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N.º 231

SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1889

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Manuel Paes Villas Boas
José Bandeira Coelho de Mello

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O digno par Telles de Vasconcellos e o sr. presidente do conselho trocaram explicações sobre a dissolução da mesa da misericordia de Evora, requerendo aquelle digno par, o que a camara approvou, que fossem publicados os respectivos documentos. - O digno par Vaz Preto apresentou um requerimento e trocou explicações com o sr. presidente do conselho relativamente aos acontecimentos de Tortozendo. - Ainda, a proposito destes acontecimentos, usaram da palavra os dignos pares Costa Lobo, Sá Carneiro e o sr. presidente do conselho. - O digno par Van-Zeller justificou a não comparencia do sr. marquez de Rio Maior.

Ordem do dia. - Approvado sem discussão o projecto de lei n.° 230, relativo aos guardas da academia polytechnica do Porto. - Entrou em discussão o projecto de lei n.° 253, approvando uma declaração feita á convenção phylloxerica internacional de Berne. - O digno par Hintze Ribeiro propoz o adiamento do projecto. - Sobre este incidente usaram da palavra os dignos pares Henrique de Macedo, Vaz Preto, Thomás Ribeiro e o sr. ministro da fazenda. - A camara rejeitou a proposta de adiamento e o projecto foi approvado. - Entrou depois em discussão o projecto de lei n.° 255, relativo á concessão do convento da Esperança á camara municipal de Lisboa. - Usaram da palavra os dignos pares Hintze Ribeiro e conde de Castro. - O digno par Francisco de Albuquerque requereu prorogação de sessão, e este requerimento, impugnado pelo digno par Vaz Preto, foi approvado pela camara. - Sobre o projecto usaram ainda da palavra os dignos pares marquez de Vallada, Thomás Ribeiro, Telles de Vasconcellos e o sr. ministro da fazenda, sendo o projecto approvado. - O sr. presidente levantou a sessão.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 25 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho de ministros, e ministro da fazenda.)

O sr. Telles de Vasconcellos: - Eu desejo chamar a attenção do governo para um facto praticado por um dos seus delegados, e auctorisado pelo ministerio do reino.

Acaba de ser dissolvida a mesa da misericordia de Evora, por virtude de um alvará em que se declara que a dissolução teve por fundamento não haver sido apresentado o orçamento no praso legal.

O que é certo é que quem devia apresentar o orçamento não era a mesa que tomou posse em 3 de maio, mas sim aquella que deixou de administrar.

Em consequencia d'isto, a mesa vem queixar-se á camara dos pares, mandando uma representação em que expõe os factos.

Ha um officio do administrador do concelho, em que se dizem amabilidades, que não são muito para acceitar e agradecer.

Sr. presidente, o que é ainda mais extraordinario é que foi dissolvida a mesa que não tinha culpa alguma de não ser apresentado o orçamento, e que aliás procurou, logo que tomou posse, envial-o o mais depressa possivel.

Quer agora a camara saber outra cousa curiosa?

Foram nomeados para fazer parte da commissão administrativa alguns dos individuos que tinham a culpa de não haver sido cumprido, quanto á apresentação do orçamento, o preceito estabelecido no codigo administrativo.

Este facto é grave! Pois póde-se attribuir á mesa dissolvida, que não teve culpa da falta que houve, a responsabilidade que pertence unica e exclusivamente á mesa anterior?

Nomearam-se, como já disse, para a commissão administrativa alguns dos individuos que deixaram de cumprir os seus deveres. Isto mostra que os que têem as boas graças do governo e das suas auctoridades podem, sem receio, faltar ás suas obrigações, desprezar as leis, deixar de cumprir os seus deveres! Eu quero suppor que, se o sr. presidente do conselho tivesse examinado os motivos que determinaram o pedido de dissolução da mesa da misericordia de Evora, não haveria auctorisado similhante abuso.

Mando para a mesa a representação com os documentos que vão juntos, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do governo, porque, na verdade, é digno de ler-se o officio do administrador á commissão que: administrou aquelle estabelecimento de caridade.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Sr. presidente, enganou-se o digno par quando suppoz que eu não tinha examinado os documentos em que se fundou a dissolução da mesa da misericordia de Évora. Eu examinei com muito cuidado as peças do processo sobre que baseei o meu despacho e, só depois de as ter examinado, me convenci de que era justa, justissima a auctorisação pedida pelo sr. governador civil para a dissolução da mesa.

Mas não foi só a falta de apresentação do orçamento no praso legal que deu logar á dissolução; ainda houve outros motivos.

O digno par disse que a culpa não tinha sido da ultima mesa, mas sim da anterior.

E preciso que s. exa. saiba que a mesa anterior funccionou dois mezes, alem do praso da sua nomeação, estava pendente um recurso no tribunal administrativo com respeito á legalidade da sua eleição; por consequencia não podia ser dissolvida.

A mesa que lhe succedeu tinha tido tempo bastante, desde maio até á epocha em que foi dissolvida para elaborar o seu orçamento.

Sr. presidente, a mesa nova, quando tomou posse, praticou taes irregularidades, que era absolutamente impossivel poder consentir-se que ella continuasse a exercer as suas funcções.

A primeira irregularidade que praticou foi demittir os empregados que tinham sido nomeados pela mesa anterior.

Ainda outra irregularidade.

A mesa funccionava apenas com seis membros, o que é illegal porque o estatuto exige sete. No ultimo anno foram eleitos, como manda a lei, metade do numero que compõe a mesa que é de treze, e um dos eleitos não acceitou o cargo.

A mesa não deu parte d'este facto ao governador civil

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como lhe cumpria para este providenciar. Por todas estas irregularidades entendeu-se que não se devia consentir que continuasse a praticar arbitrariedades.

Eu entendi que, para pôr termo a esta situação, era conveniente auctorisar a dissolução da mesa nomeando-se uma commissão administrativa, que funccionasse emquanto se não fizesse nova eleição, recommendando ao sr. governador civil que procedesse de maneira que abreviasse o mais possivel o praso da eleição.

Emquanto á maneira porque foi nomeada a nova commissão administrativa, nada posso dizer, porque não tenho informações; no emtanto, quer-me parecer que o criterio do sr. governador civil o levaria a escolher cavalheiros, que muito embora tivessem pertencido á antiga mesa, sejam dignos de todo o respeito e capazes de zelar os interesses da misericordia de Evora.

