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SESSÃO DE 28 DE MARÇO DE 1874

Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama

Secretarios-os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

(Presente o sr. ministro da fazenda.)

Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Não ha correspondencia.

O sr. Conde de Rio Maior: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda, e outro da commissão de negocios externos (leu).

O sr. Presidente: - Chegou agora um officio de que se vae dar conhecimento á camara.

Era do sr. visconde de Fonte Arcada e é o seguinte:

"Illmo. e exmo. sr. - O artigo 2.° da lei que tive a honra de apresentar á camara, por erro da redacção ou da copia, contradiz os fundamentos do referido projecto de lei, como se póde ver a pag. 452, lin. 51.ª; deve pois alterar-se o referido artigo pela maneira seguinte:

"Art. 2.° Os juizes da l.ª e 2.ª instancia e do supremo tribunal de justiça não poderão ser administradores, directores ou secretarios das referidas companhias."

"Rogo a v. exa. que tenha a bondade de apresentar este officio á camara, para que consinta que seja remettido á commissão de legislação, bem como. - publicado no Diario do governo.

"Deus guarde a v. exa. Lisboa, 28 de março de 1874.- Illmo. e exmo. sr. marquez d'Avila e de Bolama, digno presidente da camara dos dignos pares do reino. = Visconde de Fonte Arcada."

O sr. Presidente: - Como a publicação d'este projecto no Diario do governo foi votada pela camara e o digno par achou um erro na impressão, parece-me que a emenda deve tambem ser ali publicada (apoiados).

Tem a palavra o sr. Mártens Ferrão.

Vozes: - Não está na sala.

O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. conde da Ribeira.

O sr. Conde da Ribeira: - Mando para a mesa um parecer da commissão de negocios externos (leu).

O sr. Miguel Osorio: - Mando para a mesa os documentos que v. exa. teve a bondade de me confiar, e que vieram pelos ministerios das obras publicas e dos negocios do reino. Quanto aos das obras publicas, já hontem pedi ao sr. ministro da fazenda, e hoje torno a lembrar a s. exa., para que inste com o seu collega das obras publicas sobre a conveniencia de que venham os outros, pois não me parece que a remessa dependa de grande trabalho da secretaria, e são necessarios antes de entrar em discussão o projecto de caminhos de ferro das Beiras.

Quanto aos que vieram da secretaria do reino, desejava que v. exa. consultasse a camara, se permittia que fossem publicados no Diario do governo. Creio que não haverá inconveniente em se publicarem n'aquella folha, mas se o houver, eu pedia então que fossem publicacedos em separado, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

N'isso não póde o governo pôr difficuldade, visto que mandou os documentos para a camara, e mesmo porque a importancia d'elles é insignificante; consistem na portaria pela qual o governo de Sua Magestade ordenou á associação catholica que reformasse um dos artigos dos seus estatutos, e na correspondencia que a este respeito houve com o governador civil do Porto. Tratava-se de um ponto, para assim dizer, de jurisdicção. O governo entendeu, e creio que entendeu bem, que o governador civil não podia approvar estatutos senão para o seu districto, e como elles tinham um artigo que declarava que se podiam estabelecer filiaes da associação em todas as cidades, villas e aldeias do reino, o governo intimou n'uma portaria o governador civil respectivo, para que cassasse aquella auctorisação. Não ha mais do que isto, e portanto parece-me que póde ter logar a publicação que requeiro. Não desisto, comtudo, da minha interpellação; agora1 que vieram os documentos, reputo-me nas circumstancias de realisa-la e pedia ao sr. ministro da fazenda que prevenisse o seu collega do reino, para que s. exa. possa habilitar-se a comparecer aqui em dia conveniente, porque a sessão legislativa está a encerrar-se.

O governo deve ter opinião sobre esta materia; eu tenho-a; e desde que se annuncia a interpellação, o sr. ministro conhece quanto é desagradavel não lhe dar andamento; podem ficar supposições não só a respeito do governo, mas sobre ai pessoa que levanta a questão. Não quero declinar a responsabilidade das minhas opiniões, que não retiro, nem tenho motivos para retirar. As minhas idéas são baseadas sobre principios fixos. Pouco me importam as más apreciações que a respeito d'ellas possam por ventura fazer os homens das idéas contrarias; é isso mesmo o que eu desejo, pois não lhes pretendo agradar. Pedia, por tanto, ao sr. ministro da fazenda, pelas relações de amisade que temos, instasse com o seu collega para me tirar d'esta posição dubia. Eu quero sobre mim os odios dos meus contrarios.

Feitas estas declarações, rogava a v. exa., sr. presidente, consultasse a camara se auctorisava a publicação d'estes documentos no Diario do governo.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - Communicarei ao meu collega, o sr. ministro do reino, o desejo que o digno par tem de que elle venha quanto antes a esta camara responder á interpellação annunciada.

Quanto á publicação dos documentos, eu não os conheço; o digno par diz que têem pouca importancia, e eu peço licença para notar que, se a respeito da portaria não póde haver duvida (porque é um acto ostensivo do governo, não é segredo), a respeito da correspondencia com o governador civil do districto do Porto não se dá o mesmo caso, porque esta correspondencia póde ter um caracter confidencial; e não conhecendo eu esses documentos, não me atrevo a dizer se ha algum inconveniente em que sejam publicados.

Supponho que o meu collega não terá duvida em satisfazer o desejo do digno par, mas parece-me que será melhor ouvi-lo a este respeito.

O sr. Miguel Osorio: - A sessão está tão adiantada, e o sr. ministro do reino é tão pouco assiduo n'esta camara, que não poderemos sair facilmente d'esta questão.

Eu já disse o que era a portaria, e os officios não me parece que contenham cousa que não possa ser publicada; n'um d'elles explica o sr. governador civil as rasões, pelas quaes julga não ter exorbitado das suas attribuições na concessão feita á associação catholica, e no outro declara o sr. ministro do reino, que não duvida das intenções do sr. governador civil, mas que o seu fim era explicar a boa doutrina.

Eu não insisto, porém, na publicação dos officios no Diario do governo porque não a julgo absolutamente necessaria; mas, visto que o sr. ministro da fazenda não tem duvida em que a portaria seja publicada no Diario, peço então que os officios sejam publicados em separado, e distribuidos pelos dignos pares, para que possam tomar conhecimento do assumpto. No entanto, se o sr. ministro da

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fazenda podesse fazer com que o sr. Sampaio, antes de segunda feira, fizesse constar que não havia inconveniente na publicação, a camara poderia resolver então se se deviam ou não publicar os officios no Diario.

O sr. Presidente: - Parece-me ser melhor enviar os documentos ao sr. ministro da fazenda, para s. exa. os examinar, e poder declarar, ainda n'esta sessão, se não ha inconveniente na publicação.

O sr. Miguel Osorio: - Concordo com a opinião de v. exa., mas peço-lhe o favor de consultar a camara sobre se permitte a publicação, no caso de não haver inconveniente em que ella se faça.

O sr. Presidente: - Consultarei a camara depois de ter ouvido a opinião do sr. ministro da fazenda.

O sr. Mártens Ferrão: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre os projectos de lei de receita e despeza do estado.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - O sr. Mártens Ferrão, na qualidade de relator da commissão de fazenda, mandou para a mesa o parecer sobre o orçamento do estado.

Devo prevenir a camara que da outra casa do parlamento veiu grande numero de exemplares do parecer da commissão de fazenda d'aquella casa, que vou mandar distribuir já pelos dignos pares presentes, e aos ausentes serão entregues nas suas residencias. Parece-me, pois, que a unica cousa, que ha a fazer, o mandar imprimir o parecer da commissão d'esta camara, sem os outros documentos, porque estes estão incluidos no parecer da commissão da outra casa, que vae ser distribuido.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, v. exa. sabe quanto é conveniente que esta camara tenha o tempo preciso para discutir um objecto tão importante como é o orçamento; e como tem sido costume mandarem-se distribuir os pareceres pelas casas dos dignos pares, presumo conveniente, se v. exa. assim o entendesse, e a camara o approvasse, que se mande imprimir com urgencia este parecer, e que igualmente se faça distribuir pelas casas da dignos pares, para poder entrar em discussão na proxima segunda feira.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre este requerimento; mas antes d'isso acrescentarei uma circumstancia, e vem a ser que tenho a convicção que o parecer poderá ámanhã mesmo estar impresso, e ser distribuido pelos dignos pares, e com elle o parecer da camara dos senhores deputados, porque tenho, repito, a convicção de que, mandando-se imprimir com urgencia, ámanhã poderá ser distribuido por casa dos dignos pares. Hoje distribue-se pelos dignes pares presentes o parecer que já está impresso, e manda-se a casa dos que estão ausentes, e ámanhã poderão todos ter conhecimento do parecer. Portanto os dignos pares que são de voto que o parecer da commissão se mande imprimir com urgencia, e seja distribuido por casa dos dignos pares, a fim de entrar na proxima segunda feira em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Pestana: - Devo declarar a v. exa. que hontem me retirei da camara antes de se fechar a sessão, por incommodo de saude, e hoje pelo mesmo motivo me vejo obrigado a retirar.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 157

O sr. Custodio Rebello de Carvalho: - Sr. presidente, não estando presente na sessão de hontem o digno par sr. Pestana, relator da commissão, o qual se havia retirado da sala, em rasão de se achar incommodado de saude, e tendo agora feito o mesmo por igual motivo, eu, como membro da commissão, tendo assignado o parecer sem declarações, e approvando por consequencia o projecto a que se refere, vendo que elle tinha sido combatido por alguns dos mais illustrados oradores d'esta camara, julguei então dever pedir a palavra, não em nome da commissão, porque não estava para isso auctorisado, mas individualmente como membro d'ella, para apresentar algumas considerações, e dar as rasões que me levaram a approvar o projecto.

Parecerá, sem duvida, uma grande ousadia minha, que, não costumando eu tomar parte nas discussões d'esta camara, queira agora fallar n'um assumpto tão importante como este, e para tratar do qual são precisos conhecimentos especiaes, que não possuo. Assim é, e eu o reconheço; por isso peço á camara toda a indulgencia para commigo, e que se digne desculpar as faltas que eu commetter.

Sr. presidente, a lei de 9 de maio de 1872 lançou um imposto sobre os bancos para ser pago pelos lucros provenientes das suas transacções; mas essa lei tambem estatuiu que, emquanto aos bancos, a respeito dos quaes houvesse contrato oneroso, o governo viria a um accordo com elles, levando-o depois á approvação do poder legislativo.

O governo, reconhecendo depois que se dava o caso de contrato oneroso a respeito do banco de Portugal, entrou em negociações com elle por via da sua direcção, e depois de muitas conferencias chegou ao accordo de que a camara tem conhecimento.

Posteriormente quando se reuniu a camara dos srs. deputados foi-lhe presente o referido accordo, o qual foi remettido á commissão de fazenda para dar sobre elle o seu parecer. Nessa commissão, porém, levantaram-se duvidas e difficuldades com relação á approvação do mesmo accordo, e o resultado foi que a commissão não chegou a dar parecer, encerrando-se a sessão legislativa sem haver resolução alguma sobre o assumpto.

