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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 4

EM 14 DE JANEIRO DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gumes da Costa

Secretarios — os dignos Pares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMAEIO: — É lida e approvada a acta da sessão antecedente. — Expediente: O Digno Par Eduardo José Coelho envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Ministerio da Marinha, e uma nota de interpellação aos Srs. Ministros da Justiça e Reino sobre o decreto de 19 de setembro de 1902. Aproveitando o uso da palavra refere-se ao facto de estarem exercendo as suas funcções alguns magistrados da Madeira que se acham pronunciados, e estranha o que occorreu ha pouco em um dos concelhos do districto de Leiria numa arrematação de bens nacionaes. O requerimento e a nota de interpellação são expedidos. — Respondem a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro da Fazenda. — O Digno Par Mendonça Côrtez chama a attenção do Governo para a maneira por que se encontra estabelecido o systema da tracção electrica em Lisboa, de maneira a evitar occorrencias lamentaveis. O Sr. Presidente do Conselho regista as considerações do Digno Par e promette toma-las na devida consideração. O Digno Par Telles de Vasconcellos participa que não tem comparecido ás sessões da Camara por ter estado ausente de Lisboa. — O Digno Par Sebastião Baracho manda para a mesa tres requerimentos pedindo documentos ao Governo. São expedidos — Continuando o incidente levantado a proposito das notas trocadas entre o Governo Português e os Governos Allemão e Francês sobre a execução do convenio, usa da palavra o Digno Par Sebastião Baracho, e respondo a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho.

Ordem do dia. — É eleita a commissão de verificação de poderes. Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás 2 horas e 40 minutos da tarde, verificando-se a presença de 28 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada? a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Fazenda acompanhando um documento requisitado pelo Digno Par Sebastião Baracho.

Para o archivo.

Officio do Ministerio da Marinha enviando dois autographos de decretos das Côrtes Geraes.

Para o archivo.

Officio do Ministerio da Fazenda remettendo tres autographos de decretos das Côrtes Geraes.

Para o archivo.

Estavam ao começo da sessão os Srs. Presidente do Conselho, e Ministros dos Negocios Estrangeiros e da Guerra, e entraram durante dia os Srs. Ministros da Marinha e da Justiça.

O Sr. Presidente: — Disse que continuava em discussão o incidente levantado na sessão anterior sobre as notas diplomaticas.

Estando inscritos alguns Dignos Pares, os Srs. Conde de Castello de Paiva e Eduardo José Coelho, da sessão anterior, e nesta o Sr. Mendonça Cortez dará a palavra a S. Exas., se apenas tiverem que mandar para a mesa alguns papeis, requerimentos ou notas de interpellação.

Não estando presente o Sr. Conde de Castello de Paiva, tinha a palavra o Digno Par Eduardo José Coelho.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Não abusará da benevolencia do Sr. Presidente e da Camara.

Manda para a mesa a seguinte nota de interpellação e requerimento.

São do teor seguinte:

Desejo interpellar os Srs. Ministro do Reino e da Justiça sobre o decreto de 19 de setembro de 1902, publicado no Diario do Governo de 23 do mesmo mês e anno, como anarchico e subversivo pelo que respeita á independencia dos poderes publicos, e especialmente affrontoso da honra e merecidos creditos da magistratura portuguesa. = O Par do Reino, Eduardo José Coelho.

Sequeiro que, com urgencia, sejam enviados a esta Camara, pelo Ministerio da Marinha, os seguintes documentos e informações:

1.° Copia do officio inicial de Robert Williams, enviado ao Ministerio da Marinha, que contem as bases fundamentaes do contrato celebrado pelo Governo e aquelle Robert Williams, de 28 de novembro d« 1902, publicado no Diario do Governo de 29 do mesmo mês, com a data do mesmo officio e a data da entrada no Ministerio da Marinha

2.° Copia do contexto do contrato, tal como foi elaborado pelo advogado do concessionario, e data da entrada d'este rio Ministerio da Marinha;

3.° Copia do diploma ou despacho ministerial determinando á Junta Consultiva do Ultramar que emitta parecer sobre o contrato, ou projecto de contrato, copia do parecer, ou consulta da junta, com a declaração se houve relator especial, e neste caso copia d'esse parecer, ou relatorio; e tambem a informação se a cada um dos vogaes, ou membros da junta, foi continuado com

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vista o projecto do contrato, e por quanto tempo a cada um d'elles;

4.° Se anteriormente á apresentação do officio inicial, de que trata o n.° l.° (bases essenciaes da negociação) o concessionario tinha feito quaesquer outras propostas por escrito, ou verbaes, e data especificada de umas e de outras, se existiram, ou declaração negativa de que não existe no Ministerio da Marinha cousa alguma que se ligue com o contrato, anteriormente ao chamado officio inicial;

5.° Copia de qualquer correspondencia, incluindo telegrammas, trocada entre o Ministro e o concessionario, occorrida desde a apresentação do officio inicial durante a estada em Londres do concessionario até o regresso d'este a Lisboa para realização definitiva do contrato;

6.° Copia do diploma ministerial pedindo ou ordenando que a Procuradoria Geral da Coroa dê consulta sobre o projecto do contrato, e copia d'esse parecer, com a declaração se esse parecer ou consulta foi em conferencia, quando d'ella isso não conste, ou informação de que a Coroa não foi ouvida antes da celebração do contrato.

Camara dos Dignos Pares do Reino, 14 de janeiro de 1903. = Eduardo José Coelho.

Desejava tambem perguntar ao Sr. Ministro do Reino se, achando-se pronunciados em ultima instancia os administradores dos concelhos do Funchal e Machico, S. Exa. entende que esses funccionarios administrativos podem continuar em exercicio.

Finalmente, ao Sr. Ministro da Fazenda pergunta se S. Exa. está informado de um facto, de que teve conhecimento por pessoa que lhe merece credito, e que consiste em ter declarado o escrivão de fazenda, em Leiria, concelho de Ancião, que se não verificaria, uma praça para arrematação de chamados bens nacionaes, e, duas horas depois, apparecer um edital, ou aviso, do administrador do concelho em que se declarava effectuar-se a praça, mas apenas para a venda de certas glebas.

Espera que S. Exa. se informe a este respeito, pois, se não responsabilizava pela veracidade do facto devia comtudo repetir qu9 d'elle fora informado por pessoa que lhe merece confiança. Espera que S. Exa. tome as providencias que julgue convenientes.