O sr. Telles de Vasconcellos: - É para agradecer a maneira por que o sr. presidente do conselho se apressou a responder ás poucas considerações que eu fiz sobre a dissolução da mesa da misericordia de Evora; mas permitta-me v. exa. que eu diga que desadoro completamente o systema de, quando se acham affectas aos tribunaes quaesquer irregularidades praticadas por uma corporação, vir o governo intrometter-se dissolvendo, sem que primeiramente esteja liquidado o assumpto.

S. exa. sabe perfeitamente que as resoluções tomadas assim vão actuar necessaria, e fatalmente não só no animo do publico, mas no dos juizes, e por isso o que era mais regular era que s. exa. esperasse que os tribunaes pronunciassem o seu veridictura sobre o recurso, e depois dissolvesse, se entendesse que devia dissolver.

Permitta-me s. exa. que lhe diga mais, que. desde o momento que uma administração não podia ser dissolvida pelo facto de estar pendente um recurso, essa mesma rasão devia militar a favor da outra administração, ou então que jurisprudencia é essa?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - S. exa. dá-me licença?

O Orador: - Pois não!

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - A outra, a antiga, servia alem do praso da sua nomeação, e esta servia dentro do praso da sua nomeação.

O Orador: - Eu não queria chegar até ahi, porque isso ainda é mais grave para s. exa. Uma estava fóra do praso legal e o governo não exerceu a sua acção; a outra estava dentro do praso legal, não tinha tido ainda o tempo preciso para pôr em ordem a contabilidade, e fui esta a que pagou as culpas!

A outra, que já funccionava alem do praso, não podia ser dissolvida sem que se decidisse ò recurso; esta, que tinha tomado conta em 3 de maio, esta que não tinha tido tempo de regular a contabilidade de fórma a poder apresentar o seu orçamento, é posta na rua!

Sr. presidente, desculpe o illustre ministro, mas a sua declaração é contra s. exa., porque é preciso que a lei seja igual para todos.

A carta constitucional diz que a lei é igual para todos, e por consequencia o sr. presidente do conselho devia proceder para com esta mesa do mesmo modo por que tem procedido para com a outra.

S. exa. esqueceu-se da má impressão que isto poderia produzir no espirito publico, tanto mais que a ultima mesa não tinha culpa nenhuma.

Mas o que é mais grave ainda é o facto de se terem nomeado para a nova commissão os individuos que faziam parte da antiga administração, que não tinha cumprido a lei.

São postos no meio da rua os que não tinham culpa nenhuma, e são encorporados na nova commissão os individuos que não cumpriram o preceito da lei, mas que são favoraveis á auctoridade local!

Sr. presidente, eu lamento o facto, mas depois das declarações do sr. presidente do conselho sinto que s. exa. o praticasse.!

Tenho dito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

"Requeiro que, pelo ministerio do reino, se envie a esta camara as informações do governador civil do Porto ácerca do contrato para fornecimento de gaz feito pela camara; e bem assim requeiro que sejam enviadas a esta camara as propostas dos differentes concorrentes.

"Sala das sessões, 8 de julho de 1889. = M. Vaz Preto."

É necessario que os documentos acompanhem o projecto.

Não se póde nem deve discutir qualquer projecto sem ter devidamente examinado os documentos que o esclarecem.

Os que eu peço são de absoluta necessidade.

Já que estou com a palavra pergunto ao sr. ministro do reino se já recebeu noticia do governador civil de Castello Branco, com respeito ao conflicto que teve logar em Tortozendo.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Pedia a palavra para dizer ao digno par que até hontem não tinha dado entrada no meu ministerio o relatorio do sr. governador civil de Castello Branco, a respeito do acontecimento a que s. exa. se referiu; mas logo que elle chegue, póde s. exa. estar certo de que immediatamente lho mandarei, a fim de s. exa. o examinar.

O sr. Vaz Preto: - Esperemos pelo relatorio do sr. governador civil, mas eu devo dizer ao nobre ministro que os acontecimentos foram muito graves, e é necessario providenciar a tal respeito.

Eu pediria ao sr. presidente do conselho que désse ordem ao governador civil para que mandasse ao local dos acontecimentos pessoa de sua confiança, e imparcial, que podesse informar o governo de como os factos se passaram.

N'estas considerações que faço não ha politica de especie alguma.

O que eu desejo simplesmente é que se castiguem os delinquentes, aquelles que tomaram parte nas arruaças ou as provocaram.

Tenho dito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento que o digno par sr. Vaz Preto mandou para a mesa.

Leu-se na mesa, e mandou-se expedir.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, parece-me que v. exa. se esqueceu de submetter á votação da camara o requerimento que eu fiz, pura que fosse publicada a representação que mandei para a mesa.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.

Consultada a camara em relação ao requerimento do sr. Telles de Vasconcellos, resolveu affirmativamente.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, a proposito dos acontecimentos de Tortozendo, eu desejo chamar a attenção do sr. ministro do reino para um facto que ainda ha pouco se deu e que diz respeito a uma desordem que houve no Lumiar entre o povo e a força publica.

Desejaria que tambem estivesse presente o sr. ministro ia guerra, mas infelizmente s. exa. acha-se doente, o que eu muito sinto, não só pela falta que faz ao serviço publico, mas principalmente por um sentimento pessoal, porque realmente tenho muita sympathia por aquelle cavalheiro, sympathia de que elle é merecedor. (Apoiados.)

Desde já declaro que no que vou dizer não faço asserções seguras; faço apenas obra pelo que dizem os jornaes. Não tenho informações particulares sobre o facto a que me

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vou referir, e em que possa basear-me com segurança. Por isso mesmo não desejo que se veja nas minhas palavras um proposito deliberado de censura para o exercito, que de fórma nenhuma quero deslustrar.

Toda a camara tem de certo conhecimento dos acontecimentos que se deram ultimamente no Lumiar.

Uma cousa que impressiona muito quem lê nos jornaes a descripção de acontecimentos em que intervem a força publica, é a facilidade com que ella faz fogo sobre o povo.

Em nenhum paiz a força publica se serve, com tamanha facilidade, das armas contra o povo, como entre nós.

