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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 44

EM 22 DE ABRIL DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMARIO: - Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente. - O Sr. Presidente apresenta á Camara duas representações, uma da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, e outra do Syndicato Agricola de Coimbra, contra a proposta de lei do orçamento, na parte que se refere ao regime dos alcooes, e consulta a Camara sobre se permitte que estes dois documentos sejam publicados no Diario do Governo. A Camara assentiu á publicação - O Digno Par Avellar Machado pede que sejam satisfeitas umas requisições do director das obras publicas de Santarem - O Digno Par Visconde de Monte-São insta por que se realize quanto antes a sua interpellação ao Sr. Ministro da Marinha sobre assuntos relativos ao caminho de ferro de Mormugão. O Sr. Presidente diz que attenderá os desejos do Digno Par, logo que a ordem dos trabalhos parlamentares o permitta. - O Digno Par Sebastião Baracho manda para a mesa tres requerimentos, pedindo esclarecimentos aos Ministerios da Justiça, Estrangeiros e Fazenda. Os requerimentos são expedidos. Em seguida occupa-se da questão da excommunhão ao Sr. Patriarcha e das exigencias aos parochos encommendados para sustentação do Seminario de S. Vicente. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. - O Digno Par José de Azevedo Castello Branco manda para a mesa uma representação da classe dos caixeiros portugueses, pedindo o estabelecimento de uma lei que regule o descanso hebdomadario. Requer que esta representação seja publicada no Diario do Governo. A Camara approva este requerimento. - O Digno Par Almeida Garrett manda para a mesa um requerimento, pedindo documentos ao Ministerio do Reino. É mandado expedir.

Ordem do dia. - É approvado o parecer n.° 41, que fixa a força do exercito para o anno economico futuro. - É posto em ordem e approvado sem discussão o parecer n.° 37, que concede ao primeiro sargento graduado cadete João Antunes Centeno licença para se matricular no anno commum aos cursos de cavallaria e infantaria da Escola do Exercito. - É posto em discussão na generalidade o parecer n.° 40, que fixa o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal. Usa da palavra o Digno Par Sebastião Baracho e responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra. Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

Assistiram á sessão os Srs. Ministros da Justiça e da Guerra.

O Sr. Presidente: - Teve a honra de ser procurado pelo conselho director da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa, que era acompanhado pelos representantes de muitos syndicatos agricolas do país, e recebeu de um e outros o honroso encargo1 de apresentar á Camara uma representação que tem ali, e que lhe parece digna de ser apreciada pelas commissões de fazenda e de agricultura, e de que a Camara lhe dedique toda a attenção, resolvendo do modo que lhe parecer conveniente e justo.

Manda essa representação ás duas referidas commissões reunidas, ou á de fazenda, ouvida a de agricultura, e propõe que seja publicada no Diario do Governo.

Os Dignos Pares que approvam a sua proposta queiram ter a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O Sr. Presidente (continuando): - Será, pois, a representação publicada no Diario do Governo, e os Dignos Pares receberão tambem exemplares d'ella, impressos.

Deve tambem communicar á Camara que recebeu outra representação do Syndicato Agricola de Coimbra, a qual será tambem enviada ás mesmas commissões e publicada no Diario do Governo.

O Sr. Avellar Machado: - Chama a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas para o facto de não ter sido feito o processo de algumas requisições para pagamento de expropriações de terrenos destinados á construcção de estradas no districto de Santarem. Essas expropriações são de importancias insignificantes, pois em geral não excedem a 40$000 réis, mas embora insignificantes, o não serem pagas causa grande transtorno aos interessados, na sua maioria pobres.

Pede ao Exmo. Ministro, e espera que S. Exa. o attenderá, que dê as necessarias instrucções ao director das obras publicas do districto de Santarem no sentido de que aquelle pagamento se effectue.

Observa que, tendo falado numa das sessões anteriores em diapasão um pouco mais baixo, succedeu que os Srs. tachygraphos o não ouviram. Como porem não costuma rever as notas tachygraphicas, roga ao Sr. Presidente que recommende aos Srs. redactores e aos Srs. tachygraphos o maior cuidado nas notas que lhe digam respeito.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Tendo ha dias annunciado uma interpellação ao Sr. Ministro da Marinha

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sobre assuntos referentes ao caminho de ferro de Mormugão, o referido Sr. Ministro declarou-se logo habilitado a responder, e o Sr. Presidente declarou que opportunamente designaria quando a interpellação se deveria realizar.

Como já passaram sete sessões, pede a S. Exa. se digne fazer essa designação.

O Sr. Presidente: - O que disse foi que opportunamente designaria essa discussão, e quando fosse compativel com o regular andamento dos trabalhos da Camara. Assim fará.

O Sr. Sebastião Baracho: - Manda para a mesa alguns requerimentos, que passa a ler.

São do teor seguinte:

«Requeiro que, pelos Ministerios da Justiça e dos Estrangeiros, me seja enviada, e com urgencia, copia da credencial romana a que allude a reversal relativa ao actual Nuncio Apostolico, e a elle respeitante.

E mais requeiro que me sejam enviadas copias das credenciaes romanas referentes aos outros nuncios que, desde 1850, teem estado acreditados junto da Côrte de Lisboa. = Sebastião Baracho.

Requeiro que, pelo Ministerio dos Estrangeiros, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

Nota de todas as indicações feitas ao Ministerio da Fazenda, durante o tempo de exercicio do actual Nuncio Apostolico e seus dois antecessores, com relação a isenção de direitos de quaesquer objectos por elles importados;

Nota sobre se todos os oratorios particulares, estabelecidos por concessão do actual Nuncio Apostolico, sem intervenção dos prelados diocesanos, teem satisfeito o imposto do sêllo e pago os devidos emolumentos;

Nota sobre se todos os titulos honorificos de monsenhores e outras condecorações romanas, concedidos durante o exercicio do cargo do actual Nuncio Apostolico, foram sujeitos ao beneplacito, com o competente pagamento de sêllo e emolumentos legaes. = Sebastião Baracho.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada, com urgencia, nota de quaesquer objectos isentos de direitos e importados pelo actual Nuncio Apostolico e seus dois antecessores, com a designação dos direitos que pagariam esses artigos, se fossem sujeitos a despacho alfandegario. = Sebastião Baracho».

Como o Sr. Presidente e a Camara vêem, procura obter todos os documentos necessarios para proseguir na campanha que iniciou de zelar a execução do beneplacito regio.

Na ultima sessão referiu-se a assuntos que tinha de tratar, já que lhe não era licito responder nessa occasião ao Sr. Ministro da Justiça, e porque uma das causas do seu pedido de palavra fôra S. Exa. referir-se a um assunto a que elle, orador, não alludira: a questão do Cabido de Lamego.

Tinha comparado a maneira como se exerce na actualidade o beneplacito regio com a forma por que elle era exercido no tempo do Patriarcha D. Guilherme, e referiu-se a uma questão que se ventilou no tempo d'esse saudoso prelado, como agora se ventila a questão das prerogativas dos conegos do cabido patriarcha!, questão que está affecta á Procuradoria Geral da Coroa.

A proposito, desejaria saber quando o Sr. Ministro da Justiça está de posse do respectivo parecer ou consulta da Procuradoria Geral da Coroa, a fim de pedir copie, d'esse diploma, que deseja possuir, para d'ella fazer uso em occasião opportuna.

Tratando da questão do beneplacito regio procuraria affastá-la da feição politica; todavia o Sr. Ministro da Justiça entendeu dever levá-la para esse campo. Ainda nesta sessão parlamentar ha de tratar mais vezes de assunto tão importante e dos que com elle se relacionam, e desde já avisa o Sr. Ministro da Justiça de que, quando se discutir o orçamento do seu Ministerio, se occupará da forma como teem sido respeitadas as regalias da Coroa, e ainda porá em relevo quanto S. Exa. tem andado alheado dos bons preceitos, deixando promulgar o decreto de 19 de setembro de 1902, em que a Bastilha da Calçada da Etrella foi elevada a primeiro poder do Estado, permittindo que funccionarios que exorbitam das suas attribuições não sejam processados, e consentindo que se tenha postergado evidentemente, e repetidas vezes, a lei da imprensa, com manifesto menoscabo do poder judicial.

Nessa occasião, em que poderá alargar as suas considerações, ha de responder ao repto do Sr. Ministro da Justiça, chamando-o a elle, orador, como chamou na ultima sessão, para um campo onde não queria entrar, e por agora, vae passar á analyse da resposta que S. Exa. se dignou dar-lhe, e com qual não pode por principio algum concordar.

Disse S. Exa., como consta dos Annaes de 17 do corrente, o seguinte:

... «que julga absolutamente infundado o boato referente á excomunhão de Sua Eminencia o Sr. Cardeal Patriarcha de Lisboa. Julga-o infundado absolutamente; pois acêrca d'este facto não tem o menor conhecimento official, nem de qualquer documento em que lhe fosse applicada essa pena, ou em que fosse annunciada a sua applicação».

Comprehende a Camara que ponha em relevo o facto.

S. Exa. declarou, que julga.

Faz justiça nesta parte ao Sr. Conselheiro Campos Henriques. S. Exa. affirma sempre com muita cautela, sem jurar sobre as suas palavras; é por isso que S. Exa. disse que julga.

Crê que não ha atenuante nenhuma com respeito ao Sr. Ministro da Justiça não estar informado sobre um facto tão grave.

O que vê praticar por outros Ministros, e especialmente pelo da Guerra, cujo titular está presente, e seguramente não contrariará o que vae dizer, é o que desejava ter visto fazer ao da Justiça.

Em outros Ministerios, quando se dão factos de gravidade - e refere-se ao facto da excommunhão do Sr. Patriarcha e á reducção de uma parte das dotações das igrejas que não estão providas em parochos collados - quando factos d'este importancia veem á circulação publica e são affirmados pelos jornaes, de duas uma: ou o funccionario, por mais alto que seja o alvejado por noticias d'essa ordem, se dirige ao seu chefe hierarchico a informá-lo do que existe, ou, se se esquece de cumprir este preceito elementar, devido á boa disciplina, e ainda sobretudo se se esquece de dar este bom exemplo, é chamado á comprehensão dos seus deveres pelo seu chefe ou pelo Governo.

É esta a sua maneira de ver, e que se amolda com os factos que se dão nos outros Ministerios.

Pois pode-se deixar circular a noticia de que o Sr. Patriarcha está excommungado e que se dirigiu ao Nuncio de Sua Santidade para lhe ser levantada a excommunhão, sem se averiguar da inteira verdade dos factos!

Se é exacto, e o Sr. Patriarcha não o nega, porque ainda tal não viu, nem lhe consta que o negasse, podendo até Sua Eminencia dizer da sua justiça nesta casa do Parlamento, a que pertence - se é verdadeiro este facto, em que situação estão os conegos que constituem o Cabido?

Pois não tem o poder civil de inquirir factos d'esta natureza e proceder conforme as suas attribuições e em harmonia com a gravidade do acto praticado?

É por isso que, ante a resposta que se dignou dar-lhe o Sr. Ministro da Justiça, não pode deixar de chamar a attenção da Camara para este facto de S, Exa. julgar que o Sr.

