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Discursos do sr. Mártens Ferrão, proferidos nos dias 20 e 21 de dezembro, e que se deviam ler nas sessões n.°s 16 e 17 d'este vol.

O sr. Mártens Ferrão: — Sr. presidente, antes de dar começo ás reflexões que tenciono expender sobre os diversos pontos da resposta ao discurso da coroa, não posso deixar de registar uma declaração feita pelo nobre ministro da marinha, por parte do governo, e peço a attenção de s. ex.ª, porque desejo saber se sou exacto na maneira por que a comprehendi.

O nobre ministro da marinha declarou que o governo não havia procurado a interferencia da Inglaterra, porque entendeu que a Inglaterra não poderia interferir por parte de Portugal na desagradavel questão Charles et Georges, attentas as circumstancias em que se achava em relação á Asia, onde tinha um exercito de cerca de cem mil homens, e não poderia de certo complicar-se n'uma guerra com a França; foi esta a declaração do nobre ministro, por parte do governo. Temos pois como rasão suprema, que determinou o governo a não procurar, a não requerer a interferencia da Inglaterra, como lhe davam direito os tratados, a circumstancia simplesmente de ter entendido que a Inglaterra não poderia interferir em consequencia de ler grossas forças na Asia, e não poder complicar-se n'uma guerra com a França! Esta declararão do nobre ministro, que eu repeti e que s. ex.ª não retirou, serve-me, porque é sobre ella que tenho de basear tudo quanto houver de dizer sobre esta materia.

Sr. presidente, eu não sabia se o governo pedira a interferencia, se a não pedíra; sei que o direito existia, e era indispensavel requerer a sua execução! (Apoiados.) Quem tem direito a exigir obrigações, se tem interesse em torna-las -effectivas, deve provocar o seu cumprimento, porque póde dar-se a circumstancia que o terceiro, que tem o dever, duvide se o individuo que tem o direito quer usar d'elle.

Sr. presidente, eu não posso entrar na ordem das reflexões que a materia especial da resposta ao discurso da throno suscita, sem que primeiro levante as impressões desagradaveis que foram lançadas em relação á opposição, por parte do cavalheiro (membro da commissão) que encetou o debate, em defesa do governo, cavalheiro que eu muito respeito e de que muito me honro de ser collega. S. ex." pretendeu lançar um grande desfavor sobre a opposição, dizendo que ella vinha discutir a resposta ao discurso do throno n'uma occasião tão critica, quando essa resposta não devia ser outra cousa senão um mero cumprimento ao supremo chefe do estado; que a opposição não devia ter instado pela apresentação dos documentos; que a imprensa julgou a questão sem esses documentos, julgou-a a opinião publica; a opposição apoucou esta questão, fazendo d'ella questão politica, ou pessoal; finalmente fosse qual fosse a maneira por que a questão internacional fosse conduzida, o seu resultado havia de ser sempre o mesmo. Foram estas as proposições do nobre deputado.

Em quanto á materia, s. ex.ª, creio eu, partidario de que ella não devia ser discutida, não a discutiu. Mas, sr. presidente, eu não posso deixar de seguir estes pontos para levantar a impressão desagradavel que o illustre deputado veiu lançar em referencia á opposição. Não é, quando se trata de uma materia d'esta transcendencia, que póde querer fazer-se lançar o odioso sobre cavalheiros que têem sempre discutido todas as questões de uma maneira franca, (Apoiados.) e que não derivam por certo a responsabilidade das suas idéas!

Sr. presidente, nós não deviamos discutir a resposta ao discurso do throno, porque era um mero cumprimento ao supremo chefe do estado. Fosse essa reflexão do governo e da sua commissão! Se a commissão queria que se não discutisse a resposta ao discurso do throno, ou se a suppunha como um mero cumprimento, fizesse assim a sua resposta; mas a commissão formulou proposições affirmativas, que os homens que dissentem da politica do governo e das suas idéas de administração não poderiam votar, taes como estão; não farei mais do que referir-me a dois periodos: — «Causa-lhe (á camara) satisfação saber que os progressos das obras publicas não têem soffrido interrupção...»

O que é isto, sr. presidente, senão uma proposição affirmativa da parte da commissão, que não póde ser votada como um mero cumprimento!

Diz mais a illustre commissão: «A camara folga de ver que a revisão das pautas, a emigrarão, o processo judicial, o credito, o recrutamento, a lei eleitoral, as colonias e a instrucção publica mereceram a particular solicitude do governo;» Não é uma proposição affirmativa? Mas onde estão as propostas do governo em toda esta vasta serie? Não será necessario por consequencia uma declaração positiva da camara em relação a este ponto?

Formulando assim a resposta ao discurso do throno, seria possivel que os cavalheiros que dissentem da marcha do governo a podessem approvar sem a discutir? (Apoiados.) Pois que se diria, quando elles aqui levantassem qualquer questão sobre a viação, sobre a instrucção publica... que se diria? «Vós votastes a resposta ao discurso do throno, e votando-a approvastes a marcha que o governo linha seguido.» Quando a resposta á falla do throno assim se formula, não está auctorisado o illustre deputado, nem a commissão que a redige a lançar desfavor sobre a opposição, porque discute essa mesma resposta; discute-a porque o governo e a sua commissão tornou forçada a situação da opposição n'este campo. (Apoiados.) Mas, sr. presidente, a opposição tambem não devia ler pedido os documentos!!.. e o illustre deputado comprehendeu immediatamente, que se pediam todos os documentos com tanta instancia, que de certo d'aqui se queria fazer uma questão fundamental. Não foi a opposição que pediu os documentos; prometteu-os o augusto chefe do estado, e o governo não podia apresentar n'esta casa a resposta, sem satisfazer a promessa que ali se encontra", porque o discurso da corôa é da responsabilidade do governo. (Apoiados.) O governo mandou para a mesa documentos manuscriptos; nós pedimos mais, e eu propuz que todos fossem impressos, e o que se fez? Votou-se este pedido por unanimidade, votaram-no mesmo os nobres ministros, votou-o tambem o illustre deputado, e depois argue que se tivesse instado para que esses documentos fossem publicados, quando essa proposta tinha merecido as sympathias de toda a camara, e as de s. ex.ª!.. Porque não se levantou n'essa occasião o illustre deputado e declarou que não se conformava com aquella idéa? Mas disse o illustre deputado = que a imprensa e a opinião publica não carecera d'esses documentos para fazer o seu julgamento =. O juizo da imprensa e da opinião publica não é o juizo da camara, o seu effeito é só moral, e o juizo da camara é legal; (Apoiados.) por consequencia o argumento não procede. Mas a opinião publica e a imprensa se julgou foi tambem porque conhecia os documentos essenciaes, porém conhecia-os extra-officialmanle, e esse conhecimento não é bastante para um parlamento. Finalmente, sr. presidente, nós apoucámos a questão!. mas a discussão é que ha de provar se nós a apoucámos! Permitta-se-me ainda instar: seria acaso rasoavel, seria em harmonia com o amor da patria que deve acompanhar os representantes da nação que o congresso nacional reunido, quando o chefe do estado lamenta com elle no seu seio as tristes occorrencias que tiveram logar, passasse de leve sobre este ponto; não sustentasse a sua posição de dignidade, não levantasse o seu brado em defesa ao direito do seu paiz! Que se diria nos outros parlamentos! Quando não houvesse outra rasão para discutir a resposta ao discurso do throno,

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bastava esta. Mas disse-se, que deviamos esperar para quando se apresentasse o bill de indemnidade. Aonde esta elle apresentado? Se o governo o tivesse já trazido ao parlamento; se a illustre commissão já sobre elle houvesse dado o seu parecer; se tivesse sido dado para ordem do dia, creio que poderia ser espaçada a questão n'este ponto para aquella occasião; mas agora que esse bill não lei ainda apresentado pelo governo (e quando o será elle!), seria agradavel para o paiz estarmos aqui reunidos e passar-se uma sessão inteira talvez, sem o discutirmos? Pois é a primeira vez que a administração deixa passar uma sessão sem pedir um bill de indemnidade de que careça? Não podia acontecer mesmo o que tem tido logar muitas vezes, vir esse acto official quando a sessão já está muito adiantada? Eu não creio que fosse rasoavel protrahir por mais tempo esta discussão, em que primeiro que tudo esta empenhada a sustentação do nosso direito, e o protesto dos representantes do paiz contra a violencia que nos foi feita. (Apoiados.)

Sr. presidente, lenho-me referido quanto é sufficiente ás unicas reflexões que foram feitas por parte da illustre commissão no principio d'este debate. Em seguida direi que concordo com todos os argumentos apresentados pelo sr. Pequito, quanto á sustentação do nosso direito; e creio que um dos pontos obrigados n'esta questão, e a sustentação d'elle, porque, sr. presidente, as nações não são grandes pela força, mas pela rasão e justiça. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu não quero entrar desde já na discussão d'esta importante materia; antes d'isso tenho que fazer algumas reflexões sobre alguns pontos importantes, mencionados no projecto de resposta, porque desde ha muito que se não apresenta n'esta camara uma resposta que exija tanta attenção e meditação da parte da camara, e que loque pontos de tanta transcendencia.

Apresenta-se uma serie de factos do maior alcance, consummados alguns d'elles infelizmente; apresenta-se uma serie de resoluções pendentes e instantes de que dependem os mais importantes negocios publicos; apresenta-se finalmente um programma promettendo-se n'elle uma serie de melhoramentos consideraveis. Para entrar na apreciarão do passado e do presente, tracemos o quadro do estado em que se acham os negocios publicos.

Percorramos a marcha do governo debaixo do ponto de vista das nossas relações externas.

O padroado portuguez no Oriente...

O padroado portuguez, sr. presidente, desde que começaram as negociações diplomaticas a seu respeito, mereceu sempre especial menção no discurso do throno. O governo dava assim conta ao parlamento e ao paiz de que um objecto de tanta transcendencia havia merecido a sua solicitude. Actualmente o governo, quando apresentava ao parlamento a exposição dos actos mais importantes da sua administração, pareceu requerer este ponto grave das relações internacionaes. Debaixo d'este ponto de vista a illustre commissão mostrou querer irrogar uma censura ao governo, addicionando o que a este havia esquecido; e exigindo a diligencia e o emprego dos meios necessarios para a conservarão do padroado.

Eu lamento que o padroado do Oriente lenha sido tão descurado pelos nossos governos; a elle está vinculada uma parte das nossas glorias de outra epocha, porque o padroado é um energico testemunho da religiosidade e illustração dos nossos maiores, que não se esqueciam de levar a par da conquista a religião e a moralidade. Mas o padroado portuguez não é para nós só um brazão historico, e um testemunho da nossa religiosidade e illustração; e ainda um dos nossos direitos mais apreciaveis e mais importantes, considerado politica e administrativamente. A conservação e a paz das nossas possessões da Asia esta vinculadaá sustentação do nosso padroado; mas infelizmente ao governo portuguez este importante objecto não tem merecido a solicitude que em si, e pelas circumstancias peculiares em que se acha, deveria merecer. Não ha na Asia um prelado sagrado, um só! Não são mandados missionarios!... Pois se queremos sustentar com força o padroado, e mister que comecemos por cumprir os deveres de padroeiros.

