador do ultramar póde levar patente além de capitão ás suas ordens. Agora quanto aos 6 annos, effectivamente todos os officiaes que vão servir no ultramar, ou commandar alguma força, demoram-se 6 annos, e só depois de completado esse tempo é que entram no exercito. Falha esta circumstancia a respeito dos ajudantes de ordens, porque não tem alli exercito para servir, nem para isso foram nomeados, e é por isso que o governo intendeu, que devia acceitar as disposições deste projecto. O governo entretanto tem-os admittido a todos no exercito, ou por compaixão para com a situação em que ficam collocados, que não é uma situação definida. Mas a disposição da lei é clara, e o nobre deputado conhece-o perfeitamente, e sabe que não era preciso explicar-se. O nobre deputado sabe que os ajudantes de ordens junto aos governadores geraes, quando elles voltam por qualquer circumstancia que os obrigue a não completar o tempo de serviço, ficam n'uma situação indefinida: não pertencem, nem ao exercito de Portugal, nem servem no ultramar, e o governo, como disse, tem-os collocado.

A lei o que estabelece é que os que vão para ajudantes de ordens, tenham 3 annos de serviço alli; os que vão servir nos corpos 6 annos, e os que vão para os governos de praças 9 annos. E a explicação que posso dar ao nobre deputado.

O sr. Jeremias Mascarenhas (Sobre a ordem): — Sr. presidente, muito folgo de vêr o sr. Santos Monteiro tomar parte na discussão de tudo, quanto diz respeito ao ultramar, quer projectos, quer propostas, quer requerimentos; de certo isto provém do seu zêlo e empenho pelos interesses das provincias ultramarinas; muito estimo, que o illustre deputado seja defensor e athleta dellas; e que, assim como elle, todos os meus nobres collegas, membros desta casa, e cada um delles o façam tambem, porque assim o ultramar de certo não ha de ficar esquecido e abandonado, como até hoje o tem estado; mas o que sinto é que o illustre deputado nas coisas do ultramar use quasi sempre de argumentos negativos, fundados na falta pessoal de dados necessarios, e mostre por isso indecisão, e receio de não ser acertado o seu voto. (O sr. Santos Monteiro: — Isto tambem é ordem? Eu peço ao sr. presidente, que chame á ordem ao sr. deputado) Eu hei de apresentar a moção da ordem, para que pedi a palavra; mas não é bastante, que o illustre deputado diga que não estou na ordem; a opinião de s. ex.ª não é aqui sentença definitiva: eu peço, sr. presidente, se sirva de declarar, se estou fóra da ordem, porque me quero restringir, se assim fôr.

(Pausa por algum momento.)

Não sei, se me será permittido responder a alguma coisa menos exacta, que ha, como me parece, no que disse o illustre deputado; mas não; reservo a responder, quando se entrar na discussão do projecto, e por isso peço a v. ex.ª queira ter a bondade de me inscrever para então. (O sr. Presidente: — O sr. deputado está inscripto) Bem; então vou mandar para a mesa um additamento para o primeiro artigo do projecto, no qual concorda a maioria da commissão, a que pude mostra-lo; e peço perdão a alguns dos meus illustres collegas da commissão, aos quaes o não cheguei a mostrar; porque sendo agora mesmo escripto, quando ía apresentar-lho, começou a discussão; o additamento tende para tornar mais claro o pensamento da commissão; no artigo se propõe, que aos ajudantes de ordens dos governadores do ultramar basta o serviço de 3 annos, assim como basta a estes, segundo a lei em vigor, para não perderem o posto de accesso, que tiveram na nomeação; mas se podia duvidar, se comtudo são obrigados a continuarem a servir até 6 ou mais annos; ou se devia dar-se por terminada a sua commissão; a segunda parte desta disjunctiva é admittida pela commissão; e para ficar bem consignado o seu pensamento, declaro neste additamento, que não só é bastante o serviço de 3 annos para os ajudantes não perderem o posto de accesso, mas fica terminada a sua commissão, para poderem regressar a Portugal com os governadores, a cujas ordens estiveram, quando estes regressarem, decorrido o tempo, para o qual foram nomeados; e não quando a estes se der por acabada a commissão antes do tempo, para que foram nomeados, como algumas vezes e excepcionalmente se tem feito; por exemplo, ao sr. conde das Antas depois de 9 mezes, se não me engano. No acto da nomeação do sr. visconde de Ourem levava a clausula de não perder o posto de accesso, no caso de regressar antes do triennio, pela exigencia I do serviço publico: mando portanto da parte da commissão este additamento, salva a redacção:

