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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 25 EM 14 DE MARÇO DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios — os Dignos Tares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMARIO : — Leitura e approvação da acta. — Expediente - O Digno Par Sebastião Baracho refere-se a documentos requisitados, envia para a mesa uma nota de interpellação sobre as causas da desnacionalização da provincia de Angola e por ultimo refere-se aos acontecimentos tumultuosos de Coimbra. Falam acêrca d'estes acontecimentos o Sr. Ministro da Fazenda, novamente o Digno Par Sebastião Baracho, Jacinto Candido, José Luciano de Castro, Matoso Côrte Real e ainda o Sr. Ministro da Fazenda. No final da sessão os Dignos Pares Mendonça Côrtez e Sebastião Baracho alludem á falta de documentos pedidos. Dá explicações a S. Exas. o Sr. Ministro da Fazenda. — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 3 quartos da tarde, verificando-se a presença de 30 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio do Reino, enviando documentos requeridos pelo Digno Par Eduardo José Coelho.

Para entregar.

Carta da Sr.a Marquesa de Fronteira e Alorna, agradecendo á Camara as manifestações de pesar a proposito do fallecimento do Digno Par seu marido.

Para o archivo.

Assistiram á sessão os Sr. Ministros da Fazenda e da Marinha.

O Sr. Telles de Vasconcellos: — Manda para a mesa a seguinte declaração:

Declaro a V. Exa. .a que não tenho comparecido ás sessões por motivo justificado. = Telles de Vasconcellos.

O Sr. Presidente: — Ficaram inscritos da sessão anterior os Srs. Rebello da Silva para quando estivesse presente o Sr. Ministro das Obras Publicas, e o

br. Sebastião Telles para quando estivesse presente o Sr. Ministro da Guerra; como não está presente nenhum distes Srs. Ministros, vae dar a palavra aos Dignos Pares que se inscreveram na sessão de hoje.

Tem a palavra o Sr. Baracho.

O Sr. Sebastião Baracho: — Em primeiro logar pergunta ao Sr. Presidente se já estão na mesa os documentos relativos ao real de agua dos tres ultimos trimestres de 1902, documentos que pediu em 14 de janeiro, e alem d'estes os dois boletins da provincia de Angola que pediu em 3 de março.

O Sr. Presidente : — Informa que estes ultimos já estão na mesa; quanto aos outros documentos, vae mandar saber á secretaria se já terão vindo e no caso negativo, renovar-se-ha o pedido.

O Orador: — Continuando, diz que vae mandar para a mesa uma nota de interpellação, assim concebida:

Desejo interpellar o Sr. Presidente do Conselho e Ministro da Marinha e Ultramar sobre as causas de desnacionalização da provincia de Angola, e designadamente a concessão Williams e à acção dos frades do Espirito Santo como missionarios naquella provincia.: Sebastião Baracho.

Declara desde já que deseja intercalar a sua interpellação quando se

tratar da questão Williams, mas que a presença do Sr. Ministro do Reino lhe é ainda necessaria porque o decreto de 19 de abril de 1901 abrange tambem o ultramar.

O Sr. Presidente: — Diz que a nota de interpellação vae ser expedida.

O Orador: — Entrando no assunto que o traz á Camara, diz que, tendo-se licenceado dos debates parlamentares por ver o país narcotizado e indifferente perante a derrocada da nossa administração publica, pedia hoje a palavra, obrigado dos dolorosissimos acontecimentos de Coimbra, acontecimentos que lhe vinham dar a prova de que o país ia abandonar o estado morbido em que se encontrava, erguendo emfim os primeiros protestos contra as exigencias do Governo numa das suas cidades mais cultas.

Achava o Digno Par Antonio de Azevedo Castello Branco que a tranquillidade do país era sinal da satisfação, mas essa apparencia de socego provinha apenas de que estavam coarctadas e opprimidas todas as liberdades. O que se tem passado em Coimbra demonstra que tudo tem limites, até a resignação do bom povo português. Adverte o Governo de que os factos a que se refere são por demais significativos. Não se dirige hoje ao Sr. Presidente do Conselho, por S. Exa. o ter informado de que não podia vir a

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esta Camara, mas aguarda a sua comparencia para lhe pedir contas do que tem acontecido, porque as responsabilidades que o Governo tem nos tumultos de Coimbra são mediatas e iinmedia-tas, proximos e remotas. A administração do Governo tem sido inteiramente irregular e desvairada, attendendo-se unicamente aos interesses de partido. O orador, que este anno quasi não tem sido outra cousa senão um chronista da decadencia em que nos encontramos, não vem em todo o caso fazer agora o balanço dos erros commettidos, nem relatar as causas remotas que interferiram nos lamentaveis acontecimentos de Coimbra. Convem porem lembrar quaes são as suas causas proximos e immediatas.

O anno passado, desde o dia em que começaram os trabalhos parlamentares até o ultimo da sessão, constantemente impugnou a forma por que foi recrutado e organizado, se organização havia, o corpo de fiscalização dos impostos, onde entraram individuos de todas as procedencias, com matricula aberta entre os mais famosos galopins eleitoraes, e até alguns que eram analfabetos e sem folha corrida.

Com funccionarios d'esta natureza a ordem publica não podia estar garantida .em parte alguma. O serviço de fiscalização, alem de melindroso, não é de si sympathico, pelo contrario, a sua indole é odiosa; mas quando é confiado a homens d'esta estofa, comprehende-se que perigosos elementos se introduzem numa sociedade como hoje é a sociedade portuguesa, exhausta de meios e de fundos para satisfazer as larguezas com que o Governo necessita alimentar o gáudio dos seus parciaes e as exigencias dos orçamentivoros.

Para provar a falta de tino administrativo, bastar-lhe-ha notar que ainda para a sessão de hoje estava dado para ordem do dia um projecto, em que se aumenta a despesa.

Não se vacila depois em pedir ao contribuinte o que elle não pode pagar, e até o que não deve pagar, porque é para esbanjamentos e despesas improductivas. Ainda este anno não veiu aqui projecticulo algum senão para isso.

Desta forma não tem o Governo autoridade para pedir mais impostos, como a não tem o Sr. Ministro da Fazenda para, sem vantagem, só com o fim de destruir o que está feito (Apoiados), cortar despesas, depois de ter assumido tão grandes responsabilidades, com os seus setenta e doiS decretos Publicados no interregno Parlamentar. Pode estar agora a apparentar de economico quem tem tamanha responsabilidade na vida folgada que ha dois annos leva este Governo ?

