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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 10

EM 26 DE JANEIRO DE 1904

Presidencia do Exmo. Sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMARIO:- Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Conde de Valenças declara que, se estivesse presente na penultima sessão, teria votado, approvando-a; a resposta ao Discurso da Coroa. Declara igualmente que tem faltado a algumas sessões por motivo de doença. - O Digno Par Sr. Marquez de Lavradio mandou para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Marinha, e cinco requerimentos de constructores navaes pedindo que a direcção technica do Arsenal de Marinha seja entregue a engenheiros portuguezes. Constando-lhe que o cruzador D. Amelia mette agua, pede que se providencie a tal respeito, e por ultimo, mostra a conveniencia de não ser renovado o contrato com o engenheiro Croneau sem que esteja prompta a reforma do Arsenal de Marinha, a que se refere o Discurso da Corôa. O requerimento pedindo esclarecimentos foi expedido, e os outros cinco requerimentos, a pedido do Digno Par apresentante, foram mandados publicar nos Annaes. - O Digno Par Baracho associa-se ás declarações apresentadas pelo Digno Par que o antecedeu no uso da palavra, quanto á renovação cio contrato Croneau, envia para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Ministerio da Justiça, e duas interpellações; allude ás más circumstancias em que se encontram os operarios que trabalharam no Paço de Belem, pedindo a este respeito providencias, e, por ultimo, trata de um concurso para lente de pharmacia no Porto. - Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho.

Ordem do dia. - Interpellação do Digno Par Eduardo José Coelho sobre a ultima amnistia. - O Digno Par explana o assumpto da sua interpellação. - Responde-lhe o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Baracho requer que seja publicada nos Annaes a synopse das providencias decretadas no interregno parlamentar á sombra do artigo 15.° do Acto Addicional da Carta. Este requerimento foi approvado. - Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Estavam presentes ao começo da sessão o Sr. Presidente do Conselho, e os Srs. Ministros da Justiça e das Obras Publicas, e entrou depois o Sr. Ministro da Guerra.

Ás duas horas e quarenta minutos, estando presentes 20 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Fazenda, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Mandaram-se entregar ao Digno Par.

Officio do Sr. Ministro da Marinha, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Sebastião Baracho.

Mandaram-se entregar ao Digno Par.

O Sr. Conde de Valenças: - Pediu a palavra para declarar que, se estivesse presente na penultima sessão, teria votado, approvando-a, a resposta ao Discurso da Coroa; e que foi por motivo de doença que faltou a algumas sessões.

O Sr. Marquez de Lavradio: - Manda para a mesa um requerimento, pedindo varios documentos.

É do teor seguinte:

"Requeiro que pelo Ministerio da Marinha me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

1.° Copia do actual contracto entre o Governo Portuguez e o engenheiro francez Alfonse Croneau para este dirigir technicamente o Arsenal de Marinha.

2.° Nota exacta e detalhada do custo do cruzador Rainha D. Amélia, incluindo as reparações que já tem soffrido até hoje.

3.° Nota exacta e detalhada do custo da canhoneira-torpedeira Tejo, incluindo as reparações que já tem soffrido.

4.° Nota exacta e detalhada do custo da canhoneira Patria.

5.° Nota do custo de todas as installações do Arsenal de Marinha feitas desde que o engenheiro Croneau está ao serviço do Governo Portuguez e casas em que tem sido adquiridas todas as machinas e material, tanto de installação como de construcção desde a mesma data.

6.° Copia do contracto entre o Governo Portuguez e a casa italiana Orlando para reparações do transporte Africa.

7.° Copia de todos os relatorios dos differentes commandantes do cruzador Rainha D. Amelia.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares, em 26 de janeiro de 1904. = O Par do Reino, Marquez do Lavradio."

Envia tambem para a mesa cinco requerimentos de constructores navaes, pedindo que a direcção technica do Arsenal de Marinha seja entregue a engenheiros portuguezes.

Pede ao Sr. Presidente que consulte a Camara sobre se permitte que estes requerimentos sejam publicados nos Annaes.

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Vê noticiado, e consta lhe ser verdade, que o cruzador D. Amelia mette agua, e isto por defeito de construcção.

Se assim é, pede que se dêem as necessarias providencias.

Leu tambem que vae ser renovado o contracto com o engenheiro Croneau.

Como o Discurso da Coroa se refere a uma reforma do Arsenal de Marinha, julga prudente e sensato que se não trate d'essa renovação sem que a alludida reforma esteja prompta.

Como o Sr. Ministro da Marinha não está presente, nada mais accrescenta ao que disse, reservando-se para quando S. Exa. estiver na Camara.

O requerimento foi expedido, e a Camara, previamente consultada, deliberou que os cinco requerimentos dos constructores navaes sejam publicados nos "Annaes", se a isso se não oppuser a sua redacção.

O Sr. Sebastião Baracho: - Começa por se associar ás declarações feitas pelo Digno Par Sr. Marquez de Lavradio com respeito á reforma do Arsenal de Marinha. Viu tambem annunciada no Discurso da Coroa essa reforma, e, parallelamente, leu nos jornaes a noticia de que ia ser renovado o contracto com o engenheiro Croneau.

Ha de referir-se a este assumpto mais de uma vez, se não vir no Governo disposições para acabar com estes extrangeirismos que, infelizmente, não vieram implantar moldes ou processos pelos quaes possam guiar-se os nacionaes.

Faz esta declaração succinta, pondo em relevo a circumstancia de que é contrario a todos os extrangeirismos, que nada aperfeiçoam e que antes podem considerar-se nocivos.

Tratará de combater a renovação do contracto Croneau, se vir que ella está imminente.

Reservando a sua plena liberdade de acção, põe ponto ás considerações a este respeito, e vae ler um requerimento e duas notas de interpellação que manda para a mesa.

O requerimento é do teor seguinte:

"Requeiro que pelo Ministerio da Justiça me seja enviada com urgencia, copia dos officios trocados entre o titular da indicada pasta e o Sr. Cardeal Patriarcha, com respeito á contribuição por parochos não collados para ensino de seminaristas. = Sebastião Baracho.

Uma das suas notas de interpellação é esta:

"Desejo interpellar o Sr. Ministro do Reino e Presidente do Conselho, acêrca da amnistia concedida no intervallo parlamentar e de assumptos correlativos, deprimentes do regimen representativo. = Sebastião Baracho".

Como vae entrar em debate uma interpellação similar, se o Sr. Presidente em sua alta sabedoria não entender o contrario, pode esta sua interpellação realizar-se junctamente com aquella.

A outra nota de interpellação é:

"Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar sobre as causas de decadencia e desnacionalização da provincia de Angola e designadamente sobre a prorogação do praso do Caminho de Ferro do Lobito, e sobre a conservação, na provincia, dos frades do Espirito Santo, subsidiados largamente pelos cofres publicos. - Sebastião Baracho".

Deve dizer que entre alguns documentos, dos varios que pediu aos differentes Ministerios, encontra a synopse das providencias decretadas pelo Ministerio da Marinha, no interregno parlamentar, á sombra do artigo 15.° do Primeiro Acto Addicional á Carta.

Pede ao Sr. Presidente que se digna renovar as suas instancias junto do Sr. Ministro da Marinha, a fim cê que S. Exa. lhe mande todos os documentos que requisitou ha vinte dias.

Apparece-lhe só esta synopse, que está em cima da mesa mas, nos documentos que pediu, estão incluidos todos os que são precisos para realisar a sua interpellação, e respeitantes aos frades do Espirito Santo e ao contracto para o caminho de ferro do Lobito.

O Sr. Presidente do Conselho vangloria-se de ter concedido a prorogação d'este contracto e por isso deseja estar o mais breve possivel habilitado a tratar desenvolvidamente do assumpto; e crê que da mesma opinião é o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho.

O Sr. Eduardo José Coelho - Apoiado.

O Orador: - S. Exa. tambem annunciou uma interpellação a tal respeito, e mais de uma vez se tem referido ao assumpto.

Roga, pois, ao Sr. Presidente que inste junto do Sr. Ministro da Marinha para que mande os documentas que pediu, e julga indispensaveis para a sua interpellação, que desejaria realisar o mais breve possivel.

Deve dizer que pelo Ministerio da Justiça já lhe foram satisfeitos todos os documentos que tinha requerido para realisar a sua interpellação.

Na penultima sessão o Sr. Presidente do Conselho referiu-se a officios trocados entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Cardeal Patriarcha?

S. Exa. disse que elle, orador, podia consultar esses documentos lendo-os, mas não vieram nos Annaes das nossas sessões nem estão sobre a mesa, e, portanto, pede a copia d'elles para voltar á questão, affirmando mais uma vez que o não satisfizeram as declarações de S. Exa.; e pelo contrario, tendem ellas a tornar o abuso em pratica effectiva. O abuso já existe á face de todos os preceitos da legislação nacional e do concilio de Trento, procurando-se constituir esse abuso em pratica.

Contra isto protestou hontem, protesta hoje e protestará sempre.

Aproveita a occasião de estar presente o Sr. Ministro das Obras Publicas para dizer a S. Exa. que foi procurado por uma commissão de operarios sem trabalho.

Chama a sua attenção para este facto, e, dado o caso de que S. Exa. possa providenciar de fórma que sejam dados a esses desgraçados os meios de subsistencia, pede-lhe que não demore a sua resolução.

Não se faz echo das considerações que lhe apresentaram a respeito de não terem sido attendidos pelo seu chefe hierarchico, porque a fome faz ver o que se não vê em outras circumstancias. O que é certo é que, tendo terminado as obras do Paço de Belem, estes desgraçados estão hoje atravessando uma crise bastante penosa.

De novo pede a S. Exa. que se digne providenciar de forma que estes desgraçados sejam attendidos na sua petição.

Vae agora, passar ao assumpto para que pediu a palavra ha bastantes dias: á questão pharmaceutica do Porto.

Sabe bem a Camara que o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino tem tido a infelicidade, de, em negocios de instrucção, promover constantes reparos e protestos, e sabe a campanha que elle, orador, fez o anno passado com respeito ao Lyceu de Lisboa e mais ainda com respeito ao Curso Superior de Letras.

Não se referirá agora a estes assumptos, que serão tratados mais tarde; referir-se-ha apenas á questão pharmaceutica para affirmar á Camara que se estão dando os factos que expoz quando aqui discutiu este assumpto.

Então, mostrou que na reforma pharmaceutica, saltavam immediatamente á vista dois pontos que ninguem podia deixar de condemnar: um era lançarem-se tributos especiaes para acudir ás despesas que podiam advir d'essa reforma; outro consistia em o nepotismo ser arvorado em bandeira alta, elevada e patente a fim de serem por ella acolhidos os afilhados.

Por essa occasião, pondo em relevo

1 Estão publicados no final da sessão.

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a circumstancia de ser destinado a professor sem concurso um pharmaceutico do Instituto de Veterinaria, protestou contra o facto o corpo docente da Escola Medica de Lisboa e a Escola Medica do Porto, mas parece que esta se amoldou á situação, e que hoje não tuge nem muge, conforme a phrase vulgar, tendo descido muito os seus creditos perante a excommunhão maior lançada pelo conselho da Escola Medica de Lisboa.