Página 333

— 333 —

Additamento: — Aos ajudantes de ordens mencionados neste artigo se darão por acabadas as suas commissões naquellas provincias no dia em que terminarem as funcções dos respectivos governadores geraes, acabado o tempo para que foram nomeados. — Jeremias Mascarenhas.

Foi admittido.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Sinto que o auctor deste projecto não esteja presente, para o sustentar e apresentar razões, que talvez me convencessem a ponto de votar por elle; mas ainda que não esteja presente o auctor do projecto, como a commissão o examinou, e elaborou o parecer que se discute, estou certo de que terá motivos plausiveis para o defender. Entretanto eu farei algumas observações, ou antes objecções ao projecto, e talvez que alguns dos illustres deputados, membros da commissão, as possa rebater, e convencer-me de modo que vote pelo projecto, o que não julgo facil.

Sr. presidente, as leis que se estão a fazer, todos ©s dias, em beneficio dos officiaes que, por especulação, vão para o ultramar, desorganisam completamente o exercito. (Apoiados) A lei de 10 de setembro de 1846 determinou, que os officiaes superiores que vão para o ultramar se demorem lá 9 annos; os governadores de provincia, 3 annos; e os officiaes subalternos, em que são comprehendidos os ajudantes de ordens, 6 annos. Pergunto: quando se fez esta lei, não se sabia que os governadores de provincia haviam de demorar-se no ultramar sómente o annos? Sabia. Pois o governo de então e a maioria da camara que approvaram esta lei, não viam que, retirando-se do ultramar os governadores de provincia no fim de 3 annos, os ajudantes de ordens ficavam sem collocação? Viram de certo. Logo se isto assim foi determinado, e porque se julgou justo o que se determinou.

O que eu desejo perguntar ao governo, é — se a lei de 10 de setembro de 1346 e hoje cumprida ou não? — Se ella não e cumprida, então e uma lei morta; e se é cumprida, então hei de defende-la. Creio que o governo não infringe esta lei; nem póde deixar de ser assim, porque eu tenho confiança no governo, e voto com a maioria, não em tudo, mas naquillo que intendo; e se tenho confiança no governo, é porque creio que elle não infringe a lei: mas desde o momento em que o governo infringir a lei, eu voto contra elle.

Sr. presidente, a verdade é, que aos officiaes de patente nada mais facil lhes e do que obterem um logar no ultramar, e irem como ajudantes de ordens dos governadores de provincia. A maior parte desses officiaes não tem conhecimento algum da ordenança, e apenas a balbuciam; comtudo lá vão para o ultramar sem saber coisa alguma militar, e lá se conservam nas camaras dos governadores ás ordens delles; e todos nós sabemos o que é o serviço de official de estado maior, e o serviço do official de fileira. O resultado é que esses officiaes, no fim de 1 ou 2 annos, voltam para Portugal, porque o governador de provincia, por qualquer motivo, pôde conseguir, no fim de 2 annos, voltar para o reino, e vem gosar o beneficio do posto de accesso, e vem preterir os seus camaradas. Mas digo eu, se esses officiaes ficam sem collocação, quando o governador de provincia, ás ordens de quem foram, se relha, então sejam mudados de umas provincias para as outras; mas não se altere nunca o tempo de serviço que a lei marca. (Apoiados)