Agora, tendo-se passado um anno, o governo, ou fosse por causa da opposição ao accordo na camara dos srs. deputados, ou porque as circunstancias de hoje não sejam as mesmas de então, apresentou um projecto mais simples, o qual tem por objecto isentar o banco de Portugal do pagamento do imposto estabelecido pela lei de 1872 até o fim da sua duração legal, e ficar auctorisado a poder conceder ao banco a faculdade de continuar a emissão de notas, quando os accionistas resolvam continuar a existencia do estabelecimento.

É necessario advertir que no accordo celebrado ha mais de um anno havia concessões reciprocas. O banco desistia desde logo da maior parte dos seus privilegios, passando tambem a pagar o imposto estabelecido pela lei de 1872, e entrando assim na lei commum conjunctamente com os outros bancos; porém concedia-se-lhe a faculdade da emissão de notas no districto de Lisboa; esta era a principal vantagem que se lhe dava. Mas por outro lado tambem havia concessões a favor do governo, porque o banco, alem de começar a pagar o imposto, obrigava-se a fazer adiantamentos ao governo até 1.000:000$000 réis ao juro de 6 por cento ao anno.

Esta era a compensação principal; entretanto o governo, como já disse o sr. ministro da fazenda, vendo que as circumstancias do thesouro tinham melhorado, e não precisava talvez d'esses adiantamentos, tendo em vista tambem a opposição que o accordo tinha encontrado na camara dos srs. deputados, prescindiu d'elle, e apresentou este projecto mais simples, e no qual se determina que o banco seja isento do imposto até o fim da sua duração legal que acaba em 31 de dezembro de 1876, e que se possa conceder-lhe a faculdade de emittir notas no districto de Lisboa se o estabelecimento continuar desde esse tempo em diante. Para isto não houve accordo com o banco, aliás seria necessario ouvir a assembléa geral dos accionistas.

Portanto, com este projecto não se faz mais do que ratificar ou confirmar ao banco um privilegio ou isenção que já tinha. Quanto á emissão de notas, não ha aqui uma concessão definitiva, mas a faculdade de se lhe dar, no caso de que o governo o julgue necessario ou conveniente,

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quando os accionistas resolvam a continuação da duração do banco.

Passando agora a tratar do projecto na sua generalidade, eu considero-o dividido em tres partes. A primeira acha-se no artigo l.° que diz: " que o banco continua a gosar do privilegio da isenção de impostos até 31 de dezembro de 1876; a segunda é a que trata da continuação da emissão de notas no districto de Lisboa; e a terceira é o § unico do artigo 4.°, que estabelece que o banco não póde elevar a taxa do juro de õ por cento, sem approvação do governo."

Começo por tratar da primeira parte que é o artigo 1.° (leu).

Sr. presidente, tem sido combatida esta disposição do projecto como importando um privilegio ou isenção que se concede ao banco de Portugal. Este, é um dos pontos que os dignos pares teem impugnado; mas parece-me que não ha rasão para isso, porque a lei de 9 de maio de 1872 não podia ter effeito retroactivo, não podia impor ao banco de Portugal a obrigação de pagar um imposto, de que estava isento pela sua carta organica. Eu não quero entrar em largas considerações a este respeito. Passarei a ler á camara simplesmente um artigo da carta organica do banco, e outro do seu regulamento administrativo.

Em 1846 teve logar a fusão da companhia confiança nacional com o banco de Lisboa, que tinha sido creado em 1826, e ficou então existindo um só estabelecimento que se denominou banco de Portugal.

A carta organica do banco tem a data de 6 de maio de 1857, e ahi no artigo 17.° se diz o seguinte:

" O banco de Portugal não pagará tributo, imposto ou contribuição alguma pelas negociações, emprestimos ou transacções que fizer, tanto em relação ao resultado d'estas operações, como em relação aos titulos ou papeis de que usar."

gora diz tambem o artigo 11.° do regulamento administrativo do banco, approvado pelo governo em 15 de março de 1860:

"O desconto das letras e outros papeis de credito, usados no commercio, e o juro dos emprestimos sobre penhores, não excederá a rasão de 5 por cento ao anno."

Aqui está, pois, o direito concedido ao banco de isenção de impostos pela sua carta organica, e em compensação d'essa isenção e de outros privilegios ficou ao banco pelo seu regulamento o encargo de não poder descontar e emprestar a mais de 5 por cento ao anno. Isto é um prefeito contrato oneroso, que tem sido cumprido.

Perguntarei eu agora-se depois d'estas disposições, fazendo-se uma lei em que se lança aos bancos um imposto que tem de ser pago pelos lucros provenientes das suas transacções, e dizendo essa lei que quaesquer bancos, a respeito dos quaes houvesse contrato oneroso, o governo viria a um accordo com elles, devendo depois submette-lo ao corpo legislativo, podia o governo obrigar o banco de Portugal a pagar um imposto de que elle está isento por uma lei anterior? Não era isso faltar á boa fé dos contratos e prejudicar o credito publico, fazendo com que d'ahi por diante não houvesse confiança nos governos em transacções d'esta natureza?

No accordo celebrado ha mais de um anno o banco desistia desde logo da maior parte dos seus privilegios, mediante certas compensações. Começava desde logo, repito, a pagar o imposto estabelecido pela lei de 1872; porém, como esse accordo não foi approvado, o governo veiu propor ao parlamento uma cousa inteiramente differente. O artigo 1.° do projecto que se discute, e que isenta o banco de Portugal do imposto, não é pois um privilegio ou favor, é unicamente a ratificação ou confirmação de um direito que tinha, e não se póde agora ir obrigar o banco a pagar esse imposto sem compensação alguma e consentimento seu.

Eu poderia apresentar outros argumentos sobre este objecto para mostrar que a isenção que se concede ao banco não é favor, mas apenas a confirmarão de um privilegio que as leis lhe haviam dado, e que a lei He 1872 não podia revogar; não quero porém cansar mais a camara, e passo a occupar-me da segunda parte do projecto, que é a auctorisação dada ao governo para poder conceder ao banco a continuação do privilegio da comissão das notas.

Sr. presidente, pela maneira porque está redigido o artigo 2.°, se ha vantagem para o banco é bem pouca, porque se não faz mais do que, dar-lhe uma esperança de continuar a permittir-se-lhe a faculdade de emittir notas, ficando comtudo livre ao governo conceder-lhe ou não, e por esta occasião permitta-me á camara que eu tambem diga alguma cousa com respeito á circulação fiduciaria, que n'estes ultimos tempos tem sido tratada tanto no parlamento como na imprensa.

Pela minha parte não dou-a importancia que se tem dado a esta concessão feita ao banco. - Ella é na verdade valiosa, mas não tanto como a muita gente se afigura.

É valiosa porque o banco augmenta e facilita os seus meios de giro e circulação. Mas, se por um lado tem a faculdade de emittir as notas, tem tambem a obrigação de ter nos seus cofres uma grande somma para fazer face ao pagamento das que se lhe apresentem, e o banco de Portugal costuma ter sempre para este fim uma somma muito maior do que a que são obrigados a ter os bancos rios outros paizes; porque a verdade é que em Lisboa ninguem gosta de ter notas em casa, e o governo tambem as não costuma ter. Não ha ainda muito tempo que eu ouvi dizer a um director do banco, que a faculdade da emissão não teria as vantagens que muita gente suppõe, porque acontece ás vezes o banco fazer um pagamento em notas, e uma hora ou duas depois tornam a entrar-lhe pela porta dentro para trocar.

Os particulares, quando recebem um pagamento em notas, não as conservam em casa, de ordinario vão logo troca-las ao banco; e se isto acontece em Lisboa, rio Porto, por exemplo, que é a segunda cidade do reino, e muito commercial, não tem circulação as notas do banco de Portugal, porque ninguem as quer. A mim mesmo já tem acontecido quando ali passo de volta para a capital pedirem-me para aceitar, e dar metal por notas do banco de Portugal, porque lá não tem curso.

Direi mais á camara, que nas provincias ainda hoje nem se quer ouvir fallar em notas. Todas, ou a maior parte das transacções, são effectuadas em metal sonante. Quando começou a circulação das novas moedas de oiro e prata, o povo não as queria receber e estipulava sempre que os pagamentos seriam feitos em cruzados novos. Depois, com o andar dos tempos, foram-se acostumando á nova moeda, e hoje aceitam-na sem repugnancia nas suas transacções commerciaes e nos negocios particulares, mas não querem papeis.

Apresento estes factos á camara para mostrar que as notas de bancos, á excepção de Lisboa e Porto, não são aceitas nas outras partes do reino, e mesmo n'estas duas cidades encontram-se sempre difficuldades, se não na aceitação, ao menos na conservação d'estes titulos.

Agora, emquanto á emissão das notas, todos nós sabemos que não é grande favor, nem cousa nova, que se conceda ao banco de Portugal, porque elle já gosa d'essa concessão, e portanto não acho que haja inconveniente algum em lhe continuar este privilegio.

Sr. presidente, tem-se feito reparo sobre o § unico do artigo 2.° do projecto, pelo qual as notas do banco continuarão a ser recebidas em todas as repartições da fazenda publica como dinheiro de metal, mas os credores do estado não são obrigados a recebe-las em pagamento dos seus creditos. Diz-se que sendo o governo obrigado a receber as notas, se estas vierem a ser depreciadas e a ter desconto, e governo poderá ter com isso um grande prejuizo; porem a meu ver esses receios têem pouco fundamento.

Em primeiro logar aquella disposição foi copiada do ar-

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tigo 7.° da actual carta organica do banco, o qual tem sempre estado em execução sem offerecer o menor inconveniente na pratica; em segundo logar o governo póde manda-las trocar ao banco como fazem os particulares; em terceiro logar finalmente, se as notas viessem a ter desconto por não serem pagas promptamente, isso importava na suspensão de pagamentos ou fallencia da parte do banco, e então cessava da parte do governo a obrigação de as receber.

Mas, sr. presidente, eu entendo que convem ao governo, convém aos accionistas do banco e aos interesses do commercio, que se resolva com alguma antecipação esta questão da faculdade de emittir notas. A espectativa da concessão poderá influir mesmo na resolução que a assembléa geral houver de tomar sobre a continuação ou não continuação do estabelecimento, e por isso não me parece conveniente a approvação da proposta do digno par, o sr. marquez de Sabugosa, que quer que se elimine esta parte do projecto como desnecessaria ou intempestiva.

É isto, sr. presidente, o que se faz nos outros paizes, o que se fez quando se tratou de continuar a existencia do banco de França, do banco da Belgica e de outros.

A antecipação nestes casos é precisa, não só por conveniencia dos estabelecimentos, mas tambem por causa dos interesses do commercio, dos particulares, e do proprio governo.

Sr. presidente, tem-se dito que se concede ao banco de Portugal o privilegio da emissão de notas, sem compensação alguma.

Não vejo que esta concessão seja desde já obrigatoria; é ella facultativa, porque o artigo 2.° do projecto diz que, logo que o praso actual da duração do banco de Portugal seja legalmente prorogado pelos seus accionistas, o governo poderá conceder-lhe a continuação do privilegio exclusivo da emissão de notas.

