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N.º 28

SESSÃO DE 7 DE JULHO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
José Augusto da Gama

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par o sr. Antonio de Serpa refere-se á emenda feita na camara dos senhores deputados, á lei de meios. - O sr. Pinto de Magalhães, em nome da commissão de fazenda, requer que se consulte a camara sobre se consente que a mesma commissão se reuna, a fim de dar parecer sobre o emprestimo de 7:200 contos de reis. - O sr. D. Luiz da Camara Leme justifica as ponderações que na sessão antecedente fizera ácerca da emenda feita á lei de meios. - Replica-lhe o sr. Antonio de Serpa. - Sobre este mesmo assumpto faz algumas considerações o sr. ministro da fazenda. - Pede a palavra o sr. conde da Folgosa. - O sr. presidente consulta a camara sobre se quer que continue este incidente. - A camara resolve negativamente. - Usa da palavra o sr. marquez de Vallada. - O sr. conde de Macedo manda para a mesa o parecer sobre o tratado da limitação dos territorios da Lunda, e requer se dispense o regimento para que seja discutido na sessão immediata. - A camara approva. - O sr. Pinto de Magalhães manda tambem o parecer sobre o projecto do emprestimo dos 7:200 contos de réis e requer o mesmo que o sr. conde de Macedo. - A camara resolve no sentido affirmativo. - O sr. Jeronymo Pimentel manda igualmente o parecer sobre o projecto de lei que dispensa o tempo de serviço que falta ao sr. Antonio Maria Cardoso, para lhe ser garantido o posto de capitão de fragata, e requer o mesmo que os dois dignos pares antecedentes, approvando-o a camara tambem. - O mesmo digno par igualmente manda uma declaração, ácerca da sua nomeação para governador civil de Braga. - O sr. presidente pede que, sobre ella, a respectiva commissão de com brevidade parecer. - Ao sr. marquez de Vallada responde o sr. ministro da fazenda, que manda para a mesa uma proposta de accumulação. - É approvada pela camara. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a ordem do dia.

Ás duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do sr. ministro da marinha, declarando não poder remetter os documentos pedidos pelo digno par o sr. Luiz de Lencastre, por se encontrarem na camara dos deputados.

Officio da exma. baroneza de S. Thiago de Lordello, agradecendo á camara dos dignos pares as manifestações de sentimento que dera pelo fallecimento de seu marido o digno par dr. Adriano Machado.

Officio do sr. presidente da camara dos deputados, remettendo o projecto de lei, que tem por fim auctorisar o governo a levantar até 7:200 contos de réis com destino exclusivo á compra de metal para amoedar.

Foi lida uma declaração do digno par sr. Antonio José Teixeira, de que por motivo justificado não tem comparecido ás ultimas sessões.

O sr. Presidente: - Constando-me que está nos corredores da camara o sr. Palmeirim, convido os dignos pares srs. conde da Azarujinha e Franzini a introduzir na sala o digno par.

(Entrou na sala e prestou juramento o digno par sr. Carlos Palmeirim.)

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, sinto muito não ter estado presente hontem n'esta camara, o que raras vezes succede, quando se tratou de um assumpto ácerca do qual desejava dar alguns esclarecimentos.

O assumpto de que se tratava era uma emenda feita na camara dos senhores deputados á lei de meios.

Este negocio ficou completamente liquidado, mas do que aqui se disse póde alguem persuadir-se que da parte da secretaria da guerra ou de alguma das suas repartições houve menos boa fé em apresentar ao ministro, que era eu, um despacho a respeito do arrendamento de uma propriedade.

Eu vou expor á camara em breves palavras como as cousas se passaram.

O facto foi o seguinte:

Nos ultimos dias em que eu tive a honra de gerir a pasta da guerra fui officialmente informado de que havia um arrendamento de uma propriedade para o serviço da remonta do exercito, que não era conveniente, que d'elle se não tinham tirado nenhumas vantagens, e que por causa d'elle se estava a gastar dinheiro inutilmente.