Foram expedidos, tanto a nota de interpellação como o requerimento.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Em resposta a pergunta do Digno Par tinha apenas a dizer que, em tempo devido, telegraphou ao Sr. Governador Civil do districto do Funchal, accentuando a doutrina, — que lhe pareceu dever ser seguida, embora possa ser juridicamente contestada — de que, em relação a administradores de concelho pronunciados definitivamente, elles teriam de ser suspensos desde que houvesse conhecimento official d'essa pronuncia.

Por agora limita-se a dizer que o Governo não tem conhecimento official de que os administradores, a que o Digno Par se referira, estejam pronunciados,

O Sr. Eduardo José Coelho (em áparte): — Pois estão!

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): — Com relação ao assunto a que o Digno Par, Sr. Eduardo José Coelho, se referiu, declarava a S; Exa. que .se informaria a tal respeito e daria depois conta do resultado das suas indagações.

O Sr. Presidente: — Daria tambem a palavra ao Sr. Mendonça Cortez, se S. Exa. desejava mandar alguns documentos para a mesa.

O Sr. Mendonça Cortez: — Era. simplesmente para declarar ao Sr. Presidente que não assistiu á sessão passada por falta de saude.

Tambem pediu a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, mas, como S. Exa. não está presente, dirige-se ao Sr. Ministro do Reino, para lhe fazer algumas ponderações referentes ao serviço da viação americana em Lisboa.

Ás condições em que se encontra este systema de viação que, aparentemente, parece funccionar de modo a não produzir accidentes funestos, e analogos a um que ha dias occorreu, estão todavia muito longe de attingir uma perfectibilidade que os evite.

Não ha, de um modo absoluto, maneira de evitar desastres; mas ha muitas maneiras e muitos modos de evitar accidentes como aquelle que aconteceu ha dois ou tres dias; e é por isto que chama a attenção do Sr. Ministro do Reino, lembrando-lhe que, segundo os preceitos politicos que ainda nos regem, S. Exa., assim como o seu collega das Obras Publicas, são moralmente responsaveis por todos os accidentes que possam dar-se.

Como parece terem produzido em S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, alguma impressão as palavras que proferiu, torna a dizer que os Srs. Ministros são moralmente responsaveis por estes accidentes, que não teem sido encarados como deviam sê-lo.

Não se refere g gora ao estado das linhas em Lisboa, nem trata de investigar neste momento se ellas se encontram no estado que a technologia especial aconselha.

Mas pergunta: a quem pertence a responsabilidade d'esses accidentes?

Aos empregados inferiores? Não? porque estes obedecem a ordens superiores.

Aos directores dos ministerios? Tambem não, porque esses não respondem perante a Camara e executam as ordens do Governo.

São pois os Srs. Ministros os responsaveis por tudo quanto possa dar-se e succeder.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Toma à palavra unicamente para registar as considerações feitas pelo Digno Par, e para lhe assegurar toda a boa vontade do Governo em que se não repitam accidentes do genero d'aquelle a que S. Exa. se referiu, tanto mais que S. Exa. quis attribuir ao Governo a responsabilidade moral d'esses acontecimentos, que, aliás, são fortuitos.

Comprehendia bem o Digno Par que o Governo tinha o maximo empenho, tanto como S. Exa., em que nunca se dessem esses desastres.

O Sr. Mendonça Cortez: — Agradece as explicações do Sr. Presidente do Conselho, mas diz a S. Exa. que não se trata de accidentes fortuitos.

Aquelle a que o orador se havia referido podia não ter-se dado, se se tivesse procedido com toda a cautela, e se tivessem sido attendidas as prescrições regulamentares.

O Sr. Sebastião Baracho: — Antes de entrar propriamente na discussão do assunto para que pedira a palavra na sessão passada, o orador ia ler os requerimentos que mandava para a mesa, porque deseja sobre alguns d'elles fazer considerações e chamar a attenção do Sr. Ministro da Fazenda para que lhe fossem enviados com a possivel brevidade.

O seu primeiro requerimento era do teor seguinte:

(Leu).

Não teria pedido estes documentos se elles tivessem sido publicados no Diario do Governo, como determinam os preceitos mais elementares de administração publica.

Numa das sessões passadas dissera que havia de investigar, empregar todos os seus esforços para descobrir o paradeiro de certos funccionarios de que se não sabe a situação official, porque não foram publicados os decretos e diplomas que lhes deram destino.

Se se tivessem cumprido os preceitos de uma regular, honesta e bem pautada administração, se não se negasse ao exame do Parlamento documentos de

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especie alguma, o orador não teria de fazer estes requerimentos.

Ha de tratar d'estes assuntos ainda que não seja senão com os documentos que já tem e não haverá razão de especie alguma que o impida de pôr bem em evidencia a falta de moralidade governativa.

Quando se trata de pedir ao país pesados impostos é preciso explicar qual é a autoridade dos que fazem este pedido.

O seu segundo requerimento era assim concebido:

(Leu).

No anno passado iniciou a sua critica, a sua campanha, se assim se pode chamar, pelo exame feito aos actos do Governo, tratando a questão da guarda fiscal e a sua substituição pelo corpo de fiscalização dos impostos. Successivamente foi tratando d'estes assuntos, de forma a provar quanto foi desastrada a criação d'este corpo.

Na ultima sessão do anno findo, e em que o orador póde usar da palavra, ainda se occupou do mesmo objecto.

Hoje pedia documentos para mostrar á Camara quanta razão tinha ao condemnar energicamente a organização do corpo chamado da fiscalização.

Para demonstrar que a cobrança dos impostos do Estado não melhorou, bastava citar o facto de que de 1902 ha por cobrar os tres ultimos trimestres do rendimento do real de agua e que :este serviço, no primeiro trimestre, foi feito na maior parte pela guarda fiscal.

Isto vem dar força aos seus argumentos anteriores.

A gerencia da administração publica deve ser pautada pelos mais estrictos principios de moralidade e economia, e estes salutares preceitos não são acatados, como o orador tem demonstrado «m successivas sessões.

Manda tambem para a mesa um requerimento relativo ao Tribunal de Contas.

Os requerimentos são do teor seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

1.° Nota da divida fluctuante até 31 de dezembro ultimo;

2.° Nota do rendimento do real de agua relativo aos tres ultimos trimestres de 1902;

3.° Copia do auto de posse dada a Antonio Pusich de Mello, em fevereiro de 1902, como primeiro official da Inspecção Geral dos Impostos;

4.° Indicação da data do decreto que concede a supra indicada categoria áquelle funccionario.