Nas nossas relações externas encontro ainda a desagradavel occorrencia que levou o governo á entrega da barca Charles et Georges; mas da sua apreciarão occupar-me-hei mais de espaço depois de fazer ainda algumas reflexões sobre pontos importantes da resposta ao discurso do throno.

Sr. presidente, Portugal e um dos paizes da Europa que ainda hoje tem possessões mais importantes nos mares da China, estabelecidas ali desde muito tempo, com um commercio importante e consolidado, e susceptivel por isso de alcançar o maior desenvolvimento. Agitou-se uma importante questão de duas nações poderosas contra a China. Todos preveram as vantagens que a final deveriam ser obtidas por aquellas duas nações. Portugal n’esta conjunctura estava nas circumstancias de as obter tambem, e nada se fez! Lamento que se deixasse perder occasião tão opportuna de nos fazer representar de uma maneira digna e conveniente ao paiz. Os recentes tratados ahi estão, por elles se verá o que poderiamos ler conseguido, mas o que infelizmente não conseguimos, porque este importante ponto foi completamente abandonado. Não sei se conviria tomar parte na guerra, as circumstancias é que o deveriam indicar; sei sim que o governo não devia ler abandonado um objecto que qualquer homem de estado saberia bem prever ser de grande vantagem para Portugal.

O Piemonte não e nação grande pela sua extensão territorial, não dispunha de muitos recursos, acabava mesmo de soffrer um grande revez, sendo abatido no campo da batalha; agita-se a guerra do Oriente, guerra de um resultado summamente problemático, e o Piemonte, por um passo arrojado, consegue elevar-se a ler logar no congresso de París. Nós, sr. presidente, n'uma questão nada problematica, infinitamente inferior, quanto aos recursos que demandava, nós que poderiamos obter vantagens iguaes ás que obtiveram as duas nações que foram aos mares da China, contentamo-nos com não tomar parte alguma diplomatica n’estas importantes occorrencias! E o governo sobre este objecto guarda ornais completo silencio!...

Sr. presidente, debaixo do ponto de vista das relações internacionaes, o ponto mais importante que nós temos, a questão mais vital que se agita hoje talvez no paiz, é a questão das linhas ferreas. O futuro do Portugal está-lhe entregue. A linha que nos deve ligar com a Europa é de corto aquella de que ha de resultar o nosso desenvolvimento economico; é ella que ha do provocar com facilidade o complemento das nossas linhas internas, e collocar-nos n'uma posição favoravel, em relação ao resto da Europa.

Pois, sr. presidente, ha dois annos que senão diz uma palavra do estado em que se acha essa negociação com o reino visinho! Na sessão passada provoquei expressamente declarações do nobre ministro das obras publicas, mandei mesmo por escripto para a mesa perguntas importantes a s. ex.ª; mas o nobre ministro respondeu a outras, a respeito d'esta, porém, nem uma palavra se lhe ouviu. Seria negociação de tanto segredo que uma palavra não podesse ser dita a este respeito? O que se póde induzir d'aqui é que esta negociação encetada antes da gerencia do actual gabinete, hoje acha-se provavelmente abandonada.

Eu folgo de ver que o nobre ministro das obras publicas presta attenção, porque desejo que s. ex.ª de explicações, mesmo porque as ficou devendo da sessão passada.

Percorri rapidamente o quadro das nossas relações internacionaes, n'ellas só encontrei o mais lamentavel abandono. Nem ao menos a maior parte mereceu menção honrosa do governo; tanto o seu esquecimento foi profundo! Qual ha de ser o voto do parlamento a este respeito?

Mas, passando das relações internacionaes para as relações internas do paiz, o quadro não me parece mais agradavel. Referir-me-hei primeiro ás obras publicas, visto que em relação a ellas a illustre commissão propõe á camara um voto de louvor para o governo.

Que é feito, sr. presidente, das nossas negociações em relação ao caminho de ferro do norte? Que providencias tomou o governo em rolarão ao caminho de ferro de Cintra? (Apoiados.) Em 18 de agosto de 1857 foi assignado definitivamente

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o contrato ácerca do caminho de ferro do norte; desde então até agora, que se tem passado a este respeito? São decorridas duas sessões inteiras, e uma já vae em dois mezes, e o governo não veiu ainda dar conta ás côrtes, como lhe incumbia em vista da lei! Não é por descuido nosso, porque lhe foi pedida na ultima sessão da camara dissolvida; pedida na sessão passada, e pediu-se mais de uma vez, e o governo nunca disse em que eslado se achava esta negociarão. Qual é o pensamento do governo? Existe ou não o contrato? Existe apenas uma proposta no seio da commissão de obras publicas, sobre a qual ella não deu ainda o seu parecer, lendo decorrido muitos mezes, e sendo o seu objecto de tanto interesse para o paiz.

Sr. presidente, não sei porque rasão a proposta lá existe; e da responsabilidade da illustre commissão vir aqui dizer, ou que tem embaraços para não poder dar parecer sobre essa proposta, porque o sr. ministro não podéra assentar sobre um ponto definitivo, ou então declarar que apresenta um parecer a respeito d'ella. Não é projecto daquelles que possa dormir no seio da commissão...

O sr. Gaspar Pereira da Silva: — Peço a palavra para uma explicarão.

O Orador: — Creio que é uma negociarão de tão grande importancia que exige a mais energica iniciativa do governo. Mas, sr. presidente, não é só a questão do caminho de ferro de leste, é tambem a questão do caminho de ferro de Cintra que tem ficado será solução. O praso tem terminado duas ou tres vezes, as obras estão paradas, apenas trabalham sete ou oito creanças na Boa Viagem... isto não é uma sustentarão séria e decente daquelle contrato. E que tem feito o governo? Temos ou não contrato? Desde que nós fiscalizamos tão mal os nossos pontos mais importantes da administração interna do paiz, collocamo-nos na posição de qualquer especulador poder vir ao nosso paiz tomar emprezas de grande monta, embaraçando a marcha do governo e aproveitando um ensejo para a sublocação do contrato, quando circumstancias vantajosas se offerecerem; (Apoiados.) é isto o que não estou disposto a sanccionar. (Apoiados.)

Não sei como a illustre commissão de resposta ao discurso da corôa póde entender, em vista do que fica dito, que lhe causa satisfação saber que o progresso das obras publicas tem continuado.

Mas não é só em relação ás linhas ferreas, e em relação ás outras obras publicas do paiz que se nota grande descuido; e appello para os deputados da provincia. Todos sabem que a imprensa periodica em quasi todo o paiz lamenta o atrazo em que se acham as nossas obras publicas; lamenta-o quasi toda ella; e a illustre commissão felicita-se pelo seu grande progresso! Mas não sou eu que digo que as obras publicas não teem progredido; são os actos officiaes do governo.

Em agosto proximo passado veiu o gabinete pedir a esta rasa auctorisação para levantar um emprestimo de 1.800:000$000, não lhe disputei o emprestimo, porque votei por 1.400:000$; disputei só os meios para o imposto e o systema d’este. Dei o meu voto ao governo, voto faccioso, como provavelmente seria julgado por pertencer á opposição... e deram-lhe igual voto muitos dos meus collegas d’este lado da camara. E o governo n’essa occasião disse aqui, que sr lhe cerceavam a verba que propunha, como era que havia de desenvolver as obras publicas em grande escala? Que não podia esperar até nova convocação da camara, para não suspender o progresso dos trabalhos.

Pois, sr. presidente, a 10 de novembro tinha o governo levantado, segundo o relatorio mandado para a mesa pelo sr. ministro da fazenda, 816:000$000 por conta d'este emprestimo; e sabe v. ex.ª quanto sr linha dado para obras publicas, segundo um documento official do governo? 396:000$ até 10 de novembro, addicionando-se-lhe mais 50:000$000 de antecipações por conta d'este emprestimo. O nobre ministro quer naquelle mappa comprehender mais 40:000$000, gastos na limpeza dos canos, que eu declaro que não podem entrar n’este emprestimo, porque os 50:000$000 para a limpeza dos canos da cidade foram auctorisados por uma lei especial. Temos pois 146:000$000 gastos em obras publicas por conta de 816:000$000, que o governo levantou. Digo eu, sr. presidente, que o governo consumiu o resto nas despezas correntes?... Não digo: os srs. ministros hão de apresentar as suas contas ao parlamento, e então saberemos se essa quantia estava em ser na mão do sr. ministro da fazenda. O meu argumento não é agora sobre a responsabilidade do governo—se desviou ou não os fundos votados para as despezas correntes, porque não faço arguição sem fundamentos; o meu argumento é que veja a camara que o governo, que viera pedir grossas sommas para fazer face ás obras publicas, só n'estas gastou 445:000$000, entrando n'isso a despeza com o caminho de ferro do norte.

Aqui esta como as obras publicas tiveram esse grande desenvolvimento que lhe marca a commissão!

Eu sinto, porque respeito summamente o caracter dos nobres ministros, que isto assim seja, e se arguo ss. ex.ªs em cumprimento do meu dever é por não concordar com a marcha do seu governo, não lendo intenção nem desejo de lhes fazer offensa. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Mas, em cumprimento do mandato que me trouxe aqui, tenho obrigação de dizer a verdade aos meus constituintes, de fundamentar o meu voto, uma voz que dissinto da marcha do governo; voto que darei a ss. ex.as logo que destruam as minhas apprehensões, podendo inaugurar um systema de administração que satisfaça as necessidades do paiz.

Como quer a camara que eu aprecie as obras publicas se ha dois annos não ha um relatorio; se o ultimo appareceu quinze dias depois da entrada do actual sr. ministro das obras publicas, o não se menciona n'elle nenhum acto da administração de s. ex.ª; se nada tem osso trabalho com s. ex.ª? O nobre ministro diz que publica documentos officiaes no Diario do Governo. Todos nós sabemos que os documentos publicados na folha official não comprehendem a vasta rede dos objectos que devem entrar n'um relatorio das obras publicas. Eu lamento que s. ex.ª a quem não fallam dolos, intelligencia e capacidade, não tenha emprehendido um trabalho d'esta ordem, e que não o lenha apresentado, debaixo d'este ponto do vista, de um modo satisfatorio.