N'estas circumstancias, fiz o que outro qualquer ministro faria em meu caso, determinando que se denunciasse o contrato, ou que se não renovasse o arrendamento logo que elle legalmente terminasse.

Por outro lado, segundo o parecer de uma commissão de officiaes do exercito, nomeada para este fim por um dos meus antecessores, fui informado que havia outra propriedade no Alemtejo, muito propria para o fim que se tinha em vista.

Decidi que em substituição do antigo se fizesse o arrendamento d'esta propriedade, nos termos legaes, e assignei os competentes despachos, tendo precedido todas as informações officiaes competentes, e sendo ouvido o auditor, que é o homem de lei junto do ministerio da guerra.

Poucos dias depois sai do ministerio.

Mais tarde, foi apresentado ao tribunal de contas este arrendamento.

Estes negocios, como outros que vão ao tribunal de contas, quando não são de mero expediente, são estudados por pessoas competentes, que apresentam as suas informações no tribunal para elle resolver.

D'essas informações consta o seguinte:

Ha uma lei pela qual nenhum arrendamento póde ser feito sem auctorisação legal quando exceda uma certa somma e quando seja por mais de tres annos, e aquelle de que se tratava excedia a somma e era por mais de tres annos.

Por consequencia, o tribunal negou-se a mandal-o registar.

Agora vou mostrar como da parte dos empregados da secretaria da guerra não houve intenção de enganar o ministro, mas unicamente uma interpretação menos correta da lei.

Entenderam elles que a despeza com aquelle arrendamento, estando comprehendida na verba auctorisada no orçamento para remontas, não precisava de auctorisação

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especial, pelo lado da importancia da somma a pagar; e emquanto ao tempo do contrato, que precisa não exceder tres annos, para não carecer de auctorisação especial legislativa, allega a secretaria, e com alguma plausibilidade, que o contrato verdadeiramente não excede tres annos, porque, embora diga que póde ser renovado até vinte e um annos, de tres em tres, a obrigação de acceitar o arrendamento é só para o proprietario, ficando o governo livre de o renovar ou não.

Estas foram as rasões que a repartição do ministerio da guerra mandou para o tribunal.

Portanto, da parte da repartição do ministerio da guerra póde ter havido, e creio que houve, uma erronea interpretação da lei, mas não intenção de enganar o ministro, que despachou em vista do parecer do fiscal da lei, junto do ministerio.

Eram unicamente estas as explicações que eu queria dar.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Peço perdão a v. exa. Supponho que o digno par o sr. Camara Leme pediu a palavra sobre este mesmo assumpto, e, n'esse caso, eu reservar-me-hei para fallar depois de s. exa., porque só por dever de cortezia direi alguma cousa para responder ao sr. Serpa Pimentel.

O sr. Presidente: - É sobre este assumpto que o digno par o sr. Camara Leme pediu a palavra?

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - Então tem a palavra para um requerimento o sr. Pinto de Magalhães.

O sr. Pinto de Magalhães: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que durante a sessão se reuna a commissão de fazenda para dar parecer sobre um projecto que veiu da outra casa do parlamento.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Pinto de Magalhães tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Sr. presidente, quando levantei esta questão, não foi por duvidar da boa fé dos empregados do ministerio da guerra, nem tão pouco da probidade e da honestidade do sr. ministro da guerra actual.

Todavia, s. exa. póde ser muito honrado, mas os factos é que se não destroem por esse facto.

Em relação ao que acaba de dizer o meu illustre amigo, o sr. Antonio de Serpa, permitia-me s. exa. que lhe diga que n'esta questão não foi bem informado.

Eu disse hontem á camara que havia um potril que já antigamente tinha servido para o mesmo fim, e que era muito conhecido pelas excellentes raças que produzia - o potril da Crucieira - que eram as raças de Alter. Esse potril tinha condições para manter duzentos poldros; mas, de facto, nunca teve mais de oitenta.

Já v. exa. vê que n'estas circumstancias, alem das condições do arrendamento que o governo tinha feito com o potril da Crucieira, em virtude das quaes não podia deixar de dar largas indemnisações ao proprietario d'esse potril, caso quizesse rescindir o contrato, não havia necessidade nenhuma de fazer acquisicão de novos potris quando o da Crucieira era de mais para os poldros que havia.