5.° Indicação da data do diploma que reformou ou aposentou, o ex-escrivão de fazenda do 4.° bairro de Lisboa Antonio da Costa Moraes. = Sebastião Baracho.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

1.° Relação nominal dos fiscaes que fizeram o serviço da fiscalização do sêllo nos theatros da capital, nos meses de janeiro a junho de 1902.

2.° Copia das folhas de gratificação pelo serviço de fiscalização do sêllo nos theatros da capital, nos meses de janeiro a junho de 1902.

3.° Despacho ministerial que autorizou taes gratificações.

4.° Copia das folhas de gratificação por serviços extraordinarios, pagos ao pessoal da Inspecção Geral dos Impostos nos meses de janeiro a junho de 1902.

5.° Nota das despesas feitas na Inspecção Geral dos Impostos (quando antes da sua actuai organização se denominava Repartição Central das Contribuições Directas) com obras, mobiliario e expediente —com as necessarias discriminações— nos annos de 1900, 1901 e 1902.

6.° Relação nominal do pessoal do corpo de fiscalização dos impostos que presta serviço nas repartições da inspecção geral.

7.° Nota das importancias recebidas, por diversos titulos, pelo ex-inspector geral Vasconcellos, de janeiro a dezembro de 1902.

8.° Certificado passado pelo chefe da 2.ª Repartição da Inspecção Geral dos Impostos, no qual se declare se todo o pessoal do corpo da fiscalização —designado na tabella n.° 2 do decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901 — foi submettido á junta medica e por esta julgado com a necessaria robustez para desempenhar com actividade as funcções do seu cargo.

9.° Nota dos adeantamentos feitos ao ex-inspector geral Vasconcellos por despacho especial do Sr. Ministro da Fazenda, e forma do seu pagamento ao Thesouro.

10.° Certificado passado pelo chefe da 1.ª Repartição da Inspecção Geral dos Impostos, no qual se declare com que categoria foi abonado na folha dos vencimentos, referentes aos meses de janeiro a setembro de 1902, o antigo empregado aduaneiro Antonio Pusich de Mello.

11.° Nota dos empregados amais do quadro estabelecido na tabella n.° 2 do decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901. = Sebastião Baracho.

Requeiro que, pelo Tribunal de Contas, me seja indicada a data em que foi posto o visto no decreto que aposentou ou reformou o escrivão de fazenda do 4.° bairro de Lisboa, Antonio da Costa Moraes. = Sebastião Baracho.

O Sr. Presidente: — Disse que os requerimentos, mandados para a mesa pelo Digno Par, iam ser expedidos.

O Orador: — Entendeu ou pareceu-lhe entender, quando o Sr. Presidente do Conselho respondeu ás suas ponderações, que S. Exa. alludiu não só á sua situação politica mas tambem á sua situação pessoal.

É certo que estas referencias tinham sido feitas em tem avelludado, sem a menor duvida, mas a Camara devia comprehender que o orador se admirasse de tal facto se dar, e de S. Exa. trilhar áquelle terreno.

Lendo porem os Annaes reconheceu que taes referencias não figuram ali; recorreu á leitura da acta, e igualmente verifica que não figuraram nella.

Quer crer que não ouvisse bem. Era possivel; talvez sonhasse.

Já João de Deus dizia que a «vida é sonho tão leve, que se desfaz como a neve, e como o fumo se esvae».

Se o orador sonhou, foi sonho tão leve que d'elle acordou, perante o silencio dos Annaes e da acta, para significar á Camara que, d'aquelle logar e naquella casa, não trata as questões senão sob o seu aspecto politico e por forma a não merecer reparos, nem do Sr. Presidente nem de ninguem. Instrue exclusivamente a sua argumentação pelos dictames da consciencia, pelo seu criterio, pelo respeito que tem por esta casa do Parlamento e seu venerando Presidente e pelo respeito por si proprio.

Deseja mio ter de se afastar d’este caminho, que reputa direito, e em que sempre tem transitado; mas tambem não deixará de corresponder devidamente a incitamentos que o chamem a outro campo, partam elles de onde partirem. E este o seu dever.

Ficando bem assente esta doutrina, vae responder ás ponderações que o Sr. Presidente do Conselho fez, na replica ás considerações que o orador tinha apresentado sobre o assunto que se debate e que por elle foi trazido á discussão.

O Sr. Presidente do Conselho começou por declarar que não estava em contradição com antigos actos praticados por S. Exa., relativamente á não publicação, na Folha Official, das duas notas que se discutem; e todavia nos Diarios do Governo de 26 e 28 de abril ultimo apparecem insertos documentos relativos á questão com os credores externos e que nunca appareceram em Livro Branco algum.

Estes factos deram-se em abril, precisamente quando se discutia o convenio; na outra Camara.

É patente, portanto, que o precedente existe, e até fornecido pelo Sr. Presidente do Conselho que, neste

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ponto, como em tantos outros, o seu presente está em completa contradicção com o seu passado.

Mas o que desejava o orador, quando pediu a publicação das notas? Desejava que ellas fossem facultadas á apreciação publica.

Está satisfeito o seu desejo, com a inserção d'ellas nos Annaes, e o país possue hoje os meios de se poder esclarecer sobre assunto de tanta ponderação e magnitude.

Posto isto, o orador de novo recorda que por differentes vezes interpellou o Governo, no anno passado, sobre se tinha havido ou haveria troca de notas com as chancellarias estrangeiras, acêrca da execução do convenio.

O Sr. Presidente do Conselho, respondendo negativamente com respeito ao passado e presente, deixava antever o que succederia no futuro. São estas as suas textuaes palavras:

Não quer isto dizer que se algum Governo perguntar o que ha, com respeito aos credores, seus nacionaes, o Governo lhe não responda, como é do seu dever.

S. Exa., para justificar a sua asserção, affirmou que era previsto, e essa previsão fui devidamente ironizada pelo Digno Par José Luciano de Castro, por forma que ao chegar ao conhecimento da Camara, e, sobretudo, ao conhecimento publico o humorismo do illustre chefe do partido progressista, reconhecer-se-hia, por certo, que não foi o Sr. Presidente do Conselho que levou a melhor parte neste debate.

Mas o que verdadeiramente representa o acto do Sr. Presidente do Conselho é um convite a que o interroguem.

Assim deve ser traduzido literalmente, triste é reconhecê-lo.

S. Exa. nem sequer podia allegar ignorancia com respeito á responsabilidade que traria a resposta á perguntas d'esta natureza. S. Exa. devia estar informado do que se passara em outros países que tiveram a má sorte de formular respostas a perguntas feitas por essa forma.