Portanto, intendo que o projecto deve ser rejeitado, em vista dos principios de moralidade, boa ordem e conveniencia publica. Digo que o projecto deve ser rejeitado pelos principios de moralidade, porque os governadores de provincia e seus ajudantes de ordens, fiados em que a lei é constantemente, violada por empenhos e affeições, tractam de largar os seus logares antes de tempo, e vem para Portugal gozar as vantagens e beneficios que lhes resulta de estarem no ultramar. Digo que é de conveniencia publica que o projecto seja rejeitado, porque não e possivel que um official, que timbra de ser bom official, possa soffrer que outro, por empenhos, affeições, ou caprichos, venha do ultramar collocar-se á direita delle, ás vezes com a vantagem de dois postos. Declaro que não sei se isto se faz; mas é por isso que peço ao governo que cumpra a lei, que eu julgo que foi feita com justiça. Se estas razões que acabo de apresentar forem combatidas, então pedirei de novo a palavra; por: agora limito-me a votar contra o parecer da commissão.

O sr. Tavares de Macedo: — O governo, desejando evitar as excessivas especulações de officiaes que íam servir no ultramar para ganharem um posto de accesso, fez o decreto do 10 de setembro de 1846, pelo qual exigiu muito mais tempo do que até alli se exigia; porque d'antes bastava ser nomeado para o ultramar, para se ter o posto de accesso, e depois pouco tempo lá se demorava o official. O governo, querendo evitar isto, fez um decreto, pelo qual disse — quem quizer que se lhe faça bom o posto, ha de demorar-se tanto tempo no ultramar; sendo official subalterno ha de demorar-se 6 annos; indo para lá servir o posto de major, ou de capitão de mar e guerra, ha de demorar-se 9 annos. Mas como o governo prudentemente reconheceu que necessitava muitas vezes de militares dignissimos para mandar como governadores para o ultramar, e que não poderiam sujeitar-se a tanto tempo de demora lá, exceptuou os cargos de governadores, e disse: esses sirvam unicamente pelo tempo de 3 annos.

Ora, parece-me que essa disposição, que se applicou aos governadores, se devia applicar tambem aos seus ajudantes de ordens. O ajudante de ordens é sempre uma pessoa de confiança do governador, o isso não póde deixar de ser assim, porque é impossivel que um governador não leve a seu lado pessoas em (quem altamente confie. Estes homens da alta confiança do governador, por isso que são da su;» alta confiança, sempre desempenham as suas ordens, e muitas vezes desempenham ordens que os tornar»-desagradaveis nas provincias em que estão; e o que acontece é que o ajudante de ordens, se não voltas com o governador, fica em uma posição tristissima, quero dizer, vai ser victima de todos os resentimentos do governador que se seguir, e ou esse governador tenha má vontade ao seu antecessor, ou ainda quando a não tenha, o que acontece é que o ajudante do anterior governador sempre fica em uma posição summamente desagradavel; o homem que estava ao lado do governador, passa a ser de pouquissima importancia, e homens de uma certa capacidade de certo não hão de gostar dessa differença.

O que mais vezes ha de acontecer é que esses homens, que estiveram em boa posição ao lado do governador, por effeito de intrigas e má vontade, hão de necessariamente ser obrigados a desempenhar func-

Página 334

— 334 —

ções, a que ninguem os obrigaria sem ser aquella má vontade. O resultado será, que nenhum governador poderá achar bons ajudantes de ordens que os queiram servir, se não gozarem da mesma vantagem que os governadores, quanto ao tempo da demora no ultramar.

Quando fôr mandada executar uma ordem em todo o seu rigor, em todo o seu espirito, se os homens que ajudarem o governador na execução dessa ordem não o acompanharem na volta para o reino; se esses homens tiverem diante dos olhos o tempo que ainda lá hão de ficar, depois que o seu natural defensor, o -seu protector, os deixar, os tirar do seu lado, ficam em tristissima posição, não podendo ternas execuções dessas ordens do governador aquella dedicação que devem ter. Eita e a verdade.

Isto não é dar vantagens a officiaes que, por especulação, vão para o ultramar; poderá ser que haja especulação da parte dos que querem ser ajudantes de ordens; mas que elles vão para lá por motivos de utilidade publica, não tem questão.

Parece-me, sr. presidente, que não se verificam as circumstancias que o illustre deputado suppõe, e que os fundamentos da lei que se pretende fazer são solidos, e se a não approvarmos, o serviço ha de perder com o estado actual da legislação a este respeito..

