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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 42

EM 20 DE ABRIL DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
D. Luis de Sousa Holstein

SUMMARIO: - Leitura e approvação da acta. - É lida uma renovação de iniciativa de um projecto de lei apresentado em 12 de maio de 1898 pelo Digno Par Conde de Bomfim, admittido e enviado á commissão respectiva. - O Digno Par Sebastião Baracho manda para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao Ministerio da Fazenda Mandou-se expedir. - Mencionou-se um officio do Digno Par Antonio Costa e Silva communicando o fallecimento de seu sogro, o Digno Par Conde de Ficalho. - O Sr. Presidente propõe que se lance na acta um voto de profundo pesar por este triste acontecimento, e que se façam á familia do extincto as communicações do estão. - Associam-se e esta proposta, e exaltam os serviços e talento do finado os Dignos Pares Moraes Carvalho. Sebastião Telles, Presidente do Conselho, Conde do Bertiandos e Sebastião Baracho. - O Digno Par D. Luis de Sousa Holstein participa que o Digno Par Avellar Machado não pode comparecer á sessão de hoje; mas que se associa ao voto de sentimento pelo fallecimento do Digno Par Conde de Ficalho. - Encerra-se em seguida a sessão em sinal de luto, apraza-se a seguinte, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e meia da tarde, verificando-se a presença de 20 Dignos Pares, o Sr. Previdente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Leu-se na mesa uma nota de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 88, apresentado em 12 de maio de 1898 pelo Digno Par Conde de Bomfim, sobre os serviços das coudelarias nacionaes e de remonta do exercito, e, sendo admittida, foi enviada ás commissões respectivas.

O Sr. Sebastião Baracho: - Manda para a mesa o seguinte requerimento:

«No começo de janeiro, conforme consta dos Annaes n.° 4, requeri varios documentos pelo Ministerio da Fazenda. Como até hoje não recebi alguns, e carecendo d'elles para a discussão do orçamento, requeiro de novo que por esse Ministerio me sejam enviados com urgencia: - Relação nominal do pessoal do corpo da fiscalização dos impostos que presta serviço nas repartições da inspecção geral; - notas, uma relativa a 31 de dezembro ultimo, e outra a 15 de abril do corrente, dos empregados a mais do quadro estabelecido na tabella n.° 2 do decreto n.° 3 de 24 de dezembro de 1901. = Sebastião Baracho».

Mencionou-se um officio do Digno Par Antonio da Costa e Silva, communicando o fallecimento de seu sogro, o Digno Par Conde de Ficalho.

Para o archivo.

Assistiram á sessão os Srs. Presidente do Conselho e Ministros da Justiça e dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Presidente: - É com profundo pesar que tem de dar conhecimento á Camara do fallecimento do Digno Par do Reino e Conselheiro de Estado o Sr. Conde de Ficalho.

O fallecido bem serviu o seu país e o Rei; a perda de tão nobre fidalgo, de tão illustre parlamentar e distinctissimo professor e escritor é profundamente sentida.

Deixando de si saudosa e honrada memoria, a Camara quererá decerto que se lance na acta um voto de profundo sentimento por tão doloroso acontecimento, fazendo-se a devida communicação á familia do fallecido.

O Sr. Moraes Carvalho: - Mais uma commemoração funebre. Morreu o Conde de Ficalho, ou antes vae baixar á sepultura o envolucro terreno d'esse espirito de scintillações brilhantissimas, que ha muito se tinha apagado quasi por completo.

E na verdade, o orador correcto e primoroso, o cathedratico lucido e proficiente, o escritor erudito e elegantissimo, o homem do mundo distincto e insinuante, numa palavra, tudo quanto essencialmente caracterizava essa individualidade superior, tinha morrido ha muito.

Vegetava ainda a parte material desacompanhada do sopro divino do talento; os raros lampejos do seu cerebro doentio eram como os fugitivos clarões de uma lampada que se extinguia.