Elle mesmo, que está falando, tratou aqui este assunto por mais de uma vez, designadamente na sessão n.° 28 de 31 de março de 1902.

(Leu as perguntas que então fizera ao Br Ministro da Fazenda).

O que respondeu o Sr. Ministro da Fazenda? Respondeu isto:

(Leu).

Ahi está como o Sr. Ministro da fazenda pela sua parte insinuava ou deixava já antever que o Governo se prestaria a responder ás notas do teor

d'aquellas que lhe foram enviadas pelas chancellarias allemã e francesa.

Elle, orador, não se satisfez com a resposta do Sr. Ministro da Fazenda, dada pouco antes de se encerrar a sessão, e quando já não podia replicar.

Na sessão n.° 29 respondeu-lhe, o Sr. Presidente do Conselho sem nada adeantar sobre o assunto. Apenas recorreu a um dos bordões que S. Exa. tem, quando, em vez de encarar as questões de frente, de dar respostas adequadas, se aventura em divagações ou em digressões. Affirmou que era português!

Com esta resposta não ficou satisfeita, nem tão pouco podia satisfazer-se a legitima curiosidade d'elle, orador, em saber o que nesse tempo se urdia contra a nossa autonomia financeira, contra a autonomia... do brio nacional.

Voltara ao assunto na sessão de 11 de abril, protestando que a resposta dada pelo Sr. Ministro da Fazenda na sessão de 31 de maio lhe deixou antever o perigo de cairmos na formula servia do contrôle estrangeiro.

Discutia-se então o Orçamento, e foi o Digno Par Moraes Carvalho que lhe deu a honra de lhe responder, e que não estava naturalmente habilitado a illucidá-lo, por ser materia que não se comprehendia na sua esfera de acção.

Portanto, como a Camara vê, o Governo estava repetidamente avisado acêrca das responsabilidades resultantes de se engajar numa questão d'esta natureza.

Elle, orador, por muitas vezes tratou do assunto, invocando até o exemplo de outras nações.

Mas em que foi baseada a nota allemã?

Depois do protocolo de Paris, de 23 de junho, o comité allemão informou o seu Governo de que os credores d'aquella nacionalidade não adheririam ao convenio, se não lhes fosse dada a certeza de que obtinham as garantias que constam da nota do respectivo Ministro.

Elle, orador, já na anterior sessão observou, mas ficou sem resposta, que se o convenio tivesse sido integralmente apresentado ao Parlamento, em logar de começar numa autorização, não teria havido motivo ou pretexto para a nota do Ministro Allemão.

O Sr. Presidente do Conselho não só não quis attender a esta ponderação, como teimosamente pôs de parte os seus antigos precedentes.

É preciso que a Camara saiba, que o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, em 1898, quando combateu o convenio progressista, um dos motivos por que mais atacou esse diploma, e que mais pôs em relevo, como sendo uma calamidade para o país, se esse convenio chegasse a produzir os seus effeitos, foi precisamente a circunstancia de não ser um convenio integro, e apenas uma autorização.

Quando elle, orador, discutiu o convenio actual, repetiu as proprias palavras proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho, quando era opposição á situação progressista.

Elle, orador, é que já então, como agora, combatia as autorizações.

O Sr. Presidente do Conselho não se manteve no mesmo modo de ver.

Os factos estão confirmando que a elle orador não falhou a previsão, que suppunha deveria ser a de toda a gente. A autorização trouxe os inconvenientes que se estão vendo; forneceu pretexto para as duas notas diplomaticas. E ainda patenteou outro inconveniente, — o de decorrerem tres meses entre a autorização, que tem a data de 14 de maio de 1902, e o convenio integro, que é de 9 de agosto.

A Camara bem pode comprehender as difficuldades que, no decurso d'estes tres meses, levantaram as exigencias por parte da insaciavel classe dos que, com banca mais ou menos cosmopolita, se locupletam em negocios d'esta ordem, varrendo não só as migalhas do pobre, mas a abundancia do rico, e arrastando até na enxurrada a dignidade dos miseros que lhes experimentam as garras aduncas.

Elle, orador, leu com attenção as notas, e da sua leitura accentuou-se-lhe a convicção do que sustentou na sessão de 1902, quando aqui punha em relevo o desastre que teria de experimentar o nosso país se enveredasse por esse caminho.

O tempo, infelizmente, veiu dar-lhe razão.

As notas são verdadeiramente pungentes, tanto na doutrina como na exterioridade que as reveste.

É preciso recordar que a nota ao Governo Allemão tem a data de 13 de julho.

Pois o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros respondeu logo no dia immediato.

Assim pois, num assunto que tão fundamentalmente affecta o brio português e os legitimes interesses da nação, a resposta foi dada em 24 horas, e de mais a mais nos termos que vae recordar.

(Leu).

Porventura um assunto de tanta magnitude não foi a Conselho de Ministros?

Foi o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que por seu alvedrio resolveu, ou entendeu-se apenas com o Sr. Presidente do Conselho para ter esta celeridade de resposta, que brada aos céus?

Quando se jogam interesses da pa-

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tria, interesses de tanta magnitude, não ha tempo para reflexões, não ha tempo, emfim, para ouvir os collegas afim de que o Ministro pudesse instruir-se com o criterio d'aquelles que teem largas responsabilidades na administração publica?

É assim que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros declara em meia duzia de horas que não tem duvida alguma em dar a resposta que mandou á chancellaria alterna!

Estas notas marcam e accentuam profundamente a situarão funebre em que se encontra o chefe da diplomacia portuguesa, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Não ha indifferentismo publico, mesmo aquelle em que está o nosso país, e a que elle orador chama indifferentismo comatoso — que possa deixar de imprimir um carimbo de inutilização em quem formulou taes respostas e em quem as assinou com esta precipitação, deduzida das datas que trazem.

É velho e mais :ou menos conhece por dever de officio! o que se passa na Europa; por isso se insurgia contra semelhantes expedientes e processos e levantava a sua VQZ para pedir explicações, para apreqiar acontecimentos tão insolitos, fazendo-o em attenção ao interesse que tem em que o seu país seja respeitado e honrado no estrangeiro.

Mas, inspirado nestas ideias, dizia elle, orador, na sessão passada, com respeito ás respostas dadas ás duas chancellarias:

Ha respostas e respostas e seguramente a que foi dada pelo Sr. Ministro dos Estrangeiros ao Governo Allemão não é a que mais se amolda á legitima altivez de uma nação autonoma, que sabe satisfazer os seus compromissos e que, regula os seus actos por uma administração honesta.