Mas não é este positivamente o facto para que chama a attenção da Camara. O facto é outro: consta de uma representação do Centro Pharmaceutico Portuguez dirigida ao Chefe do Estado e cuja synthese resulta d'estes periodos que vae ler:

"Depois de uma lucta de sessenta annos, logrou a classe pharmaceutica ver decretada, na lei de 19 de julho de 1903, a remodelação do ensino pharmaceutico, mas não como podia e devia ser, visto que, por uma excepção unica e odiosa, creou tambem um imposto especial á custa d'essa classe para prover á despeza respectiva, imposto que vae muito alem d'essa despeza.

E como se ainda fosse pouco, estabeleceu um processo de organisação das escolas de pharmacia que tem dado logar ás mais extranhas e extraordinarias peripecias, que jamais se viram em materia de tanta ponderação.

O Governo, e em especial o Exmo. Sr. Ministro do Reino, sabe, porque em tal assumpto superintendeu, o modo irregular por que procedeu a escola do Porto na admissão dos candidatos aos cursos de pharmacia.

Igualmente sabe que um dos candidatos nem o diploma de pharmaceutico apresentou, e que outros não apresentaram certificados do exercicio profissional, documentos indispensaveis e exigidos na lei.

Mas depois de fechado o prazo do concurso, entendeu o Governo que poderia nomear para uma das vagas a concurso, e que devia dispensar um dos concorrentes da frequencia do 2.° anno do curso de pharmacia, sem que elle tivesse o l.°, e mandal-o admittir a exame final do curso; e entendeu mais ainda que por uma portaria o de via tambem admittir ao concurso depois de fechado".

O candidato a quem se refere esta representação é o Sr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar, lente da Escola Medica do Porto, e os factos são em todo o ponto verdadeiros.

Passa a ler a portaria pela qual o mesmo candidato foi dispensado de cursar o 2.° anno de pharmacia:

"Sua Magestade El-Rei, attendendo o que lhe representou Alberto Pereira
Pinto de Aguiar, actual lente da Escola Medico-Cirurgica do Porto, pedindo se lhe permitia ser submettido ao exame vago de pharmacia, sendo para esse fim relevada a falta de frequencia do 2.° anno do respectivo curso; tendo em vista as condições excepcionaes em que o requerente se encontra, tendo, como lente da Escola feito parte do jury dos exames, a que ora pretende ler elle mesmo submettido: ha por bem deferir a alludida pretensão.

Paço, em 3 de setembro de 1903. = Luiz Augusto Pimentel Pinto".

Todos comprehendem bem as razões adduzidas para a dispensa que se pede, uma d'ellas, a que mais reparos offerece, é concernente a que, não estando este professor devidamente habilitado para pharmaceutico o está para examinador de pharmacia, allegando-se que foi membro do jury que havia de approvar os candidatos a lentes de pharmacia, e que por isso ficava dispensado de apresentar os documentos respectivos!

Este é o primeiro reparo que offerece uma portaria d'esta natureza realçada pelo maior favor e nepotismo. O Sr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar nem sequer tinha o 1.° anno do curso de pharmacia: tinha assistido á aula d'esse anno, como todos os alumnos que se dedicam á medicina, como voluntario, nada mais.

A dispensa do 2.° anno do curso, pelas razões que já adduziu, só serve para aggravar a grande falta de não ter o candidado o 1.° anno; frequentara a aula apenas como ouvinte, nem propinas tinha pago. Limitou-se apenas a ser voluntario, como são todos os que se dedicam ao curso de medicina. E é sobre isto, depois de tudo isto, que se procura agora introduzir como lente de pharmacia uma entidade n'estas circumstancias.

A hora vae adeantada, e por isso não quer tomar mais tempo á Camara. Voltará, porem, ao assumpto, que é de ordem a suscitar os mais justificados reparos, mesmo n'esta epoca de inveterado nepotismo: mas o que já disse serve para chamar a attenção da Camara para o caso nunca visto de se dispensarem todas as habilitações exigidas para um certo cargo e só para favorecer um afilhado que, pelo que se vê, está bellamente cotado perante o Sr. Presidente do Conselho.

Quando S. Exa. foi sobre este mês mo assumpto interpellado na outra Camara, respondeu que havia uma associação pharmaceutica que louvava esse acto. Elle, orador, por sua vez, replicará a S. Exa. que em pharmacia, como nos outros modos de vida, ha quem se conforme com tudo quanto lisongeros poderosos e os grandes. Tem dito por hoje.

Leram-se na mesa, e foram mandados expedir, o requerimento e as notas de interpellação do Digno Par Sr. Baracho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Tanto o Digno Par Sr. Marquez do Lavradio como o Digno Par Sr. Sebastião Baracho se referiram a assumptos respeitantes ao Ministerio da Marinha. Dor certo, o seu collega d'essa pasta não deixará de vir á Camara, correspondendo assim aos desejos de S. Exas. para tratar d'esses assumptos.

O Digno Par Sr. Sebastião Baracho referiu-se tambem a assumptos que especialmente se referem ao Ministerio a eu cargo, e sobre esses passará a responder a S. Exa.

Em primeiro logar, mandou S. Exa. sara a mesa uma nota de interpellação sobre a amnistia; e, como este assumpto é precisamente o mesmo da interpellação annunciada pelo Digno Par Sr. Eduardo José Coelho, em ordem do dia, parecia-lhe que, se o Sr. Presidente, a Camara e o Digno Par n'isso concordassem, as duas interpellações se englobassem, effectuando-se conjuntamente.

O Sr. Sebastião Baracho: - Perfeitamente de accôrdo.

O Orador: - Tratou igualmente o mesmo Digno Par de um assumpto em que, permitta-lhe S. Exa. que desde já lhe diga, se dá um equivoco.

Fallando, na outra camara sobre o caso do concurso para lente de pharmacia na escola do Porto, não disse, nem o podia dizer, porque não era verdade, que uma associação pharmaceutica havia representado a favor dos factos a que o Digno Par se referiu.

O Digno Par comprehende bem que elle, orador, não tem tempo para rever as notas tachygraphicas; mas, sempre que ellas são menos exactas, não deixa de as rectificar.

Ha um equivoco. Na outra casa do Parlamento respondeu sobre dois assumptos de pharmacia, um relativo á admissão de um lente na Escola Medica do Porto e outro acêrca da suspeição levantada contra alguns membros do jury n'um concurso de pharmacia na Escola Medica Cirurgica da mesma cidade.

Ácerca do concurso que se abriu, e das suspeições que foram impostas, o que disse foi que houvera representações em contrario. Assim, ao passo que 186 individuos pertencentes á classe pharmaceutica em todo o paiz se lhe dirigiam pedindo que um dos candidatos fosse provido por distincção, outros

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da classe pharmaceutica do Porto pediam que o concurso seguisse, e que os concorrentes fossem submettidos a um exame imparcial.

A classe pharmaceutica do Porto, que representou primeiro por telegramma, fel-o depois por meio de uma representação, protestando contra os signatarios da primeira, e pedindo que se effectuasse o concurso nos termos em que estava aberto.

Isto foi o que disse, no que toca á cadeira de pharmacia na Escola do Porto.

Agora pelo que diz respeito á admissão do Sr. Alberto Pereira Pinto de Aguiar, o Digno Par referiu-se-lhe como a um acto de favor, de nepotismo, da parte do Governo.

O Sr. Sebastião Baracho: - Apoiado.

O Orador: - Só depois é que S. Exa. póde dizer apoiado, depois de lidos os documentos.

O Sr. Alberto Pinto de Aguiar fez o seguinte requerimento ao Governo:

"Alberto Pereira Pinto de Aguiar, professor na Escola Medico Cirurgica do Porto, pretende habilitar-se com o curso de pharmacia (l.ª classe); baseado em que do dito curso lhe falta apenas a frequencia do 2.° anno, que é a repetição do 1.°, o qual cursou como alumno do 3.° anno de medicina, e que em compensação tem feito parte do jury de exames de pharmacia, de 1.ª e 2.ª classes, na Escola Medico Cirurgica do Porto, como prova pelos documentos juntos, ousa

Pedir a Vossa Magestade se digne mandar conceder-lhe auctorisação para fazer exame de pharmacia (l.ª classe), dispensando-o da frequencia do 2.° anno do dito curso".

Este requerimento veiu instruido com documentos que o orador lê. O primeiro documento mostra por certidão que o Sr. Alberto Pinto de Aguiar, professor da Escola Medica do Porto, frequentou no anno lectivo de 1889-1890, como alumno de materia medica, o primeiro anno do curso de pharmacia; o segundo documento mostra que elle effectivamente fez por varias vezes parte do jury para exames de pharmacia (l.ª e 2.ª classe).

Estes foram os documentos que instruiram o seu requerimento.

Sobre este assumpto interveiu a propria Escola-Medico-Cirurgica do Porto. A informação do seu director é a seguinte:

"Como informação ao requerimento do Exmo. professor d'esta escola Alberto Pereira Pinto de Aguiar, que pretende obter auctorisação para fazei acto de pharmacia (l.ª classe) dispensando-se-lhe a frequencia de 2.º anno do respectivo curso, e attendendo a que 2.° anno do curso é apenas a repetição do l.° anno, que o requerente já frequentou, e ainda a que o mesmo professor tem feito parte dos jury s de exames de pharmacia (l.ª e 2.ª classe) tenho a communicar a V. Exa. que não ha inconveniente algum em que seja deferido o requerimento, e que attentas as razões expostas, faz-se mesmo justiça, deferindo aquelle requerimento".

Trata-se de um requerimento de um professor da Escola Medica do Porto Não é só de um medico, é tambem de um lente d'aquella escola. Frequentou o supplicante o primeiro anno d'aquelle estabelecimento de ensino, dando provas de capacidade e competencia em assumptos de pharmacia, e tendo sido já membro de jurys de exames d'esta especialidade.

Este individuo não pediu que lhe fosse permitido ir ao concurso para professor de pharmacia na escola do Porto; requereu unicamente que o admittissem a um exame de pharmacia, a fim de provar que sabia d'esta materia. Attentas as razões expostas, e visto pedir só dispensa de frequencia do 2.° anno, foi deferido o pedido.

Nos termos requeridos, e em virtude da informação do director da escola, que mostrava não se tratar de um acto de favor, mas sim de applicar justiça, o Sr. Ministro da Guerra, que então geria a pasta do reino por motivo de ausencia d'elle, orador, no estrangeiro, deferiu o requerimento, fazendo o referido professor exame de pharmacia, exame que foi largo e minucioso.

Só depois de corridos estes tramites é que se procedeu ao concurso.

Crê que n'este acto do Governo, elle, orador, está perfeitamente a coberto de toda e qualquer censura.

O Sr. Presidente: - Vae-se entrar na ordem dia. Estava dada, para esta parte da sessão, a interpellação do Sr. Eduardo José Coelho sobre a ultima amnistia. O Sr. Baracho mandou hoje para a mesa uma nota de interpellação sobre o mesmo assumpto.

O Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino deu-se já por habilitado a responder á interpellação do Sr. Baracho. Mas precisa ponderar á Camara que não póde conservar o Sr. Baracho na inscripção para a ordem do dia, visto que para este debate só foi dada a interpellação do Sr. Eduardo Coelho. Precisa, pois, d'uma auctorisação da Camara. Os Dignos Pares que approvam que se discuta, juntamente em o debate que vae encetar o Sr. Eduardo Coelho sobre a ultima amnistia, a interpellação do Sr. Baracho, tenham a bondade de se levantar.

Pausa.

Está approvado.

Tem a palavra o Digno Par Sr. Eduardo Coelho.

O Sr. Eduardo José Coelho: - É do teor seguinte a interpellação que annunciou ao Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino:

"Desejo interpellar o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino - pelo decreto da ultima amnistia (de 28 de setembro de 1903) como injusto, impolitico, offensivo do regimen parlamentar, e contendo disposições dictatoriaes, attentatorias da independencia e harmonia dos differentes poderes do Estado, reconhecidos na Carta Constitucional.

Lisboa, sala das sessões, 9 de janeiro de 1904. = O Par do Reino, Eduardo J. Coelho."

Como a Camara vê, a interpellação que vae encetar não se refere só ao ponto restricto da amnistia nos seus effeitos immediatos. A ultima amnistia, que é um acto inopportuno, impolitico e dictatorial praticado pelo Governo, e, portanto, um pretexto de amnistia e mais nada, é tambem um facto que vem ^juntamente, provar a vida desregrada da actual situação.

Seria, pois, verdadeiramente inefficaz a interpellação do orador, se não tratasse, embora perfunctoriamente, de a conciliar, ou procurar a respectiva filiação, entre a amnistia e os attentados contra a lei e offensivos da moral politica praticados por este Governo no seu já bem triste e desgraçado consulado.

Antes de entrar propriamente no assumpto, permitta-se-lhe que não acceite sem reparos, quanto possivel respeitosos, o facto de a presidencia d'esta Camara, a quem presta sempre homenagem, designar dia para se realisar a sua interpellação, preterindo outra apresentada anteriormente pelo Digno Par Sr. Sebastião Telles. Não se procure ver n'isto que quer dar preferencia ao assumpto da interpellação do seu distincto collega, mas sim significar que a opposição progressista, como qualquer outra opposição, não prescinde do direito, que reputa indeclinavel, de dar combate ao Governo como e quando entender que lh'o deve dar, tendo o Governo restricta obrigação de aceitar esse combate onde e quando a opposição lh'o der.

Muito cautelosamente annunciou a sua interpellação em dia posterior aquelle em que o Digno Par Sr. Sebastião Teles annunciou a sua, porque a opposi-

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ção progressista queria iniciar o combate contra o Governo por meio de interpellações pela ordem que entendesse mais conveniente aos interesses do paiz e á sua estrategia parlamentar. Foi, pois, com surpreza que viu preterido o direito do seu distincto collega Sr. Sebastião Telles, e não podia, por isso, usar agora da palavra sem fazer esta declaração.

A desculpa com que se alterou a ordem das interpellações talvez seja a de que a interpellação de Digno Par Sr. Sebastião Telles é principalmente de caracter financeiro, insistindo-se, com pouco louvavel preoccupação, em julgar que os assumptos financeiros são estranhos aos assumptos politicos, e tambem porque a interpellação do Sr. Sebastião Telles é dirigida ao Sr. Ministro da Fazenda.

Estas razões não o convencem, porque da interpellação consta que ella se refere tanto a actos do Sr. Ministro da Fazenda como a actos do Sr. Presidente do Conselho, que tem, como todos lhe reconhecem, competencia para responder sobre todos os assumptos.

Insiste, portanto, na sua agri-doce censura, por ver que a opposição progressista d'esta Camara não foi respeitada nas suas prerogativas.

Não sabe se n'isto houve qualquer proposito, mas affigura-se-lhe que o Governo quiz, por esta fórma, esquivar-se a que se realizasse já uma interpellação de caracter especialmente financeiro, e na qual seria desde logo reconhecida a sua ruinosa administração.

Todavia, parecia-lhe que seria de boa prudencia que da parte do Governo se desse preferencia a esses assumptos.

Assim teria o Governo ensejo de esclarecer muitos pontos que estão escuros, e poderia ser esta discussão muito salutar para auxilio e comprehensão das propostas que estão em discussão na outra casa do Parlamento e que teem de ser aqui discutidas.

Affigura-se-lhe que o Governo tem pressa de mais porque de outro modo não engeitaria o ensejo para discutir o assumpto a que dá margem a interpellação do Digno Par.

O Governo julga que póde levar de assalto, por assim dizer, as suas propostas de caracter financeiro e economico, e tão de assalto que as submette á discussão com tal presteza que até as associações que mais direito e competencia teem para discutir e conhecer d'estes assumptos se vêem na dolorosa necessidade de dirigir representações aos corpos colegisladores, telegraphicamente, porque de outra forma as suas deliberações podem não chegar a tempo de ser respeitadas ou pelo menos discutidas. (Apoiados}.

Crê que esta pressa é symptomatica; mas quer o Governo queira, quer não, ha de ir mais de vagar. Por isso mesmo a discussão do assumpto de que trata a interpellação do Digno Par Sr. Sebastião Telles, longe de ser preterida, devia no proprio interesse do Governo merecer a preferencia, e essa preferencia tinha-a pelo direito de prioridade.

Entrando agora propriamente no assumpto da sua interpellação deve declarar á- Camara que nunca teve, e agora ainda menos, um vislumbre sequer de esperança de poder chamar á razão ou convencer na mais insignificante cousa o Sr. Presidente do Conselho; mas se pudesse, ainda desvairadamente, por orgulho infundado, suppôr que poderia levar ao espirito do Sr. Presidente do Conselho alguma luz para lhe dar razão, em pouco que fosse, essa convicção a teria perdido deante da resposta que S. Exa. deu ao seu nobre amigo o Digno Par Sr. Dantas Baracho na ultima sessão.

S. Exa., com aquelle aprumo que é tanto seu, respondendo ao Digno Par Sr. Baracho que não tinha de modificar os seus processos passados, nem tão pouco de innovar nada para o futuro, apresentou-se manifestamente como um Presidente do "Conselho impenitente.

O Sr. Presidente do Conselho: - Apoiado.

O Orador: - Ainda bem que S. Exa. lhe dá a honra de o interromper com um apoiado.

É necessario que S. Exa. saiba que contra a impenitencia, que parece dominar o seu espirito, o que é grave, e contra a impenitencia de que faz gala, o que é peor, ha pelo menos duas soberanias - uma no alto, outra em baixo - que lhe hão de corrigir essa impenitencia.

Ha de comtudo mostrar á Camara, visto que o Sr. Presidente da Camara lhe fez a honra de o interromper com um apoiado, que S. Exa. já lhe não parece um Presidente do Conselho impenitente, apesar da sua confissão, parece-lhe antes um Presidente do Conselho convertido, embora recorra a esse mau artificio de mostrar, ou suppôr que mostra, que, quando um organismo está combalido e se desfaz dia a dia, de momento a momento, alteando a voz ou fazendo gala d'essa impenitencia, póde illudir seja a quem for. Mas lá chegará.

Vê - e repete-o com magua - que o Sr. Presidente do Conselho é immutavel nas suas convicções e que não foi exaggerada nem mal escolhida a palavra chamando-lhe impenitente, pelo que S. Exa. o apoiou.

Lamenta, até como bom christão, que S. Exa. faça gala d'essa impenitencia. e que nem ao menos se lembrasse do preceito bocageano: "Saiba morrer quem viver não soube".

Voltando ao assumpto da interpellação, dirá que a amnistia de 28 de setembro ultimo, que desde já capitula de immoral e deshonesta, não se comprehenderia e não podia apreciar-se, interpretando-a isoladamente. É preciso filial-a na continuação da vida desregrada do Governo.

Não vae fazer dissertações á Camara sobre factos que ella conhece, nem fazer a demonstração da veracidade d'esses factos, porque se dirige á Camara, que é o seu juiz. Mas decerto todos se lembram de que, ao subir este Governo aos conselhos da Corôa, dissolveu a Camara electiva.

Não o censura por isso, porque n'aquellas condições não podia tomar outra resolução, mas fechadas as Côrtes o Governo entrou larga e audaciosamente no regimen dictatorial.

Não o demonstra, affirma-o.

Procedeu-se á eleição geral de Deputados e a pouco trecho ás eleições municipaes. O Governo em todas, mas especialmente nas eleições municipaes, commetteu as mais inqualificaveis e audaciosas violencias. E que fez depois?

Publicou uma amnistia eleitoral, mas, como então tinha ou teve uns restos de pudor politico, entendeu que essa amnistia não devia ser tão ampla, discrecionaria e dictatorial que abrangesse nos seus preceitos os processos em que havia partes queixosas em juizo.

É o que diz o artigo 5.° d'esse decreto.

Aqui tem a Camara portanto como este Governo começou a vida desregrada da absorção do Parlamento e das prerogativas da Corôa.

Dissolveu o Governo a propria Camara que elegeu, tendo n'ella maioria, apesar de uma votação politica, na qual tomou parte o partido progressista, e os Deputados da maioria que se separaram do Governo. E, após a dissolução, fez a dictadura do peor caracter, uma dictadura eleitoral, e em nenhum paiz mediocremente constitucional se concebe que isso possa fazer-se.

Fez mais. Continuou abusando da confiança da Coroa, postergando as leis ordinarias e a constituição politica.

E o que se deduz d'aqui?

O Governo por dictaduras successivas absorve e annulla o Parlamento (um dos poderes do Estado); por meio de amnistias successivas absorve e annulla o poder judicial (outro poder do Estado); por meio de amnistias arrancadas á Corôa annulla e avassala o poder moderador (outro poder do Estado). (Apoiados).

Então o que fica? Fica o poder executivo? Não: porque o poder execu-

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tivo suppõe, no seu exercicio, a norma regular dos outros poderes do Estado.

Qual é portanto a consequencia politica e legal de tudo isto? É que temos um Governo, - por convenção assim lhe chamamos, - que vive fora dos quatro poderes do Estado, como poderiamos chamar-lhe uma oligarchia pessoal, uma entidade que dispõe da força, como o poder absoluto, sem normas, ou regras de governo, que não sejam o proprio arbitrio.

Seja porém o que for, o que é certo é que é uma entidade fora dos quatro poderes do Estado.

Esta situação, que é a do regimen actual, pode manter-se? Pode, quando os correctivos não são promptos e immediatos.

Mas o que não se evita são as consequencias mais proximos ou mais remotas d'este regimen tumultuario.

A camara vê que não procurou artificios para demonstrar que o que ali está não é um Governo; é uma entidade, que poderá chamar-se como quizerem, menos Governo, porque está fora dos quatro poderes do Estado, repete. N'outro tempo o poder absoluto exercia-se em segredo, nas ante-camaras do Paço; agora, por muito favor, temos um poder absoluto em publico, discutido em publico. Um poder absoluto com as Camaras abertas, com escandalo publico.

