O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 277

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 26

EM 29 DE FEVEREIRO DE 1904

Presidencia do Exmo. Sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sebastião Baracho pede que lhe seja enviada a copia de um officio que foi lido na mesa. Em seguida occupa-se da permanencia do engenheiro francez Mr. Croneau na direcção superior do Arsenal de Marinha, e por ultimo refere-se a arbitrariedades praticadas pelo Administrador de Sobral do Monte Agraco. - Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Moraes de Carvalho requere que as sessões d'aqui em deante terminem ás seis horas. - Approvado. - O (Digno Par Jacinto Candido manda para mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro da Marinha e este membro do Governo declara-se desde já habilitado a responder a ella.

provincia. - Conclue o seu discurso começado na sessão antecedente o Digno Par Sebastião Telles. - Segue no uso da palavra o Digno Par Jacinto Candido. - O Digno Par Santos Viegas requer que a sessão seja prorogada até terminar a interpellação. - Este requerimento é approvado. - Responde aos dois oradores o Sr. Ministro da Marinha. - Depois de algumas considerações apresentadas pelo Digno Par Eduardo José Coelho, encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu a toda a sessão o Sr. Ministro da Marinha e a parte d'ella o Sr. Presidente do Conselho.

Ás duas horas e quarenta e cinco minutos da tarde, verificando se a presença de 21 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do lar. Presidente do Conselho e Ministro do Reino communicando que não existem n'aquella secretaria os documentos a que se refere o officio d'esta Camara n.° 121, e por isso foram requisitados da estação competente em 10 do corrente mez as respectivas copias que serão remettidas logo que se achem concluidas.

Officio da Exma. Sra. D. Anna de Albuquerque da Camara Leme agradecendo a esta Camara o voto de sentimento pela morte de seu esposo o Digno Par D. Luiz da Camara Leme.

Para o archivo.

Officio da Exma. Sra. D. Barbara Franchi de Abreu e Sousa, agradecendo a esta Camara o voto de sentimento pela morte de seu marido o Digno Par Julio Carlos de Abreu e Sousa.

Para o archivo.

Officio do Sr. Ministro do Reino, remettendo 180 exemplares do fasciculo n.° 12 do Boletim Commercial.

Mandaram-se distribuir.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pede ao Sr. Presidente que lhe diga a que documentos se refere o officio que foi lido na mesa.

São documentos do Ministerio do Reino respeitantes ao recenseamento eleitoral de Lisboa? Se o officio trata de documentos respeitantes ao recenseamento eleitoral de Lisboa pede ao Sr. Presidente o favor de lhe mandar copia d'esse officio.

O Sr. Presidente: - A copia do officio será enviada ao Digno Par.

O Orador: - Sente não ver na sala o Sr. Jacinto Candido porque, tendo este Digno Par, na sessão anterior, tratado de assumpto a que elle, orador, alludiu nas duas ultimas sessões, e dê-lo referir-se-lhe mais uma vez, ser-lhe-hia agradavel que S. Exa. estivesse presente, se bem que o Digno Par Sr. Jacinto Candido foi o primeiro a reconhecer que elle se expressara com a correcção- que se preza de seguir, quando se refere a membros d'esta casa, presentes ou ausentes.

Registado, pois, o justo reconhecimento pela forma correcta por que alludiu ao Sr. Jacinto Candido quando S. Exa. não estava presente, vae, amoldando se aos mesmos preceitos, tratar do assumpto de que S. Exa. se occupou, sob o aspecto geral e feição que lhe imprimiu.

Vae dizer á Camara, tão succintamente quanto lhe seja possivel, o seu parecer e a sua opinião relativamente ao uso e abuso dos estrangeiros.

Em principio é contrario ao estrangeirismo e, por o ser, é que se insurge contra o facto de, em vez de se prepararem padres em Portugal para as missões, se irem buscar ao estrangeiro, entregando-se-lhes assim serviços e responsabilidades, que só assentariam bem no padre portuguez que, naturalmente, ama o dominio, a auctoridade e o bom nome das nossas colonias.

É tambem contra o estrangeirismo, quando elle se affirma pela fórma des-

Página 278

278 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

graçada em que se encontra o porto de Lisboa. Não se alongará acêrca d'este ponto, porque sobre elle tem uma interpellação annunciada; dirá tão somente que, depois de se gastarem sommas importantes, milhares de contos, para se ter o nosso porto em condições acceitaveis, o vemos n'um estado vergonhoso.

E fundamentalmente contra o estrangeirismo, e ainda contra o estrangeirismo affirmado pelo Ministerio da Marinha, mantendo no Arsenal um professor estrangeiro, que só poderia conservar-se se tratasse de habilitar portuguezes á sua successão technica.

Como n'aquelle momento vê entrar na sala o Digno Par Jacinto Candido recapitula quanto disse.

Começou as suas considerações por se conformar com as affirmações do Digno Par, ao reconhecer que elle, orador, procedera correctamente dirigindo-se a S. Exa. quando ausente.

O Sr. Jacinto Candido: - Apoiado.

O Orador: - Era incapaz - sabe-o S. Exa. muito bem - de usar de outros processos. Dirigindo-se ao Digno Par, ou dirigindo se a qualquer membro da Camara, a todos, presentes ou ausentes, a sua orientação é amoldar os seus actos e as suas palavras pelas regras da boa cortezia e dos sãos principios da boa educação.

Disse, e repete, que é contra o estrangeirismo manifestado em não se habilitarem missões religiosas portuguezas para irem advogar o nosso dominio e a nossa acção nacional nas colonias. É contra o estrangeirismo affirmado pelo porto de Lisboa, que chegou ao estado que todos conhecem, e parece-lhe que o erro praticado ainda se aggrava mais com o projecto da formação de uma companhia para explorar o mesmo porto, projecto que já tem combatido e ha de continuar a combater até r que desappareça semelhante ideia. É ainda contra o estrangeirismo, quando se occupa do Arsenal da Marinha e vê que elle tem sido dirigido por um technico estrangeiro que não tem feito escola, e, portanto não póde cumprir integralmente a missão que lhe foi incumbida, principalmente n'um paiz que necessita de ter marinha.

N'este ponto está de accordo com o Digno Par, Sr. Jacinto Candido. S. Exa. fez muito bem em defender os seus actos, mas já não se trata de actos...

O Sr. Jacinto Candido: - Trata-se de justiça.

O Orador: - Exactamente, de justiça.

S Exa. ha de permittir-lhe que com o seu fraco engenho fundamente as proposições que avança.

Que é que disse?

Em primeiro logar reclama contra o argumento do Digno Par de que investira contra o engenheiro Croneau.

Não investia nem investe contra pessoa alguma. O que fez foi pedir contas ao Governo com respeito a um funccionario cuja missão no Arsenal da Marinha devia estar concluida ha muito, depois da experiencia feita. E não venha allegar-se o exemplo do que se passa no estrangeiro.

Se o Japão teve um engenheiro francez á testa dos seus arsenaes, mandou tambem que nacionaes estudassem e se aperfeiçoassem nos estaleiros de outros paizes, e logo que aquelle engenheiro satisfez o fim para que fora chamado, dispensou-lhe os seus serviços.

Não se oppõe a que se estudem no estrangeiro os melhores methodos, agora ao que não pode associar é a reconhecer uma necessidade que não satisfaz em ponto algum. O principio fundamental é que nós nos devemos habilitar para essas construcções e não recorrer ao estrangeirismo.

O Sr. Jacinto Candido: - Com esses principios está de perfeito accordo.

Mas quaes são os meios para os realizar?

Nomeou um engenheiro francez e mandou officiaes, mestres, machinistas, estudar no estrangeiro.

Pois foi censurado por ter assim procedido, quando geria a pasta da, marinha.

O Orador: - E o orador dirá que foi uma medida com a qual se conforma.

O que é preciso assentar, e isto fundamentalmente, é que não se insurge contra o estrangeirismo do que convenha adoptar-se no paiz; o seu desejo é que os nacionaes de cá se habilitem devidamente de modo a poderem exercer .esses cargos (Apoiados), e quando o Digno Par o interrompe dizendo que mandou officiaes, mestres, machinistas, estudar no estrangeiro, accrescentará que S. Exa. prestou um bom serviço. Quando o Digno Par diz que mandou vir de fora um engenheiro para o Arsenal, a fim de dirigir os trabalhos technicos, tambem o não condemna; mas depois de quatro ou cinco annos de experiencia, pergunta: quem ê que está habilitado para a successão? Ha porventura alguem nos casos de poder sahir da rotina que encontroa aqui o engenheiro dirigente? Não lhe consta, porque, segundo as informações que tem, e que deseja sejam contestadas com documentos, o Arsenal não é escola, não satisfaz ás necessidades da nossa marinha de guerra.

Disse o Digno Par Sr. Jacinto Candido que fora o proprio engenheiro quem propuzera o alargamento do Arsenal e a sua mudança até para o outro lado do Tejo.

Está de accordo com isso, mas dada a sua orientação, o que elle, orador, faria com os recursos que temos para poder supprir as necessidades do paiz como nação colonial era restringir quanto possivel todos os serviços do nosso Arsenal recorrendo aos arsenaes estrangeiros e especialmente á Inglaterra, com quem estamos em tão boas relações, e fazendo no nosso Arsenal apenas os serviços de reparos emquanto não tivéssemos um á altura de merecer esse nome, segundo as exigencias modernas e com pessoal portuguez habilitado.

Mandaria estudar no estrangeiro o pessoal technico e faria que elle acompanhasse as construcções que o Governo encommendasse lá fora, evitando assim as construcções no nosso Arsenal, cuja condemnação technica nunca fez nem faz.

Parece que seria esta a norma a seguir emquanto não temos arsenal á altura do que deve ser.