O Sr. Presidente do Conselho referindo-se a estas suas palavras ou a outras equivalentes, fez lhe a justiça de declarar que a forma era correcta, comquanto o ataque fosse profundo.

O Sr. Presidente do Conselho, na sessão anterior, recorreu a argumentos casuisticos para attenuar o desastre do Governo, e chegou a affirmar que elle orador, não justificava as suas asserções.

Será preciso, porem, una alto discernimento para ver claramente o que querem dizer as notas estrangeiras?

O que manifestavam os credores allemães quando recorriam ao seu Governo, senão a mais absoluta desconfiança no Governo Português?

Procediam assim por quererem tornar partilhante o seu Governo, ou antes, por quererem declinar nelle a intervenção que elles poderiam ter como credores, e assim transformarem a acção do credor para o devedor em acção diplomatica.

Pois ha mais accentuada desconfiança do que esta que manifestaram os credores allemães?

E qual é o pensar da chancellaria allemã com respeito ao país a quem ella dirige notas d esta natureza por instancias dos seus nacionaes?

Pois, porventura, o Governo Allemão ponderou aos seus nacionaes: «Ha uma lei já votada; essa lei vae ser convertida em convenio definitivo; aguardem, pois, os acontecimentos, porque eu não posso dirigir-me ao Governo Português, sem partilhar de desconfiança igual á dos senhores, que são credores». Disse isto o Governo Allemão?

Positivamente, não.

As notas são a prova provada de que o Governo Allemão, infelizmente, reconheceu ;a justiça dos seus nacionaes, e com elles se associou na desconfiança que elles haviam manifestado.

Elle, orador, affirmou na sessão anterior que: a nota germanica profundamente nos tinha maguado, profundamente nos tinha ferido, não só nos nossos mais caros interesses economicos, mas sobretudo na nossa dignidade, como nação livre. E se houvesse alguma duvida a respeito da significação que tem a nota da chancellaria allemã, veja-se como assuntos d'esta natureza são interpretados em toda a parte, e recorra-se ás notas trocadas entre o Governo Francesa o Governo Português.

O Sr. Sebastião Telles: — Peço a palavra.

O Orador: — O Governo Allemão tomou como pretexto para se nos dirigir, conforme se infere da sua nota, o irem ser transformadas as autorizações dadas na lei de 14 de maio em convenio definitivo? Mas o Governo Francês que motivo teve para exercer a sua intervenção? O convenio estava definitivamente feito; as automações tinham sido cumpridas á risca.

Vangloriava-se ha poucos dias o Sr. Presidente do Conselho de que não tinham sido modificadas as autorizações.

Pois, poderiam ser modificadas as autorizações, tendo como fiscaes os comités de nações tão poderosas, como são a França e a Allemanha?

O que admira é que não tendo sido modificadas as autorizações, mas transplantadas na integra pura o convenio definitivo, o Governo Francês interferisse.

Para que e que se sustenta a doutrina de o Governo Allemão haver tomado para pretexto da sua intervenção, o facto de as autorizações não estarem ainda convertidas em convenio definitivo?

Está reconhecido pelas datas que, quando o Governo Francês declara que lavra acta com respeito ás concessões feitas ao Governo Allemão, o faz em epoca muito posterior á do convenio integro, quatro meses depois de 9 de agosto.

Isto quer dizer que o Governo Francês entende que o Governo Português tem de lhe conceder idênticas vantagens ás dadas aos subditos de Allemanha.

Na actualidade, os subditos da Allemanha não desfrutam outras vantagens alem de ter o seu Governo como fiscal dos actos do Governo Português.

A França inscreveu-se tambem para a fiscalização (controle), exercida em proveito dos seus nacionaes. Para isso bastou-lhe informar, em 4 de dezembro, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros de que tomou nota das concessões feitas aos; subditos allemães. O Governo Português accusou a recepção da nota francesa, em 12 do mesmo mês. Em taes condições, encontramo-nos, para com a França, envolvidos em liames similares aos que vigoram na Servia.

Estes factos não se teriam dado: primeiro se o Governo não tivesse iniciado negociações sem previamente equilibrar o Orçamento, como por mais de uma vez o orador reclamou; e se o Governo não se tivesse alargado em despesas que não se justificam, por principio nenhum, e com as quaes apenas lucra a sua clientela, nada recommendavel, no seu maior numero.

O corpo da fiscalização dos impostos é typico a tal respeito. Foram ali albergados sujeitos que nem folha corrida teem; e outros muitos orçamentiveros foram criados, que qualidade alguma recommenda.

Ora, quando na administração publica se desce a este ponto e, longe de se equilibrar o orçamento, este se aggrava com despesas que não miram ao desenvolvimento da riqueza publica, o que é que se podia esperar de estranhos, que não aspiram a cultivar a tolerancia perante os nossos desacertos e a nossa má administração?

Ás observações que fizera sobre este estado de cousas, o Sr. Presidente do Conselho respondera-lhe o seguinte:

O Digno Par ha de reconhecer uma cousa, e é que, sejam quaes forem as nossas dissenções internas, devemos apresentar-nos lá fora como representantes de uma nação honrada.

Para isso é necessario que não nos comparemos com a Servia e com a Bulgaria; para isso é preciso que não andemos a apregoar o contrôle...

Mas, porventura, o orador comparou o seu país com a Servia e a Bulgaria?

Limitou-se a fazer menção do que o

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32 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Temps importante jornal francês, disse, com grande magua sua. A comparação fê-la aquelle jornal.

O orador lamentou se dê haver um jornal que comparasse Portugal á Servia e á Bulgaria.

Asseverou mais o Sr. Presidente do Conselho que era preciso não andarmos a apregoar o Controle.

O que era preciso era o Governo o hão ter feito.

Que culpa tinha o orador de que houvesse a fiscalização estrangeira, que deriva das notas diplomaticas? Nenhuma. Não tem responsabilidades de especie alguma na administração do Estado. Nunca teve intervenção na administração publica.

Pela sua parte, tinha em vista fazer com que os factos sejam bem conhecidos por todos, como o devem ser, afim de, por esta forma, podermos obstar a nova derrocada.

Já que pouco collaboramos na feitura das leis, visto que ellas saem, na sua quasi totalidade, dos gabinetes dos Srs. Ministros, ao menos empenhemo-nos para salvar á nação, fiscalizando no Parlamento os actos do executivo.