Não é, pois, para admirar que surjam e se repitam os meios audaciosos, que o Governo emprega, politicamente deshonestos e offensivos da dignidade e legitimes interesses dos cidadãos.

Pôde o Sr. Presidente do Conselho continuar n'essa sua impenitencia, mas ha de permittir que contra ella se exerça aquella correcção que as circumstancias reclamam e creia que, se teimar em ser impenitente, será vencido. Melhor fôra que fosse antes um convencido, mas a tempo.

É preciso que S. Exa. saiba, e sabe, que n'outros tempos se dizia, como ainda hoje se diz, que o silencio era a lição dos Reis.

Pois hoje não é o silencio, é a palavra escripta, é a palavra fallada, é a palavra dos comicios, é a palavra nas suas variadas manifestações, que deve servir de lição e ensinamento, principalmente aquelles que governam os povos.

Vê que até n'esta Camara pessoas que tanto se distinguem por sua illustração e tão elevadas em posição social - quer referir se ao Digno Par Conde de Bertiandos - estão a seu lado. Vê com agracio que S. Exa. n'esta casa apresentou considerações justificativas de nina reforma que elle, orador, reputa urgente e inadiavel: a reforma do Conselho de Estado.

Mais de uma vez se tem referido n'esta casa aquella altissima magistratura politica, e agradece ao Digno Par, louvando a sua isenção de trazer ao seio do Parlamento a discussão sobre uma magistratura que realmente perdeu a confiança publica, e precisa, por conseguinte, ou desapparecer ou ser remodelada.

Presta convictamente a sua homenagem a todos os membros do Conselho de Estado; nem quer saber quem são; sabe só que não se chega áquellas eminencias senão por uma larga folha de serviços, senão quando a reputação é toda ella aureolada; só assim é que aquelles legares se conquistam.

Não trata porem de pessoas, trata da instituição, e não pode por isso ser arguido, como o não póde ser tambem o Sr. Conde de Bertiandos, principalmente tratando-se de um assumpto em que vê postergadas as immunidades dos cidadãos, em que vê conculcados todos os direitos sem encontrar apoio onde de direito deve ser encontrado.

Não é novidade fazer-se referencia ao Conselho de Estado; é exactamente quando as discussões politicas teem accentuada gravidade que aquella altissima magistratura politica é discutida. Assim procedeu o Sr. Conde do Lavradio, o Sr. Joaquim Antonio de Aguiar, e relativamente em data recente o Sr. Conde do Casal Ribeiro, que estava investido n'aquella alta dignidade.

É que, quando se vêem opprimidos os cidadãos e quando se vêem praticar dia a dia prepotencias d'esta ordem e se não encontra a protecção legal que é Índole das instituições, essas instituições hão de necessariamente, com vontade ou sem ella ser chamadas á critica, e se a critica for justa hão de sujeitar-se ás consequencias d'ella.

Affirma á Camara, para não se perder em considerações prehistorisas, que pelo menos de ha trinta annos para cá nunca um Governo, qualquer que fosse, nunca o poder executivo commetteu um attentado, uma violencia contra as immunidades parlamentares que não tivesse prompto apoio, ou voto consultivo favoravel, na. sua maioria.

Se não é exacto o que diz, traga-se para o dominio publico as actas do Conselho de Estado.

Ainda não viu n'estes ultimos trinta annos que um Governo pedisse a dissolução das Côrtes ao Chefe do Estado contra todas as indicações constitucionaes, e que ella não fosse por deante, com voto consultivo favoravel.

Já foi duas vezes em mensagem á Corôa, e por seu voto individual não volta lá; para que não se dissolvessem camaras electivas sem se discutir pelo menos a lei de meios, porque de contrario resultaria que o Governo iria entrar n'um regimen de dictadura, a mais inconstitucional de todas, a percepção de impostos sem serem votados pelas Camaras.

Contentar-se hia com pouco; contentar-se-hia com que o povo soubesse o direito que a Carta Constitucional lhe confere.

Apenas conhece um Governo que cahiu deante da representação do Conselho de Estado; mas então não se tratava de immunidades parlamentares, tratava-se de uma conspiração palaciana.

É preciso que os novos aprendam, porque os velhos não valem menos.

Estava á frente d'esse Governo demissionario, o Sr. Marquez d'Avila, e como entendeu que aquelle voto do Conselho de Estado era politico, protestou altivamente contra elle, e recusou-se formalmente a referendar o decreto dos Ministros demissionarios. Isto é um facto historico, quasi d'hontem.

Publiquem-se as actas respectivas, se porventura está em erro.

Como póde haver um Conselho de Estado que auctorise um Governo a pedir ao mesmo Chefe de Estado a dissolução de duas Camaras, tendo na segunda maioria e só porque no seu partido houve uma scisão que devia ser dominada ou no meio do Parlamento, ou no seio do partido?

Houve votos isolados no Conselho de Estado? Assim o julga, mas a maioria votou a favor.

Esse facto é dos mais violentos que se teem praticado na vida constitucional d'este paiz e cujas consequencias desastrosas todos conhecem.

Ficou o Rei sem bom conselho, o facto subversivo e inconstitucional consummou-se, e d'aqui a continuação de uma politica funesta, desmoralisadora, e de perversão dos costumes politicos.

Referindo-se a um aparte do Sr. Julio de Vilhena. disse que para se avaliar o que valem as violencias e attentados dos poderes publicos é preciso tel-as soffrido e experimentado.

Tambem já esteve na cadeia, por um acto de benemerencia dos poderes publicos (Riso) e se uma amnistia lhe extorquisse o seu direito, saberia defender-se e exporia ao Chefe de Estado, directamente e com respeito, o que significava a extorsão odiosa, e talvez se não repetisse.

O Sr. Julio de Vilhena: - Está de accordo com S. Exa.; mas não tem nada com isso. não foi quem o mandou prender. (Riso).

O Orador: - Deixando pois o Conselho de Estado para mais larga discussão, porque elle, orador, ha de ter mais vezes a palavra n'esse assumpto, trata da amnistia.

O Sr. Presidente do Conselho pre-

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za-se, e gaba-se de impenitente, e em verdade lhe parece, pelo menos n'alguns assumptos, que é antes uma impenitencia theorica. Pelo que respeita a amnistias é um espirito sempre superior, mas evolucionando sempre. Ora vejamos:

O Sr. Presidente do Conselho, em 1893, fez um programma á Camara. Elle, orador, não quer dizer cousas que desagradem a S. Exa., fique d'isso muito certo, mas poderia com alguma ingenuidade dizer o que está escripto sobre este programma, em livro, e dizer o que está em livro já é alguma cousa...

O Sr. Presidente do Conselho, n'esse programma, declarou que era proposito do Governo dar amnistia, não aos delictos eleitoraes, mas a outros, inclusive a crime da maxima gravidade, o crime de revolta militar.

O que se deduz d'isto é que o Sr. Presidente do Conselho estava então nos bons principios, e entendeu, e muito bem, que tudo se podia perdoar, menos o que por qualquer forma fosse contrario ao regimen parlamentar, que tem por base o suffragio popular. Assim, levando a amnistia a toda a parte, entendeu que ella não podia chegar aos delictos eleitoraes.

Em 1900, porem, o Sr. Presidente do Conselho variou; no seu espirito operou-se uma evolução, é o que succedeu? publicou um decreto eleitoral, ampliando a clemencia regia aos malfeitores do suffragio eleitoral, opinando, todavia, por escrupulos bem entendidos, que devia excluir d'essa clemencia regia os delictos eleitoraes nos processos em que houvesse partes queixosas em juizo. Já se referiu a este facto.

É isto uma evolução ou não é?

É, e para mal.

Mas ha mais. O Sr. Presidente do Conselho publicou segunda amnistia; e, sente dizel-o, perdeu de todo a noção da justiça, e da moral politica, e ampliou a clemencia regia a todos os delictos eleitoraes, incluidos os processos em que havia parte queixosa.

É a terceira evolução para o mal.

Porque não ha de S. Exa., á semelhança de um seu antigo collega, e hoje temivel competidor, evolucionar antes para o bem, fazer penitencia publica, e converter-se aos bons principios do regimen politico e constitucional, abandonando esses processos tumultuarios, tão funestos ao paiz e ás instituições?

Verdadeiramente contricto, ninguem teria mais competencia para o elevado cargo de que está investido.

A amnistia de 28 de setembro foi um facto provocador, e com razão ella tem sido arguida de deshonesta e offensiva dos direitos individuaes.

O direito de amnistiar não é amplo e incondicional.

A propria Carta o limita, e leis ordinarias o regulamentam.

São condições essenciaes da amnistia - que a aconselhem a humanidade e o bem do Estado, e em caso urgente. É a primeira a mais capital restricção, ou antes são condições essenciaes para ella se applicar.

Mas não pode conceder-se sem ouvir o Conselho de Estado, e este é responsavel pelo conselho que, em tão momentoso assumpto, der ao Chefe do Estado.

A amnistia impõe perpetuo silencio aos processos. Rias, a seu juizo, o artigo 74.° da Carta não pode interpretar-se isoladamente, porque aliás pela applicação de amnistia seria violada a Carta Constitucional nos artigos que garantem os direitos civis e politicos dos cidadãos.

O artigo 74.° da Carta não vale mais do que o artigo 145.° da mesma Carta. N'este artigo, § 2.°, se consigna a garantia, eminentemente constitucional, de que a lei não póde ter effeito retroactivo, e no § 11.° se consigna tambem que nenhuma auctoridade póde avocar as causas pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os processos findos.

Todas as leis eleitoraes, desde 1802, reconhecem ao cidadão eleitor, inscripto como tal no recenseamento, o direito de ser parte em juizo contra os malfeitores eleitoraes.

O cidadão pois que está em juizo, no exercicio do seu direito eleitoral, e que foi como tal reconhecido pelo poder judicial, por despacho que fez transito em julgado, realisou um direito, adquiriu o direito de proseguir até final nos termos do processo. Não ha aqui uma espectativa de direito, ha um verdadeiro direito adquirido. O decreto de amnistia de 28 de setembro não póde pois retrotrahir-se sem contrariar o terminante preceito da Carta - de que a lei não tem effeito retroactivo.

A parte com direito adquirido, anteriormente áquelle decreto, não pode ser attingida por elle, sem violação dos preceitos constitucionaes. Mas, se o decreto pelas suas disposições amplas e genericas não faz excepção, e abrange nas suas disposições violentas os processos com partes em juizo, a consequencia é que elle é attentatorio da propria Carta Constitucional, em face da qual foi publicado.

Os preceitos da Carta estão em harmonia com as leis ordinarias.

A lei, que garante ao cidadão eleitor o direito de perseguir em juizo as contravenções e delictos eleitoraes, e que este adquiriu por despachos judiciaes, na sua letra e no espirito não permitte a interpretação odiosa de que um decreto do poder executivo lhe possa extorquir esse direito, em nome da clemencia regia falsamente invocada. A lei eleitoral é tambem uma lei de garantias; uma lei de defesa individual e de defesa social para garantia da pureza do suffragio popular, que interessa á sociedade e ao prestigio das instituições. O Codigo Penal tambem limita o restringe o direito de amnistiar. É um reforço ás leis eleitoraes. Tudo se harmonisa e combina.