Repete: deviamos restringir as nossas construcções, recorrer ao estrangeiro e designadamente á Inglaterra, preparando devidamente o futuro com officiaes, engenheiros, machinistas e toda a mestrança que tem de intervir n'uma construcção seria.

Deviamos fazer como o Japão, assim o entende, e por isso pede que se não prorogue o contrato com o engenheiro estrangeiro que está no Arsenal, e que não tem podido melhorar o serviço, dando-lhe a orientação que deve ter.

Ainda ha bem pouco tempo foi necessario fazer-se uma reparação de certa importancia no couraçado Vasco da Gama. Foi aqui feita? Não foi. Porque?

O Sr. Jacinto Candido: - Porque?

O Orador: - Porque? Não sabe. O que sabe é que se teve de recorrer para isso a um arsenal estrangeiro.

O Digno Par tratou muito bem o assumpto sob o ponto de vista technico. estudou-o e fez á Camara uma lucidissima exposição.

Ainda bem; mas não disse que o engenheiro Croneau tenha feito escola e preparado a sua successão.

O Sr. Jacinto Candido: - Perdoe-lhe o Digno Par Sr. Baracho uma interrupção...

Conhece, reconhece e presta inteira justiça ás boas intenções de S. Exa., procura sempre prestar serviços ao seu paiz e insiste em exigir uma adminis-

Página 279

SESSÃO N.° 26 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1904 279

tração escrupulosa dos negocios publicos.

Pois bem: pede a S. Exa. que faça o que nos Parlamentos francez, inglez e outros, fazem os membros d'essas casas que desejam occupar-se, com perfeito conhecimento de causa, de certos assumptos: convida S. Exa. a visitar o Arsenal de Marinha, a ver com os seus proprios olhos, e anão condemnar, por informações pouco escrupulosas - e para os motivos dos quaes talvez seja forçado a chamar a attenção do Sr. Ministro da Marinha.

Venha S. Exa. ver o que se fez no arsenal, a transformação ali operada, o que elle era e o que elle é.

Sabem o que &e tem dito da canhoneira Patria. Pois bem, esteve com o Sr. Contra-almirante Augusto de Castilho, e este illustre official, cujos galões e cujas condecorações teem sido ganhos com a maior honra, disse-lhe que a canhoneira Patria é um navio modelar.

O Digno Par tem um nome respeitado, e por isso mesmo é grande a sua responsabilidade em se deixar influenciar por informações que não são verdadeiras.

Pede desculpa de ter interrompido S. Exa., mas entendeu que devia dizer isto.

O Orador: - Agradece as referencias amaveis que não merece, e acceita de boa lei a auctoridade do Sr. Contra-almirante Castilho, a quem está habituado a respeitar ha longos annos, e com cuja amizade se honra, mas o que é certo é que o Digno Par Sr. Jacinto Candido, na parte fundamental, que tem levado o orador a pedir providencias n'esta casa, nada disse, nenhuma indicação fez. Isto é, S. Exa. não disse se da vinda, do exercicio, da acção do engenheiro francez tem resultado escolas, se ha entidades verdadeiramente preparadas para a successão. Este é o seu ponto fundamentei.

Com respeito aos trabalhos technicos d'este engenheiro nada diz. Consta-lhe que é um engenheiro laureado, mas de engenheiro laureado a fazer serviço de utilidade para o nosso paiz, qual é o da successão, vae uma grande differença.

Isto, porém, não o impede de acceitar o convite amavel que o Digno Par lhe fez, e se S. Exa. for acompanhado de pessoas technicas tanto melhor.

Ha um ponto em que S. Exa. lhe faz inteira justiça, é que n'esta questão como nas outras, a sua boa vontade e os seus desejos são de ser util ao paiz, tanto quanto lhe permitte a escassez de seus recursos.

Portanto, afirmando mais uma vez que, sob o ponto de vista que reputa capital, S. Exa. não deu explicação alguma, não quer deixar de acceitar o convite do Digno Par, que lhe merece o mais elevado conceito de homem serio, digno e intelligente, tanto mais que S. Exa., que passou já pelos bancos do Governo, tem mais dados para poder fazer estas asserções.

Acceitando o convite, como de boa camaradagem e boa amizade, deixa, porém, bem patente o ponto fundamental, para que chamou a attenção de S. Exa. e que ficou de pé.

Depois de fazer o estudo local, depois de uma visita minuciosa áquelle estabelecimento, acompanhado por um cicerone tão illustre, a fim de examinar os trabalhos ali realizados, referir-se-ha novamente ao assumpto; agora apenas dirá não se ter occupado da questão technica, que S. Exa. tratou com toda a proficiencia, defendendo muito bem o seu nomeado. Houve, porem, um ponto com que não póde concordar como doutrina geral. S. Exa., referindo-se a que fora má a calaietagem do D. Amélia, disse que a responsabilidade não era do engenheiro, mas sim do mestre. Contra isto se insurge; esta responsabilidade não póde ser exigida aos mestres, nem aos officiaes; deve unicamente ser exigida a quem dirige.

Quando o orador commandava um regimento de cavallaria, se o trouxesse para a rua com os cavallos desferrados ninguem iria exigir a responsabilidade ao ferrador, mas sim a elle, ao commandante. Quando ha um chefe é a este que se tomam as responsabilidades e não aos subordinados, porque elle tem obrigação de ver e de vigiar tudo.

O Sr. Presidente: - Previne o Digno Par de que é a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: - Em poucas palavras chama ainda a attenção do Sr. Presidente do Conselho para o seguinte facto que consta de um telegramma que lhe foi dirigido de Sobral do Monte Agraço:

o Sobral, 22. - General Dantas Baracho. camara dos Pares. - Prior de S. Quintino, concelho de Sobral Monte Agraço pede V. Exa. faça ouvir sua voz no Parlamento a favor do povo d'esta freguezia contra arbitrariedades administrador concelho que prende todos aquelles que não lhe dizem eu tentava contra sua existencia. = Padre Teixeira".

De ha muito tempo se levantam accusações contra o administrador de Sobral do Mont'Agraço.

Um jornal muito serio, O Mundo, nos seus numeros de 24 e 25 do corrente, indica quaes as arbitrariedades

e prepotencias praticadas por esse funccionario, de que tem resultado o desprestigio da auctoridade n'aquelle concelho.

Chama, pois, a attenção do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino para este assumpto, e pede-lhe que se digne informar a Camara se os factos indicados se deram e se teem fundamento o que refere a esse respeito o jornal que citou, e que lhe merece todo o conceito.

No caso affirmativo pede a S. Exa. que proceda contra o accusado em conformidade com a justiça e com a dignidade que devem manter os delegados da auctoridade publica.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Muito poucas palavras tambem.

O Administrador do concelho de Sobral do Monte Agraço não exerce essas funcções agora pela primeira vez; já as tem exercido, sem que tivesse havido queixas nem reclamações contra elle. Todavia, não é só o Digno Par que lhe chama a attenção para o assumpto a que se referiu; teve informações particulares dizendo-lhe que effectivamente no concelho de Sobral de Monte Agraço houvera reclamações contra o procedimento do respectivo administrador.

Tendo encarregado o Sr. Governador Civil de Lisboa de colher informações sobre o que se passara, obteve copia de um auto de investigação relativo ao parocho de S. Quintino. Esse auto está já entregue ao poder judicial, que dará razão a quem a tiver. Trata-se tambem de um auto de noticia relativo a uma mulher que tinha sido chamada a prestar juramento e se tinha havido em termos pouco respeitosos.

A este respeito soube que se realizara uma reunião de individuos com o fim de intimar o administrador a apresentar a sua demissão no prazo de oito dias, e, mesmo, a pedir licença e ausentar-se durante esse tempo.

Como disse, o caso está entregue ao poder judicial que exigirá a responsabilidade, se a houver, a quem pertencer.

Em presença d'estas circumstancias, deu instrucções ao Sr. Governador Civil para que mandasse vir a Lisboa áquelle administrador, a fim de dar informações sobre os factos que lhe são attribuidos.

Tambem lhe consta que ao mesmo tempo veio uma commissão expor as suas queixas contra aquella auctoridade administrativa.

O Sr. Governador Civil de Lisboa convidou o Sr. Administrador do Sobral e os que tivessem queixas a formular contra elle, a dizerem da sua justiça, para se poder habilitar a tomar

Página 280

280 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a resolução mais adequada aos interesses do concelho e da auctoridade administrativa, porque, se por um lado não póde ser de vantagem para ninguem que á frente de um concelho se conserve uma auctoridade que levanta contra si clamores, tambem não é admissivel que n'uma reunião qualquer se intime uma auctoridade administrativa a demittir-se em determinado prazo.

Mandou proceder a indagações indispensaveis, e, desde que em virtude dalias tenha juizo formado, providenciará como for do interesse para aquelle concelho e conforme for consentaneo com a auctoridade e decoro que é necessario manter por parte dos representantes dos poderes publicos. Sobre esse facto e sobre a resolução que tomar, quando a tomar, não terá duvida de dar ao Digno Par todas as explicações que S. Exa. desejar.

O Sr. Moraes Carvalho: - Devendo iniciar-se brevemente a discussão das propostas de Fazenda que reclamam, por certo, demorada apreciação da Camara, manda para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que as futuras sessões da Camara comecem ás 2 e meia horas e terminem ás 6 horas, sendo a primeira meia hora para antes da ordem do dia. = Moraes Carvalho".

É approvado o requerimento do Sr. Moraes Carvalho.

O Sr. Jacinto Candido: - Manda para a mesa a seguinte nota de interpellação:

Desejo interpellar o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar sobre a administração das provincias ultramarinas, designadamente Angola e Moçambique, sob um ponto de vista geral, de accordo com as instrucções dadas aos commissarios regios respectivos, publicadas nos Animes d'esta Camara, de 1903, n.º 52. = Jacinto Candido.