O sr. Gomes: — Sr. presidente, eu assignei vencido, sou pois obrigado a dizer porque.

O decreto de 10 de setembro de 1846, que já aqui se citou, estabeleceu certas exigencias a respeito dos officiaes que tivessem a vantagem de obter um posto de accesso por irem para o ultramar; estabeleceu que esses officiaes em regra fossem obrigados a estar 6 annos no ultramar para terem direito a ficar com oposto de accesso que se lhes conferia por occasião de serem mandados para o ultramar; mas sendo o official major ou patente superior, exigiu 9 annos, e quanto aos governadores estabeleceu só 3 annos., Ora, o illustre deputado que acabou de defender tão bem este parecer, feriu bem a razão porque se tinha feito a excepção para os governadores do ultramar: foi porque o governo tinha reconhecido que não havia individuo de uma certa cathegoria, com uma certa intelligencia, que se sujeitasse a estar muitos annos no ultramar; (Apoiados) e então, por força maior, cedeu; e cedeu contra uma conveniencia do serviço, porque a conveniencia do serviço era que os individuos nessas circumstancias, que já tinham os conhecimentos practicos das localidades, se demorassem nesse exercicio; eram aquelles de quem se devia esperar melhor serviço. No entanto a força maior, o não se encontrar individuos que se sujeitassem ao onus de um maior prazo, fez com que a lei só exigisse 3 annos.

Agora diz-se: é natural que tendo-se feito isso para os governadores se faça outro tanto para os ajudantes de ordens. Digo eu — é natural o contrario. — Pois ses o ajudante de ordens não póde ser mais que alferes ou tenente, qual ha de ser a razão porque se ha de fazer para elle uma excepção que não está em harmonia com as funcções do seu cargo? Se nunca nos constou, nem o governo nunca achou que houvesse difficuldade em encontrar um individuo que quizesse desempenhar essa missão, pelo contrario ha muitos casos de individuos que querem ser despachados para o ultramar em ajudantes de ordens, mas em alferes, porque havemos de ír fazer o que a lei só concedeu quando encontrou embaraços e difficuldades?

Mas diz-se: um ajudante de ordens é uma creatura da confiança do governador. Isto dito aqui faz muito bom effeito, mas no ultramar não produz nenhum. O ajudante de ordens, diga-se com toda a franqueza, e um official que insta muito para ír com um cavalheiro que está para ser governador no tramas, porque quer apanhar a patente geralmente de alferes, e se é alferes quer ser tenente, mas este ultimo caso já não é tão geral; que folga muito de ir para lá ás ordens e junto a um cavalheiro que o tracta muito bem, que naturalmente lhe faculta a sua casa e mesa; é um official que não tem quasi serviço nenhum, e que tem uma gratificação de 10000 réis. Tudo isto são grandissimas vantagens.

É verdade que a lei (e nisto chamo a attenção do sr. D. Rodrigo de Menezes) exige hoje que os officiaes que vão para o ultramar tenham servido já no nosso exercito pelo menos 3 annos, e que ahi tenham tido o posto de 1.º sargento. No entanto todo o mundo sabe que ha muito 1.° sargento que faz grandissimos esforços para obter uma banda, o que 6 muito difficil na Europa; e indo para o ultramar conseguem ser alferes.

Quanto á grande confiança, e bom que eu diga qual é o serviço de um ajudante de ordens. O serviço do ajudante de ordens é estar em uma sala do governador, communicar-lhe qualquer recado que appareça, e transmittir qualquer ligeira ordem que ha, porque todo o mundo sabe que a capital de uma provincia ultramarina e uma terra muito pequena, com auctoridades que se mandam chamar a 2 passos para se fazer uma conferencia sobre qualquer objecto.

Que se diga que é necessario que o secretario seja de toda a confiança do governador, intendo eu, porque basta dizer-se que o secretario escreve um papel, e assim, dizendo — determina s. ex.ª isto — e faz-se. Já se vê que, se não fôr da plenissima confiança do governador, póde abusar, póde compromette-lo; mas um ajudante de ordens não está no mesmo caso.