A amnistia não prejudica a acção civil pelos damnos e perdas causados, não tem effeito retroactivo pelo que respeita aos direitos adquiridos por terceiros. Não haverá audacia sufficiente para negar que não é direito adquirido áquelle que se realisa e se exercita, requerendo e promovendo nos processos. De modo que o preceito generico da Carta Constitucional, de que a lei em geral não tem effeito retroactivo, está aqui reforçado por uma lei especial, e que em especial affirma que a amnistia não tem effeito retroactivo pelo que respeita aos direitos adquiridos, e é claro que entre esses direitos adquiridos figuram os reconhecidos pelas auctoridades judiciaes nos respectivos processos, como partes legitimas para litigar. Por outro lado, declarando o Codigo Penal que a amnistia não prejudica a acção civil por perdas e damnos, e como n'este caso se trata da responsabilidade civil connexa com a responsabilidade condicional, é visto que não pode pedir-se perdas e damnos porque o decreto da amnistia manda pôr perpetuo silencio aos processos findos, e portanto não podem reviver por força da Carta Constitucional.

De tudo se conclue que a amnistia é na ordem legal e constitucional um enorme attentado, uma dictadura odiosissima, e na ordem moral e? politica deshonesta, injusta e iniqua. É ainda uma extorsão, um verdadeiro ataque ao direito de propriedade. Os queixosos e partes nos processos, suppondo que não estavam na Turquia, ou n'um paiz selvagem, recorreram aos tribunaes, e n'elles obtiveram justiça e reparação, porque os trabuqueiros eleitoraes foram condemnados em penas graves.

Alguns estavam já na cadeia; e quanto ao maior numero de processos, estão ainda pendentes - quando surgiu a immoral e iniqua amnistia de 28 de setembro. A consequencia tem sido que, restituidos á liberdade os malfeitores, e mandados archivar os processos pendentes, são condemnados nas custas os offendidos e queixosos. Os prejuizos são enormes; attingem contos de réis, e de um processo ainda pendente sabe elle orador que o dispêndio das custas ascende a 1:400$000 réis.

É o ataque mais directo e mais cynico que se tem feito ao direito de propriedade.

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Ora a Carta Constitucional não foi promulgada para vilipendio e ludibrio constante, e n'ella está garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. É por isso que tem recebido da provincia muitas cartas no sentido de se apresentar ás Côrtes um projecto de lei para que o Estado indemnise esta violentissima e opprobriosa espoliação.

Não trata aqui da applicação do decreto feita pelos tribunaes. A opinião d'elle, orador é, pelo que já expoz, e ainda repetirá, que o decreto de que se trata é caracteristicamente dictatorial, e nos tribunaes superiores ha a jurisprudencia predominante de que providencias de caracter politico e dictatorial não podem n'elles discutir se, mas applicar-se, e que ás Côrtes pertence discutir e julgar as responsabilidades do Governo. E uma opinião respeitavel, e que não segue.

Não faltarão julgadores que creiam que o decreto de 28 de setembro não é exorbitante das faculdades do poder executivo e que cabe nas disposições do artigo 74.° e correlativos da Carta Constitucional.

É tambem opinião que não discute. Isso para os effeitos politicos e moraes do decreto de 28 de setembro nada importa; porque é no Parlamento que se discute e aprecia os motivos de caracter politico que impelliram o Governo a tamanha deshonestidade. Dirá, porem, muito de fugida que em 1892 se publicou um decreto de amnistia quasi tão generico como o decreto de 28 de setembro; e o Supremo Tribunal de Justiça, applicando aquelle decreto, estabeleceu, a seu ver, verdadeira doutrina juridica e constitucional.

(Leu).

Vê-se que, á causa da liberdade nunca faltam, nas conjuncturas difficeis, estrénuos defensores d'ella.

D'ahi vem dizer-se, quando isso acontece, que ainda ha juizes em Berlim, e tambem em Portugal: Fernandes Thomaz e muitos outros, que serviram a causa da liberdade e da legitima revolução com a toga e com as armas.

Dizia elle, orador, e crê tel o demonstrado, que a dictadura de 28 de setembro foi deshonesta, e attentatoria das garantias individuaes, e corruptora dos costumes politicos; mas, tanto como aquillo, foi injusta e iniqua.

A Camara não ignora que, ha alguns annos, na cidade do Porto houve uma revolução militar contra as instituições.

Dá-se, porem, n'este momento uma coincidencia extraordinaria, e quasi fatidica, e d'ella não póde deixar de occupar-se.

Ainda hontem n'aquella mesma cidade se "realizou um comicio, ou conferencia politica, na qual compareceram cerca de 3:000 pessoas, e sendo conferente o illustre lente da Universidade, e Ministro de Estado honorario, o Dr. Bernardino Machado, antigo collega no Ministerio do illustre Presidente do Conselho. N'aquella conferencia se fez a mais calorosa acclamação da revolta militar de 31 de janeiro, e designadamente foram enthusiasticamente victoriados os principaes auctores d'aquelle movimento revolucionario.

Deve dizer á Camara que não censura o Governo por permittir aquellas conferencias, e outras affins; antes o louva, porque é signal de decadencia na impenitencia, pois antes parece conversão á boa doutrina, que é governar com a maxima liberdade, e com a maxima tolerancia.

O Sr. Sebastião Baracho: - Apoiado.

O Orador: - Affirmar, com proposito de nutrir e alimentar illusões, que não ha republicanos em Portugal, porque elles são excluidos do Parlamento, pode mais tarde a illusão de hoje converter-se em desillusões funestas.

A intolerancia, ou repressão violenta contra as garantias liberaes, é de todos o peor systema de governar, e mais perigoso para as instituições, quaesquer que ellas sejam.

Para elle, orador, é tão antipathico o Syllabus, ou venha de Roma. ou venha de França, ou do Estado.

É por isso que, torna a repetir, louva o illustre Presidente do Conselho pela relativa tolerancia que agora mostrou, mas ousaria pedir-lhe que estudasse de preferencia estes acontecimentos, porque do estudo d'elles ha de tirar melhores ensinamentos de que dos processos de uma politica obstinada e violenta.

E com effeito, n'uma conferencia politica, onde se reunem 3:000 pessoas, e n'ella se desenvolvem os factos de uma verdade incontestavel, sem haver uma voz dissonante contra os enthusiasmos dos triumphadores, merece estudo muito reflectido. E porque relaciona elle, orador, estes factos com a deshonesta dictadura de 28 de setembro?

É porque ella contem uma enorme iniquidade, que os acontecimentos de hontem fazem reviver.

É doloroso e entristece confrontar datas, approximar coincidencias.

Quando a revolta militar de 31 de janeiro - perorava á Lamartine no Hotel de ville, nos paços do concelho do Porto, com a bandeira tricolor desfraldada, um dos primeiros, se não o primeiro dos officiaes do exercito, leal ás instituições, que penetrava n'aquella fortaleza conquistada foi o coronel Dias, então capitão - e a bandeira tricolor foi arreada e substituida pela bandeira nacional, o que quer dizer que a revolta estava dominada e vencida. Por tal feito foi concedida aquelle valoroso militar a ccmmenda da Torre Espada, se não se engana na denominação.

Para o coronel Dias o esquecimento, o desprezo, o vilipendio; para os malfeitores eleitoraes, para os corruptos e corruptores eleitoraes, o premio, o galardão. A coincidencia, que tornará a chamar fatidica, avoluma, se é possivel, a feia acção do Governo.

Nunca elle, orador, pediria a amnistia para um militar, se não estivesse convencido da sua innocencia; essa convicção deu-lhe o estudo do processo monstruoso que foi organisado principalmente para salvar a posição periclitante do Sr. Ministro da Guerra.

É muito triste.

Não podia exercer-se clemencia para o glorioso militar, porque talvez a não acceitasse; mas a amnistia, quando não é um miserrimo expediente eleitoral, na sua formula salvadora não perdoa só, mas repara as grandes injustiças, as grandes iniquidades.

Fique ao menos registado nos Annaes parlamentares esta triste coincidencia - que ainda hontem se fez a apologia da revolução militar e de seus auctores, e que continua esquecido, desprestigiado, com a carreira militar inutilisada, o official do exercito que, ha alguns annos atrás, foi o primeiro a arriscar a vida em defesa das instituições.

Está tambem na ordem do dia a interpellação do Digno Par o Sr. Baracho. Tem por isso de correr largo o debate, e elle orador certamente usará mais de uma vez da palavra. Não deve portanto alongar mais a discussão, e não quer privar a Camara, e privar-se tambem, do prazer de ouvir o Sr. Presidente do Conselho.

Tem dito, por agora. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Presidente do Conselho, tem que dar uma explicação ao Digno Par o Sr. Eduardo. José Coelho.

S. Exa., no começo do seu discurso, proferiu algumas palavras sobre o procedimento da Presidencia, quanto ao facto de ter dado para ordem do dia a sua interpellação, de preferencia á que já fora annunciada pelo Digno Par o Sr. Sebastião Telles.

A Presidencia só usou do seu direito, que lhe garante o Regimento. No Parlamento Portuguez, e ao contrario do que succede nos de outras nações, é á Presidencia que compete o direito de designação da ordem do dia; e elle, orador, deve dizer ao Digno Par que, ainda mesmo que a Presidencia quizesse dar preferencia á interpellação do Digno Par Sebastião Telles, não o poderia fazer, visto ter sido informada

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de que o Sr. Ministro da Fazenda, tambem envolvido n'essa interpellação, não podia, por ora, comparecer n'esta Camara, visto ter de assistir á discussão das propostas de Fazenda na outra casa do Parlamento.

Tem agora a palavra o Sr. Presidente do Conselho de Ministros.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Quem conhece bem os processos de combate do Digno Par, reconhece, por certo, ao ouvir o seu discurso, que S. Exa., na interpellação que annunciou sobre a amnistia politica, nada mais fez, por ora, do que reservar os argumentos que reputa mais concludentes, e de melhor effeito, para n'outra occasião os produzir.

De facto S. Exa., embora empregando os melhores termos que no seu mais ferrenho vocabulario poude empregar, só, valha a verdade, fez que a sua interpellação não passasse, por ora de palavras.

Assim, permitta-lhe S. Exa. que lhe diga que, por sua parte, não deseja tambem por agora, ir mais longe; e a Camara comprehende bem que está no seu direito. Compete a quem ataca, dirigir os seus golpes, e a quem se defende paral-os.

S. Exa. empregou palavras, e por ahi se ficou...

O Sr. Eduardo José Coelho: - Disse mais alguma cousa!

O Orador: - Veremos; e, se alguma cousa ficar da sua parte sem resposta, o Digno Par dirá o que constituiu esse ciou irrespondivel da sua argumentação; mas, repete, não lhe ouviu mais do que phrases desacompanhadas de argumentos, que possam definitivamente impressionar a nossa imaginação.