Deseja dirigir algumas perguntas ao Sr. Ministro da Fazenda acêrca dos

acontecimentos que teem motivado as suas considerações. Poder-lhe-ha o Sr. Ministro dizer quantas teem sido já as victimas das occorrencias de Coimbra, quantos os mortos e feridos, quer da classe academica, quer da civil ou da militar?

Vê com desgosto que são ainda os militares, que não teem contribuido para a orgia administrativa, que, desde a implantação da liberdade, nunca se prostituiram, e que ainda hoje em Africa sabem affirmar brilhantemente a nossa soberania, mostrando ás nações cultas como defendem os direitos e o patrimonio da Coroa e do país, aquelles a quem incumbe a triste missão de restabelecer e manter a ordem, á custa do sangue dos seus concidadãos, exercendo funcções de policia das ruas, depois da negligencia das autoridades, que não previram, nem. atalharam a tempo os acontecimentos que se teem desenrolado ultimamente em Coimbra.

Desejava ainda saber se desde hontem houve mais victimas, ou a situação da cidade tem melhorado.

Sem querer dar conselhos, em todo o caso entende que seria vantajoso licencear temporariamente a academia, não só para alliviar da impressão dolorosa, sob cujo peso se encontram, todos aquelles que lá teem seus filhos ou parentes, e que de um momento para ,o outro podem receber uma noticia lutuosa, mas ainda para sequestrar a mocidade do foco de revolta e abrandar a onda dos tumultos que ameaçam a cidade inteira.

Profere estas palavras com tanto melhor vontade, quanto é certo que não pode deixar de affirmar que é essencialmente conservador e ordeiro, e antes desejaria ter vindo aqui em consequencia de ver, sim, o país levantar-se do estado comatoso em que se encontrava, mas dentro dos protestos legitimos da ordem, e não pela forma por que os acontecimentos se teem succedido, correndo sangue e sangue português, tanto do lado dos que se insurgem, como do lado dos que teem de manter a ordem.

Receia que a situação de Coimbra não tenha melhorado, pois que acaba de saber que ia partir para Coimbra o chefe de estado maior da 1.ª divisão militar para auxiliar, dentro da orbita das suas attribuições, o commandante da 3. a divisão militar.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Ouçam, ouçam!

O Orador: — È melhor prevenir do que remediar, diz a sabedoria popular.
Não espere agora o Governo que as balas, que teem attingido os populares, attinjam tambem os estudantes, porque essas, affectando mais intimamente o
país de um extremo ao outro, ainda seriara mais funestas para o Governo, ainda mais o despopularizariam, se isso fosse possivel.

O Sr. Eduardo José Coelho (interrompendo) : — Diz que leu um telegramma em que se informa que já ha tres estudantes feridos.

O Orador: — Chama a attenção do Sr. Ministro da Fazenda para essa noticia, por cuja veracidade o inquire, e que, a ser verdadeira, só confirma o orador na justiça com que lembra o licenceamento da academia, conservada até agora inconvenientemente no meio d'aquella escola de rebellião.

Frisa ainda o facto de se ter collocado ao lado dos revoltosos a Associação Commercial de Coimbra, entidade de sua natureza conservadora, e ao Sr. Presidente do Conselho lembraria o exemplo de Silvela que, reconhecendo a sua incompetencia para chefe de partido, se retirou á vida particular.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice quando S. Exa. & tenha revisto as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: — Apesar de se ter já passado a meia hora antes da hora marcada para se entrar na ordem do dia, julga, em vista da importancia do assunto, que a Camara o autorizará a dar a palavra ao Sr. Ministro da Fazenda.

Vozes:—Fale, fale.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Camara dá a palavra ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Pereira e Cunha: — Manda para a mesa o parecer da commissão do ultramar sobre a proposta de lei relativa ao contrato da navegação para a Africa. Por parte do Sr. Avellar Machado manda tambem para a mesa o parecer sobre o projecto relativo á reforma da Escola Naval.

Foram a imprimir.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): -— O Digno Par o Sr. Dantas Baracho a proposito dos acontecimentos dê Coimbra fez accusações violentas ao Governo, exigindo-lhe responsabilidade mediata e immediatamente pelos tristes acontecimentos passados naquella cidade, os quaes o orador, como o Digno Par, profundamente fomentam.

O Digno Par Dantas Baracho fez considerações acêrca d'estes factos com extraordinaria vehemencia.

Procedeu na sua liberdade como entendeu e quis.

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O orador não pode, nas circunstancias do momento, falar do logar em que está com a mesma liberdade com que S. Exa. falou.

Diz isto porque a situação em Coimbra infelizmente é grave e o papel que neste momento deve representar um homem de Governo é pedir a todos os membros de um e de outro lado da Camara que deixem ao Ministerio a responsabilidade do seu procedimento acêrca dos acontecimentos que se passam em Coimbra e que se reservem para opportunamente discutirem e apreciarem os seus actos e as suas responsabilidades; as suas responsabilidades no que diz respeito ás causas, os seus actos no que diz respeito á sua intervenção.

Não quer esperar que todos se colloquem ao lado do Governo, mas parece-lhe que todos devem proceder por maneira a não affrouxar, a não diminuir em nada a força de que o Governo precisa para cumprir um dos seus mais sagrados deveres, que é o de manter a ordem publica.

Este seu desejo explica o seu silencio relativamente a uma parte importante do discurso do Digno Par Sr. Sebastião Baracho. Não quer entrar numa discussão politica acêrca das responsabilidades do Governo, e especialmente acêrca das responsabilidades do Sr. Presidente do Conselho, que o Digno Par Sr. Dantas Baracho visou, e não quer que attribuam a palavras suas menos ponderadas qualquer procedimento por parte de um ou outro dos lados da Camara, que signifique ou que traga a irritação ao debate, quando a serenidade, quando a prudencia por parte de todos é aconselhada e quando o papel do Governo se deve limitar a pedir instantemente a todos os membros da camara que se reservem para opportunamente pedir responsabilidades ao Governo, mas que neste momento não criem embaraços á manutenção da ordem publica.

Dito isto, vae responder com toda a exactidão, com toda a verdade, ás perguntas que lhe fez o Digno Par, expondo os factos como se passaram em Coimbra, e são do seu conhecimento.