Houve tempo em que os ajudantes de ordens (e devo dar esta satisfação a um cavalheiro que me está ouvindo) desempenhavam uma missão muito alta no ultramar (refiro-me ao sr. Cabreira hoje general), porque nesse tempo os ajudantes de ordens eram, para assim dizer, os secretarios militares dos governadores; mas hoje as secretarias do ultramar estão montadas de maneira que ha duas repartições, uma militar e outra civil, e os ajudantes não tem nada, absolutamente nada, com as coisas que são propriamente expediente militar; os ajudantes de ordens não passam de serem uns officiaes que estão addidos aos governadores geraes para seu esplendor, e para a communicação de qualquer ordem de momento.

Respondendo á observação de um illustre deputado — de que todos os ajudantes de ordens estão no mesmo caso — direi, que não estou habilitado para dizer se os ajudantes de ordens de cá tem mais que fazer que os de lá, parece-me que a casa é mais espaçosa cá do que lá, e que as operações aqui são maiores do que alli; mas qual é a excepção que a lei faz a respeito dos ajudantes de ordens aqui? Dá-se-lhe uma cavalgadura e uma ferragem, porque esse official tem de andar a cavallo, e mais nada; não tem mais prerogativa alguma; lá, tem um posto de accesso, uma gratificação de 10000 réis mensaes, e quer dar-se-lhe este favor immenso que está exarado no projecto em discussão.

Página 335

— 335 —

Já ouvi perguntar um sr. deputado — qual é a razão porque o sr. deputado Jeremias tornava tanto calor neste negocio? — Parece, á primeira vista, enygma. Pois eu o denuncio; é porque o sr. Jeremias é deputado exclusivamente do ultramar (nisto não faço senão elogia-lo); o illustre deputado olha para o seu estado da India, de cá; não vê senão os inconvenientes que a legislação actual, a respeito do assumpto em discussão, produz na India, não lhe importando com, os inconvenientes que a alteração dessa legislação, no sentido proposto, póde causar no continente. Eu tambem sou deputado por Gôa; mas não levo o meu amor, por aquella parte da monarchia que me elegeu deputado, ao ponto de querer um grande inconveniente para cá, só para acabar com um pequeno inconveniente que existe lá. Alli ha militares; se estes officiaes que vão para o ultramar era ajudantes de ordens, em logar de servirem lá 6 annos, servirem só 3, e no fim destes 3 annos regressarem ao continente, acontece que os officiaes que lá estão tem mais campo para marcharem nas suas promoções; e o contrario lerá logar se o novo governador levar outros ajudantes, e os que lá se acham tiverem de completar os 6 annos de serviço passando para os corpos. Reconheço que os officiaes europeus prejudicam os interesses dos individuos que lá estão; mas não levo o meu amor de deputado por Gôa tão longe que posponha a esta todas as considerações a que se deva attender.