De contrario, é melhor fecha-lo, (Apoiados da esquerda), e deixarmos o país entregue ao gabinete negro do Juizo de Instrucção Criminal, ^onde agonizam os direitos individuaes. É preciso içar ali bem alto um novo camaroeiro, que indique ao transeunte que não é só no oceano revolto que ha submersões.

E como este estado morbido carece de pronto remedio, de novo voltará ao assunto, para que bem se possa apreciar o que temos retrogradado ultimamente em materia de liberdades publicas.

O orador tem advogado a doutrina, que está em harmonia com palavras proferidas aqui pelo Sr. Pereira de Miranda, ao convidar o anno passado o Sr. Presidente do Conselho a sair dos Conselhos da Coroa, porque não podia regenerar a administração e os costumes publicos.

Depois de se ter feito campanha de vida nova, que o orador chamaria a vida regrada, depois da propaganda insistente para transformação dos nossos costumes politicos, apparecia agravada a já famosa questão Hersent, sobre a qual pediu documentos, e de que ha de tratar a fundo.

Se ha bem-pensantes; apologistas do Governo, que pedem e instam para que se adopte a politica da esponja, isto é, do silencio, em assuntos da magnitude d'estes, ha tambem quem, como elle, entenda que o silencio e a inacção representariam, no momento actual, um dos desastres mais funestos para a nossa querida patria.

O Sr. Telles de Vasconcellos: — Mandou para a mesa a seguinte declaração:

Declaro a V. Exa. Sr. Presidente, que não tenho vindo ás sessões da Camara por ter estado ausente de Lisboa. = Telles de Vasconcellos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): — Seria breve na sua resposta.

Reconhece, é claro, a cada um dos membros do Parlamento o direito livre de apreciação e de critica aos actos do Governo, em assuntos de interesse publico; mas tambem tinha a consciencia do dever que lhe impende na sua situação politica.

Pode o Digno Par referir-se largamente a esta questão; elle, orador, entende que deve ser breve.

Perguntado pelo Digno Par acêrca da existencia de correspondencia diplomatica respondeu com a verdade e, mais do que isso, trouxe á Camara a mesma correspondencia, e deu inteiro conhecimento d'ella, não só lendo-a, mas explicando-a. Fora até onde devia ir no cumprimento do seu dever.

Agora, em resposta ás largas considerações do Digno Par, cumpre-lhe o dever de ser breve, e breve será.

Uma cousa dirá desde já, e é que não viu os Annard d'esta Camara onde se encontra o extracto da sessão passada, nem tão pouco a respectiva acta.

Pediu agora esses Annaes para responder a S. Exa., e a acta, nem sequer a conhece.

Faz esta declaração para affirmar que não teve a mais ligeira interferencia na redacção d'esses documentos. Responde sempre pelos seus actos e pelas suas palavras.

O Sr. Sebastião Baracho: - Faz como todo o homem publico.

O Orador: — É o que fez, e ha de fazer sempre.

O Sr. Sebastião Baracho: — Não é Uma excepção.

O Orador: — Não diz que seja uma excepção; responde por si. Responde pelos seus actos e pelas suas palavras. Nunca fez referencias pessoaes no Parlamento, nem é seu desejo recorrer agora a esse meio.

Nesta parte nada mais tem a responder a S. Exa.

O Digno Par, querendo contestar uma resposta que o orador oppôs a observações feitas na ultima sessão, disse que no Diario do Governo do anno passado haviam sido publicados documentos requeridos na outra casa do Parlamento por um Deputado da nação, e que essa publicação se fez com assentimento do Governo. É certo. Simplesmente o Digno Par não attentou na natureza d'esses documentos.

Não eram documentos de caracter diplomatico: era a correspondencia trocada com a Direcção Geral da Thesouraria do Ministerio da Fazenda.

Estes que agora entravam em discussão eram documentos de caracter diplomatico; documentos que tinham pela sua natureza justo cabimento no Livro Branco.

Disse tambem o Digno Par que em vez do Governo ter apresentado uma lei pedindo uma autorização para effectuar um convenio, melhor fora que tivesse trazido os termos definitivos d'esse convenio, por que então já não teriamos as notas dos Governos Allemão e Francês.

Responde ao Digno Par:

Trouxe o que não podia deixar de trazer; trouxe uma autorização para fazer um convenio com os credores externos em determinadas bases.

Disse o Digno Par que as notas que se trocaram são pungentes.

Cabe-lhe o direito de defender o procedimento do Governo, ò perguntar, ou antes, em vista das considerações feitas pelo Digno Par, frisar em que é que essas notas são pungentes.

O Digno Par falou largamente, como era seu direito, e segundo o seu criterio ; mas, quando chegou a esta parte quaes furam as razões, os motivos, os factos em que assentou a sua asserção?

Porque sendo a nota allemã do dia 13 se respondeu no dia 14, e porque o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros na sua resposta disse que nenhuma duvida tinha em responder nos termos da votada lei.

O Digno Par atacou segundo o seu criterio, e elle, orador, responde com o profundo convencimento de que o Governo prestou um alto serviço ao país. (Apoiados).

Então as notas são pungentes porque a nota do Governo Allemão chegou no dia 13, e a resposta foi no dia 14?

Não era pela natureza da nota, nem pelos factos occorridos; era porque essa nota foi recebida no dia 13 e o Governo respondeu no dia 14.

(Interrupção do Digno Par o Sr. Sebastião Baracho).

O Orador: — Estava respondendo ao Digno Par...

O Sr. Sebastião Baracho: — Peço a palavra.

O Orador: — Estava respondendo a considerações do Digno Par mas não

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SESSÃO N.º 4 DE 14 DE JANEIRO DE 1903

pode responder a todas ellas por uma só vez.

Affirmou o Digno Par que as notas são pungentes porque foram recebidas a 13 e o Governo respondeu a 14.

Note a Camara: as notas são pungentes não pelo que ellas encerram, não pela forma que revestem, mas porque o Governo as recebeu no dia 13 e só respondeu no dia 14.

Porque é que o Governo respondeu no dia 14? Por uma razão: porque na resposta do Governo Português e na pergunta do Governo Allemão não havia materia nova a considerar.

Só tinha que deter-se, se houvesse cousa que offerecesse duvidas quanto á applicação das disposições legaes.

O Governo não tinha que hesitar na sua resposta, nem tinha que ponderar, porque não havia materia nova.