O governo tem tempo de estudar a questão da circulação fiduciaria para em occasião opportuna a resolver como entender conveniente aos interesses do commercio e do paiz.

Supponhamos, porém, que este privilegio da emissão de notas não tinha compensação directa. Pois não terá sido compensação bastante os serviços prestados ao governo, ao commercio e ao paiz, em todos os tempos, pelo banco de Portugal? Citarei simplesmente tres casos acontecidos ultimamente.

Ha alguns annos que o governo, vendo-se em grandes apuros, entendeu dever tratar com o banco de Portugal para que recebesse em inscripções o resto que se lhe devia do chamado emprestimo dos 4.000:000$000 réis.

Devia o governo ainda um saldo de mil e tentos contos, e para o pagamento do juro e amortisação do emprestimo estavam destinados todos os annos trezentos e tantos contos.

O estado da fazenda fazia com que houvesse grande difficuldade em pagar com dinheiro o resto d'aquelle emprestimo, e então pagou-se ao banco, com annuencia d'elle, em inscripções a 50 por cento, quando ellas estavam no mercado a 47 e 48!

Foi este um grande serviço que o banco fez ao governo e ao paiz.

Nos ultimos tempos tambem o banco tem feito os adiantamentos necessarios para o pagamento das classes inactivas, alliviando assim o thesouro de uma grande verba. E ultimamente, ainda no anno passado, deu um grande impulso para a realisação do emprestimo nacional dos réis 38.000:000$000, em virtude do qual o governo ficou habilitado a pagar a divida fluctuante; e se não fosse o auxilio prestado pelo banco de Portugal, o emprestimo talvez se não faria.

Estes factos são para mostrar que o banco, em todos os tempos, tem prestado grandes serviços ao governo, alem dos que tem prestado ao commercio e aos particulares? fazendo emprestimos e descontando letras ao juro de 5 por cento.

Sr. presidente, ainda no anno passado, o banco de Inglaterra, que é o banco que estabelece a taxa de juro, que costuma servir de typo para a taxa seguida nos principaes mercados da Europa, teve, pela força de circumstancias, de elevar successivamente a taxa do desconto até 9 por cento, e o banco de Portugal conservou-a sempre a 5. Não seria isto um serviço que fez ao commercio e ao paiz? Que maior compensação se póde exigir ao banco do que estes serviços prestados em todos os tempos, e outros que ainda póde prestar?

Agora, sr. presidente, passo a tratar da parte do projecto, a que se refere o paragraho unico do artigo 4.° Diz este paragrapho: "O banco de Portugal não póde elevar a taxa do juro de 5 por cento sem approvação do governo".

Esta disposição não se achava na proposta do governo apresentada á camara dos senhores deputados, e foi ali inserida no projecto pela mesma camara no ultimo dia de discussão.

Na verdade, não sei para que vem esta disposição na lei. Se ella se refere ao periodo que falta para acabarem os privilegios do banco de Portugal, não havia necessidade alguma de ser aqui consignada, por isso que o banco não póde actualmente emprestar a mais de 5 por cento sem auctorisação do governo; mas se ella foi estabelecida no projecto para vigorar mesmo depois de acabarem os privilegios do banco, então parece-me uma disposição iniqua e insustentavel; porque desde esse tempo o banco entra na lei commum e em concorrencia com os outros bancos e não se lhe póde impor um onus a que elles não estão sujeitos. O privilegio ou faculdade da emissão de notas não vale similhante encargo.

Pelo projecto dá-se ao banco a espectativa de poder depois da sua actual duração continuar a ter a faculdade de emittir notas; mas acabando no fim de 1876 os seus privilegios, impor-lhe um encargo tão oneroso, como é o de não poder elevar a taxa do juro alem de certo limite, não se comprehende.

Sr. presidente, o banco deve regular a taxa do desconto segundo as circumstancias do nosso mercado, e dos principaes mercados da Europa.

Portanto não sei para que serve esta disposição. Já na commissão de fazenda me pronunciei contra ella, e desejava que q sr. ministro da fazenda me explicasse como se entende. É esta uma disposição que, a meu ver, não se devia inserir na lei; porque vae mesmo em certo modo coartar a liberdade do governo na resolução da questão da circulação fiduciaria, e impor-lhe a obrigação de conceder ao banco a faculdade de continuar a emittir notas; porque sem ella deixará de ter effeito aquella disposição a respeito da taxa do juro.

Não obstante estas ponderações eu não proponho a eliminação do § unico do artigo 4.°, e voto-o porque não desejo embaraçar a approvação do projecto.

Resumindo, pois, as minhas observações, direi que pelo projecto não se concede ao banco privilegio ou isenção alguma, simplesmente se ratifica ou confirma a isenção de não pagar impostos, que elle tem pela legislação anterior á lei de 9 de maio de 1872.

Emquanto á concessão que se lhe póde fazer da faculdade de continuar a emittir notas não é ella desde já obrigatoria para o governo. Elle fica livre, repito, para poder estudar a questão da circulação fiduciaria, e decidi-la depois como entender.

Finalmente, pelo que toca á taxa do juro, não proponho cousa alguma, para não crear embaraços á discussão e approvação do projecto. Voto portanto a favor d'elle.

Tenho concluido, e peço á camara me releve ter-lhe tomado algum tempo com estas poucas e mal alinhavadas considerações, pois o meu fim foi dar as rasões que me

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determinaram a assignar o parecer da commissão, e a votar pelo projecto que se discute.

O sr. Conde de Cavalleiros: - Uma vez que eu hontem fallei sobre este projecto, torna-se-me hoje necessario dar algumas explicações.

Entendo que, por muito sabios que sejam os jurisconsultos, as leis que fazem fechados no seu gabinete não podem ser mais perfeitas, que as que se fazem em casa onde se achem reunidos muitos homens, embora menos competentes. Isto é uma opinião de quem é ignorante, e não é jurisconsulto.

Sr. presidente, quando vim a esta casa para votar contra esta lei, dava-lhe uma importancia que neste momento vejo que ella não tem, e pelo discurso do meu honradissimo amigo, que acaba de expender as suas idéas sobre o projecto, vê-se que elle não é nada. O projecto é para se verificar d'aqui a dois annos e meio.

Disse o digno par que ha um contrato oneroso, ninguem porem contestou ainda n'esta camara que houvesse tal contrato. O que eu disse unicamente é que, existindo um contrato que não póde ser. alterado, ir hoje, em favor do banco com que se fez esse contrato, revogar uma lei que lançou aos bancos um imposto sobre os seus lucros, isso podia fazer acreditar que se queria fazer um favor ao mesmo banco, opinião esta que eu não seguia, porque de facto não se faz nenhum obsequio ao banco. Portanto era inconveniente vir aqui este artigo. E para que vem este artigo? Não sei, parece-me inutil. Pois se tudo fica como está, se este projecto não póde ter effeito senão daqui a dois annos e meio, para que foi esta pressa?

Temos aqui outra inutilidade no que diz respeito á emissão das notas. Pois se o banco pelo seu contrato póde emittir notas até o fim da sua existencia, para que vem aqui esta concessão, que só é precisa no fim de dezembro de 1876?

Ainda ha mais. Impe-se ao banco o onus de não emprestar a mais de 5 por cento, outra inutilidade. Pois se elle não empresta a mais d'essa taxa, para que vem aqui esta disposição, de que só se carece daqui a tres annos?

Isto tudo é para daqui a dois annos e meio ser o governo auctorisado a conceder ao banco de Portugal os privilegios que hoje tem, quer dizer, que é um voto de confiança que se dá ao governo, a este ou a outro, para auctorisar a continuação do privilegio da emissão das notas. Ora, eu é que já não dou voto de confiança a nenhum governo, nem a este, nem aos seus successores.

Mas, sr. presidente, deixemos isto e vamos ao que aqui ha de mais real n'este projecto, que é a disposição que estabelece que o estado fica obrigado a receber as notas do banco com o valor que ellas representam, emquanto que os credores do estado não ficam sujeitos a essa obrigação!

Aqui é que está a minha questão. E o sr. ministro da fazenda, respondendo a este ponto, disse que só podia haver inconveniente para o governo no caso, não provavel, de ser abalado o credito do banco. Ora, por muito grande que seja o credito do banco, e por muito pouco provavel que seja a circumstancia d'esse credito poder ser abalado, ninguem póde prophetisar que elle não tenha qualquer embaraço, que lhe occasione uma depreciação nas suas notas. Eu já vi isto em 1846; e se vier a acontecer o mesmo, o governo vê-se obrigado a receber as notas por um valor que ellas não têem, e não póde satisfazer com ellas aos seus credores. E como não se póde derogar este privilegio concedido ao banco senão por uma lei, o governo não póde negar-se a receber esta moeda, mesmo quando depreciada!

Sr. presidente, approvando nós a disposição d'este projecto, vamos de caso pensado, e com conhecimento de facto, estabelecer um principio, que n'um futuro mais ou menos proximo, póde trazer um gravissimo prejuizo á fazenda publica; e eu que não sou velho, ou, pelo menos, não o quero ser, já vi isto em 1846, epocha em que por uma nota de 4$800 réis não se recebia mais do que 2$400 réis.

Ora, este facto, que se deu em Lisboa, recaiu sobretudo nos particulares, e o governo não recebeu favor nenhum do banco.

Eu não estou de accordo com o meu amigo, o sr. Rebello de Carvalho, quando quer que se paguem, com esta concessão, os serviços que o banco tem prestado ao governo. Então, por este principio, tambem do vemos olhar para muita gente que fez grandes serviços ao estado; que gastaram o seu dinheiro é não receberam cousa alguma, como aconteceu com os que emprestaram 200:000$000 réis para se construir o hospital de marinha, e que até hoje nunca foram indemnisados, nem attendidos!

Quando eu entrei no parlamento em 1852, ouvi uma celebre questão a respeito de divida nova e divida velha; uns queriam que se pagasse a divida velha com prejuizo da divida nova, e outros queriam que se pagasse a divida nova não se importando com a divida velha; e no fim não se pagou nem uma nem outra.

Eu não quero embaraçar mais a resolução deste assumpto. A camara votará como entender, e eu fico na firme convicção de que se faz uma cousa má, porque, pelos argumentos do sr. ministro da fazenda, não fiquei convencido de que não póde haver este gravissimo prejuizo para o thesouro; e não posso aceitar a comparação feita por s. exa. dos prejuizos dos particulares, que não são obrigados a receber as notas, com os do governo, que é obrigado a recebe-las pelo seu valor nominal e ficticio.

Eu tambem tinha pedido a palavra para responder a algumas asserções feitas pelo illustre prelado de Vizeu; mas como o não vejo presente, dou por concluidas as minhas observações ácerca do projecto, agradecendo á camara a sua attenção.

O sr. Marquez de Vallada: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de negocios externos sobre um projecto, do qual tenho a honra de ser relator (leu).

O sr. Franzini: - Vou apenas fazer mui breves considerações para fundamentar o meu voto. O projecto de lei que se discute tem por fim auctorisar o governo a prorogar o privilegio do banco de Portugal; mas como o praso legal da existencia d'este estabelecimento só termina d'aqui a dois annos e meio, não posso deixar de considerar como inopportuna e desnecessaria qualquer resolução que se tome desde já com o caracter de provisoria.