No Lumiar o que aconteceu?

Houve uma desordem, foram apedrejados os soldados da guarda municipal, e estes fizeram fogo, a montão, sobre a massa.

Ora eu desafio a que me digam que haja outro qualquer paiz em que isto succeda.

Qualquer cidadão portuguez que, passando por uma rua, puxar por um resolver e o desfechar sobre um individuo que o apedreje, corre o risco de ir passar o resto dos seus dias na penitenciaria.

A ninguem é permittido, senão em defeza da sua propria vida, puxar por um rewolver e disparar sobre qualquer cidadão.

Mas os soldados da guarda municipal, que têem o seu cavallo, a sua espada, que têem toda esta superioridade sobre os cidadãos inermes, logo que são apedrejados, puxam dos seus rewolvers e disparam-nos.

Em Tortozendo tambem se deu o mesmo caso.

Ora se qualquer cidadão não póde fazer fogo sobre o seu adversario senão em defeza da sua propria vida, muito menos a força publica o póde e deve fazer.

A missão do exercito é differente.

A honra, o timbre, o dever de todo o individuo que pertence ao exercito, obrigam-no a arriscar a sua vida, e só em caso extremo deveriam consentir-lhe que desfechasse sobre o povo.

Quanto ao Lumiar, parece que os acontecimentos não eram de tal gravidade, que fosse necessario á guarda municipal o puxar pelos seus rewolvers e desfechar sobre o povo.

Não faço obra, repito, senão pelo que noticiaram os jornaes. O que eu digo é que este modo de proceder, por parte da força publica, a ser exacto, tem grandes inconvenientes, e que concorre muito para desprestigiar o exercito, encarregado de manter a ordem.

Não é conveniente que o paiz supponha que a força publica procede com despotismo.

Torno a repetir que só fallo pelas informações dos jornaes; mas, parece-me, realmente, que, não só n'este ultimo acontecimento a que venho de referir-me, como em muitos outros, a força publica faz fogo sobre o povo com extrema facilidade.

Lá fóra os soldados são muitas vezes apedrejados e apupados, e nem por isso disparam sobre a massa inerme do povo.

O soldado de cavallaria, para se defender, tem a sua espada e a vantagem de estar a cavallo; o soldado de infanteria tem a sua bayoneta.

Chamo a attenção do governo, e principalmente a do sr. presidente do conselho e ministro do reino para estes factos, que julgo muito dignos de attenção.

Parece-me conveniente que s. exa. recommende ás suas auctoridades que não abusem da força, e que só recorram a violencia em casos extremos e excepcionaes.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - Sr. presidente, começo por dizer que me merecem muita consideração as observações que o digno par o sr. Costa Lobo acaba de apresentar á camara; mas estou certo de que a força publica só recorre a meios violentos em ultima extremidade.

Sempre que fallo com os commandantes das divisões ou com os encarregados de dirigirem a forca publica, recommendo-lhes que usem da maxima prudencia, e as mesmas recommendações tenho feito ás auctoridades administrativas; isto é, tenho-lhes dito que só recorram ao emprego da força quando lhes seja absolutamente impossivel manter a ordem por outros meios.

São estas as ordens que tenho dado; mas, para fazer justiça a todos, devo dizer, que infelizmente, muitas vezes o nosso povo abusa da força publica, e não tem para com ella aquellas considerações e respeito que era mister que tivesse. (Apoiados.)

Os officiaes vendo muitas vezes os seus soldados apedrejados e apupados, vêem-se obrigados pela necessidade ou propria defeza a recorrer ás armas.

Estou certo, repito, de que a força publica usa de muita circumspecção, e sendo tanto quanto possivel moderada, só recorre ao emprego das armas era casos extremos. No emtanto transmittirei ao meu collega da guerra as observações do digno par e não só elle, como eu, tornaremos a recommendar que as forças militares só recorram ás armas em ultimo caso.

Dou assim uma prova da consideração em que tenho as palavras do digno par, porque estou habituado, ha muitos annos, a respeitar o seu caracter, a nobreza dos seus sentimentos e o seu espirito recto e illustrado.

O sr. Sá Carneiro: - O digno par o sr. Costa Lobo entende que uma pedrada não mata; eu, pelo menos, tenho visto matar gente á pedrada. Se a força publica não póde desaffrontar-se das offensas que recebe, não sei como querem que se mantenha a ordem publica!

Se a força publica ficar impassivel ante quaesquer ameaças e ultrajes, não corresponde por certo á sua elevada missão.

Eu, na repressão de qualquer motim popular, empregaria primeiro toda a prudencia, mas, se me respondessem com pedradas, se desfeiteassem a força militar, empregaria os meios extremos, a que as circumstancias me tinham obrigado.

Mandaria fazer fogo, sem tratar de saber se no ajuntamento havia algum digno par do reino.

As auctoridades administrativas são faceis em requisitar forças militares. Se lhes fossem dadas todas as que requisitam, nem 40:000 homens chegariam.

Mas dar uma força para ser enxovalhada e corrida á pedrada, não póde ser.

Tenho muita consideração pelo digno par o sr. Costa Lobo, mas prezo acima de tudo a honra, o prestigio, a dignidade e efficacia do exercito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Van-Zeller: - Sr. presidente, participo a v. exa. e á camara que o digno par o sr. marquez de Rio Maior não póde comparecer á sessão por incommodo de saude.

A camara ficou inteirada.

ORDEM DO DIA

Pareceres n.ºS 287, 296 e 299

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia.

Está em discussão o projecto de lei n.° 230, a que diz respeito o parecer n.° 287. Este projecto tinha ficado pendente da sessão de sabbado, e para avivar a memoria da camara, vae de novo ser lido na mesa.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 287

Senhores. - A vossa commissão de instrucção publica foi presente o projecto de lei n.° 230, vindo da camara dos

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senhores deputados, que tem por fim estabelecer os ordenados dos guardas da academia polytechnica do Porto, fixando o do guarda mór em 300$000 réis, e os dos guardas subalternos em 200$000 réis annuaes.

Os vencimentos actuaes d'estes empregados são de réis 240$000 o do guarda mór e 146$000 réis os dos subalternos.