O sr. Antonio de Serpa disse que tinha sido informado de que o referido potril não tinha estas condições.

Ora, a este respeito, peço desculpa a v. exa. para lhe dizer que este potril era tão conhecido, que até os poldros que de lá saiam tinham a marca da Crucieira.

Por conseguinte, sr. presidente, eu ainda digo que me parece que isto foi uma despeza inutil, para não chamar outra cousa, e que n'esta parte o sr. Antonio de Serpa, como ministro, foi muito mal informado, porque se o não tivesse sido, não teria mandado fazer o contrato.

Era isto o que eu queria dizer á camara, sem por fórma alguma pretender insinuar que o digno par tivesse entrado n'esta negociação com menos boa fé.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Antonio de Serpa.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, apenas duas palavras ao que acaba de dizer o digno par e meu amigo o sr. Camara Leme, que diz que continua a manter as suas idéas a respeito da idoneidade do potril da Crucieira, e de que por consequencia seria escusado arrendar outra propriedade.

Não entro n'esta questão, porque me julgo incompetente, nem conheço as propriedades de que se trata. De pessoa auctorisadissima n'este assumpto, ouço agora que nem a antiga nem a nova propriedade têem as condições requeridas. Mas isso nada faz ao caso. O que disse o digno par e meu amigo não destroe os esclarecimentos que dei á camara, e a sua significação.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Pouco tenho que dizer á camara: apenas congratular-me por ter ouvido as declarações francas, sinceras e leaes do sr. Antonio de Serpa, e a voa auctorisada do sr. D. Luiz da camara Leme. Não tenho dados sufficientes para entrar n'estas questões, e não sei se o potril da Crucieira é bom ou mau; o meu fim é dar á camara alguns esclarecimentos que fiquem tambem registados no archivo parlamentar.

Os factos são os seguintes:

O contrato foi celebrado em 29 de setembro de 1890, e foi enviado ao tribunal de contas em 30 de dezembro, pela repartição de contabilidade do ministerio da guerra, que o tinha recebido da repartição geral do mesmo ministerio em 27 de novembro.

Em 5 de março de 1891, o tribunal devolveu o contrato, por não ter elle a auctorisação parlamentar, e pedindo esclarecimentos sobre o ponto.

Este officio do tribunal entrou na direcção geral em 23 de março de 1891, e em 1 de abril de 1891 a mesma direcção geral pediu esclarecimentos ao ministerio da guerra, que lhe foram dados em 16 do mesmo mez de abril. O tribunal de contas, porém, não se contentou com as explicações que lhe foram dadas, e por officio de 1 de junho de 1891 recusou o visto ao contrato.

Acompanhava este documento uma communicação do sr. director geral da secretaria do tribunal de contas que dizia: "attento haver sido recusado o visto do tribunal de contas áquelle contrato, nenhum pagamento se póde effectuar".

Aqui estão os - factos relativos á data do contrato, ao pedido de esclarecimentos, e á recusa do visto do tribunal e á communicação feita pela direcção geral da contabilidade á repartição de contabilidade do ministerio da guerra, no mesmo dia em que o visto foi recusado.

Passemos á questão do pagamento.

Em 19 de março de 1891:

"Pela ordem de pagamento n.° 2:130 de 19 de março de 1891, da conta de 3:050$130 réis, foram pagos 3 contos ao dono da propriedade, com fundamento na verba extraordinaria para remonta, da tabella de 30 de março de 1891."

A ordem fôra visada pelo tribunal de contas em 30 de março de 1891.

Portanto, o que resulta dos factos officiaes é que o ministerio da guerra pagou em virtude de uma ordem de pagamento, visada pelo tribunal de contas.

Ora, a camara não me pergunta de certo, porque é muito mais illustrada do que eu, mas é possivel alguem perguntar, como poderia ter acontecido que, não estando o

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contrato ainda visado pelo tribunal de contas, este mesmo tribunal visara á ordem de pagamento.

