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N.º 9

SESSÃO DE 21 DE JANEIRO DE 1879

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Sendo presentes 23 dignos pares foi declarada aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente, que foi approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação de alguns centenares de cidadãos da cidade de Braga, pedindo que não seja concedida a sancção legislativa ao decreto de 26 de dezembro de 1878.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja impressa no Diario do governo, assim como foi tambem a meu pedido a outra que mandei para a mesa n’uma das sessões anteriores. Igualmente requeiro que este mesmo documento seja enviado, logo que estejam eleitas, ás commissões que devem examinar o projecto de lei que ha poucos dias tive a honra de apresentar.

Leu-se na mesa a alludida representação.

O sr. Presidente: — O sr. marquez de Sabugosa pede a publicação deste documento no Diario do governo.

Os dignos pares que approvam o pedido de s. exa. tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Creio que a camara concordará em que esta representação seja enviada, logo depois de estarem eleitas, ás commissões que têem de elaborar parecer sobre o projecto apresentado pelo sr. marquez de Sabugosa.

Assim se resolveu.

O sr. Costa Lobo: — Tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.)

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que pelo ministerio da marinha sejam remettidos a esta camara, os seguintes documentos:

1.° As instrucções recebidas pelo sr. Carlos Testa como commissionado pelo governo para a compra de canhoneiras destinadas ás colonias.

2.° Toda a correspondencia trocada entre o mesmo senhor e o secretario de marinha, relativamente ao desempenho d’aquella commissão.

3.º Todos os pareceres dos corpos consultivos ou outras auctoridades ouvidas sobre este assumpto. = Costa Lobo.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são de voto que se expessa ao governo o requerimento feito pelo sr. Costa Lobo, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Acaba de me chegar ás mãos uma representação do comicio popular que se reuniu domingo ultimo na cidade do Porto, pedindo tambem que seja negada sancção legislativa ao decreto de 26 de dezembro proximo passado. Tenho, portanto, a honra de a mandar para a mesa e de requerer a sua publicação no Diario do governo, assim como espero lhe seja dado destino igual ao que a camara resolveu que tivesse a representação de varios cidadãos de Braga.

Leu se na mesa a representação do comicio do Porto.

O sr. Presidente: — O digno par, o sr. marquez de Sabugosa, pede que esta representação seja publicada no Diario do governo, e enviada ás mesmas commissões que têem de examinar a que s. exa. mandou ainda agora para a mesa.

Os dignos pares que approvam este requerimento, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

(Entra o sr. ministro da marinha.)

Leu-se na mesa um agradecimento assignado pela exma. sra. Luiza Fanny de Sá Nogueira e Faustino de Paiva de Sá Nogueira á camara, pela prova de considerarão prestada á memoria de seu fallecido pae e sogro, o sr. marquez do Sá da Bandeira, por occasião da trasladação de seus restos mortaes.

Para o archivo.

O sr. Marquez de Vallada: — Tenho a honra de mandar para a mesa um requerimento de D. Maria José do Nascimento Cordeiro, viuva de José Maria da Costa Cordeiro, primeiro official da secretaria d’esta camara.

(Leu.)

Mandando para a mesa este requerimento, não posso deixar de dizer que o sr. Cordeiro foi una benemerito servidor do estado e recebeu sempre as maiores demonstrações da consideração dos seus chefes, entrando v. exa. nesse numero. Achando-se agora a viuva nas circumstancias que declara, espero que v. exa. será assas benevolente para mandar informar do que se póde fazer com relação ao seu pedido, folgando eu muito que a este respeito possa nesta camara praticar-se de um modo similhante ao que praticou a camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa o referido requerimento.

O sr. Presidente: — Este requerimento será remettido á commissão respectiva.

Vamos entrar na ordem do dia, e tem a palavra o sr. Carlos Bento da Silva.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação dirigida pelo sr. marquez de sabugosa ao sr. ministro da marinha, relativamente á concessão feita ao sr. Paiva de Andrade.

O sr. Carlos Bento: — Peço desculpa á camara de insistir ainda em explicar o meu voto, e como não quero que se attribua a menos consideração para com os dignos pares cansar de novo a sua attenção, farei a diligencia por encurtar, quanto possivel, as reflexões que tenho de apresentar.

Começarei por dizer que mais de uma vez se tem alludido a uma disposição legislativa que pertence á minha gerencia, quando ministro da marinha em 1861, e se refere a concessões feitas no ultramar. Chamo a attenção da camara sobre este ponto.

Esse decreto não tratava de fazer concessões a um. determinado individuo ou sociedade; apenas estabelecia as regras a observar para se effectuarem essas concessões,

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systema que foi confirmado pelo sr. Mendes Leal em 7 de abril de 1863.

E tanto este como o referido decreto de 1 de dezembro de 1861 não invalidaram, na minha opinião, as disposições da lei de 21 de agosto do 1856, na parte em que me parece que ella offerecia excepção ao decreto que actualmente se discute, a menos que se não queira dizer que a falta do declaração d'esse decreto, respectivamente á lei de 21 de agosto de 1856, não a invalida, quando ella, ácerca da concessão de terrenos, exceptua os que forem situados junto aos rios, destinados á plantação de arvores ou occupados por florestas já existentes, de que o estado possa aproveitar para construcções navaes ou para qualquer outro fim de administração.

E n'este ponto permitta-me v. exa. declarar que não me parece que fosse resolvida a duvida suscitada no meu espirito, quando achei que o decreto de 26 de dezembro do anno passado, que fez ao sr. Paiva de Andrada as concessões ahi mencionadas, digo que não me parece applicavel este caso ás concessões para a exploração das florestas, porque, sendo expresso nesse decreto quaes eram as circumstancias que determinavam as concessões feitas pelos §§ 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 5.° de um artigo fosse mesmo decreto, com relação ao § 6.°, o das florestas, não havia declaração alguma que invalidasse a permanencia d'essa concessão.

E não creio tambem que a invocação como principio geral de jurisprudencia seja garantia sufficiente, quando se trata das condições especiaes de um contrato, condições que hão de ser allegadas em favor dos concessionarios, sempre que a esse respeito haja duvidas.

Parece-me que, se no decreto se determinassem os limites d'essa concessão, muito mais facilmente se poderia resolver qualquer questão que de futuro apparecesse, do que invocando-se um principio geral que poderá entender-se não lhe ser applicavel.

É preciso, pois, que sejamos cautelosos na formação d'esses contratos, e tanto isto se reconhece que as mais das vezes para resolver as duvidas occorrentes em contratos de quaesquer concessões, estabelece-se que se fórma uma commissão mixta, uma commissão arbitral, dando-se por esta fórma mais garantias, tanto ao governo como ao concessionario.

Falta isto no decreto em discussão.

Assim o reconheceu tambem o distinctissimo procurador geral da corôa, que, n'uma das suas ultimas consultas, faz ver a necessidade do estabelecimento d'estas commissões.

Sinto que não esteja presente o meu amigo e duplicadamente collega, o sr. Barjona de Freitas, porque desejo alludir a algumas palavras que s. exa. pronunciou na ultima sessão, com respeito á analogia que s. exa. pretendeu estabelecer entre concessões prolongadas para caminhos de ferro e concessões para exploração de florestas.

E desejava que aquelle cavalheiro estivesse presente, para lhe dizer que me parece forçada a analogia por s. exa. estabelecida.

O caminho de ferro é feito por individuos a quem se faz a concessão, e é claro que se ha de conceder o direito de propriedade a quem constituo essa propriedade.

Com a exploração das florestas não se dá o mesmo caso, porque nem o terreno nem as arvores que nelles existem ficam sendo propriedade do concessionario por ter concorrido para que ellas existam.

Por consequencia, já se vê a grande differença que se dá entre a concessão de caminhos de ferro e a concessão para exploração de florestas.