Agora a obra de demolição está completa. Do que havia outrora do Conde de Ficalho, o representante da élite de uma raça, só resta hoje um corpo inanimado.

Curvemo-nos reverentes ante o seu feretro que vae passar E como manifestação do nosso sentimento pela perda de um collega que era um dos distinctos ornamentos da Camara, em nome da maioria se associa á proposta do Sr. Presidente e propõe ainda que, approvada ella, se dêem hoje por findos os trabalhos da Camara. (Apoiados geraes).

O Sr. Sebastião Telles: - Associa-se em nome do partido progressista ás manifestações de sentimento que acabam de ser propostas.

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Acha justa e merecida a manifestação da Camara. O Sr. Conde de Ficalho era uma figura distincta no país, pela sua familia, pelo seu talento e pelas qualidades do seu caracter; ao mesmo tempo que desempenhava com distincção o seu logar na Côrte, dirigia proficientemente a sua cadeira numa escola superior e enriquecia a literatura portuguesa com eruditas obras.

Não o conheceu o orador na politica activa, mas sabe que por varias vezes foi indigitado para fazer parte do Governo.

Por estas razões que acaba de emittir e que muito melhor desenvolvidas foram pelo Digno Par leader da maioria, entende que a morte do Conde de Ficalho é uma perda para o país e para esta Camara; por isso se associa ao voto de sentimento que o Sr. Presidente propôs, e approva a proposta do Digno Par o Sr. Moraes Carvalho, para que em sinal de sentimento se levante a sessão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Presta em nome do Governo homenagem de saudade ao membro illustre que foi d'esta Camara, e cuja perda todos deploramos.

O Sr. Conde de Ficalho era fidalgo na linhagem, no sentir e no seu alto espirito; honrou e nobilitou as tradições de sua familia.

Lembra-se ainda de seu pae, o velho Marquês de Ficalho, antigo fidalgo em tudo: no trato, nas maneiras, tão affavel, tão bondoso e ao mesmo tempo tão serviçal, tão dedicado, tão recto e tão devotado ao seu país e ao seu Rei. Lembra-se porque, quando já velho e num dia em que nesta Camara se agitava um d'estes debates politicos a que as paixões não são alheias, num lance em que a situação ministerial se achava a braços com difficuldades graves que pareciam e que realmente se tornaram insupperaveis, o velho Marquês de Ficalho levantava-se, e todos os que o escutavam com o respeito e com a estima que elle merecia, e a todos impunha, ouviram-lhe proferir umas palavras que ficaram lendarias - «tenho medo».

Estas palavras proferidas naquella occasião echoaram no fundo do sentir da consciencia de todos, ficaram memoraveis como um grito de alma, como um brado sincero de quem era verdadeiramente dedicado á causa do seu país.

O Conde de Ficalho enalteceu a memoria de seu pae.

Foi um grande, um lucido, um brilhante espirito que infelizmente se apagou.

Qualquer que seja o aspecto por que se considere, ha sempre, das scintillações da sua intelligencia, que era grande, do seu humorismo que era especial, uma menciona veneravel, uma saudade infinda.

Era fidalgo entre os fidalgos, homem de letras entre os homens de letras, professor entre os professores, parlamentar entre os parlamentares, e sempre, em tudo, tão inspirado, tão bondoso, nas s ias palavras, no seu gesto, nas dicções fluentes e correctas da sua palavra, que em todos criava um sentimento de sympathia e da mais viva affeição.

Era sem duvida um fidalgo d'aquelles que borram a sua classe e a nobilitam. Foi um exemplo para a nobreza de Portuga para aquella nobreza que a Carta Constitucional garante; mas o conde de Ficalho era mais do que isso.

Cultivava as letras do seu país, procurava e enriquecer, alimentar o seu espirito pela instrucção e conhecia é apreciava as questões mais vitaes que podiam vir á tela do debate, ou fosse no Parlamente ou fora d'elle.