Estes ordenados são muito pequenos em relação ao dos guardas do lyceu do Porto e do instituto industrial e commercial da mesma cidade, e em relação ao grande augmento de trabalho que se deu aos guardas da academia polytechnica depois da ultima organisação dos cursos n'este estabelecimento.

Os augmentos estabelecidos no projecto de lei de que se trata ainda deixam os guardas subalternos da academia com ordenados menores do que têem os mesmos empregados na escola polytechnica de Lisboa.

Por isso parece á vossa commissão de instrucção publica, que merece a vossa approvação o seguinte projecto de lei, para o effeito de ser levado á sancção real.

Sala da commissão de instrucção publica da camara dos dignos pares, em 3 de junho de 1889. = Adriano Machado. = Visconde de Benalcanfor = Fernandes Vaz = Joaquim de Vasconcellos Gusmão = José Joaquim da Silva Amado = Conde de Campo Bello.

Projecto de lei n.° 230

Artigo 1.° Os vencimentos do guarda mór e guardas subalternos da academia polytechnica do Porto são fixados respectivamente em 300$000 e 200$000 réis annuaes.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 18 de junho de 1889 = Francisco de Sarros Coelho e Campos, presidente = Francisco José Machado, deputado vice-secretario - Luiz de Mello Bandeira Coelho, deputado vice-secretario.

O sr. Presidente: - Tem uma só discussão.

(Pausa.}

Como nenhum digno par pede a palavra, vae votar-se.

Os dignos pares que approvam este projecto, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o projecto n.° 203, a que diz respeito o parecer n.° 296.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 296

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos, apreciando o projecto de lei n.° 253, vindo da camara dos senhores deputados, e conformando-se inteiramente com as rasões exaradas no parecer com que a illustre commissão d'aquella camara entendeu dever fortificar esse projecto de lei, entende que elle deve ser approvado para subir á real sancção.

Sala das sessões da commissão, em 6 de julho de 1889. = A. de Serpa = Barbosa du Bocage = Marquez de Rio Maior = H. de Macedo, relator. = Tem voto dos srs. Agostinho de Ornellas = Mathias de Carvalho.

Projecto de lei n.° 253

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a declaração á convenção phylloxerica internacional de 3 de novembro de 1881, assignada em Berne no dia 15 de abril de 1889.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em õ de julho de 1889. = Francisco de Barros Coelho e Campos, presidente = Francisco José Machado, deputado vice-secretario = Alfredo Pereira, deputado servindo de secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, eu desejava pedir um esclarecimento ácerca d'este projecto.

Como é que elle vem para a camara, e como é que é posto em discussão?

Vejo aqui apenas assignados quatro membros da commissão, como tendo estado presentes, e de certo esses quatro membros não constituem a maioria da commissão dos negocios externos. Acrescenta-se que o parecer tem o voto do digno par o sr. Agostinho de Ornellas, que em toda esta sessão não compareceu aqui (Apoiados.) e o voto do digno par, o sr. Mathias de Carvalho, que não está em Lisboa, e que eu supponho não mandaria o seu voto pelo telegrapho.

Não sei, portanto, como este projecto entra em discussão!

A commissão de negocios externos compõe-se de oito membros e mais tres aggregados: ao todo onze. Não vejo aqui senão quatro votos. Logo, não é a maioria. E se não é a maioria, não ha parecer, e, portanto, não se póde discutir o projecto. (Apoiados.)

Aguardo as explicações do sr. relator da commissão...

O sr. Henrique de Macedo (relator, interrompendo): - Devo dizer a v. exa. que labora n'um ligeiro equivoco.

O parecer tem quatro assignaturas e seis votos.

O Orador: - Aqui estão quatro assignaturas de outros tantos vogaes presentes á commissão dos negocios externos.

E quatro vogaes não constituem a maioria da commissão.

Por conseguinte, não póde haver parecer. Diz-se que tem voto de mais dois dignos pares. Um d'elles é o sr. Agostinho de Ornellas, que ainda aqui não veiu este anno, e, portanto, não sei como é que s. exa., que está fóra da camara para o effeito de não tomar parte nos trabalhos, póde dar o seu voto a um projecto, que de certo lhe não foi communicado, nem na commissão nem no parlamento, visto s. exa. não ter cá vindo.

O outro voto é do sr. Mathias de Carvalho, que não está em Lisboa, mas sim na Figueira da Foz.

A não ser pelo telegrapho, tambem não sei como s. exa. podia dar o seu voto a este parecer.

E caso assim não seja, o sr. relator que declare se a commissão foi convocada para examinar o projecto. Eu opino que se adie, até serem cumpridas as formalidades regimentaes.

(O digno par não reviu.)

O sr. Henrique de Macedo (relator): - Por certo que se estes dois votos, o do sr. Mathias de Carvalho e o do sr. Ornellas, estão declarados no parecer, é porque aquelles cavalheiros, actualmente ausentes, se manifestaram de accordo com o projecto.

N'estas circumstancias têem sido discutidos muitos projectos. É uma antiga praxe parlamentar.

De resto, este parecer não foi combatido pelos dignos pares os srs. Antonio de Serpa e Bocage, que aliás o assignaram.

Basta este facto para aquilatar a importancia das duvidas que o digno par o sr. Hintze Ribeiro vem levantar, por quaesquer rasões politicas, que eu me abstenho de analysar, e que são puramente de lana caprina.

O projecto, em si, não tem a menor importancia; e isto é tambem justificação ao processo empregado na elaboração do parecer. Este é que é o facto.

(O digno par não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - Não pede o digno par o sr. Henrique de Macedo entrar na apreciação das minhas intenções, quando eu declaro os motivos de reparo que me levaram a propor o adiamento do projecto. As intenções guardo-as para mim, e não tenho que explical-as a s. exa.

Note-se, porém, que o proprio sr. relator se exprimiu de forma que resalta aos olhos de todos quanto o parecer foi irregularmente elaborado.

Vê-se, portanto, que este parecer não póde entrar em discussão, porque a sua apresentação é incorrecta.

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Quer a camara sanar esta irregularidade e discutir o projecto?

A responsabilidade é sua. A camara póde até dispensai-as com missões de darem pareceres sobre os projectos de lei!...