Dada esta grande differença, é claro que não se pôde, na minha opinião, fazer obra pela analogia que me parece um pouco forçada com relação ao caso de que estou fallando.

Sr. presidente, eu não quero tornar-me o echo de uma declaração importante feita pelo digno par, a que me estou referindo, cuja intelligencia não póde ser posta em duvida por ninguem.

Aquelle digno par fallou na inconveniencia da concessão debaixo do ponto de vista politico.

Eu não quero insistir muito neste ponto.

Já v. exa. vê, comtudo, que se o digno par entendeu que se não procedeu convenientemente n'esta concessão debaixo do ponto de vista politico, muito mais se aggrava essa circumstancia quando se exige a esta camara um voto de confiança que tem uma alta significação politica. (Apoiados. )

É uma opinião que não póde ser suspeita, a do digno par, que defendeu dentro dos limites em que era possivel fazel-o, o acto praticado pelo governo; por conseguinte, com um parecer tão auctorisado, póde-se insistir na inconveniencia de pôr a questão da confiança politica com respeito a um procedimento que politicamente foi irregular.

Já declarei aqui, sem ser por mera precaução de rhetorica, que não vinha fazer accusações ás intenções do governo.

Sei que a maior parte das vezes se commettem erros, occupando-se as cadeiras do poder, sem que se possa attribuir esses erros a motivos condemnaveis, que possam culpar os intuitos dos individuos que os praticaram; devo fazer esta justiça aos cavalheiros que occupam aquellas cadeiras e a todos que as têem occupado, e desejaria que a fizessem tambem á rectidão das minhas intenções.

É certo que muitas vezes me terei enganado e commettido erros, o que supponho acontece a muita gente; mas o meu desejo tem sido acertar. (Apoiados.)

O digno par a que estou respondendo leu um relatorio de um governador de Moçambique, no que fez muito bem. A minha opinião é que nestes negocios coloniaes, que têem de ser resolvidos pelo governo da metropole, ha sempre conveniencia em ouvir as auctoridades que existem no ultramar.

Se o governo não tem confiança nessas auctoridades é grande a sua responsabilidade por havel-as escolhido ou conservado; se porém confia n'ellas, que rasão ha para as não consultar em assumptos que têem relação com a sua administração?

Repito pois, que andou muito bem o digno par em ler um documento que consigna a opinião de um governador do ultramar.

Sobre este ponto estou de accordo com s. exa., reconhecendo a competencia que têem os governadores das nossas possessões em assumptos d'esta ordem. Mas no que não concordo é em que o mencionado relatorio sirva de defeza á concessão feita ultimamente pelo governo; serve-me antes para a impugnar, digo-o com sentimento, pois muito desejara estar convencido de que o governo andou n'este negocio com a regularidade e prudencia que a sua importancia demandava.

Antes de ir mais adiante devo declarar que n'estas observações que estou apresentando não deve o digno par, a quem me refiro, ver outro fim com relação a s. exa. senão o testemunho da importancia que dou á sua pessoa, respondendo ás considerações apresentadas por s. exa.

Voltando ao ponto em que me achava nas reflexões que estava expondo, cumpre-me dizer ainda que o relatorio lido pelo digno par o sr. Barjona de Freitas serve mais para combater as condições especiaes em que se fez a concessão ao sr. Paiva de Andrada.

Finalmente, o mesmo documento mostra que uma accusação, feita de certo com as melhores intenções pelo concessionario, n'uma carta que publicou, é injusta quando aprecia as condições de criminosa indifferença dos capitães nacionaes com referencia a emprezas em as nossas colonias.

Mas, que hão de fazer esses pobres capitães quando to-

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dos os dias as exigencias do thesouro estão a chamar por elles?

(Interrupção que não se ouviu.)

O cavalheiro concessionario desconheceu as circumstancias commerciaes da nossa praça, quando entendeu que devia accusar severamente uma indifferença que não existia.

Os capitães que existem, n'este paiz são poucos para fazer face ás constantes exigencias do nosso thesouro.

O juro que se tira d'essas operações, a dizer a verdade, é bastante remunerador para se não correr o risco de emprezas, que na opinião do sr. ministro dos negocios estrangeiros são muito arriscadas.

Mas, sr. presidente, nem todos os capitães nacionaes existem em Portugal; existem tambem em todas as partes do mundo.

É cousa notavel, sr. presidente, a affeição dos capitalistas ao seu paiz augmenta na proporção da distancia que os separa da terra onde nasceram.

Não ha muito tempo que li, que se formava no Brazil uma companhia com o capital de 10.000:000$000 réis, destinada á exploração de uma das nossas provincias africanas.

Mas, sr. presidente, na propria provincia de Moçambique, segundo diz um officio do distincto governador d'aquella provincia, tinha-se formado uma companhia, cujo fim era a exploração de minas e determinadamente a navegação do rio Zambeze, e para este fim tinham-se subscripto capitães nacionaes.

Já vê, pois, o sr. Paiva de Andrada, que não ha só capitães nacionaes dentro do paiz que concorrem para estas emprezas, e que os capitalistas portuguezes, em qualquer parte onde estejam, não se mostram indifferentes ás necessidades da administração das nossas provincias ultramarinas.

A primeira necessidade que os capitães subscriptos d'essa companhia reconhecia, para realisar esse melhoramento, era mandar vir um engenheiro de minas para examinar o estado em que ellas se achassem.

Ora, é isto o que nunca lembrou ao governo, porque se os mandasse examinar daria mais auctoridade á concessão que se fizesse, ao mesmo tempo que daria mais garantia para que essa concessão fosse feita em condições mais favoraveis.

E se nós attendermos ás observações que faz o distincto governador, devemos mandar áquellas regiões um engenheiro para as conhecer devidamente, de maneira, que não estejamos a conceder minas, que segundo as informações do mesmo distincto governador (que eu supponho serem exactas), não são conhecidas pelos homens competentes.

O sr. José Guedes de Carvalho e Menezes, hoje conde da Costa, diz o seguinte.

(Leu.)

Sr. presidente, nós na occasião em que fizemos uma immensa concessão de minas, tivemos um documento official que declara que não sabemos as condições geológicas d'aquella provincia!

Mas ha mais, sr. presidente, essa exploração de determinadas minas, segundo diz o governador de Moçambique, depende, para poderem ser convenientemente exploradas, da facilidade de communicações, entre as quaes figura muito a navegação fluvial, que, pelas disposições da companhia formada em Moçambique, era principalmente attendida.

O digno par que me precedeu tocou este ponto. S. exa., de certo, concorda commigo, que um da elementos mais efficazes para a exploração das minas é a verificação da facilidade das communicações, algumas de natureza muito vantajosa, como é a dos rios; sobretudo a do principal rio que temos n'aquella provincia.

Diz o sr. conde da Costa:

(Leu.)

É este illustre governador, na occasião em que tinha concorrido com todas as forças á sua disposição para formar uma companhia que d'esse garantias para se estabelecer a navegação no Zambeze, imponha a essa companhia a condição de transportes baratos, que até ali não se verificavam senão por um preço muito elevado.

E nós, no momento actual, havemos de ir votar, não o contrato, porque não se trata ainda d'isso, mas a concessão, devendo reconhecer na presença de informações de pessoas competentes, que a exploração de minas que se concede em larga escala, não póde realisar-se convenientemente senão verificando-se a navegação pelos meios ao nosso dispor, que não podem ser senão os que indicava o sr. governador de Moçambique, de modo que se evitem as despezas extraordinarias dos transportes actuaes?

Eu quasi que estou vexado de sentir uma convicção tão forte do modo como deve ser encarada esta questão. Parece-me impossivel que possa haver duas opiniões a este respeito.

Póde haver, como disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a primeira impressão, que passa. A primeira póde ser com relação ao contrato, de que se trata; mas a segunda impressão, mais reflectida, não póde ser senão contra o mesmo contrato.