Desde longo tempo que em Coimbra, como em outras partes do país, se cobrava em separado o sêllo das licenças.

Não é de agora, não é do regulamento actual, não é do regulamento immediatamente anterior; desde muito tempo que as licenças eram obrigadas ao pagamento do sêllo que se cobrava em separado.

Houve dificuldades.

Em Coimbra, nem sempre todos aquelles que tem de pagar licença se habilitaram com ella por maneira a ter satisfeito para com o fisco as suas obrigações no dia 1.° de janeiro.

D'ahi resultou que o seu antecessor prorogou até 28 de fevereiro o prazo para serem passadas essas licenças.

Em 11 do mês corrente, pela primeira vez foi elle, orador, informado de que alguns negociantes que teem estabelecimentos dentro do mercado de Coimbra e alguns vendedores ambulantes reclamavam contra o pagamento de licenças, que se queixavam de violencias dos empregados fiscaes e que ameaçavam fazer uma greve, não concorrendo a Coimbra com os generos necessarios para a alimentação publica.

Até então não tinha chegado ao seu conhecimento nem ao do Sr. Ministro do Reino que em Coimbra houvesse qualquer manifestação tumultuosa ou desordeira.

Depois de receber esta informação, elle, orador, immediatamente ordenou que se prorogasse até 31 de março o prazo em que poderiam ser passadas as licenças, que se inutilizassem todos os autos e que cessassem as multas applicadas por falta de sêllo nas licenças.

Procedeu assim desde que entendeu que era equitativo este proceder.

Estas ordens foram passadas immediatamente para Coimbra e d'ellas se deu conhecimento ao respectivo governador civil.

No dia 11 não houve desordem nenhuma; mas no dia 12 de manhã, numerosos grupos de populares...

O Sr. Sebastião Baracho: — Foi no dia 11 que não houve desordem nenhuma ?

O Orador: — S. Exa. comprehende bem que desde que se fazem manifestações contra o pagamento das licenças e que se apresenta na rua um certo numero de homens em gritos subversivos, nós não podemos considerar isto como ordem; mas o que lhe consta é que nesse dia nenhum facto grave se deu.

No dia 12 bandos de populares atacaram a força publica, os soldados que estavam de guarda, do que resultou estes fazerem uso das armas e morrerem alguns populares.

Segundo a informação official, nessa desordem morreram tres populares, foi ferido um soldado e feridos mais tres populares.

No dia immediato, hontem, pelas informações officialmente recebidas não consta que tenha havido derramamento de sangue.

Tambem hontem recebeu um telegramma a que o Digno Par alludiu ha pouco, do Presidente da Assembleia do Commercio de Coimbra, em que se lhe pede, depois de protestar contra o imposto de licença, para suspender esse imposto até que se proceda a uma conveniente revisão da lei.

Não recebeu hontem o Governo noticia de que tivesse havido derramamento de sangue, mas recebeu a noticia insistente de que numerosos grupos de populares percorriam as das publicas lançando a todos os momentos gritos subversivos, atacando algumas propriedades particulares, e repetidas vezes os edificios publicos, provocando a força publica e apedrejando-a continuamente.

Entendeu elle, orador, que sendo-lhe expedido um telegramma narrando estas circunstancias, muito mal lhe ficaria como membro do Governo, se não desse a esse telegramma a resposta que deu.

Podia essa resposta não ter satisfeito os representantes do commercio de Coimbra ou a sua população, mas o Digno Par, que é homem muito ponderado e reflectido, deve comprehender que nem elle podia dar outra, e está bem certo que o Digno Par em circunstancias iguaes ouviria a sua consciencia e não procederia de outra maneira.

O Digno Par não pode dizer que a sua resposta devesse ser outra.

Respondeu ao presidente da Assembleia dos Commerciantes de Coimbra nos seguintes termos:

«Que restabelecida e assegurada a ordem publica em Coimbra, considerará devidamente o pedido, attendendo ao que for justo».

Perguntou o Digno Par se a intenção do Governo é suspender ou não as licenças até que se faça a revisão d'essa lei?

Imagine o Digno Par que estava na intenção do Governo suspender as licenças até se fazer a revisão respectiva. S. Exa. deve convencer-se e reconhecer que o Governo não podia dar essa resposta, ainda mesmo que tivesse tal resolução, a quem se apresentou com a desordem na rua, manifestada por gritos subversivos, atacando a propriedade particular e os edificios publicos, provocando a todos os momentos o desrespeito á autoridade, chegando a apedrejar a força publica.

O Governo não podia deixar de fazer o que fez, que era não só o que lhe competia, mas até o que o dever lhe exigia, em presença dos factos praticados pela forma mais violenta, e perturbadora da ordem publica...

No seu telegramma o orador fazia saber á assembleia geral dos commerciantes de Coimbra, que restabelecida e assegurada a ordem publica, o Governo teria opportunidade para considerar devidamente o seu pedido e para o attender no que fosse justo. Repete, o Digno Par que é um homem de bem, e exemplarmente de bem, se tivesse

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de o aconselhar a elle, orador, em consciencia, não aconselharia, que respondesse noutros termos ao telegramma. O seu telegramma, evidentemente, não satisfez o commercio de Coimbra e é elle o primeiro a vir declará-lo ao Digno Par; não satisfez, como se vê do seguinte que recebeu esta noite:

«O commercio de Coimbra, reunido em assembleia geral, apreciando o telegramma de V. Exa., vê com desgosto que não satisfaz ao pedido dos commerciantes e ás justas reclamações do povo de Coimbra».

O orador entende em sua consciencia que não podia dar outra resposta á assembleia geral dos commerciantes de Coimbra. O facto da sua resposta não satisfazer, evidentemente traduz uma resolução tomada, traduz o proposito firme que o levou a dizer ha pouco ao Digno Par e á Camara que a situação de Coimbra era grave. E tão grave que o Sr. Ministro da Guerra entendeu mandar para Coimbra um chefe de estado-maior que reuna todas as qualidades de energia e prudencia, de harmonia com as circunstancias. E acrescenta mais que se o Governo fez tudo quanto podia dignamente fazer para que o seu procedimento não pudesse ser considerado como provocação, não deixa de estar no proposito firme de cumprir o seu dever e tomar mais resoluções do que aquellas a que o Digno Par se referiu. O Governo, desejando inteirar-se completa e inteiramente, da situação em Coimbra, desejando conhecer toda a questão nas mais particulares minudencias, chamou a Lisboa o governador civil de Coimbra, a fim d'elle directamente dar es sãs informações e incumbiu o governo d'aquelle districto a um distinctissimo general, um cavalheiro que reune todas as qualidades de intelligencia e de prudencia á altura das difficuldades da situação.