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não está excommungado, e de não tratar de inquirir das circunstancias extraordinarias que se dão no Patriarchado, de não proceder como, em sua opinião, é do dever de S. Exa. o Sr. Ministro.

S. Exa. não tinha conhecimento official do facto, mas cumpria-lhe informar-se para socegar muitos espiritos, principalmente dos pertencentes ás ovelhas que estão sob a jurisdicção do Sr. Patriarcha.

Pelo que respeita á questão do Cabido, disse S. Exa.:

«É certo que ha muito tempo um beneficiado da Sé Patriarchal de Lisboa entendeu dever recorrer directamente, e em virtude de direito que, julgava assistir-lhe, para a Curia Romana, a fim de se resolverem questões relativas a usos e a costumes de ha muito introduzidos e observados na Sé Patriarchal. Essa reclamação do beneficiado foi á Congregação dos Ritos, e passou depois para a Congregação dos Concilios.

Parece que essas congregações deram razão ao beneficiado reclamante. Estes factos passaram-se particularmente por intermedio de um procurador d'este beneficiado junto da Curia Romana.

Particularmente foi feita a communicação ao reclamante. Mais tarde teve tambem Sua Eminencia o Cardeal Patriarcha informação directa de Roma de que assim se tinha procedido.

No fim de fevereiro, ou no principio de março ultimo o Sr. Cardeal Patriarcha officiou ao Ministerio da Justiça dando conhecimento do facto e chamando para elle a attenção do Governo.

Foi só então que o Governo teve, pela primeira vez, conhecimento da controversia que se levantou no Cabido da Sé Patriarchal. Logo que recebeu esta participação official, logo que teve conhecimento official d'este facto, elle, orador, no cumprimento do seu dever, mandou esses papeis á Procuradoria Geral da Coroa, pedindo que com a possivel urgencia aquella instancia indicasse ao Governo o que lhe parecesse adequado e mais justo».

Vê-se, pela leitura dos Annaes, que o Sr. Ministro da Justiça foi muito cauteloso na sua resposta.

S. Exa. disse: «em virtude de direito que julgava assistir-lhe». S. Exa. não quis fazer uma affirmação clara e terminante; mas o que é para notar é que S. Exa. mandou o processo á Procuradoria Geral da Coroa.

Vae ler a informação do Seculo sobre este ponto:

«O Sr. Cardeal Patriarcha dirigiu-se á nunciatura apostolica nesta Côrte para que lhe fosse levantada a excommunhão em que estava incurso por ter, juntamente com o Cabido Patriarchal, recorrido, para um tribunal secular, da sentença proferida pela Congregação dos Ritos.

A excommunhão foi-lhe levantada, ficando, porem, sujeito á penitencia que pela Curia lhe será imposta».

Do processo deve constar tudo isto, e não comprehende bem as reservas de S. Exa.

Pela noticia do Seculo, vê-se que ha quem possua noticias de Roma sobre este importante assunto. Só não tem noticias nem informações o Sr. Ministro da Justiça!

Muita gente sabe d'esta questão por informação de Roma. Só o Governo de Sua Majestade nada sabe!

S. Exa. só teve conhecimento do facto por um officio do Sr. Cardeal Patriarcha, officio que S. Exa. remetteu á Procuradoria Geral da Coroa.

A questão, como o Sr. Ministro da Justiça disse, está, pois, affecta á Procuradoria Geral da Coroa, e é natural que a Procuradoria encare este assunto sob todos os seus aspectos. Aguarda a consulta respectiva, insistindo de novo com o Sr. Ministro da Justiça em que se digne mandá-la publicar, ou o avise para que possa ter copia d'ella, o que necessita, a fim de proseguir nas considerações que tem ainda a fazer. Por isso desde este momento deixa de discutir a questão em outros pontos e aspectos, até conhecer a opinião da Procuradoria. Em presença d'ella emittirá a sua, se assim o julgar conveniente, voltando ao assunto e tratando o conforme entender. Ha de occupar-se largamente das regalias da Coroa e seus principios salutares, mas precisa estar habilitado para isso com os documentos que pediu, e com mais alguns que tenha que pedir.

Vae tratar do ultimo ponto a que se referiu, e tambem o ultimo ponto a que o Sr. Ministro da Justiça se dignou dar-lhe resposta: a questão do Pequeno Seminario, cuja dotação é devida em parte aos descontos feitos aos parochos não collados.

O Sr. Ministro, que até á sessão anterior falava com tanta cautela e dizia nada saber com respeito aos parochos não collados ou encommendados, na ultima sessão fazia a declaração expressa de que as deducções, o terço dos vencimentos dos parochos, eram applicados ás despesas do Pequeno Seminario, e elle, orador, não diz a mais outro porque não tem bases e documentos para o affirmar. Diz se. porem, em jornaes de maior circulação e de maior consideração, como aquelles que tem citado mais de uma vez, que áquelle seminario é applicada a parte minima.

Ouçam-se as palavras textuaes do Sr. Ministro da Justiça:

«Referiu-se ainda S. Exa. a outro facto: ao do Patriarchado exigir aos parochos encommendados um imposto para occorrer ás despesas do Pequeno Seminario de S Vicente.

Elle, orador, deve dizer, com a maxima franqueza, que não tem conhecimento de nenhuma reclamação a este respeito perante o Ministerio da Justiça. Nenhuma reclamação lhe tem sido apresentada nem nenhum facto d'esta natureza lhe tem sido referido officialmente.

Desde que sobre um facto preciso e concreto haja qualquer reclamação, procederá ás necessarias averiguações; e, se houver abusos, partam elles de onde partirem, procederá de forma a cortá-los cerce e a evitar que se repitam.

Em todo o caso deve dizer que o Pequeno Seminario de S. Vicente sustenta-se, aparte qualquer esmola ou qualquer acto de caridade particular, de um subsidio que recebe da Bulla da Santa Cruzada, na importancia de réis 800$000, tendo ainda a percentagem de um terço do rendimento das freguesias annexadas, emquanto não são providas».

Não vae repetir as considerações que fez á resposta de S. Exa. relativamente a não ter informação alguma sobre o facto de estar o Sr. Patriarcha excommungado; apenas dirá a S. Exa. que noticias d'esta ordem deixam em muito mau pé o Patriarcha, e os pobres parochos exiguamente pagos, que são obrigados a contribuir para despesas que não estão autorizadas.

O Sr. Ministro diz que não procedeu porque não houve reclamações. Pode acaso reclamar um parocho, na situação de subalternagem em que está, contra o seu chefe supremo, que tem tanto empenho em que seja satisfeita a sua aspiração, que vae atacar tão perniciosamente as regalias dos parochos seus subordinados, mandando sugar-lhes os haveres, para depois os applicar da maneira por que melhor entenda?

Não se admira nada, absolutamente nada, de que S. Exa. não fosse informado de quaesquer reclamações; o contrario é que seria muito para admirar. Não era necessario haver reclamações para S. Exa. se informar devidamente, visto que, sem faltar até o Parlamento, em toda a parte houve noticias, e noticias conformes, de que o Sr. Patriarcha exigia dos parochos essas contribuições.

Mas o Sr. Ministro da Justiça diz:

«Não ha sobre o facto nenhuma re-

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clamação; emquanto se não precisar um facto, emquanto se não apresentar officialmente essa reclamação, deve aguardar melhor occasião para o seu procedimento».

De maneira que S. Exa. não teve reclamação nenhuma, mas sabe que o facto existe.

Precisa saber agora, como membro d'esta casa, em que principio, em que lei, que doutrina, sequer, se fundamenta S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça para permittir e consentir que um dos elementos de contribuição para occorrer ás despesas do Pequeno Seminario, seja a percentagem de um terço do rendimento das freguesias annexadas, emquanto não são providas.

S. Exa. affirmou que o facto existe, e elle, orador, não conhece na legislação patria acto algum dispositivo que permitia semelhante abuso.

Ouviu hontem, conversando na camara com um Digno Par. que se attribue essa violencia ao Concilio de Trento.

O Concilio de Trento, que carrega com bastantes responsabilidades, ainda tem mais essa.

O Concilio Tridentino espraiou-se em longos annos, desde 1545 até 1563, a engendrar preceitos que atacassem as liberdades.

As questões ali tratadas sob o ponto de vista disciplinar não foram acceitas pela maior parte das nações catholicas, a começar pela França, porque então havia vigor de opinião, que hoje não ha, para reagir contra o ultramontanismo.

Ainda ha poucos dias, num livro que folheou, leu a affirmação de Victor Duruy de que a acção do ultramontanismo se fazia sentir no seculo XIX por uma forma tão intensa, como não se tinha manifestado, nem nos peores annos da existencia da igreja catholica.

Protesta é contra essa absorpção que quer fazer o ultramontanismo. Protesta contra estas facilidades que se estão dando para que a theocracia do Patriarchado chegue a predominar por inteiro.

É por isso que ha de ser rigoroso e exigir responsabilidades com respeito á violação das regalias da Coroa.

Ha de advogar os interesses dos desgraçados, como são os parochos não collados do patriarchado de Lisboa, não se servindo do appello para o concilio de Trento, que só nesse caso teria applicação ao Patriarchado de Lisboa.

Segundo as informações que tem, não ha nenhuma outra diocese em que se exija aos parochos não collados o subsidio ou subscrição de uma parte das dotações das suas igrejas. Isto só existe aqui no Patriarchado.

O concilio de Trento foi expressamente para o Patriarchado de Lisboa.

Mas é preciso que acabe este abuso, odioso como todos os abusos, e não largará mão d'este assunto, sem que seja feita justiça a todos, e sem que o Patriarchado de Lisboa não esteja sob a acção de censura, duvida e suspeita e até muita falta de respeito dos parochianos e até de manobras do clero.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que permitiem que o Sr. Ministro da Justiça possa responder ao Digno Par Sr. Baracho tenham a bondade de se levantar.

(Foi permittido ao Sr. Ministro da Justiça responder ao Sr. Baracho).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Estava na supposição de que havia sido muito claro na resposta que deu ao Digno Par Sr. Baracho na ultima sessão: cuidou que tinha explicado sufficientemente, e com a devida clareza, os pontos a que S. Exa. se referira, justificando sufficientemente o seu procedimento. Vê, porem, que se enganou e que não teve a fortuna de se fazer comprehender; por isso vae responder a S. Exa. por forma tão succinta quanto clara. Assim, começa por declarar não ser exacto que o Sr. Patriarcha fosse excommungado.

O Sr. Sebastião Baracho: - Já V. Exa. falou o preciso.

O Orador: - Imaginava ter já falado o preciso na sessão passada; como o não conseguiu, faz agora, esta affirmativa categorica e positiva: o Sr. Patriarcha não foi excommungado.

Está respondida a primeira parte.

Com relação á questão aberta no Cabido, apenas teve conhecimento dos factos que se passaram, e que consistem na alteração de costumes e usos de ha muito seguidos na Sé; apenas teve conhecimento d'esses factos pela participação que ao Governo fez o Sr. Patriarcha; mandou consultar a Procuradoria Geral da Coroa, a fim de, habilitado com o seu parecer, poder fazer justiça a quem a tenha.