Sr. presidente, sinto não ver presente um digno par, caracter respeitavel pela austeridade das suas qualidades moraes, o sr. visconde de Fonte Arcada. (Apoiados.)

S. exa., quando eu aqui apresentei um projecto que tinha por fim auxiliar o sr. ministro da fazenda, creando uma certa receita, pediu logo a palavra.

Eu tenho muito respeito pelos ministros da fazenda d'estes ultimos annos, porque elles são um pouco sacrificados, pela natureza da posição que occupam.

Mas, por essa occasião, como ía dizendo, tratava-se de augmentar a despeza, dentro de certos limites, como se propunha todos os annos, porque se havia abandonado um principio que o sr. duque de Palmella, sendo presidente de uma commissão financeira em 1841, tratou de introduzir na nossa legislação. Este principio era para que não se apresentasse projecto algum de despeza sem se apresentar o projecto de receita que fizesse face aos encargos que se íam crear.

Este principio passou para a legislação n'aquelle anno, por iniciativa de v. exa., e passou depois para o regulamento de contabilidade de 4 de janeiro de 1870, mas não saíu de lá para ser applicado.

O sr. visconde de Fonte Arcada, apesar de fazer justiça ás minhas intenções, como todavia eu indicava um meio pelo qual havia um excesso de despeza, não porque eu fosse ministro da fazenda, mas para auxiliar o meu collega, pediu logo a palavra, e disse que se íam sacrificar as florestas. Estas eram as idéas do sr. visconde de Fonte Arcada, idéas muito louvaveis pelas intenções que o animavam; mas. na minha opinião, não eram producentes com relação áquelle projecto, porque ha uma certa quantidade de matas officiaes que se subtrahem ás condições de uma administração regular e á fiscalisação por parte do governo, e portanto longe de comprometter a boa exploração d'ellas, dava mais uma garantia de serem verdadeiramente administradas pelos particulares que as adquirissem, por isso que estavam interessados na sua conservação.

E s. exa. que se assustou tanto, porque se vendiam umas poucas de arvores, que estavam disseminadas pelo paiz, e isso seria para nós de certo um auxilio poderoso n'essa occasião, agora de certo havia de combater este projecto, em que se concedem florestas immensas e amplissimas, florestas de que um grande numero de viajantes, que tem percorrido áquellas paragens, fazem o maior elogio das suas riquezas, e que nós concedemos de uma maneira que não é permittida peia nossa legislação. E esta concessão, sr. presidente, não se limita ao principio de alguem poder suppoi1 a necessidade da exploração das minas actuaes, e a que se referem alguns dos artigos do contrato.

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O meu respeitavel collega o sr. Mártens Ferrão, claramente demonstrou que a concessão tinha por fim um objecto commercial, Na generalidade das disposições do contrato, não se póde julgar limitada a extensão das minas concedidas. E de passagem direi, que a concessão d'estas minas tem só um inconveniente, que é o de não se acharem (na minha opinião) determinadas a sua extensão e demarcação.

Nós concedemos não só dentro do limite de que temos posse, mas tambem dentro d'aquelle a que nos julgâmos com direito.

Sr. presidente, este assumpto já mereceu a attenção da commissão geographica, que existe entre nós, e já ha opinião assignada por um dos seus mais distinctos membros, declarando que nós concedemos terrenos que nos não pertencem. Eu não quero ter esta opinião como a unica palavra sobre o assumpto; mas o que é certo, é que quando um cavalheiro, tão competente como aquelle, declara que a concessão que se fez, es cede os limites da nossa propriedade nacional, esta opinião deve fazer grande peso sobre nós, e devemos tratar de indagar quaes os principios geraes que se estabelecem no decreto.

Sr. presidente, quando assisto ao facto da publicação, todos os dias, de documentos officiaes sobre assumptos que têem toda a analogia com o que se trata, quando vejo estabelecer em todos os documentos que se publicam (por pessoas que não podem ser suspeitas ao governo), principios que condemnam as concessões feitas a particulares, não posso deixar de declarar que quasi sinto a necessidade de haver quem combata as conclusões do procurador geral da corôa, e não quem as sustente.

Uma das ultimas consultas da procuradoria geral da corôa, assignada em conferencia por todos os seus membros... Em primeiro logar a procuradoria geral da corôa recommenda uma cousa que está perfeitamente de accordo com os principios geraes seguidos em todas as concessões. Effectivamente é uma cousa extraordinaria a não ter o governo exigido do concessionario um deposito de dinheiro, para lhe fazer uma concessão d'esta ordem.

O sr. Martens Ferrão aqui diz.

(Leu.)

Ora, se eu não fui atraiçoado, pela attenção que prestei ao que o sr. ministro da marinha disse, s. exa. parece que deu muito pouca importancia á questão do deposito. Eu não posso comprehender essa pouca attenção, porque entendo que, quando até para se fazer qualquer concessão se exige um deposito, com muita mais rasão se devia exigir deposito para se fazer esta concessão, por ser muito importante e feita a um individuo que nem é negociante nem tem capitães. E creio que não é vergonha para ninguem o não ter capitães, senão muita gente tinha de que se envergonhar. (Riso.)

Entendo, pois, que só por ser um individuo addido a uma legação, não se deve suppor que elle tenha capitães, e, mesmo quando os tivesse, não sei a rasão por que nesta occasião nos haviamos do afastar do que sempre se tem praticado n'estes casos.

Diz mais a consulta, da procuradoria geral.

(Leu.)

Ora, o contrato actual ficou tão pouco explicito que o illustre cavalheiro procurador geral da corôa nos diz a maneira por que elle se devia interpretar, e que se não fosse d'essa maneira, s. exa. o não approvava.

Pois, sr. presidente, eu não sei o que seja interpretar contratos! Os contratos devem ser tão claros que não admittam mais do que uma interpretação, e não feitos de fórma que para mostrar a maneira por que se devem interpretar, seja necessario pôr em apuros toda a subtileza de um tão distincto jurisconsulto. (Apoiados.)

Mas vejamos o que diz, em ultima analyse, a consulta da procuradoria geral da corôa.

"As colonias, do que precisam é do liberdade economica
para as industrias, e não de novos monopolios que só serviriam de prolongar o seu atrazo."

Isto, escripto em abril do 1877, não terá relação nenhuma com a questão sujeita? E uma cousa nova? É uma poética, é uma cousa metaphysica, e que não vem aqui para nada? Em presença de tudo isto, eu sinto que se alargue cada vez mais o horisonte da minha falta de comprehensão, e assim apresso-me a terminar.

Concluindo, direi a v. exa. em muito poucas palavras, ou nas menos palavras que me for possivel, que o documento de que se trata tem de ser examinado por duas commissões, e n'estas condições parece-me que o sr. Paiva de Andrada deverá reflectir, que todos compromissos que tomar antes da opinião definitiva das camaras, serão uma imprudencia.

Aquelle cavalheiro ha de ser de certo o primeiro a reconhecer que, achando-se o assumpto affecto ás camarás, quando mais não seja pela consideração especial que devem merecer, deve aguardar a resolução d'ellas.

Segundo eu creio, muitos dos dignos pares estão muito satisfeitos com o que se tem passado e com o que teem ouvido por parte do governo.

Eu, pelo que me respeita, sr. presidente, declaro, com sentimento meu, que me não poderam convencer da conveniencia da concessão, e como um digno par e meu amigo, manifestou aqui a idéa, que foi apoiada, de que a votação sobre este assumpto não podia deixar de ser de um caracter politico, não me conformando com esta concessão, não a julgando nos termos de poder ser approvada, terei que votar, o que desde já declaro, contra a moção que aqui foi apresentada e, que, apesar de tudo, não póde neste negocio ter senão o caracter de acto interlocutorio.

Antes de terminar, permitta-me a camara ainda uma pequena divagação.