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão): - Declara que está prompto a responder á interpellação que acaba de ser annunciada pelo Digno Par Sr. Jacinto Candido, logo que o Sr. Presidente queira marcal-a para ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão da interpellação dos Dignos Pares Eduardo José Coelho e Sebastião Baracho sobre a prorogação do prazo para a construcção do caminho de ferro do Lobito, causa da desnacionalisação da provincia de Angola, e acção dos frades do Espirito Santo na mesma provincia.

O Sr. Sebastião Telles:-Vae ser breve e terminar as considerações que deixou suspensas na sessão passada e que são as seguintes:

Quando deu a hora, estava dizendo que sem paixão partidaria, sem espirito politico de especie alguma, em sua consciencia, não podia deixar de classificar de inteiramente infeliz; o plano de administração colonial que esta situação politica tinha seguida no que diz respeito ao caminho de ferro de Benguella.

Para isso não é preciso fazer considerações de especie alguma, basta-lhe citar factos, e a verdade resaltará d'elles com toda a clareza. Basta recordar que, quando esta situação subiu ao poder, estava resolvida de todo a questão do caminho de ferro de Benguella; tinha sido votada em Côrtes uma lei que auctorizava o Governo a construil-o por sua conta, dando-lhe para isso recursos com que fazer face ás despesas. Era um problema que tinha todos os elementos para o seu desenvolvimento regular, e dado este desenvolvimento, hoje, ao fim de quatro annos, devia já haver um bom numero de kilometros do tão fallado caminho de ferro de Benguella, que tão necessario se julga para a prosperidade de Angola para, a final o Governo, querendo tratar ainda com mais actividade da sua construcção, começar por destruir o imposto do alcool que era um dos principaes recursos para esse fim, e depois não cumprir a lei que mandava fazer a construcção por conta do Estado e fazer a concessão Williams. Passar-se um anno sobre isso, o prazo da concessão está quasi terminado no que respeita á iniciação dos trabalhos, e a verdade é que ao fim de quatro annos, quando podiamos ter muitos kilometros de linha ferrea construidos não temos nada!

N'esse caminho de ferro de Benguella, cuja necessidade é tão apregoada perderam-se quatro annos, e oxalá fossem só quatro annos. Esses estão perdidos sem remedio, mas o que poderia talvez remediar-se é aquillo que se perdera ainda no fim.

Recapitula o que disse na sessão anterior quanto ao Caminho de ferro de Catumbella, á destruição da ponte e a ter o Governo dado ao concessionario Williams aquella linha ferrea.

Mas não é isto o peor. O peor é a origem das complicações que o contrato Williams vae produzir, complicações que augmentam em virtude da prorogação que lhe foi dada.

Achou sempre muitos inconvenientes n'esta concessão, não porque imagine grande prejuizo para o paiz construir caminhos de ferro nas nossas colonias, mesmo que esses caminhos de ferro, em parte, pertencessem a estrangeiros; mas porque todo o cuidado é pouco quando um paiz pequeno como o nosso negocia interesses com um estrangeiro de nação poderosa.

O caminho de ferro de Lourenço Marques devia servir de lição para todas as concessões da mesma especie, que se façam nas nossas colonias.

Foi uma lição dura para o paiz, lição que não devia ser esquecida por qualquer Governo que tratasse de fazer concessões de caminhos de ferro.

É desnecessario recordar o que se passou, como desnecessario é dizer que, para aproveitar esse lição, se deviam evitar os perigos que produziu o caminho de ferro de Lourenço Marques e que não foram evitados.

No contrato actual do caminho de ferro do Lobito existem dois artigos que são precisamente a copia de outros dois que havia na concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques: o artigo n.° 47, que regula as causas da rescisão, quando o concessionario faltar aos periodos da construcção e o 50.° para quando o concessionario não satisfizer ás condições da exploração.

Estes artigos produzem os mesmos inconvenientes que houve na concessão do caminho de ferro de Lourenço Marques, e esses inconvenientes é que se deviam evitar. Nem se comprehende que qualquer Ministro que se negociasse uma concessão se esquecesse d'elles.

Ha outro artigo, o n.° 59.°, que estabelece que o concessionario perde os foros de cidadão estrangeiro, fica como cidadão portuguez e não pode fazer reclamação a não ser directamente ao nosso Governo. Ora não foi o proprio concessionario quem fez as reclamações quanto ao caminho de ferro de ferro de Lourenço Marques, porque quando a questão se resolveu nem já o concessionario era vivo. Os Governos inglez e americano é que reclamaram em virtude dos interesses dos seus nacionaes. Bastou que houvesse interesses de qualquer ordem e capitães estrangeiros para os Governos se julgarem auctorisados a reclamarem e deram-lhe razão, como se vê das decisões do tribunal de Berne.

Este artigo devia, pois, ser redigido de outra fórma, em termos que dissessem que, a respeito do caminho de ferro Williams, não podiam ser admittidas reclamações se não feitas pelo proprio interessado directamente ao Governo. (Apoiados).

Esta é a sua ideia; a fórma seria a que se julgasse mais conveniente.

O que se tinha obrigação de fazer era evitar que n'este caminho de ferro se fossem estabelecer exactamente as mesmas portas que havia no de Lourenço Marques, por onde se pudessem introduzir as reclamações estrangeiras, e nunca esquecer que é preciso muito cuidado quando um paiz, nas circums-

Página 281

SESSÃO N.° 26 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1904 281

tancias do nosso, negocia com estrangeiros, principalmente de nações poderosas.

É este o perigo do caminho de ferro de Benguella, e a prova que mo eram erradas estas previsões, é que hoje vamos passando pelas mesmas phases por que passámos com o caminho de ferro de Lourenço Marques.

Tambem com esse houve prorogações, tambem o concessionario veio dizer que não podia concluir os estudos por falta de tempo, e ainda porque não estava delimitada a fronteira do Transvaal Agora os argumentos são os mesmos: vêem da mesma maneira, e começando no caminho das prorogações aonde iremos?

Disse o Sr. Ministro da Marinha que não fazia mais prorogações, o que approva; mas, sendo estas prorogações consideradas em virtude de caso de força maior ou de qualquer outro favor, o concessionario, com este precedente, vem para o anno, se quizer, pedir outra. E que razões se podem allegar para não lh'a conceder? Então, como hoje, ha os mesmos motivos.

Que razões póde haver este anno que não possa haver d'aqui a mais um ou dois?

Nos documentos publicados fala o concessionario em notas confidenciaes que dirigiu ao Sr. Ministro da Marinha, e o Sr. Ministro da Marinha promptificou-se logo a apresentar essa nota.

Pela correspondencia se vê que não havia motivo para confidencia. (Apoiado do Sr. Baracho). Se essas notas não fossem mostradas, poder-se-hia julgar que haveria motivos de outro valor e alcance. Portanto, S. Exa. fez muito bem em ceder essas notas, porque de sua leitura se inferiu que não havia razão nenhuma para confidencia, porque ali está o que já foi publicado em todos os jornaes.

Effectivamente diz-se ahi, pouco mais ou menos, que não se póde fazer um emprestimo para a construcção do caminho de ferro, em virtude da lucta entre varias companhias africanas.

Isto já se sabe que existe, realmente, entre todas as companhias do mesmo genero. Ha até um dictado portuguez que diz: - "officiaes do mesmo officio..."

Mas o que vê é que o concessionario já se vae referindo a difficuldades provenientes de não estar delimitada a nossa fronteira com o Barotze.

Com o caminho de ferro de Lourenço Marques faltava a delimitação do Transvaal; com o de Benguella falta a do Barotze. O parallelo vae-se realizando.

Pois n'estas circumstancias, quando ha um plano d'esta ordem a desenvolver-se, o que acha de toda a conveniencia é rescindir esse contrato, e não prorogal-o.

S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha merece-lhe muita consideração; as razões por S. Exa. apresentadas sobre a questão do deposito, são, na verdade, de peso. Não se havia de acceitar a offerta de um concessionario, quando em consciencia o Governo julga o contrato bom, e em seguida mostrar avidez de lançar mão do deposito. Perfeitamente de accordo.

O deposito é de 560 contos, e lançar mão d'elle seria um caso de escrupulo legitimo e digno. Mas entre lançar mão do deposito e prorogar o contrato, parece-lhe que pode haver varias gradações.

O Governo tinha meio de negociar a liquidação com o concessionario, entregando todo o deposito. Em sua consciencia, achava melhor entregar o deposito todo ou parte, do que prorogar o contrato. Se o Governo, porém, não podia por si só fazer isto, tambem não podia, visto não haver caso de força maior, prorogar o contrato.

Mas viesse ao Parlamento com uma proposta liquidando a questão e terminando essa concessão de uma vez para sempre. O Parlamento resolveria.

Era muito melhor vir ao Parlamento agora do que vir mais tarde.

Mais tarde o Governo recorrerá ao Parlamento exactamente como succedeu com o caminho de ferro de Ambaca.

Não seria melhor liquidar desde já a questão do que estar com prorogações a difficultal-a, para no fim se dizer ao Parlamento: a questão está n'este estado, resolvam-n'a que eu não a sei resolver.

Quer acreditar que o Governo e o Sr. Ministro da Marinha estão perfeitamente convencidos das grandes vantagens que se attribuiam, desde o começo, ao caminho de ferro de Benguella, e que eram: a exploração das minas da Catanga, o grande movimento de transito que deve haver nas nossas colonias, no porto de Lobito, eram, emfim, as grandes vantagens de um trans-africano até á Beira. Elle, orador, é que não podia ter essas grandes miragens, porque conhece os perigos e inconvenientes d'estas concessões.