Agora, suppondo que passa o projecto, vejamos se vamos fazer uma justiça, ou uma grave injustiça. Todos sabem o que é Macáo; e como um pequeno bairro de uma cidade; já se vê qual será a missão do ajudante de ordens do governador; esse ajudante de ordens, que passa do continente para Macáo, que tem um bello clima, logo que alli esteja 3 annos regressa para o continente conservando as dragonas que se lhe deram quando para alli foi; entretanto que outros officiaes que foram mandados fazer serviço na costa de Africa, estes individuos, só depois de estarem 6 annos n'um caso ou 9 annos n'outro, é que podem regressar a Portugal e conservar a patente que se lhes deu, quando foram para aquelle serviço! Não será isto uma injustiça palpitante? Eu creio que sim. E sabido que os individuos, que estão nas circumstancias de serem nomeados governadores geraes para o ultramar, não se sujeitam as mais das vezes a ir para lá por mais de 3 annos; o governo neste caso não tem senão accommodar-se ao preço do mercado, solicitar-se a elle, e portanto exigir dos governadores só o tempo de 3 annos; mas não acontece assim a respeito dos ajudantes de ordens e outros officiaes; ha empenhos, e muitos, para ser despachado official para o ultramar, tanto para ajudantes de ordens dos governadores geraes, como para servir nas fileiras, como para pequenos governos de praça; por consequencia, não se dando a respeito dos ajudantes de ordens as mesmas circumstancias que se dão a respeito dos governadores, não ha necessidade de estabelecer para aquelles o mesmo espaço de tempo que o imperio das circumstancias exige que se estabeleça para estes. Além disso ainda ha um outro inconveniente. É sabido que estes individuos despachados para o ultramar vão com o posto de accesso, que vencem effectivamente logo que tenham lá estado o tempo que lhes e marcado; volta um official destes ao continente, e valla no posto de accesso que ganhou, pertence ao exercito de Portugal, mas esse posto ou accesso é sem prejuizo de antiguidade; chega esse official a Portugal e geralmente não póde servir; e não póde servir porque, por exemplo, elle quando foi despachado para o ultramar era o tenente mais moderno; foi despachado em capitão, mas quando regressa ainda lhe não competia por antiguidade o posto de capitão: não póde ir commandar uma companhia em qualquer corpo, porque encontra lá tenentes mais antigos que elle; o governo vê-se embaraçado, e a consequencia é que o põe em disponibilidade (Uma voz — E os governadores?) Os governadores, a respeito delles ha, como já ponderei, uma força maior que não se dá neste caso. Agora, quanto ao additamento mandado para a mesa pelo sr. Jeremias direi que, se eu não posso conformar-me com o principal do projecto, menos me posso conformar com a circumstancia aggravante que se quer estabelecer; portanto não só voto contra o projecto, como voto tambem contra o additamento.

O sr. Jeremias Mascarenhas: — Sr. presidente, eu começarei por onde acabou o seu discurso o meu illustre amigo o sr. C. M. Gomes: s. ex.ª disse, que com mais razão rejeitava o additamento, que da parte da commissão apresentei, porque, conforme elle, se dava por acabada a commissão dos ajudantes de ordens dos governadores, quando estes regressam depois do serviço de alguns mezes, como muitas vezes tem acontecido. Permitta-me o meu nobre amigo, que lhe diga que não está ao facto deste additamento: nelle se dá por determinada a commissão dos primeiros ao mesmo tempo da dos segundos, quando servem por todo o tempo por que foram nomeados; o qual, segundo a legislação em vigor, nunca é menor de 3 annos; se porém excepcionalmente se dér por acabada a commissão, de qualquer governador do ultramar, os seus ajudantes de ordens, para conservarem o posto de accesso, são obrigados a servirem 3 annos, como está dicto no artigo.

Era escusado, que eu dissesse ao meu illustre amigo o sr. Gomes o motivo, por que approvo este projecto: elle havia de ser por mim adduzido na discussão, porque intendo, que nada tem de parcial e odioso, porque devesse ser occultado; pois foi em que principalmente se fundou o meu voto. Mas notei especialmente as palavras — officiaes europeos — que o meu amigo usou, não de certo com malicia para fazer effeito, ou com o fim de dirigir-me alguma insinuação: porque s. ex.ª não é capaz disto: eu sou o primeiro a respeitar a sua boa fé, e a reconhecer a sua habitual franqueza; noto-as especialmente, porque pareceu-me, que ellas tinham feito alguma sensação; e mesmo ouvi dizer-se que se queria ser guarda avançada. Eu digo com franqueza, que não quero, quando o serviço não exige, officiaes do exercito de Portugal em commissão no ultramar, sejam europeos, sejam de outra qualquer parte, não por serem europeos, mas por serem officiaes, que sempre o são, mas porque vão onerar os cofres das provincias ultramarinas com soldos e gratificações em réis fortes, e causam prejuizo aos officiaes do exercito das provincias ultramarinas, entrando nas fileiras, e nas vagas; é por isso que eu não quero os primeiros, e não por serem europeos, como podia parecer a alguem, contra a intenção do meu amigo o sr. Gomes, a quem escapou a palavra — europeos — em logar da de — officiaes do exercito de Portugal. (O sr. Gomes: — De certo escapou-me a palavra europeos, em logar

Página 336

— 336 —

de officiaes do exercito de Portugal; por isso não deve causar sensação alguma) O Orador: — Eu bem sei, que escapou ao meu amigo — europeos — em logar de — officiaes do exercito — como disse: e de facto não os quero, sem necessidade, no ultramar, pelo mal que fazem aos cofres, e officiaes dalli.