Estas concessões acarretam, em geral, suspeitas desagradaveis.

Ha já quem supponha que uma nação poderosa procura utilisar-se d'esta concessão, e a inspirou. Eu, pela minha parte, com a mais profunda convicção declaro que a nação a que se allude está perfeitamente innocente, pelo que respeita á concessão que se fez ao sr. Paiva de Andrada.

Sobre este ponto estou perfeitamente de accordo com as palavras benevolas pronunciadas aqui pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, fazendo a devida justiça ás boas relações que nos unem á Gran-Bretanha, que nos tem dado sobejas provas da sua isenção.

Disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e eu folguei muito de o ouvir, que sempre que se têem pretendido concessões, que importam monopolio, tem incontrado sempre o digno e illustrado representante d'aquella nação ao seu lado, e com idéas inteiramente contrarias ás daquelles que as solicitam.

Tem portanto havido injustiça, apreciando este facto, em envolver intenções que nos são defezas pois que nação nenhuma inspirou esta concessão; não quer isto dizer que não possa ser aproveitada depois de existir, por qualquer nação em seu beneficio, cedendo ao natural sentimento de egoismo nacional.

Dito isto, sr. presidente, parece-me que a camara ficará persuadida de que os motivos, que determinam o meu voto neste assumpto, são sufficientemente justificados para os limites da minha intelligencia.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro):- Sr. presidente, o debate vão cansado e reduzido a proporções minimas, do que muito me applaudo.

O discurso que acaba de pronunciar o digno par, que me antecedeu, mostra claramente que as duvidas, sobre tudo a respeito da legalidade com que se fez esta concessão ao sr. Paiva de Andrada, estão, neste momento, limitadas á concessão das florestas.

Antes de acompanhar no seu discurso o digno par, ou

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as considerações que elle houve por bem fazer, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu declare muito terminantemente, que esta concessão, feita pelo governo ao sr. Paiva de Andrada, não foi inspirada por nenhuma nação amiga ou inimiga (embora ignore se existem nações que sejam nossas inimigas); não foi inspirada pelo governo de nenhuma nação que tenha os seus interesses commerciaes ligados aos de Portugal, mas sim que o governo a fez no uso plenissimo da sua auctoridade, e com o intuito unica e exclusivamente de prestar um bom serviço ao seu paiz. Portanto, afastemos para longe a idéa de que uma tutela estrangeira viesse actuar sobre o animo do governo para o determinar a fazer ou deixar de fazer esta concessão.

Essa vaga suspeita levantada não sei por quem, não rebaixa o governo, envergonha a nação.

Eu creio que nesta questão possa ter havido consciencias melindrosas, que temessem qualquer perigo para Portugal, ou julgassem haver o governo exorbitado das suas faculdades legaes, na concessão que fez; mas seja-me tambem permittido acreditar, que muitos apenas têem em vista collocar o governo tão desvantajosamente, que o obrigue a deixar estas cadeiras, que una digno par, ainda na ultima sessão, pediu que ao menos por caridade abandonassemos.

A estes ultimos responderei, que os ministros hão de saír d'estes logares quando as indicações constitucionaes lhes apontarem esse caminho.

Nós não temos desejo nem queremos estar aqui contra a vontade dos corpos legislativos e do poder moderador; mas tambem não podemos saír sem dar a rasão dos nossos actos, e sem que as camaras os apreciem.

Parece, portanto, que o tiro errou o alvo. A Zambezia é o pretexto; a causa é a permanencia do governo.

Nas considerações muito eloquentes feitas pelo digno par e meu amigo, disse s. exa.: "Note o sr. Paiva de Andrada que está affecto a duas commissões d'esta camara um projecto de lei, que póde influir muito directamente na concessão que o governo lhe fez, e seria conveniente não arriscar nenhum passo definitivo na organisação da companhia, emquanto o veridictum d'essas commissões e das camaras não apparecer".

N'este ponto, creio, infelizmente, que poderei dar ao digno par as desejadas alviçaras, pois estou convencido de que os que levantaram esta questão em tanta parte, com mais ou menos acrimonia, e que tinham mais por fim derribar o governo do que a companhia ou o concessionario, erraram, o tiro ao disparar, ferindo a concessão ou o concessionario, porque podem conseguir assustar os capitães de que precisa, deixando porém são e salvo o governo, alvo das suas investidas.

Eu lamento muito que esta discussão, que se tem levantado no parlamento, nos comicios e na imprensa, possa ter influido nos capitães que porventura estivessem dispostos a associarem-se ao pensamento do governo e do concessionario.

A responsabilidade será inteira da opposição, e eu, sinceramente, lamento-a por isso.

Por consequencia, o perigo que s. exa. parece receiar, não se realisará, ou, para fallar como ministro da coroa, os proventos que o governo teve em vista para aquella provincia, é para receiar que estejam mallogrados. Repito, não dou por isso os parabens á opposição.

Sr. presidente, o digno par, meu amigo, entre outras considerações, referiu-se ainda á legalidade d'esta concessão, e lembrou-se de citar o decreto, que s. exa. referendou de 1861, parecendo-lhe que a lei de 21 de agosto de 1866 não tinha sido devidamente attendida.

Eu não desejo tomar muito tempo á camara, e já disse mais de uma vez, como entendo a concessão que se fez. O governo não tinha necessidade nem de trazer á camara esta concessão, nem de appellar para a auctorisação que lhe dá
acto addicional, porque não precisou de legislar; tem apenas como poder executivo, de executar as leis.

Citaram-se no decreto de 26 de dezembro ultimo, os decretos de 1861 e de 1869, e as leis de 1863 e de 1865. Eu mostrei, sr. presidente, que o espirito d'estas leis e o espirito do parlamento aconselhavam o governo a fazer a concessão que fez ao sr. Paiva de Andrada, porque o espirito das leis sobretudo, é que os governos devem estudar, para poderem praticar, como membros do poder executivo, aquillo que seja a bem da administração. Ora, existe a lei de 21 de agosto de 1866, que o digno par citou, e em que parece intrincheirar a sua argumentação; e eu pergunto-lhe por que motivo o digno par, promulgando o decreto de 4 de dezembro de 1861, emendou muitos dos preceitos d'essa lei. Não foi porque ella difficultava a concessão de terrenos no ultramar? Quiz, ou não, o digno par facilitar essas transacções?

S. exa. ainda agora acabou de ler um documento onde se diz - "que o que se precisa no ultramar não são os monopolios; o que se precisa é a liberdade de industria", doutrina que eu, em these, acato e reconheço. Mas se s. exa. tem para o seu fim tão sãs auctoridades, eu tenho a do digno par que, sem contrariar esses principios, serve á justificação do governo. Quando em 1861, s. exa. entendeu que? devia aplanar ao governo o caminho para fazer as concessões no ultramar, e livrar essas concessões das peias que lhe eram postas pela carta de lei de 21 de agosto de 1856, peias que desviavam os capitães e braços de um paiz que tanto necessita de uns e de outros, deu aos seus contemporaneos, alem de um preceito legal, uma lição e um conselho.

Pelo processo estabelecido naquella lei, tornava-se muito morosa e dispendiosa cada concessão. O digno par, pelo decreto que referendou, poz termo a esse dispendio e a essa. morosidade, e estabeleceu que se podiam conceder terrenos no ultramar, quer directamente, pelo governo, sem termo ou maximum fixado, ou em cada provincia, pelo governador, até 1:000 hectares.

Este é o preceito; d'elle se deduz a doutrina, e claramente vem ella mencionada nos considerandos que precedem o decreto.

Ora, se isto não é encaminhar, aconselhar, instigar o governo a facilitar, por todos os modos, as concessões de terrenos no ultramar, não sei então que significação tenha!