Sr. presidente, para que se ha de já comprometter o futuro e pôr embaraços á solução da importante questão da circulação fiduciaria com a approvação d'este projecto de lei? Approvado este e outros projectos que o governo apresentou na outra camara, com o fim de auctorisar varios bancos a emittir notas, não podem resultar senão complicações para a solução de tão grave problema economico. Parece-me que o governo não tem opinião fixa sobre qual o systema a adoptar com relação á circulação fiduciaria. Actualmente o banco de Portugal tem o privilegio de emittir notas no districto de Lisboa, as quaes podem tambem circular em todo o paiz. Ha outros bancos que gosam já d'essa faculdade, com exclusão do districto de Lisboa, e ainda outros ultimamente a têem requerido; por consequencia ha varios systemas no paiz: privilegio exclusivo com relação ao districto de Lisboa em favor do banco de Portugal, e temos por outro lado, fóra do districto de Lisboa, liberdade de emissão.

O artigo 1.° d'este projecto isenta o banco do pagamento do imposto até 31 de dezembro de 1876, e a concessão d'esta isenção funda-se na existencia de um contrato oneroso. Não sei se existe contrato oneroso.

Parece que a discussão larga, que houve na outra casa do parlamento, auctorisa de certo modo, não a negar a sua existencia, mas a considera-lo pouco claro, porque se assim não fosse não poderia haver duvida sobre a sua existencia. O artigo 2.° concede o privilegio exclusivo da emissão das notas no districto de Lisboa, e o que é muito

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importante é que se acrescenta um paragapho, pelo qual as notas do banco de Portugal são recebidas como moeda metallica em todos os cofres publicos. Este paragapho unico ha de dar logar, em epochas anormaes, a que o thesouro se veja a braços com graves difficuldades. Para que isto se d'esse, bastava haver uma crise economica que affectasse o credito do banco, o que não é cousa impossivel de acontecer, e sendo o governo obrigado a receber nos cofres publicos as notas pelo seu valor, como se fossem moeda metallica, necessariamente as receitas seriam cobradas em notas que era uma moeda depreciada, e dado este caso que resolução tomaria, o governo? Ou havia de soffrer as consequencias da depreciação, ou obrigar o banco ao pagamento das notas por inteiro; mas eu duvido muito que tomasse uma resolução de tal ordem, porque tornaria mais terrivel a crise, promovendo a fallencia do mais importante dos nossos estabelecimentos de credito.

Por consequencia, esta concessão póde trazer em circumstancias anormaes, que podem dar-se, e que ninguem póde prever graves inconvenientes para o thesouro, e não vejo que em troca de uma concessão tão valiosa se de ao thesouro alguma vantagem.

O artigo 3.° estabelece que só por uma lei poderá ser retirada ao banco de Portugal e mais estabelecimentos bancarios a faculdade da emissão de notas.

Esta disposição deve ainda contribuir muito para difficultar que para o futuro se estabeleça e adopte um systema qualquer sobre circulação fiduciaria. Quanto mais numerosos forem os estabelecimentos que tiverem a faculdade de emittir notas, maior será a difficuldade de regular a circulação fiduciaria, estabelecendo-a definitivamente.

Em conclusão, sr. presidente, vejo que este projecto de lei concede vantagens muito importantes ao banco de Portugal, difficulta a futura resolução de um grave problema economico e nada concede ao thesouro; portanto voto contra.

O [sr. Sequeira Pinto: - O orador motivou o seu voto concluindo por declarar que approvava o artigo 1.° do projecto, no qual era reconhecido que entre o banco de Portugal e o estado havia contrato oneroso; mas que rejeitava os demais artigos, nos quaes se prorogava o privilegio da emissão de notas no districto de Lisboa ao mesmo estabelecimento bancario.

O sr. Miguel Osorio: - Requeiro que haja votação nominal sobre a generalidade do projecto.

Ò sr. Presidente: - Está extincta a inscripção, vou portanto consultar a camara sobre o requerimento do sr. Miguel Osorio.

Consultada a camara resolveu que a votação fosse nominal, e procedendo-se a ella ficou o projecto approvado por 26 votos contra 9.

Disseram approvo os dignos pares: - Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Marquezes, de Fronteira, de Sousa Holstein, de Vallada; Arcebispo de Goa; Condes, de Bonfim, de Fonte Nova, de Rio Maior; Viscondes, de Almeidinha, de Ovar. da Praia Grande, da Silva Carvalho, de Villa Maior; Alberto Antonio de Moraes Carvalho, Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho, Antonio de Gamboa e Liz, D. Antonio José de Mello, Antonio de Serpa Pimentel, Custodio Rebello de Carvalho, João de Almeida Moraes Pessanha, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, Rodrigo de Castro Menezes Pita; Marquez d'Avila e de Bolama, Eduardo Montufar Barreiros; Visconde de Soares Franco.

Disseram rejeito os dignos pares: - Duque de Loulé; Conde de Cavalleiros; Visconde de Condeixa; Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto, José Augusto Braamcamp, José da Costa Sousa Pinto Bastos, Marino João Franzini, Miguel Osorio Cabral de Castro, Vicente Ferrer Netto de Paiva.

O sr. Rebello de Carvalho (sobre a ordem): - Por parte da commissão de fazenda, mando para a mesa o seguinte parecer, que passo a ler (leu).

Em seguida foi lido na mesa, e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão na especialidade o projecto n.° 145.

Leu se o

Artigo 1.°

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, quasi que me podia dispensar de fallar sobre este artigo, visto ter exposto largamente as minhas opiniões sobre este projecto guando se discutiu na generalidade. Obrigam-me, porém, a fallar algumas expressões que ouvi ao sr. ministro da fazenda, expressões que eu deploro, e que são um documento vivo de que as circumstancias collocam muitas vezes o individuo abaixo da sua reputação. O elevado talento de s. exa. não era para fazer a defeza que fez ao projecto, o que me prova mais uma vez que este projecto não tem defeza possivel.

A argumentação do governo foi constantemente contradictoria. O governo não têem a franqueza da opinião, porque tem a fraqueza politica de a não ter. O governo se tem opinião é individual, porque collectiva não a tem, e se a tem é para declarar não a ter. Não podemos nunca obrigar a sair d'esta posição difficil os srs. ministros, e o sr. ministro da fazenda, que é um homem de conhecimentos praticos, que é mui versado n'esta materia, que é um homem que o paiz festejou, por julgar que vinha pôr um prego na roda d'este mau vehiculo, que se desconjuncta por falta de direcção, s. exa., que era talvez a unica força d'este governo, acha-se reduzido á posição dos governos que não têem uma idéa nem opinião seria a respeito de medidas que possam corresponder á utilidade publica.

O estado do governo em relação á maioria, n'esta questão, tambem é muito serio; apenas se levantou o meu amigo o sr. Custodio Rebello de Carvalho para defender o projecto, e a sua defeza equivale á sua derrota, porque s. exa. mais o combateu do que defendeu. O meu amigo o sr. conde de Cavalleiros tirou as illações que se podiam tirar dos argumentos que o sr. Rebello de Carvalho apresentou para defender o projecto.

O digno par trouxe para aqui as historias do accordo e do banco de Portugal, mas nós não sabemos se ha accordo ou se ha contrato oneroso, que a elle obrigue pela lei de 1872; quem o sabe são os legisladores de 1872 que votaram n'esta questão. O sr. ministro da fazenda disse que foi só para o banco de Portugal que determinou o accordo. Não o diz a lei. E porque? Porque, sr. presidente, havia divergencia de opinião no parlamento, uns de que havia accordo e outros de que não havia accordo. A opinião do sr. ministro da fazenda não sei qual foi, mas a do sr. presidente do conselho sei, porque disse claramente na outra casa que não havia contrato e que já o tinha sustentado em 1853. Mas o sr. ministro da fazenda oppoz-se a isso, e disse que a opinião do seu collega era individual. Estão em contradicção os ministros com a opinião do seu chefe e da maioria do parlamento. Pois um homem notavel que se acha á frente de um partido, e que tem sustentado uma certa ordem de idéas, póde nega-las quando chega ao poder, ou peior ainda, dizerem os seus collegas: as opiniões do meu collega não são as do governo?! Isto poderá ser, mas havemos de confessar que fica muito abalado o seu decoro politico e o systema representativo.

Supponhamos, porém, que isto não importa para nada; o que importa saber é se a legislação de 1872 contém essa disposição.

Esta lei, jia opinião do sr. ministro da fazenda, fallava só no banco de Portugal, e essa reticencia do legislador o que indica á que estava duvidosa, e para decidir esta questão deixava a decisão a quem competia. Ora, o sr. ministro da fazenda diz-nos que consultou o advogado do estado, que é o procurador da corôa, mas não é elle quem devia decidir esta questão, mas sim os tribunaes, e por mais respeito que me merece o sr. procurador geral da coroa, que tambem tem a competencia da auctoridade para dizer

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a sua opinião, mas não a tem para decidir; quem decide em questões de direito são os tribunaes; tirar-lhes as questões de sua competencia é uma invasão de poderes.

Sr. presidente, esta lei era inutil, com rasão o disse o sr. conde de Cavalleiros. A isto talvez queira responder o sr. ministro, dizendo: "Nós somos obrigados a cumprir a lei de 1872...". E eu vejo quasi a annuencia a esta resposta no silencio de s. exa.; o que não admira, pois nos conhecemos ha muito. "Nós somos obrigados a cumprir a lei de 1872, por isso vimos pedir ao parlamento esta auctorisação, porque não podemos fazer o accordo prescripto pela lei". Isto, porem, tem o inconveniente de não ser exacto: o governo fez um accordo, levou-o o anno passado á camara dos srs. deputados, viu que a sua maioria, aliás docil, não o era tanto que aceitasse aquelle desgraçado projecto, por isso, e só por isso, trouxe agora este projecto, fugindo assim, como sempre, a cheque por mudar de opinião.

A camara dos senhores deputados não agradou o accordo; desaccordou. A ella fica a responsabilidade do não cumprimento da lei; que mais quer o governo, elle já a não tem.

É claro porem que o governo, aceitando as alterações da camara dos senhores deputados, quebrou o accordo. Mas, se o governo acha que enfraquece a sua situação por ter sido quebrado o accordo, então visto que elle é o unico arbitro, segundo a nova theoria constitucional, para considerar politicas ou não politicas as questões, declare tambem o governo que essa questão não é ministreial e ficamos em santa paz! Ainda que são espinhosas aquellas cadeiras (apontando para as do ministerio), os ministros não querem d'ali sair. Sr. presidente, eu deploro esta situação, e tanto mais quanto é certo que vejo n'ella o meu amigo, que insisto em assim chamar, o sr. ministro da fazenda; somos amigos.

O sr. Ministro da Fazenda: - Apoiado.

O Orador: - Somos amigos, aparte as opiniões e a agrura com que as defendo.