No professorado foi o successor de Andrade Corvo, um dos espiritos mais cultos, uma das palavras mais persuasivas, um dos homens mais sympathicos que o orador tem conhecido na sua vida politiza e na propria cadeira, em que elle professava doutrinas que pareciam bem alheias á sua maneira fulgurante de dizer, o Conde de Ficalho, ainda nos assuntos mais aridos, naquelles que menos prendiam a attenção de quem era alheio ás materias de que elle fazia a exegese, prendia de todos a attenção pela cultura e pela lucidez da exposição, pela correcção e alevantado das duas frases e, emfim, porque sendo, como era, de uma linhagem em que podia desabraçar-se das letras, do trabalhar quotidiano e das agruras constantes da vida, sabia entregar-se dedicadamente á sciencia, ás artes e ás industrias com proveito da causa publica.

O Conde de Ficalho em tudo e sempre apparecia como uma bella figura, distincta, de porte gentil, que deixava uma impressão indelevel de sympathia e affecto dm quantos o conheciam.

Foi vice-presidente da Academia Real das Sciencias, e todos se lembram, numa memoria que elle leu sobre Garcia da Orta, num assunto que, embora pareça estranho ás locubrações de hoje, era o que então mais podia provocar attenção e cuidado, todos se lembram da forma como o Conde de Ficalho se apresentou, todos se recordam da sua exposição tão lucidamente feita, e da sua palavra fluente, nitida, scintillante que a cada momento impressionava, e era interrompida com applausos que irrompiam de todos os lados.

Isto como academico.

Foi inspector da Academia das Bellas Artes, e ahi revelava o seu bom gosto, finamente educado, como homem que conhecia de perto o que é o sentir innato e bello, e o apreciava em todas as suas manifestações por uma forma que realmente servia de exemplo e de incitamento para todos, e em que mantinha as gloriosas tradições da arte entre nós.

Ali, no Parlamento, ouviu-o entre outras, uma vez, acolá, naquelle logar (indicando as primeiras cadeiras á esquerda da presidencia); foi em 1887 ou 1888.

Discutia-se então, e quasi pela primeira vez, com grande empenho, com grande interesse, uma questão que era palpitante, que se prendia com a nossa agricultura, a questão dos nossos trigos, da nossa lavoura: e elle, que se prezava de ser um lavrador e um proprietario, veiu á estacada e, bem se lembra o orador, apresentou as suas ideias a tal respeito, com aquelle aprumo gentil, nobre, altivo e alçapremado sempre, que o caracterizava, como quem tinha a consciencia do que era e do que valia.

Viu-o o orador tratar da questão dos trigos, que então era pouco conhecida, pouco estudada, e que agora é que tem tomado maior vulto.

Ouviu-o expender as suas opiniões com uma lucidez, com uma precisão, que impressionou verdadeiramente a Camara dos Pares, que escutava attenta, presa dos seus labios, o que elle dizia num assunto que respeitava ás condições vitaes do país e que interessava extraordinariamente a causa da sua prosperidade futura.

Como parlamentar, orando, a sua palavra era sempre brilhante, fluente, bem cinzelada e expressiva, o seu estylo era nobre, primoroso e alevantado; mas dizendo muito em pouco tempo.

Conversando, o seu humorismo era facil e por vezes mordaz; mas sem proposito de malevolencia.

Ao ouvi-lo na Camara a pronunciar um discurso, na academia a ler uma memoria, ou num salão a conversar com a gentileza do seu espirito scintillante, reconhecia-se sempre e em tudo que era um verdadeiro homem publico, d'aquelles que incansavelmente se dedicam ao bem da sua nação.

Era um espirito culto, dado ás letras, dado ás sciencias, dado a tudo quanto podia contribuir para a prosperidade da sua nação, e tudo tratava com proficiencia e sem difficuldades, insinuando-se no espirito de quem o ouvia, com a sua palavra verdadeiramente encantadora.