Vou explical-o á camara. O tribunal de contas, é uma instituição nova em Portugal, fui eu quem tive a honra de a introduzir, creio que em 1887. Nos primeiros periodos de uma reforma d'esta ordem, não se julgou possivel, e até o proprio tribunal assim o julgou, revistar as ordens de pagamento com toda a minuciosidade e com todos os esclarecimentos, que lá fóra se exigiam, em paizes onde esse tribunal existia ha muitos annos.

Estabeleceu-se, portanto, a pratica, e esta tem proseguido, do tribunal verificar, apenas, se a despeza cabe ou não dentro da verba orçamental, ou se a excede, e, n'este ultimo caso, o tribunal nega o seu visto.

Portanto, o ministerio da guerra, aqui, note-se, não posso eu fallar senão por probabilidades, pois hontem me era completamente estranho o assumpto, e mal tive tempo para reunir estes apontamentos; o ministerio da guerra, repito, a repartição de contabilidade d'esse ministerio, que a essa hora não tinha recebido qualquer communicação do tribunal de contas, e convencida igualmente de que aquelle tribunal não negaria o visto ao contrato, pois o não negára a um outro igual, tendo um semestre em divida, isto é, vencido, entendeu que o devia pagar (repito que estou fallando por hypothese), e, tendo á sua disposição a verba de remonta, a essa verba foi buscar a quantia de 3:050$130 réis, importancia d'esse semestre.

Ora, o tribunal de contas poz o visto como de costume, como na fórma do costume lhe fôra mandada a ordem de pagamento.

Haveria n'isto proposito de alguem illudir o ministro?

O governo ha de averiguar como os factos se passaram; mas, todavia, eu creio que não houve esse proposito, pois o meu espirito é naturalmente propenso á benevolencia emquanto não ha provas que d'isso o demovam.

Se, porém, me perguntarem se eu entendo que esta situação póde continuar, respondo que não.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Apoiado.

O Orador: - Ora, havendo já tres ou quatro annos de experiencia do que é o visto do tribunal de contas, e tendo o governo para isso faculdade nas auctorisações contidas na lei de meios, direi que estou na intenção de reformar o tribunal de contas, de fórma que não só fiscalise a natureza do pagamento que auctorisa com o seu visto, mas tambem a legalidade d'essa despeza.

Parece-me que era conveniente deixar consignadas estas explicações nos annaes parlamentares, e por isso pedi a palavra. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - A hora vae adiantada, e eu não posso, sem consultar a camara, permittir a continuação d'este incidente, preterindo na ordem da inscripção os oradores que estão inscriptos para fallar antes da ordem do dia.

Os dignos pares que entendem que se deve continuar n'este incidente, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Não foi approvada a continuação do incidente.

O sr. Presidente: - Os dignos pares ficam inscriptos por sua ordem, e em vista da resolução da camara, tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - No intuito de descrever a politica do nosso paiz, diz que a esse proposito lhe estão lembrando as sublimes palavras de Virgilio - horresco referens - palavras que o poeta põe na bôca de Eneas, ao este descrever o modo como Laocoonte e seus dois filhos tinham sido estrangulados por duas serpentes.

E applicando o terrivel exemplo ao nosso paiz, junta que igual morte o espera, pois que tambem elle se debate entre duas serpentes: a serpente dos syndicatos e a serpente das camarilhas.

Quanto á primeira d'estas serpentes, allega saberem todos o que ella vale; quanto, porém; á segunda, sustenta que essa fôra sempre a desgraça dos tempos passados e estava sendo a vergonha dos tempos modernos, succedendo a par d'isto que as camarilhas não só rodeiam os paços dos nossos Reis, como tambem os gabinetes dos ministros, e ainda os clubs revolucionarios os mais reconditos.

A seu aviso, é chegado, pois, o momento de dizer a verdade ao povo, para que o povo reconheça bem quem são os seus amigos.

Faz varias explanações ácerca da constituição das sociedades, sustentando que hoje a Europa, em vista do que se está passando, parece que retrograda, muito, attento que o egoismo é o principio dominante nas sociedades modernas, não obstante a velha doutrina - hospes, hostis - ter sido agora, como não podia deixar de ser, muito modificada.