Eu bem sei que todos nós somos deputados da nação, mas tambem representâmos especialmente a porção da monarchia, por onde cada um de nós foi eleito: devemos preferir o bem geral ao local; mas se o bem particular de uma localidade se oppozer ao da localidade por onde algum de nós foi eleito, mesmo quando haja iguaes razões por um e outro, então intendo que um deputado deve pronunciar-se pelo interesse da localidade dos seus especiaes constituintes; ao menos assim o faço, e estou disposto afazer: eis pois o caso presente, e o modo de proceder a seu respeito.

Disse-se do banco superior, e deste, que já havia lei a respeito de ajudantes de ordens em objecto; logo foi justo o que por ella foi prescripto, e por que foi prescripto: sr. presidente, se esta argumentação valesse, as mãos dos representantes da nação estariam ligadas; seria quasi ocioso agora o poder legislativo; deviam fechar-se as portas do parlamento; não poderia partir de ninguem a iniciativa para abrogar, ou derogar lei alguma antecedente; só talvez o poder legislativo actualmente poderia remediar os casos omissos: não e assim, nem póde ser; a carta e contra estas consequencias, a practica tambem o é — a lei se póde sustentar pelas razões intrinsecas, que não por esta extrínseca. Peço licença ao meu respeitavel amigo o sr. D. Rodrigo para lhe dizer que a lei de 10 de setembro de 1846, a que se referiu, não foi feita no parlamento, mas sim foi um decreto da dictadura; e por conseguinte não houve a respeito della, em particular, discussão plena, que costuma ter-se na factura das leis, cujos projectos são apresentados em qualquer das duas casas do parlamento.

Disse-se que o serviço dos ajudantes de ordens no ultramar são insignificantes; se assim é, ainda que a minha opinião não é esta; se assim é, os illustres deputados, em vez de combater contra os 3 annos de serviço do projecto, deviam apresentar medidas para se lhes negar oposto de accesso, que senão deve dar a serviços, insignificantes; deviam propôr, que para uma commissão de tanta insignificancia não deviam ír para o ultramar officiaes do exercito de Portugal, e que os governadores deviam nomear para ajudantes de suas pessoas de entre os officiaes do ultramar; e eu, relativamente á India, agradeceria esta proposta, como benefica aos militares, e cofres dalli. Mas eu intendo que os ajudantes de pessoa, devendo ser da confiança daquelle, perante o qual servem, devem ser da livre escolha deste.

Disse-se, que tres annos prescriptos para os governadores tinham suas razões fundadas no alto cargo, que íam occupar; mas os ajudantes de pessoa só vão para ganharem postos de accesso, e por empenho. Eu -direi, que alguns dos governadores tambem vão para isso, e da mesma maneira; mas não me demorarei nisto. E verdade, que os ajudantes de ordens cá não tem posto de accesso; mas tambem cá os generaes, que se empregam nos governos civis, ou militares, ou nos commandos das divisões, não tem posto de accesso. (O sr. Gomes: — mas tem a pingue gratificação de 1 cento e tanto) Tambem os governadores do ultramar

tem comparativamente um pingue ordenado; logo a comparação daqui não colhe.

Tambem se argumentou — que o projecto vai causar prejuiso aos officiaes do exercito, que estão cá servindo nas fileiras, porque, depois de tres annos, os taes ajudantes entram para o exercito de Portugal, e tomam a direita aos que são mais antigos — não sei como isto seja. É um equivoco dizer-se, que elles entram depois no exercito de Portugal; elles são deste exercito desde o tempo da sua nomeação; levam na sua patente a clausula de — sem prejuiso dos que forem mais antigos — mas se no serviço de tres annos ha este mal, póde have-lo tambem no de seis annos; n'uma palavra, só o governo é que póde remediar estes males, se os ha, pondo em disponibilidade os officiaes que tiverem regressado do ultramar, quando, entrando nó effectivo serviço, possam cansar prejuizo aos que são mais antigos; é o que se tem feito até hoje.