Não discutirei o estado da fazenda publica, porque a illustre commissão sobre ella não fundamenta o seu voto; refere-se apenas ao restabelecimento do credito. Mas a respeito da fazenda publica, na sessão passada tive occasião de provar (do que não fui desmentido), que a divida fluctuante tinha subido n'uma escala tal, que não comportava proporção com o que tinha acontecido durante as outras administrações. Hoje não sei em que estado ella se acha; já pedi que fosse mandado a esta casa um mappa d'esse estado, e, com quanto ainda este pedido não tenha sido satisfeito, creio que o sr. ministro da fazenda mandará aquelle mappa logo que possa. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) Lamento todavia que, em um dos documentos officiaes apresentados pelo governo n'esta sessão, appareça uma opinião em opposição com as ideas manifestadas unanimemente por esta camara — de que os impostos addicionaes não fossem senão provisorios; lamento que o governo, faltando a este principio emittido na discussão, debaixo da promessa do qual foram votados aquelles impostos, hoje apresente esses addicionaes como devendo ser, talvez, permanentes. Mas não pára aqui o quadro da administração do paiz.

No discurso da corôa apresentam-se dois periodos, um referindo-se a medidas já apresentadas pelo governo, o outro a medidas que hão de ser por elle apresentadas. A commissão de resposta reuno estes dois periodos n'um só, e lança sobre elles o mesmo voto que podia lançar, se quizesse, sobre as que já estão apresentados, mas não sobre as que ainda o hão do ser. Fallo, por exemplo, na instrucção publica. Pois nós lemos alguma medida sobre instrucção publica apresentada pelo governo? Que se tem feito sobre instrucção publica? Na sessão passada, por occasião da discussão ela resposta ao discurso da corôa, apresentei eu uma moção, na qual declarava que a camara sentia o estado d’este negocio, e esperava que o governo não protelasse por mais tempo a apresentação

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de medidas sobre tão importante assumpto: sabe v. ex.ª qual foi o resultado? Foi que a minha moção teve 16 votos a favor, e que o governo só teve uma maioria de 6 votos, entrando os dos srs. ministros! Tanto tinha calado no animo da camara esta circumstancia especial que senão dava a respeito de outros assumptos.

Sr. presidente, quatro vezes o governo tem feito menção d'este objecto; quatro vezes tem promettido apresentar medidas a este respeito, sem que até hoje taes medidas tenham apparecido. Na primeira vez que se abriu a camara depois dos srs. ministros actuaes estarem á testa dos negocios publicos, promettia-se na falla do throno que ao parlamento seriam apresentadas medidas ácerca da instrucção publica; encerrou-se a camara sem o governo ter apresentado taes medidas, e no discurso de encerramento mostrava-se sentimento porque se não tivesse prestado á instrucção publica consideraçao alguma. Pois quem era o competente para apresentar essas medidas senão o governo como mais conhecedor das necessidades publicas a este respeito?

Veiu a nova abertura da camara, e o governo envergonhou-se de fallar no discurso da corôa em similhante negocio. Hoje torna na falla do throno a fazer menção da instrucção publica. Lembra-me agora que na outra casa do parlamento foi promettido por um illustre ministro da corôa a apresentação dentro em poucos dias de um projecto sobre instrucção primaria, mas até hoje são passados talvez oito ou nove mezes sem que esta promessa se tenha realisado!

Pois, sr. presidente, o paiz precisa muito de vias de communicação, precisa muito de obras publicas, mas precisa tambem e muito de instrucção publica. (Apoiados.! Parece-me pois que é este um assumpto em que a camara toda deve levantar-se como um só e exigir do governo com a maior brevidade possivel medidas que satisfaçam. (Apoiados.)

O exercito! Pois é possivel tolerar-se o estado em que se acha o tributo de sangue?! Pois nós lemos uma lei de 1855, que começou a ter execução em 1856, uma lei que distribuía igualmente este tributo, e é possivel que o exercito esteja lodo composto de homens que, rigorosamente fallando, á face dos principios moraes, estão fóra da lei?! Os contingentes teem sido votados, e nenhum tem sido preenchido! E porque a lei é inexequivel? De certo que não; é porque a não lêem querido executar. No Algarve tem-se realisado o recrutamento, e dizem-me que com toda a exactidão; em Evora consta-me que tambem se tem cumprido a lei, e todavia nos restantes pontos do reino não se tem feito o recrutamento; porque é isto? É porque a lei não é exequivel? Não; é porque as auctoridades abusam; não póde srr de outra maneira, e esse abuso das auctoridades dá em resultado pesar o tribulo mais rigoroso que paga o cidadão, unicamente sobre uma classe da sociedade.

Ha outras ordens de melhoramentos que eu vejo que a commissão aponta, e felicita o governo por os apresentar.

A reforma do processo civil onde está?! O registo civil? A commissão não falla d'elle, mas é este um assumpto a que eu ligo uma grande importancia.

A lei eleitoral. Depois do que se tem passado em eleições, era tempo de se apresentar alguma cousa a respeito da lei eleitoral. O governo promette, e a commissão já se felicita com elle por essa medida que o governo diz ter tenção de apresentar, mas de que ainda não ha conhecimento.

Por consequencia sobre todos estes pontos, a respeito dos quaes a commissão apresenta um voto de louvor ao governo, eu não posso ligar-me com ella, e tenho pelo contrario de dar o meu voto contra o projecto de resposta n'esta parte.

Não posso demorar-me mais tempo sobre o quadro geral em que se acha o paiz com relação ao nosso estado interior, porque tenho de me occupar mais de espaço de um ponto que prende toda a nossa solicitude, e que, póde dizer-se, n’esta occasião, quasi que absorve todas as nossas attenções; refiro-me á infeliz questão da tomada e entrega da barra franceza Charles et Georges.

Sr. presidente, eu não irei historiar os fartos a respeito d'este deploravel acontecimento, e antes de dirigir a palavra sobre a maneira por que o governo se houve n’este negocio, hei de sustentar, quanto em minhas forças couber, o nosso direito em frente das exigencias, a meu ver violentas, da nação franceza. Portugal tinha em sua defeza a justiça dos principios e o direito escripto; tinha para os tornar effectivos a força das convenções internacionaes, que determinam o direito das gentes; tinha a força dos tratados especiaes com uma nação amiga, que a obriga a fazer sua a causa de Portugal. Como fez o governo valer estes recursos? É esta toda a questão da responsabilidade ministerial.

Mas eu disse que a nossa causa era protegida pela justiça e pelo direito escripto, e sobre isto seja-me licito dizer duas palavras.

Sr. presidente, Portugal, grande em outras epochas pelo seu poder, e hoje grande pela sua brilhante historia, era uma das nações que maiores recursos podia tirar e effectivamente tirou do commercio de escravos; possuindo vastas colonias, n’ellas fazia o commercio de importação e exportação; mas, se isto assim é, como não póde duvidar-se, tanto maior é a nossa gloria, porque foi Portugal a primeira nação que arvorou a bandeira da emancipação dos escravos. Quando em 1772 a jurisprudencia ingleza declarou livre o homem que pizasse o solo inglez, já Portugal ha muito havia arvorado esse mesmo principio. Quando a França em 1791 decretou livre o homem que habitasse a França, Portugal já tinha precedido a essa nação nas mesmas idéas: são as nossas leis de 8 de maio de 1758, 2 de abril e 19 de setembro de 1761, e 16 de janeiro de 1773; por ellas tirou livre o escravo que viesse habitar o territorio de Portugal, os filhos dos escravos que ahi nascessem, o extincta a servidão que se pretendia impor aos colonos do Brazil o da Asia. Quando a França, como ha pouco disse, pelo esforço de uma revolução, levantou o principio absoluto da liberdade, achou ainda a servidão adstricta á gleba o transmissível com o dominio, Portugal já ha muito havia estendido aos colonos do Brazil e da Asia a benefica influencia daquelle principio; no continente a nossa illustração e moralidade, e as nossas sabias Íris nunca permittiram que similhante principio de humilhação fosco introduzido. Portugal pois precedeu muito no reconhecimento dos fóros da humanidade as duas nações a que me referi.

Quando a Inglaterra em 1810, estendendo mais as suas deliberações de 10 e 21 de junho de 1806, pretendeu dar um golpe completo na escravatura, provocou a annuencia de Portugal, e achou-o a seu lado, ainda que fraco e perdendo nos seus interesses. (Apoiados.) Annuiu só aos desejos da Inglaterra n'esse glorioso empenho. Quando cinco annos depois as nações signatarias do tratado de París convieram no tratado de Vienna, em uma simples promessa de empregar esforços para acabar a escravatura, Portugal já as havia precedido do uma maneira bem mais positiva n’este vasio empenho.

Sr. presidente, estes factos collocam o nosso paiz em uma posição muitissimo especial, porque se apresenta como a primeira nação n’este grande passo dado pela Europa, e deveriam elles fazer com que fosse tratado com mais respeito o attenção por nações que não teem mais moralidade, (Apoiados.) nem mais illustração. Quando foi necessario plantar a civilisação nas duas partes do mundo, onde não reinava senão as trevas e o obscurantismo, Portugal foi na fronte da Europa. (Apoiados.) Quando foi necessario ir propagar o catholicismo, Portugal precedeu a todos; quando foi necessario acabar com a escravatura foi Portugal o primeiro a dar osso passo.

Estas recordações historicas que transportam os homens, que não podem viver só do que é material, devem compensar-nos da maneira com que fomos (ralados por uma nação amiga. Não é vergonha ser humilhado por sustentar uma grande causa!

Mas, sr. presidente, Portugal, prohibindo a escravatura directamente no territorio portuguez, satisfez ao seu dever, satisfez ás condições internacionaes e aos principios geralmente seguidos na Europa.

Todos sabemos os passos que a Europa tem dado n’este vasio empenho de resgatar uma parte da humanidade. Portugal pelos tratados que já notei, e pelo decreto de 10 de dezembro de 1836, tratado de 3 de julho de 1842, e subsê-

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quentes decretos e portarias. As nações signatarias do tratado de París, pelo de Vienna de 8 de fevereiro de 1813. Posteriormente a Hespanha pelos de 1817 e 1835. Os Paizes Baixos pelo de 1818. A Grecia pelo de 1824. A França pelos de 1831, 1833 e 1815. A Austria, a Prussia e a Russia pelo de 1811.

A opinião pois da Europa esta formada, o seu direito constituido; o trafico em si, ou as operações que inevitavelmente o promovem estão condemnadas pelo direito e espirito geral da Europa.

Portugal pois, prohibindo-o em ambos aquelles campos, cumpriu as suas leis e satisfez ao direito europeu.

Mas Portugal tomou pelos seus tratados e pelas suas leis, compromissos muito especiaes a este respeito; resulta d’esses compromissos e d’essas prescripções:

Primo, que o trafico da escravatura feito em territorio portuguez 6 considerado crime de pirataria, e sujeito ás penas respectivas do decreto de 1836; é expresso o artigo 15.° do tratado de 3 de julho de 1812.