O Sr. Sebastião Baracho: — V. Exa. não pode dizer quem é o general?

O Orador: — É o Sr. Alberto de Oliveira.

O Digno Par quis que elle o informasse acêrca das victimas e acêrca do derramamento de sangue nos acontecimentos de Coimbra. Responde a S. Exa. que o Governo só tem conhecimento dos factos passados no dia 12, factos tristes e lamentaveis em que perderam a vida tres populares e em que ficaram feridos dois populares e um soldado.

Tambem leu hoje num dos jornaes de maior publicidade de Lisboa um telegramma enviado de Coimbra em que se diz que na noite passada houve novos tumultos e que as tropas mais uma vez fizeram uso das armas.

Declara á Camara e ao Digno Par que não pode comprehender este telegramma que, se bem se recorda foi expedido de Coimbra antes da meia noite.

O Sr. Eduardo Coelho: — Ás 11 horas e 35 minutos da noite.

O Orador: — Mas recebeu um telegramma do inspector do sêllo que foi áquella cidade fazer uma syndicancia, telegramma que não está de acordo com o publicado pelo alludido jornal da manhã. O Sr. Presidente do Conselho recebeu, tambem, á mesma hora, outro telegramma, que pelo que respeita a mortes e feridos, é absolutamente silencioso. E até ás 2 horas de tarde de hoje o Governo não tem conhecimento de que posteriormente aos lamentaveis factos que ia referiu se tivesse originado em Coimbra qualquer conflicto do qual rebitassem mortes ou ferimentos.

É convicção sua de que a informação ou telegramma publicado pelo referido jornal da manhã é completamente inexacto.

Aconselhou o Digno Par o Governo a que fechasse a Universidade.

Se effectivamente é para lamentar a effusão de sangue e os ferimentos de qualquer popular, muitissimo para lamentar seria que os estudantes da Universidades fossem attingidos pela desordem ou se intromettessem na agitação das ruas.

Devo dizer que as medidas do Governo foram muito alem d'aquellas que o Digno Par aconselhou.

O Sr. Ministro do Reino mandou sair hoje d'aquella cidade todos os estudantes que a ella não pertencessem; e para esse effeito mandou aprontar dois comboios, um para conduzir os estudantes do norte do país, e o outro para conduzir os do sul.

O Sr. Sebastião Baracho: — Mandou que os estudantes saissem hoje?

O Orador: — Hoje.

Não occulta ao Digno Par facto nenhum que mereça especial menção.

Tem tambem a dizer que mandou retirar de Coimbra todos os empregados fiscaes de impostos, visto o Sr. Governador Civil não responder pela sua segurança.

O Sr. Sebastião Baracho: — V. Exa. mandou sair d'aquella cidade todos os fiscaes, de impostos ?

O Orador: — Sim senhor, todos; e mandou proceder, como os acontecimentos exigem, a um rigoroso inquerito acêrca das responsabilidades que elles possam ter, quer por excesso de zelo, quer por outro incorrecto procedimento.

Guarda reservas acêrca das responsabilidades de varios funccionarios.

Assim, não tendo nunca havido ordem para cobrar o sêllo de licença ás lavadeiras; houve quem lhes apparecesse, na qualidade de empregado fiscal, exigindo esse pagamento, de onde resultou que ellas vieram para as das associar-se ás manifestantes e aumentar a desordem.

O Sr. Sebastião Baracho: — Essa cobrança foi promovida pelos fiscaes?

O Orador : — Os inspectores nunca ordenaram que fosse cobrado o imposto de sêllo ás lavandeiras.

O facto não é d'aquelles por cuja veracidade possa responder, mas foi informado d'elle por telegramma recebido..

Repete: o Governo não tem conhecimento de nova effusão de sangue, todavia, a attitude do commercio e das massas populares em Coimbra não cria uma situação tranquilizadora que o possa levar a dizer á Camara que a questão não é grave, e que, no interesse do país, é dever do Governo pedir ao Parlamento para que lhe não levante difficuldades, reservando-se para melhor opportunidade o pedir se a responsabilidade dos actos que o Governo tem praticado e que ainda praticará na sua indeclinavel obrigação de manter a ordem publica.

Crê ter dado, ás perguntas do Digno Par, respostas claras.

Se, porem, ellas não o satisfizeram e S. Exa. attender que novamente se lhe deve dirigir, estará pronto a dar-lhe mais esclarecimentos.

O Sr. Sebastião Baracho: — O Sr. Ministro da Fazenda disse, e por mais de uma vez, que a situação de Coimbra é muito grave. E, por essa circunstancia, declarou que não podia responder a uma parte do seu discurso, acrescentando que era indispensavel que o Parlamento se mantivesse em absoluta reserva, não provocando debates acirrados.

Elle, orador, referindo-se hoje á administração do Governo, disse menos do que tem dito em varias occasiões que aqui tem usado da palavra. Fez apenas uma ligeira recapitulação do que, por vezes, tem offerecido á consideração da Camara.

Dadas estas explicações, vae apreciar a resposta dada pelo Sr. Ministro da Fazenda. S. Exa. disse que nesta occasião não era util perturbar o Governo, nem levantar debates politicos.

O orador poderia divergir da opi-

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nião do Sr. Ministro da Fazenda, e dizer-lhe que se de tanta reserva carece o Governo no momento actual, tem um meio, que naturalmente lembra, para não ser perturbado com quaesquer perguntas ou considerações, acêrca da ordem publica: é o de pedir o adiamento das Côrtes.

Lamenta que o Governo não recorresse a esse expediente, que lhe convinha e convinha ao Parlamento; mas é conservador e um homem de ordem e, nesta qualidade, acceita, não obstante ser inimigo intransigente do Governo, o convite que a todos dirigiu o Sr. Ministro da Fazenda. Liquidará mais tarde esta questão com o Sr. Presidente do Conselho, que é quem tem a maior responsabilidade.