Deixando de lado se era ou não questão politica, eu mesmo estou persuadido que, se o governo entendesse que não podia chegar a um accordo com o banco, tinha tirado de si toda a responsabilidade, obrigando o banco a cumprir a lei levando-o para os tribunaes e seguindo assim a opinião do sr. presidente do conselho.

Aos tribunaes compete decidir, mas para isso era preciso o governo levar lá o banco; são elles que decidem se ha ou não ha contrato, ou se é preciso accordo. Ficava resolvida a primeira de todas as questões, a principal, que é a de moralidade.

Nós vamos perdoar, ou suppomos que vamos perdoar o imposto a que o banco está obrigado, porque, desde que o governo diz ficando n'esta parte modificada a lei de 19 de de maio de 1872, é certo que suppõe que vae perdoar ao banco 32:000$000 réis. Nós vamos portanto dispensa-lo da sua contribuição.

Sr. presidente, este favor, que se faz ao banco, é de um pessimo effeito para o paiz; porque ao passo que os povos se acham sobrecarregados com grandes impostos, ao passo que se eleva o imposto de consumo por parte do governo e das camaras municipaes, dá-se um caracter de favor a esta concessão, que não póde ser bem vista pelo paiz, nem devia ser aceite pelo parlamento.

O sr. ministro da fazenda avançou uma proposição, que não póde ser aceitavel.

Disse s. exa.: "Ainda mesmo que haja duvida sobre se um contrato é ou não oneroso, o governo tem obrigação de pagar sempre os seus creditos, porque deve ser como os particulares no respeito pelas suas dividas, ainda que seja duvidosa a legitimidade d'essas dividas."

Parece-me que foram estas as expressões de s. exa. Sr. presidente, eu não posso adoptar tal theoria, nem mesmo creio que seja adoptada por s. exa., e digo isto porque não venho aqui senão para fazer justiça.

Se qualquer particular, isto é, se eu ou qualquer outro individuo, somos as pessoas competentes para reconhecer a legitimidade dos nossos debitos, se ainda, quando essa legitimidade póde ser contestada, nós a aceitâmos ou por necessidade ou por pundonor, para manter illesa a nossa honra, estamos no nosso direito de proceder d'este modo, mas o governo é que não póde ser assim nas questões que dizem respeito á nação.

O governo deve discutir pausadamente todos os debitos do estado, avaliar bem a sua legitimidade e não os pagar senão quando chegar á convicção de que esse debito é devido de uma maneira clara e legal. Se outro podesse ser o procedimento do governo, se nas suas mãos ficasse o direito de pagar os creditos sem um exame minucioso da sua legitimidade, se lhe bastasse o pretexto de não querer fazer questões para não envergonhar o seu nome, aonde nos poderia levar um governo pouco escrupuloso?

Sr. presidente, esta doutrina que não póde ser a do sr. ministro da fazenda, que não é, que s. exa. nunca sustentou quando estava na opposição, é ainda mais uma prova da triste posição em que se acha collocado por causa d'este projecto. A alta capacidade de s. exa. não é para avançar estas asserções.

Sr. presidente, as outras considerações que tenho de fazer têem mais cabimento no artigo 2.°, que diz respeito á questão da emissão, e portanto reservar-me-hei para fallar, quando elle se discutir, no entretanto se v. exa. entendesse que eu podia apresenta-las agora, evitar-me-ia o ter de pedir novamente a palavra e o sr. ministro da fazenda tambem utilisaria com isso, porque conheceria as minhas duvidas, e poderia responder-me quando usasse da palavra.

O artigo 2.° diz:

Logo que o praso actual da duração do banco seja legalmente prorogado pelos seus accionistas, o governo poderá conceder-lhe o previlegio exclusivo da emissão de notas, etc.

Ora, esta continuação do privilegio exclusivo da emissão de notas vem aqui não sei a que proposito. O fim principal da lei era o artigo 1.° O artigo 2.° podia, quando muito, ser objecto de outra lei, e em bem differentes condições. Porque vem isto aqui? E a proposito de que? A isto não respondeu nem póde responder o governo.

Disse o sr. Custodio Rebello "para que legislamos nós uma cousa que pertence ao banco ainda por dois annos? E ainda proseguia s. exa., será conveniente marcar a taxa do juro?"

Tambem me parece que não é, porque a taxa do juro é hoje uma das condições do banco, acaba d'aqui a dois annos, e se não fosse o querer-se-lhe dar já a certeza de que se lhe ha de dar para o futuro, se elle existir, a emissão, não vinha aqui a taxa de juro, que de nada vale; as condições economicas é que regulam a taxa, e quando o banco não poder fazer operações a 5 por cento o governo ha de subir o juro, ou o banco não faz operações.

Esta questão da faculdade da emissão de notas era aquella em que eu queria ver o governo mostrar opinião. Se o sr. ministro da fazenda pretende a unidade da emissão, traga francamente uma lei que a regule; abrir-se-ha concurso, e por certo não será só o banco de Portugal que se apresente a requere-lo, e então se lhe porão as condições, ou antes elles as offerecerão para obterem aquelle privilegio.

Porque é que o governo não ha de ter tambem opinião pró ou contra? Por isso que o banco de Portugal ainda tem dois annos para gosar dos seus privilegios, porque não ha de trazer aqui o governo um plano já estudado com madureza, pois que tem tempo, durante este periodo, de estudar a questão.

Mas, porventura, dá-se o caso do governo não poder ter opinião, pois que os ministros têem todos os dias de estar a transigir uns com outros; se não, a opinião do ministerio é boje uma, ámanhã outra; se não, havemos de ver a luta continuada que o sr. ministro, da justiça teve aqui ha poucos dias.

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O banco de Portugal não precisa absolutamente d'esta concessão; por consequencia, para que vamos nós resolver uma cousa em que os srs. ministros não se atrevem a ter opinião collectiva, e note-se que é uma questão d'aquellas que fazem escola, que são principio e em que não se póde dispensar que um governo não siga uma opinião. Pois n'uma questão de unidade ou de liberdade de emissão póde deixar-se de ter a opinião do governo? Por isso hei de propor o adiamento do artigo 2.°, pois é incontestavel que não ha nada que urja para resolver este ponto; e se ha urgencia, os actos de s. exa., o sr. ministro da fazenda, demonstram o contrario, porque tem admittido projectos para creações de bancos, usando da liberdade de emissão. O campo está aberto para as duas opiniões.

A unica maneira rasoavel de proceder n'este negocio seria nada decidir e por tanto adiar.

Mas, sr. presidente, o sr. Custodio Rebello de Carvalho disse: "que compensações se dão ao banco pelo juro de 5 porcento?..." S. exa. ainda quer mais compensações do que esta? Pois o direito de cunhar moeda, de augmentar os seus capitães e obter juros d'esse augmento até onde a capacidade do mercado o permittir, é um pequeno favor? Parece-me que não é pequeno favor e que nós poderiamos d'elle auferir algum lucro para o estado. Nós podiamos ao menos n'este ponto estabelecer agora um imposto ás notas.

Disse o sr. ministro, que imposto queriamos que se apresentasse? A resposta é facil. Se nada por emquanto se póde fazer, nada se faça, e não se traga aqui esta lei, espere-se pela situação proxima, porque está a acabar o praso para o banco de Portugal poder gosar dos seus privilegios. Todos sabem que este banco tem sido muito acanhado nas suas operações, o que nada auctorisa a esperar que elle venha a ter maior desenvolvimento nesta materia. Por outro lado, sabe-se tambem que estamos n'uma situação financeira muito prospera, e tão prospera que tem resistido aos actos dos srs. ministros! É pois occasião propria para esperar que todos os bancos possam vir solicitar o privilegio, e quando houver concorrencia, elles proprios offerecerão compensações mais vantajosas pelo privilegio que solicitam. Aceitarão o imposto, aceitarão a limitação da taxa do juro, em fim offerecerão todas as vantagens que poderem para obter a preferencia na concessão do privilegio. É uma questão de mercado. Preparar mercado, é que não compete ao governo. Que necessidade havia pois d'esta lei? Esta lei é tão imperfeita que o seu sentido ou espirito ha de custar a achar aos jurisconsultos, creio que ella é a unica que tem dois espiritos ou sentidos juridicos. Os jurisconsultos fallam só n'um espirito, quando se referem ao espirito de qualquer lei; esta porém é mais espirituosa, tem dois espiritos, um no artigo l.º, e outro no artigo 2.°, e no 3.°, que contém materia differente d'aquelle, e com o qual não tem ligação, nem nexo. Tudo isto mostra o desejo que o governo teve de auxiliar o banco, e tanto que até se veiu dizer, que aos esforços d'elle deve o governo o bom exito do emprestimo nacional.

Ora todos sabem que a abundancia de capitaes brazileiros que têem affluido ao paiz, e mesmo os que estavam na divida fluctuante e que não achando outro emprego é que entraram no emprestimo nacional, é que concorreram para o bom resultado d'esta operação de credito, e não a intervenção do banco de Portugal. Bem sei que este banco e outros garantiram uma parte da subscripção; mas por isso não se póde dizer que se não fosse aquelle banco talvez o emprestimo se não fizesse. O que é mais natural é que o banco de Portugal, sempre tão timorato e tão cauteloso, lançando-se pela primeira vez n'estas operações, não tivesse em vista senão obter as boas graças do governo, para conseguir que elle trouxesse aqui esta lei.

O banco de Portugal vendo proximo o seu fim, reconhecendo que nos dois annos que lhe restam não poderia incutir grande confiança aos seus accionistas a quem tem dado escassos dividendos, no estado de florescencia bancaria em que se acha o paiz, creando-se bancos em toda a parte, factos que lhe poderiam causar graves prejuizos, tanto mais que até hoje descurou completamente o estabelecimento de caixas filiaes de que tantas vantagens poderia ter tirado, apressou-se em pedir ao governo que o salvasse, concedendo-lhe a emissão das notas, e preparando-lhe uma situação no futuro, que sem este auxilio elle nunca poderia obter.

Sr. presidente, a inserção d'este artigo 2.° na lei, que absolve o banco de Portugal do pagamento do imposto, é um favor que se lhe concede injustificavel, e note-se, que este governo prende os gabinetes futuros para poderem escolher outro banco, pois é só para este e para mais nenhum. O artigo diz (leu).

Por consequencia, é ao banco de Portugal que se procura conceder esta vantagem, e não tira o estado proveito algum, apenas para o paiz ha a compensação da taxa de juro, vantagem duvidosa como já provei. É certo que o sr. Custodio Rebello diz que é um grande prejuizo, veremos se o banco assim o julga e recusa o privilegio.

Tomara eu que me auctorisassem a fazer dinheiro de papel com a condição de não o poder emprestar senão a 5 por cento. Poder emittir no mercado tanto dinheiro em papel sem fazer alterar a taxa do juro, não é grande sacrificio, creio eu.

Se o banco não tem tirado todas as vantagens que podia e devia tirar da emissão, queixe-se da sua cautela, queixe-se de não ter sabido aproveitar-se de todas as occasiões de que os outros estabelecimentos bancarios se têem sabido aproveitar.