Disse a S. Exa. que o parecer da Procurado da Geral da Coroa já estava feito, e que apenas lhe fosse enviado estudaria o assunto e procederia, sem demora, resalvando, inteiramente, as prerogativas da Coroa.

Quer S. Exa. que as prerogativas da Coroa sejam resalvadas?

Hão de ser resalvadas tanto quanto a lei o permitta.

É tambem clara neste ponto a sua resposta.

Terceiro ponto. Porque é que não tem procedido com relação ao facto imputado ao Sr. Patriarcha, de exigir dos parochos não collados uma certa quota dos seus rendimentos (um terço) para manutenção do pequeno Seminario de S. Vicente, exigencia que não está na lei?

S. Exa. citou jornaes, dizendo que os padres reclamavam insistentemente que fosse abolida semelhante exigencia e em vista de tal affirmativa elle, orador, indagou logo no Ministerio da Justiça se havia lá alguma reclamação, resultando d'essa averiguação saber que não havia nenhuma!

Entretanto, S. Exa. disse que os padres reclamavam insistentemente.

O Sr. Sebastião Baracho: - Não disse que reclamavam officialmente.

O Orador: - Mas reclamavam perante alguem.

O Sr. Sebastião Baracho: - Perante elle muitos!

O Orador: - Sente que S. Exa. não possa, mesmo particularmente, denunciar o facto, porque, em vista d'elle, trataria de indagar, pois que pelas informações officiaes a que procedeu nada lhe consta.

O Sr. Sebastião Baracho: - Recebeu algumas queixas, mas não pode citar um facto determinado, porque não é denunciante.

O Orador: - Comprehende S. Exa. certamente a situação d'elle, orador, para proceder neste caso em que não ha uma queixa, ainda que particularmente feita, sobre um facto determinado pelo qual conste que no Patriarchado se pratica qualquer acto reprehensivel ou condemnavel. Venha, porem, a participação de um facto e elle, orador, não tem duvida em proceder de forma a cortar o abuso, parta elle de onde partir, para que se não repita.

Ainda por ultimo S. Exa. se referiu a que o Pequeno Seminario de S. Vicente se mantem com esmolas, actos de caridade, um terço do rendimento das freguesias, annexadas, e um subsidio da Bulla da Santa Cruzada na importancia de 800$000 réis.

É uma pratica estabelecida de ha muitos annos, não de agora, e encontra-se em vigor sem contestação de ninguem. E note S. Exa. que só se annexam freguesias provisoriamente, e quando faltam parochos nas condições exigidas.

Promette, porem, ao Digno Par que vae estudar este facto especial, indagar se essa praxe é fundada em lei, e se não for, procederá de forma a evitar que continue a dar-se.

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O Sr. Sebastião Baracho: - Era esse um bello methodo a seguir quanto no ponto que S. Exa. diz não ter conhecimento. Era indagar.

O Orador: - Vae indagar sim, mas de um facto de que já tem conhecimento, porque o Sr. Cardeal Patriarcha lhe declarou que um terço do rendimento das freguesias annexadas era destinado á manutenção do pequeno seminario de S. Vicente.

Terminando, repete:

O Sr. Patriarcha não teve nenhuma excommunhão. Manterá sempre as prerogativas da Coroa. Se tiver conhecimento de algum facto incorrecto procederá por forma a evitar a sua continuação.

Crê que as suas respostas foram claras.

O Sr. Sebastião Baracho: - Com respeito ao parecer da Procuradoria Geral da Coroa, S. Exa. não terá duvida em lh'o enviar, para d'elle tomar conhecimento?

O Orador: - Logo que dê o seu despacho, não terá duvida alguma; antes não, porque é de caracter confidencial.

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que teem papeis para enviar para a mesa podem fazê-lo.

O Sr. Almeida Garrett: - Manda para a mesa um requerimento, e pede ao Sr. Presidente que lhe conceda a palavra quando estiver presente o Sr. Ministro do Reino, nesta ou na proximo sessão.

Foi lido e mandado expedir o requerimento, que é do teor seguinte:

«Requeiro que me seja remettida, com toda a urgencia, uma nota circunstanciada, com os nomes dos professores estranhos ao professorado effectivo do Lyceu de Coimbra, os quaes teem regido interinamente cadeira nesse lyceu, durante os ultimos cinco annos, designando-se os nomes dos professores interinos e as cadeiras que cada um tem regido annualmente.

Camara dos Dignos Pares do Reino, em 22 de abril de 1903. = Gonçalo de Almeida Garrett».

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: - Manda para a mesa uma representação da Associação de Classe dos Caixeiros Portugueses, pedindo o estabelecimento de uma lei que regule o descanso hebdomadario.

Pede ao Sr. Presidente que consulte a Camara sobre se consente que este documento seja publicado no Diario do Governo.

A Camara concedeu a autorização pedida.

O Sr. Presidente: - Os documentos que o Digno Par o Sr. Baracho mandou para a mesa, e o requerimento do Digno Par Sr. Garrett vão ser expedidos.

Vae ler se, para ser votado, o projecto que esteve hontem em discussão.

Leu-se na mesa e foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o parecer n.° 37 sobre o projecto de lei n.° 33.

Leu-se na mesa e foi approvado sem discussão o projecto, que é do teor seguinte:

Artigo l.° É concedida ao primeiro sargento graduado cadete João Eduardo Franco Antunes Centeno licença para se matricular no anno commum aos cursos de cavallaria e infantaria da Escola do Exercito, com dispensa de condição 1.ª do artigo 1.° das alterações á organização da mesma escola, approvada por carta de lei de 13 de setembro de 1897.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei sobre a fixação do contingente de recrutas.

Leu-se na mesa e foi posto em discussão na generalidade o parecer n.° 40 sobre, a proposição de lei n.° 41, que é do teor seguinte:

Artigo 1.° O contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal é fixado, no anno de 1903, em 16:500 recrutas, sendo 15:000 destinados ao serviço activo do exercito, 600 á armada, 600 ás guardas municipaes e 300 á guarda fiscal.

Art. 2.° O contingente de 600 recrutas, destinados ao serviço das guardas municipaes, será previamente encorporado no exercito, sendo as praças que se acharem nas condições exigidas para aquelle serviço transferidas para as mencionadas guardas até o numero necessario para o preenchimento do referido contingente, preferindo se os que voluntariamente se offerecerem.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Sebastião Baracho: - Antes de entrar nas considerações que lhe despertam o projecto em discussão, deve dizer que a resposta que o Sr. Ministro da Justiça lhe deu hoje o satisfez mais do que a anterior. No entanto não o satisfez completamente, mas com satisfação regista que S. Exa. avançou mais um passo para se esclarecer a verdade e ser feita justiça.

Nestes termos aguarda a remessa dos documentos que tem pedido, e que porventura venha ainda a pedir, como aguarda o resultado da consulta da Procuradoria Geral da Coroa para depois, proseguir nesta campanha que encetou, e que é de todo o interesse para o país, seja qual for o aspecto sob que se encare.

Posto isto, permitta-lhe a Camara, a elle, orador, que ha bastante tempo não levanta a sua voz em questões militares, fazer algumas considerações sobre o projecto em discussão.

Por circunstancias que irão transparecendo no decorrer da sua oração, julgou opportuno o momento para affirmar antigas opiniões, e para affirmar ainda principios que sustenta na actualidade, porventura tão isoladamente como isolado está, mas com a convicção profunda que manifesta sempre ao tratar aqui de questões da magnitude d'esta.

Desde longa data tem affirmado no Parlamento, e por mais de uma vez, que é partidario da alliança inglesa, e parallelamente de que se deve proceder com todo o escrupulo e dentro dos meios compativeis com as nossas posses a respeito da defesa do país.

As circunstancias, por mais cor de rosa que se apresentem, nem por vezes evitam complicações e até cataclismos. É assim que já velho, e tendo inaugurado a sua acção - e não diz profissão, a sua acção de jornalista - ha trinta annos seguros, e tendo-se dedicado com especial attenção aos assuntos estrangeiros, tem assistido á evolução e transformação radicalissima, cortes e recortes no mappa europeu, e ás vezes com successão de periodos perfeitamente mansos, de periodos em que parecia poder-se affirmar que reinava a mais absoluta e completa paz; é assim que depois de 1870 se realizou a alliança dos tres grandes imperios do norte: a Russia, a Austria e a Allemanha; no intuito de manter a paz europeia, e como a paz europeia se manteve está a prova na campanha turco-russa de 1878, de que derivou a quebra d'esta alliança, e de que derivou não só o tratado de Santo Stefano, que collocava em boa situação a Russia, mas, pela pressão das grandes potencias, o tratado de Berlim, que deixava a Russia numa situação bastante precaria perante outras nações que, sem terem gasto nem um ceitil, sem terem compromettido a vida dos soldados, trouxeram d'aquella campanha excellentes conquistas.

Todos sabem da concessão que á Austria foi feita das duas provincias da Bosnia e da Herzegovina, sendo d'este modo traçado o seu papel de

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aspiração, cujo termo era Constantinopla, para onde se dirigia a Russia, e é assim que o tratado de Santo Stefano era contrariado pelo congresso de Berlim, que punha á Russia variados travões e lhe dava uma concorrente no mesmo objectivo apresentado pela Austria.

Vão decorridos vinte e tantos annos e o que é que nós vemos?

Vemos nos Balkans o mesmo fermento de insubordinação, o mesmo fermento de revolta, christãos insurgindo-se contra ottomanos, christãos fazendo sacrificio dos seus haveres, da sua vida e da sua honra em proveito da sua causa, e quem vemos á testa da cruzada que se faz para se obter tanto quanto possivel a alforria da Macedonia e das outras christandades de ali? A Austria e a Russia, precisamente as duas nações a quem o tratado de Berlim punha em situação antagonica.

Tres annos depois do tratado de Berlim, escrevia elle, orador, uma serie de artigos intitulados Questões de allianças, em que ponderava este e outros factos que se davam, sendo factor importante para a elaboração d'esses artigos a situação de Espanha ha muitos annos, mas sobretudo desde a revolução de 1868, isto é, da deposição de Isabel II.

Fazendo estudos sobre esta situação, estudos que respeitavam á Espanha, escrevia o que vae ler, e, entre outras cousas, dizia o seguinte:

«Em 1873 as declarações categoricas de D. Estanislau Figueras e de outros republicanos espanhoes, com relação á absorpção de Portugal por parte da Espanha, foram publicamente feitas. Em virtude d'ellas, o Governo Português adoptou immediatamente as providencias que as circunstancias exigiam. Chamou as reservas ao serviço activo, sob o pretexto de precisar estar prevenido para poder fazer respeitar as suas fronteiras pelos partidos carlistas que de dia para dia aumentavam de força, e tratou de adquirir no estrangeiro importante material de guerra, procedendo em tudo isto de acordo com a Inglaterra, com que previamente se entendera sobre quaesquer eventualidades que pudessem apparecer.

Em 1874 continuava a manter-se a mesma incerteza acêrca do futuro de Espanha, e apesar de reiterados protestos das principaes potencias, começava a recear-se seriamente, pela conservação da paz europeia. Lord Russel manifestou a este respeito as suas apprehensões na sessão de 4 de maio, na camara alta inglesa, Na resposta que lhe deu o Conde Derby, então Ministro dos Negocios Estrangeiros, assegurou este estadista que a Gran-Bretanha considerava, como rigoroso dever cumprir fielmente os tratados que tinha com as outras nações.