Dirá DO entretanto que muito bem fez o Governo em mandar chamar a Lisboa o Sr. Governador Civil de Coimbra, que desde longa data é considerado como não estando á altura do elevado cargo que occupa, e em o fazer substituir pelo Sr. General Alberto de Oliveira, a quem folga de reconhecer qualidades superiores de tino, prudencia e illustração, para estar com vantagem á testa d'aquelle districto.

E é natural que, chamado a Lisboa o Sr. Governador Civil de Coimbra, para informar o Governo acêrca dos acontecimentos d'aquella cidade, e logo substituido, pela forma mais amena e cortês, elle recolha brevemente aos seus penates, ou vá occupar o seu logar na Universidade, de que é um professor distincto.

Para se provar o mau serviço que a fiscalização dos impostos presta, não eram precisos os factos que actualmente se estão dando. Em má hora se criou aquelle malfadado corpo.

O boato da fiscalização simulada espalhou-se na supposição de que houvesse quem protegesse a revolta, ou ainda para desculpar os fiscaes.

Quanto ao numero das victimas, folga que seja verdadeira a informação do Sr. Ministro da Fazenda, e inexacta a do Digno Par Sr. Eduardo José Coelho ; e folga tambem de que o Governo fechasse a Universidade e Lyceu de Coimbra, facilitando a saída dos estudantes para as terras da sua naturalidade.

Se a este respeito alguma cousa lamenta é que esses actos se não tivessem praticado hontem ou antes de hontem, quando já não podia haver aulas e a cidade se encontrava em grande excitação.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Dirá a S. Exa. que o Sr. Ministro do Reino já tinha autorizado o Sr. Reitor a encerrar a Universidade, quando o entendesse conveniente.

O Orador: — Deixa de se referir a este assunto, porque conhece ha muito o Sr. Reitor da Universidade e sabe que é um homem prudente e ponderado.

Crê ter respondido ao Sr. Ministro da Fazenda; e, abstendo-se de fazer considerações politicas sobre o assunto, aguardará o desenlace final d'este triste drama, que se desenrola naquella cidade de Coimbra, para depois pedir as responsabilidades ao Governo.

(O discurso de S. Exa. publicar-se-ha na integra e em, appendice a esta sessão logo que S. Exa. se digne rever as notas originaes).

O Sr. Jacinto Candido: — Depois do que se tem passado neste debate, depois dos pedidos do Sr. Ministro da Fazenda, invocando a cordura do Parlamento, em nome dos interesses do país depois de ouvir o Sr. Dantas Baracho, que, voltando ao debate, e annuindo ao pedido do Sr. Ministro, supprimiu nas suas reflexões, todas e quaesquer considerações de ordem politica, depois de registar a confissão de gravidade dos acontecimentos de Coimbra por parte do Governo, poderia elle, orador, remetter-se tambem a um prudente e cauteloso silencio, para não assumir a responsabilidade de trazer ao debate uma nota irritante. Não quer lançar essa nota, quer ter toda a prudencia, porque vê bem que no que, se está passando, não se jogam jogos floraes de rhetorica mas jogam-se as vidas, derrama-se sangue.

Não querendo, portanto, entrar no campo das considerações politicas, e reservando-se para mais tarde, em occasião opportuna, pedir contas ao Governo, não pode comtudo, deixar de neste momento, em nome de um supremo interesse publico, relembrar o que o anno passado, por varias vezes, teve occasião de dizer, perante esta Camara, chamando para esse assunto a attenção do Sr. Presidente, de todos os seus collegas, do Governo, e de todos aquelles que se interessam pela marcha das cousas politicas.

Reina uma tranquillidade grande no país.

O país está contente e satisfeito. Está socegado,.

O país está indifferente.

O país está rico. É felicissimo.

Ao país são indifferentes todos os actos da vida publica, todos os nossos debates politicos; e ha superabundancias, onde se vá buscar o bastante, para continuar na vida folgada e despreoccupada, que se tem vivido.

Assim se tem dito sempre, por parte do Governo, e da maioria, com sorrisos de desdem, para os que não vêem as cousas por este prisma de illusorios optimismos.

O anno passado, na discussão de um projecto do Governo, de que agora se não recorda, chamou a attenção da Camara para essa apparente tranquilidade do país, e disse que lhe parecia que era necessario ter cuidado, pois poderia existir, sob ella, um vulcão, que, de um momento para o outro, ameaçasse, terrivelmente, mais alguma cousa do que a vida ephemera dos Governos.

Este anno já repetiu esse seu pensamento, e constantemente tem soltado o seu grito de alarme: — cuidado com o acordar do país!

Eram essas suas palavras uma vaga apprehensão apenas?

Quem ousará dizê-lo, depois dos funebres acontecimentos de Coimbra?

Já este anno, aqui ouviu dizer ao seu illustre amigo e Digno Par o Sr. Antonio de Azevedo que o país estava tranquillo!

É o que todos podem ver agora, em. face do que se está passando.

Em 1892, foi relator das chamadas leis de salvação publica, e antes d'isso tinha relatado tambem o orçamento, visto que o Sr. Carrilho não quisera, ou não pudera, nesse anno, prestar esse serviço ao Governo, e ás Côrtes.

Era o gabinete presidido pelo Sr. João Chrysostomo, tendo por Ministro da Fazenda o Sr. Mariano de Carvalho e por Ministro do Reino o Sr. Lopo Vaz.

Não eram por certo insignificantes esses homens; mas o que é facto é ques sobre a constituição d'esse Governo, se fizeram os mais completos castellos de cartas, que imaginar se pode.

Todos se illudiram, e construiam sobre a areia, desmoronando-se, a breve trecho, todas essas fantasias, sumindo-se esse Governo como que por um alçapão.

A 6 meses de data, nenhum dos Ministros de então viu a bancarrota, que se aproximava, e se patenteou depois, sem que ninguem a suspeitasse, e prevenisse.

Cuidado, pois!

Num discurso, que corre impresso, pronunciado, ha 10 annos, na Camara dos Senhores Deputados, dizia o orador que era preciso fazer penitencia dos erros passados; que se devia começar desde logo uma revolução, mas feita do alto para baixo, com ordem e disciplina, porque, de contrario, podia vir a revolução de baixo para cima em ondas revoltas de anarchia que subvertesse tudo e todos.