Sr. presidente, este preparo antecipado para o banco de Portugal é que eu não acho aceitavel da parte do governo, e não o acho decoroso, ainda mesmo que os srs. ministros estejam completamente desafogados de relações com aquelle estabelecimento, como eu acredito, porque isto póde trazer comsigo motivos para desconfiança, que eu não tenho, mas que outros podem ter. Eu não acho censuravel que se queira, nos limites do justo e do possivel, favorecer uma corporação, que na realidade, como disse o digno par Rebello de Carvalho, tem prestado (o que eu não contesto) bons serviços ao estado; mas tendo, todavia, sempre em vista os seus interesses, porque, apesar de prestar estes serviços, nem por isso tem deixado de tirar lucros. Acredito que os podesse tirar maiores, mas o facto é que não tem prestado esses serviços desinteressadamente.

Ora isto poderia servir de base para se lhe conceder o privilegio da emissão, quando o governo tivesse estudado devidamente o systema a adoptar com relação á circulação fiduciaria, e se tivesse pronunciado pela unidade d'essa circulação.

Então devia dizer-se no projecto que em igualdade de circumstancias seria dada preferencia ao banco de Portugal.

Até aqui podia ir o legislador, porque até aqui é admissivel o principio de gratidão publica; d'aqui para diante nada mais.

Sr. presidente, é inaceitavel o projecto em todas as suas disposições, mas ainda menos aceitavel no artigo 3.°; e sinto as considerações que aqui foram apresentadas sobre as circumstancias em que ficaria o banco se não se lhe fizesse esta concessão.

Eu bem sei que essas circumstancias podem ser motivadas mais pelo receio das perturbações economicas, do que por outras causas.

Essas perturbações, porém, não são provaveis, ainda que sejam possiveis. Mas d'isto mesmo se livrava o governo não apresentando agora esta questão, porque no concurso que se abrisse para a unidade fiduciaria ninguem se atreveria a propor uma tal condição. Refiro-me ao governo ser obrigado a aceitar as notas em condições diferentes dos particulares.

O sr. ministro da fazenda disse que a responsabilidade

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que o governo tomava d'esta garantia concedida ao banco dá-se em toda a parte, quando se trata de um banco privilegiado; mas desde que se não d'esse esse privilegio a nenhum banco, não havia essa responsabilidade.

Por consequencia, esta questão do privilegio, a que o sr. ministro não ligou muita importancia, mas que a póde ter, ficava resolvida desde que o governo não mettesse na lei este artigo, e se deixasse ficar á espera da epocha em que finda o praso da existencia legal do banco, para trazer então ás côrtes uma solução definitiva a este respeito.

Sr. presidente, não nos enganemos; estes assumptos são comesinhos, todos o sabem, e por isso os meus argumentos não têem tido resposta seria.

Respondendo ainda ao sr. Custodio Rebello, direi que para o banco não é grande onus a taxa de juro, é quasi uma ficção e nada mais; o banco não póde elevar a taxa do juro senão com auctorisação do governo, é exacto; mas o governo, reconhecendo a necessidade de o banco elevar a taxa do juro, póde negar-lhe a faculdade para isso? De certo que não. Isto é uma questão de mercado. É certo que essa restricção servia para attenuar e pôr uma certa barreira á especulação, mas isso até certo tempo podia ser aconselhado como uma medida necessaria, mas hoje, que temos tantos bancos, e que não é já para temer que haja conluios para elevar a taxa do juro, como succedia quando se estava á mercê das operações bancarias dos particulares, não tem valor nenhum similhante restricção. O banco de Portugal foi quem desenvolveu entre nós a industria bancaria. N'aquelle tempo era uma condição util não poder o banco elevar a taxa do juro, hoje é uma cousa quasi insignificante, porque d'ahi não provem grande vantagem para o publico. Todos sabem que o banco mesquinho nas suas operações, que faz uma emissão ridicula de notas, que ainda não estabeleceu as caixas filiaes sufficientes para tornar conhecidos esses papeis em differentes pontos do reino, onde são completamente desconhecidos. Portanto, não dá nenhuma garantia, nem nenhuma esperança, de que possa desenvolver muito as suas transacções; e por isso é mais difficil de justificar a necessidade de lhe preparar uma situação prospera.

Em vista do desenvolvimento que tem tido ha dois annos para cá a creação de bancos, é necessario que não fechemos a porta a quem fizer por menos as concessões que se estabelecem neste projecto, e não ir desde já preparar uma situação especial para, o banco de Portugal.

É isto o que tenho a dizer com relação a este desgraçado projecto, para o qual requeiro votação nominal, para que se tique sabendo que eu voto contra esta lei e contra todas as suas disposições, porque não acho nenhuma aceitavel.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa um parecer da commissão de legislação.

O sr. Ministro da Fazenda: - Farei breves considerações, por isso mesmo que a questão está esgotada.

Repetem se constantemente n'esta casa os mesmos argumentos que se expenderam na camara dos senhores deputados. Trata-se de isentar o banco da obrigação de pagar o imposto, modificando assim a lei de 9 de maio de 1872, e trata se tambem de ver se o governo está obrigado a manter esta isenção.

Disse s. exa. que isto é a questão do contrato oneroso, questão debatidissima. Tambem se diz que é um favor ao banco. Respondi que não era favor, e sinto que s. exa., que possue dotes de intelligencia, que muito aprecio, precise recorrer ao expediente de repetir que se faz um favor ao banco de Portugal, em quanto o povo geme debaixo dos onus do imposto de consumo. Repito, isto não é um favor, é simplesmente a applicação de uma lei.

Diz o digno par que quem decide estes assumptos hão são os fiscaes da corôa. Mas proponho eu por ventura que o decidam os fiscaes da corôa? Quem decide é o parlamento, e para isso é que aqui vem este projecto. Os fiscaes da corôa foram consultados pelo governo, como era regular para dar a sua opinião sobre se havia ou não contrato oneroso. Fortes com esta opinião auctorisada, que é tambem a opinião do governo, trouxemos este negocio ao parlamento. Não ha nada mais regular.

Se o governo tivesse decidido a questão por si mesmo, ou pelos fiscaes dar corôa, não a traria aqui. O veredictum sabre o assumpto é lavrado pela camara, tal é o intuito da apresentação d'este projecto.

Disse-se tambem que este projecto é completamente inutil. Todavia que estatue a lei?

A lei diz terminantemente que com todos os estabelecimentos, com os quaes houver contracto oneroso, o governo deve proceder a um accordo. Ora no numero d'estes estabelecimentos estava o banco de Portugal, portanto o governo tinha de fazer um accordo trazendo á camara um projecto de lei.

Eis os factos e a rasão de ser do projecto.

Dizer-se que é um favor o que se faz ao banco, dispensando o do pagamento de contribuições, emquanto que as classes menos favorecidas gemem debaixo do peso dos impostos de consumo, é appellar para a declamação, provando-se, por esta fórma, até á saciedade não existirem argumentos para combater o projecto.

Quaes são os impostos de consumo com que este governo sobrecarregou as classes pobres e menos favorecidas? A ultima lei sobre impostos de consumo, proposta por este governo, e approvada pelas camaras, reduzia de 10 a 7 réis o imposto do consumo sobre o vinho. Eis aqui como este governo sobrecarrega o povo de impostos de consumo! Emquanto aos impostos de consumo lançados pelas camaras municipaes, o que tem o governo com isso? Pois não são as camaras municipaes completamente independentes do governo na creação destes impostos? São lançados pelos municipios!? Este argumento é, como disse, meramente declamatorio, e só prova a escacez de verdadeiros argumentos.

Com respeito ao contrato, alguns dos dignos pares, que têem combatido o projecto, declaram que o reconhecem contrato oneroso. Esta mesma declaração acaba de ser feita por um illustrado jurisconsulto que, combatendo o projecto, approva todavia o artigo 1.°, reconhecendo a existencia do contrato oneroso.

Na sessão passada disse eu que a probidade de um governo era como a de qualquer particular, e era caso de duvida o seu proprio credito impõe-lhe o dever de pagar. N'um particular o dever póde ser unicamente de consciencia; nos governos é necessidade imperiosa, porque estes precisam do credito para realisar as operações financeiras que o paiz exige.

Mas, diz o digno par, o governo o que não póde é ser juiz, e os particulares podem para descargo de consciencia pagar sem hesitação; os governos que são meros administradores não devem pagar senão o que deva ser.

O governo é verdade que é mero administrador, e por essa rasão mesmo é que se não constituiu era juiz, e trouxe o projecto á camara. Se se constituisse em juiz decidiria por si, mas desde que é administrador da fazenda publica não o podia fazer, e por isso trouxe o projecto á camara.

Eis o que o governo fez, apresenta-se á camara e diz: "entendo que existe contrato oneroso." O procedimento do governo foi expor a sua opinião, e disse-a com franqueza. De harmonia com essa opinião, faz um projecto de lei, apresenta-o á camara, e ella aceita-o ou rejeita-o. É pois o parlamento e não o governo que decide.

Diz tambem o digno par que o governo não tem opinião sobre a emissão. Já disse na outra e n'esta camara que o governo é partidario da unidade da emissão.

Esta questão é grave, e os mais distinctos economistas hesitam sobre a sua resolução. Na Europa os governos das nações mais adiantadas seguem, a opinião da unidade. É

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possivel que no futuro venha a estabelecer-se a liberdade da emissão, ou pelo menos a pluralidade. Nas actuaes circumstancias entendo que o que mais convem é a unidade. Mas porque é que não proponho desde já a unidade, se é esta a minha opinião, e a opinião do governo? Por um motivo muito simples, porque respeito, não direi os direitos, mas os interesses creados á sombra da legislação vigente. A unidade ha de se estabelecer mais tarde pelo accordo de todos, ou pelo menos de modo que não fiquem prejudicados os bancos que fóra do districto de Lisboa gosam hoje da faculdade da emissão, mas em quanto não mudarem as circumstancias, emquanto se não vier a esse accordo, o governo não propõe a unidade da emissão.

Esta é a opinião segura e clara do governo sobre este objecto, e quando se diz o contrario é porque se não ouviram as declarações que em nome do governo tenho feito n'esta e na outra casa do parlamento.

Disse tambem o digno par, referindo-se ao discurso do digno par o sr. Custodio Rebello de Carvalho, que a sujeição da elevação da taxa do juro á approvação do governo não era um onus para o banco, ou uma vantagem publica, porque quando o banco pedir a elevação da taxa, quando as circumstancias do mercado determinarem essa elevação, o governo ha de conceder-lha. De accordo, mas lembrarei ao digno par que a regra desde largo tempo é que o banco de Portugal desconta a 5, em quanto todos os outros descontam a 6. Não será isto um grande beneficio para o commercio?

Diz ainda o digno par, de passagem, que o serviço que o banco de Portugal fez ao estado, na extincção da divida fluctuante, foi um favor de que o governo podia prescindir, porque o que fez o emprestimo foi o capital do Brazil, e não sei que mais. O que fez o emprestimo, sr. presidente, foi a confiança publica.

Fiz estas reflexões para responder ás observações do digno par, que julguei não devia deixar passar sem resposta da minha parte; mas parece-me que as rasões, de um e outro lado, estão esgotadas, e por isso não direi mais nada.