O que eu peço, porém, a v. exa., sr. presidente, é que submetta á deliberação da camara, como questão previa, a minha proposta, que consiste em saber se a camara entende que este projecto deve voltar á commissão para que esta de sobre elle um parecer em condições regulares, com numero legal de assignaturas, para então ser discutido e votado.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Está em discussão a proposta do digno par.

O sr. Henrique de Macedo (relator): - Sr. presidente, não me opponho a que se tome uma deliberação sobre essa proposta, antes da discussão do projecto. Mas lembro a s. exas. que a proposta do sr. Hintze Ribeiro importa um adiamento, e que a regra é ficarem os adiamentos em discussão conjunctamente com a materia principal.

O sr. Presidente: - A proposta está em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, este caso é excepcional, unico!

O que acompanha este projecto não chega a ser um parecer de commissão.

Ora, o que tudo isto prova é que não só se pretende que a camara vote os projectos de lei sem ter conhecimento cabal dos assumptos a que elles se referem, sem se se lhe dar tempo para os estudar, e sem se lhe fornecer os esclarecimentos indispensaveis, mas que até já se chega ao extremo de evitar que as commissões tomem devidamente conhecimento dos projectos.

O que me parecia portanto justo era que effectivamente este projecto fosse retirado da discussão, e passássemos a discutir outro de que houvesse mais perfeito conhecimento, e cuja apresentação fosse pelo menos ostensivamente mais conformes ás praxes parlamentares.

(O digno par não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda e dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, o facto de virem pareceres á camara, dizendo-se que têem voto de alguns membros do poder legislativo que comtudo não assistiram á reunião da commissão em que o parecer foi lavrado, é de ha muito admittido, quer n'uma quer n'outra das casas do parlamento. (Apoiados.)

Respeita este projecto aos viveiros officiaes a que se refere a convenção phyllexerica de 3 de novembro de 1881 e á conveniencia da mais facil circulação internacional dos vegetaes admittidos.

Sobre esta conveniencia todos os estados estão de accordo, e eu para maior esclarecimento leio a declaração que se pretende additar a convenção phylloxerica de Berne:

"N'estas transacções entre os estados contratantes, o certificado da auctoridade competente do paiz de origem, estabelecido na alinea 2, não será necessario quando se trate de expedição de plantas provenientes de um estabelecimento mencionado nas listas publicadas em cumprimento do artigo 9.°, n.° 6 da convenção."

De fórma que esta dispensa do certificado de origem é para as plantas creadas em viveiros officiaes e que, portanto, têem estado sujeitas á inspecção.

E este, pois, um d'aquelles projectos que, se não fosse por obediencia ás disposições regimentaes, podia passar sem parecer da commissão.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - O projecto é pouco importante, tem ou não tem larga discussão; é isso uma cousa independente. Mas o que nós temos primeiro a saber é se as prescripções regimentaes foram cumpridas, para que ámanhã se não invoque o mesmo precedente a respeito de outros projectos, e v. exa., que é o fiscal do regimento, deve ser o primeiro interessado em que elle se cumpra.

Insisto, pois, no meu requerimento, mesmo porque as camaras não se fecham hoje, estão prorogadas até ao dia 10, e não ha necessidade nenhuma de atropellar as fórmas regimentaes, nem de evitar que o projecto volte de novo á commissão para formular um parecer que possa ser discutido.

(O digno par não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu não tenho senão que apoiar o que acaba de dizer o sr. Hintze Ribeiro.

Aqui não ha parecer de commissão, ha apenas o parecer de um cavalheiro aliás muito distincto; mas parecer de commissão, que possa ser discutido e votado, conforme determina o regimento, não o ha. Por isso é necessario que o governo, em respeito aos fins da camara dos pares ou do parlamento, nos deixe seguir a lei d'esta casa.

Alem d'isto, sr. presidente, eu não vejo que Portugal tivesse parte n'esta convenção, porque não vejo aqui assignado o seu representante.

O sr. Bocage: - Vem. O consul portuguez é o allemão.

O Orador: - Como quer que seja, a urgencia do caso não é tamanha que se torne indispensavel discutir hoje este projecto contra a lei d'esta casa, visto que o seu parecer não está formulado conforme determina o regimento.

Demais eu vejo, por exemplo, n'este parecer do sr. Henrique de Macedo, que não chega a ser parecer de commissão, que em resultado de uma negociação iniciada com a Allemanha, foi assignada era Berne esta convenção addicional; mas não se diz quem foi chamado, quem concorreu a esta convenção, quaes as nações que a approvaram. Nós não sabemos nada. Eu não pude estudar esta questão detidamente, mas parece-me que ella não é de grande importancia. O que eu pretendi foi significar o meu voto, que é contrario, não á convenção em si mesma, mas ao modo por que se está fazendo este processo. Abundo nas idéas apresentadas pelo sr. Hintze Ribeiro.

Tenho dito.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Eu ponho em primeiro logar á votação o adiamento do sr. Hintze Ribeiro, que é uma questão previa.

Os dignos pares que approvam o adiamento, tenham a bondade de se levantar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto. Os dignos pares que o approvam, tenham, a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto de lei n.° 255, a que diz respeito o parecer n.° 299.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 299

Senhores. - Na resolução do complexo problema agricola, um dos elementos essenciaes consiste no melhoramento da industria da padaria. A esta necessidade attendia já a lei votada no anno passado ácerca dos cereaes. O projecto de lei n.° 255 é por assim dizer um complemento natural das disposições d'aquelle diploma que se referiam á creação das padarias municipaes. Trata-se por meio d'elle de alcançar a sancção legislativa para um contrato elaborado entre o governo e a camara municipal de Lisboa, e pelo qual se cede a esta o convento e cerca da Esperança, com o fim de a habilitar, com os terrenos e meios necessarios, para ali se organisarem as referidas padarias.

Entende, pois, a vossa commissão que merece ser por

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vós approvado o seguinte projecto de lei, subindo em decreto das côrtes geraes á regia sancção.

Sala das commissões, 6 de julho de 1889. = A de Serpa (com declarações) = Barros e Sá = H. de Macedo = Pereira de Miranda = F. de Albuquerque = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Castro.