Depois vem, como preceituam as boas regras de rhetorica parlamentar, iniciar a sua interpellação com uma exposição de palavras violentas, com commentarios acerbos, e com accusações as mais rijas.

O Digno Par, no fim do seu exordio, e antes de entrar em materia, julga ver postergados os direitos do Digno Par o Sr. Sebastião Telles, por ver discutir primeiramente a questão da amnistia, de preferencia á questão de Fazenda, a qual devia prevalecer sobre todas, por ser a que mais affecta o paiz, e ahi atacou o Governo com as mais aceradas setas que encontrou na sua aljava.

O Digno Par extranhou que não se discutisse primeiro a questão de Fazenda. Havia um meio simples para isso; era o Digno Par dispensar-se de discutir por agora a sua interpellação, e deixal-a para depois de ser tratada a questão de Fazenda.

N'esta parte, o Sr. Presidente da Camara deu já as precisas explicações, nada tendo, portanto, que accrescentar, no que toca á sua pessoa. A Camara sabe que elle, orador, mesmo nos assumptos que não correm pela sua pasta, dá as explicações que lhe são pedidas, mas não vá e até ao ponto de acceitar uma interpellação que é dirigida a um dos seus collegas. Pôde acampanhal-o, mas acceitar para si uma interpellação que pertence a um dos seus collegas, não, porque isso importaria desmerecer-lhes os creditos e faltar á contemplação que lhes é devida.

É necessario não inverter o que pertence a cada um. Isso seria uma desattenção para com o titular da pasta a quem a interpellação do Digno Par Sebastião Telles é dirigida, e todos sabem que o Sr. Ministro da Fazenda não póde ao mesmo tempo estar n'esta e na outra Camara, e a questão de Fazenda está-se precisamente discutindo na outra casa do Parlamento.

Não quer isto dizer, que o Governo se arreceie de discutir a questão de Fazenda; comtanto que isso se faca regularmente.

Esta é a satisfação que elle, orador, tem que dar ao Digno Par, para que S. Exa. não julgue qualquer cousa, de menos attenciosa, da sua parte, para com o Sr. Sebastião Telles. O que é verdade, é que se a questão de Fazenda não entrou de preferencia em discussão, foi por não poder vir ainda a esta Camara o Sr. Ministro da Fazenda.

O Digno Par, seguindo na sua interpellação, e; como se costuma dizer, sangrando-se em saude, começou por dizer que não tinha a esperança de o convencer a elle, orador, porque era um impenitente; o Digno Par censurou-o, como se a coherencia não fosse propria de todos os espiritos honestos, como se esta intransigencia não fosse outra cousa mais do que a acceitação de um passado, que não envergonha, desde que n'esses actos estão a affirmação, a melhor demonstração do que se possa fazer em beneficio do paiz.

S. Exa. a poucos passos, veiu tambem dizer que era intransigente. N'alguma cousa se haviam de encontrar juntos, na impenitencia dos proprios erros, dos do Digno Par e dos seus, mas com uma differença grande, e é que S. Exa. tem a liberdade de dizer que o chefe do Governo é impenitente, sem que d'ahi lhe venha mal algum, sem que as nuvens toldem o horizonte, sem que possa avolumar a tempestade, som que d'ahi resulte qualquer cousa, que lhe possa affectar a integridade absoluta, a que tem justo direito.

Fallou S. Exa. em duas soberanias, e disse que uma ameaça a outra.

O Digno Par é muito mais feliz que o chefe do Governo, porque póde manter a sua independencia, sem que qualquer d'essas soberanias se revolte contra S. Exa.

Depois do Digno Par trovejar assim entra a sua impenitencia, fallou tambem contra os desregramentos do Governo, querendo fazer ver que toda a vida ministerial d'este Gabinete não tem sido outra cousa mais do que uma perfeita concatenação de factos nocivos aos interesses publicos. E tudo isto porquê? Porque o Ministerio actual se constituiu, dissolvendo mais tarde uma Camara, com a qual não podia viver, visto ter-se aberto uma scisão no partido regenerador, e por ter feito umas eleições violentas, compressões de toda a ordem.

Tudo isto, já se vê, no entender do Digno Par.

S. Exa., que durante toda a sua vida politica tem sido um combatente audaz, e em muitos actos eleitoraes tem sido e é ainda um impenitente, vem accusar o Governo de violencias!

Isto mostra, francamente, quanto o seu espirito é levantado.

Publicou o Governo uma amnistia. No entender do Digno Par o Governo praticou um attentado violento contra os direitos individuaes e contra o direito de propriedade, depreciando o prestigio da Corôa e abusando da sua confiança.

Commetteu, pois, o Governo um negregado acto, entende S. Exa., cem a tão fallada amnistia; e commetteu tambem um acto, não menos censuravel, dissolvendo uma Camara que se tornara incompativel com o Governo, visto com ella não poder governar com proficuidade para os interesses do paiz.

Não foi decerto para fazer estas accusações que o Digno Par annunciou a sua interpellação, pois tudo isto já ali se discutiu com S. Exa.

Crê que as accusações do Sr. Eduardo Coelho não são, para a Camara, materia nova; no entanto, foram o que constituiu uma grande parte do seu discurso que, aliás, não se alongou muito, como julga que todos os membros da Camara observaram, por isso que, como elle, orador disse, não são materia nova e teem-se discutido muitas vezes.

A Camara vae ver como o Digno Par, artista de merito, vae preparando o effeito final da sua argumentação.

Diz S. Exa. que por dictaduras successivas o orador absorvia o Parlamento e tribunaes, compromettendo a confiança da Coroa e o poder real; que o edificio se desmoronava pedra por pedra, até que sobre as ruinas se erga, afora os quatro poderes do Estado, o

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Governo que aqui está, que é uma oligarchia, com poderes absolutos e Camaras abertas!

Parece-lhe que o quadro é carregado de mais!

Pois pode-se dizer tal de um Governo que convive com o Parlamento, que apresenta as suas propostas de lei fazendo-as vingar pelo apoio das maiorias, o que é constitucionalissimo; que advoga a sua causa e defende os seus actos, como é proprio de quem tem a responsabilidade d'elles; que pugna pelo que representa as aspirações do seu programma da sua fé e do seu credo partidario?

Pois este Governo é, aos olhos do Digno Par, uma oligarchia com poderes absolutos e Camaras abertas!

No tempo em que podia dedicar os seus ocios á leitura dos que melhor o podiam instruir em assumptos, que mais tarde lhe servissem de norma e guia na vida publica, nunca viu, atravez das concepções mais arrojadas, e dos commentarios mais vivos e phantasistas afora os quatro poderes do Estado, um Governo que represente uma oligarchia com poderes absolutos e Camaras abertas!

O Sr. Eduardo José Coelho: - Pois ha; e elle lh'o mostrará.

O Orador: - Bem dizia o orador que o Digno Par estava no começo da sua interpellação.

Depois de S. Exa. apresentar essa formula nova em direito politico, investiu com o Conselho de Estado, essa instituição composta dos homens mais abalisados e experimentados no nosso systema politico, os caracteres mais austeros e probos, o que representa por si, e no seu conjuncto, uma instituição que se deve impor ao respeito, á consideração de todos; pois essa instituição do Conselho de Estado, para o Digno Par perdeu a confiança publica!

O Digno Par não disse bem: o que ella perdeu foi a confiança do Digno Par!

Fique o Conselho de Estado sabendo que decahiu da confiança do Sr. Eduardo José Coelho.

Note-se, o Digno Par, certamente, tem habitos de juiz integro a todos os respeitos; mas tendo esses habitos, devia saber que proferir uma sentença, mais que uma sentença, um anathema sobre uma instituição politica tão alevantada como o Conselho de Estado, ouvindo só uma das partes, é tudo o que La de mais desdizente de uma boa administração de justiça. O Digno Par representa aqui simplesmente a parte que accusa e falta a parte do Conselho de Estado que é a que não está representada; e, como aqui não está representado, o Digno Par revolta-se contra elle e allega como libello da sua accusação, n'um dos seus articulados, esse alto corpo politico que desmereceu da confiança publica, no dizer do Digno Par; porquê? Porque, diz o Digno Par, ha trinta annos para cá ainda não houve um Governo que pedisse ao Rei a estrangulação do systema parlamentar, sem que o Conselho de Estado votasse n'elle!

Mas o Digno Par, que vem ao Parlamento, á camara dos Pares, lançar uma accusação assim violenta, offensiva para a dignidade de uma instituição tão elevada, como o Conselho de Estado, sabe ao menos e que ahi se passa e como essa corporação vota?

Diz o Digno Par: isso não sabe, mandem-lhe as actas, e depois dirá!

Mas, se o Digno Par não sabe como o Conselho de Estado vota e procede, como vem dizer que essa corporação não merece a confiança publica e como é que se insurge contra ella?

O Digno Par não investiu só contra o Governo que está; investiu contra todos, contra os que teem saindo do partido progressista e contra os que teem sahido do partido regenerador, contra todos emfim, porque diz:

"Ha trinta annos para cá ainda não houve um Governo que pedisse á Coroa a estrangulação do systema parlamentar, sem que o Conselho de Estado votasse, isto sem uma hesitação".

Ora pergunta: onde encontra o Digno Par a prova do que avança?

É essa a demonstração que falta, ou que ainda não appareceu.

Ora, se o Digno Par quizesse pôr um pouco de parte a sua paixão e attentar mais serenamente nas cousas e ser mais justo em suas apreciações, talvez que um impulso de boa fé o levasse a pensar da seguinte maneira - que os membros do Conselho de Estado são, porque todos os conhecem, caracteres abertos á boa fé, á razão e á justiça, illustrados, conhecedores dos assumptos politicos e muitos, alguns pelo menos, experimentados em assumptos de justiça, absolutamente inaccessiveis a outro qualquer sentimento e a outra qualquer razão de proceder que não seja o dictame da sua consciencia, mais severo, mais logico, mais consentaneo com os interesses do paiz. Se o Digno Par reflectisse com serenidade, veria que esses a quem profliga, e que dedicaram sempre o melhor da sua vida, do seu trabalho, do seu esforço, da sua aptidão, a bem do paiz, teem, pelo menos, tanta liberdade na sua concepção como o Digno Par no seu anathema.

Por conseguinte, póde o Digno Par, que é uma voz que, não dirá clamando no deserto, mas em todo caso uma voz individual, como outra qualquer, a que não falta, decerto, a auctoridade de quem estuda e aprofunda os assumptos, os expõe com aquella lucidez e brilho que todos lhe admiram, mas uma voz póde vir assim malsinar os membros do Conselho de Estado, que teem todos tanto conhecimento das questões como o Digno Par, um criterio tão justo e profundo para avaliar as questões como S. Exa., e uma consciencia tão sã, limpa e feita de boa fé e de razão como a do Digno Par?

É vir atacar caracteres que são probos, intelligencias que são reconhecidas, experiencias que estão radicadas.

Que é que essa instituição que o Digno Par detesta tem feito para me recer a sua animosidade e os seus odios?