O sr. Presidente: - Não está mais nenhum orador inscripto, e portanto vou pôr o artigo 1.° á votação.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.°

O sr. secretario leu-o.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Ferrer: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, tenho-me abstido de entrar na discussão d'este projecto, porque ha muitos annos professo a maxima de não tomar a palavra senão quando posso dizer alguma cousa nova que interesse á discussão, para a esclarecer.

O assumpto principal d'este projecto é a emissão das notas. Ora, eu tambem tenho estudado economia politica. Segui a discussão que na imprensa se levantou a respeito d'aquella emissão, VI o que se escreveu por um e outro lado, tenho lido nas sessões, que estão publicas, o que se disse n'outra parte do parlamento, e confesso francamente que esta materia está pouco esclarecida entre nós; pelo menos, até onde chega a minha pequena capacidade, entendo que é uma questão nova no nosso paiz, e que não têem sido dos mais adequados os meios para a conhecer bem e avaliar. Eis a rasão por que me abstive de fallar, conservando-me attento ouvinte, para ver se quaesquer argumentos podiam tirar do meu espirito as duvidas sobre esta materia, e sigo assim a opinião enunciada pelo meu amigo, o sr. Miguel Osorio; vale bem a pena adiar a resolução da doutrina d'este artigo, para d'aqui a dois annos, sendo elle discutido na imprensa mais largamente, e deixa-la assim estudar pelos srs. ministros. É um ponto grave, e não ha necessidade de o resolver desde já.

Mas, sr. presidente, levanto-me para pedir ao sr. ministro da fazenda que me elucide sobre uma duvida que tenho n'este artigo. E agora aproveito a occasião para felicitar a s. exa. pelo modo como proferiu o seu discurso. O seu collega, o sr. ministro da justiça, não segue este systema de responder a todos os argumentos. S. exa. faz isto, e muito bem. Assim é que pratica o homem que tem talento, e estuda as questões; não se limita a fazer um sermão, mas segue os argumentos dos adversarios e procura destrui-los quanto cabe em suas forças.

Isto é o que se chama discutir, e dou muitos louvores ao sr. ministro da fazenda por ter adoptado tal systema.

A minha pergunta é esta: diz-se no projecto que as notas correrão em todo o reino; que o governo é obrigado a aceita-las na repartição de fazenda, mas que os credores do estado podem deixar de aceita-las. Não trará isto grandes difficuldades ao thesouro? Parece-me que sim, porque a este respeito o que vejo praticamente é o seguinte:

Nas provincias não querem notas; escusam de se matar, que não as recebem; não é possivel metter na cabeça do nosso povo que um bocado de papel vale 20$000 réis, digo, ou mais: ha homens com bastante estudo, e espiritos bem esclarecidos, que dizem francamente em toda a parte que não podem persuadir-se que em Portugal o papel seja dinheiro. Só no caio de serem depreciadas, terem desconto, então sim, então é que vão as notas todas á provincia, porque é facil de comprehender que, comprando-se as notas por menos do que representam, e pagando-se com ellas pelo preço representativo, toda a gente ha de compra-las para fazer os seus pagamentos ao estado; por consequencia, se se der o caso de haver desconto nas notas, o que infelizmente póde acontecer, conte o governo que não recebe mais dinheiro em moeda corrente. Ha de receber tudo em notas, porque os credores do estado hão de querer aproveitar o lucro que tiram d'esta fórma de pagamento.

Teremos assim um grande consumo de notas em todo o reino em proveito dos particulares, e o governo não poderá pagar com ellas aos credores do estado, porque a lei diz que elles não são obrigados a recebe-las.

Quererão os credores do estado receber notas quando tenham desconto? De certo que não.

Pergunte, pois, ao sr. ministro da fazenda o que ha de o governo fazer ás notas? Ha de emitti-las no publico com desconto? Não, porque teria uma grande perda, seria grave o prejuizo para a fazenda publica.

Ha de ir desconta-las ao banco? Não, porque o banco não quereria emitti-las depois com prejuizo.

É claro, portanto, que o resultado ha de ser sempre mau para o thesouro.

O digno par e meu amigo, o sr. Miguel Osorio, trata-me com tanta bondade e tanta consideração, que não me levará a mal uma observação que lhe vou fazer.

S. exa. acha que o ministerio está em contradicção, e que isto não é conforme á carta; mas, é necessario que s. exa. saiba uma cousa.

Pensa o digno par que a carta é só a que deu o Senhor D. Pedro IV e o acto addicional. Está enganado. Agora ha segundo acto addicional.

Vou explicar o meu pensamento.

Todos nós sabemos que a constituição ingleza é composta da carta dada por um rei, cujo nome me não occorre agora, e essa carta tem apenas meia duzia de artigos, e o que completa essa constituição são os estylos parlamentares.

O governo actual entende que a nossa carta e o acto addicional não são sufficientes, e como não quer a discussão da carta no parlamento, porque essa discussão podia assustar o publico...

O sr. Miguel Osorio: - Mas confessa que é precisa.

O Orador: - Quer elle faze-la, estabelecendo estylos novos. Por exemplo, entendeu-se sempre em Portugal e entende-se em Inglaterra (a mestra d'esta fórma de governo), que quando um governo perde uma votação em qual-

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quer das camaras deve demittir-se ou dissolver as côrtes. Isto faz-se constantemente em Inglaterra e em todos os paizes regidos por instituições liberaes. Mas aqui querem-se estabelecer estylos novos.

O governo perdeu a maioria em uma questão na outra casa do parlamento e ficou muito bem descançado, porque declarou que a questão não era ministerial.

E porque não era ministerial? Porque? Disse o aqui o sr. presidente "porque eu declarei na outra casa do parlamento que a questão não era politica."

Oh, sr. presidente! Pois então as questões são ou deixam de ser politicas quando o governo quer?! Pois o juiz da existencia ou não existencia de questões politicas é o governo?! Pois o governo é réu, as camaras são os juizes, e o réu é que classifica as questões a seu talante? Sr. presidente, a carta constitucional diz: "que ao parlamento pertence examinar a marcha governativa do ministerio" e dá lhe os meios necessarios para obrigar os ministros a largarem aquellas cadeiras (apontando para as do ministerio), quando chegue o caso em que as devam largar. Lá diz que as camaras têem os cordões da bolsa do dinheiro do povo para votar ao governo os meios, sem os quaes não póde subsistir, lá determina tambem que o processo de accusação tem origem na outra casa do parlamento, e deve vir para esta camara se constituir em tribunal de justiça. Tudo isto significa que o juiz dos actos do governo não é elle proprio, é o parlamento.

Sr. presidente, não ha governo representativo n'este paiz.

O sr. Miguel Osorio: - Apoiado.

O Orador: - Vou mostrar que o não ha.

As questões são ou não ministeriaes, são ou não politicas, pela sua importancia, pelos seus effeitos. Assim se entende em toda a parte. E se a doutrina dos srs. ministros fosse verdadeira, nunca havia questão politica. Perdendo a maioria em qualquer questão, não tinham mais do que dizer: "o governo entende que a questão não é politica."

Oh, sr. presidente, ensinem-me por favor quando é que as questões são politicas? O governo é que o ha de dizer?! E sendo assim, haverá governo que podendo fazer tal declaração queira largar as pastas porque ficou vencido n'uma votação? Nenhum larga, porque não é questão politica, o governo assim o entende.

Mas, sr. presidente, para mim o argumento peior não é este. Entendo que o governo que não for solidario não é governo constitucional. Desde 1834 até hoje todos os governos sustentaram sempre que eram solidarios. Agora pergunto eu se este ministerio e solidario? Que me responda o sr. ministro, quando cada um dos seus collegas tem opinião para seu lado em importantes e differentes materias, e quando votam de varios modos; dois, por exemplo, que votaram na camara dos senhores deputados contra um projecto, vieram aqui e votaram a favor d'esse mesmo projecto! É um espectaculo lastimoso!

O sr. Miguel Osorio: - E bem lastimoso!

O Orador: - Ha um membro do gabinete que está em contradicção até comsigo proprio; no sabbado quer uma cousa, na segunda feira quer outra! Isto nunca se viu! Mas é um novo acto addicional á carta, embora não seja governo representativo.

Citarei, uma idéa que no momento actual me parece importante.

Na outra casa do parlamento levantou-se a questão, se o ministerio estava ou não em crise, e com rasão se levantou em vista d'estes acontecimentos de que acabo de fallar. Eu desejo tambem ouvir o sr. ministro da fazenda a tal respeito, já que os seus collegas não nos honram com a sua presença. Entendo que o ministerio deve ser solidario, ainda que de facto o não é, e por isso espero que s. exa. me de algumas explicações a respeito da crise. Eu sei que a resolução das crises é um acto do poder moderador, e tambem sei que os actos d'este poder são referendados pelos srs. ministros e que elles, salvo se quizerem fazer um novo acto addicional, são responsaveis pelas decisões do mesmo poder moderador. Os ministros cobrem com a sua responsabilidade a pessoa do Rei, que é sagrada, inviolavel e digna de todo o respeito, não podendo ser trazida de modo algum para a discussão. Mas uma cousa é o chefe do estado, que é irresponsavel, outra cousa são os seus ministros que respondem pelos actos d'elle, pelo que faz e por aquillo que deixa de fazer, porque se entende que os srs. ministros aconselham a El-Rei o que ha de fazer ou deixar de fazer.

Quer a camara saber como se mantem estes principios? Se, quando os ministros aconselhara ao chefe do estado que faça ou não faça uma cousa, El-Rei pratica um acto que elles entendem que não devia praticar, os srs. ministros têem na sua mão a liberdade de deixarem os seus legares e retirarem-se, dizendo respeitosamente ao chefe do estado: senhor, nós entendemos que a resolução que Vossa Magestade houve por bem tomar não é conforme com as doutrinas parlamentares, ou com as disposições da carta, ou com os interesses publicos, etc. Emfim, devem declarar as rasões que tiveram para se verem obrigados a pedir a sua demissão.

Isto é que é o governo parlamentar. Não é o que estamos vendo. Peço, pois, ao sr. ministro que nos diga o que ha a esse respeito; e se ha alguma resolução de Sua Magestade ou se o governo está em crise, em fim o que ha, para nós sabermos o que devemos pensar com relação ao gabinete.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda: - O digno par acaba de enxertar uma interpellação sobre grave materia politica na discussão relativa ao banco de Portugal; não sei se isto está na carta constitucional, o que sei é que não está no regimento d'esta camara. Podia, portanto, dispensar-me de responder a s. exa. n'essa parte; todavia é tanta a deferencia que tenho por s. exa., que sempre direi alguma cousa em resposta ás suas considerações.

Perguntou o digno par se o governo é quem decide ou não os conflictos, quando n'uma questão qualquer ha divergencia entre elle e a maioria. Eu podia responder com outra pergunta, isto é, se o digno par é quem decide essas questões.? Embora o governo ou a opposição tenham motivo para dizer que uma questão é politica, quem é que decide é o parlamento. S. exa., que é conhecedor da historia dos parlamentos de todo o mundo, sabe que, quando se levanta uma questão d'essas, o que se faz é propor um voto de confiança, e o parlamento decide então se tem ou não confiança no gabinete. Já vê o digno par que não ha motivos para receiar que fique ao arbitrio do governo o determinar quaes são as questões politicas. O governo mesmo não utilisaria nada se quizesse elle proprio decidir as questões politicas, nem o podia fazer, porque, desde o momento que houvesse desaccordo, immediatamente qualquer membro do parlamento punha a questão de confiança, e a camara decidia logo se tinha ou não confiança no governo.