Mas, ha mais. Como se este decreto não fôra ainda bastante, e como se o governo não tivesse auctoridade de legislar, na ausencia das côrtes, para o ultramar, veiu em 1863 o sr. Mendes Leal fazer validar pelas côrtes o decreto de 1861; e tão boas achou as doutrinas e os preceitos d'aquelle decreto, que estendeu a sua applicação a Cabo Verde.

O sr. Carlos Bento: - E a consulta é de 1867?

O Orador: - Eu não fallo da consulta, fallo das leis que se promulgaram para chegarmos ao ponto em que nos achâmos, e pergunto aos ministros que as referendaram, e ao parlamento que as votou, se não era este o seu espirito e o seu intuito.

O digno par estabeleceu uma doutrina que não foi decerto a consulta de 1867 que lha suggeriu, visto que o sem decreto é de 1861.

(Interrupção ao sr. Carlos Bento, que não se ouviu.)

Peço perdão a v. exa.. Eu continuo fallando das leis; mas se s. exa. tem empenho em que falle da consulta, fallarei d'ella, e creia o digno par que o farei do melhor grado.

Mas, sr. presidente, eu fallo com toda a franqueza e sinceridade, e as minhas palavras são, como as minhas acções, a expressão do meu intimo sentimento!

Podem, pois, os dignos pares convencer-se de que eu não estou aqui defendendo o governo, pelo simples facto de (r)> defender; defendo-o por mais alguma cousa, pela convicção de que elle praticou o bem, e defendo-o pasmado

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por ver como e digno par se insurge agora contra os principios que elle proprio estabeleceu!

O sr. Vaz Preto: - Então quer v. exa. dizer que foi o sr. Carlos Bento que estabeleceu a doutrina dos monopolios, como o que se faz ao concessionario?

(Entram os srs. presidente do conselho e ministro do reino.)

O Orador: - Se o digno par, o sr. Vaz Preto, me permitte, dir-lhe-hei que certamente ouviu mal; o que eu disse foi que o decreto de 1861 estabelecia tão proveitosos preceitos e tão excellentes doutrinas, que veiu tirar os governos de bastantes difficuldades com que luctavam para fazer qualquer concessão de terrenos.

Ora, aqui está o que eu tinha dito. Mas, continuando. O sr. marquez de Sá da Bandeira, em 1855, viu que na India portugueza, que é um pequeno paiz, onde tudo se acha cultivado, excepto alguns poucos terrenos das Novas Conquistas, onde a população é mais rareada e menos laboriosa, viu, repito, que se tinham feito concessões a estrangeiros, que para ali se tinham ido estabelecer, havendo por meio de arrendamentos a longo prazo, valiosissimos terrenos.

Imagina a camara que o sr. marquez de Sá annullou ou perturbou este modo de conceder terrenos, a estrangeiros, e na India, apesar de ser pouco legal o procedimento do sr. conde de Torres Novas, então governador?

Longe d'isso; legalisou todas essas concessões, que achou convenientissimas, e o parlamento, cuja doutrina estou invocando, nem desapprovou nem revogou, como era seu direito, o decreto de 23 de maio de 1865.

Sr. presidente, quando tantos ministros da marinha que me antecederam - e todos homens notaveis - quando o parlamento portuguez, tão nobremente patriota, formulam e .approvam estas leis, contra as quaes ninguem nunca se insurgiu e nos ensinam estes preceitos, crime seria desprezal-os.

O que admira ao governo, é que parlamento e ministros que foram, se insurjam contra os que teem por crime unico - executarem as leis que elles fizeram.

Já mostrei, com uma extensa lista, que na fórma d'estas leis e segundo o seu espirito, se fizeram concessões, muito maiores do que esta que se discute, n'uma provincia onde não havia tanta necessidade de se effectuarem, como ha na provincia de Moçambique.

Note s. exa. que entre África e África ha grandissimas differenças, e o sr. procurador geral da corôa, referindo-se aqui no seu discurso a uma sua consulta, cuja auctoridade com muita rasão se invoca, tambem disse, e nem podia deixar de dizer, que as condições a attender para a Africa oriental são diversas das que se dão na Africa occidental.

Agora permitta-me o digno par que lhe pergunte em que proporção estão os pedidos de terrenos na África occidental com os que se fazem para a oriental?

Quem se tem apresentado, apesar de todas as facilidades que as leis offerecem, a pedir essas concessões na Africa Oriental?

Pelo contrario, para a occidental é que teem apparecido pedidos de concessões, e principalmente junto do rio Quanza, onde ha navegação regular, e nos pontos pelos quaes deve atravessar o caminho de ferro de Ambaca.

Se para as concessões que se fizeram na provincia de Angola não houve, que eu saiba, uma só reclamação, um só indicio de duvida, como ha de havel-a rasoavelmente para esta, que as condições especialissimas da provincia de Moçambique auctorisavam, aconselhavam e instantemente exigiam do governo?

Sabe v. exa., sr. presidente? Tenho pena, tenho sincera pena, de que o partido que impugna hoje esta concessão, se prejudique d'este modo e ao paiz, impossibilitando-se de recorrer a este meio quando for poder, e privando assim a nossa Africa oriental dos proventos que podia esperar de concessões analogas.

Disseram-nos tambem que precisavamos para uma concessão como esta, de informações do governador geral da provincia. De certo; mas temos essas informações.

Ha pouco via eu com pena que o digno par, que me antecedeu, apenas lesse uma parte do relatorio do governador de Moçambique, o sr. José Guedes de Carvalho e Menezes, hoje conde da Costa, e não quizesse ler outras passagens d'esse relatorio, tão interessantes e instructivas como aquella.

Vejo-me, pois, obrigado a completar a leitura que s. exa. começou.

Os periodos, porém, que foram lidos provam, ainda assim, a favor da minha argumentação.

A proposito d'essa leitura, lamentou o digno par que nós fizessemos a concessão das minas sem haver a navegação pelo Zambeze.

É notavel que, quando o paciente está de rosto enxuto, o do digno par esteja inundado.

Pois a companhia exploradora não ha de, em favor dos seus interesses, fazer a navegação pelo Zambeze?

Supponhamos que ella entende que a deve fazer á sua propria custa, quer o digno par obstar a isso?

Visto que as minas estão perto d'esse rio, visto que a companhia ha de exploral-as e não nos pede que prestemos auxilio de navegação regular pelo Zambeze, visto que tem de a fazer á sua custa, no que vem mais uma vantagem para aquelle paiz, incrimina-se o governo!

D'este modo somos accusados pelas concessões que fizemos e por aquellas que não fizemos. A camara avaliará.

Os tiros desta estratégia tão varia têem o perigo de não attingir o alvo.

Vejamos o relatorio com cujas amostras o digno par nos favoreceu.

O sr. José Guedes de Carvalho e Menezes, diz no seu relatorio, entre outras cousas, o seguinte:

"V. exa. recommenda-me toda a solicitude e a mais incansavel actividade em procurar a formação de quaesquer emprezas... mas v. exa. não desconhece que taes emprezas não se formam sem concessões que não tenha faculdade para fazer, e portanto pouco efficazes poderão ser as minhas diligencias."

Aqui tem v. exa. como este governador (e já vê o digno par que me soccorro ás suas mesmas auctoridades) advoga a maior liberdade de fazer concessões, e que sobre tudo, por meio d'essas concessões, se concorra para dar á provincia aquillo que ella não tem, e que os governadores por si não podiam dar.

Segundo se vê d'este relatorio, recommendava tambem o ministro das colonias ao citado governador, que fizesse restabelecer as feiras de Manica e do Zumbo.

Note a camara a importancia d'aquellas feiras, plano que temos de adoptar para emprehendermos os melhoramentos de que a provincia carece.

Para começarmos a pôr a provincia de Moçambique n'uma situação mais vantajosa, é preciso restabelecer os grandes mercados no interior. Sem isso não poderemos marchar sem grandes difficuldades.