O Digno Par decerto respeita os homens politicos mais eminentes do nosso paiz, mas julga-se possuidor de uma força de tal maneira superior, que ainda hoje o viram, dirigindo-se para o Sr. Julio de Vilhena, dizer: - Se essa amnistia, ultimamente concedida, fosse bater n'elle, havia de proceder por forma que ella não iria por deante.

Acima de tudo, do Governo, do Conselho de Estado, o Digno Par teria força, não sabe como, porque não ouviu argumentos ou razões, mas teria força em todo caso, para, sobrelevando a todos, elle só impedir que a amnistia se fizesse, quando não, o Digno Par sabia muito bem o caminho - as barricadas.

Seria no calor do seu improviso uma phrase que se lhe soltasse menos bem pensada, d'estas que são proprias de quem tem de falar de momento e responder de prompto a uma accusação vehemente, uma phrase que não representa um proposito, uma intenção do Digno Par, porque S. Exa., que hoje só esboçou a sua interpellação, investiu contra o Governo porque, fora dos quatro poderes do Estado, elle representava uma absorpção de todos os poderes e Camaras abertas.

Investiu contra o Conselho de Estado, e apesar de não conhecer o que lá se faz, nem o que consta das suas actas, esse Conselho desmereceu da confiança do Digno Par, e investiu contra os tribunaes, acompanhando as suas accusações de adjectivos retumbantes com que costuma verberar acremente uma cousa que entende ser má.

A amnistia é tudo isso.

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Orador: - Se o Sr. Presidente e a Camara lhe permittem termina hoje as suas considerações.

Vozes: - Fale, fale.

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SESSÃO N.° 10 DE 26 DE JANEIRO DE 1904 113

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, continua S. Exa. com a palavra.

O Orador: - A amnistia é tudo isto, mas está na Carta Constitucional.

Disse o Digno Par que o tribunal julga e reconhece; depois d'isso ninguem póde intervir. Mas em que consiste a amnistia?

Consiste em que, providos os processos, instaurados os processos, julgados os processos, tendo até as sentenças transitado em julgado, é que a prerogativa da Coroa, segundo a Carta Constitucional se impõe, concede a amnistia impondo silencio perpetuo a esses processos.

É isto um acto de dictatura?

Talvez S. Exa. assim o entenda, o que não o admira, visto que S. Exa. já descobriu que ha um poder absoluto com as Camaras abertas.

O Digno Par póde tambem ver um acto de dictadura, quando esse acto está indicado na Carta Constitucional.

Diz o Digno Par:

"Ha um attentado contra a integridade moral d'aquelles que interveem nos processos que estão pendentes ou julgados".

O Digno Par apresentou, e teve como unico argumento: que se lavrou um accordão em que o Digno Par foi parte.

Esse accordão diz o seguinte.

(Leu).

Isto mesmo se deprehende da letra do referido decreto, em que somente foi parte o Ministerio Publico.

D'este accordão, o unico que o Digno Par citou, o julgador, para dar razão á parte, entende que a amnistia não era applicavel a esse processo. Tiveram que se soccorrer do decreto que concede a amnistia, que declarava que esta se applicava aos processos, em que somente foi parte o Ministerio Publico; e foi com este argumento que o accordão se proferiu.

Mas a par d'isto, se o Digno Par quer, elle, orador, offerece-lhe um accordão da Relação dos Açores, julgado no Supremo Tribunal de Justiça e segundo o decreto de 30 de junho de 1885...

(Interrupção do Digno Par Eduardo José Coelho).

O Digno Par decerto não está tão falho de argumentos, que precise dos d'elle, orador, mas esse accordão está ao dispor de S. Exa.

Mas apresenta mais: um accordão da amnistia de 1890... Apresenta a mesma situação, sustenta-se que o tribunal tem que acatar o que se estabelece no decreto de amnistia, porque isso representa o uso de uma prerogativa regia.

Elle, orador, não sabe quaes são os "juizes de Berlim", mas no seu entender são aquelles que torcem o espirito e a letra das leis, para poderem fazer prevaler as suas opiniões.

Estes são juizes genuinamente portuguezes, e as suas resoluções executa-as e acata-as com o respeito que é devido a magistrados portuguezes; os de Berlim não conhece. O Digno Par, depois de ter investido primeiro com o Governo, depois com o Conselho de Estado, e depois com os tribunaes, porque, no seu entender, uma amnistia não se justifica, nem se póde applicar, por isso que representa um attentado ao direito de propriedade, diz n'um as somo vehemente que, se as suas razões não convencem, então as barricadas.

Elle, orador, não estava preparado para ouvir esta phrase, pois esta Camara, em geral serena nos debates, quer tratando de assumptos politicos, quer de assumptos financeiros, sempre se tem inspirado em impetos menos vehementes, menos audazes, mas mais seguros e mais proficuos.

O Digno Par vae até ao ponto de argumentar, não com a sua palavra, mas com o esforço da sua acção, e assim diz: se estas razões não convencem então as barricadas.

Elle, orador, não quer dizer que o discurso do Digno Par fosse um discurso de barricadas; o seu discurso foi inspirado em pensamentos muito elevados, e em considerações judiciosas, que devido á deficiencia d'elle, orador, não póde alcançar.

Mas compulsa os seus apontamentos sobre o discurso do Digno Par, e vê-o despido de razões e de argumentos que podessem levar a elle, orador, a penitenciar-se. Não vê senão o Digno Par investir contra o Governo, investir contra o Conselho de Estado, investir com os tribunaes e dizer: ou isso ou as barricadas.

Acha pouco para uma interpellação.

O Digno Par, certamente, explanará o assumpto da sua interpellação mais largamente, e então elle, orador, responderá.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pediu, a palavra para mandar para a mesa a synopse que recebeu do Ministerio da Marinha, com respeito aos decretos promulgados durante o interregno parlamentar, e pede ao Sr. Presidente se digne consultar a Camara sobre se permitte que ella venha publicado nos Annaes parlamentares.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

Vem publicada no final da sessão.

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é ámanhã e a ordem do dia a continuação da de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram õ horas e 10 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 26 de janeiro de 1904

Exmos Srs.: Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, do Lavradio, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Condes: da Azarujinha, de Bertiandos, de Bomfim, de Figueiró, de Valenças, Villar Sêcco; Bispo de Bethsaida; Viscondes: de Athouguia, de Soares Franco; Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, Gusmão, Avellar Machado, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Bandeira Coelho, D. Luiz de Sousa, Pereira e Cunha, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho.

Os Redactores:

EDUARDO SCHWALBACH.

(De pag. 103 a pag. 108, col. 3.ª).

ALBERTO BRAMÃO.

(De pag. 108, col. 3.ª, a pag. 113, col. 3.ª).

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Dignos Pares do Reino. - José Gonçalo Vaz de Carvalho, engenheiro naval de 1.ª classe, vem muito respeitosamente lembrar a V. Exas. que ha proximamente oito annos a direcção technica do Arsenal da Marinha foi confiada a um engenheiro estrangeiro, auxiliado por conductores igualmente estrangeiros na intenção de implantar em Portugal os modernos systemas de construcção naval, fazendo escola para habilitar não só o pessoal operario, como os engenheiros navaes portuguezes. Julga o abaixo assignado que a continuação no Arsenal de pessoal estrangeiro faz suppor que os engenheiros portuguezes continuam a não estar devidamente preparados para desempenhar os seus logares e por isso

Pede á Camara dos Dignos Pares do Reino que a direcção technica do Arsenal seja entregue aos engenheiros portuguezes. - E. R. M.

Lisboa, 21 de janeiro de 1904. =

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114 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

José Gonçalo Vaz de Carvalho, engenheiro naval de 1.ª classe.

Illmos. e Exmos. Srs. Dignos Pares do Reino. - Adolpho Carlos da Costa, engenheiro naval de 1.ª classe, vem muito respeitosamente ponderar a V. Exas. que ha proximamente oito annos a direcção technica do Arsenal de Marinha foi confiada a um engenheiro estrangeiro auxiliado por conductores de trabalho igualmente estrangeiros, na intenção de implantar em Portugal os modernos systemas de construcção, fazendo escola não só para habilitar o pessoal operario como o pessoal superior de engenharia.

Julga o requerente como dever seu deixar exarado n'esta respeitosa representação a V. Exas. que a continuação na direcção technica de um engenheiro estrangeiro faz suppor que os engenheiros portuguezes não estão preparados devidamente para bem desempenharem os seus cargos.

O supplicante, possuindo uma carta de engenheiro naval pela Escola de Lisboa e tendo alem d'isso um curso de tirocinio nos arsenaes estrangeiros, e longa pratica no Arsenal de Marinha, póde affirmar que se acha apto a desempenhar qualquer commissão da sua especialidade, e por isso

Pede á Camara dos Dignos Pares para que a direcção technica do Arsenal de Marinha seja entregue a um engenheiro naval portuguez. - E. R. M.

Lisboa, 20 de janeiro de 1904. = Adolpho Carlos da Costa., engenheiro naval.

Illmos. e Exmos. Srs. Dignos Pares do Reino. - Eugenio Estanislau de Barros, engenheiro naval e mechanico, vem muito respeitosamente ponderar a V. Exas. que ha proximamente oito annos a direcção technica do Arsenal da Marinha tem sido confiada a um engenheiro estrangeiro, auxiliado por conductores egualmente estrangeiros, na intenção de implantar em Portugal os modernos systemas de construcção naval e fazer escola para habilitar não só o pessoal operario como os engenheiros navaes portugueses. Julga o requerente como dever seu deixar exarado n'esta respeitosa representação a V. Exas. que a continuação na direcção technica, de um engenheiro estrangeiro, faz suppor que os engenheiros portuguezes, continuam a não estar preparados devidamente para desempenhar os seus logares.

O supplicante tendo uma carta de engenheiro naval e mechanico, pela Escola Superior de Genova, de onde sairam os celebres engenheiros navaes italianos Berin, Runo, Rotta, Suilante, etc., tendo tirocinado no arsenal de Lisboa e assistido, nos estaleiros Orlando, de Livorno, á reconstrucção do cruzador Vasco da Gama., e a muitos outros trabalhos em execução para a real marinha italiana, tendo visitado e estudado todos os arsenaes e estabelecimentos de construcção naval de Italia, sempre com boas informações dos chefes sob cujas ordens serviu, entende dever affirmar, que se julga apto a desempenhar qualquer commissão da sua especialidade; e por isso P. á Camara dos Dignos Pares para que a direcção technica do Arsenal da Marinha seja entregue a um engenheiro naval portuguez.- E. R, M.cê

Lisboa, 21 de janeiro de 1904. = Eugênio Estanislau de Barros, engenheiro naval.

Dignos Pares do Reino. - Joaquim Affonso dos Santos, engenheiro naval de 2.ª classe, vem muito raspeitosamente lembrar a V. Exas. que ha proximamente oito annos a direcção technica do Arsenal de Marinha foi confiada a um engenheiro estrangeiro auxiliado por conductores de trabalhos egualmente estrangeiros, a fim de implantar em Portugal os modernos systemas de construcção naval, fazendo escola para habilitar não só o pessoal operario como os engenheiros navaes portuguezes. Julga o abaixo assignado que a continuação no Arsenal de pessoal estrangeiro faz suppor que os engenheiros portuguezes continuam a não estar devidamente preparados para desempenhar os seus logares 3 por isso

P. á Camara dos Dignos Pares do Reino que a direcção technica do Arsenal de Marinha seja entregue aos engenheiros portuguezes. - E. R. M.