Tem como indispensavel, para sanar este mal, que as leis não sejam uma mentira, que a carta constitucional não seja o livro mestre de todas as contradicções, mas uma verdade que se respeite. Assim pensa e não é por ambição. Ambição de que? Se vive dos rendimentos que lhe deixaram seus pães, se não vive de syndicatos, nem com syndicatos, nem para syndicatos!...

Faz esta affirmação bem alto, diante do povo, porque deseja que elle o saiba; dil-o bem alto, porque ha de chegar a epocha da grande liquidação e das contas que todos hão de prestar ante a nação, e n'esse momento se verá tambem quaes os que sacrificaram nos altares do egoismo.

Insiste em que não falla por ambição, que ha muitos annos que occupa aquella tribuna, que entrara ali por direito hereditario, que o paiz saccára uma letra contra elle, e que elle a acceitára, e que, acceitanda-a, contraira immediatamente um compromisso.

Os seus precedentes são demasiado conhecidos; tem sempre discutido na camara as questões mais importantes, por vezes vencido, porém nunca convencido. E é por isso que crê que todos aquelles que o conhecem lhe fazem a justiça de acreditar que sómente o amor do seu paiz e a consciencia do dever lhe servem de norma aos seus passos.

Portanto certifica muito desassombradamente que, quando se fizer a partilha das responsabilidades, se ha de dar vista ás partes, segundo é costume nos inventarios. Elle, orador, tambem quer vista sobre a fórma da partilha, porque, figurando n'esse inventario, quer responder pela sua parte.

Parece-lhe que estamos em vespera de liquidação, e se assim for, não só a applaudirá, como tambem concorrerá para ella quanto poder, visto como por si tem o principio - vim vi repellere licet.

É por meio das revoluções que surge muitas vezes o bem. Corroborando este asserto, apresenta varios exemplos historicos, protestando não ficar servindo o seu paiz como mero servidor unicamente, mas proclamando as boas idéas, a verdadeira doutrina, e continuando as tradições da sua familia e respeitando os precedentes da sua vida como parlamentar e como jornalista.

Discreteia ácerca de ladrões e agiotas, ponderando aos que podérem estranhar as suas increpações que tem comsigo livros que provam a necessidade de se dever accusar muita cousa em publico, indicando especialmente o discurso de Mirabeau contra Calonne, contraleur des finances, sob Luiz XVI, a proposito da agiotagem n'aquelle tempo em França.

Lê depois a apreciação que Colbert fez dos homens que improvisamente enriqueceram no seu tempo, diz que então já havia syndicatos, mas que elles, como em França, hão de cair necessariamente entre nós, porque hão de caír esmagados sob o peso dos seus proprios crimes e debaixo das maldições do povo.

Applaude em seguida os directores dos nossos bancos, por se haverem reunido na véspera, resultando de tal reunião ter diminuido o ágio das libras.

Passa depois a referir-se á lei de meios, estranhando que ella contivesse auctorisações tão latas, a cujo proposito

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logo na respectiva commissão dissera que não a approvaria n'esta parte, sem embargo de ter no ministerio particulares amigos seus, se bem promettesse então dar em publico explicações sobre a recusa do seu voto e esperando outras explicações da parte do governo. Veniam petimus damusgue vicissim.

Transfere-se novamente a censurar a agiotagem, mencionando factos occorridos outrora em França e a fuga de alguns agiotas d'aquelle paiz, receiosos da indignação do povo, deduzindo d'ahi que, quando os governos fecham as portas da legalidade, se abrem de par em par as portas da revolução. Esta é a lição da historia.

Verbera a febre, que entre nós se apossou dos homens, de enriquecerem depressa.

Censura depois as varias reformas administrativas, maiormente a do sr. Barjona, por via da qual entendeu que devia pedir a sua demissão de governador civil de Braga, a fim de com dignidade a combater, por isso que estava n'um logar de confiança do governo, e bem fizera, visto como a camara municipal de Lisboa está hoje individada em 11:000 contos de réis, sem se saber quem é o nominativo, por serem muitos:

(N'esta altura ao discurso do digno par, entra o sr. ministro do reino, Lopo Vaz.)

