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Extracto da sessão de 28 de novembro de 1865
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO, PRESIDENTE
Secretarios os dignos pares
Marquez de Vallada
Visconde de Algés
(Assiste o sr. ministro dos negocios estrangeiros).
Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo-se verificado a presença de 27 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.
Não se mencionou correspondencia.
O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, tinha pedido a palavra em uma das sessões passadas para ter a honra de mandar para a mesa a seguinte proposta:
«Proponho que a camara dos dignos pares declare, por voto consignado na acta, a sua profunda magua pela morte de lord Palmerston, primeiro ministro do gabinete inglez, em memoria dos valiosos serviços prestados pelo eminente estadista á dynastia constitucional e á liberdade, como orador, e como ministro desde 1830 até 1864.
«Proponho mais, que d'este voto se dê conhecimento official ao governo de Sua Magestade Britannica pela secretaria d’estado dos negocios estrangeiros, e á viscondessa de Palmerston, viuva de lord Palmerston.
«Sala da camara dos dignos pares, 28 de novembro de 1865. = L. A. Rebello da Silva.»
Agora peço licença a V. ex.ª e á camara para expor, em mui curtas e breves reflexões, os motivos que me decidiram a fazer esta moção.
O sr. Presidente: — Desculpe o digno par, mas vae primeiramente ler-se na mesa a sua proposta.
(O sr. secretario, marquez de Vallada, leu).
O Orador: — E costume, até por ser um dever de fraternidade entre as nações constitucionaes, por honrosa communhão de principios o commemorarmos, quasi como propria, a perda dos homens illustres. E com rasão. Não foram só da sua patria. Pertencem a toda a humanidade, a toda a civilisação, pelo esplendor do engenho, pela influencia das doutrinas, pela grandeza dos commettimentos. A sua missão rompeu as fronteiras naturaes e abraçou o mundo.
Respeitados e admirados, como fundadores e chefes de grandes escolas, como focos de luz, como oradores, como mestres e vulgarisadores dos principios mais fecundos, curvamo-nos reverentes em presença d'esses vultos que não carecem senão das primeiras sombras do tumulo e dos primeiros raios do sol da posteridade para entrarem nos dominios da historia, gloriosos e immortaes com os nomes que ella inscreve nas tábuas de bronze, fadadas a vencer os seculos.
- D'estes homens, que mesmo em vida, já assumem as proporções dos semi-deuses, uns realçam a sua carreira com os trabalhos do espirito, outros sobresáem pela fortaleza do animo e ousadia dos intentos, como reformadores; alguns finalmente inflammando os auditorios e subjugando os acontecimentos, cortam para si a palma invejada dos estadistas, prevalecendo na acção governativa como lord Palmerston.
Sua larga e activa existencia foi uma luta prolongada, luta pacifica, muitas vezes cortada de episodios notaveis, e sempre consagrada á glorificação dos brasões britannicos na paz e na guerra, na administração interna e na politica externa.
Nos estados, que a acção por vezes insoffrida e bellicosa de lord Palmerston agitou, as opiniões ácerca d'elle variaram com os successos. A França de 1840 detestou-o, a França imperial saudou-o no abraço cordial das legiões alliadas na Criméa. Portugal, no periodo que apontei na minha proposta, não lhe deveu senão provas de zêlo, de sympathia e de interesse.
Na tribuna contou-o como o primeiro entre os poucos defensores da causa liberal. No governo conheceu-o sempre sincero em coadjuvar os votos nacionaes para a restauração do throno legitimo. De 1830 a 1834 lord Palmerston foi sempre fiel nas palavras e nos actos aos principios, que a sua voz eloquente proclamara no seio do parlamento. Deputado, orou como Canning contra a cumplicidade tacita do gabinete do duque de Wellington na oppressão dos portuguezes. Ministro, não esqueceu os nobres sentimentos do deputado e foi digno das grandes idéas que representava no poder.
Não ignoro, que depois, na administração presidida por lord Melbourne, a impetuosidade natural do caracter o levou a promover conflictos diplomaticos, que melhor fôra para a sua fama não ter ateiado; algumas nações pequenas queixaram-se offendidas da sua intervenção imperiosa; e a Europa viu n'elle por momentos um perigo e uma ameaça á estabilidade da paz; mas até n'esses rasgos mesmos, que não desculpo, aos olhos da Inglaterra a justificação do ministro consistia na inspiração patriotica que o dominava.
Apaguemos, porém estes pequenos traços menos brilhantes, que são apenas lances momentâneos, logo esquecidos na historia das nações, contemplemos o passado com a imparcialidade serena da rasão, e a imagem do eminente estadista surgirá para nós affectuosa e venerada, corrido o véu sobre a offensa leve, e avivada sobre o sepulchro recente a gratidão dos serviços valiosos.
V. ex.ª e os homens da sua geração, tão insigne pelas robustez das crenças, como distincta pela abnegação das pessoas, V. ex.ª que é ao mesmo tempo ornamento e orgulho para ella sabe melhor do que eu, o muito que a causa constitucional deve não só em Portugal, mas em toda a Peninsula e na Europa a lord Palmerston. Para nós, que disfructâmos não disputada e tranquilla a liberdade são apenas estimulo os sacrificios, que a conquistaram; porém para V. ex.ª e para os que afrontaram o exilio, as proscripções, e a adversidade no que ella tem de mais severo, esses annos de cruel expiação hão de dispertar por força recordações, que coração guarda e estremece como thesouros preciosos. De um lado estava a força, o poder, o facto consumado; do outro resistiam apenas o direito, a rasão, e a verdade representadas no grupo resumido dos soldados,/que, do alto de uns rochedos negros de basalto erguidos no meio do Oceano, saudavam proscriptos a bandeira de uma rainha sem corôa e a essa hora errante por cima dos mares, e nos vagos e desamparados crentes, que sentados á beira das terras do estrangeiro estendiam de longe a vista e a saudade, buscando com a alma as praias da patria sem saber se um dia poderiam unir seus ossos aos ossos de seus paes.