Ha 10 annos que isto foi dito, e quando o orador o disse não o pensava lie só. Assim pensava tambem um grupo numeroso de rapazes novos, de intelligencia clara e boa vontade.

Já, nesta Camara, invocou essas suas palavras, que eram a formula, já então, por que se traduzia o estado geral

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dos espiritos, que pensavam, a serio, nas cousas publicas.

Não deseja alongar-se em considerações; para elle os factos que se estão passando em Coimbra são gravissimos, e o seu desejo mais ardente é ver o mais breve possivel acalmados os espiritos, e estabelecida a ordem.

Os factos, que se estão dando na cidade de Coimbra, são um symptoma gravissimo, e é preciso ver bem o que elle significa; não é um grupo de lavandeiras, ou um grupo de vendedores de hortaliça, que nelle se deve ver, apenas; deve ver-se no seu conjunto, em todos os seus elementos; é o proprio governador civil que diz que o povo tem razão, e que está ao lado do povo; é a Associação Commercial, que responde ao Sr. Ministro da Fazenda, pelo modo já conhecido, e que se põe incondicionalmente ao lado d'esse movimento; é o commercio, que não foi forçado, mas que espontaneamente adheriu, sacrificando os seus interesses, porque, nessas manifestações da cólera popular, havia, e ha, alguma cousa de superior, que representa um principio de justiça. Quando nas massas populares domina um principio de justiça é preciso respeitá-lo, e attendê-lo.

É homem de ordem, sempre o foi, ainda mesmo nos annos em que são licitos os ardores e os enthusiasmos juvenis.

Não está no seu caracter, nem no seu proposito, fazer pequenissima politica com os factos gravissimos que succedem em Coimbra, com o sangue que corre nas das d'aquella cidade; mas não pode deixar de dizer que está hoje no mesmo campo em que sempre tem estado, não ha mudança no seu modo de sentir e de pensar. Infelizmente foram os factos que vieram demonstrar e confirmar os seus prognósticos, antes o orador o não quisera, com acontecimentos tão verdadeiramente desgraçados.

Mas é mester que, de todos estes factos, tirem lição os homens publicos e os Governos que teem a responsabilidade dos negocios do Estado. Chama a attenção do Governo, para que senão preoccupe só com o cumprimento do dever de restabelecer a ordem, mas veja os acontecimentos por outro prisma, attenda ao espirito publico, ao que se diz e se fala a cada momento; não se pode nem se deve ir tributar mais o contribuinte, porque é entorpecer a acção dos que trabalham, aumentar a miseria dos que soffrem, não para satisfação dos indispensaveis e inevitaveis encargos, mas por motivo de mesquinho interesse partidario.

Não é o orador que o diz; teve a hombridade de o dizer o Sr. José Luciano de Castro, a hombridade, a altivez, a lisura de quem reconhece um erro, de quem a este respeito promette solemnemente uma emenda.

Foi tambem o illustre relator da commissão de resposta ao Discurso da Coroa, o Sr. Moraes de Carvalho, que teve este anno tambem a franqueza de o proclamar.

Não quer alongar as suas considerações, nem sair do seu proposito; o que pede ao Governo é que, empregando os meios para o restabelecimento da tranquilidade publica, saiba tirar ao mesmo tempo d'estes factos, que são tristissimos, a lição dolorosissima que elles encerram.

O Sr. José Luciano de Castro: — Poucas palavras dirá sobre o assunto que prende a attenção da Camara.

Deante das declarações que fez o Sr. Ministro da Fazenda sobre os acontecimentos de Coimbra, não tem senão a confirmar a sua opinião por vezes manifestada nesta Camara, e é ella que em presença de questões de ordem publica, não quer nem deseja criar difficuldades ao Governo. (Apoiados).

Já tem feito esta declaração em differentes opportunidades, quer quando os novos Ministerios se apresentam ao Parlamento, quer sempre que as circunstancias o obrigam a fazê-la.

Não discute as causas que determinaram os deploraveis acontecimentos que ensanguentam a cidade de Coimbra, nem quer apreciar se as autoridades fiscaes e os delegados do Governo são responsaveis por elles, nem avaliar se a politica e os actos do Governo podem ter tido mais ou menos directa influencia no que se passa, porque a questão de ordem publica para o orador sobreleva a todas, entendendo que o dever do Governo é restabelecer quanto antes e manter depois a ordem publica.

É claro que pode não concordar com as providencias que o Governo haja adoptado, praticando elle mesmo desordens e violencias que possam levantar contra si a opinião geral do país.

As providencias que o Sr. Ministro da Fazenda annunciou á Camara, não sabe se são bastantes para restabelecer a ordem naquella cidade.

Quaesquer, porem, que ellas sejam, neste momento não se julga habilitado para fazer nem a critica dos acontecimentos, nem a dos actos do Governo; simplesmente aguarda os seus actos e as providencias que elle adoptar, para opportunamente fazer a sua critica e porventura censurar asperamente o Governo, se elle exceder os direitos da sua legitima defesa e dos interesses que lhe estão confiados.

Por emquanto nada mais pode dizer, senão que deseja que o Governo empregue toda a sua influencia no restabelecimento da ordem publica alterada na cidade de Coimbra.

É claro que o Governo é o primeiro interessado em manter a ordem, sem levantar novos conflictos, e é tambem evidente que não pode obtemperar nem ceder a quaesquer suggestões de amor proprio ou capricho pessoal, para evitar o proseguimento das desordens.

Pede-lhe, pois, que, na adopção dás providencias e na sua execução, se mantenha rigorosamente dentro dos limites dos seus deveres e responsabilidades.

Reserva-se o direito de ser tão severo e rigoroso na apreciação das providencias, como é reservado e cauteloso na discussão d'este assunto.

Dirá ainda que, se o Governo, no exercicio da sua missão e no desempenho dos deveres que sobre elle pesam nesta occasião, entender que deve pedir ao Parlamento algumas providencias, que julgue necessarias para manter a ordem publica e para dar satisfação ás reclamações populares, pela sua parte e do partido a que pertence nenhuma duvida tem em assentir a essas providencias, se forem razoaveis, justas e prudentes. (Apoiados).

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Quando teve a honra de responder ao Digno Par Dantas Baracho fez appello aos sentimentos da Camara, e já de antemão sabia que numa questão grave S. Exas. aguardariam a occasião opportuna para apreciar as responsabilidades do Governo pelos actos que elle tenha praticado ou que haja de praticar, a fim de manter a ordem publica.