O orador então recapitula e aviva o horresco referens de Virgilio, e o caso tragico das duas serpentes, applicado aos syndicatos e ás camarilhas, juntando que estas haviam sido a causa da desventura de Luiz Filippe.

Em seguida exalça o talento, a finura, a habilidade politica do sr. ministro do reino, virtudes estas que lhe parece serem o apanagio dos Lopos, ponderando que ha actos de pericia, actos sublimes levados a effeito por differentes varões que hão nome de Lopo, d'elles sendo o mais antigo de que tem memoria o bispo Lopo, por cujas suggestões o papa S. Leão detivera no seculo V Attila, em frente de Roma.

Tem que estas suas palavras em nada são offensivas da susceptibilidade do sr. Lopo Vaz, e tão pouco d'aquelles que o cercam, mas por s. exa. estar no centro, ao centro se dirigira logo.

Sustenta que no ministerio cada ministro tem a sua tendencia particular, propendendo este mais para a diplomacia, aquelle para as finanças, est'outro para as questões politicas e aquell'outro para as administrativas. A este proposito pede vénia para contar uma pequena historia do tempo de D. João III.

No tempo d'este Rei, havia no palacio de Queluz tres mestres de ceremonias, que não só entravam nas festas religiosas, senão tambem nas profanas, como serenatas, etc. Um d'elles era o mestre de ceremonias; outro, o mestre por ceremonia; e o terceiro, o mestre sem ceremonia. Tal qual como está vendo no actual ministerio. Porque o sr. Lopo Vaz é o mestre de ceremonias; o sr. João Chrysostomo, o mestre por ceremonia; e o sr. Marianno de Carvalho, o mestre sem ceremonia.

Supposto diga estas verdades, comtudo não pretende censurar o governo.

No emtanto com esta previa maxima - errare humanum est - passa a estranhar o modo como o sr. Marianno de Carvalho se houve na questão do caminho de ferro e circumstancia a historia d'este assumpto, referindo-se tambem ao emprestimo de 3:900 contos de réis feito ao banco lusitano.

Condemna depois a pessima administração das camaras municipaes, pede para ellas um rigoroso inquerito e que se proceda quanto antes á eleição da de Lisboa, reformando-se primeiramente a sua lei organica, de modo que ella deixe de ser uma potestade.

Entende que a camara dos pares deve ser conservadora, mas não uma cousa como o Retiro dos pacatos, e a proposito d'esta sua affirmativa cita uma serie de factos occorridos em França no tempo de Guizot, de Grévy e de Luiz XVI.

Mostra depois quanto são mais perigosos os amigos indiscretos do que os inimigos declarados, porque d'aquelles, já o dizia o padre Vieira, o seu trabalho é de sapa, emquanto que os ultimos atacam a descoberto, sendo portanto menos difficil a defeza.

Confessa-se monarchico e protesta que ha de servir sempre a monarchia com toda a lealdade, mas que se aos monarchicos actuaes está reservado o golpe doloroso de ter que cerrar a campa sobre a monarchia, ha de verter lagrimas de sangue sobre essa augusta lagea tumular, que nos recorda taes façanhas e taes glorias que a esse proposito já dizia a marqueza de Alorna:

"Defender os patrios lares,
Dar a vida pelo rei,
É dos lusos valorosos
Caracter, costume e lei."

Passa por ultimo a tratar da emigração clandestina, e finalisa pedindo providencias ao governo contra ella.

(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

Foi lido um officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, remettendo um projecto de lei que tem por fim dispensar a Manuel de Oliveira Neves os preparatorios exigidos para a admissão a exame de pharmacia, e declarando-o exclusivamente habilitado para pharmaceutico no ultramar.

Para a commissão de instrução publica.

O sr. Conde de Macedo: - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de negocios externos e ultramar, sobre a convenção relativa ás terras da Lunda. Attenta a urgencia do tempo e do assumpto, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que, sendo este parecer impresso e distribuido hoje por casa dos dignos pares, seja dado para ordem do dia de ámanhã.