Lisboa, 22 de janeiro de 1904. = Joaquim Affonso dos Santos, engenheiro naval de 2.ª classe.

Illmos. e Exmos. Srs. Dignos Pares da Nação Portugueza. - Diz o engenheiro naval chefe Duarte Ferreira de Sampayo, que havendo sete annos que a direcção technica se acha entregue a um engenheiro estrangeiro, que veiu introduzir no nosso Arsenal as innovações e os melhoramentos modernamente adoptados nas construcções navaes, e que julgando, como actual chefe dos engenheiros navaes, que esta corporação está na altura de tomar a direcção do referido estabelecimento, não só conservando-o no ponto a que tem sido recentemente elevado, como acompanhando os progressos que a arte naval pode fazer de futuro.

Pede a V. Exas. hajam por bem legislar a este respeito como entenderem de justiça, e em attenção ao merecimento dos engenheiros de que tenho a honra de ser chefe. - E. R. M.cê.

Lisboa, 20 de janeiro de 1904. = Duarte Ferreira de Sampayo, engenheiro naval.

Synopse dos decretos a que se refere o officio d'esta data

Decreto de 27 de junho de 1903. - Fixando em 1 real por kilogramma o direito a pagar pela farinha de mandioca importada para consuma pelas alfandegas da provincia de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 142).

Decreto de 27 de julho de 1903. - Estabelecendo um bónus para as embarcações que carregarem exclusivavamente sal em varios portos de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 142).

Decreto de 15 de julho de 1903. - Mandando que em determinadas circumstancias sejam extensivas aos empregados das secretarias dos Governos do ultramar as disposições da tabella E annexa ao regulamento geral de fazenda das provincias ultramarinas. (Diario do Governo n.° 163).

Decreto de 15 de julho de 1903. - Isentando de custas e sellos os empregados das alfandegas do Estado da India nos processos de contrabando em que forem partes. (Diario do Governo n.° 158).

Decreto de 15 de julho de 1903. - Auctorizando a continuação por conta do Estado de diversas obras no porto de Lourenço Marques, e a construcção do caminho de ferro de Swazilandia. (Diario do Governo n.° 159).

Decreto de 15 de julho de 1903. - Determinando que possam ser feitas as adjudicações de terrenos da provincia de Moçambique requeridas antes da promulgação da lei de 9 de maio de 1901. (Diario do Governo n.° 159).

Decreto de 25 de julho de 1903. - Concedendo á Imperial Cold Storage Company o arrendamento de um terreno em Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 166).

Decreto de 25 de julho de 1903. - Reduzindo o direito de importação de conservas alimenticias nos territorios da Companhia de Moçambique. (Diario do Governo n.° 170).

Decreto de 1 de agosto de 1903. - Fixando os limites dos suburbios da cidade de Lourenço Marques para o effeito da concessão de terrenos. (Diario do Governo n.° 171).

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SESSÃO N.° 10 DE 26 DE JANEIRO DE 1904 115

Decreto de 1 de agosto de 1903. - Auctorizando a deportação de uma para outra provincia do ultramar dos individuos que, estando sujeitos ao serviço militar, não possam ser compellidos a esse serviço. (Diario do Governo n.° 172).

Decreto de 10 de agosto de 1903. - Isentando de quaesquer direitos as aguas mineraes portuguezas importadas para consumo nas provincias do ultramar. (Diario do Governo n.os 182 e 183).

Decreto de 10 de agosto de 1903. - Isentando do pagamento de direitos o milho produzido na provincia de Moçambique, quando exportado para o Transwaal. (Diario do Governo n.ºs 182 e 183).

Decreto de 25 de agosto de 1903. - Determinando que dos periodicos publicados no ultramar sejam enviados exemplares ao procurador da Corôa e Fazenda e ao seu delegado na comarca em que se fizer a publicação. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 25 de agosto de 1903. - Criando um concelho administrativo nos districtos de Inhambane e Zambezia. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 10 de agosto de 1903. - Criando um municipio no districto de Gaza. (Diario do Governo n.-° 197).

Decreto de 3 de setembro de 1903. - Approvando a venda de diversos terrenos situados no districto de Lourenço Marques, feita pelo respectivo concessionario (Oscar Somershield) ao Delagoa Bay Lands Syndicate Limited. (Diario do Governo n.ºs 197 e 198).

Decreto de 3 de setembro de 1903. - Sanccionando a transmissão do arrendamento de dois terrenos na margem do porto de Lourenço Marques, feita pelo respectivo concessionario (Wilcken & Ackermann) á Lourenço Marques Warf Company Limited. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 3 de setembro de 1903. - Organizando os serviços da construcção do caminho de ferro de Malange e os da fiscalização do de Ambaca e das carreiras de automóveis de Loanda e Lunda. (Diario do Governo n.° 197).

Decreto de 3 de setembro de 1903. - Concedendo á Sociedade Delagoa Bay Lands Syndicate Limited auctorização legal para conservar em sua posse diversos terrenos situados em Lourenço Marques. (Diario do Governo n.º 198).

Decreto de 10 de setembro de 1903. - Criando o julgado municipal de Gaza, na comarca de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 205).

Decreto de 21 de outubro de 1903. - Alterando os prazos estabelecidos para a entrega dos alvarás aos concessionarios de terrenos no ultramar. (Diario do Governo n.° 242).

Decreto de 28 de outubro de 1903. - Determinando a constituição do Conselho Inspector de Instrucção Publica da provincia de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 249).

Decreto de 28 de outubro de 1903. - Regulando o funccionamento das casas de emprestimos sobre penhores no ultramar. (Diario do Governo n.° 249).

Decreto de 13 de novembro de 1903. - Auctorizando a sublocação do arrendamento de uns terrenos situados no districto de Lourenço Marques (pelo subdito americano Frederik Riddley Lingham á Companhia Lingham Timber Trading). (Diario do Governo n.os 258 e 259).

Decreto de 13 de novembro de 1903. - Mandando vigorar nas provincias ultramarinas os artigos 26.° a 29.° do decreto relativo á construcção e exploração de caminhos de ferro. (Diario do Governo n.° 264).

Decreto de 21 de novembro de 1903. - Regulando a receita e a despesa das provincias ultramarinas para o exercicio de 1903-1904. (Diario do Governo n.os 267 e 270).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Estabelecendo varias disposições relativas á administração dos prazos da Corôa concedidos á Companhia da Zambezia. (Diario do Governo n.° 270).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Determinando que os concelhos de Benguella e Catumbella constituam duas municipalidades distinctas. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Determinando que as camaras municipaes da provincia de Moçambique concorram para as despesas feitas nos hospitaes do Estado com o tratamento dos indigentes. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Declarando competente o conselho do districto autónomo de Timor para julgar os recursos em materia de quaesquer impostos que não sejam aduaneiros. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Fixando os direitos sobre óleos mineraes e automóveis importados pelas provincias ultramarinas. (Diario do Governo n.os 272 e. 275).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Declarando vagos os logares dos empregados das alfandegas ultramarinas que estejam suspensos do exercicio das suas funcções por mais de 3 mezes. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Regulando o exercicio da industria da pesca da ostra perlifera, esponjas, tartarugas e outros productos dos mares do districto autonomo de Timor. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Regulando a situação dos individuos que occupam terrenos na provincia de Moçambique por titulo de posse provisoria. (Diario do Governo n.° 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Auctorizando o governador geral de Moçambique a conceder ao subdito allemão Oswald Hoffmann uma serventia n'um terreno no districto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.º 272).

Decreto de 26 de novembro de 1903. - Isentando do imposto do sêllo os processos e actos de alienação de baldios nas provincias ultramarinas, comprehendendo os alvarás de concessão. (Diario do Governo n.ºs 272 e 273).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Mandando vigorar nas provincias ultramarinas portuguezas da Africa, com modificações, a carta de lei de 3 de abril de 1896, que regula na metropole a applicação da pena de prisão correccional nos casos de reincidencias e a administração do producto do trabalho dos presos. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Mandando vigorar nas provincias ultramarinas portuguezas da Africa, com modificações, a carta de lei de 3 de abril de 1896, que regula na metropole a maneira de se realizar a rehabilitação dos réus cujas sen-

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116 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tenças condemnatorias tenham passado em julgado, tanto no foro civil como no militar. (Diario do Governo n.° 291).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Approvando o contrato provisorio celebrado em 10 de setembro de 1903 entre o inspector de fazenda da provincia de Moçambique, como representante da Fazenda Publica d'esta provincia, e Joseph Robert Smith, como representante da The Eastern Company Limited, referente á cedencia e partilha com o Estado de varios terrenos situados dentro e nos suburbios da cidade de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 291).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Tornando extensiva ao ultramar a garantia de propriedade industrial. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Modificando algumas disposições do decreto de 15 de julho de 1903 acêrca das obras do porto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 295).

Decreto de 17 de dezembro de 1903. - Approvando o regulamento para a concessão de terrenos na provincia de Cabo Verde. (Diario do Governo n.° 295 de 1903 e n.° 1 de 1904).

Decreto de 28 de dezembro de 1903.- Approvando o regulamento para o exercicio da caça no districto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 295).

Decreto de 24 de dezembro de 1903. - Substituindo o artigo 13.° do regimento da administração de justiça no ultramar, relativo a impedimentos de juizes effectivos. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 28 de dezembro de 1903. - Organizando a policia de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 28 de dezembro de 1903. - Concedendo varias garantias e direitos aos funccionarios das circumscripções administrativas do districto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 28 de dezembro de 1903. - Mandando que os orçamentes e contas das corporações administrativas da provincia de Macau sejam elaborados por annos civis. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 28 de dezembro de 1903. - Approvando o regulamento da defesa sanitaria contra a importação e propagação de doenças transmissiveis aos animaes no districto de Lourenço Marques. (Diario do Governo n.° 294).

Decreto de 31 de dezembro de 1903. - Reduzindo a 5 por cento a contribuição de registo nas transmissões de terrenos situados na area da cidade de Lourenço Marques, que se realizarem no periodo de 10 annos, quando durante este prazo n'elles se tenha levantado qualquer construcção. (Diario do Governo n.° 6 de 1904).

Decreto de 24 de dezembro de 1904. - Approvando o regulamento das officinas navaes da Catembe, na provincia de Moçambique. (Diario do Governo n.° 8).

Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 21 de janeiro de 1904. = O Director Geral, Francisco Felisberto Dias Costa.

Rectificações

N'estes Annaes, sessão n.° 8, de 20 de janeiro, discurso do Digno Par Sebastião Baracho, a pag. 96, columna 2.ª e linhas 10, onde se lê 1891, leia-se 1881. E na pag. 98, columna 1." e linha 26, onde se lê Marinha, leia-se Guerra.

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