Vou ler á camara outro trecho do relatorio daquelle governador, e leio-o com tanto mais prazer, quanto é certo que os documentos desta natureza são bem acceitos pelos dignos pares, visto que a elles se soccorrem:

"O estabelecimento das feiras de Manica e Zumbo, e ainda menos a creação de novas feiras no interior, póde v. exa. acreditar que nunca chegarão a uma realidade estavel e vantajosa, NEM Á CUSTA DE MUITOS SACRIFICIOS PECUNIARIOS, senão quando algum dia se encaminhar a emigração europea para esta provinda."

Já vêem os dignos pares que nós não deixâmos de ter em vista estas informações, que são de um homem que muito respeito, e o digno par tambem, homem perfeitamente conhecedor das necessidades impreteriveis da provincia. Esse cavalheiro, fallando das minas, disse no trecho lido pelo digno par, que effectivamente eram difficeis

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de explorar, não havendo ali nenhum estabelecimento de credito, e porque faltam as communicações regulares com a metropole, assim como faltavam no interior.

O digno par sabe que os governos alguma cousa têem feito depois d'isso. Hoje temos ali a succursal de um estabelecimento de credito, ha communicações regulares com a mãe patria o entre os diversos pontos da provincia, porque não só ha uma companhia que está fazendo este serviço em virtude de um contrato celebrado com o estado, mas ha vapores nossos ás ordens do governo.

Alem d'isso, existe hoje ali uma commissão de obras publicas, que trabalha activamente; e tenho a fortuna de poder annunciar á camara que os seus trabalhos não têem sido embalde, não só em Moçambique como em Angola, achando-se bem dirigidos e já desenvolvidos nas duas provincias.

Tenho tenção do apresentar ao parlamento um relatorio a respeito d'esses trabalhos de obras publicas nas duas Africas portuguezas, e o digno par e todos os membros das camaras poderão examinar então minuciosamente o que estas commissões têem feito.

A unica objecção sobre a legalidade do acto do governo, que foi apresentada pelo digno par e meu amigo, o sr. Carlos Bento, a cujo discurso prestei a maxima attenção, como costumo, pois tenho sempre o maior prazer em ouvir s. exa., a unica objecção, digo, sobre legalidade, que ouvi ao meu nobre amigo, foi a respeito das florestas. N'esta parte s. exa. duvida que o governo fizesse legalmente a concessão, e tem duvidas tambem quanto ao termo dessa concessão, porque o não vê marcado no decreto de 26 de dezembro de 1878.

Quando o governo publicou este decreto, repito mais uma vez, referiu-se ás leis dentro das quaes se fazia a concessão.

E se não fallou especialmente na lei do 21 de agosto de 1856, foi porque ella estava resalvada no decreto de 4 de dezembro de 1861, referendado pelo digno par que me antecedeu.

Por consequencia, quem cita (e eu já disse isto, e torno a repetil-o) o decreto de 4 de dezembro de 1861, cita a lei de 21 de agosto de 1856, na parte respectiva. Ora essa lei diz assim, no artigo 1.°:

"São exceptuadas (do alheação)... 3.° as matas já exis
"tentes, especialmente as situadas na vizinhança da costa "e portos do mar ou rios navegaveis, que pela qualidade e "abundancia de suas madeiras, devam ficar reservadas "para d'ellas se cortarem e mais commodamente extrahirem "as que forem precisas para o serviço do estado.

"Art. ll.° As arvores que existirem nos terrenos quan-
"do estes forem vendidos ou empregados, apropriadas para "as construcções navaes ou civis do estado, ficarão no pleno
"dominio da fazenda nacional, etc."

Portanto, mesmo na concessão de terrenos, o governador tem de ver se as arvores lá existentes estão n'estas condições expressas da lei, e se o estiverem não se concedem.

O digno par, que conhece tão bem a Zambezia, deve saber até que ponto é difficil a navegação do importante rio, que dá o nome áquella região, e que ha sitios n'esse rio em que é preciso desembarcar as mercadorias, fazel-as conduzir ás costas dos carregadores durante grandes distancias, para as poder embarcar de novo em outro local; devo saber que a concessão feita ao sr. Paiva de Andrada é n'aquella mesma região, mas que as madeiras que elle podesse explorar não podiam ficar, ainda assim, perto do rio. Veda-lh'o a lei.

Como, pois, imaginaram que as matas do estado, todas as matas do estado, íam ser devastadas na Zambezia?

Como póde, pois, julgar, o meu illustre contendor, que, fazendo-se esta concessão, se dava uma grande riqueza á companhia?

Sr. presidente, o que é justo o conveniente, é que se procurem entender as cousas como ellas são, e não ao sabor de uma opinião antecipada.

O governo não concedeu, nem podia conceder, a exploração de florestas, cujas madeiras têem facil embarque, porque a lei citada no decreto da concessão é bem expressa.

Pedindo-se a concessão de explorar florestas, e vendo-se que no decreto relativo á concessão de minas, se falla no direito que teem os mineiros de se servirem do carvão, mato e lenha, entendeu o governo e o concessionario, que não podia isto ser sufficiente para os usos e necessidades da exploração das minas e dos terrenos concedidos, e por isso se fez a concessão de explorar as florestas dentro dos limites que as leis marcam, até para supprir ás necessidades de madeira para segurança das minas, á construcção de habitações de armazens e depositos, n'uma palavra, para tudo o que é necessario a uma grande exploração.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Permitte-me v. exa. uma observação?

Não sendo a concessão apenas o que é permittido pelo n.° 2.° do artigo 41.° do decreto de 1869, então o governo exorbitou?

O Orador: - O governo não exorbitou em cousa nenhuma, como vou mostrar.

As matas já existentes dividem-se em duas categorias: as que estão situadas na vizinhança da costa, e as que o não estão. As primeiras não podem ser concedidas, as segundas nada se oppõe a que o sejam, dentro dos limites da lei.

D'este modo, está garantido para o estado tudo quanto são arvores proprias para construcção n'estas zonas de terrenos que pertencem á corôa.

Ha mais alguma cousa. Tambem são exceptuadas as arvores proprias para construções navaes ou civis, mesmo que se achem dentro dos terrenos cuja exploração é concedida a alguem.

Mas as arvores que não estão n'essas condições? e as caídas pela força do vento? e as arvores seccas? tambem a sua concessão estará prohibida na lei?

O sr. Marquez de Sabugosa: - Parecia-me que v. exa. dizendo que o concedido não era apenas o que permitte o artigo 41.° do decreto de dezembro de 1869, concordava em que tinha saído fóra dos preceitos legaes, pois que não ha lei que a isso auctorise.

O Orador: - É porque o que estava marcado no decreto do 1869 não era sufficiente.

A concessão quanto a florestas não foi regulada pelo decreto de 1869, que se refere ás minas, mas em conformidade com o decreto de 4 de dezembro de 1861 e lei de 21 de agosto do 1856, que se referem a terrenos e florestas. Não é esta a legislação citada no decreto que fez a concessão questionada?

O sr. Marquez de Sabugosa: - É exactamente alei de 21 de agosto de 1856 no seu artigo 1.° que diz que se não podem alhear as florestas.

O Orador: - Peço perdão; não é isso. Ficam, sem a menor duvida, exceptuadas da concessão as arvores que effectivamente a lei exceptua, isto é, alem das, zonas florestaes proximas aos portos e rios navegaveis, aquellas que forem, mesmo em terrenos particulares ou concedidos, destinadas ás construcções navaes ou civis do estado, etc.; mas em quanto ás outras, ás que não servirem para este destino, póde o governo concedel-as, comtanto que se observem as regras legaes, presentes e futuras, para a conservação das florestas.

Sr. presidente, o que o governo quiz foi dar aos concessionarios a faculdade de poderem servir-se das madeiras para o que lhes seja necessario na sua exploração agricola e mineira.