Projecto de lei n.° 255

Artigo 1.° É approvado, para todos os effeitos, o contrato provisorio que o governo celebrou com a camara municipal de Lisboa, em 15 de novembro de 1888. ácerca da concessão do supprimido convento da Esperança para os fins e com as condições no mesmo contrato especificadas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 5 de julho de 1889. = Francisco de Barros Coelho e Campos, presidente = Francisco José Machado, deputado vice-secretario = Alfredo Pereira, deputado servindo de secretario.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, a camara é chamada a discutir este projecto, e é convicção minha que apenas dois ou tres dignos pares terão lido todos os projectos que estão dados para ordem do dia.

O que a camara não sabe é que este projecto, que vem, não direi subrepticiamente, mas quasi como um projecto de expediente, dando pouco na vista, chamando pouco a attenção, contem clausulas que revelam um contrato verdadeiramente extraordinario.

Extraordinario em tudo, porque se refere a um outro contrato que não é serio, e que só no carnaval poderia ser chancellado pelo governo.

Extraordinario ainda, porque se refere a uma concessão com o nome de contrato bilateral, feita á camara municipal de Lisboa pela fórma mais avessa a tudo que diz respeito a direitos adquiridos e a formulas no processo de transmissão de bens.

Eu vou ler á camara o contrato, porque o projecto é o contrato, e depois a camara reconhecerá se este assumpto é ou não grave e importante e se deve votar similhante cousa.

O contrato é feito entre o governo e a camara municipal de Lisboa.

Peço a attenção da camara.

"l.ª O governo de Sua Magestade cede á camara municipal de Lisboa o edificio do extincto convento da Esperança com a respectiva cerca, nos termos e para os fins adiante indicados, e bem assim cede dos predios que pertenciam ao mesmo convento tanta parte quanta seja necessaria para o leito da avenida a abrir no prolongamento da rua do Duque da Terceira.

"2.ª A camara obriga-se a estabelecer no mencionado convento e respectiva cerca, no praso de um anno, uma padaria municipal com todos os seus accessorios e pertences em condições que possa fabricar pelo menos 40:000 kilogrammas de pão por dia.

"3.ª Emquanto não estabelecer padaria propria a camara obriga-se, quando as conveniencias publicas reconhecidas pelo governo o exijam, a promover e auxiliar o fabrico e venda de pão pelos preços mais modicos, facultando-lhe o governo os meios precisos para acquisição de farinhas emquanto não as poder produzir em moagem do estado."

Começo por parar nas padarias.

Pergunto qual é a base d'este contrato?

É a lei dos cereaes votada o anno passado? Mas essa lei foi radicalmente alterada pela lei dos cereaes d'este anno.

O fim que hoje se tem em vista é muito differente d'aquelle a que mirava a lei do anno passado. A instituição, a engrenagem, o estabelecimento para a fabricação do pão é tambem inteiramente differente.

Pergunto: a lei do anno passado subsiste ainda para o effeito de constituir o governo no dever de auxiliar a camara municipal de Lisboa para a constituição de padarias municipaes, fornecendo-lhe os edificios que são do estado?

Até que ponto foi a lei do anno passado alterada n'esta parte?

Ora vejâmos.

Pela lei do anno passado e que se fez foi regular a questão dos cereaes pela pauta.

Estabeleceu-se um direito para a entrada do trigo, estabeleceu-se um outro direito para a entrada das farinhas e a correlação d'estes dois direitos é que marcava precisamente a protecção á industria da moagem e consequentemente á industria da panificação.

Para prevenir qualquer hypothese relativa ás exigencias do mercado, á deficiencia do consumo, ficava o governo, por essa lei, munido de auctorisação especial.

Assim o artigo 4.° dizia o seguinte:

(Leu.}

Pergunto: esta auctorisação, que foi votada na lei do anno passado, subsiste ainda hoje, depois de votada a nova lei dos cereaes?

Pela nova lei o problema resolve-se na prohibição de entrada do trigo ou da farinha que vem do estrangeiro. Não se póde importar senão até metade do trigo nacional que se provar ter consumido, e pelo que toca ás farinhas a entrada é livre, quando o preço do trigo dentro do paiz vá alem de uma determinada importancia.

Assim fica o problema economico regulado, assim fica a lei do anno passado radicalmente alterada, substituida nas suas disposições fundamentaes, porque o systema é outro.

Então, se hoje está estabelecida uma cousa que é diametralmente opposta á do anno passado, se se estabelece um novo systema, como é que fica de pé uma auctorisação votada no anno passado?!

É evidente que não fica.

Ora, se não fica, se precisamente n'essa auctorisação é que se baseava este contrato feito entre o governo e a camara municipal; é claro que este contrato caducou.

Aqui tem a camara a primeira duvida que eu apresento.

Este contrato, pela lei do anão passado, poderia na sua essencia, no seu fim principal, justificar-se, mas hoje que o systema é outro, que as disposições legislativas no que toca aos cereaes são radicalmente outras, este contrato póde porventura justificar-se?

No meu entender não pôde.

O governo fez o contrato para auxiliar a camara municipal a montar padarias municipaes, e para isso é que fez a cedencia do convento da Esperança.

Talvez o sr. ministro da fazenda não conheça bem os termos em que se faz actualmente a cedencia do convento.

(Leu.}

"4.ª A camara obriga-se mais a concluir no menor espaço de tempo que lhe for possivel as obras da avenida no prolongamento da rua do Duque da Terceira até o largo de S. Bento, conforme o projecto approvado.

"5.ª Em pagamento, tanto da parte da cerca que não for necessaria para a fabrica de panificação e suas pertenças, como da parte dos predios para a referida avenida, a camara cede ao governo de Sua Magestade:

"1.° A posse e dominio da superficie das vias publicas que o governo tomou e vedou para ampliação da alfandega situadas a leste d'este edificio e denominadas cães da Ribeira Velha, rua das Linheiras e boqueirões dos Funileiros, do Ver o Peso, da Mesa da Fructa, da Moita, da Palha e das Linheiras medindo uma area total de 4:459 metros quadrados;

"2.° Á posse e dominio da muralha que pelo lado do Tejo limitava o mencionado caes da Ribeira Velha, medindo 160 metros correntes;

"3.° A posse e dominio do terreno onde actualmente

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existe uma casa, dependencia da alfandega, situado entre a rua marginal do Tejo e o mesmo rio, em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, o qual terreno mede 208m2,42; e é avaliado, a rasão de 5$581 réis cada metro, em réis 1:161$108.