Esta explicita declaração foi habil e patrioticamente aproveitada pelo Sr. Andrade Corvo, para felicitar por ella o Conde Derby. No officio que nesse intuito dirigiu ao Duque de Saldanha, Ministro de Portugal em Londres, recordava o Sr. Corvo todos estes tão importantes quanto significativos factos:

Que pelo tratado de 23 de junho de 1661 contrahiu a Inglaterra, a troco de varios privilegios e concessões, a obrigação de prestar efficaz apoio á defesa de Portugal, tanto por mar, como por terra, como se da propria Inglaterra se tratasse;

Que no principio d'este seculo, quando a guerra ameaçava a integridade e a independencia de Portugal, e quando desgraçadissimas contingencias levavam. a familia real portuguesa a transferir para o Brasil a sede da monarchia, assinou-se (em 22 de outubro de 1807) uma convenção entre Portugal e a Gran-Bretanha, no artigo vi da qual se obriga Sua Majestade britannica, em seu nome e no dos seus successores, a não reconhecer jamais como liei de Portugal principe algum que não seja o herdeiro e representante legitimo da familia real de Bragança;

Que pelo tratado de alliança e de amizade de 19 de fevereiro de 1810 se renovam todas as estipulações dos antigos tratados e da convenção de 1807, e se estabelece, sem a menor duvida ou ambiguidade, que no caso de alguma das altas partes contratantes ser ameaçada de um ataque hostil por qualquer potencia, a outra empregará os mais eficazes e effectivos bons officios, tanto para procurar prevenir as hostilidades, como para obter justa e completa satisfação em favor da parte offendida;

Que, quando depois de terminada a guerra, o tratado de 1810, feito para acudir a circunstancias extraordinarias, foi declarado nullo pelo tratado celebrado em Vienna a 22 de janeiro de 1815, entre o Principe Regente, o Sr. D. João, e Jorge III, Rei da Gran-Bretanha, houve o cuidado de declarar explicitamente no artigo 3.° do mesmo tratado que não ficavam por isso de modo algum invalidos os antigos tratados de alliança, amizade e garantia que por tanto tempo e tão felizmente teem subsistido entre os duas coroas, e acrescenta se na mesmo artigo que esses tratados se renovam ali pelas duas partes contratantes e se reconhece ficarem em plena força e vigor;

Que por occasião dos movimentos revolucionarios que em 1826 ameaçaram o Governo Legitimo, e eram ostensivamente apoiados pela Espanha, foi, em virtude do Governo da Senhora Infanta Regente reclamar o cumprimento dos tratados vigentes, assinado em Brighthelmstone a convenção especial para a manutenção da divisão auxiliar de tropas britannicas em Portugal;

Que, quando a revolução de 1868 rebentou em Espanha, o Conde do Lavradio, então nosso Ministro em Londres, procurou Lord Stanley, depois Conde Derby, para lhe recordar os deveres da Gran-Bretanha para com Portugal, principalmente consignados no tratado de 1661, e Lord Stanley reconheceu a obrigação que a Inglaterra tem de auxiliar Portugal no caso a que os tratados se referem.

E que, posteriormente, quando a revolução espanhola triunfante obrigou a familia então reinante a sair de Espanha, o Conde do Lavradio procurou de novo Lord Stanley, que lhe affirmou que a Inglaterra saberia cumprir o seu dever.

Nesse mesmo importante officio recorda tambem o Sr. Corvo que, tendo por occasião da abdicação de El-Rei Amadeu, em fevereiro de 1873, dirigido uma nota confidencial ao Ministro de Inglaterra em Lisboa, o Governo Inglês communicou então ao de Madrid a sua resolução de não interferir nos negocios internos de outros países, mas observando conjuntamente que existiam engajamentos, por tratados entre Portugal e a Inglaterra, de defender Portugal contra aggressões externas, não devendo os espanhoes contar com a indifferença da Inglaterra no caso de um ataque contra Portugal. Os gabinetes das grandes potencias foram informados d'estas resoluções tomadas pela Inglaterra, e deram-lhes o seu pleno assentimento e approvação.

Outros documentos, e de não menos valor, podiamos extrahir do Livro Branco de 1870; mas torna-se isso desnecessario».

Isto escrevia em 1881, e juntamente com estas affirmações escrevia outros artigos que não lê á Camara para a não fatigar; artigos em que mostrava a necessidade que havia da alliança inglesa, sendo acompanhada da defesa do país.

E era assim que escrevia os dois periodos que vae ler:

«Não temos dado curso á fantasia, temos citado factos, e d'elles se deduz que a politica que mais convem a Portugal é a que o unir estreitamente, pelos laços da amizade e dos interesses communs, com a Inglaterra, tanto pelo que respeita á metropole como ás provincias ultramarinas. Mas essa perfeita harmonia e intelligencia entre os dois

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povos, alliados de ha mais de dois seculos, não é o bastante - de justiça é reconhecê lo - para nos pôr ao abrigo de qualquer ataque contra a nossa independencia. É preciso tambem, para que nada, tenhamos a recear do futuro, que cuidemos seriamente de dotar o país com os elementos indispensaveis de defesa».

E concluiu este artigo com o seguinte:

«Procurar estreitar as relações de amizade com a Inglaterra, e cuidar seriamente da organização militar do país, elevem constituir o nosso objectivo. Quando conseguirmos attingi-lo, poderemos esperar com socego, conscios de que soubemos cumprir com o nosso dever os acontecimentos que se preparam na Europa Central e que se podem repercutir no extremo occidente».

Ainda hoje não tem que fazer outras affirmações que não sejam estas.

É indispensavel, para que possamos estar no convivio das nações por forma a sermos respeitados e até pela nossa alliada, que se trate de prover de toda a cautela, de todo o cuidado, de toda a applicação á defesa do país.

Occupando-se da defesa do país, pôs sempre em relevo, de ha muitos annos, a necessidade que ha de fortificar preferentemente Lisboa, Porto e ainda a bahia de Lagos, e refere-se exclusivamente a estes tres pontos, porque o erario não nos permitte traçar um plano que, financeiramente, seria inexequivel. De outra forma teria que indicar algumas localidades maritimas, para serem devidamente fortificadas.

Parece que na epoca que vae correndo se pensa de outra forma, havendo quem pugne pela defesa movei. Estas suas opiniões sinceras, como a de todos aquelles que se interessam pelas questões militares, e que pertencem a esta classe, são de velha data e mantem-as ainda, tendo trabalhado desde ha muito na sua defesa. É assim que, discutindo-se na Camara dos Senhores Deputados, em junho de 1888, o orçamento rectificado, e não tendo sido possivel nem a elle, orador, nem a outros Deputados militares que tinham assento naquella Camara, tratar assuntos d'esta especialidade, por sua parte deu largo desenvolvimento ás suas ideias, e então affirmou quanto era preferente que se iniciasse a defesa do nosso país, fortificando-se Lisboa e Porto, sobretudo Lisboa.

Mais de uma vez tem dito nesta Camara que se Lisboa estivesse devidamente fortificada outra poderia ser a forma de tratar com as nações e chancelleres estrangeiros.

Collocar Lisboa em bom estado de defesa, corresponde a collocar-nos em situação altiva e digna de poder corresponder a qualquer aggravo que nos possa fazer o estrangeiro, situação que nos collocaria seguramente muito acima de Venezuela com o seu forte de S. Carlos, porque Lisboa bem fortificada e bem artilhada ficava em muito melhores condições de defesa, e naquelle porto os navios que o atacaram tiveram a devida resposta e nenhum forçou o porto.

É preciso estudar estes factos e chamar para elles a attenção publica, porque se ha partidarios das fortificações permanentes da defesa dos portos, dos canaes e costas, tambem vão apparecendo muitos propagandistas da abolição d'estas fortificações, trocando-os por fortes relativamente baratos pela defesa movel.

Foi esta uma das razões por que entrou neste debate, para affirmar principios, para propagar ideias.

A sua opinião manifestada em 1888 com respeito á situação de Lisboa consta dos discursos que proferiu então. Não quer cansar agora a Camara com a sua leitura; apenas citará dois trechos para se ver que já nessa epoca, ha 15 annos de distancia, tinha arraigadas estas ideias, e que continua, como em 1888, a fazer a propaganda em favor da defesa do país e de preferencia a da fortificação de Lisboa.

Dizia, na sessão de 7 de junho de 1888, na sessão diurna, porque nesse dia houve duas sessões, e falou em ambas, o seguinte:

«A defesa do reino é seguramente um dos serviços que mais deve prender a attenção do país e do Parlamento, principalmente a defesa de certos pontos capitaes, como o de Lisboa e seu porto (Apoiados), de que mais tarde especialmente se occupará.

E entretanto, triste é confessá-lo, não ha um plano geral estabelecido, tudo nesta parte está por fazer, a despeito das varias tentativas que ha mais de trinta annos se effectuam, no sentido de remediar tão grande mal, de preencher tão condemnavel lacuna! (Apoiados).

E não é por falta de commissões que o problema não tem sido resolvido.

Teem-se ellas succedido com pequenos intervallos, umas ás outras, desde 1857 até hoje, em que vivemos sob o regime da commissão superior de guerra de antemão nomeada.

Será ella mais feliz do que as suas antecessoras?

Sinceramente o deseja, como o devem desejar todos os que se interessam pela manutenção da nossa autonomia - questão esta que deve estar fora da alçada da politica partidaria, e em que deve haver completa uniformidade de pareceres. (Apoiados).

Para isso bastaria que ella se conduzisse como as suas homonimas existentes na Allemanha, porque foi ali que se foi buscar a denominação com que foi baptizada a neophila. Oxalá se importassem, ou antes se pudessem importar d'aquelle poderoso país as latissimas attribuições de que ellas ali disfrutam e - porque não o hei de dizer - os homens experientes e superiores que d'ellas fazem ou teem feito parte. (Apoiados).

Na Allemanha, a commissão superior de guerra é sempre presidida por um dos vultos mais preeminentes do Imperio. Nos ultimos annos da vida do Imperador Guilherme I, exerciam as funcções de presidente o herdeiro do throno, que depois foi o Imperador Frederico III, e de vogaes o Marechal Moltke, chefe do estado maior general, o Ministro da Guerra e alguns dos mais abalisados commandantes de corpos do exercito.

Para se fazer ideia da largueza e extensão das suas attribuições, basta dizer que nenhum caminho de ferro é construido sem que os respectivos planos sejam submettidos á apreciação da commissão superior de guerra; que, sem appellação de especie alguma, os modifica, altera ou rejeita, como melhor entende».

Como a Camara ouviu, advogava a necessidade absoluta de fortificar Lisboa, felicitava-se pela nomeação da commissão superior de guerra, a cujos serviços deve prestar homenagem, e, por ter feito parte d'ella durante alguns annos, póde avaliar o interesse com que eram tratadas as questões de defesa do país.