Só tem a felicitar-se pela maneira honrosa e honrada, por .que os Dignos Pares que acabaram de falar corresponderam á justiça do seu appello.

Só tem a agradecer aos Dignos Pares Dantas Baracho, Jacinto Candido e José Luciano de Castro a maneira por que S. Exas. procedem nesta conjuntura, que não pode deixar de ser considerada grave.

Conhece muito bem o espirito illustrado e superior dos Dignos Pares os Srs. Dantas Baracho e Jacinto Candido, e conhece tambem muito bem, e admira, as elevadas qualidades que, quer como homem de Governo, quer como chefe do seu partido, exornam o Sr. José Luciano de Castro, para ter a certeza de que, numa conjuntura grave, S. Exas. não deixariam de ter nesta casa do Parlamento um procedimento diverso d'aquelle que adoptaram.

O Digno Par o Sr. José Luciano de Castro, como os Dignos Pares os Srs. Dantas Baracho e Jacinto Candido, reservam-se para, quando as circunstancias o permittirem, avaliar o procedimento do Governo e tomar-lhe estrictas contas, quer das suas responsabilidades no caso dos acontecimentos de Coim-

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SESSÃO N.° 25 DE 14 DE MARÇO DE 1903 231

bra, quer nas medidas que adoptar para manter a ordem publica.

Deve informar os Dignos Pares de que, no proposito do Governo, não está um egoismo que evidentemente seria condemnavel.

O Governo está no proposito de fazer com que volte a tranquillidade á cidade de Coimbra, mas sem que isso represente o que o orador entende que seria quebra da dignidade do poder executivo.

Como membro do Governo entende que é indecoroso transigir com a desordem nas ruas, transigir com propositos arruaceiros, com actos de violencia e que por isso deve elle, orador, manter-se na situação em que se collocou quando respondeu á assembleia dos commerciantes de Coimbra, isto é, quando lhes disse que, mantida a tranquillidade e a ordem publica, o Governo attenderia com justiça o pedido feito pelo commercio de Coimbra.

Declara ainda com a franqueza com que costuma falar, que em grande parte o pedido do commercio de Coimbra pode ser attendido, como acto de justiça. Depois de cumprir o dever de agradecer os propositos dos Dignos Pares, desejava ainda fazer uma rectificação ás affirmações de varios jornaes, perfilhadas por alguns Dignos Pares, quando puseram em duvida a competencia do Sr. Governador Civil de Coimbra.

É, pois, por dever de consciencia, que vem affirmar á Camara que o Sr. Governador Civil de Coimbra tem desenvolvido muita intelligencia, muita actividade, muita dedicação pela causa publica e muita energia para manter a ordem naquella cidade; mas a despeito de todas estas qualidades, as circunstancias fazem com que a ordem publica não se restabeleça tão depressa como seria para desejar.

Não pode ainda deixar- passar sem reparo o que se lhe attribue.

Tendo sido S. Exa. procurado por uma commissão, que lhe pedia que instasse para que fosse modificado o imposto de licença, ter-lhe-hia respondido que o pedido era muito justo, e que elle, governador civil, estava no proposito de se demittir se não fosse attendido.

Se este facto fosse verdadeiro, não ficava bem a quem o praticava, nem ficava bem ao Governo. A affirmação era incorrecta, o acto incorrecto ers.

Elle, orador, assevera á Camara, pela maneira mais categorica, que tudo que nesse ponto se attribue ao sr. Governador Civil de Coimbra, é inteira e absolutamente inexacto.

Terminando as suas considerações, deseja ainda informar os Dignos Pares de que, desde o principio da sessão, tem continuando a receber telegrammas de Coimbra, e nenhum d'elles refere novas desordens, em que houvesse effusão de sangue, mortes, ou ferimentos.

O Sr. Francisco de Castro Matoso: — Não quer prolongar este debate, mas dada a sua posição especial de antigo representante do circulo de Coimbra, e as suas relações pessoaes com grande numero de cavalheiros d'aquella cidade, é levado a fazer algumas considerações.

Conhece bem os interesses d'aquella localidade; pode asseverar ao Governo que se se teem dado os conflictos que, infelizmente, estamos vendo, é porque ha razões graves e ponderosas para isso.

Attente o Governo a que aquella cidade é respeitadora da autoridade.

Exerceu elle, orador, ali o cargo de juiz durante 6 annos, sendo tratado sempre com o maior respeito, e sendo sempre acatadas as decisões do poder judicial.

Ficou verdadeiramente surprehendido com os acontecimentos que ali se estão desenvolvendo.

Ha muito tempo que, por informações, e pelo conhecimento proprio que tem das pessoas e das cousas d'aquella cidade, sabia que, na administração publica, em todos os seus ramos, se repetiam as maiores irregularidades.

A este respeito nem mais ama palavra dirá, reservando-se para, na occasião opportuna, quando se conhecerem bem os resultados e causas dos conflictos, averiguar reflectidamente, como é proprio d'esta Camara, o procedimento das autoridades e delegados do Governo.

Fará uma pequena rectificação á palavras proferidas pelo Sr. Ministro da Fazenda, quando disse, que lhe constava, vagamente, que alguem disfarçado em fiscal do sêllo é quem tinha ido intimar ás lavandeiras a que pagassem as multas em que tinham incorrido.

Deve dizer a S. Exa. que, por informação que tem, sabe que foram os fiscaes do sêllo, bem conhecidos de toda a gente de Coimbra, quem, com ordem, ou sem ordem dos seus superiores, fez essa intimação.

Pode garantir a S. Exa. que a informação que lhe dá é absolutamente verdadeira, dada por pessoa de todo o credito.

Pode, tambem, o Sr. Ministro da Fazenda r estar certo de que os fiscaes do sêllo fizeram em Coimbra o que teem feito e fazem em toda a parte. Para este ramo de serviço chama a especial attenção do Sr. Ministro.

Aguarda os actos do Governo com a maior impassibilidade e, a seu tempo, repete, fará a critica das providencias que o Governo adoptar, fazendo os votos mais sinceros para que H ordem se restabeleça o mais prontamente possivel, no interesse do pais e d’aquella cidade, que preza como se fosse a sua propria terra.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Ouviu com toda a attenção as palavras proferidas pelo Digno Par Sr. Francisco Matoso, em referencia aos habitantes da cidade de Coimbra.