Quanto a uma outra ^observação do Digno Par dirá que a responsabilidade do Governo é collectiva e solidaria em todos os seus actos. Ninguem tem o direito de perguntar se foi ou não ouvido o Conselho de Ministros; mas por deferencia para com S. Exa. dirá a S. Exa. que a resposta foi ponderada em Conselho de Ministros.

Segundo ponto: as notas são pungentes porque o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, respondendo ao Governo Allemão, disse:

(Leu).

Veja a Camara como são pungentes as notas e, sobretudo, como é desastrosa a resposta do Governo Português que dizia: eu não tenho duvida em responder ao Governo Allemão, porque tenho deante de mim a lei votada pelo Parlamento.

Foram estas as duas razões, os dois motivos, que elle, orador, ouviu apontar ao Digno Par como sendo aquelles pelos quaes S. Exa. considera as notas «pungentes».

Porque?

Porque o Governo respondeu no dia 14, tendo recebido a nota no dia 13.

Já disse e repete não hesitou na resposta, porque não havia materia nova a considerar, nem compromisso a tomar, fora d'aquillo a que a lei autorizava o Governo.

Porque é que o Ministro dos Negocios Estrangeiros disse que, em vista da lei votada pelas Côrtes, não tinha duvida era responder á nota do Governo Allemão?

Porque respondia, como respondeu, com a propria lei, e nunca um Governo responde mais consciente de que o faz zelando os interesses do seu país, do que quando a sua resposta se baseia na estricta observancia da lei. (Apoiados).

Olaxá que na sua vida publica — já longa e que talvez o não seja muito mais— elle, orador, não tenha motivos mais «pungentes» do que os que teve neste caso, para responder a um Governo estrangeiro, como o fez agora.

As notas seriam «pungentes» se o Governo tivesse prejudicado os interesses do país e deixasse mal feridos os brios da nação; seriam «pungentes» se a resposta do Governo representasse uma humilhação e uma sujeição imperdoaveis a uma intimação, a uma ameaça ou a uma violencia. Mas como o Governo respondeu precisamente nos termos da lei decretada pelas Côrtes Geraes, a situação do, Governo seria má, na verdade, se não fizesse como fez. (Apoiados).

O Digno Par parece ter notado com estranheza a expressão «prendre acte» empregada na nota francesa.

Essa expressão diplomatica, especial da lingua francesa, não tem uma traducção literal em português; mas significa «consignar, tomar nota, registar», etc.

Ora porque é que o Governo Francês veiu «prendre acte» pela sua nota, das declarações do Governo Português ao Governo Allemão?

Pela simples razão que na mesma nota se apresenta: porque considera essas declarações como invocaveis pelos portadores franceses tão bem como pelos portadores allemães, e essa é a verdade.

Eis a razão, igualmente, por que o Governo, por sua parte, se limitou a accusar a recepção da nota e a dizer que o tratamento era igual.

Agora vae tratar dos outros corollarios que o Digno Par quis tirar distas notas.

O dever d'elle, orador, por parte do Governo, é accentuar bem que esses corollarios não derivam das notas.

A questão é muito simples e muito clara.

Que está nas notas?

Nas notas o Governo não fez mais do que repetir a doutrina que está na lei.

Nada acrescentou, nem estabeleceu novos compromissos. Não se estabeleceu qualquer disposição que não esteja dentro da propria lei.

Posto isto, diz o Digno Par: «As notas manifestam a intervenção dos credores estrangeiros na nossa administração»

Pergunta: onde está esta intervenção?

Como é que as notas, nos termos em que estão expressas e patentes a todos, estabelecem por qualquer forma a intervenção dos credores estrangeiros na nossa administração?.

O Sr. Sebastião Baracho: — Não disse credores; disse Governos estrangeiros.

O Orador: — Mas o que está nas notas?

Está porventura alguma cousa que não esteja na lei?

S. Exa. podia atacar bem o Governo se lhe mostrasse que elle tinha resolvido sem respeito pela lei; mas isto é o que o Digno Par não pode provar, porque a verdade é que o Governo não foi alem dos compromissos que a propria lei designa.

S. Exa. podia accusar o Governo se mostrasse que elle tinha compromettido os interesses do país, ou que tinha falseado as resoluções parlamentares; mas emquanto S. Exa. não mostrar que nas notas trocadas ha qualquer cousa a mais do que está na lei, emquanto S. Exa. não mostrar que nas notas está qualquer cousa que melindre os interesses vitaes do país, ha de o Digno Par permittir que lhe diga que pode discutir quando e como entender, porque está no seu direito; mas que essa discussão não conduz a nada que seja contrario a tudo quanto elle, orador, tem affirmado. A verdade é que nas notas não está cousa nenhuma que vá alem da propria lei. (Muitos apoiados).

Diz ainda o Digno Par que nada d'isto teria acontecido se o Governo, antes de entrar em negociações com os credores, tivesse primeiro equilibrado o orçamento.

Veja a camara como o Governo é diversamente accusado.

O Governo é accusado porque, encontrando negociações para a realização de um convenio, pôs essas negociações de parte.

O Governo é accusado, por outro lado, porque deu nova orientação a essas negociações em vez de ter primeiro procedido ao equilibrio do orçamento do Estado.

Veja a Camara, como ha differentes maneiras de accusar o Governo.

O Governo é accusado por ter feito a unica cousa que devia fazer, que era reatar as negociações, não no pé em que estavam, desde que entendia que o caminho até ahi seguido não era o mais consentaneo com os interesses do país; mas reatá-las de maneira a poder trazer ao Parlamento a solução que trouxe e que este approvou.

O Digno Par ha de permittir que lhe diga que elle, orador, tambem reflectiu e ponderou devidamente os termos da questão.

O Governo entendeu que primeiro que tudo era necessario chegar a um acordo com os credores, porque a situação em que nos encontravamos affectava a nossa vida financeira, affectava os cambios, os mercados, as transacções do commercio, o viver das industrias, affectava tudo quanto repre-

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34 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PAEES DO REINO

sentava uma força que pudesse auxiliar a regeneração das nossas finanças.

Desde que o Governo se convenceu de que a situação do país exigia a rehabilitação do nosso credito, para evitar suspeições e desconfianças que pudessem estorvar medidas de largo alcance, o Governo entendeu que a primeira cousa a fazer era entender-mo-nos com os nossos credores, regularizar a nossa divida para depois entrarmos no caminho da nossa reorganização financeira.

S. Exa. relevar-lhe-ha o calor com que fala, calor de que se sente justamente possuido, calor que não importa desconsideração para com os membros de Parlamento, e traduz a consideração que deve a si proprio.

