SESSÃO N.° 41 DE 15 DE MARCO DE 1907 401
cão do Parlamento um projecto que melhorasse a situação da imprensa.
O Sr. José de Alpoim (interrompendo): - Não fiz mais porque não me deixaram; não tive tempo.
O Orador: - Não o deixaram...
O Sr. José de Alpoim: - Não me deixaram os acontecimentos.
O Orador: - Não quero discutir. Apenas aprecio a sua declaração. Fez alguma cousa, mas aquillo que V. Exa. apresenta como sendo a base fundamental do regimen de liberdade de imprensa, o jury, não o estabeleceu.
Produziram-se acontecimentos? É possivel.
Não chego bem á comprehensão de que acontecimentos seriam, que pudessem modificar, deprimir a sua intellectualidade moral até o ponto de não trazer para a Camara um projecto de lei que se cifraria em dois artigos. Apresentava-se n'um minuto, e approvava-se talvez em dois segundos.
Podia ser concebido n'estes termos:
Artigo 1.° Todos os crimes ou delictos de liberdade de imprensa ficam sujeitos ao jury.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
S. Exa. não teve tempo para isto!
Uma lei assim fazia-se em dois minutos, como disse.
S. Exa. podia muito bem tê-la feito; mas, não tendo procedido assim por causa dos acontecimentos, vem, em 1907, aggredir o projecto em discussão, que é, como já disse, quasi copia integral da lei de 1898, lei esta .com a qual S. Exa. viveu em muito boa camaradagem.
O Digno Par a quem tenho a honra de responder, quiz fazer acreditar á Camara que o Sr. Conselheiro João Franco havia apresentado uma lei para sua commodidade, o que não é crivei, porque, se essa fosse a ideia e o desejo do Chefe do Governo, deixaria ficar de pé a lei anterior, valendo-se, sempre que quizesse, do Codigo Administrativo e não da lei que se discute, que só admitte a apprehensão em determinados casos.
Mas, diga-se o que se disser, a verdade é que a lei em discussão, representa uma victoria perfeita no sentido de garantir a liberdade de imprensa.
O Digno Par Sr. José de Alpoim falou deliciosamente e com grande erudição; mas S. Exa. terá de concordar em que não discutiu o projecto, mas que só accusou o Sr. Presidente do Conselho por faltar a promessas feitas na opposição.
S. Exa. procedeu apaixonadamente, porque, de contrario, haveria de dizer
que a imprensa,- pela lei de 1898, tambem respondia em tribunaes correccionaes.
Pela lei de 1898 bastava a vontade ou o capricho de um agente do Ministerio Publico para se instaurar um processo de imprensa.
Pelo projecto que se discute, um processo de imprensa só pode ter seguimento se a maioria dos delegados de Lisboa assim o entenderem.
Ha quem chame gabinete negro á reunião de delegados do Ministerio Publico; eu não lhe chamarei isso; chamar-lhe-hei um jury de ponderação, composto de pessoas que teem o dever de reflectir e que devem proceder com justiça.
Os delegados do Ministerio Publico constituirão um jury muito mais apreciavel e no qual se poderá confiar.
Essas campanhas nobilissimas a que se referiu o Digno Par, não ficam impedidas de se reproduzirem, de se repetirem.
Pode a imprensa emprehender essas luctas nobres e altivas, que um tal pró ceder só lhe acarretará louvor e applauso; mas a diffamação não engrandece quem a faz.
Já disse e repito que o projecto não introduz a minima alteração na classificação dos crimes.
A este respeito copia-se exactamente o que está na lei de 1898. A ordem para o processo tambem não soffre modificação, a não ser nos prazos para as citações, o que de resto pouca importancia tem.
Com relação ao jury, respeito muito a opinião do illustre parlamentar a quem respondo; mas prefiro a orientação dos que não vêem n'essa instituição garantias sufficientes para a punição dos delictos de imprensa.
A orientação hoje em todos os paizes, a começar pela França, é no sentido de só fazer intervir o jury em certos e determinados processos. No resto em geral, e mormente em relação á imprensa, adopta-se o principio da correccionalização.
Não me levará, portanto, a mal o illustre parlamentar que eu diga que voto com a opinião d'esse e de outros paizes, onde vigora um espirito altamente liberal, e, salvo o devido respeito, ponha de parte a opinião de S. Exa.
Termino por aqui, para não fatigar a attenção da Camara.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Quem depois da larga celeuma que se tem levantado acêrca d'esta projectada reforma de pretendida liberdade de imprensa, ouvisse hoje o Digno Par relator dizer n'esta Camara que em iodo o projecto ha um unico ponto a
considerar-o da apprehensão - perguntaria: que fazemos nós aqui?
Pois o Governo, que tem deante de si questões graves a resolver, economicas, financeiras e administrativas, que tem a sua vida tão atormentada de responsabilidades e de cuidados, levanta um verdadeiro temporal na imprensa, n'essa instituição de que todos os Governos precisam, e em que encontram apoio para a diffusão dos seus principios, só e unicamente porque se trata d" um simples caso de apprehensão?
Como é que o Digno Par, relator do parecer em ordem do dia, se levanta para replicar ao Digno Par. Alpoim, quando é precisamente o decreto de 1904, referendado por S. Exa. quando Ministro da Justiça, que regula o assumpto por forma a impedir as apprehensões.
Mas então, admittindo que se trate tão só e exclusivamente da questão de apprehensão, que aliás foi regulada pelo decreto do Sr. Alpoim, em razão das duvidas que se haviam suscitado sobre a interpretação da applicação da lei de 1898, que fazemos nós aqui? (Apoiados).
Porque é então que a imprensa se mostra indignada contra o Governo, lançando-lhe em rosto o pregão de liberalismo com que elle dizia ir inaugurar a sua acção governativa?
Como é que o Governo, que se dizia tão inspirado em principios liberaes, vem apresentar um projecto como até aqui não havia sido apresentado, nem mais apertado, nem mais rigoroso, nem mais attentatorio dos direitos e regalias da imprensa?
Então é a apprehensão que por este projecto é alterada?
Se a alteração existe para que serve ella?
O projecto acaba com a facilidade da apprehensão quando o Rei de Portugal for offendido; mas permitte a quando haja offensas aos Chefes de Estado das nações estrangeiras.
Consentem-se invectivas e ataques ao Chefe de Estado do nosso paiz, que o Governo tem obrigação de cobrir, e o dever de respeitar, e só são condemnados os apodos ou as censuras aos soberanos estrangeiros ou aos seus representantes?
E é para que o Parlamento se occupe de um assumpto d'esta ordem, que o Governo pretere a resolução de questões gravissimas, e de problemas complicados.
Se o Governo tratasse tão só de cobrir a pessoa do Chefe do Estado, não haveria aqui um só voto que S. Exa. não congregasse para a sua obra. Apoiados).
Mas as reclamações da imprensa teem razoes sobejas e justificadas, por-