A exploração das florestas nos terrenos da concessão, que são os da lei, longe de prejudicar as matas, antes lhes é favor para a sua conservação e desenvolvimento. O governo

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teve todo o cuidado em bem affirmar que na concessão, relativa ás florestas, a sua conservação encrava como preceito.

Sr. presidente, embora a concessão tenha diversas partes, ella fórma um todo, e quando por falta do cumprimento das suas obrigações tenha uma das partes de caducar, caducará no todo.

Assim o considera tambem o illustre procurador geral da corôa, e mesmo não podo haver duas maneiras de entender esta concessão.

Emfim, póde ser que esta interpretação convença, mas não satisfaça aos dignos pares; por isso, ella, é a unica que se póde dar ao decreto do governo.

Eu não sei se ha mais algum ponto a que eu não respondesse, creio que não.

Peço, portanto, licença para concluir; mesmo porque a minha voz está presa, e com difficuldade diria mais alguma cousa.

O sr. Vaz Prato: - Como não está presente o digno par a quem desejava responder, cedo da palavra.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção.

O sr. Marquez e Sabugosa: - Sr. presidente, muito de proposito não me aproveitei do regimento pedindo mais cedo a palavra, e só o faço agora que a inscripção está extincta, e não altero por isso a ordem em que os meus collegas se achavam inscriptos. Muito mais lucrou a camara ouvindo-os do que a mini, mas ou não podia deixar de dizer ainda algumas palavras nesta discussão, principalmente depois de ter sido apresentada uma moção de confiança ao governo, moção que, se não póde alterar o andamento do projecto de lei que tive a honra de apresentar, tem comtudo de ser votada desde já.

Farei todo o possivel póde ser muito breve; pois não desejo enfadar a camara.

Sr. presidente, esta discussão não tem de certo sido inutil. Muito tem concorrido para instrucção do processo que legalmente será julgado no parlamento o moralmente em todo o paiz. Mas quando outro proveito se não tivessse tirado já era bastante o ter proporcionado a occasião de se apresentar aqui um grande e nobre exemplo n'esta epocha que atravessâmos.

Todos vimos aqui com uma consciencia na aspiração do justo quebrar todos os estorvos das falsas conveniencias, sacrificando mesmo os affectos intimos para cumprir o dever!

E ainda é mais completa a lição quando todos sabemos que uma grande intelligencia acompanha era a consciencia, que mediu todo o alcance do acto praticado, que sabe que não e esse o caminho do Capitolio, e que conheço a verdade d'aquellas palavras do nosso Sá de Miranda.:

"Homem de um só parecer,
Dum só rosto, uma só fé
D'antes quebrar que torcer,
Elle tudo podo ser,
Mas de côrte homem não é."

Eu não desejo, sr. presidente, o frender a modestia de ninguem, nem desejo que as minhas palavras possam ter qualquer outra interpretação que não seja a do querer registar com respeito um bom exemplo de moralidade.

Sr. presidente, longa vão já a discussão. Temos procurado mostrar que o decreto do 24 do dezembro de 1878 não deve ter a sancção legislativa, porque as suas, disposições são anti-economicas, impoliticas, inconvenientes e contrarias ás leis vigentes e á dignidade nacional, e o governo allega que não tinha outro meio de promover e desenvolvimento d'aquella colonia, que não ha perigos, que tom completa confiança no concessionario, que a concessão não é definitiva mas condicional, e só se verificava se as leis vigentes, que no decreto se citam, forem cumpridas. Mas o que ainda me parece, sr. presidente, depois do que de ambas as partes se tem dito, e que as leis citadas no decreto são contrariadas pelas disposições do mesmo decreto; o que tambem me parece é que a consulta da junta do ultramar é contraria á concessão, embora o governo diga que não, e que o governo tomou uma grande responsabilidade não ouvindo o governador da provincia, nem o procurador geral da corôa.

O sr. procurador geral e a corôa, nos pareceres que se acham impressos sobre negocios da mesma natureza d'este, alem das considerações especiaes sobre o assumpto em que foi ouvido, estabelece regras geraes, principios certos que em todas as concessões se devem attender.

S. exa. disse aqui, e muito bem, que nem uma palavra nem uma virgula retirava do que escrevera n'essas consultas, o esses principios, com as suas palavras e virgulas, destoam completamente das disposições do decreto de 26 de dezembro.

Acrescentou, comtudo, s. exa., que não era esta a occasião de dar o sou parecer sobre uma concessão a fazer, que como membro d'esta casa só lhe competia conhecer do que estava feito, e concluiu s. exa. que seria legal a concessão se as leis citadas no decreto se cumprissem.

O que me parece que s. exa. não póde demonstrar completamente, foi como as disposições do decreto se conformavam com as disposições da lei.

Da conveniencia nada disse s. exa., o que tambem podia fazer como membro d'esta camara; mas a verdade é que não podia ter opinião differente da que tinha estabelecida nas suas consultas.

Ora, sr. presidente, que o sr. procurador geral da corôa que só teve conhecimento do decreto depois de publicado, porque o governo julgou escusado ouvir o seu auctorisado parecer, diga que não tem que avaliar senão o acto já praticado, entende-se mas que o sr. ministro da justiça, que sinto não ver presente, e que tinha o seu voto compromettido nossas consultas já publicadas, porque nellas se diz que tem o voto unanime da conferencia que s. exa. estabelecêra, portanto, esses mesmos principios geraes que são desacatados no decreto, e que teve conhecimento previo do decreto, o approvasse, é o que não só póde comprehender.

O decreto diz que foi ouvido o conselho de ministros, e, portanto, ou s. exa. retirou todos os pontos e todas as virgulas das consultas, ou votou contra o decreto, e não está n'esse caso constitucionalmente bom collocado n'aquella cadeira, ao lado dos seus collegas.

Sinto que s. exa. não esteja presente, o que não tivesse pedido a palavra para definir categoricamente a sua posição, e sinto-o, porque sou um respeitador sincero do nobre caracter de s. exa.

Disse ha pouco o sr. ministro da marinha que só era impugnada a concessão das florestas.

Não me parece exacta esta sua proposição; não falta só a justificar a concessão das florestas, mas a justificar todo o decreto, porque ainda não foi defendido.

Para a justificar era necessario provar, em primeiro logar, que o decreto está em harmonia com a legislação em vigor, e que eram convenientes as suas disposições, o nada d'isso está provado.

Talvez seja falta minha, talvez por deficiencia do comprehensão não tenha avaliado devidamente a defeza, mas o que me consola e ver que intelligencia geralmente reconhecidas se acham no mesmo caso. Explicou por acaso satisfactoriamente o sr. procurador geral da corôa qual a disposição legal que auctorisa e exclusivo por vinte annos para a pesquiza e exploração das minas? Não me parece que e fizesse.

A respeito das florestas, uma vez que foi a este artigo das conccesões que o sr. ministro da marinha se referiu ultimamente, a esse respeito, diz s. exa. que, o que se concede o decreto, não é sómente o que se acha consignado no artigo 41.° n.° 2.° do decreto com força de lei de 4 de dezembro de 1869, isto é, que não é só a faculdade do

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concessionario se prover de lenhas, etc., mas que se fundou, para fazer a concessão das florestas, no artigo 1.° da lei de 21 de agosto de 1856; ora é exactamente essa lei que lhe prohibe de fazer tal concessão, porque no § unico d'esse artigo se diz, que são exceptuadas de poderem ser alheadas:

"3.° As matas já existentes, especialmente as situadas nas vizinhanças da costa, ou portos de mar e rios navegaveis."

De sorte que não só é prohibido pelo preceito geral alhear florestas, mas ainda especialmente as que estiverem junto aos rios navegaveis, como no caso presente. Pois é n'esta disposição da lei em que o sr. ministro da marinha diz ter-se auctorisado para fazer a concessão das florestas!