Tem a certeza de que, quando falou, não disse uma unica palavra que desacatasse ou offendesse quem quer que fosse da cidade de Coimbra, porque elle, orador, é o primeiro a reconhecer que, naquella cidade, ha gente muito trabalhadora, honesta, honrada.

Não teria pedido a palavra, se o Digno Par não pretendesse fazer uma rectificação ás suas palavras, que, em verdade a não precisavam.

Quando referiu o facto, não affirmou o que o Digno Par suppôs; dizia elle, orador, em resposta ao Digno Par Sr. Dantas Baracho, que havia utilidade em nos collocarmos em reserva acêrca de noticias vindas de Coimbra, pois que, entre outras, tambem tinha recebido a informação de que os autos levantados ás lavandeiras o tinham sido, não por fiscaes do imposto, mas por fiscaes simulados, acrescentando que não respondia pela verdade d'esta affirmação.

O que porem pode informar o Digno Par, com toda a segurança, é que na repartição dos impostos não existe um unico auto levantado por fiscaes dos impostos. Pode ser que os fiscaes dos impostos tenham levantado algum auto, mas guardando-o na algibeira e inutilizando-o.

Vae mandar proceder a uma severa syndicancia aos actos praticados pela fiscalização dos impostos e se, porventura, por parte d'aquelles empregados houver algum abuso ou alguma illegalidade, ha de ser rigorosamente punido.

Pede-lhe o Digno Par que elle ora1 dor dedique toda a sua attenção para o corpo de fiscalização dos impostos; pode o Digno Par estar certo que se empenhará em tornar a fiscalização dos impostos tão vantajosa quanto possivel.

O Sr. Mendonça Côrtez: — Começa por agradecer ao Sr. Presidente o dar-lhe a palavra nesta altura, o que é um favor.

Não tinha pedido a palavra sobre este assunto porque lhe pareceu pouco opportuna; não obstante e incidentemente dirá ao Sr. Ministro da Fazenda que S. Exa. provavelmente em breve ia de reconhecer que as suas informações são muito incompletas e deficientes.

O motivo por que pediu a palavra foi para dirigir uma pergunta ao Sr. Pré-

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232 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

sidente, outra ao Sr. Ministro da Marinha se assim for necessario, e outra ao Sr. Ministro da Fazenda.

Começa por perguntar ao Sr. Presidente se o pode informar, se sobre a mesa estão os documentos que varias vezes tem pedido pelo Ministerio da Marinha, relativamente ás obras do couraçado Vasco da Gama.

O Sr. Presidente: — Ainda não estão.

O Orador: — Dirige-se então ao Sr. Ministro da Marinha, perguntando-lhe se S. Exa. tem duvida em satisfazer ao requerimento que tem feito varias vezes, para que a esta Camara sejam enviados os documentos, pareceres e opiniões technicas que haja porventura no seu Ministerio, autorizando o seu antecessor a mandar proceder ás obras do Vasco da Gama.

O processo em si é grande, mas não a parte de que elle, orador, precisa; em todo o caso, S. Exa. tem alguma duvida em mandar para a Camara esses documentos?

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão): — Não tem duvida.

O Orador: — Ao Sr. Ministro da Fazenda pergunta se S. Exa. acceita dos relatorios do seu antecessor a parte documental, os mappas, etc.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa):— A sua resposta á pergunta do Digno Par o Sr. Mendonça Cortez é muito simples.

Acceita os calculos referentes ao passado, como não pode deixar de acceitar. Com respeito ao futuro, compete á Camara, na revisão do Orçamento, corrigir como entender.

O Sr. Mendonça Cortez: — Perguntou claramente ao Sr. Ministro da Fazenda se S. Exa. acceitava dos relatorios do seu antecessor, que são os de 1901, 1902 e 1903, a parte documental, mappas, etc.

O Sr. Ministro da Fazenda: Acceito.

0 Sr. Sebastião Baracho: — Pediu a palavra a fim de renovar o pedido feito, que consta dos Annaes Parlamentares n.° 4, relativamente ao real de agua dos tres ultimos trimestres de 1902. O Sr. Ministro da Fazenda nada disse a tal respeito. Espera que lhe sejam enviados quanto antes os documentos pedidos.

Quando o Sr. Presidente do Conselho estiver presente, tenciona perguntar-lhe em que estado se encontra o processo da nomeação dos dois professores para o Curso Superior de Letras.

Tambem nessa occasião requererá á Camara que consinta que seja publicado no Diario do Governo o relatorio do Sr. Dr. José Maria Rodrigues, que foi reitor do Lyceu de Lisboa.

O Sr. Ministro da Fazenda (Teixeira de Sousa): — Transmittirá ao Sr. Presidente do Conselho os desejos do Digno Par.

Com relação aos documentos a que S. Exa. se refere, tem a dizer que não sabia que o Digno Par os tinha pedido e, portanto, não pode dizer em que altura estarão as copias; mas dará ordem para que sejam enviadas a S. Exa. o mais rapidamente possivel.

O Sr. Presidente : — São quasi cinco horas. Vae encerrar a sessão. A proximo será na terça feira e a ordem do dia é a mesma que estava dada para hoje, isto é, o parecer n.° 24, que reorganiza a Academia e Museu Portuense de Bellas Artes, e mais a interpellação dos Dignos Pares Eduardo Coelho e Sebastião Telles, referente ao contrato para o caminho de ferro de Benguella.

Está levantada a sessão.

Eram 4 horas e 50 minutos da tarde.

Os Redactores

F. ALVES PEREIRA.
LuiS CRESPO.

Dignos Pares presentes na sessão de 14 de março de 1903

Exmos Srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marqueses: de Fontes Pereira de Mello, de Gouveia, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: de Arnoso, de Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Magalhães, de Monsaraz, da Ribeira Grande; Visconde de Athouguia, Antonio de Azevedo, Pereira Carrilho, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Carlos Eugênio de Almeida, Sequeira Pinto Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Fernando Larcher, Francisco de Castro Matoso, Ferreira do Amaral, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Gusmão, Avellar Machado, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano de Castro, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena,' Rebello da Silva, Bandeira Coelho, D. Luiz de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Ferrão, Pedro Victor, Polycarpo Anjos, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho.

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