Agora pergunta: pode-se hoje acreditar n'essas grandes vantagens, quando o concessionarios não tem meio de começar a construcção, de cumprir o seu contrato? Póde acreditar-se que as difficuldades de hoje, não provenientes de uma questão accidental mas resultantes de uma causa permanente, desappareçam, e d'aqui a algum tempo se proceda á construcção do caminho de ferro? Decerto que não.

No anno passado declarou aqui, n'esta Camara, que estava perfeitamente de accordo em que não havia recursos para fazer caminhos de ferro em Africa com a extensão de 1:800 kilometros, mas que não se podendo construir esses grandes caminhos de ferro, fizéssemos a construcção d'aquelles para que houvesse recursos. Era esta a opinião do Governo e mesmo a do antecessor de S. Ex a, como era tambem o plano do Sr. Villaça. S. Exa., vendo que não havia recursos para construir todos os caminhos de ferro, entendeu que se deviam construir primeiramente os caminhos de ferro de penetração que eram os mais importantes.

O caminho de ferro de Benguella era um d'esses caminhos de ferro de penetração.

Portanto, se o Governo queria auferir grandes vantagens dos transafricanos, adoptasse o raciocinio que serviu de base ao plano do Sr. Villaça, e que é o seguinte: não podendo ter todos os caminhos de ferro devem construir-se os mais importantes; não podendo ainda fazer-se todos estes, tenhamos os mais principaes d'estes mais importantes.

O Governo estava em situação de seguir esta ideia. Bastava lhe unicamente cumprir a lei, e mais nada.

Havia uma lei que mandava construir por conta do Estado o caminho de ferro de Benguella a Caconda. Que razão tinha o Governo para não cumprir a lei?

Parece-lhe que se a tivesse cumprido teria sastisfeito ao plano seguido.

Se o concessionario tinha realmente grande vantagem no prolongamento do caminho de ferro para o interior acceitava, nem havia razão para que não acceitasse, se as vantagens são reaes como elle diz, e se o fim principal do caminho de ferro, eram as minas. Se não era, não acceitava, e o Governo ficava livre de todas as complicações, continuava o seu caminho de ferro. D'este modo Benguella tinha hoje alguns kilometros de caminho de ferro, e não estava no estado em que se encontra, sem elle, e perdendo as esperanças de o obter tão cedo.

Disse o Sr. Ministro da Marinha que todas as pessoas, parece-lhe até que todos os coloniaes, eram a favor da concessão Williams.

Não é d'esta opinião.

Conhece um grupo de negociantes de Benguella - conhecimentos particulares, porque nunca tive negocios nem em Benguella, nem em outra qualquer parte - a quem tem ouvido dizer que nunca esperaram nada da concessão Williams e que recearam sempre que succedesse aquillo que está acontecendo.

Previram da mesma maneira que o orador, e desde o principio disseram

Página 282

282 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que podia muito bem acontecer, que não pudessemos obter a parte real e util que era o caminho de ferro até Caconda.

Pode ser que n'esta questão seja pessimista, que esteja sob uma impressão negra ou sombria do seu espirito; mas a verdade é que vê inconvenientes na prorogação do contrato.

Em sua opinião, o grande caminho de ferro, o grande transafricano não chegará a realizar-se.

O concessionario, se não começar as obras no primeiro anno, ver-se-ha nas mesmas difficuldades.

O que o concessionario pode obter é algum dinheiro para começar as obras; mas se elle começa as obras iniciando a testa do caminho de ferro, é mais um inconveniente que se junta a todos os outros, porque então inverte por completo o problema que o orador julga vantajoso.

Em logar da testa do caminho de ferro estar nas mãos do Estado, succede o contrario, vae ficar nas mãos do estrangeiro e o Estado tem de construir por sua conta o resto.

Esta inversão é que julga fundamental. (Apoiados).

E não lhe digam que isto não pode succeder, porque em Ambaca succedeu precisamente a mesma cousa.

Pretendeu essa companhia, por varias vezes, fazer o caminho de ferro de Ambaca a Malange, mas não o con seguiu, e depois foi o Governo construir por sua conta o resto do caminho de ferro, ficando o prolongamento d'este dependente de uma companhia estrangeira.

Quando vê as cousas encaminharem-se no mesmo sentido em Benguella, chega a pensar: será isto um plano do Governo, um plano inteiramente contrarie aos interesses do paiz e ao que é racional?

Uma vez que se não póde evitar a questão de Ambaca, que é irreductivel, parece-lhe que ao menos se devia evitar o mesmo erro em Benguella e liquidar-se o assumpto no Parlamento para se poder livremente tratar d'este caminho de ferro, que é de absoluta necessidade para aquella provincia. O Sr. Ministro sabe perfeitamente que não precisamos que se construam 1:000 kilometros de via ferrea; bastam-nos 200 a 300 kilometros.

As principaes vantagens do caminho de ferro provinham da exploração da borracha, e para satisfazer a esta aspiração do commercio de Benguella, não é necessario o caminho de ferro transafricano: basta o caminho de ferro até Caconda.

Por esta razão não póde deixar de condemnar o systema de administração colonial que o Governo tem seguido na nossa provincia de Angola em relação a caminhos de ferro e cujo resultado final é que não temos o de Benguella, que deveriamos ter, se se cumprissem as leis. Longe d'isso, surge uma serie de complicações para que de futuro será difficil encontrar solução.

Qual tem sido a marcha do Governo n'este assumpto?

Chegou, viu e não venceu. Destruiu o que encontrou e, depois de tudo destruido, deixa dificuldades para resolver.

Não pôde, portanto, approvar o procedimento do Governo, e não póde tambem concordar com a prorogação, que nos leva a dificuldades futuras. O systema será muito bom, mas não é systema de administração, é systema de ruina. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro da Marinha 'Raphael Gorjão): - Se o Sr. Sebastião Telles, que acaba de falar, e o Digno Par o Sr. Jacinto Candido, que está inscripto, se não oppõem, elle, orador, reserva-se para falar depois, respondendo-lhes simultaneamente.

S. Exa. a concordaram.

O Sr. Jacinto Candido: - Antes da ordem do dia, teve a honra de mandar para a mesa uma nota de interpellação dirigida ao Sr. Ministro da Acarinha e Ultramar. Esta nota versa sobre a administração geral das nossas provincias ultramarinas, designadamente as provincias de Angola e Moçambique, sob os pontos de vista particularmente fixados nas instrucções que elle, orador, teve a honra de expedir, quando Ministro da Marinha, aos commissarios regios das provincias de Angola e Moçambique, documentos que se acham publicados no n.° 52 dos nossos Annaes da sessão do anno passado.

Procedendo hoje por esta maneira, fel-o propositadamente para não englobar na discussão da actual interpellação outros assumptos geraes da administração colonial que naturalmente se impunham á discussão e aos debates parlamentares.

E fez isto, porque, na altura do debate em que a palavra lhe cabe, arrastada como vae já a discussão, mal parecia que elle, orador, abusasse da attenção da Camara quando de mais a mais está já distribuido e dado para ordem do dia um projecto sobre o qual devem convergir as attenções da Camara. Não vae n'isto censura a quem até agora interpellou, porque então não havia mais nada que discutir.

Ora, annunciando essa interpelação, elle, orador, quiz significar á Camara e em especial ao Governo que os problemas coloniaes continuavam £ ter ou teem, a seu ver, ainda importancia maxima e capital na governação do Estado.

Ha duas ordens de problemas governativos que entre si estão estreitamente relacionados, que teem um nexo intimo e uma connexão extrema, mas que se podem considerar divididos em duas categorias para o effeito da sua importancia e que se impõem com uma certa precedencia ao espirito dos que estudam, e sobretudo d'aquelles que teem a seu cargo responsabilidades da administração publica: são os problemas que importam ao bem estar interno e simultaneamente ao credito, ao bom nome, á consideração, á dignidade do paiz e até muitas vezes á propria integridade territorial; o os perivativos do bem estar interno.

Elle, orador, bem sabe que entre uns e outros ha nexos Íntimos: elles repercutem se e reflectem-se reciprocamente nos seus effeitos e consequencias, influindo uns nos outros exactamente como no organismo animal a lesão soffrida n'um apparelho se reflecte tambem em todos os outros apparelhos e affecta por fim a propria vida. O mesmo se dá no organismo social, nas nações e nas sociedades, que são os verdadeiros organismos.

Ahi ha tambem problemas que são privativos, que affectam directamente um orgão qualquer ou uma funcção d'esse organismo e ha outros que affectam não só esses orgãos, mas sobretudo immediata e directamente o funccionamento geral da vida collectiva.

São estes seguramente os problemas que mais se impõem e que dominam as attenções dos poderes publicos. No numero d'esses avulta para nós seguramente o problema colonial.

Exemplificando essa categoria, elle, orador, dirá que o problema colonial, o problema financeiro e o problema militar, sob o seu duplo aspecto de organização das forcas de mar e terra, são problemas capitalissimos e de primeira categoria. Distanciam-se dos outros problemas privativos pela sua importancia maxima, e pela affecção que directamente produzem na vida collectiva da nação.

Elle, orador, faz esta classificação para justificar a nota que teve a honra de mandar ha pouco para a mesa, annunciando uma interpellação ao Sr. Ministro da Marinha. E fal-o ao mesmo tempo para explicar o motivo por que é levado ao debate n'esta conjunctura. Entende que esta interpellação que está dada para ordem do dia se relaciona com um dos principaes aspectos em que se póde considerar dividido o problema colonial, que é um dos primeiros e que se póde considerar o mais importante e urgente para a organização das provincias ultramarinas; e não podia deixar passar uma opportunidade d'esta ordem, sem se referir este as-

Página 283

SESSÃO N.° 26 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1904 283

sumpto, e sem sobre elle dizer o que entende de sua consciencia.

Não vindo ao debate e não fazendo as declarações que entende convenientes para salvaguardar a sua responsabilidade e para deixar exarado nos Annaes d'esta Camara o seu parecer a este respeito, podia entender-se que elle, orador, modificava o que no anno passado teve a honra de expor.