Resulta, secundo, do artigo 10.º do decreto de 10 de dezembro de 1836, que ha uma serie de pescripções n'aquelle decreto, que constituem o nosso direito maritimo. Lerei este ponto do nosso direito.

« Os capitaes de navios mercantes, que forem a qualquer dos portos dos mencionados territorios, logo que fundearem serão obrigados a mandar cada um o passaporte do seu navio á auctoridade superior da alfandega respectiva, que conservará em seu poder até ao dia da saída do navio a que elle pertence.

«§ 1.º No dia da saída do navio entregará a dita auctoridade o passaporte d’elle a um dos officiaes da mesma alfandega, para que este, passando a bordo do navio, e lendo achado pela revista que deve passar, que elle não conduz escravos, nem tem a seu bordo objectos dos mencionados na relação annexa a este decreto, entregue o mesmo passaporte ao capitão no acto de se fazer de véla, e depois de ter suspendido.

« § 2.º Achando porém o mesmo official a bordo escravos, cuja exportação é prohibida por este decreto, ou algum dos objectos mencionados na sobredita relação, fará deter o navio e dará parte á auctoridade superior da alfandega para se proceder na conformidade do mesmo decreto.»

O que fica expendido fixa e determina claramente qual seja o nosso direito maritimo a este respeito.

Mas, sr. presidente, qual é a posição da França nas suas relações commerciaes a este respeito? É este um dos pontos mais importantes da questão, e que determina perfeitamente o nosso direito. A França reconheceu a competencia do nosso direito maritimo para o seu commercio. E o tralado de commercio entre Portugal e a França de 9 de março de 1853, que não deixa duvida alguma sobre esta materia. No artigo 30.° d’esse tratado se fixa qual seja a posição do commercio particular francez em relação ao nosso direito maritimo; diz-se ali: «Em tudo o que respeita á policia dos portos, carregamento e descarga dos navios, segurança das mercadorias, bens e effeitos, os cidadãos dos dois paizes serão respectivamente sujeitos ás leis e estatutos do territorio.» Quando puis os navios francezes se acham nos nossos portos, estão sujeitos á legislação portugueza e á applicação dos principios da nossa legislação, a respeito de condemnação nos crimes de pirataria. Eu não creio que se possa saír d’este campo, é um campo em que a França conveiu, porque contratou comnosco debaixo d’estas bases.

O navio Charles et Georges por consequencia entregue ao commercio particular, como hei de provar, desde que entrou em porto ou mar portuguez, ficou sujeito ás prescripções do tratado de 1853, e por isso nos termos d’elle sujeito ao nosso direito maritimo; mas este, na materia de que se trata, acha-se fixado no decreto de 1836, como fiz ver. Ha alguma cousa em relação á barca Charles et Georges que prove que se cumpriu alguma daquellas condições? Nada, completamente nada.

Mas ha mais; e vejamos agora a questão debaixo de um outro ponto de. vista em relação ao direito. Eu quero mesmo suppor que não existisse tratado de commercio entre Portugal e a França, desejaria ver se debaixo do ponto de vista em que vou encarar esta questão tambem os publicistas francezes vem collocar-se n'uma posição especial em apoio da França.

O navio Charles et Georges, fazendo o trafico em a nossa terra, comprando escravos pertencentes a donos, a quem eram roubados, apresentando-se sem as condições marcadas nas nossas leis, commetteu o crime de pirataria; assim é classificado pelas leis portuguezas o crime que elle commetteu, e nós é que somos os juizes do direito criminal em a nossa terra. (Apoiados:) Quando apresento esta idéa não apresento uma phantasia, apresento o direito europeu, apresento a opinião unanime, posso dize-lo, de todos os criminalistas, de todos os auctores de direito das gentes. Não serei eu que o diga, que a minha voz não é sufficientemente auctorisada para isso, ha de dize-lo um auctor insuspeito á França, que talvez não fosse consultado n’esta occasião! refiro-me a mr. Foelix no seu tratado de direito internacional privado (pag. 555 edição de 1852), obra a mais importante que conheço n’este objecto; diz este auctor:

«Qualquer estrangeiro póde ser perseguido no estado onde residir momentaneamente, em rasão de crimes ou debitos por elle commettidos no mesmo estado. Em materia criminal bem como em materia civil, o poder legislativo e o poder judicial de cada nação, param na fronteira do territorio, e não podem exercer seus effeitos rios paizes estrangeiros; mas estes dois poderes estendem-se sobre todos os individuos que se acham no territorio, ou elles sejam reinicolas ou estrangeiros, bem como aos factos perpetrados por uns e pelos outros. Effectivamente os estrangeiros, bem como os reinicolas acham-se, pelo facto, collocados debaixo da protecção das leis do estado, mas tambem na obrigação de as observar; o poder soberano d’esse estado tem necessariamente direito de reprimir a violação das suas leis, sob pena de deixar de ser soberano...

«Estes principios professados pelos auctores que têem escripto sobre direito das gentes, e direito penal, têem sido sanccionados pelas disposiçoes textuaes de quasi todas as legislações modernas.»

Mártens, Ileffler, Wheaton, e todos os auctores de direito das gentes e criminalistas, de que tenho noticia, são concordes em seguir este principio, como incontroverso.

Mas é mesmo a propria França que o reconhece em relação a Portugal no já citado tratado de commercio de 9 de março de 1853.

«Os consules geraes, diz-se no artigo 24.°, consules e vice-consules respectivos gosarão, alem d'isso, da immunidade pessoal, excepto pelos factos e actos que a legislação penal dos dois paizes qualifica de crimes, e pune como taes.»

Nem ás auctoridades que representam a França é applicada a immunidade em materia penal; como o poderá ser em relação aos navios entregues ao commercio particular!!

Sr. presidente, se o navio Charles et Georges se achava em dominio portuguez (e isto é uma questão de facto), se elle se achava debaixo da acção da nossa auctoridade, se delinquiu contra as leis do nosso paiz, quem é que póde vir arranca-lo á acção das nossas leis? Em virtude de que principios? Invocam-se os tratados e o direito das gentes, elles ahi estão; invocam-se os criminalistas e os publicistas, elles ahi ficam apontados, apontem-me um só em que se diga que o individuo, que o corpo moral, que o navio que delinquir n'um paiz possa ficar impune? As nações, quando despidas de paixões e de affectos, têem sanccionado uma ordem de principios, que depois são o seu castigo, quando se afastam d’elles. Mas, sr. presidente, este argumento ainda é mais procedente se nós attendermos a que pelo tratado de commercio de 9 de março de 1853 os navios mercantes francezes não podem contestar a obediencia e sujeição ás nossas leis, quando se acham em dominio portuguez. Ha mais ainda: a propriedade e o dominio nacional vem igualmente em sustentação do nosso direito. O navio que se apresenta contra as prescripções estabelecidas por uma nação, que viola as raias a que a dominação

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d'ella chega, pratica uma violação da propriedade nacional; e será menos sagrada a propriedade nacional que a dos individuos? Não esta ella garantida em todas as convenções de direito internacional? Não podia deixar de o estar.

Mas, sr. presidente, em que circumstancias especiaes, ou circumstancias de facto se achava a barca Charles et Georges? Eu direi que para mim e para aquelles que olharem a questão debaixo do ponto de vista em que eu a colloco, as circumstancias de facto são uma cousa insignificante a este respeito, porque se acaso o capitão da barca podesse provar que não estava no dominio portuguez, o governo não lhe reteria o navio; mas o meio de o provar não é com a força. Ha um tribunal superior em que esta questão é decidida, e n'esse tribunal provando-se que os fartos não o collocavam naquella circumstancia, naquella especialidade, não haveria questão nenhuma da nossa parir. Por conseguinte a questão de facto não tem significação de qualidade alguma. Eu creio, porque o vejo fundamentado n'um processo, porque o vejo fundamentado no depoimento de muitas testemunhas, tendo apenas contra o depoimento do proprio interessado, creio, digo, que o navio estava debaixo da acção do nosso dominio; vejo-o provado; mas, torno a repetir, esta questão de facto não tem significação, a questão é de principio, e tanto assim que o ministro francez, referindo-se a este ponto, insta pouco sobre elle, o seu argumento fundamental baseia n'um principio de direito das gentes, que quer fazer vigorar e em que eu tenho muita duvida é elle, que a presença a bordo do commissario do governo dá caracter official ao navio. Tal é o principio sustentado pelo direito francez. Eu contesto este principio absolutamente.

O commissario a bordo do navio mercante francez quando a negociação não é do estado, não e mais que um fiscal do governo francez para vigiar que o commercio particular, em que se emprega o navio, se faça conforme a lei. O navio continua pois com o caracter de commercio particular, se este commercio não é do estado.

O official do governo francez, debaixo d'este ponto de vista, em relação a um commercio meramente particular, porque era mandado fazer por uma casa commercial (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.) não colloca o navio fóra da posição de commercio particular, não póde colloca-lo; mas quando se pretendesse sustentar esta doutrina, é ella uma doutrina completamente nova. Pergunto, quem dá força moral a uma nação (porque a força physica na minha opinião não vale cousa alguma, até mesmo por uma rasão que me é peculiar, porque não disponho d'ella) quem é que a auctorisa a arvorar em direito das gentes, principios que não são admittidos pelas outras nações, principios em contraposição aos seus tratados? Se se quer estabelecer assim um principio novo de direito internacional positivo, é mister primeiro que seja recebido por tratados; em quanto o não é, não póde ter força de obrigar, e subsistem os tralados anteriores. É este um ponto sobre que não póde haver controversia.

Era ou não commercio especial aquelle em que se empregava a barca Charles et Georges? Incontestavelmente o era. Para que a presença do commissario a bordo désse ao navio o caracter de navio do estado, era necessario uma convenção especial das nações, na qual por ellas fosse aceito esse principio. Não ha nação nenhuma que tenha o direito de impor principios praticos novos ás outras nações, nenhuma absolutamente, mormente quando ella está presa por convenções que anteriormente tem frito. Se a França quer estabelecer esse principio, dirija-se ás nações, peça em relação a nós um tratado addicional ao (ratado de 9 de março de 1 853, e se por nós for aceito, então o principio póde ser recebido; em quanto o não for, não o póde querer sustentar; póde sustenta-lo em theoria, mas não póde nunca exigir um reconhecimento pratico das outras nações; a justiça não o permitte, e mal vão as nações quando pretendem fazer vigorar as suas opiniões á custa da força. A epocha das conquistas acabou, não volta porque se lhe oppõe a idéa geral da Europa, oppõem-se-lhe os principios, oppõe-se-lhe o commercio, emfim é um impossivel na Europa, na minha opinião; a força não póde ser mais que um acto momentâneo e que fere mais a quem a emprega do que aos que soffrem a sua pressão.