Eu não desejo cansar a camara; entretanto seja-me permittido referir-me ainda a uma apreciação que se fez na sessão passada a respeito da impressão que o decreto de 26 de dezembro tem feito no publico.

Disse-se aqui que é nacional um certo sentimento de inveja, que faz olhar com maus olhos a quem é emprehendedor, embora não tenhamos animo para trabalhar. Ora, sr. presidente, não me parece que, se acaso este sentimento é nacional, e não tenho aqui que defender a nação porque todos somos portuguezes, mas se este sentimento é nacional, não tem comtudo applicação para o caso presente. Julgo que o sr. procurador da corôa, em conferencia, quando estabeleceu aquelles salutares principios que não renega, não estava possuido, de inveja; julgo que tambem não se póde qualificar como tal esse sentimento, que nos faz querer a igualdade perante a lei, e que se não estabeleça como garantia para o estado sómente a confiança dos ministros em qualquer cidadão.

Sr. presidente, desejo concluir, mas antes d'isso lembrarei á camara que, desde a primeira vez que tive a honra de fallar n'esta questão, procurei afastal-a do campo da politica propriamente partidaria. N'esse sentido apresentei aqui um projecto de lei, porque desejava que este negocio se resolvesse com a devida circumspecção, sendo ouvidos os pareceres das competentes commissões; o governo, porém, que provocara o debate querendo collocal-o no campo politico, tambem por intermedio de um membro da maioria promoveu que a discussão se fechasse com uma moção de confiança.

Não foi a opposição que levou o negocio para esse campo, acceitâmos comtudo a solução como acceitâmos a provocação, e sem nos importar o numero.

Creio todavia que o meu projecto não fica prejudicado e ha de seguir os tramites que manda o regimento, (Apoiados.} ha de ir ás commissões respectivas, e ellas hão de dar sobre elle o seu parecer. Mas é necessario que se saiba bem o que se pretende com esta moção. Pretende-se produzir uma certa impressão no publico, apparentando-se que a defeza do governo perante a camara foi satisfactoria, e pretende-se tambem desde já obter compromissos para a rejeição do projecto de lei que apresentei, e que só póde acabar definitivamente esta questão.

A camara vae votar dentro em pouco a moção; e lembremo-nos todos qual a significação do nosso voto.

Quem votar contra a moção não vota o perpetuo esquecimento das nossas colonias, pelo contrario, vota que não quer um exclusivo que ha de retardar o desenvolvimento d'ellas; e quem votar a favor salta por cima da provincia de Moçambique, para se ír collocar ao lado do sr. Fontes.

Tenho concluido.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vou submetter á votação da camara a moção apresentada pelo digno par o sr. visconde de Bivar.

(Retiram-se da sala os srs. ministros que estavam presentes, presidente do conselho, e ministros da marinha e do reino.)

O sr. Conde de Rio Maior: - Requeiro que haja votação nominal sobre essa moção.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde de Rio Maior requer votação nominal sobre a moção do sr. visconde de Bivar.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. secretario leu a moção.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a moção dizem approvo, e os que a rejeitam dizem rejeito.

O sr. secretario fez a chamada.

Disseram approvo, os dignos pares: Martens Ferrão; Marquez de Monfalim; Condes, de Avilez, do Bomfim, do Farrobo, da Fonte Nova, da Lousa, de Paraty, de Porto Covo, da Torre; Bispos, de Bragança, do Porto; Viscondes de Almeidinha, de Alves do Sá, de Asseca, de Bivar, de Monforte, da Praia, da Praia Grande de Macau, de Seabra, da Silva Carvalho; D. Antonio de Serpa, Agostinho de Ornellas, Mello e Carvalho, D. Antonio de Mello e Saldanha, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier Palmeirim, Silva Torres, Gonçalves Mamede, Lourenço da Luz, Camara Leme, Martins Dantas, Ferreira de Novaes, Visconde de Soares Franco (1.° secretario.) e Eduardo Montufar Barreiros (2.° secretario).

Disseram rejeito, os dignos pares: Duque de Palmella; Marquezes de Angeja, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, de Bertiandos, da Ribeira Grande, de Rio Maior; Viscondes, de Ovar e de Portocarrero; Costo Lobo, Xavier da Silva, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Augusto Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Miguel Osorio, Vicente Ferrer e Duque d'Avila e de Bolama (presidente).

O sr. Presidente: - Está portanto approvada a moção do digno par o sr. visconde de Bivar por 36 votos contra 21.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pedi a palavra para perguntar ao sr. ministro da marinha se é exacto o que eu vi hoje em alguns jornaes, que tinha havido uma grande carnificina em Bolor, possessão portugueza na Guine. Eu desejava, pois, que s. exa. tivesse a bondade de nos informar das circumstancias que se deram. Ao que parece, este successo é a repetição de outros que ali se têem dado. Espero que o sr. ministro da marinha dará conhecimento á camara.

O sr. Ministro da Marinha: - Eu vou dar conhecimento á camara de um telegramma official, que foi recebido hontem de tarde pelo governo, e é assignado pelo governador de Cabo Verde:

"Ministro da marinha Lisboa - Desastre grave. Bolor, mortos, forca militar, guerra que não auctorisei, sem elementos para desforço, procedo contra governador Guiné, mando canhoneira, pouca força disponivel. Governador provisorio, secretario geral syndicar, explicações, officio hoje. = Governador geral."

Aqui tem v. exa. o que, com muita magua, posso dizer á camara.

Não sei nenhuns promenores a respeito d'este acontecimento; não conheço o numero de mortos n'este desastre.

"Desastre grave! mortos, força militar!"... São as palavras do telegramma. Eu não sei ao certo a força armada que estaria exposta a esta catastrophe, mas tinham sido mandados, pela canhoneira Quanza, cincoenta praças ha pouco tempo.

Nós temos na Guiné trezentas praças, approximadamente, do batalhão de caçadores n.° 1. Mas, em Cacheu, que fica proximo de Bolor, poderia haver apenas umas cincoenta praças, que, como disse, foram conduzidas na canhoneira. Não sei o numero de mortos.

O governador de Cabo Verde ordenou que partisse para a Guiné a canhoneira Rio Lima, que foi render a Quanza, levando a seu bordo a forca disponivel; suspendeu o governador, Vieira, sendo nomeado um governador interino,

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e mandou o secretario geral do governo, a fim do syndicar ácerca dos factos occorridos.

Eu não sei de outros dados que possa offerecer á consideração da camara; mas é provavel que vá tendo successivas noticias., e á medida que as for recebendo, communical-as-hei á camara. (Apoiados.}

Em S. Vicente ha apenas um administrador de concelho, a quem eu, preoccupado, como era natural estar, em virtude d'esta noticia, telegraphei pedindo algumas informações ou promenores. A resposta que recebi foi o seguinte telegramma, que passo a ler.

"Não constam novas aggressões nem noticias posteriores telegramma governador geral. Transmittirei Praia telegramma recebido."

Nada mais tenho a dizer á camara. Espero algumas noticias pela primeira mala, e de tudo informarei a camara, que desejo tenha perfeito conhecimento dos factos, não me esquivando a dar todas e quaesquer informações.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Presidente: - Está extincta a ordem do dia, e portanto vou fechar a sessão. A primeira sessão será na proxima sexta feira, 24 do corrente, e a ordem do dia será a eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de janeiro de 1879

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens; Duque de Palmella; Marquezes, de Angeja, de Monfalim, de Sabugosa, do Vallada; Condes, dos Arcos, de Avillez, de Bertiandos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, do Farrobo, da Fonte Nova, da Louzã, de Paraty, de Porto Covo, da Ribeira Grande, de Rio Maior, da Torre; Bispos, de Bragança, do Porto; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, da Asseca, de Bivar, de Monforte, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Seabra, da Silva Carvalho, de Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Silva Torres, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, José Lourenço da Luz, Camara Leme, Vaz Preto, Miguel Osorio, Dantas, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer.

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