Era este o Conde de Ficalho, era este o que em vida nos deleitou, nos seduziu, nos attrahiu, e que ao cabo da sua vida gloriosa teve as dores mais

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cruciantes e mais afflictivas que se podem experimentar.

Aquelle bello espirito levantado e superior parece que só revivia por momentos para amortecer em breve, mas de uma vez para não voltar jamais da fria mansão da morte.

O Conde de Ficalho, apesar do desvairamento em que o seu espirito se obscurecia, tinha como que lampejos em que fazia recordar o brilhantismo dos seus bellos momentos; e foi com uma agonia assim que elle só afundou na treva eterna.

Paz á sua alma; mas que esta recordação tão viva e esta saudade tão funda sejam o maior testemunho do respeito e do sentimento de todos por aquelle que foi o Conde de Ficalho. (Vozes: - Muito bem!)

O Sr. Conde de Bertiandos: - Mal se atreve a falar, depois de terem usado da palavra os oradores precedentes, mas deseja tambem declarar que se associa inteiramente ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente e unanimemente acceito por todos os membros da Camara.

Todos conheceram a figura nobre e digna do Conde de Ficalho, que era chefe de uma grande raça, mas se a sua ascendencia o nobilitava elle tambem projectou sobre ella não pouco brilho e gloria.

O Conde de Ficalho teve na sua familia homens que desde seculos remotos regaram com o seu sangue a terra sagrada de Portugal.

Os seus ascendentes mais proximos são contados entre os que bem serviram a actual dynastia combatendo e soffrendo por ella e pela liberdade. Mas o Conde de Ficalho não se contentou, ao receber tão grande nome, em pendurar nas paredes do seu solar os tropheus dos seus maiores. Não adormeceu á sombra dos louros, ganhos em muitas batalhas. Não. Entendeu e muito bem que, se os tempos tinham mudado, as obrigações da sua raça não podiam diminuir, e procedeu como se tivera de conquistar um nome e fundar uma familia que não pertencesse já á Historia.

Estudou, trabalhou e serviu o seu país nas incruentas pelejas da sciencia e da literatura. Foi insigne professor. As suas lições foram escutadas por muitos que mais tarde se tornaram tambem notaveis. Mas não quer o orador referir-se ao que já está dito pelos que o precederam.

Seja-lhe pois permittido, referindo-se agora ao discurso acêrca de assuntos agricolas que o Sr. Presidente do Conselho acaba de recordar á Camara, e de que o orador muito bem se lembra, dizer que o Conde de Ficalho era d'aquelles que estavam, como elle, convencidos que o resurgimento da patria ha de provir do engrandecimento da agricultura. Foram combatentes nessa cruzada aqui nesta Camara e em congressos. Já lá vão muitos annos, mas lembra-se bem do prazer que sentia ao ver que um homem da estatura do Conde de Ficalho e do seu bom juizo pensava como elle; tanto mais que muitas vezes, relevem-lhe esta franqueza, chegava a duvidar se elle, orador, estaria tresloucado, visto que os homens mais importantes do país tinham ideias bem differentes do pequeno grupo que se empenhava em prol da agricultura.

Noutro tablado se encontrou tambem com o Conde de Ficalho, tablado tão alto que pode dar a quem o pisa vertigens de vaidade. Não as surprehendeu jamais naquelle espirito superior, que não era sujeito a soberbas e orgulhos e que bem comprehendia que o desejo de servir melhor não deve permittir apoucar os merecimentos dos companheiros. (Apoiados).

Foi sempre um leal e bom companheiro, um homem prudente e um bom amigo. A sua altissima intelligencia e á sua grande erudição reunia, de uma forma apreciavel, esse bom senso a que chamamos commum, apesar de não ser vulgar e que muitas vezes não anda reunido ao grande talento.

A figura do Conde de Ficalho ha de ficar por longos annos na memoria de muita gente.