Sr. presidente, até aqui tenho manifestado á camara quaes são as minhas idéas em relação a este deploravel acontecimento, e declaro francamente a v. ex.ª que eu não poderia apreciara marcha do governo; não poderia mesmo tratar qualquer dos pontos d'este desagradavel incidente sem ler levantado bem alto a minha voz protestando pelo nosso direito.

Mas ainda a este respeito quero fazer uma reflexão. Suppunhamos que o governo não advogou bem o nosso direito, que deixou correr com alguma negligencia este negocio, e que se da sua parte tivesse andado de outro modo n'esta questão a levaria a melhor solução, pergunto, desculpa isto a violencia que nos foi feita por parte do governo francez? Não de certo. (Apoiados.) O governo francez estava ao alcance do facto e estava-o tambem quanto ao direito, o governo francez devia respeitar pois o nosso direito. Seja qualquer que for o juizo que eu ou a camara tenha de pronunciar sobre a maneira por que o governo se conduziu em relação á sustentação do nosso direito, e ao modo por que dirigiu esta questão, isso não influe, nem resultado algum tem, em relação á violencia que nos foi feita pelo governo francez que conhecia o facto e o direito. Se não tivesse conhecimento nem de uma nem de outra cousa, se não conhecesse todo o processo e a maneira por que linha corrido a questão, poderia, até certo ponto, ser desculpada a violencia que se tivesse feito, mas conhecendo tudo, não póde ella ser desculpada por qualquer descuido ou maneira menos regular por que o nosso governo (ratasse esta questão e dirigisse este negocio. O direito mesmo só por si é sufficiente para se fazer respeitar. (Apoiados.)

Feito este protesto, posso agora mais desassombradamente entrar na apreciação da maneira porque o nosso governo se dirigiu n'esta grande questão nacional. Disse, e repito, que nós temos em nosso favor os principios de direito internacional, e o direito escripto nos tratados.

Como o fez o governo valer n'esta deploravel questão?

Como deveria le-lo feito valer? É esta a questão da responsabilidade ministerial.

Mas antes de examinar a maneira porque esta pendencia foi tratada, direi qual seria o modo de a tratar, segundo a minha opinião.

Sr. presidente, a abolição do trafico da escravatura não é um empenho individual, é um empenho collectivo. Portugal está ligado por (ralados, especialmente com a Inglaterra, para a abolirão da escravatura; quando elle obra n'este empenho deve considerar-se, que não é isoladamente, mas reunido, ligado e em harmonia com a nação britannica, da fórma que os tratados determinam. Os tratados impõem não só direitos, mas obrigações collectivas, que exigem que estas duas nações reciproca e mutuamente se auxiliem para o exacto cumprimento das disposiçoes dos mesmos (ralados.

Desde ha muito tempo que a França adoptou o systema de colonisação, por meio de engajamentos, a que a França não dá o caracter de escravatura; mas o governo inglez tem-lhe dado esse caracter, e nós tambem lhe démos e damos igual caracter, por isso que aquelles engajamentos não podem ser feitos no continente das nossas possessões, sem que se deixe de fazer a escravatura em terra, pois que para taes engajamentos não póde deixar de haver o facto da compra e venda de gente negra no nosso territorio, e essa compra e venda não póde ser feita senão pelos meios que tem trazido ás nossas colonias os inconvenientes e males que nós todos conhecemos; a guerra das tribus para conquistar escravos; o atrazo ou antes o abandono da agricultura, e de qualquer outra industria; o commercio licito substituido pelo commercio illicito da venda da especie humana! Effectivamente que ha a venda de gente negra é um facto incontestavel; (Apoiados.) para esta venda ler logar é necessario que os chefes, que costumam fazer taes transacções, obtenham essa gente negra, e para obte-la é preciso que elles continuem no systema das guerras com os povos visinhos, a fim de fazer prisioneiros, que vem depois a ser

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vendidos como escravos; (Apoiados.) essas guerras barbaras, e em que se perdem milhares de vidas, trazem necessariamente a paralisação do nosso commercio e industria naquellas nossas possessões; a industria propria do homem é substituida vilmente pelo direito da guerra, pela violencia, pela barbaridade, e pela devastarão de districtos inteiros; substitue-se o commercio legal, pelo commercio arbitrario e barbaro da especie humana. É por estes meios que apontei que se faz o trafico dos engajamentos, é por elles que se escravisa aquella gente, embora, como colonos, vão ser livres nas possessões francezas. E este trafico tanto nós como a Inglaterra temos mutua e restricta obrigarão de impedir que se faça em territorio nosso. (Apoiados.)

Desde de ha muito tempo que a França apresentou o empenho de fazer a colonisação por meio de engajamentos; a Inglaterra contestou-o e combateu-o, dirigindo o ministro dos negocios estrangeiros ao de França uma nota muito significativa; (documento n.° 62-C); o governo de Portugal contestou-o igualmente desde 1854, e n'esta conformidade se mandaram pelo governo aos respectivos governadores geraes das nossas colonias differentes portarias e instrucções a tal respeito, no sentido de impedir os referidos engajamentos, especialmente as portarias de 27 de fevereiro de 1855 e 30 de julho de 1856.

Qual era a posição que Portugal devia ler tomado em relação a esta maneira de encarar a questão por parte da França? Não seria conveniente investigar qual era a posição que a Inglaterra tomava n'esta conjunctura, em que comnosco era solidaria? Não seria mesmo conveniente provoca-la a declarar, se estava disposta a assumir a solidariedade, e oppor-se a este genero de commercio nos territorios, em que o podesse fazer? Os factos deviam ler despertado no governo esta idéa que antecipadamente leria qualquer diplomatico.

Sr. presidente, quando não bastasse para despertar a solicitude do governo a direcção que a França pretendia dar ao systema de engajamento, e a posição critica que d'ahi nos poderia resultar, bastaria ter prestado attenção ao que se passou com relação ao apresamento das barcas Marie e Caroline, barcas que foram desembaraçadas pelo governo. Pois não obstante esta ultima circumstancia, ahi esta o officio do nosso ministro em França (documento n.° 12), onde se vê que o conde Walewski manifestara ao nosso ministro em França animo pouco conciliador, dizendo-lhe = que o governo de Portugal assumira uma grave responsabilidade n'aquella conjunctura; e que o ministro de França em Portugal havia tido por esse motivo uma entrevista com o governo pouco satisfatoria. Não poderia o governo portuguez ter reflectido que era conveniente perguntar ao governo inglez se fazia questão solidaria comnosco na repressão d'aquelle systema de trafico?

Demais, ainda ha outro facto que devia despertar a attenção e previsão do homem de estado, á vista daquillo que vou citar.

Que disse o sr. conde de Lavradio, nosso ministro em Londres, ao governo portuguez na sua nota de 26 de fevereiro de 1858? Disso = que o governo portuguez se achava debaixo da pressão de duas grandes nações, por uma parte a Inglaterra, e por outra parte a França; que seguisse o que lhe aconselhassem as nossas leis, e que fosse rigoroso quanto lhe permittisse o direito, que podia contar, na sua opinião, com o apoio e coadjuvação da Inglaterra =. Mas isto como opinião individual, porque n'essa mesma nota, o mesmo ministro declara, que não linha ainda achado conveniente fazer communicação alguma ou ler uma conferencia especial sobre a questão do Zaire com o ministro dos negocios estrangeiros de Inglaterra. Em vista d'estes factos, o dever do nosso governo era immediatamente provocar a opinião do governo inglez a este respeito; incontestavelmente é o que deveria ter feito, (Apoiados.) porque n'isto não fazia mais que usar de um direito seu, e cumprir um dever para com o paiz! (Apoiados.) É assim que entendo que o governo deveria ler obrado, logo que o systema de colonisação ensaiado pela França começou a ler vulto; logo que teve conhecimento da posição que a França parecia querer tomar por occasião da presa das barcas Marie e Caroline; posição bem manifesta no officio do nosso ministro em França (documento n.° 32). Mas prossigamos.

Dado o caso da presa da barca Charles et Georges, que deveria immediatamente ler feito o governo, que não podia desconhecer, pelos antecedentes que notei, a importancia d'este facto?

O apresamento da barca não era nem podia ser considerado por Portugal como um facto isolado e da privativa responsabilidade de Portugal; era sim um facto de responsabilidade collectiva e commum com a Inglaterra. O dever pois do governo era levar logo ao conhecimento do gabinete inglez esse facto com todas as circumstancias, e provocar explicitamente a solidariedade da Inglaterra em relação a elle. Se a Inglaterra a assumia, a questão tomava um caracter de gravidade europea, em que Portugal poderia entrar sem desvantagem. Se a Inglaterra a não assumia e nos deixasse sós, sobre ella Portugal poderia lançar toda a responsabilidade da falta de observancia dos tratados; e tomando aviso sobre a gravidade do caso, obraria prudentemente como as circumstancias o exigissem, salvando o decoro nacional e o respeito pelas leis.

Desde que a França, sr. presidente, declarou que não reconhecia nem se sujeitava á competencia dos nossos tribunaes (e acha-se esta declaração em todas as suas notas), a questão em meu entender devia ser tambem tratada no campo diplomatico, e desde logo o governo devia fazer com que a nação nossa alliada interviesse na questão..

Por outro lado, a carta (artigo 110.°) creou um tribunal superior consultivo a lado do governo, para o auxiliar com o seu conselho; determinou mesmo que o sou voto seja ouvido nas negociações com as nações estrangeiras; e eu entendo que desde que a questão tomou o aspecto que notei, de negociarão diplomatica, o governo deveria consultar immediatamente o conselho de estado.

Entendo mais, sr. presidente, que se porventura o governo tivesse ensejo de trazer a questão, ainda pendente, ao conhecimento do parlamento em sessão secreta, não se deveria subtrahir a esse acto; é este o espirito e mesmo a determinação do artigo 10.° do acto addicional.

Finalmente, se o governo tomava perante o paiz a responsabilidade de ceder á violencia, deveria a par d'esse triste facto tomar a responsabilidade de o levar ao conhecimento da Europa de uma maneira clara e explicita, e sustentar perante esse grande jury da opinião das nações o nosso direito, fazendo um manifesto ou protesto, em que se sustentasse em lermos decentes, mas fortes, o nosso direito, e se mostrasse a violencia que nos era feita.

Mas, sr. presidente, em todos os pontos o governo contrariou estes principios.

Para bem se fazer sentir esta asserção grave, é mister começar por pôr em relevo a nossa posição para com a Inglaterra: — já em geral, em relação a todas as nossas questões internacionaes, em que são implicados os nossos direitos ou os nossos interesses: — já especialmente nas questões para a extincção do trafico da escravatura: —já especialissimamente na questão actual.

Não se pense, sr. presidente, que eu pretendesse arguir o governo por não ter provocado o auxilio da Inglaterra, se ella estivesse para comnosco na mesma relação em que se acha outra qualquer nação; não, sr. presidente, mas a sua posição é outra á vista dos tratados que desde seculos Portugal tem sustentado com esta nação.