Foi lido o parecer.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Pinto de Magalhães.

O sr. Pinto de Magalhães: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 64, relativo ao emprestimo de 7:200 contos de réis.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente tambem que, sendo este parecer impresso e distribuido hoje, seja dado para ordem do dia de ámanhã.

Foi lido o parecer.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - O projecto mandado para a mesa pelo sr. presidente da commissão de negocios externos vae a imprimir e será immediatamente distribuido por casa dos dignos pares, a fim de entrar ámanhã em ordem do dia.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Jeronymo Pimentel.

O sr. Jeronymo Pimentel: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de marinha, a fim de que seja garantido o posto de capitão de fragata ao sr. Antonio Maria Cardoso, visto ter sido nomeado para uma commissão especial.

Peço igualmente a v. exa. que o mande imprimir ainda hoje, para que possa ámanhã entrar em ordem do dia.

Aproveitando a occasião de estar com a palavra mando para a mesa a seguinte declaração.

(Leu.)

O sr. Presidente: - O parecer mandado para a mesa pelo sr. Jeronymo Pimentel vae a imprimir e será distribuido por casa dos dignos pares.

Foi lido na mesa.

Vae ler-se a declaração.

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Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Declaração

Havendo sido nomeado governador civil do districto de Braça por decreto de 18 de junho ultimo, e tendo resolvido acceitar aquelle cargo, assim o declaro perante a camara para os fins convenientes.

Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, 7 de julho de 1891. = Jeronymo da Cunha Pimentel, par eleito pelo districto de Vianna do Castello.

O sr. Presidente: - Vae á commissão de verificação de poderes.

Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Sr. presidente, pedi a palavra antes de se encerrar a sessão a fim de mandar para a mesa uma proposta para que os dignos pares os srs. Thomás Antonio Ribeiro Ferreira e visconde de Villa Mendo possam accumular as funcções legislativas com as que exercem no tribunal de contas.

Se v. exa. me dá licença, e a camara consente, eu direi agora algumas palavras em resposta ao digno par o sr. marquez de Vallada.

Eu ouvi com toda a attenção o erudito discurso de s. exa., com o qual muito aprendi, e apenas direi ao digno par que eu e os meus collegas tomâmos muito em consideração as reclamações de s. exa. Havemos de adoptar as providencias necessarias para reprimir quanto possivel a emigração clandestina.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo sr. ministro da fazenda.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Em conformidade com o artigo 3.° do 1.° acto addicional á carta constitucional da monarchia portugueza, o governo de Sua Magestade pede á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos empregos dependentes do ministerio da fazenda os dignos pares, visconde de Villa Mendo e Thomás Antonio Ribeiro Ferreira, conselheiros do tribunal de contas.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 7 de julho de 1891. = Marianno Cyrillo de Carvalho.

O sr. Presidente: - A proxima sessão terá logar ámanhã, 8 do corrente, sendo a ordem do dia a discussão do parecer das commissões reunidas de negocios externos e ultramar sobre a convenção celebrada entre Portugal e o Estado Independente do Congo, o parecer sobre o emprestimo de 7:200 contos de réis, e tambem o parecer sobre o projecto que dispensa o tempo de serviço que falta ao primeiro tenente Antonio Maria Cardoso para lhe ser garantido o posto de capitão de fragata.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 7 de julho de 1891 Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, das Minas, de Vallada; Condes, d'Avila, da Azarujinha, do Bomfim, do Casal Ribeiro, de Castro, da Folgosa, de S. Januario, de Macedo, de Valbom; Viscondes, da Bouça, de Moreira de Rey, de Sousa Fonseca, de Villa Mendo; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Neves Carneiro, Carlos Palmeirim, Sequeira Pinto, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Mártens Ferrão, Coelho de Carvalho, Gama, Bandeira Coelho, Ponte Horta, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz Bivar, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Vaz Preto, Marçal - Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Bernardino Machado.

O redactor = Ulpio Veiga.

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