E como então teve tambem de fazer justiça e pedir providencias sobre factos que eram exactos, por não existir naquella epoca o plano da defesa de Lisboa, como então teve de fazer valer essa lacuna e sobre ella pedir providencias, deve declarar á Camara que nos ultimos annos que vão decorridos as commissões technicas todas se teem esmerado em concorrer, cada um dos seus membros na area da sua acção, em bem servir o país no desempenho da missão e dos serviços de tanta responsabilidade e de tanta magnitude como os da defesa do país.

Citava nessa occasião o facto de a commissão superior de guerra allemã ter o veto, a chancella da approvação ou rejeição sobre todos os traçados de caminho de ferro.

Permitta-lhe a Camara que se vanglorie de ter sido entre nós o introductor d'essa medida salutar.

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Quando em 1899 se discutiu na camara dos Senhores Deputados o projecto de iniciativa do fallecido Digno Par Elvino de Brito, que tanto acompanhou aqui as discussões parlamentares até ainda ha bem pouco tempo, apresentou a esse projecto uma emenda que não foi approvada na sua redacção, mas o foi no seu sentido, emenda que introduziu na lei essa salutar providencia.

Já mais de uma vez tem notado que as suas emendas são sempre rejeitadas. Mesmo quando são acceitas no sentido, a redacção desapparece, e a verdade é que, por muito pouco que saiba de grammatica, afigura-se lhe que as emendas que redige não faltam aos preceito nem da delicadeza, nem da doutrina dos bons principios. É porem seu fadario estar na opposição, e sempre que uma emenda vem de um opposicionista e que faça doer, e crê que faça, do que se trata logo é de alterar lhe a redacção. Neste caso de que trata agora, como a iniciativa fosse sua, vangloria-se pela sua approvação.

D'essa emenda derivou pois que os membros da commissão superior de guerra deviam apreciar os traçados dos caminhos de ferro, sob o ponto de vista estrategico, e ainda este anno, no começo da sessão parlamentar que vae decorrendo, chamou a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, Sr. Conselheiro Vargas, e do Sr. Ministro da Guerra, que o ouve, para as tentativas que se faziam no sentido de prolongar o caminho de ferro de Estremoz até Elvas, prolongamento que a partir de Villa Viçosa, elle, orador, reputa como verdadeiro caminho de ferro de invasão para o lado da fronteira, invasão para nós.

Chamou a attenção do Sr. Ministro das Obras Publicas, Sr. Conselheiro Vargas, para o facto de se não terem precisado devidamente a este respeito as devidas circunstancias.

A commissão superior de guerra, por proposta sua, votou por maioria que esse caminho de ferro não fosse prolongado alem de Villa Viçosa. É este um facto importante.

O Sr. Vargas disse que durante a sua gerencia o prolongamento não se realizaria. Crê que d'esta forma as vistas de S. Exa. não foram muito longe, porque d'ahi a pouco a asa da morte politica o arrancava dos bancos do poder.

O certo é que não teve a este respeito outra resposta que não fosse a do facto de se não realizar esse prolongamento na gerencia do Sr. Vargas. Desejaria que o. Governo lhe desse resposta mais categorica sobre assunto de tanta magnitude.

Como dizia á Camara as suas ideias de 1888 estão definidas no trecho que leu, e permitta-se-lhe que leia ainda outro, que diz o seguinte:

«Sr. Presidente, quer as praças de guerra sejam ou não consideradas como util elemento de defesa, segundo as ideias predominantes nas differentes epocas, é incontestavel que sempre se procurou dotar as capitaes dos reinos com as necessarias condições defensivas, por modo que, sendo ellas o principal objectivo a que miram os invasores, possam offerecer ao ataque a maxima resistencia. As nações que, por negligencia, teem esquecido esta salutar doutrina, teem tido sempre de que se arrepender nos momentos criticos e de provação. (Apoiados).

As grandes cidades maritimas, ainda mais do que as outras, estão sujeitas a esta regra, por mais facil se tornar o seu investimento, quando não devidamente fortificadas e defendidas por poderosas esquadras.

A nossa historia offerece-nos d'isso varios exemplos, pelo que respeita a Lisboa. Não se alargará na citação de factos numerosos para o comprovar; mas, de entre elles, destacará um como inquestionavelmente significativo. Refere-se á maneira facil e vergonhosa como ella saiu em poder dos espanhoes em 1580.

O Duque de Alba apoderara-se, como é sabido, de Setubal, que lhe resistiu heroicamente até ser bloqueada pela esquadra do Marquês de Santa Cruz, o qual decidiu a sorte da contenda, indicando alem d'isso ao famoso general castelhano o caminho a seguir para mais facilmente se apoderar da capital.

E a indicação não foi desperdiçada. O Duque de Alba metteu-se em Setubal a bordo da esquadra do Marquês de Santa Cruz, desembarcando pouco depois em Cascaes, que se rendia em seguida. D'ali dirigiu-se para Lisboa, ao mesmo tempo que o almirante espanhol ficava á barra e lhe auxiliava os movimentos, cobrindo-lhe o flanco direito. No dia 25 de agosto dava-se a batalha da Ponte de Alcantara, que teve como resultado 60 annos de captiveiro para Portugal.

É a nossa historia que narra estes factos de todos nós conhecidos e que nos ensina, por consequencia, que devemos escrupulosa e activamente cuidar das fortificações de Lisboa e seu porto, dando a preferencia ás obras de defesa pelo lado maritimo, que é o nosso ponto mais vulneravel, por não podermos contar com importantes forças proprias navaes, e ser muito problematico e contingente que estranhos no-las forneçam na occasião do perigo. (Apoiados)».

É um facto da nossa historia, occorrido em 1580, o facto de o Duque de Alba. depois de atravessar o Alemtejo, embarcar em Setubal 1:000 soldados na esquadra do Marquês de Santa Cruz para os ir desembarcar em Cascaes, dando se em Alcantara a victoria do invasor, isto pelos manejos dos traidores, que os houve em todos os tempos, e sobretudo pela negligencia que tinha havido nos actos de defesa.

É por isto que entende e espera que a fortificação de Lisboa, Porto e Lagos deve ter logar preferente na organização da defesa do país.

Apresentou esta doutrina na commissão de guerra, sustentou-a na commissão de guerra da Camara dos Senhores Deputados, instando sempre em tudo quanto foi possivel com os Ministros das varias parcialidades, a fim de que se apressassem, tanto quanto o permittisse o orçamento, as obras de defesa fixa, que se guarnecessem devidamente as fortificações, e que tanto a defesa fixa como a movei estivessem sempre debaixo da mesma direcção.

Pediu que se tivessem sempre em vista todas estas questões, que são essenciaes á defesa do país.

Em assuntos militares não faz, por principio algum, opposição accintosa, e prefere mesmo, a fazer opposição, ter de apoiar seja quem for que esteja nas cadeiras do poder.

É por isso que folga era declarar que, sob este ponto do seu ideal, o actual Sr. Ministro da Guerra tem prestado serviços que muito o devem elevar no conceito d'aquelles que, como elle, orador, formulam as condições de defesa do país.

Não sympathiza com as condições geraes da reforma do exercito que o Sr. Conselheiro Pimentel Pinto fez, mas d'ella destaca a parte referente ao campo entrincheirado de Lisboa, que reputa de alta importancia, e julga organizado e preparado por forma a merecer o apoio dos que se dedicam a esta ordem de trabalhos.

S. Exa. valorizou ainda estas obras com a encommenda da artilharia, encommenda com que já em tempos concordou, e só deseja - e para isso chamo a attenção do Sr. Ministro da Guerra - que essa artilharia e a outra que já está montada sejam providas com o material e munições necessarias para poderem ser utilmente empregadas, assim como manejadas por quem saiba e adquira a instrucção precisa para o fazer.

É certo que o Sr. Ministro da Guerra, dedicou ao campo entrincheirado de Lisboa uma guarnição por assim dizer permanente; e é indispensavel que assim seja, porque, como todos sabem, as bocas de fogo, os canhões modernos são armas complexas, que demandam instrucção aperfeiçoada e seguida,

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feita por homens que só a esse mister se dediquem.

Vê a Camara que numa das partes do programma d'elle, orador, reconhece ter havido zêlo e boa vontade para que se satisfaça a este ramo da defesa do reino.

Nos outros pontos, porem, e infelizmente, esse seu programma não tem sido seguido nalgumas das suas parcelas ou especialidades.

É natural que este programma enferme de falta de alguns predicados; mas permitia lhe a Camara que recorde duas datas: 1893 e agora.

Ainda hontem o Sr. Ministro da Guerra affirmara com orgulho legitimo que o Digno Par o Sr. Sebastião Telles lhe fazia justiça, celebrando como de utilidade conhecida o appello para as manobras e para o mexer das tropas, em parallelo com a immobilidade em que estavam.

Todos sabem que em 1893 o exercito não dava as provas de aptidão que tem dado nos ultimos annos; e crê que uma das razões que determinaram tão benefico resultado na corporação a que tem a honra de pertencer foi o estabelecimento do limite de idade.

Antes da adopção d'essa medida, nos quadros estavam tropegos e velhos, e os acontecimentos de janeiro de 1891 foram, porventura, devidos a isso.

O limite de idade não foi estabelecido de uma vez para todos os officiaes - diz isto sem censura a S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra - porque se entendeu que quando se tem de levar a effeito uma reforma radical, é preciso proceder de forma a não levantar attrictos que possam fazer que essa reforma seja mal acceita e se mallogre. Estabeleceu-se, portanto, o limite de idade para os officiaes de effectivo serviço no Ministerio da Guerra e só depois é que se ampliou essa medida.

Deve dizer, em abono de todos os Ministros da Guerra das differentes parcialidades, que está convencido que o limite de idade, tanto para a entrada dos officiaes na sua carreira, como para a saida, ha de consagrar se, e, embora venha a soffrer transformações, ha de resistir a todas as tentativas destinadas a destruir tão salutar providencia.

Em 1893, em virtude dos quadros do exercito estarem manifestamente patenteando incapacidade, porque os officiaes que d'elles faziam parte mais pareciam nedios membros de congregações religiosas, o Sr. Ministro da Guerra da epoca, que era o actual, acompanhou então com toda a dedicação as manobras, os exercicios que se fizeram no país.

S. Exa. congregou em torno de si muitos officiaes, verdadeiramente distinctos, com excepção d'elle, orador, e todos com muito boa vontade de o auxiliarem no desenvolvimento do seu plano, que foi um plano que pode chamar-se regenerador; mas não regenerador politico, porque isso é o avesso: - regenerador militar. E assim se affirmava a existencia do exercito por forma sympathica e por forma que o país comprehendesse que tinha ali um elemento de apoio, com que se podia contar para a manutenção da ordem; e mais tarde, nas colonias, evidenciava a nossa vitalidade e o nosso direito aos dominios vastos que ali possuimos, em parte nominalmente.

Foi em extremo defensor d'esta politica e não se arrepende; mas vão decorridos dez annos e neste largo periodo a successão de factos impõe outra orientação. No ultramar, prefere os quadros europeus com praças de pret indigenas.

Assim o reconhecia já, em 1891, num seu relatorio como commissario regio da provincia de Angola, e a que tem alludido muitas vezes.