Eu approvo este projecto, porque, além das razões já adduzidas pelo illustre membro da commissão, que o defendeu, elle beneficia os officiaes do ultramar, e os seus cofres.

O sr. ministro da marinha tem pendentes na secretaria varias representações dos officiaes de Gôa, queixando-se de que os officiaes do exercito de Portugal em commissão naquelle estado, entrando nas vagaturas, segundo uma ordem do exercito de Gôa de 1851, os privam do accesso; (O sr. Ministro da marinha: — Eu não mandei nenhum official para lá) é verdade, mas elles se queixam de entrarem nas vagaturas, os officiaes de Portugal alli existentes, e assim ficarem aquelles privados do accesso; (o sr. B. da Costa: — Apoiado) logo, se os ajudantes de ordens forem obrigados a servirem por 6 annos, tendo vindo depois de 3 annos com o novo governador, os do rendido devem servir nas fileiras; e por conseguinte indirectamente serão enviados para lá officiaes, que pretiram os officiaes do ultramar.

Beneficia-se tambem por este projecto os cofres do ultramar; vou mostrar como: se foram obrigados a servir seis annos, para não perderem o posto de accesso que tiveram, sendo rendido depois do triennio o governador a cujas ordens serviram, os cofres da respectiva provincia tem de lhes pagar por tres annos soldos fortes, e gratificações em moeda, quando tenham direito para estas; tem de pagar tambem aos ajudantes de ordens do novo governador vencimentos e gratificações em moeda forte; o que de certo se deve evitar, e não póde tolerar-se para algum individuo do exercito de Portugal não ficar prejudicado em sua antiguidade; o que parece que não se verifica á vista da clausula da patente do posto de accesso; nem se fere o pundonor militar, collocando-se á direita dos que forem mais antigos; porque o governo neste caso póde e costuma adoptar medidas para se evitar a offensa do milindre militar.

O sr. ministro actual da fazenda, quando ministro da marinha, estabeleceu, por decreto de 15 de julho de 1851, que não seriam nomeados officiaes para o ultramar, sem haver vagatura. (O sr. Ministro da fazenda: — E não cumpri?) Cumpriu perfeitamente; mas o motivo que presidiu a esta medida salutar, foi o principal de os cofres das provincias ultramarinas estarem muito onerados. O mesmo sr. ministro, por portaria ou decreto de 23 de fevereiro de 1852, determinou que, visto estarem sobrecarregados os

Página 337

— 337 —

cofres das provincias ultramarinas (são palavras do preambulo da dita disposição), e haver em todos constante deficit, os officiaes passados ao exercito de Portugal vencessem só como officiaes da provincia, onde servem, que não as vantagens e soldos dos do exercito de Portugal, senão só quando regressarem, e se pozerem debaixo da direcção do ministerio da guerra. Bem se vê que o deficit dos cofres publicos do ultramar, o onus de que estavam sobrecarregados, motivaram estas disposições. Terão agora desapparecido estes ponderosos motivos? Não, senhor; elles continuam: e se continuam, devem merecer a consideração da camara, para não ficarem onerados os cofres publicos do ultramar; não é justo, não é decente que se sujeitem a tão pesado onus, não para sua utilidade, mas para se evitar um apprehendido prejuizo de algum official daqui. Como se diz que deu a hora, eu acabo, votando a favor do projecto, principalmente porque pejo projecto se evita o prejuizo dos officiaes do ultramar, quer europeos, quer filhos das provincias; e ainda mais porque se evita o prejuizo dos cofres publicos do ultramar.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda-feira é a continuação da de hoje; quero dizer a continuação do projecto n.° 30, os projectos n.ºs 36 e 62, e tambem o n.º 38 sobre o real de agoa, que ficou adiado para segunda-feira, e o n.º 43 sobre o lançamento da siza predial. Está levantada a sessão. — Eram 4 horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×