Não será facil egualá-lo; excedê-lo não é possivel.

Por todas estas razoes e porque tinha a honra de ser seu amigo pessoal, associa-se, em seu nome e no d'aquelles com quem está ligado, ao voto de sentimento proposto por S. Exa. e á proposta apresentada pelo Sr. Moraes Carvalho. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Sebastião Baracho: - Ninguem possuia aptidões mais variadas do que o Conde de Ficalho, cuja morte hoje todos pranteamos.

Não vem fazer a biographia do extincto, porque ella já foi feita pelos oradores que o precederam; e pelo illustre Presidente d'esta Camara, pelo Sr. Presidente do Conselho, pelo Sr. Conde de Bertiandos, pelo Sr. Moraes Carvalho e pelo Sr. Sebastião Telles.

O Sr. Presidente do Conselho, alludindo ás varias manifestações de aptidão do Sr. Conde de Ficalho, começou por se referir a elle como professor, depois como orador, como escritor, como homem de sociedade e, por ultimo, como membro da Academia.

Como membro da nobreza, accentuou que era a nobreza do regime constitucional.

Foi isso que o fez pedir a palavra, que não pediria se soubesse que o Sr. Conde de Bertiandos alludiria pela forma levantada por que o fez aos ascendentes do Sr. Conde de Ficalho, os quaes concorreram para a implantação entre nós d'aquelle regime, com o desprendimento que todos conhecem.

Nos tempos que vão correndo é da maxima conveniencia pôr em relevo que os ascendentes do Conde de Ficalho pugnaram, com enthusiasmo e avultados sacrificios, pela implantação da liberdade e do regime constitucional entre nós. O seu mais proximo parente, seu pae, finda a luta, implantado o regime, que então era, na verdade, liberal, retirou-se do serviço activo do exercito, no posto de major, dando, neste acto da sua vida, a prova do seu habitual desprendimento.

Tambem esta nota é digna de registar-se, na quadra fundamentalmente utilitaria que atravessamos.

Na sua qualidade de militar, o orador honra-se, em todo o ponto, pela costella, tambem militar, que tinha o Conde de Ficalho. Sempre que se encontravam, o orador ouvia-lhe palavras da homenagem que elle prestava ao exercito.

Gostava de inquirir, gostava de saber as transformações por que passava a vida militar, e dava-lhe gosto encontrar a opportunidade de ser informado, sobretudo no que dizia respeito á classe a que pertenceu. Quando não houvesse outra razão, o orador tinha de manifestar agora a sua gratidão á memoria do illustre morto e a sua veneração pela forma por que aquelle espirito culto encarava estes assuntos.

A despeito de rico e fidalgo, o Conde de Ficalho, com a sua vida tão complexa, sempre tinha o tempo preciso para poder apreciar os factos occorrentes da vida hodierna.

A outro ponto se referiu tambem o Sr. Presidente do Conselho e ainda o Sr. Conde de Bertiandos o confirmou: foi ao discurso proferido pelo Conde de Ficalho nesta casa em defesa da agricultura. O orador lembra se d'esse discurso; ninguem se expressava com mais elegancia de palavra, nem mais correcção de linguagem e nobreza de espirito do que elle.

Recorda-se tambem da sua estreia em 1882; tinha sido feito Par do Reino, se bem lhe. parece, em 1881, por Fontes Pereira de Mello.

Assistiu a ella e ainda se lembra como elle arrebatou a Camara com a sua oração, pronunciada com toda a espontaneidade.

O pae teve outra escola, não a escola de tribuna, mas a escola de militar, e revia-se na progenitura. Ouviu o filho enternecidamente derramando lagrimas de alegria, que lhe sulcavam

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as faces e lhe orvalhavam as barbas venerandas, que todos respeitavam.

(Apoiado do Sr. Presidente, do Conselho).