Portanto, não é o governo nem a opposição quem decide estas questões, é o parlamento, e a unica maneira de as decidir é por meio de um voto de confiança ou de desconfiança.

Sr. presidente, em resposta ao que se refere especialmente ao projecto em discussão direi a s. exa., e por esta, occasião peço desculpa a um outro digno par que já se referiu antes a esta mesma questão, e ao qual não respondi, porque no meio dos meus apontamentos não me lembrou este ponto, que é inaceitavel o receio de que haja gravissimo prejuizo para o thesouro se alguma vez as notas vierem a depreciar-se. As notas de qualquer banco são convertiveis em dinheiro immediatamente, e por esta rasão emquanto isto acontecer a depreciação é impossivel.

Supponhamos, porém, que existia uma crise, e que as notas não eram pagas pelo banco, n'esse caso o banco dei-

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xando de pagar uma nota era um banco fallido, e o governo deixava de ter obrigação de receber as suas notas nos cofres publicos. Por consequencia, esta hypothese do governo ser obrigado a receber notas depreciadas não se póde dar, salvo o caso de se estabelecer o curso forçado.

O sr. Ferrer: - Peço a palavra.

O Orador: - E direi outra cousa ao digno par, o que se acha disposto n'este artigo é o que está estabelecido na nossa legislação actual e na de todos os paizes.

O governo recebe nas suas caixas as notas, mas os particulares não são obrigados a recebe-las; e o digno par, que é jurisconsulto, deve saber muito bem que isto está na nossa legislação e na de todos os paizes onde existem bancos privilegiados.

Mas diz se - se houver uma crise, as notas não se podem depreciar? Essa depreciação não se póde dar emquanto o banco as trocar a dinheiro.

Supponhamo?, porem, que existe uma crise, e que o banco deixa de pagar as suas notas. Desde esse momento cessa para o governo a obrigação de as receber, porque o banco quebrava.

Em conclusão, o que se propõe no projecto é o que já hoje se acha estabelecido; não é uma innovação, porque ninguem actualmente é obrigado a receber notas, emquanto que o governo é obrigado a recebe-las, e por isso não vejo motivo para se deixar de approvar este artigo.

O sr. Conde de Fonte Nova: - Como a hora está quasi a dar, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto.

O sr. Ferrer: - Tenho-me encontrado na minha vida em muitas circumstancias que realmente me fazem duvidar da minha intelligencia. Muitas vezes isto me tem acontecido, com grande tristeza da minha parte, e não me envergonho de fazer esta confissão em publico. A intelligencia que o sr. ministro deu ao artigo é que eu não posso admittir; apesar de o ter lido por differentes vezes e meditado nelle, declaro que não posso concordar com tal intelligencia.

Uma vez que s. exa. appellou para os meus conhecimentos juridicos, dir-lhe-hei que, pelas regras da hermeneutica, a interpretação do artigo nos termos em que está redigido, o governo é obrigado a receber as notas (leu).

A sua obrigação é aceita-las, e tanto se obriga a isso que põe logo a idéa contraria de que os credores do estado não são obrigados a aceitar as notas; são duas idéas oppostas. As caixas do thesouro são obrigadas a aceitar as notas, os credores do estado não têem essa obrigação. Diz o sr. ministro que isto é quando as notas não tiverem desconto, que quando tiverem ...

O sr. Ministro da Fazenda: - Peço perdão ao digno par. Não fallei em desconto. Disse que emquanto o banco pagar as notas o governo não póde recusa-las; desde o momento, porém, em que o banco deixe de as pagar, póde o governo recusa-las, porque n'esse caso o banco quebra, o banco não existe como banco e cessa a obrigação da lei.

O Orador: - Muito bem. O governo só não aceita as notas quando o banco as não pagar; mas para que se diz aqui n'este artigo que os credores do estado não são obrigados a recebe-las? E porque podem ter duvidas. E porque terão elles duvidas? E porque podem as notas descer de preço no mercado, e por consequencia esta excepção não vem aqui senão para o caso de haver desconto, e por isso se diz que não são os credores do estado obrigados a aceitar notas, porque se não se receiasse esse desconto que necessidade havia de se pôr aqui esta disposição que não significa, repito, senão a duvida que os credores podem ter de aceitar as notas. Portanto, a excepção é só para hypothese de haver desconto; mas diz o sr. ministro que, quando o banco deixar de pagar as notas, o banco quebra, e então o governo não as recebe.

Ora, na hypothese que estamos fallando, uma grande quantidade de notas espalha se pelo reino para entrar no pagamento de tributos, estas notas vem para o thesouro, e que ha de fazer o governo n'esse caso? Ha de perder e desconto ou forçar o banco a perder esse desconto pagando as notas por inteiro, e se assim fizer o banco quebra, de modo que o governo está mettido entre Seylla e Cari-bdes, se perder o desconto, gravissimo prejuizo para a fazenda, se forçar o banco a perde-lo, determina necessariamente a sua quebra porque este estabelecimento terá enorme prejuizo e não poderá resistir. Por consequencia não se póde de maneira nenhuma entender este artigo do projecto senão para a hypothese de haver desconto, mas para evitar duvidas peço ao sr. secretario que lance na acta a declaração do sr. ministro, que é que este artigo se não entende no caso de haver desconto e o banco não poder pagar as notas.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Ministro da Fazenda: - Logo que o banco deixe de pagar, foi o que eu disse, não fallei em desconto, repito. Quando o banco deixar de pagar as notas, quebra, e emquanto não deixar de pagar não póde haver depreciação nem desconto; e o que neste projecto se estabelece é o que se pratica e está legislado em toda a parte.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a correspondencia, que acaba de chegar.

Cinco officios da presidencia da camara dos senhores deputados, acompanhando as seguintes proposições:

l.ª Fixando o contingente de recrutas para a armada, referido ao anno de 1873, com o respectivo mappa de distribuição.

Á commissão de marinha.

2.ª Destinando a acquisição do fabrico e material de guerra a somma proveniente das remissões do recrutas, e a legalisar a applicação que o governo fez de 575:298$545 réis á compra e manufactura de armamento para o exercito.

Á commissão de guerra.

3.ª Auctorisando o governo a contratar um emprestimo até á quantia de 70:000$000 réis, para serem applicados á conclusão das obras do hospital Estephania.

Á commissão de fazenda.

4.ª Fixando o contingente para o exercito no anno de 1873 e sua distribuição pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes.

Á commissão de guerra.

5.ª Fixando a força de mar para o anno economico de 1874-1875.

Á commissão de marinha.

Um officio do ministerio do reino acompanhando os documentos pedidos pelo digno par Miguel Osorio, ácerca da associação catholica do Porto.

Para a secretaria.

Outro do digno par visconde de Fonte Arcada, participando que, por incommodo de saude, não póde assistir ás sessões da camara.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Ferrer: - Sr. presidente, o que eu queria era que o sr. ministro da fazenda me respondesse a esta bypothese que figuro. E possivel que um acontecimento imprevisto qualquer, interno ou externo, faça com que as notas sejam depreciadas, sendo só recebidas com desconto, como já infelizmente no nosso paiz succedeu. Isto póde acontecer, e o que eu pergunto é, o que fará o governo n'este caso apresentando-se os devedores do estado a fazer os seus pagamentos em notas, se as recebe pelo seu valor nominal, ficando o agio nas algibeiras dos portadores, ou porque modo procede?

É a isto que desejo ouvir uma resposta do sr. ministro, e não venha s. exa. com a evasiva de uma quebra do banco. A minha hypothese não é essa. o que pergunto, repito, é se no caso de haver, o que é possivel, uma depreciação nas notas, o governo tem obrigação de as receber pelo seu valor nominal, ou porque modo tem de proceder n'esta conjunctura?

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É sobre este ponto que desejo ouvir o sr. ministro de um modo categorico, e, segundo a resposta de s. exa., ficarei ou não convencido.

O sr. Presidente: - Deu a hora, e como a sessão não está prorogada, vou levanta-la.

O sr. Ferrer: - O sr. ministro deseja de certo responder á minha pergunta.

O sr. Ministro da Fazenda: - Já respondi á hypothese de s. exa., e portanto nada mais posso acrescentar.

O sr. Conde de Fonte Nova: - Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre o meu requerimento para se prorogar a sessão.

O sr. Ferrer: - Peço ao sr. secretario tome bem nota na acta da pergunta que fiz sobre o modo por que procederia o governo se se d'esse o caso de serem depreciadas as notas, e que o sr. ministro declarou que já me havia respondido.

0,sr. Presidente: - Vou consultar a camara. Os dignos pares que approvam que seja prorogada a sessão até se votar o artigo 2.° têem a bondade de se levantar.

Foi approvado sendo-o igualmente em seguida o artigo 2.°

O sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O sr. Conde de Fonte Nova: - Sr. presidente, insisto pelo meu requerimento para que se prorogue a sessão até se votar o projecto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que se prorogue a sessão até se votar o projecto têem a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde da Praia Grande (sobre a ordem): - Sr. presidente, mando para a mesa dois pareceres da commissão de marinha.

Leram-se na mesa, e mandaram-se imprimir.

O sr. Ministro da Fazenda (sobre a ordem): - Sr. presidente, mando para a mesa os documentos que estiveram nas mãos do sr. Miguel Osorio, e declaro que não ha duvida nenhuma em que sejam publicados.

(O orador não reviu os seus discursos n'esta sessão.)

O sr. Presidente: - Em vista da declaração do sr. ministro vou consultar a camara.

Foi approvado que se publicassem os documentos.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 3.°

Lido o artigo 3.°,foi approvado sem discussão, bem como os artigos 4.° e 5.°,

O sr. Presidente: - Este decreto será levado á sancção regia pela mesma deputação que já foi nomeada.

A primeira sessão será na segunda feira, sendo a ordem do dia o projecto que estava dado para a de hoje, e o parecer que se mandou imprimir para ser distribuido por casa dos dignos pares.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares presentes á sessão de 28 de março de 1874

Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolama; Conde de Castro; Cardeal Patriarcha; Duque de Loulé; Marquezes, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Vallada; Arcebispo de Goa; Condes, do Bomfim, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Fornos de Algodres, da Ribeira Grande, de Rio Maior, do Sobral; Viscondes, de Condeixa, de Ovar, da Praia Grande, de Soares Franco, de Villa Maior; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Mello e Saldanha, Serpa Pimentel, Rebello de Carvalho, Sequeira Pinto, Barreiros, Larcher, Moraes Pessanha, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Pestana, Vaz Preto Geraldes, Franzini, Miguel Osorio, Menezes Pita, Ferrer.

Entraram depois de aberta a sessão, os exmos. srs.: Marquez de Sousa Holestein; Conde da Louzã; Viscondes, de Almeidinha, da Borralha, da Silva Carvalho.

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