As expedições europeias e a permanencia dos nossos soldados nas inhospitas paragens africanas devem quanto possivel evitar-se. Os soldados não offerecem, pela sua pouca idade, a resistencia precisa á insalubridade caracteristica d'aquellas regiões. Os que escapam, regressam em péssimas condições de saude.

Por todas estas circunstancias, emittiu o parecer, quando se discutiu o projecto de navegação para a Africa Oriental, de que as expedições coloniaes abastardavam a nossa raça. Exprimiu-se, ao que pareceu, por maneira a não ser entendido pelo Digno Par Avellar Machado, que celebrou as qualidades de Joaquim Mousinho. Caldas Xavier e outros, na supposição de que elle, orador, lhes tivesse desconhecido os serviços.

Ora isto é positivamente inexacto. Ninguem mais do que elle, orador, é facil em reconhecer os meritos dos nossos africanistas.

(Interrupção do Sr. Avellar Machado que não foi ouvida).

O que elle, orador, disse foi que é preciso não deixar abastardar a raça portuguesa, mandando para a Africa homens que veem de lá contaminados por tal forma que os que escapam hão de ter pessima successão.

É por isso que prefere o soldado indigena. Se continuarmos mandando para a Africa recrutas, continuará a succeder o mesmo que se deu no Bailundo.

Dos soldados que tomaram parte nesta campanha poucos sobreviveram.

Pelo que diz respeito aos dirigentes, aos chefes, sempre lhe mereceram o melhor conceito. Ainda numa das ultimas sessões prestava homenagem ao major Costa, que é actualmente governador de Benguella.

No anno passado empregou todas as diligencias parlamentares para a realização da campanha do Barué, - campanha que foi levada a effeito com bons resultados, e realizada por indigenas commandados por um official muito distincto, o Sr. Azevedo Coutinho.

Nunca deixou de fazer justiça a quem a merece, e a prova está em que já por mais de uma vez tem aqui celebrado os serviços do Digno Par Aires de Ornellas.

O abastardamento da nossa raça provém de não seguirmos o exemplo de outras nações, que teem para as colonias exercitos de indigenas enquadrados por officiaes europeus.

Na organização que fez do exercito de Angola distribuia duas peças de montanha a cada regimento. Não indicava o emprego de metralhadoras, porque nessa epoca ellas estavam desconceituadas. Conservava os quatro regimentos de indigenas, existentes na provincia.

Posto isto, convem comparar as situações, - em 1893 e em 1903.

Então apoiava o proceder do Sr. Ministro da Guerra dando impulso ás manobras, fazendo valer e evidenciando por esse processo as boas qualidades do nosso exercito, para agora, em 1903, ter de dizer que o programma que seguiria, e que não é a primeira vez que o expõe nesta casa, é muito differente.

O exercito, tendo já affirmada a sua individualidade e estabelecido o seu credito, o que necessita, de preferencia a tudo, é ser dotado dos meios respeitantes a material de guerra, provisões, emfim, a tudo que é preciso para a mobilização da força militar.

E antes d'isso é indispensavel adquirirmos o armamento necessario para não nos sujeitarmos a ser subsidiarios de qualquer nação, ainda que seja nossa alliada. Na acquisição de armamentos dava preferencia á artilharia de grande calibre para defesa dos dois portos de Lisboa e Porto, e bahia de Lagos.

Devia seguir-se-lhe a artilharia de campanha, cuja antiguidade desnecessario se torna indicar. Mas o que é certo é que, com excepção da artilharia a cavallo, toda a. outra está a carecer de pronta e immediata substituição. Em seguida á artilharia viriam, as armas portateis, e depois proceder-se-hia á compra de tudo o mais que é inherente á mobilização.

Neste periodo especialmente applicado á compra de material de guerra, desejaria que as manifestações externas do exercito se limitassem aos exercicios de companhias, esquadrões e baterias, de batalhões e de regimentos, porque muito se poderia obter neste campo; e que se organizassem os exer-

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cicios para a ascensão ao general até e ao posto de major por forma que mais alguma cousa se pudesse obter do que na actualidade, e sem grandes despesas.

Será isto a ultima palavra nas questões militares? Não.

O Digno Par o Sr. Sebastião Telles ainda hontem se referiu a este assunto e manifestou a sua opinião, que na verdade é muito para ser ponderada, porque é de um technico abalisado. Mas o que é certo é que, neste periodo que atravessamos, devemos procurar a maneira de não haver despesas largas, e de occorrer ao chamamento todos os annos da segunda reserva. Nesta parte faz justiça ao Digno Par o Sr. Sebastião Telles, que foi quem introduziu no exercito essa innovação, que tem dado os melhores resultados e que acha essencialmente pratica.

A instrucção da segunda reserva, se bem se recorda, tem sido mantida pelo actual titular da pasta da guerra, e é seguramente das reformas que ficou.

Faz gosto ver a entrada dos reservistas bisonhos e presenciar tambem a saida d'elles, depois dos poucos dias que teem de assistencia nas fileiras. A transformação que se opera é completa. Como elles se marcializam em tão pouco tempo!

Demais, nenhum país europeu possue melhor materia prima para produzir bons soldados, sempre prontos a todos os sacrificios e a acudirem de boa vontade ás colonias, quando as circunstancias ali os chamam.

Pela parte que lhe respeita, teve d'isso prova quando commandava cavallaria 2.

Na India fazia guarnição um esquadrão d'esse regimento, que completou o tempo regulamentar, e estava para regressar ao reino. Houve necessidade de mandar d'elle algumas praças para Moçambique, onde lavrava a guerra. Pois foi preciso appellar para a escolha, porque todas as praças do esquadrão se offereceram para o desempenho do novo serviço.

Nós não devemos, comtudo, abusar da boa vontade do nosso soldado e mandar para a Africa rapazes novos, imberbes, sem resistencia, sem força, concorrendo assim para o abastardamento da raça.

A repetição de factos d'estes pode semear o descontentamento no seio das familias e produzir de futuro tristissimos resultados.

Mais uma vez affirma a sua opinião de que o exercito ultramarino deve ser constituido, tanto quanto possivel, de indigenas.

Para a costa occidental devem sei recrutados de preferencia os indigenas da costa oriental, não só por serena mais aguerridos, mas porque, estando fora das regiões das suas naturalidades, desempenharão melhor o serviço.

Proseguindo na sua ordem de considerações, pergunta ao Sr. Ministro da Guerra se tem tenção de apresentar, ainda este anno, ao Parlamento, o projecto promettido no Discurso da Coroa, para compra do armamento.

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Tem.

O Orador: - Congratula-se pelos bons desejos que S. Exa. manifesta, mas, de apresentar a proposta a ella ser approvada, e constituida em lei, vae uma grande distancia. Oxalá se engane, mas crê que, por muito boa vontade que o Sr. Ministrei da Guerra tenha para levar a realidade este seu projecto, o qual lhe merece a maxima sympathia, S. Exa. não o poderá ver posto em pratica no anno que está correndo. Creia S. Exa. que não será com a sua hostilidade que o projecto se não transformará em lei, porque quando se trata de questões militares e da defesa do país, quer ellas sejam, da pasta da Guerra, quer sejam da Marinha, não faz politica de especie alguma, e só o que deseja é apoiar os titulares d'essas pastas em actos de tal natureza.

Mas assim como é favoravel a todos os melhoramentos de valor real, assim condemna as innovações, que mais de molde são a favorecer a especulação commercial, do que a corresponder e remediar ne3essidades de serviço.

Refere-se ás bicicletas, automoveis e ainda ás innovações, em ferramenta, derivantes do que se chamou a tactica boer.

Adoptemos a tactica boer, dizia-se; tenhamos os soldados cobertos por obstaculos naturaes; e, quando não houver obstaculos naturaes, façamos covas, esconderijos, e para isso adquiram-se ferramentas apropriadas. Não era nos países militares, como a Allemanha e a Franca, mas em Portugal, que via preconizada a tactica boer, que é velha como o mundo. A tactica foi sempre, com. pequenas variantes, a mesma; a differença é de quem sabe ver melhor ou peor, e nesta conformidade o peor.

Alexandra Magno, da Macedonia, se ressuscitasse, não teria de frequentar as nossas academias.

As suas façanhas, que não tiveram imitador, foram o producto do seu engenho genial: foram o resultado do genio que o iiluminava. E o genio é sempre o mesmo. Arrasta, domina, a tudo se sobrepõe, sem distincção de epocas.

A tactica boer, que começava a sei preconizada, por um ou outro excentrico, recebeu o golpe de misericordia de quem tanto teve que a applicar,- do general Dewet.

Teve elle a sinceridade de confessar que a sua applicação derivou da necessidade resultante de as tropas boers, pelo seu espirito essencialmente individualista, não se terem sujeitado aos beneficos preceitos da disciplina, que dá a cohesão o unidade, indispensaveis nos exercitos que tal nome mereçam.

A tactica boer teve felizmente vida ephemera, e não chegou a sobrecarregar o orçamento da guerra, que assim se decompõe, no exercicio de 1902-1903:

Contos do réis

Despesa ordinaria 6:43l
Despesa extraordinaria 136

Total 6:567

Se a esta somma addicionarmos a importancia da compra do material de guerra, pelo producto das remissões, e importancia dos creditos extraordinarios - a primeira no valor de 523 contos de réis e a segunda no de 583 contos de réis, reconhece-se que esse orçamento está muito proximo de attingir a avultada cifra de 8:000 contos de réis.

Em taes condições, tudo aconselha vida militar modesta, amoldada aos trajos geraes por elle, orador, esboçados. É de previdente e patriotica administração.

Alem d'isto, ha a considerar que, dada a actual organização do exercito, o estado d'elle é tanto quanto possivel bom, em relação ás suas condições. As condições, porem, é que não são boas. E não são boas porquê?

Porque os soldados não estão nas fileiras o tempo sufficiente para adquirirem habitos militares, espirito militar, caracter militar.

Diz o Sr. Ministro da Guerra, no orçamento actual, e outro tanto succedia no consulado do Sr. Sebastião Telles, que a força militar effectiva nominal é de 30:000 homens, e a real é de 20:000.

Pois, nem mesmo a nominal attinge sempre aquella cifra. Ha periodos do anno em que lhe é inferior. A par d'isto na epoca das manobras, designadamente, encontram-se nas fileiras mais dos 20:000 homens orçamentaes, e d'isto resultam os creditos especiaes, que se elevam, por vezes, a centenas de contos.

Como correctivo ao prejuizo causado pela pouca assistencia dos soldados, no serviço activo, ha os readmittidos. Na Allemanha, onde o tempo de serviço para a cavallaria e para a artilharia é de tres annos, e para a infantaria de dois, o numero do readmittidos eleva-se a 175:000, correspondente á quinta

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SESSÃO N.° 44 DE 22 DE ABRIL DE 1903 433

parte do effectivo em pé de paz, e as sim decomposto:

Sargentos 80:000
Cabos 55:000
Soldados 40:000

Somma 175:000

Entre nós, os readmittidos em 31 de dezembro ultimo, eram 2:502, dos quaes 1:790 sargentos, 350 primeiros cabos e 362 segundos cabos e soldados.