Em todas as nossas questões internacionaes lemos direito a exigir a interferencia da Inglaterra, quando ou os nossos direitos ou os nossos justos interesses são feridos.

São os tratados de 23 de junho de 1661, 16 de maio de 1703, 26 de setembro de 1793, 19 de fevereiro de 1810, 22 de janeiro de 1815, que consignam esta doutrina.

Lerei apenas o artigo 1.° do tratado de 1810, pois que n'elle vem ratificadas as obrigações que a Inglaterra tem para com o nosso paiz.

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Tratado de 19 de fevereiro de 1810.

«Artigo 1.° Haverá uma perpetua, firme e inalteravel amisade, alliança defensiva, e estricta e inviolavel união entre Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal, seus herdeiros e successores, de uma parte, e sua magestade el-rei do reino unido da Gran-Bretanha e Irlanda, seus herdeiros e successores, de outra parte, e bem assim entre seus respectivos reinos, dominios, provincias, paizes e vassallos; assim como que as alias partes contratantes empregarão constantemente não só a sua mais séria attenção, mas tambem todos aquelles meios que a Omnipotente Providencia tem posto em seu poder, para conservar a tranquillidade e segurança publica, e para sustentar os seus interesses communs, e sua mutua defesa e garantia contra qualquer ataque hostil; tudo em conformidade dos tratados já subsistentes entre as alias partes contratantes, as estipulações dos quaes, na parte que diz respeito á alliança e amisade, ficarão em inteira força e vigor, e serão julgadas renovadas pelo presente tratado na sua mais ampla interpretarão e extensão.»

O nosso direito a pedir a intervenção ou a mediação da Inglaterra, conforme as circumstancias o provocarem, esta estabelecido n'este tratado de uma maneira incontestavel; e sempre assim tem sido entendido.

Sr. presidente, o nosso direito para com a Gran-Bretanha não sr funda n'uma prestação gratuita da parte da Gran-Bretanha; é a paga de concessões excessivas fritas por Portugal á Inglaterra, porque nós fizemos a esta grande nação concessões excessivas; é a paga de Bombaim e de Tanger; é a paga de grossas sommas dadas em dote á senhora D. Catharina; é a paga da cessão dos nossos direitos á maior parte das nossas antigas conquistas; é a paga de convenções especiaes a que se fez sujeitar o nosso commercio para com a nação ingleza, por tratados desvantajosíssimos, como o do Metuen de 1703; é a paga do tratado de commercio de 1809 a 1810, e da concessão que lhe foi frita de poder cortar quantas madeiras quizesse no imperio do Brazil para a construcção das esquadras, com que hoje sustenta o seu poder. Portanto, sr. presidente, o nosso direito não se funda n'um offerecimento officioso; é uma verdadeira compensação.

Mas se nós temos direito em geral em relação a todas as violações que forem feitas ao nosso direito para provocar a interferencia da Inglaterra, temos n’esta questão especial os tratados em relação ao trafico da escravatura, que impõem á Inglaterra não menores obrigações. Veja-se: pelo tratado de 3 de julho de 1842 fizemos causa commum com a Gran-Bretanha, obrigando-nos e a Inglaterra, a perseguir esse crime em toda a parte onde elle se podesse apresentar, sujeito á acção legal das duas nações. Mas se houvesse ainda duvida ácerca da obrigarão que resulta á Inglaterra pelo tratado de 1842, não a podia haver depois da nota de 28 de junho de 1845.

N’esta nota, queixando-nos de parecer lerem sido infringidos os nossos tratados pelas convenções recentes entre a Inglaterra e a França, foi respondido o seguinte:

«Por ultimo o abaixo assignado gostoso tom esta opportunidade de declarar, em resposta á ultima pergunta exarada na nota do barão de Moncorvo, que indubitavelmente o governo britannico jámais perdeu de vista a obrigação em que se acha de proteger os direitos e interesses de Portugal contra aquelles abusos, sobre os quaes o barão de Moncorvo chamou a attenção do abaixo assignado, e de prevenir que Portugal não soffra injuria alguma, quer da execução do tratado em questão (se com effeito d’elle sr póde esperar alguma injuria), quer de qualquer outra cousa que não deva ser devidamente remediada. = (Assignados) Barão da Torre do Moncorvo—Aberdeen.»

Sr. presidente, este é o nosso direito em relação á Inglaterra na questão sujeita do trafico da escravatura; mas ainda ha mais; na questão de que especialissimamente nos occupámos, estava a Inglaterra compromettida a fazer causa comnosco. Pois quem é que declarou que se estava fazendo trafico de escravatura pelo systema de engajamento nas nossas colonias? Foi o governo inglez: aqui estão os documentos que o provam. Foi a Inglaterra que avisou o nosso governo para cumprir os tratados: foi a Inglaterra que disse—que lhe constava que uma casa commercial franceza estabelecida na ilha Mauricia queria contratar colonos livres nas nossas possessões = que é exactamente a questão de que se trata; foi a Inglaterra que officiou ao governo dizendo que as suas auctoridades do Cabo da Esperança lhe communicavam que se estava fazendo o trafico da escravatura nas nossas possessões em larga escala =; foi o aguente inglez que accusou o facto do trafico realisado pela barca Charles et Georges; foi a Inglaterra que instou com o governo de Portugal para que prohibisse quanto estivesse nas suas forças os engajamentos que se pretendiam fazer; foi ella finalmente que elogiou o comportamento das nossas auctoridades e do governo portuguez nas medidas que tomou. São os documentos n.ºs 12-A, 14, 16-A, 19, 21, 23 e 47-B. E ainda que não existissem os tratados que notei com relação ao trafico, qual seria a nação que depois de instar com outra para que supprimisse uma certa ordem de factos, quando ella os reprimia, a abandonasse completamente?! (Apoiados.)

É minha Opinião, sr. presidente, que os nossos alliados,. ainda quando o nosso governo se não tivesse dirigido ao governo britannico, deveriam ter frito por nos auxiliar; mas isso não dispensa a provocarão do governo, porque este tem essa responsabilidade para com o paiz, que lhe diz: «Vós governo tendes obrigarão de dirigir os negocios publicos de uma maneira conveniente; tendes obrigação de zelar os interesse e os direitos da nação; sustentar a sua dignidade e fazer com que os outros a respeitem!» Quem dispensou o governo de Portugal de promover o cumprimento dos tratados em relação a actos d’esta ordem? Quem dispensou o governo do grave dever de fazer effectivos os nossos direitos para com a Inglaterra?! (Apoiados.)

Sr. presidente, se nós víssemos ameaçadas as nossas fronteiras por uma nação hostil, nós deveriamos cruzar os braços, e não provocar o auxilio da Inglaterra, a sua interferencia ou mediação,.sómente porque ella a deveria offerecer?!

N’este ponto, ou sinto que pelo governo fosse feita uma declararão, de que já não póde retrogradar; não foi o descuido que foz com que o governo não recorresse á Inglaterra pedindo-lhe a sua solidariedade n’esta questão; o motivo foi o que s. ex.ª o sr. ministro da marinha, por parte do governo, declarou no começo d’esta sessão; eu registei as suas palavras, s. ex.ª disse-nos: «Não provocámos a interferencia da Inglaterra porque conhecemos que a Inglaterra não podia interferir, visto que estava compromettida com uma guerra no Oriente...

O sr. Ministro da Marinha: — Não é assim.

O Orador: — A não ser assim, o argumento de s. ex.ª não vem para nada.

O sr. Ministro da Marinha: — Se o illustre deputado me dá licença, eu explicarei o que disso; o illustre deputado não interpretou bom as minhas palavras. Eu disse que me parecia impolitico que o governo fosse pedir um auxilio de força para o caso especial de se pretender tirar do poder de Portugal o navio, pois que primeiramente não podia haver esperança de o obter pelas relações de amisade que presentemente existem entre a França e Inglaterra; o depois acrescentei que mesmo no caso do governo inglez julgar dever dar este auxilio, elle havia de pensar muito antes do o enviar, porque iria provocar uma guerra com a França r provavelmente com outras nações da Europa, quando a Inglaterra tem na India que sustentar e fazer enormes despezas com oitenta a cem mil homens de tropas europeas.

Eis-aqui o que eu disse, e poço ao illustre deputado que tomo as suas notas n’este sentido.

O Orador: — Registo a opinião do nobre ministro; nós não poderiamos requisitar o auxilio da força, mas quem diz ao governo, quem diz ao nobre ministro, que requisitasse o auxilio da força? Nós o que deviamos ora, no começo, ter perguntado á Inglaterra pela sua solidariedade n’esta questão; {Apoiados.) havia o tratado de París de 1856, que, supposto

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não obrigue essencialmente as nações a sujeitarem-se á arbitragem, todavia regista essa grande tendencia da Europa, que mais tarde virá a converter-se era principio restricto e obrigatorio, mas que na actualidade poderia utilmente ser provocado pela Inglaterra. Direi de passagem, é de sentir que o principio do tratado de París não seja ainda hoje um principio restrictamente obrigatorio, como as idéas, as necessidades e as conveniencias da Europa reclamam: mas é a sorte do direito internacional positivo que, na minha opinião, está ainda muito longe de constituir uma sciencia.

Mas, torno a repelir, o governo linha de pedir á Inglaterra que se tornasse solidaria comnosco n'esta questão, e não pedir determinadamente um auxilio de forra; e para que? Não eramos nós que lhe deviamos indicar o modo do auxilio. Mas aquella considerarão, quando mesmo fosse procedente, póde porventura dispensar o governo de fazer valer os nossos tratados? (Apoiados.) Não é possivel. As rasões do nobre ministro, que summamente respeito, e que, devo dize-lo, n'esta questão não esta nada compromettido, porque respondeu e instou para que se respondesse a tempo, addicionou as suas respostas, e lembrou que se provocasse a acção da Inglaterra, digo eu, a resposta por s. ex.ª agora apresentada por parte do governo, por um lado ainda o compromette mais. «Pedir auxilio de força!» Pedir-lhe mediação, solidariedade, quer a posição em que nos collocava a letra dos tratados. (Apoiados.) «Não havia esperança, sr. presidente, que a Inglaterra interferisse pela amisade que ella tem hoje com a França.» Eu não creio muito na amisade das nações, é esta porém uma questão á parir, mas, por isso mesmo que a Inglaterra tem a amisade com a França, essa circumstancia «de grande amisade» era um seguro penhor de que a decisão se tornaria talvez mais facil do que se afigurou o nobre ministro. Desde a segunda nota, em 11 de maio, pretendeu o governo francez, contra direito, tirar a questão da competencia dos nossos tribunaes, e tirada a questão da competencia dos nossos tribunaes, tornava-se ella completamente diplomatica por parte da França; e, pergunto, estando a questão por consequencia n’este campo, foi provocada então a interferencia da Inglaterra? Não, sr. presidente, (Apoia-los.) pois nós conversámos com Inglaterra em tão curto espaço quasi como aquelle em que eu me dirijo d'aqui aos nobres ministros, e ss. ex.ªs não tiveram tempo em perto de seis mezes de se pôr de accordo com a Inglaterra. Houve alguma nota a este respeito? Não houve; nos documentos não existe nem uma, e isso compromette o governo. A 21 de outubro respondeu o ministro de Inglaterra, que o seu governo não estava habilitado com informações positivas a respeito da questão, e elle ministro sr achava sem instrucções algumas do seu governo. É o documento n.º 106... E d'ali a tres dias o navio era entregue!......