Mas ainda ha outros pontos a que é obrigado a ré ferir-se, porque para isso chamou a sua attenção o Digno Par e seu velho amigo o Sr. Baracho, que lhe dá muito prazer sempre que se lembra de chamar o orador ao debate, porque embora as suas discordancias sejam grandes na apparencia, apuradas, muito bem depuradas, chega-se quasi á conclusão de que elle, orador, e o Digno Par Sr. Baracho estão fundamentalmente de accordo. As suas divergencias são mais na superficie do que na essencia e substancia.

O Sr. Baracho, com a gentileza que é propria do seu espirito, nobremente altivo, disse o que se encontra nos Annaes:

"Fala em nacionalista porque é verdadeiramente nacionalista, mas não membro do partido nacionalista; porque esse partido, permitta-se-lhe o paradoxo, mais parece um partido nacionalista estrangeiro. Foi um dos chefes d'esse partido quem trouxe o engenheiro Croneau, foi elle tambem quem subsidiou os frades do Espirito Santo; foi emfim quem por este meio engrossou o programma do parti do nacionalista. Não se occupa mais d'este assumpto hoje por falta de tempo, mas voltará a elle opportunamente, e quando esteja presente o seu velho amigo Jacinto Candido, a quem deseja ouvir sobre isto ou sobre o que valem estes entidades".

Ha aqui uma confusão, permitta o Digno Par que lhe diga, entre o partido nacionalista e a humilde pessoa do orador, membro do referido partido.

Quando elle, orador, praticou o acto de contratar o Sr. Croneau para engenheiro director technico do Arsenal de Marinha, era Ministro do partido regenerador e o partido nacionalista não existia ainda.

Quando subsidiou as missões do Espirito Santo era elle, orador, Ministro do partido regenerador e o partido nacionalista ainda não existia.

Só se o Digno Par quer accusar o partido nacionalista á maneira d'aquelle lobo que accusava o cordeiro de ter bebido a agua quando ainda não era nascido.

Segundo o Digno Par, o partido nacionalista era estrangeiro quando ainda não existia.

Tudo aquillo foi feito quando elle, orador, era Ministro da Marinha no tempo em que militou no partido regenerador, como o Digno Par.

Essas providencias são da inteira responsabilidade d'elle, orador. Não as rejeita nem as declina; e declara mesmo ao Digno Par que se voltasse a ser o Ministro da Marinha - quod Deus avertat e d'isso se livrará-voltaria a contratar o Sr. Croneau e n subsidiar as missões do Espirito Santo, se se des sem as mesmas circumstancias de então.

Podia hoje ter mudado de opinião, porque as circumstancias lhe aconselhassem a fazel-o; mas não mudou de parecer; e se hoje estivesse nas condições de então tornaria a fazer o mesmo que n'essa occasião fez. Foi um acto unicamente seu, singularmente praticado por si, e dentro de um partido em que hoje não milita.

Por isso não póde ser attribuido ao partido nacionalista um acto que elle, orador, praticou como membro do partido regenerador, ainda antes do partido nacionalista ter apparecido.

Vê-se, pois, que ao partido nacionalista a accusação de estrangeirismo do Digno Par de fórma alguma póde ser attribuida.

E chama a attenção do Digno Par que é, no bom sentido da palavra, extremamente curioso e sabe informar e elucidar o espirito com os mais insignificantes pormenores sobre qualquer assumpto, para o artigo 34.° do programma nacionalista. Esse artigo, que é da iniciativa do Digno Par Conde de Bertiandos, diz o seguinte:

"Artigo 34.° do Programma - O nacionalismo affirma a necessidade de restaurar as antigas e heroicas virtudes do povo portuguez, de conservar cuidadosamente as suas tradições gloriosas e de respeitar a sua indole propria e caracteristica.

N'este empenho e veneração mostra elle o seu proposito de manter lidima a nacionalidade portugueza, procurando na lição do passado ensinamentos para o presente e a redempção no futuro".

O Sr. Sebastião Baracho: - Esse deve ser o parecer de todos os partidos honestos. (Apoiados do Sr. Conde de Bertiandos).

O Orador: - Ora veja S. Exa. como a sua nobre e elevada aspiração patriotica, digna de todo o verdadeiro nacionalista, estava formulada no programma no anno passado.

Fica assim demonstrado que é só d'elle, orador, a responsabilidade do acto por que foi arguido, e que o assume por completo, como é do seu dever.

São dois os assumptos de que tem a tratar; e por isso pede ao Sr. Presidente que com a maior urgencia dê para ordem do dia a interpellação annunciada.

Não é um debate politico, no sentido mesquinho da palavra. Não quer criar difficuldades ao Governo, mas unicamente chamar a sua attenção e do paiz para este assumpto vitalissimo para o paiz.

Folga com que o Sr. Ministro da Marinha se declarasse desde já habilitado a responder á sua interpellação, porque é uma prova de que está sempre a par de todos os assumptos relativos á sua pasta e de que emprega todos os seus esforços na administração das nossas colonias.

Temos, portanto, dois pontos concretos:

A questão da renovação do contrato para a construcção do caminho de ferro de Benguella e a questão dos frades do Espirito Santo.

Vamos á primeira.

A questão da concessão |Williams foi arguida primeiramente de illegalidade, porque o Governo não podia fazer semelhante concessão nos termos do artigo 15.° do Acto Addicional (Apoiados}, e habilitou-se por um decreto pelo mesmo Acto Addicional a fazer toda e qualquer concessão que quizesse.

E preciso não perder de vista esta circumstancia:

O artigo 15.° do Acto Addicional não dava ao Governo a faculdade de fazer uma determinada concessão. Pois bem; o Governo, fundando-se no mesmo artigo l5.°, auctorisou-se a si proprio a fazer as concessões que quizesse!

Ora, se isto era argumento para a concessão não será tambem para a prorogação?

Pois o que é a prorogação senão uma renovação da concessão? (Apoiados).

Quando elle, orador, era Ministro havia uma concessão feita ao Sr. Sarrea Prado para a construcção do caminho de ferro do Congo; era um caminho de ferro importantissimo que nos ía defender do Congo Belga.

O Sr. Sarrea Prado, porém, não conseguiu dar começo aos seus trabalhos, dentro do prazo do contrato e pediu-lhe uma prorogação.

Pois elle, orador, não lh'a podia conceder em virtude do decreto travão.

E porque?

Porque essa prorogação importava a renovação do contrato. Portanto e evidentemente a questão da legalidade subsiste hoje e este ponto, em vista da lei, é fundamental.

Tem ideia de ter ouvido dizer ao Sr.

Ministro da Marinha que assumptos d'esta ordem não se resolvem só por leis estrictas, pois tambem é preciso

Página 284

284 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ter em vista altas considerações de interesse publico.

O que é verdade, porem, é que se não pode deixar de ter em vista a lei.

Disse o Sr. Ministro que não podia consultar o Parlamento, porque o Parlamento estava fechado.

Porque o não convocou?

Porque não estamos n'esse costume? Mas isso era preferivel a fazer-se o que se fez. A lei deve estar acima de tudo, porque quando o Governo procede contrariamente á lei difficilmente pode defender-se.

O Governo não póde allegar essa circumstancia na sua defesa, porque, infelizmente, embora nas melhores intenções, escudando-se n'um precedente, póde praticar um péssimo acto de administração; e não ha paiz nenhum, bem governado, em que acima de tudo não paire a figura superior elevada e majestática da lei.

Vejamos a questão sob o ponto de vista das conveniencias.

A este respeito elle, orador, estabelece uma distincção.

Vae considerar o contrato applicado á provincia de Angola, isoladamente, encarada apenas como porção de territorio africano, sem nenhuma relação com a metropole tanto a respeito de Portugal, como a respeito da Inglaterra, França, Italia ou qualquer outro paiz.

Consideral-o-ha tambem em relação á provincia de Angola, como a expansão da metropole, como colonia portugueza, na qual ha um duplo fim a cumprir, realisar n'ella os nossos destinos histories, e tirar d'ella as maiores vantagens possiveis para a economia nacional.

Qual dos dois criterios se deve adoptar?

Evidentemente o segundo, porque a isso nos impelle um legitimo sentimento nacional, e a consciencia de que temos uma grande funcção mundial a desempenhar, e um grande destino historico a cumprir.

Por outro lado, ha as não menos legitimas conveniencias de ordem economica, que devem ser acauteladas.

Diz-se que a opposição é que encontra perigos no contrato.

Se fossemos nós só, opposição, que vissemos no contrato o perigo de desnacionalização, não seria mau; mas foi o proprio Governo, foram todos aquelles que defenderam o contrato, foram os mais afervorados apóstolos da concessão.

Precisamos de desenvolver a nossa actividade, e precisamos de acompanhar a concessão de um conjunto de providencias tendentes a defender os interesses do paiz.

Isto se diz na resposta ao Discurso da Corôa; e na imprensa, varios paladinos da situação escreverão:

"Vamos agora tratar de defender a nossa autonomia, vamos ter um caminho de ferro que deve ser defendido contra a concorrencia estrangeira com providencias de colonização. Assim se conjura o perigo de Angolas.

O que é que se fez que correspondesse sequer á sombra d'aquillo que se julgava necessario e indispensavel?

O que é que se fez? Nada. Essa iniciativa e essa energia não se viram.

Tudo foi esteril. Não se fez cousa nenhuma.

Passou o tempo; e quando chegou o prazo estipulado fez-se uma prorogação, quer dizer, uma renovação de contrato.