"§ unico. Quando por effeito das obras do porto de Lisboa, ou por outra qualquer circumstancia, convenha remover do terreno mencionado no n.° 3.° d'esta condição o posto fiscal ali existente, o governo obriga-se a devolver desde logo á camara o mesmo terreno mediante o pagamento do referido preço de 1:161$108 réis, que fica desde já estipulado para essa devolução; ficando outrosim assente e bem claro que pelo governo não poderá ser dada outra applicação diversa da actual á casa ali existente.

"6.ª A parte da cerca que não for necessaria para a fabrica de panificação ou suas pertenças e que é cedida em pagamento dos terrenos e da muralha a que se refere a condição antecedente, poderá ser pela camara destinada ao fim que melhor entender ou vendida para edificações particulares, num ou mais lotes, entrando o sou producto nos cofres municipaes como receita ordinaria."

Então já não é para montar padarias municipaes, já não é para a instituição creada pela lei de 19 de junho de 1888, mas para uma outra cousa muito differente: o governo cede á camara o convento da Esperança, a cerca, os terrenos e os predios annexos para que? Para o fim determinado na lei de 19 de junho de 1888?

Não.

Para abrir uma avenida?

Pois o parlamento pôde, á sombra da lei dos cereaes que votámos o anno passado, dar de mãos beijadas á camara municipal de Lisboa, não só o convento, mas a cerca, os terrenos e os predios, contiguos, a fim de abrir uma avenida com a qual a camara ha de negociar na compra e venda dos terrenos?

Isto é curioso! Os dignos pares ficam agora sabendo o que naturalmente ignoravam.

Tratava-se de montar uma padaria municipal.

O governo estava constituido no dever, pela lei de 19 de junho de 1888, de auxiliar a camara municipal de Lisboa, e por isso designou o convento da Esperança para a padaria. Agora, por este projecto, cede-lhe a cerca para abrir uma avenida!

Vejâmos o que é que a camara paga e o que o governo recebe.

Se se tratasse só da padaria, poderia o governo mais ou menos justificar-se pela lei de 19 de junho de 1888, para o que fez a conversão, mas trata-se de dar uma cerca e terrenos para uma avenida, terrenos que são do estado.

Assim é claro que o estado ha de receber alguma cousa em compensação o aquillo que dá.

Ora, sabe a camara o que é que o municipio de Lisboa dá ao estado em troca do convento da Esperança, dos terrenos e predios contiguos? Eu lhe vou dizer:

A posse e dominio da superficie das vias publicas que o governo tomou e vedou para ampliação da alfandega, na Ribeira Velha; a posse e dominio da muralha que pelo lado do Tejo limitava aquelle terreno no cães da Ribeira Velha; e a posse e dominio do terreno onde existe uma casa, dependencia da alfandega, em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho.

O governo usurpou terrenos do municipio e encorporou-os na alfandega. Por este facto ficou constituido devedor ao municipio, e por isso lhe cede o convento da Esperança.

Mas então, sr. ministro da fazenda, precisamos um esclarecimento.

Como é que isto se fez?

Porque é que se encorporaram estes terrenos na posse do estado?

Agora pergunto eu se o estado, tendo feito com o municipio de Lisboa uma escriptura para a compra de determinadas propriedades com que alargou a alfandega de Lisboa, lançou mão de terrenos que não estavam comprehendidos n'essa escriptura?

Então isto passou-se em 1883 e a camara não lavrou logo um protesto contra esta usurpação feita pelo governo?

Mas não para aqui a minha admiração.

Supponhâmos que este facto era verdadeiro; que effectivamente o estado, pensando em alargar o edificio da alfandega de Lisboa, tinha celebrado uma escriptura com o municipio, tinha adquirido determinadas propriedades; que á sombra d'essa escriptura, tomara conta e posse de propriedades a mais, que eram do municipio e de terrenos que tambem eram municipaes.

Supponhâmos que assim era. Quanto valiam esses terrenos e quanto dá agora o governo a titulo de indemnisação?

(Leu.)

Desde que é com isto que se paga, ha de, pelo menos, saber-se que valor tem.

A primeira condição para eu conhecer se pago mais ou menos do que devo, se recebo mais ou menos d'aquillo a que tenho direito, é avaliar aquillo que dou e aquillo que vendo.

(Leu.)

"Que, effectivamente, por escriptura de 6 de julho de 1883 a camara vendeu ao governo as propriedades municipaes situadas ao sul da rua da Alfandega e do Campo das Cebolas, entre o boqueirão dos Funileiros e o caes Novo de Santarem, não tendo no preço d'essa venda sido incluido, nem o valor do terreno occupado pelas vias publicas comprehendidas n'esse perimetro, nem o valor das muralhas que limitavam os caes ali existentes, o que até hoje não foi liquidado, apesar de o governo estar desde então na posse das referidas muralhas e vias publicas, vedando-as e applicando-as ás obras de ampliação da alfandega; nem tão pouco foi liquidado ainda o preço de um terreno que o governo está occupando e onde a alfandega construiu uma casa para despacho, em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, terreno que a camara conquistou ao Tejo e que avalia pelo seu custo a rasão de 5$581 réis cada metro quadrado, tomando por base a despeza feita com as obras da muralha e rampa e o valor do aterro ali empregado.

Mas se até hoje não foi liquidado, não se sabe quanto vale e, por conseguinte, não se sabe até que ponto isso póde ser uma compensação do que a estado vae dar.

Mas tudo o que o estado usurpou ao municipio, fica na posse legitima do estado? Quanto vale?

Diz o contrato que se não sabe, porque não se liquidou.

Quanto ao terreno em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, esse foi avaliado. Mas quem o avaliou? O proprio municipio?!

De fórma que o estado resolve-se a dar determinadas propriedades ao municipio de Lisboa, o edificio, a cerca, os terrenos e predios do extincto convento da Esperança. Em troca, o municipio de Lisboa dá ao estado o que? Os terrenos que se diz o estado usurpou, mas que se não avaliaram, que se não sabe, por conseguinte, que valor têem.

O terreno em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, esse avaliou-o o municipio; e o governo nem ao menos se lembrou de mandar um engenheiro corrigir ou verificar aquella avaliação, saber se o preço que a camara municipal de Lisboa dá áquelle terreno é ou não verdadeiro, é ou não exacto!