Disse o nobre ministro, por parte do governo, que a Inglaterra havia de pensar muito, primeiro que se fosse comprometter n'uma guerra, quando tem empenhadas as suas forças na Asia! Este argumento esta já respondido. Não é o governo de Portugal que tem a missão devir desculpar a Inglaterra; não somos nós que, prevendo o seu incommodo, não o devemos procurar; é o governo de Portugal o competente para collocar-se na posição da Inglaterra, dispensa-la da sua responsabilidade, por uma vaga presumpção do que ella poderia responder, mas que de certo não responderia? Deixasse-lhe essa difficil missão. (Apoiados.) Eu não queria que ao governo importasse sr a Gran-Bretanha estava ou não compromettida; não o queria ver chegar ao parlamento e, para cobrir a sua responsabilidade, dizer o que presumia que ella poderia ler respondido. Essa questão não era nossa era da Inglaterra. Eu preferiria ver que o governo aqui viesse apresentar a effectiva resposta do governo britannico.

Sr. presidente, nós não estamos na epocha das guerras, para que por tão pouco se receie um rompimento europeu. Questões d'esta ordem decidem-se nos gabinetes e não pelas armas. Não receiasse o governo que tivessemos uma nova guerra europea!... Estavam ainda muito recentes as feridas que deixou a campanha da Crimea; as idéas, o commercio a utilidade das nações, tudo tende para as soluções pacificas.

Sr. presidente, eu acho que não havia nada mais rasoavel, depois dr sr dar um raso Ião grave, como era perguntar-se a opinião do governo inglez, por meio do nosso ministro naquella côrte, mas vejo pela resposta dada pelo ministro britannico, que ha pouco li, que nada sr havia feito.

O nobre ministro das obras publicas indicou n'um áparte que o governo se linha servido do telegrapho electrico; se serviu foi á ultima hora, porque se não fosse isso, o ministro de Inglaterra não responderia a 21 de outubro: «Não tenho informações do meu governo, nem este está informado. » Logo não linha sido pedida a interferencia; e creiam os nobres ministros que é com a maior magoa que eu registo este facto, não tanto para arguir o governo, mas para que nunca mais possa acontecer um facto d'esta ordem! Digo mais, se entendesse que o voto da camara em favor do governo n'uma questão d’esta importancia, estava ligado com o decoro nacional, dava o meu voto ao governo, e da-lo-hei se isso me for provado.

Eu disse, quando indiquei a maneira por que no meu entender o governo deveria ler tratado a questão, já a questão geral do engajamento, já a especial da barra Charles et Georges, que esta ultima não podia deixar de ser tratada igualmente no campo diplomatico; expendi as rasões d'esta minha opinião; mas quer a camara ver a maneira por que a negociação foi tratada diplomaticamente? A primeira nota do governo francez foi a 6 de maio, a segunda a 11, e foi accusada a recepção da de 11 em 17 de agosto. O sr. ministro da marinha tinha respondido aos pontos sobre a questão de que se tratava e linha mandado essa resposta em 30 de junho ao sr, presidente do conselho, para que a addicionasse convenientemente, juntando o que a respeito da questão entendesse dever communicar ao ministro de Franca; isto em 30 de junho, e quando estes esclarecimentos foram apresentados ao ministro de França residente na côrte de Lisboa foi em 17 de agosto, e depois de se ler recebido a 15 do mesmo mez a terceira nota do ministro francez.

Para que estiveram esses documentos na secretaria dos estrangeiros por tão longo praso? Para nada. Não se lhe addicionou nem uma virgula: ha um officio de remessa mandado pelo sr. ministro dos estrangeiros, pelo qual se vê que se lhe não addicionou nem um unico argumento.

Desde esta epocha até 8 de outubro trocaram-se varias notas, exigindo sempre a França a entrega da barca, e recusando-se a reconhecer a competencia dos nossos tribunaes e o nosso direito; em França iguaes exigencias foram feitas ao nosso ministro, foi ali apresentada a questão do caracter official transmittido ao navio pelo delegado do governo francez; e quando tudo indicava uma solução pouco agradavel, o governo só a 8 de outubro escrevia pelo paquete ao nosso ministro residente em Londres, dando-lhe conhecimento da correspondencia que tinha havido entre o governo e o ministro de Fiança, remettendo-lhe copia de alguns despachos dirigidos ao ministro de Sua Magestade em París, sobre o apresamento e condemnação da barra Charles et Georges, e dizendo-lhe que pedisse á Inglaterra que tomasse a pello este negocio, empregando os seus bons officios, para que o governo francez quando não se désse por convencido das rasões apresentadas pelo nosso governo, annuisse á mediação que este havia proposto. Poucos dias depois da chegada do paquete a Londres, a barra estava entregue!... {Documento n.º 90.) A 21 de outubro o governo escrevia ao ministro britannico em Lisboa, perguntando-lhe qual era a conclusão que, no seu entender, julgava que fosse melhor adoptar. (Documento n.° 105.) O ministro respondeu no mesmo dia, e que já tive occasião de notar:

«Em resposta, peço licença para repetir o que já tive occasião de declarar verbalmente a v. ex.ª hontem, que me acho sem instrucções (lo meu governo em relação ás propostas especiaes de que se traia, mis que lendo já recebido e communicado a v. ex.ª uma parte telegraphica do conde Malmesbury de 9 do corrente, na qual ao passo que me annunciava que o governo de sua magestade de bom grado prestaria os seus bons officios para evitar um rompimento entre a França e Portugal, e declarava que não tinha informações positivas a esse respeito!... » É o documento n.° 106.

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A 9 de outubro o governo inglez não tinha informações positivas a respeito da questão; a sua intervenção pois, ou mesmo a sua mediação, não haviam sido provocadas. Se o governo tem algum documento em contrario, apresente-o á camara para salvar a sua responsabilidade, e contrariar assim a declaração do ministro dos negocios estrangeiros em Inglaterra!

Sr. presidente, cuja disse que o governo deveria ter consultado o conselho d'estado, desde que a França sr recusava a reconhecer o nosso direito e a competencia dos nossos tribunaes; satisfazia assim ao espirito da carta. Mas consta-me que só muito tarde (em outubro) aquelle tribunal fôra ouvido.

Ainda ha mais, a 8 de outubro havia já o governo proposto á França a mediarão; sujeitava-se por isso a uma convenção internacional; e alem d'isso sujeitava-se de certo a fazer terminar a acção dos tribunaes. O acto addicional no artigo 10.º estabelece que todo o tratado, concordata e convenção que o governo celebrar com qualquer potencia estrangeira, seja, antes de ratificado, approvado pelas côrtes, em sessão secreta. Em 11 foi aberta acamara, em Lisboa estava o numero suficiente de deputados, como todos sabem; não seria regular ler o governo ouvido, a opinião do parlamento, em harmonia com o espirito da disposição do acto addicional? De certo que sim. Pois o governo apressou-se em encerrar a camara, sem que para isso houvesse uma rasão plausivel. Os principios e bom senso politico pediam que o governo não despresasse conselhos em conjunctura tão melindrosa.

Portugal soffreu uma grande injustiça, uma grande violarão das suas Íris, o seu direito foi desatendido e nós entregámos a barca e cruzámos os braços!... Não démos conta ao paiz e á Europa de que ao menos nos ressentíamos, porque esse artigo que esta exarado na folha official não tem em si caracter official, ninguem o assignou, eu não sei o que é! é de tanta responsabilidade como póde ser um artigo de outro qualquer jornal, e tanto isto é exacto que foi o proprio governo que já disse, n'outra occasião, que não era official a svnopse dos trabalhos das duas camaras que vinha transcripta no Diario do Governo.

O governo, sr. presidente, não protestou perante a Europa. Temia ainda a violencia? Em 1839, quando se (ratou em Inglaterra a celebro questão do bill sobre o trafico, nós protestámos, o esse protesto foi publicado. (Apoiados.) Foi um protesto contra uma nação, a nossa mais antiga alliada. Diga-se a verdade, protestámos e numa questão muito mais insignificante, porque a Inglaterra não nos veio arrebatar nenhuma embarcação dentro do Tejo. (Apoiados.) (1)

(1) Eis o protesto segundo uma copia particular.

[VER DIÁRIO ORIGINAL]

Devíamos ter protestado, ter feito um manifesto bem combinado, commodido, onde sustentássemos o nosso direito perante a Europa, e repellissemos no campo dos principios os argumentos de força, que contra nós foram -empregados.

Finalmente, sr. presidente, o governo entregou a barca som receber o ultimatum, é o que se vê do documento n.° 108.

Não é para desculpar a França que eu toco n’este ponto. Creio que ella estaria nas intenções de realisar de todo a violencia que já começára a exercer, quando instava pela entrega da barra a despeito das nossas leis, que n'esta parte constituiam direito, que a França linha obrigação juridica dr respeitar. Mas não é debaixo d'este ponto de vista que encaro a questão, mas sim debaixo do ponto de vista da responsabilidade do governo, porque emquanto a França não apresentasse o ultimatum não podia usar da forra, (Apoiados.) porque não havia documento authentico da sua exigencia, e uma declararão verbal do um ministro não tem a mesma forra. (Apoiados.) O governo não o exigiu. Lamento, sr. presidente, que o governo n’esta parte não o fizesse e que por isso sobre elle peso esta grande responsabilidade (Apoiados.) A apresentação do ultimatum collocava-o n'uma posição mais vantajosa.

A apresentação do ultimatum era o transumpto fiel das idéas do governo francez, era um testemunho irrecusavel da maneira por que obrava para com as nações pequenas. Antes d’esta apresentação, entregar-se um navio, é um facto que nunca se praticou, (Apoiados.) e que me parece não se ha do tornar a praticar! (Apoiados.) Eu, sr. presidente, tenho fallado na hypothese do que o ultimatum não existe, porque desde que não vejo senão um officio de referencia a essa nota do sr. conde Walewski, devo suppor que não existo tal ultimatum, aliás teria sido apresentado pelo governo.

O sr. Sant’Anna e Vasconcellos: — Tem o officio sem contestação.