Dissera se que esse contrato era uma cousa maravilhosa, e que dentro em poucos annos a nossa provincia de Angola seria atravessada por uma linha ferrea excedente a tudo quanto ha de mais audacioso, superior a tudo que se póde imaginar, e que tudo isso se alcançara, graças áquelle achado maravilhoso: um grande capitalista que tinha entrado pelo gabinete do Sr. Ministro da Marinha. Mus a final não se fez cousa nenhuma.

E legitimo pensar que o fim que se teve em vista foi mais uma manobra financeira do que a construcção d'esse caminho de ferro.

Agora é licito pôr a questão n'estes termos; esta prorogação é realmente para que o contrato se cumpra ou é para continuar uma exploração bolsista, e o jogo financeiro de companhias de Africa?

É licito pôr esta interrogação, porque na primeira phase do contrato o concessionario mostrou mais o desejo de uma exploração bolsista do que o empenho em se fazer de boa fé a construcção d'aquelle caminho de ferro.

Nenhuma providencia foi adoptada para a hypothese que tudo fazia prever, que foi reconhecida, e mantida pelo proprio Governo, com respeito aos perigos que podiam advir d'esse contrato para a nossa supremacia em toda a provincia de Angola.

Se não se faz o caminho de ferro, estes perigos não se dão; mas surgem outros tambem gravissimos.

Ha sete annos, quando elle, orador, esteve no poder, já esta construcção tinha sido estudada por um engenheiro, o Sr. Serrão.

Para que essa construcção se realizasse já se tinham preparado todos os elementos, já se tinha chamado o concurso de todas as boas vontades, já havia um projecto e fundos para começar a construcção. Para esse em havia já 800 contos de réis.

De repente vem a concessão Williams e todas as energias desapparecem. Toda a gente sabe que a construcção do caminho de ferro vae ser feita por um novo concessionario. Não se pensa mais n'isto, e o Governo emprega os fundos n'outras obras.

Agora passa se um anno e se não se tiver feito nada, e se o Governo não estiver disposto a fazer nova prorogação, perdem-se dois annos, e os que forem necessarios para se pôr as cousas no estado em que estavam.

Em virtude d'esta concessão tudo se desmanchou, até os 800 contos de réis foram applicados em outros fins.

Se durante estes dois annos se tivessem continuado a applicar todas as boas vontades áquelle caminho de ferro, podia já estar concluida uma parte, pelo menos, d'essa construcção.

Portanto é legitimo o dilemma: se o contrato for por deante é de tal ordem que d'ahi podem advir graves prejuizos para o paiz; se não vae por deante causa prejuizos gravissimos. Isto prova que o contrato não devia ter sido feito, e que no caso de se ter feito não se deveria ter consentido a prorogação.

Diz isto por coherencia com o que já affirmara no anno passado, e porque isto resulta do estudo de todas as faces do problema; mas não porque elle, orador, como qualquer outro dos oradores que o precederam, ponha duvida em fazer a mais inteira e completa justiça á pureza das intenções e á rectidão do caracter do Sr. Ministro da Marinha. (Apoiados).

E apenas uma questão sob o ponto de vista intellectual; mas, tanto elle, orador, como os que o precederam precisam varrer a sua testada, com relação a um acto administrativo que reputam prejudicial aos interesses do paiz.

Essa prorogação foi illegal, e ao mesmo tempo inconveniente para os interesses, quer da metropole, quer da provincia de Angola, porque esta ficou em peores condições quanto a meios de communicação, e ao mesmo tempo com elementos de desnacionalização.

Ora, em seu entender, a linha deveria ser feita por conta do Estado.

Não havendo recursos para isso, deveria fazer-se pelas forças de um emprestimo, embora garantido pela propria linha; esse emprestimo deveria ser feito no paiz ou, se assim não fosse possivel, no estrangeiro, mas de forma que a linha sempre se conservasse em mãos portuguezas e sob a acção directa e immediata do Governo Portuguez.

Pois tem-se feito tão grandes sacrificios para conservar assim a linha de Ambaca, e ha de dar-se de mão beijada o caminho de ferro de Benguella, que ainda é mais importante? (Apoiados).

É um paradoxo que não é possivel

Página 285

SESSÃO N.° 26 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1904 285

defender, nem com as maiores habilidades de sofismação. Mette-se pelos olhos.

Vae agora responder á arguição de estrangeirismo que, com respeito á admissão dos padres do Espirito Santo, lhe fez o Digno Par e seu illustre amigo Sr. Dantas Baracho.

Já o anno passado o orador teve occasião de terçar armas com o Digno Par Sebastião Baracho a proposito d'este assumpto, podendo dizer que, salvo casos particulares, factos singulares ou concretos, o argumento fundamental de S. Exa. é sempre o mesmo.

Diz o Digno Par que é partidario de missionarios para as colonias, mas que os quer portuguezes, genuinamente portuguezes, pondo-se de parte ou fora da nossa Africa Occidental os missionarios estrangeiros.

S. Exa. pede que se façam frades portuguezes. O orador tambem está de accordo n'este ponto, não porque o Sr. Ministro da Marinha faça frades, mas...

O Sr. Sebastião Baracho: - Póde fazel-o melhor do que eu.

O Orador: - Não crê que o Sr. Ministro da Marinha possa fazer frades portuguezes.

O Digno Par o Sr. Baracho sabe perfeitamente que, para se criar frades, são precisos estabelecimento adequados a esse fim. Aqui é que está a dificuldade ou ponto de discordancia. Se cá não os ha, como dispensar os missionarios estrangeiros?

Vae mostrar como não podem ser expulsos da nossa Africa os missionarios estrangeiros.

Os padres, ou frades do Espirito Santo, não podem ser expulsos, a não ser que contrariem ou infrinjam as leis do reino ou ainda que attentem contra a soberania de Portugal. O direito politico dos missionarios estrangeiros está estabelecido, desde que não se afastem da evangelisação e catechese. Cumprida esta missão, está a liberdade d'esses missionarios perfeitamente garantida, porque estão ao abrigo do direito internacional, que regula estes assumptos.

Os frades do Espirito Santo sahiram do Estado Independente do Congo, quando este Estado assim começou a denominar-se, em virtude das decisões da Conferencia de Berlim, realisada em 1885.

Esses frades tinham que sahir de lá, visto dificuldades que lhe sobrevieram para o exercicio do seu mister. Mas, apesar d'isso, ainda muitos estão na Belgica.

O Sr. Sebastião Baracho: - Estão lá, mas como belgas.

O Orador: - Mas S. Exa. sabe que a Congregação do Espirito Santo é composta de frades cosmopolitas, que teem representantes na Allemanha, Inglaterra, França e Italia.

Teem missões em todas as colonias d'estes paizes. Teem ainda missões no Brasil e Estados Unidos da America do Norte.

Uma cousa é a suspeição estabelecida à priori, outra cousa é o facto concreto do crime de traição praticada.

Contra o facto da suspeição à priori, só porque o missionario não é portuguez, é que elle, orador, se levanta.

Já vae mostrar ao Digno Par o rigor que elle, orador, impoz aos commissarios regios da provincia de Angola com respeito a todo o funccionalismo que estava sob as suas ordens.

Averigue-se, syndique-se, se ha factos concretos, se ha crimes commettidos e, logo que se chegue á conclusão que os ha, castiguem-se os culpados; mas porque ha um ou outro delinquente não se inutilise uma classe inteira.

O Digno Par pertence á classe militar, á nobre classe do exercito portuguez. S. Exa. poderá dizer-lhe que n'essa classe não tem havido quem prevarique?

Não; porque, em todas as classes sociaes, assim como ha homens briosos dignos e modelares, como S, Exa., ha outros que prevaricam, E isso é porventura argumento contra a classe inteira?

Elle, orador, vae ler umas instrucções que tem presentes e pelas quaes o Digno Par verá o que representam as missões a que se referiu.

S. Exa. citou, outro dia, o Sr. D. Antonio Barroso, actual Bispo do Porto e antigo missionario portuguez da missão de S. Salvador, fazendo justiça ao seu caracter e dizendo que a alta posição que está occupando no episcopado portuguez era uma justa recompensa dos serviços que prestou como missionario.

Pois sabe o Digno Par o que fez D. Antonio Barroso, no interesse da evangelisação catholica, quando era Prelado de Moçambique? Contratou uma missão de trapistas italianos para se estabelecer n'aquella provincia.

Era elle, orador, Ministro da Marinha quando esse prelado, a cuja educação civica, patriotismo e altos serviços S. Exa. prestou uma justa homenagem, fez o alludido contrato.

(O orador lê as referencias a esse respeito).

Vae concluir as suas considerações porque lhe parece ter dito o sufficiente para responder ás referencias do Digno Par Sr. Baracho.

Nós estamos de accordo; a duvida é que o Digno Par quer a extincção immediata dos padres da provincia de Angola...

O Sr. Sebastião Baracho: - Não quer a extincção, quer a substituição.

O Orador: - Elle, orador, desejaria tambem que fossem substituidos por padres portuguezes; emquanto não for possivel fazer essa substituição quer a conservação d'esses missionarios lá, que são funccionarios do Estado á frente das suas respectivas missões.

O Sr. Sebastião Baracho: - Estejam sob à alçada do Bispo de Angola.

O Orador: - Não podem estar, porque o proprio Bispo de Angola está, a alguns respeitos, sob a alçada do Prefeito Apostolico, visto não haver concordancia entre os limites da diocese e os da provincia, e o Bispo, sahindo da diocese, pede a jurisdicção ao Prefeito Apostolico.

Isto é uma questão de Roma; não é questão que o Governo possa resolver.

Elle, orador, fez as bases para uma concordata, bases que estão no Ministerio dos Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros de então instou para que se fizesse uma concordata em virtude da qual a Santa Sé concedesse ao Padroado Portuguez a coincidencia dos limites apostolicos com os limites da provincia de Angola.

É uma questão que está pendente; e elle, orador, insta com o Sr. Ministro da Marinha para que S. Exa. promova o andamento da concordata para o interesse do paiz.