Não deseja que passe sem protesto uma phrase de S. Exa. não porque d'elia resulte um ataque para o Governo, pois que os Governos são muitas vezes injustamente atacados, mas porque ella vem tambem ferir o país que elle orador tem direito de defender.

S. Exa. vem fazer uma asserção que não pode deixar passar, e contra a qual protesta com o maximo desassombro da sua convicção.

Em que é que o controle deriva das notas?

Porventura nas notas lia alguma cousa que vá de encontro á disposição do § unico, base II, que diz?

(Leu).

Pergunta: ha aqui controle ou cousa que offenda a autonomia da nossa administração?

Nas notas não existe controle; as notas dizem.

(Leu).

A nossa autonomia economica, financeira e administrativa está salvaguardada, está acautelada devidamente, mas é claro que não ha de ferir as estipulações feitas com os credores, como a nação livre e dignamente resolveu.

Para que ficasse bem explicita esta circunstancia nos paragraphos da lei e para que a sua comprehensão fosse mais clara, veja-se a esse respeito a resposta do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

(Leu).

Ora bem! para que havemos de estar com expressões que offereçam duvidas ou façam impressão no espirito publico?

As cousas são o que são, se não vejamos.

Ha países onde está estabelecido o controle ? Ha, mas nesses países não existe para os respectivos Governos a autonomia economica,

Não existe, porque ha ingerencia estrangeira nos seus actos.

Por virtude d'esta lei ha alguma ingerencia na nossa administração economica e financeira? Nenhuma.

Os nossos, credores podem informar-se do que se passa entre nós; sabem-no; mas não interveem na nossa administração.

Nós habilitámo-los a avaliar as nossas operações porque publicamos pela Junta do Credito Publico tudo quanto é necessario para que façamos ver que respeitamos os nossos compromissos e tudo aquillo a, que nos obrigámos.

Uma, cousa é essa publicidade, outra cousa é o controle, a ingerencia nos actos da nossa administração economica e financeira.

Ha contrôle

Não existe na lei.

Ha alguma imposição, algum concerto, qualquer compromisso nas notas de onde derive controle, intervenção estrangeira nos nossos actos ou administração que contenda com a nossa autonomia?

Absolutamente, não. Repete, não só está garantida a autonomia, mas não offerece duvida a ninguem este facto.

O Digno Par, tres dias depois das notas serem do conhecimento publico, depois de tres dias de reflexão serena e placida, vem ao Parlamento perguntar ao Governo se nas mesmas notas apresentadas haverá compromisso estranho á respectiva lei!

Fica provado, provadissimo, que nas notas, como na lei, não existe o controle.

O Governo podia ser accusado se tivesse respondido mal, mas elle, orador, ainda não ouviu um só argumento que provasse ter sido má a resposta.

Em toda esta discussão ainda se não produziu uma unica razão que provasse ter o Governo respondido mal, e a verdade é que a resposta do Governo é inteiramente conforme a lei.

Se assim é, para que é e a que vem toda esta discussão?

É claro que o Digno Par pode continuar o debate e proseguir nas suas considerações, mas, no interesse do país, parece-lhe que seria bom considerar liquidada esta questão, porque fica, evidentemente, demonstrado que nas notas não ha controle nem nada que possa affectar os interesses futuros do país.

O convenio representa uma liquidação do passado, o termo das agruras, dos sofrimentos que tivemos de supportar durante muito tempo.

Se assim é, não seria melhor que, em vez de malbaratarmos o tempo numa questão finda, numa questão liquidada, olhassemos para outros tantos assuntos que estão demandando a nossa solicitude e a nossa attenção?

É este o seu criterio, a sua maneira de ver, mas é claro que continua, como sempre, á disposição dos Dignos Pares. (Vozes: — Muito bem).

O Sr. Presidente: — Estando a hora, muito adeantada e sendo urgente a eleição da commissão de verificação de poderes, porque ha pendentes assuntos que ella tem de tratar, vae proceder-se a essa eleição é ficam inscritos para a sessão seguinte, sobre este incidente, os Srs. Sebastião Telles e Sebastião Baracho.

ORDEM DO DIA

Eleição da commissão de verificação de poderes

Feita a chamada., corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Sousa Holstein e José Vianna, veriFicou-se terem entrado na uma 30 listas, sendo eleitos, com 80 votos cada um, os seguintes Dignos Pares:

Antonio Emilio Correia de Sá Brandão.
Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.
Antonio Candido Ribeiro da Costa.
Antonio de Azevedo Castello Branco.
Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel.
José Alves Pimenta de Avellar Machado.
Conde de Valenças.
José Joaquim Fernandes Vaz.
Manoel Augusto Pereira e Cunha.
Antonio Ribeiro dos Santos Viegas.
Marquês da Praia e de Monforte (Duarte).

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de sabbado, 17, é a continuação da que vinha para hoje, isto é, a discussão da Resposta ao Discurso da Coroa.

Está fechada a sessão.

Eram 4 horas e 50 minutos da tarde»

Os Redactores:

ALBEETO PIMENTEl.

JOÃO SARAIVA.

Dignos Pares presentes na sessão de 14 de janeiro de 1903

Exmos. Srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa, Alberto Antonio Moraes Carvalho; Marqueses: de Fontes Pereira de Mello, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte; Arcebispo de Evora; Condes : de Ávila, da Azarujinha, de Ber-

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SESSÃO N.° 4 DE 14 DE JANEIRO DE 1903 35

tiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Lagoaça, de Magalhães; Visconde de Athouguia; Antonio de Azevedo, Pereira Carrilho, Costa e Silva,' Oliveira. Monteiro, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Aires de Ornellas, Palmeirim, Carlos Eugênio de Almeida, Sequeira Pinto, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Francisco de Castro Mattoso, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, Gusmão, Avellar Machado, José de Azevedo, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano de Castro, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Abreu e Sousa, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Camara Leme, Bandeira Coelho, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Victor, Policarpo Anjos, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

Rectificações

A pagina 22 d’estes Annaes, columna 2.ª linhas 39 e 40, e discurso do Digno Par Sebastião Baracho, onde se lê: «a que foi dada pelo Sr. Presidente do Conselho», deve ler-se: «a que foi dada pelo Governo de Sua Majestade». Na mesma pagina, columna 3.ª e linha 19, onde se lê: «realizou um convenio da divida publica», deve lêr-se: «realizou uma conversão da divida publica».

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