Não quer abusar da paciencia dos seus collegas, mas não podia furtar-se a prestar a sua homenagem sincera a esse espirito tão elevado, que deixa uma lacuna na nobreza, como ha pouco affirmou o Sr. Conde de Bertiandos, que a ella tambem pertence.

É uma notabilidade que abre esta vaga na nobreza e que o Digno Par o Sr. Conde de Bertiandos assegurou que não sabe como será preenchida. Pela sua parte dirá que o Conde de Ficalho tambem deixa vagas difficeis de preencher no professorado, na, Academia, como escritor, como orador, como homem do mundo de esfera superior. É por tudo isto, e por que o seu caracter era genuinamente recto, inspirado em sãs doutrinas, que pede para se encorporar entre os outros oradores que prestaram homenagem e culto ao illustre extincto. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. D. Luis de Sousa Holstein: - Manda para a mesa a seguinte participação:

«Communico a V. Exa. que o Digno Par Avellar Machado me pediu para participar a V. Exa. e á Camara que, por motivo de serviço publico inadiavel, não pode comparecer á sessão de hoje e que se associa ao voto de sentimento proposto pelo fallecimento do Digno Par Conde de Ficalho.

Lisboa e sala das sessões da Camara dos Pares, em 20 de abril de 1903. = D. Luis de Sousa Holstein».

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara parece-lhe que se podem considerar approvadas estas propostas, a d'elle Presidente e a do Digno Par o Sr. Moraes Carvalho. (Apoiados Geraes).

Tem a dizer á Camara que a deputação foi nomeada antes da sessão abrir, por causa dos Dignos Pares que a compõem terem tempo de se fardarem, a fim de acompanharem o funeral.

A proximo sessão é amanhã, 21 do corrente, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje, isto é, a continuação do parecer n.° 41, que fixa-a força do exercito para o anno economico futuro; parecer n.° 39, que approva o plano da instrucção naval; n.° 24, que reorganiza a Academia e Museu Portuense de Bellas Artes; n.° 40, que fixa os contingentes para o exercito, armada e guardas municipal e fiscal para o anno de 1903; n.° 36, que autoriza a admittir como pensionista do Estado no Real Collegio Militar, Francisco Maria de Vasconcellos Cruz Sobral Cervantes; n.° 37, que concede ao primeiro sargento graduado cadete João Eduardo Franco Antunes Centeno licença para se matricular no anno commum aos cursos de cavallaria e infantaria da Escola do Exercito; n.° 42, que autoriza a Camara Municipal de Alemquer a prorogar por 60 annos o prazo de amortização do emprestimo de que é devedora á Companhia Geral do Credito Predial Português.

Está levantada a sessão.

Eram 3 horas e 10 minutos da tarde.

Os Redactores,

F. ALVES PEREIRA.
ALBERTO BRAMÃO.

Dignos Pares presentes na sessão de 20 de abril de 1903

Exmos. Srs. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa; Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Conde de Bertiandos; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São; Santos Viegas, Campos Henriques, Palmeirim, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattozo Santos, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Gusmão, José de Azevedo, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Wenceslau de Lima.

Rectificações

Nestes Annaes, sessão n.° 40, e discurso do Digno Par Sebastião Baracho, tem do fazer-se as seguintes: A pag. 389, col. 1.ª e linha 26, onde se lê: 1888, deve, ler-se: 1898. Na linha 57, onde se lê: de não fazer transportes, deve ler-se: de não fazer certos transportes. Na col. 2.ª da mesma pag. e linha 4, onde se lê: applicado, deve ler-se: applicada. Na linha 8, da mesma col. e a seguir ás palavras: com documento, devem acrescentar-se as seguintes: respeitante, ao pagamento de direitos de importação de carvão pelo porto de Lisboa. O periodo que consta das linhas 11 a 13 da mesma columna deve ler-se d'esta maneira: Elle, orador, apresentou, repete, uma nota, que, contradiz as asserções do Digno Par, relativas a 1900, 1901 e 1902.

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