Está de accordo com o Digno Par, e conclue porque não quer tomar mais tempo á Camara.

O Sr. Santos Viegas (para um requerimento):- Requer que o Sr. Presidente consulte a Camara sobre se permitte que a sessão seja prorogada até terminar o incidente da interpellação.

Foi approvado o requerimento do Digno Par Santos Viegas.

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão): - Estando prorogada a sessão, vae tentar responder aos Dignos Pares que o antecederam no uso da palavra; o mais brevemente possivel, para não tomar muito tempo á Camara.

S. Exas., tratando da prorogação, referiram-se ao contrato Williams classificando-o de illegal.

O Sr. Sebastião Telles entende que o contrato devia vir á Camara porque, segundo o decreto de 27 de novembro de 1902, apenas se determina a maneira de fazer concessões de obras publicas e o chamado decreto travão determi-

Página 286

286 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nou que todas as concessões feitas no interregno parlamentar viessem á Camara.

Por outro lado o Sr. Jacinto Candido entende que o contrato foi illegal porque se deu uma interpretação demasiadamente larga ao artigo 15.° do Acto Addicional.

Ambas estas asseverações foram aqui debatidas largamente o anno passado, e elle, orador, não entrará na sua apreciação, que lhe levaria muito tempo.

Dirá, entretanto, que o decreto de 29 de novembro de 1902 estabelecendo a maneira por que deviam ser feitas as concessões de obras publicas, revogou toda a legislação em contrario; e, por consequencia, não lhe parece que tenha fundamento a consideração do Digno Par Sr. Sebastião Telles.

O Governo e o seu antecessor entenderam, e bem, que o artigo 15.° do Acto Addicional não tem restricções que impedissem a promulgação do decreto de novembro de 1902, e por isso não é justificado o reparo do Digno Par Sr. Jacinto Candido.

Não insiste sobre este ponto, que já foi muito discutido, e responderá á parte a que deve responder, que é a que se refere á prorogação, sobretudo aos inconvenientes que os Dignos Pares apontaram e que podem influir dês vantajosamente no paiz.

Ora, os inconvenientes, segundo o Digno Par Sr. Sebastião Telles...

O Sr. Eduardo José Coelho: - O Sr. Sebastião Telles encarregou-o de dizer a S. Exa. que, por motivo urgente, teve de sahir, mas que ainda volta para ouvir o Sr. Ministro.

O Orador: - Agradece muito a prova de cortezia do Sr. Sebastião Telles e ao Digno Par Eduardo Coelho o favor de lh'a transmittir.

Mas com respeito aos perigos que podem advir da prorogação, disse o Sr. Sebastião Telles que, admittindo que a prorogação se fizesse por um acto de equidade, e para não mostrar uma avidez demasiada em nos apossarmos de um deposito importante, essa mesma allegação podia ser feita mais tarde.

Ora, em primeiro logar, na prorogação não houve unicamente uma questão de equidade, houve a convicção de que isso era util para o proprio Governo.

Effectivamente não será facil desvanecer a ideia de que se não procedera em harmonia com as circumstancias financeiras do mercado, circumstancias que realmente existiam, sem comtudo constituirem um caso de força maior.

Difficilmente se poderá desfazer no espirito publico essa ideia que tanto se generalisou.

O deposito era importante, as condições do mercado difficeis, o que tornava muito mais difficil a constituição de uma companhia, sobretudo para a Africa; e então o Governo entendeu que devia attender a estas circumstancias, não só por equidade, mas no seu proprio interesse, porque o Governo tem interesse de, em questões d'esta ordem, proceder com toda a lealdade e lisura.

Em segundo logar o Governo tinha grande empenho, julgando o contrato bom, em conseguir a realização de uma obra tão importante que se podia mallograr se não fosse feita a prorogação.

Era em virtude d'esta prorogação que o Sr. Sebastião Telles dizia que podiam advir reclamações e invocação de precedentes, porque as causas que a determinaram agora podem subsistir.

Não lhe parece que isso possa ser assim.

Este ponto é que é preciso accentuar bem.

A companhia pediu ao Governo uma prorogação por certos motivos, e o Governo, sem ter obrigação de a fazer, concedeu essa prorogação, coxo outras se teem concedido.

Mas pôde, porque nós tivemos esta primeira attenção com a companhia, digamol-o assim, vir ella pedir nos uma nova prorogação, invocando esse precedente ?

De maneira nenhuma.

Parece-lhe que o precedeste não se póde allegar.

Agora havia as circumstancias especiaes do mercado que levaram o Governo a proceder assim, e que trouxeram dificuldades incontestavais á companhia; mas o Governo, quando lhe seja pedida nova prorogação, póde declarar, se assim o entender, que ella é inconveniente e prejudicial para o paiz, e não a conceder.

Depois da prorogação, a situação do Governo é differente porque já mostrou o seu espirito de equidade para com a companhia.

Effectivamente, como reconheceu o Sr. Sebastião Telles, o Governo muitas vezes não se póde levar por considerações de direito estricto, parece-lhe que não ha a illegalidade que S. Exa. entende que havia na prorogação apesar de não haver caso de força maior.

Já hontem demonstrou que assim o entenderam outros Governos e outros Ministros da Marinha, fazendo prorogações em iguaes circumstancias.

O Governo fez a prorogação, sendo coherente com as suas ideias, visto entender que o contrato é de grande utilidade.

Ha outros inconvenientes, segundo o Sr. Sebastião Telles, que podem dar-se. A companhia poderá construir

a testa do caminho de ferro, e realmente dar-se a anomalia que se dá em Angola: a companhia ficar com a testa da linha, a parte principal, e a outra parte ir para o Governo.

Este facto não se póde dar.

A prorogação conserva integras, completas as condições do contrato, e se a companhia o não cumprir construindo toda a linha, o Governo está no seu pleno direito de o rescindir.

Por consequencia, não lhe parece que houvesse razão no que S. Exa. dizia, e menos lhe parece que possa o concessionario invocar a prorogação de que se trata, como motivo para nova prorogação.

Não se póde estar fazendo successivas prorogações, em questões d'esta gravidade.

Ha um deposito importante de 560 contos de réis. Esse deposito, como todos os d'esta natureza, são exigidos, para se mostrar que o contrato não é uma mera especulação, como tantas vezes succede em pedidos de concessões em Africa e para compensação dos prejuizos que possam resultar da falta de cumprimento do contrato.

O Governo tem contra si as opiniões singulares dos dois Dignos Pares que elle, orador, muito considera, mas não tem contra si a do paiz e a da Camara.

Se não se fizer a construcção, se não se cumprirem as condições do contrato no prazo estabelecido, o Governo tem para compensar Benguella, dos inconvenientes que d'ahi possam resultar, uma garantia que não deixa de ser importante.

Estes são os pontos que reputa verdadeiramente essenciaes em relação ao futuro d'esta questão, porque em relação ao passado está tudo liquidado.

Com referencia á prorogação elle, orador, já deu todas as explicações que podia dar.

Sobre a questão importantissima a que se referiu o Digno Par o Sr. Jacinto Candido, acêrca da conveniencia do caminho de ferro de penetração ficar sob a acção do Governo e nas suas mãos, elle, orador, em principio, está de accordo com S. Exa. Quer como Governador Geral de Moçambique, quer como Ministro do Marinha, elle, orador, tem dado provas evidentes em como perfilha essa mesma opinião de S. Exa. Ainda ultimamente quando se tratou do caminho de ferro da Swazilandia empregou todos os esforços para que elle não sahisse das mãos do Governo, mas no caso de que se trata, não pode concordar com o Digno Par, porque o Governo não teria recursos para construir o caminho de ferro até á fronteira.

O Digno Par o Sr. Sebastião Telles tratou ainda de um ponto importante para o Governo.

O actual Governo - dizia S. Exa. a -

Página 287

SESSÃO N.° 26 DE 29 DE FEVEREIRO DE 1904 287

chegou ao poder e encontrou tudo organizado, mas nada fez senão desorganizar, e o caminho de ferro nem sequer se começou a construir.

Não era o caminho de ferro de Benguella o unico que devia ser construido; ha mesmo quem julgue que não era menos urgente a construcção do caminho de ferro de Malange. Elle, orador, preconizou a construcção d'este caminho de ferro ha 23 annos, e entende que foi um grande desastre para o paiz o não se ter construido.

Não se construiu porque se entendia que elle devia partir de Loanda.

Ora, com a solução que o Sr. Teixeira de Sousa deu ao assumpto, estava resolvido o duplo problema: que era construir não só o caminho de ferro de Caconda, mas tambem o de Malange.

Era questões militares os resultados sobrelevam a tudo; em questões de administração é preciso partir-se da origem.

Póde ser que a construcção do caminho de ferro do Lobito não vá a effeito, mas desde que a propuzeram, com a garantia de um deposito importantissimo, parece-lhe que não era ser demasiadamente credulo, suppondo-se que o caminho de ferro teria execução.

Não lhe parece que tenha havido precipitação do seu antecessor.

Ainda o Digno Par o Sr. Sebastião Telles se referiu a artigos do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Ora elle, orador, crê que não ha no mundo contrato com mais garantia para o Estado.

Um contrato como este, de caminho de ferro, contrato que foi combinado e acompanhado pelo nosso Codigo Commercial em relação á organização de caminhos de ferro, colloca-nos n'uma situação unica; e a dizer-se a verdade, era esta uma questão que deveria ser bem estudada.

Ha paizes, como são a Belgica e a Inglaterra, onde ha uma grande facilidade de organisação de companhias e emissões de capitães; mas em Portugal succede o que nós sabemos.

Este contrato não se póde comparar com nenhum dos outros que nós temos feito, muito menos com os caminhos de ferro de Ambaca e de Mormugão.