Conforme se observa, a situação, sob este aspecto, é positivamente dolorosa. Á insufficiencia do tempo nas fileiras acresce exiguidade do numero de readmittidos, cuja missão militarizadora, pouco se pode manifestar, attenta a diminuta percentagem em que elles se encontram para com os novatos.

Em taes condições, convem que se providenceie devidamente para que o soldado se conserve nas fileiras o tempo indispensavel para adquirir o feitio militar, e que seja tratado por forma a deixar-lhe boa impressão a vida da caserna e de quartel. Dê-se-lhe, e em tempo apropriado, tudo o que a lei lhe faculta, e elle poderá attestar, no seu regresso ao seio da familia, que a profissão das armas é, a despeito do seu ingenito rigorissimo, uma boa escola de disciplina social e de uteis cidadãos.

Outra circunstancia deve ter-se presente: não exigir do soldado mais do que o necessario para o tornar familiar com a sua profissão. Assim, a cavallaria devia pautar-se, segundo os nossos maiores, por estes sabios preceitos: - Soldados inteiros e cavallos capões. E os soldados, nesses termos, valem mais, para o effeito da profissão, do que os melhores dotados em leitura e escrita, do que os mais completos grammaticões.

Mas afigura-se-lhe que sobre este recinto adeja uma alma penada, que não entrará, porventura, na bemaventurança, se elle, orador, não põe termo, em breve, ás suas considerações. Em presença d'isto vae, para concluir, recordar que bateu em brecha no anno passado a criação do corpo da fiscalização dos impostos. Este anno tambem o não tem poupado, sendo para notar que a guarda fiscal muito tem soffrido com os favores dispensados ao corpo da fiscalização, cuja dissolução se impõe perante os mais elementares preceitos de justiça.

Em logar d'isso, é a guarda fiscal que continua pagando os vidros partidos. Agora cabe a vez á cavallaria, cujas quatro companhias existentes vão ser reduzidas a quatro pelotões. Em 1886 assim era. Mas em 1887 foram as quatro secções de l886 transformadas em quatro companhias, com este pessoal, cada uma: 7 capitães, 1 tenente e 2 alferes. Nessa mesma data foram criados os segundos commandantes de batalhão, e nelles investidos tenentes coroneis ou majores de cavallaria. A organização de 1891 conservou o mesmo numero de companhias, mas cada uma com 1 capitão e 2 subalternos. Foi diminuido um subalterno por companhia.

Em breve naturalmente serão supprimidos os officiaes superiores, segundos commandantes de batalhões. E entretanto excede-se a verba, que é de 12:000$000 réis, para a reforma das praças da mesma guarda, por esta maneira avantajada: - Desde 1 de janeiro de 1902 a 31 de maio, foram reformadas 626 praças, cujos vencimentos importam em 81:700$000 réis. Como a verba orçamental para occorrer a essa despesa é, repete, de 12:000$000 réis, segue-se que a differença que onera o magro erario é de 69:700$000 réis.

Outros factos da mesma indole citará quando se discutir o orçamento, e comprovativos da falta de sinceridade com que elle é elaborado.

Por agora põe termo ás suas considerações, e para ellas chama a attenção do Sr. Ministro da Guerra. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - O Digno Par o Sr. Baracho, no discurso que acabou de proferir, revelou a par do seu talento o grande interesse que lhe merecem todas as cousas militares e ainda um conhecimento profundo da situação politica da Europa.

O Digno Par começou o seu discurso declarando que interrompia o seu proposito de não discutir assuntos militares, para nesta sessão affirmar principios que professava de ha longos annos e que desejava relembrar ao país.

Felicita-se elle, orador, que o Digno Par interrompesse o proposito em que estava, e felicita se ainda que dos principios presentados pelo Digno Par não ha um só de que elle, orador, se tenha afastado.

O primeiro principio a que S. Exa. se referiu foi a conveniencia da alliança inglesa, acompanhada da defesa de país e para isso S. Exa. leu trechos de um livro que publicou em 1881, para mostrar que já nessa data professava a mesma opinião.

Não pode apresentar á Camara quaesquer documentos por meio dos quaes possa provar que em 1881 já pensava como S. Exa.

Não é jornalista, não tinha logar no Parlamento onde pudesse dizer e apresentar a sua opinião, mas o que pode provar e demonstrar é que em 1893 pensava exactamente como o Digno Par.

O Sr. Presidente sabe, e a Camara tambem, que depois de 1890, por motivos que estão na memoria de todos, esfriaram as relações entre Portugal e Inglaterra, e sabe tambem S. Exa. e a Camara que as primeiras diligencias para aproximar de novo os dois países foram feitas pelo Governo de que elle, orador, teve a honra de fazer parte em 1892.

O Governo que succedeu ao de 1893, envidou os melhores esforços para que essas relações se estreitassem.

Muito fez esse Governo nesse sentido, mas cabe a gloria a este Governo de completar os trabalhos feitos, as diligencias effectuadas, para que se pudessem produzir esses acontecimentos notaveis, que o país presenciou ha pouco: a visita, de Eduardo VII ao nosso país e as palavras que este egregio monarcha proferiu, já na Associação Commercial de Lisboa, já no seu yacht, ás pessoas que tiveram a honra de ser convidadas para o lunch que ali foi dado.

Pode no entanto dizer e demonstrar que desde 1892 tem a mesma opinião que o Digno Par.

Diz S. Exa. que é favoravel á alliança com a Inglaterra, mas reunida á defesa do país, á qual é preciso acudir com toda a dedicação.

É esta a sua opinião; aqui mesmo na Camara, respondendo ao Digno Par o Sr. Sebastião Telles, teve occasião de dizer, ainda nesta sessão legislativa, que queria a alliança com a Inglaterra; mas queria tambem que nós nos valorizassemos para sermos um alliado util, como ella o pode ser para nós, e nunca um protegido da Inglaterra.

Crê que já disse isto ainda este anno e prova que, a respeito d'este assunto, pensa como o Digno Par o Sr. Dantas Baracho.

Para que nós não sejamos apenas um protectorado é necessario que nos valorizemos, não só para a defesa do nosso territorio, mas ainda para auxilio e para vantagem do proprio alliado.

Nesta ordem de ideias S. Exa. entenderia que se devia fortificar Lisboa, Porto e Lagos, e acrescentava que lhe parecia que se pensava, agora de uma outra forma.

Não sabe se se pensa de outra forma, e não sabe qual é a ideia do Digno Par referindo estas palavras.

O Sr. Sebastião Baracho: - Não eram com referencia a S. Exa.

O Orador: - Publicou-se ha pouco tempo um livro que tem opiniões contrarias ás do Digno Par, pois que o seu autor diz que é preciso todo o cuidado nos exercicios de campanha, e mostra-

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434 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

se contrario á ideia de fortificação de portos.

Tem opiniões contrarias ao que está escrito nesse livro, e todos aquelles papeis que tem na sua pasta, que são pareceres, trabalhos de commissões, compostas de militares distinctos pelo seu saber e pelos muitos conhecimentos que teem da especialidade a que se teem dedicado, demonstram que a opinião d'este livro é uma opinião isolada, e do que nós precisamos tratar é da defesa das nossas costas, especialmente de Lisboa e Porto.

(Apoiados do Sr. Avellar Machado).

O apoiado de S. Exa. não faz mais do que repetir o que diz em alguns d'estes documentos.

Está perfeitamente de acordo com a frase do Digno Par, e que vae repetir para que esta seja escrita mais uma vez nos Annaes d'esta Camara, para que seja bem fixada:

«Collocar Lisboa embora estado de defesa é collocar-nos em situação altiva e digna».

É assim que elle orador pensa, que pensam todos aquelles que se interessam pelo país, não só debaixo do ponto de vista militar, como pelo amor que todos devem ter pela defesa do seu país.

S. Exa., referindo-se seguidamente com louvor á commissão superior de guerra, disse que desejaria que ella fosse mais feliz do que teem sido as que teem tratado d'estes assuntos.

Tomou nota da frase do Digno Par, a fim de lhe responder devidamente.

A commissão tem sido e é credora de muita gratidão do país, pelo muito que tem trabalhado, e não só a commissão superior de guerra, mas a commissão de fortificações do reino, da qual elle, orador, fez parte por algum tempo.

S. Exa. seguidamente referiu-se á iniciativa que tomou no Parlamento para que, nas construcções de caminhos de ferro fosse ouvida, sob o ponto de vista technico, a illustre commissão superior de guerra e disse que já este anno se referira aos inconvenientes militares que resultariam de que o caminho de ferro de Estremoz a Elvas fosse prolongado alem de Villa Viçosa.

Que nessa occasião o seu collega, o Sr. Vargas, então Ministro das Obras Publicas, affirmara que, sob a sua gerencia, não se realizaria o limite d'essa construcção, desejando S. Exa. que elle, orador, desse resposta mais categorica sobre o assunto.

Se bem se recorda, nesse mesmo dia teve occasião de dizer a S. Exa. que estava de acordo em que esse caminho de ferro não devia ser prolongado até Elvas, ou alem de Villa Viçosa.

O Sr. Sebastião Baracho: - S. Exa. disse isso, mas acha o assunto tão importante que desejava que S. Exa. repetisse a resposta.

O Orador: - Vae novamente responder para satisfazer o desejo do Digno Par.

Quanto aos inconvenientes militares que resultariam de que o caminho de Estremoz passasse alem de Villa Viçosa, estava de acordo com S. Exa.

O que pode affirmar ao Digno Par é que por si se compromette a que elle se não fará.

Chegado a este ponto do seu discurso o Digno Par disse que não sympathizava com o tem geral das suas reformas de 1901, mas que reputa de alta importancia o que tem feito em relação a armamento.

Que julgava boa a encommenda de armamento que elle, orador, fez, recommendando-lhe só que esse armamento viesse acompanhado dos necessarios projecteis e fosse confiado a quem saiba fazer uso d'elle.

Agradecendo ao Digno Par estas palavras, que significam um louvor, e por nenhum modo lhe podem ser senão agradaveis, espera que com o armamento que encommendou venham projecteis, não tantos quantos quisera, visto que S. Exa. não ignora as difficuldades financeiras do país.

Perguntou ainda S. Exa. a respeito do campo entrincheirado de Lisboa, cujo commando está confiado a um general muito trabalhador e serio, que diligencia ha um anno com a melhor boa vontade que todos que estão sob as suas ordens possam satisfazer ao desempenho dos serviços que lhes estão destinados, se já publicara os regulamentos d'esse campo.

Elle, orador, não publicou ainda regulamento nenhum a respeito do campo entrincheirado de Lisboa, por uma ordem de ideias com a qual está conforme o Digno Par.

Tratando-se de serviços novos e não havendo, a certeza de que podem desde logo ser estabelecidos e mantidos como devem ser, autorizou o commandante d'esse campo a, por ordem sua, determinar os serviços todos e depois, quando a experiencia demonstrasse a conveniencia da sua approvação, propor ao Ministerio da Guerra os regulamentos que julgasse precisos para o serviço do campa.

Esses regulamentos ainda não estão publicados. Estão a experimentar, isto é está-se a ver na pratica se são bons ou maus.

É um sistema como qualquer outro, e talvez seja melhor do que publicar o regulamento, e alterá-lo depois.