O Orador: — Note o nobre deputado que eu não ponho em duvida que ao governo fosse mostrada a nota do governo francez; respeito os srs. ministros, não só como ministros do meu paiz, mas como cavalheiros, o presto inteira fé ás declarações de ss. ex.ªs a este respeito. Eu acredito sempre as declarações officiaes do governo do paiz, porque sou respeitador d'elle, e acresce mais a consideração pessoal que tenho por ss. ex.ªs Não ponho poisem duvida a exactidão das phrases do governo que estão lançadas naquelle papel. Mas a minha questão é que não ha uma communicação official, e sem esse documento, vê-se que o governo entregou a barra prematuramente.

Não houvesse medo de ameaças, nem do bombardeamentos porque não é assim que se vem bombardear uma cidade na Europa.

O equilibrio da Europa repelle esses rasgos do força. Ainda ha pouco os repelliu a respeito de uma nação menos sympathica para a Europa, fallo da Turquia. Não receasse pois o governo que a violencia fosso empregada antes de completa a

[VER DIÁRIO ORIGINAL]

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intimarão diplomatica pela França; e hoje nós teriamos esse documento equivalente de um acto consummado de violencia que poderiamos expor aos olhos do mundo civilisado, sem que a França podesse desviar ou pretender minorar a sua responsabilidade moral.

Mas se o governo se precipitou em toda esta infeliz negociação, cumpre louvar a sua resolução na questão pecuniaria; a arbitragem havia sido rejeitada no ponto de direito, o governo interpretou os votos do paiz, rejeitando-a na questão de dinheiro. Folgo de dar aqui este testemunho ao governo, assim como das suas boas intenções em toda esta negociação, mas não é as intenções, que eu arguo, é sim a maneira por que o negocio foi conduzido.

Resta-me, sr. presidente, fazer algumas reflexões ácerca do documento n.° 39-A.

(Deu a hora, e ficou com a palavra reservada para a sessão seguinte.)

Foi cumprimentado por muitos srs. deputados dos differentes lados da camara.

O sr. Mártens Ferrão: — Sr presidente, eu começarei por agradecer á camara a benevolencia com que hontem me attendeu, pedindo-lhe desculpa de fazer um discurso tão longo e mal alinhado; mas a natureza da materia, um certo enthusiasmo que em questões d’esta ordem dá mais força que em outra qualquer questão, fez com que eu excedesse muito os termos, a que fazia tenção de restringir o que tinha a dizer.

Agora, sr. presidente, tenho que mr referir a um ponto, e estimaria que o sr. ministro da marinha, que já vi presente, mas que não sei se agora está na sala, ouvisse as minhas reflexões...

O sr. Ministro das Obras Publicas (Carlos Bento da Silva): — Eu tomo nota.

O Orador: — Como esta presente o governo eu direi ainda poucas palavras em relação á portaria ácerca da concessão feita pelo nosso governo]ao governo francez para a livre expoliação de colonos da costa do Zane. Eu disse que a disposição consignada n'esta portaria era uma disposição que contrariava não só as nossas leis, mas o tratado feito com uma nação da Europa (fallo do tratado de 1812), e por consequencia que essa portaria estava fóra da lei, e que n'esta parte o sr. ministro linha exorbitado das attribuições que a lei lhe concede em materia d'esta ordem. Disse mais que não podia mesmo ser resolvido esse negocio por uma portaria confidencial, e que seria para nós pouco agradavel sustentarmos a fé dos tratados nos principios da nossa legislação, r por outra parte virmos contrariar secretamente esses mesmos principios, fazendo uma concessão que é contra o espirito e contra a leira daquelles tratados. O governo de Sua Magestade disse naquella portaria.

«.. O governo de Sua Magestade respondeu ao mesmo ministro plenipotenciario, que para satisfazer aos desejos do governo imperial, ía ordenar ao governador geral de Angola, que désse as suas ordens para que não fosse embaraçado, por meio de forra, o embarque de pretos nos ditos portos a bordo dos navios francezes.. Quanto porém aos casos em que em taes transacções entrassem subditos portuguezes, como agentes, corretores ou auxiliadores das mesmas transacções, as quaes pela legislarão portugueza não podem deixar de ser consideradas como trafico de escravatura, estes individuos pelo seu proprio proceder se collocarão na posição de serem chamados perante os tribunaes de justiça, e punidos na conformidade das leis por um crime, a respeito do qual não ha prescripção...»

Sr. presidente, de duas hypotheses uma deve dar-se, ou nós temos dominio pleno, dominio effectivo n'essa costa do Zaire, ou não o podemos tornar effectivo. Se nós por esta portaria não concedemos mais do que o que foi consignado na convenção de Madrid de 1786, então não sei para que na portaria se quiz apresentar a sua fundamental disposição, como uma verdadeira concessão do governo portuguez feita a instancias do

governo francez. Se a posição em que nos achavamos era de não poder prohibir o engajamento de colonos naquella localidade, o regular era o governo, protestando pelo direito que linha de ali consolidar o seu dominio, declarar todavia que nada mais podia fazer do que o que estava estabelecido na convenção de 1786; mas nunca n'uma portaria confidencial, n'um acto meramente de attribuição do ministro ir contrariar os principios geraes consignados nas leis e nos tratados. A respeito de crimes não ha transacção. Nós consideramos este trafico como crime de pirataria; embora pela legislação franceza este engajamento seja considerado como livre, pela nossa legislação os actos que elle suppõe que são indispensaveis para que se de, são considerados como crime. Não é o acto de levar os colonos para as provincias onde sejam considerados como livres, mas os actos preparatorios, como a compra de pretos, traze-los ao mercado, etc.; esses actos são declarados crimes pelas nossas leis, o é assim que estão interpretadas essas leis em applicação a esta hypothese; é o que se encontra na portaria de 30 de julho de 1856, onde se diz: «Que em todos os mencionados officios não ha fundamento para alterar as disposições da portaria de 27 de fevereiro de 1855, pela qual se prohibiu, pela maneira mais positiva, que o governador geral permittisse o embarque de negros, sob pretexto de serem ajustados como trabalhadores livres, para irem servir temporariamente em outros paizes, por isso que o contrario importa na realidade o concorrer para a continuação do trafico da escravatura, transportando dos sertões aos portos os escravos, para os especuladores venderem os seus serviços aos exportadores, illudindo assim as disposições dos decretos de 10 de dezembro de 1836 e 14 de dezembro de 1854.»

Logo se conservámos o direito de dominio, mas não exercemos acção alguma sobre estes pontos, o meio regular e legal ora o governo protestar pelo sou direito, e sobre o facto declarar, que não exercendo actualmente acção alguma sobre este territorio, não podia nem annuir, nem contrariar as pretenções da certo franceza, deixando por consequencia subsistente na sua leira e forra a convenção de 1786.

Debaixo (Veste ponto de vista são estas as considerações que se me offerecem, e não querendo cansar mais a camara n'este objecto, que comtudo se presta a bastantes instancias (presta-se mesmo a um largo discurso), e depois do que disse hontem, fatigado como hoje estou, eu concluo apresentando diversas moções, que são, por assim dizer, o corollario das reflexões que fiz, e que cicio que são exactas e justas.

Apresento um artigo addicional ao periodo terceiro da resposta ao discurso da throno, no sentido seguinte:

«Sente porém a camara, que n'esta desagradavel pendencia o governo deixasse de provocar formalmente a effectiva intervenção da Inglaterra, a que nos dava direito a fé dos tratados vigentes entre Portugal e aquelle paiz, e as instancias que em repetidas notas havia feito o governo britannico ao governo portuguez para reprimir o commercio de colonos africanos por parte da França.»

Sr. presidente, alem das peças officiaes publicadas pelo governo, os factos são suficientíssimos para basear esta minha proposta, porque se mostra que o governo nunca pediu a intervenção de Inglaterra. E quando não houvesse documentos a isto respeito, havia as declarações feitas hontem por parte do governo pelo sr. ministro da marinha, declarações feitas primeira e segunda voz, porque s. ex.ª repetiu-as, e de todas ellas se viu que o governo não pediu a intervenção ingleza.

Por consequencia já pelos documentos, já pelas declarações por parte do governo, não posso deixar de sentir que a intervenção da Inglaterra não fosse pedida a tempo. Apresento mais as seguintes propostas.

Emenda ao quinto periodo:

Onde se diz = os progressos das obras publicas não têem soffrido interrupção = proponho que se diga = os progressos das obras publicas, em geral, não têem soffrido interrupção =.

Additamento ao mesmo periodo:

«Todavia a camara lamenta, que não tenha prosseguido a

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construcção do caminho de ferro do norte, na conformidade da carta de lei de 4 de junho de 1857, e que o contrato de 28 de agosto do mesmo anno não tenha sido levado á execução, ou rescindido em tempo competente, no caso do respectivo concessionario ter fallado á observancia das estipulações que aceitou.»

Emenda ao periodo setimo:

Onde se diz = merecem a particular solicitude = proponho que se diga = mereceram a particular menção do governo> =.

Additamento ao setimo periodo:

«E especialmente a reforma da lei eleitoral, instantemente reclamada pelos votos do paiz, que deseja ver seguramente garantido o mais importante e sagrado dos seus direitos politicos; e a instrucção publica, repelidas vezes pelo governo promettida, da qual tanto depende a moralidade e instrucção dos povos.»

Nada mais tenho a dizer, e concluo mandando as propostas para a mesa.

PARECER

O

Senhores: — A vossa commissão dos negocios ecclesiasticos examinou a petição dos habitantes do logar do Espinheiro, no arciprestado de Celorico da Beira, no bispado da Guarda, em que pedem a creação de uma freguezia para aquella povoação, allegando que têem para esse fim uma boa igreja; que o logar contem o numero de cem fogos; que a freguezia de que se separam esta em distancia de mais de uma légua, difficultando-lhes o transito o rio Mondego que se mette de permeio, e que essa freguezia fica ainda, feita a separação, com duzentos e cincoenta fogos. Expõem os inconvenientes que d'ahi resultam pela falta de pastor espiritual, e até pela das auctoridades civis, que nenhuma tem.

Considerando a commissão, que o arredondamento d'esta nova freguezia depende do conhecimento da boa divisão territorial, e de outras circumstancias locaes e economicas, sem desattender comtudo os motivos dos requerentes, que parecem procedentes, resolveu que esta petição fosse remettida ao governo, a quem já outra sobre o mesmo objecto foi dirigida, e instruida com documentos, para pedir brevemente a continuação da auctorisação devida, e deferir como for de justiça, na conformidade da carta de lei de 2 de dezembro de 1840.

Sala da commissão, 4 de janeiro de 1859. — Alexandre de S. Thomás Pereira = Rodrigo de Castro Meneies Pitta = Alves Martins — Francisco José Alves Vicente — Sebastião Salvador Baptista Canã — Francisco de Senna Fernandes = Maximiano Xavier Osorio de Figueiredo.

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