Alem d'isto este contrato tem uma vantagem importantissima, e é que o Governo, no fim de vinte annos, póde retirar todo o caminho de ferro, não pagando um capital importantissimo, mas pagando apenas uma certa importancia kilometrica.

Por consequencia, se nós formos fazer o confronto d'este com outros, chegaremos a concluir que não ha paridade, que não ha comparação nenhuma entre este contrato e qualquer dos outros.

Como a hora vae adeantada, resumiu muito as suas considerações; mas julga que em relação ao ponto essencial, que é o que trata da prorogação, disse o bastante e salientou de uma maneira incontroversa, que esta prorogação nunca poderá servir de precedente para novas exigencias.

Foi effectivamente feito pelo Governo, que se- inspirou nos interesses do paiz, foi uma questão de transigencia; mas a verdade é que se não póde exigir indefinidamente uma renovação d'esta ordem com prejuizo do paiz que fez a concessão. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Eduardo José Coelho: - Sente-se disposto a captar a benevolencia e a popularidade da assembleia, e por isso declara que será muito breve.

Podia dizer muito pouco. O Sr. Ministro da Marinha confessou a illegalidade : era o facto da sua interpellação...

O Sr. Ministro da Marinha (Raphael Gorjão): - Não confessou.

O Orador: - Das palavras de V. Exa. podia-se tirar a confissão explicita d'essa illegalidade; mas não quer collocal-o n'essa triste situação.

A legalidade ou a illegalidade demonstra-se pela applicação ou violação da lei.

Crê que não ha outro meio.

Se S. Exa. violou a lei, commetteu uma illegalidade, se a não violou, mantem as tradições, e os principios verdadeiramente salutares.

A questão reduz-se a isto.

Em todos os contratos d'esta natureza, o substancial são os prazos para a construcção das obras, representam elles um elemento essencialmente constitutivo do contrato, uma clausula das mais suggestivas d'aquellas que de certo modo consubstanciam o contrato.

Nos legem habemus.

Crê que de vez em quando não parece mal falar latim.

Formula o seguinte syllogismo:

No artigo 47.° do decreto de 28 de novembro de 1902 relativo ao caminho de ferro do Lobito, diz-se o seguinte:

"Se o concessionario, ou a compa-panhia não começar a construcção na data fixada na alinea a) do artigo 46.° do presente contrato, ou tendo-a começado não a continuar em escala proporcional á sua extensão, etc., etc.. .. terá o Governo, por sua auctoridade, direito de declarar rescindido o contrato, com perda a favor do Estado, do deposito de que trata o artigo 58.° ou das obras em caução segundo o artigo 7.°"

Estas penalidades não caducam pelo unico que diz:

"Exceptuam-se as demoras por motivo de força maior, devidamente comprovadas perante o Governo e por elle acceite".

O Sr. Ministro da Marinha declarou que não 'houve caso de força maior; logo, violou a lei, prorogando o prazo. Isto não tem replica.

A maneira por que esta concessão foi feita, as formulas que se adoptaram, o regimen que se manteve e a circumstancia de coincidir exactamente com o districto de Angola, considerado como uma projecção do continente, tendo-se declarado que - estava ali a esperança da futura salvação do paiz, e que devia haver caminho de ferro de penetração em todo o nosso dominio colonial, mas que nunca o podia haver, especialmente em Angola, senão feito por conta do Estado, tudo isto corresponde a uma perturbação por completo nas normas apregoadas como indiscutiveis e acceitas como dogma scientifico em assumptos coloniaes. Por consequencia, desde que se fez um tumulto administrativo, contrariando aquillo que era por todos acceito e recebido como bom, é claro que não podia deixar de vir o assombro.

Ainda se o successo, ou antes insuccesso, fosse de tal ordem que deslumbrasse todos os espiritos e se puzesse de parte a legalidade, argumentando com aquella razão de que se violou a lei, mas de que se salvou o povo, havia uma desculpa ou justificação. Mas desde que vê o insuccesso, a desgraça, desde que vê Angola não convertida n'um Éden, mas pelo contrario perdida, arruinada, e que se pede um favor para quem concorreu para essa ruina, para essa desgraça, confessa que é realmente precisa muita paciencia para ficar silencioso. Por isso diz que os Ministros que violam as leis e que não respeitam as formulas, não podem reputar-se melindrados porque se inquira a razão de semelhantes actos.

O Sr. Ministro da Marinha que póde, com um traço de penna, alterar as bases essenciaes de um contrato, não sabia - decerto sabe - que é preciso, por decoro dos poderes publicos, manter uma certa continuidade nos actos de administração do Estado?

Alem do desprestigio que d'ahi resulta para esses poderes, em que situação vae o Sr. Ministro da Marinha collocar o seu successor, se porventura elle quizer - e está no direito de querer - annullar por um despacho tudo o que S. Exa. fez, despacho que não é censuravel, porque S. Exa. exhorbitou das normas legaes?

O Sr. Ministro ou não viu, ou não eu, ou não quiz reflectir na propria consulta da Coroa que lhe dizia:

Página 288

288 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

"Qualquer que seja a fórma por que o Governo entenda realizar essa innovação do contrato, qualquer que ella seja, é duvidoso - foi por um euphemismo que assim o disse - que a administração não tem essa faculdade legal se não lhe for concedida pela assembleia geral".

De maneira que nem a companhia ou a administração, podem pedir essa innovação senão devidamente auctorisadas pela assembleia geral, nem S. Exa. tinha poderes de fazer o que fez, senão em virtude da propria lei do contrato e ainda do decreto de 27 de novembro de 1902.

Este decreto, a que ha de sempre chamar um decreto ominoso, regulou de uma maneira geral as concessões de obras d'esta natureza e no artigo 9.°, tratando exactamente das faculdades dadas ao Governo para poder prorogar os prazos, diz isto de uma maneira geral:

"Artigo 9.° As concessões incluidas nas disposições d'este decreto caducarão em qualquer dos seguintes casos:

1.° Se as obras não forem começadas ou terminadas nos prazos estipulados, salvo caso de força maior, provado perante o Governo, que ouvirá a tal respeito a Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, devendo n'esta hypothese o Governo prorogar os prazos pelo tempo absolutamente necessario.

2.° Se nos trabalhos respectivos houver interrupção alem de determinados prazos, ou se esta exceder o maximo do tempo fixado no contrato, em conformidade com as condições especiaes da concessão, exceptuando-se os casos de força maior, admittidos nos termos do n.° 1 do presente artigo".

É exactamente a hypothese que estamos a discutir, mas desde o momento que o Sr. Ministro confessa, que não ha caso de força maior, não vê o orador nada que justifique a prorogação nem na lei geral, nem no decreto de 27 de novembro de 1902, nem no contrato, e vê exactamente o contrario, que excedeu as faculdades legaes fazendo a prorogação.

Por conseguinte, parece-lhe que no assumpto da sua interpellação ficou demonstrado á saciedade e com a aggravante de se dar n'um contrato de tal ordem que levantou as justas susceptilidades da opinião publica, e que essas justas susceptibilidades se aggravam ainda por esta nova prorogação.

O concessionario perdeu o direito ao deposito, como o Sr. Ministro da Marinha acaba de confessar.

Não estamos n'uma epoca em que se possa prescindir, por falta de um concessionario, confessado por e lie, de o fazer entrar na arca do Thesouro com 560 contos do réis.

Mas quando porventura - querendo em certo modo estar de accordo com a o Digno Par e seu amigo Sr. Sebastião Telles - se não quizesse por melindre usar d'este direito, podia muito bem aproveitar-se o ensejo para entrar em novas negociações com o concessionario, que não estava em condições de poder realizar o seu contrato, como elle proprio confessava, e haver uma innovação do contrato ; mas então sahissem d'esses segredos de Gabinete e viessem ao Parlamento com uma questão d'esta ordem, com que a opinião publica tanto se tem sobresaltado, e o Parlamento apreciaria se deveria ou não conceder-se a prorogação do contrato, eu se este devia ser rescindido.

O Sr. Sebastião Telles:- Não se exprimiu bera e por isso repete: a sua ideia era que se fizesse a liquidação do contrato, entregando parte do deposito, e que essa liquidação viesse á Camara, visto que o Governo não tinha auctorisação de a fazer, pronunciando-se então a Camara sobre o assumpto.

Entendia que assim se devia liquidar e acabar a questão do caminho de ferro de Benguella por uma vez para sempre.

O Orador: - Agradece as explicações do Digno Par Sr. Sebastião Telles.

Prometteu á Camara ser muito breve

porque quer captar assim a sua popularidade, por isso termina aqui as suas considerações.

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Não ha nenhuma moção na mesa para se votar. Vae encerrar a sessão. A proximo será na quarta feira 2 de março e a ordem do dia o parecer n.° 89 que modifica os contratos com o Banco de Portugal.

Eram 5 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 29 de fevereiro de 1904

Exmos. Srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marquezes: de Avila e de Bolama, do Lavradio, de Penafiel, de Pombal, de Gouveia; Condes : de Bertiandos, do Bomfim de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Valenças, de Villar Secco; Visconde de Athouguia; de Chancelleiros, Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Ferreira do Amaral, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Pestana Martel, Gusmão, Avellar Machado, Frederico Laranjo, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Pessoa de Amorim, Bandeira Coelho, D. Luiz de Sousa, Raphael Gorjão, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho.

Os Redactores:

EDUARDO SCHWALBACH.

(De pag. 278 a pag. 282, col. 1.ª e de pag. 287, col. 2.ª, a pag. 288, col. 3.ª)

JOÃO SARAIVA.

(De pag. 282, col. 2.ª, a pag. 287) col. 2.ª)

Rectificação

Nos Annaes, n.° 24, a pag. 261, col. 3.ª, onde se lê pag. 259 leia-se pag. 261.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×