Nesses dias attribulados no meio da cerração caliginosa, que escurecia a todos o destino, quando a bandeira bicolor fluctuava desamparada sobre as rochas da Terceira, a voz de lord Palmerston, levantando-se aspera para os oppressores, e consoladora para os opprimidos, e chamando sua á causa vencida, n'esses dias de tristeza e desalento, o apoio do homem, que um grande partido applaudia como chefe, era já quasi meia victoria para aquelles a quem pálida a esperança mal sorria de longe na incerteza. (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)
Em 1829 lord Palmerston, saíndo do ministerio, assignalou com uma de suas mais eloquentes orações a sua entrada na opposição; e em 1830, crescendo em poderes e em ousadia, arremessando a luva direita ao rosto do gabinete tory, proferiu o famoso discurso dedicado á defeza da causa da Rainha de Portugal, cujos direitos sustentou em nome da liberdade dos povos, estranhando como um opprobrio o silencio do ministerio britannico em presença da usurpação triumphante e de um reino escravisado. Este discurso, admirado pelos rasgos oratorios, foi o programma da politica do partido whig. Elevado mezes depois ao poder, a diplomacia ingleza regida por lord Palmerston seguiu-o fielmente, e estreitada a amisade com a França e com a monarchia de julho, desabou a barreira que fechara aos proscriptos o caminho da patria, alegraram-se com o primeiro alvorecer da esperança os horisontes, e a obra dos tratados de Vienna, demolida em París e na Belgica, principiou a vacilar e a desmoronar-se.
Se a hostilidade implacavel da santa alliança aos principios constitucionaes perseverasse ainda, se o conde Aberdeen e o duque de Vellington se assentassem nas cadeiras de lord Palmerston e do conde Grey, e o principe de Polignac no logar de mr. Guizot ou de mr. Thiers, a volta do Imperador D. Pedro á Europa teria sido um episodio esteril, e a expedição de Belle-Isle nunca teria levantado ferro. Sem a boa sombra das duas côrtes de Londres e París a grande epopeia que immortalisa nos annaes d'este seculo a restauração da liberdade portugueza, nunca houvera apagado os lutos da proscripção, e o principe que tres annos de sacrificios e de heróicas emprezas tornaram o nome mais glorioso da nossa historia a par do nome querido de D. João I, não teria realisado os prodigios que ennobreceram a sua regencia, e gravavam para sempre na memoria a data gloriosa da nossa emancipação.
As armas dos sete mil e quinhentos assellaram a carta de nossas liberdades nos campos de batalha, mas se a Gran-Bretanha lhes cerrasse os mares, se a França estendesse a mão do absolutismo, nenhum d'elles, nem D. Pedro, nenhum tornaria a pisar a terra sagrada da patria. O que lord Palmerston então praticou fôra mais do que ingratidão deslembra-lo, e mais ainda contesta-lo. As dores e agonias do desterro suavisadas, a esperança reanimada, e o presente sem horisontes trocados pelo alvoroço de um futuro proximo e mais risonho, recobraram os animos abatidos e fizeram soldados e heroes dos que se teriam consumido annos depois desamparados e sós na apagada tristeza do desalento."
Appello para V. ex.ª, ninguem conhece melhor os incidentes desse drama doloroso. D'esses successos, em que foi actor, e actor principal, quem póde destramar melhor os dias e representar mais vivas e exactas as pessoas e os lances? Quando, de París, cujo solo tremia abalado da explosão dos tres dias de julho de 1830, acudia a Londres, aonde as ondas menos encapelladas de outra revolução pacifica acabavam de varrer das eminencias do poder o ministro tory, quando ministro fiel e proscripto de uma Rainha sem reino vinha aproveitar a occasião, que tão rapida foge sempre aos que não ousam colhe-la, acaso não encontrou no agrado, na boa vontade e na promptidão de lord Palmerston ministro todos os sentimentos do ardente e applaudido defensor da causa constitucional e dos portuguezes opprimidos? Os actos que dependiam só da sua decisão concedeu-os logo, os que haviam de derivar-se da acção complexa e efficaz da diplomacia anglo-franceza promoveu-os com um zêlo e uma sinceridade que lhe provocaram os apodos e affrontas dos inimigos do systema representativo em toda a Europa. O tratado da quadrupla alliança, firmado em 1834, affirmou' e consagrou a victoria definitiva da liberdade na peninsula, consolidando as instituições e o throno das duas Rainhas. Não sei se a iniciativa d'elle se deve a lord Palmerston, mas sei que nenhum estadista o precedeu no impulso decisivo que o determinou (apoiados).
Cito de proposito estes serviços á camara e limitei o periodo d'elles aos quatro annos decorridos desde 1830 até 1834, para que a expressão de respeito que peço para commemoração do nome de Palmerston não possa ser attenuada ou obscurecida pelas recordações de actos posteriores. Os povos que se lembram vivem para si e para a historia (apoiados). Ai daquelles que tudo esquecem, porque d'esses