O que sabe é que os trabalhos se teem effectuado muito a serio, e alguma cousa se tem feito no sentido de, quando venha, o armamento para o porto de Lisboa, os officiaes se acharem habilitados a manejá-lo como S. Exa. deseja.

Depois d'isso o Digno Par elogiou o Ministro de 1893 porque esse Ministro determinou que se fizessem os exercicios de outono, e por publicar a lei do limite de idade que S. Exa. julgava indispensavel para rejuvenescer os quadros.

S. Exa. elogiou o Ministro de 1893; mas entende que o Ministro de agora não procede por um modo tão digno de louvor, permitta-lhe a Camara que empregue esta frase, embora não seja essa a que o Digno Par proferiu.

Disse S. Exa. que, em relação ao armamento, o seu modo de proceder seria primeiro adquirir o armamento necessario para as fortificações de Lisboa, Porto e Lagos; artilharia de campanha e armas portateis.

Parece-lhe que neste ponto o Ministro de 1893 está perfeitamente de acordo com o Ministro de 1903, por que elle, orador, pretende proceder exactamente pelo modo como o Digno Par desejava proceder.

O Digno Par o Sr. Sebastião Telles já disse aqui na Camara exactamente o que S. Exa. acaba de dizer.

S. Exa. diz que elle, orador, discordou do projecto do Sr. Sebastião Telles para a compra de armamento.

Não discordou em principio da ideia, e antes entende que é absolutamente preciso e necessario que se comprem armas portateis, e artilharia de campanha; mas com o que não concordou foi com a maneira de realizar essa ideia.

Entende o Digno Par, como já disse, que são precisas tres cousas: primeiro, artilharia para as fortificações; segundo, artilharia de campanha; e, por ultimo, armas portáteis para a nossa infantaria.

Fez um contrato, - que o Digno Par o Sr. Sebastião Telles conhece, pedindo já documentos a tal respeito, documentos que pode tambem pôr á disposição do Digno Par o Sr. Sebastião Baracho, - com a casa - Krupp, para o fornecimento de armamento para as fortificações de Lisboa e Porto, e em breves dias trará á Camara um projecto para a compra de artilharia de campanha e para a compra de armas para a infantaria. Por fim, S. Exa. impelle-o a produzir todos os elementos necessarios para a mobilização.

O Digno Par, em relação ao material de guerra, sabe que algumas cousas se teem feito nos ultimos annos e quando diz nos ultimos annos, não quer referir se apenas á sua gerencia.

Refere-se á gerencia dos seus antecessores, aos Dignos Pares Francisco Maria da Cunha e Sebastião Telles.

Depois, tem do mesmo modo adquirido material de guerra; em relação a

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SESSÃO N.° 44 DE 22 DE ABRIL DE 1903 435

equipamentos, muito se tem feito, que no seu tempo, quer no dos seus antecessores; e quanto á Manutenção Militar, a sua ideia é de que esse estabelecimento não só possa produzir o pão e as massas de consumo ordinario, ma tambem o pão de campanha e as conservas alimentares.

Passa em seguida a mostrar quanto se é injusto dizendo-se que os exercicios de armas combinadas representam um acto de verdadeira ostentação.

E, para mostrar o habito de exa gero que ha entre nós, vae citar um facto.

No primeiro dia em que na Camara dos Senhores Deputados se discutiu orçamento, e um illustre Deputado dizia ali que os referidos exercicios eram um acto de ostentação, recebia elle, ora dor, aqui, nesta Camara, das mãos do Sr. Presidente do Conselho, um numero do Courrier de la Presse, em que era publicado um artigo tambem inserido na Revue d'Infanterie, e no qual se fala justamente nesses exercicios.

Não sabia então quem era o auto do artigo, mas soube-o hoje. É um tenente-coronel do exercito francês, que lhe offereceu este numero da Revue acompanhado de uma carta.

Ora diz-se aqui:

«Esses exercicios são, na verdadeira accepção da palavra, não o costumado espectaculo frequentemente visto em França e na Allemanha, mas sim a evocação de episodios que se poderiam dar no campo da batalha.

Avidos pesquisadores de analogias, poderiam talvez, a proposito d'estas manobras, sacrificar ao gosto do tempo as suas comparações por demais eruditas seriam vãs e futeis. Não devemos pedir a estes dois dias senão o que elles podem dar; a saber: um reflexo muito caracterizado da realidade, uma contribuição feliz para nos fazer conhecer melhor um pequeno exercito, que merece em todos os sentidos a nossa attenção e a nossa estima».

Já vê, pois, a Camara que este artigo, bem pelo contrario, diz que não houve em taes exercicios ostentação alguma, que foram modestos e o mais aproximados á guerra.

Fala depois o autor do seu proprio país.

Seguidamente S. Exa. elogiou o Digno Par o Sr. Sebastião Telles por ter, quando Ministro da Guerra, estabelecido, para as manobras, o chamamento da segunda reserva. Nesta parte está de acordo com S. Exa. e, tanto que não se tem afastado do que determinou o Sr. Sebastião Telles; somente chamou um numero um pouco superior. Isso tem dado optimos resultados.

Disse o Digno Par que é preciso que os soldados nos quarteis tenham um certo conforto. A esse respeito se S. Exa. comparar a vida actual do nossos soldados com a de ha pouco annos, ha de reconhecer uma grandissima differença. Ainda não ha muito tempo os soldados dormiam vestidos numa tarimba ao lado uns dos outros sem lençoes e apenas cobertos com mantas.

Hoje cada soldado tem a sua carne com lençoes, onde dorme com muito maior conforto. Até 1893 para a alimentação militar havia uma quantia fixa, o que dava logar ás grandes difficuldades com que lutavam os officiaes que tratavam d'esse serviço, nesse anno porem estabeleceu se que a quantia não seria fixa porque o preço dos generos varia.

Este anno, por exemplo, o preço do generos arrematados foi inferior ao do anno anterior. Hoje está estabelecido uma tabella que indica os generos de alimentação, e essa é que é fixa. Por documentos que elle, orador, aqui tem demonstra-se que em media a alimentação de cada soldado é de 160 réis cada dia.

Referiu-se o Digno Par ao projecte destinado á compra de armamento.

Nesse ponto permittiu se interromper S. Exa. para rectificar o tempo do verbo que S. Exa. empregou, porque espera que esse projecto ha de ser convertido em lei ainda este anno. Isso depende do Parlamento, mas affirma a S. Exa. que o Governo ha de empenhar-se com os seus amigos politicos tanto quanto puder, para que esse projecto seja convertido em lei.

Se o será, não sabe.

O Digno Par chamou a attenção d'elle, orador, para dois assuntos: para a guarda fiscal e para a organização do exercito ultramarino. S. Exa. leu parte de uma carta em que se diz que essa organização é cara, mas o seu collega da Fazenda, quando Ministro da Marinha, mostrou na Camara que, se a organização é cara, muito mais caro era o systema seguido até então.

O Sr. Sebastião Baracho: - Tambem não quer o systema das expedições.

O Orador: - O Digno Par pergunta qual é a sua opinião em relação á organização e constituição do exercito ultramarino. O Digno Par disse que entendia que os soldados deviam ser indigenas e os quadros europeus.

Se bem se recorda, existe no archivo da Camara um projecto theorico de organização que apresentou aqui em 1897 e em que defendia essa ideia.

S. Exa. disse em absoluto: quadros europeus, praças indigenas; e da segunda vez em que disse essa frase acrescentou: tanto quanto possivel.

Está de acordo com o modo como S. Exa. se pronunciou da segunda vez; somente quadros europeus e praças indigenas.

Deve dizer á Camara que não tem conhecimento nenhum do que se passa no ultramar, no entanto pensa, avaliando pelo que occorre nos outros países, que é sempre necessario que haja um numero de praças europeias, principalmente na constituição do exercito ultramarino. Está perfeitamente de acordo com o Digno Par; entende que em regra devia ser constituido por praças indigenas e quadros europeus.

Em relação á guarda fiscal, S. Exa. falou de uma reducção que vem no orçamento e chamava tambem para esse facto a sua attenção.

Deve dizer ao Digno Par que é absolutamente estranho aos serviços aduaneiros.

Como Ministro da Guerra cumpre-lhe, hoje que a guarda fiscal está no Ministerio da Guerra, intervir para que ella tenha boa disciplina, instrucção e administração militar.

No que respeita ao serviço aduaneiro o Digno Par comprehende que nada mais pode fazer do que mostrar um desejo qualquer e mais nada.

Não entende absolutamente nada dos serviços aduaneiros, e não está fugindo ás responsabilidades, está apenas a falar lealmente como costuma.

O Ministerio da Guerra só pode intervir mostrando um desejo quando haja uma razão de ordem militar que a isso o aconselhe.

Não tem razão nenhuma de ordem militar para preferir que haja mais cavallaria na guarda fiscal, ou mais infantaria. O Sr. Ministro da Fazenda disse que se podia diminuir a força de cavallaria que, como o Digno Par sabe, é mais cara, sem inconveniente para o serviço aduaneiro, e aumentar o numero de praças de infantaria, que é insufficiente para o serviço.

Não podia contestar essa opinião do seu collega, porque S. Exa. conhece muito melhor do que elle, orador, as necessidades do serviço.

Quanto ao pessoal superior, sempre é preciso um official de cavallaria em cada circunscrição. Em todo o caso pode o Digno Par estar certo de que, chamando a sua attenção para um assunto d'esta importancia, fará a possivel diligencia para que elle seja resolvido da melhor forma.

O Sr. Presidente: - Deu a hora. Ficam inscritos os Dignos Pares Sebastião Telles e Avellar Machado. A proximo sessão é na sexta-feira, e a ordem do dia a continuação da discussão do parecer 40, que fixa os con-

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tingentes para o exercito, armada, guardas municipal e fiscal, e mais o parecer n.° 39, que approva o plano da instrucção naval; n.° 24, que reorganiza a Academia e Museu Portuense de Bellas Artes; n.° 36, que autoriza a admittir como pensionista do Estado no Real Collegio Militar, Francisco Maria de Vasconcellos Cruz Sobral Cervantes; n.° 42, que autoriza a Camara Municipal de Alemquer a prorogar por 60 annos o prazo de amortização do emprestimo de que é devedora á Companhia Geral de Credito Predial Português; e n.° 43, que trata dos subsidios com que os corpos administrativos devem contribuir para o fundo de beneficencia publica destinado á defes acontra a tuberculose.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Os Redactores

E. SCUWALBACH.

LUIZ CRESPO.

Dignos Pares presentes na sessão de 22 de abril de 1903

Exmos. srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa, Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marqueses: do Lavradio, da Praia e de Monforte (Duarte) Condes: de Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Monsaraz, de Valenças; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São; Antonio de Azevedo, Sá Brandão, Pereira Carrilho, Santos Viegas, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Artur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Serpa Pimentel, Fernando Larcher, Matozo Santos, Francisco de Castro Mattoso, Francisco Maria da Cunha, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Gusmão, Avellar Machado, José de Azevedo, Frederico Laranjo, Silveira Vianna, Pimentel Pinto, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Ferrão, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Moreira Caldeira.

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