N'estes termos podia haver contrato entre o estado e o municipio de Lisboa?

Pois é possivel chamar-se isto um contrato bilateral, e não uma cedencia gratuita?

Sabe-se que o estado vae dar terrenos, predios, parte da cerca de um convento, e não se sabe o que recebe em troca,

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porque se allega que o estado fez a usurpação de das e terrenos que a propria camara avaliou, e que ninguem verificou se estava avaliado com exactidão!

Pois isto é possivel?

Pois isto vota-se assim?

Depois de termos passado em revista o luminoso preambulo do contrato feito entre o governo e o municipio de Lisboa, demoremo-nos em analysar as disposições do contrato.

Torno a ler o artigo 1.°

(Leu.)

Nem ao menos se diz o que se concede. É aquillo que se quizer, é aquillo que Deus for servido levar do estado para o municipio.

Pelo contrato a camara fica obrigada a concluir as obras da avenida, que ha de ligar a rua do Duque da Terceira com o largo das Côrtes.

É o unico encargo claramente definido com que fica o municipio de Lisboa por este contrato. Mais nenhum outro.

Segundo o contrato, a camara póde fazer da parte da cerca que não for precisa para a padaria, o que muito bem lhe parecer, vendel-a para edificações como muito bem quizer.

Mas isto é uma boceta de Pandora! D'aqui podem sair todos os benesses e todos os premios!

Emquanto não se estabelecer a padaria, obriga-se o municipio de Lisboa, segundo o contrato, a promover e auxiliar o fabrico e venda de pão pelos preços mais modicos.

Pergunto eu: como é que o municipio de Lisboa promove a venda de pão pelos preços mais modicos, e como é que facilita a venda do pão?

Por outro lado, tambem o governo se obriga a alguma cousa. A obrigação do municipio é estabelecer a padaria, o quando o municipio não cumpra a sua obrigação é que o estado se obriga a alguma cousa.

Obriga-se a que?

A facilitar os meios precisos para acquisição de farinhas emquanto não as poder produzir em moagem do estado.

Mas ninguem sabe o que isto é! Ninguem pôde concluir cousa nenhuma!

Eu suspendo o meu discurso visto o sr. ministro da fazenda...

O sr. Ministro da Fazenda Barros Gomes): - Eu estou ouvindo o que s. exa. está a dizer.

O Orador: - Eu suspendo o meu discurso até s. exa. acabar de fallar com o sr. conde de Castro.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Eu estava dando umas explicações ao sr. relator da commissão.

O Orador: - Eu não sabia que s. exa. era o prelector do sr. relator da commissão. Desde o momento que s. exa. está fazendo a sua prelecção, eu suspendo o meu discurso.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Eu aprecio as cousas de um modo e s. exa. tem o direito de as apreciar como entender.

Eu estava dando esclarecimentos ao sr. relator com respeito ao que v. exa. estava dizendo.

O Orador: - V. exa. estava dando esclarecimentos ao sr. relator; melhor seria porém que os desse á camara. A camara primeiro que tudo. É á camara que v. exa. tem obrigação de dar esses esclarecimentos.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Não me nego a isso.

O Orador: - S. exa. julgava que este contrato passava aqui nos ultimos dias de sessão, atropelladamente, e que seria votado sem discussão de especie alguma.

Está s. exa. completamente enganado.

Felizmente nós temos tempo e muito tempo. As côrtes estão prorogadas até quarta feira, e temos largo ensejo para discutir muita cousa.

Mas continuemos:

"Clausula 3.ª Emquanto não estabelecer padaria propria a camara obriga-se, quando as conveniencias publicas reconhecidas pelo governo o exijam, a promover e auxiliar o fabrico e venda de pão pelos preços mais modicos, facilitando-lhe o governo os meios precisos para acquisição de farinhas emquanto não as póder produzir em moagem do estado."

Não sei como é que o estado ha de facilitar os meios precisos para acquisição de farinhas emquanto não as poder fornecer da sua moagem.

Pergunto: facilita estes meios por algum emprestimo? O governo fica auctorisado a adiantar quaesquer sommas ao municipio de Lisboa? Então, passa assim subrepticiamente uma disposição d'estas, sem que a camara tenha expresso conhecimento d'isso? Então á sombra de um contrato para uma padaria municipal, vae-se auctorisar o governo a fazer desembolsos que saem do thesouro publico, sem clausula de especie alguma e só com os dizeres vagos de que por um lado o municipio ha de promover a venda de pão a preço mais modico, e por outro o estado lhe ha de facilitar os meios para a acquisição de farinhas?!

Todo este contrato é extraordinario desde o preambulo até á ultima das suas clausulas.

4.ª disposição:

"A camara obriga-se mais a concluir no menor espaço de tempo que lhe for possivel as obras da avenida no prolongamento da rua do Duque da Terceira até o largo de S. Bento, conforme o projecto approvado."

É uma cousa curiosa, que n'este contrato a avenida, que se pretende abrir para S. Bento, de tal maneira vem confundida e mesclada com a padaria municipal do convento da Esperança, que por fim o espirito obscurece-se ao ponto de não saber se é da padaria que se trata, se é da avenida.

Em todo o caso o que v. exa. vê é que ha cedencias valiosas feitas ao municipio de Lisboa, cedencias de terrenos, de adiantamentos, de tudo; e que em troca não se sabe quaes são os compromissos, as obrigações que o municipio toma sobre si. Por exemplo: dentro de quanto tempo ha de estar concluida a avenida? Ignora-se. O municipio ha de concluil a, quando lhe for possivel. Ora assim tomo eu todos os compromissos, todas as obrigações, para, quando me for possivel, dar-lhes cumprimento!

V. exa. reconhecerá que tudo isto desdiz completamente do espirito e da letra de um contrato serio.

Quando se marcam obrigações, quando se estipulam deveres de um e de outro lado, evidentemente tem de haver um praso para o cumprimento d'essas obrigações, para a satisfação d'esses deveres.

O que não é admissivel é obrigar-se uma das partes contratantes a cumprir, quando lhe for possivel, aquillo que se estipula. Nunca se viu isto em contrato algum, e é precisamente o que acontece n'este, em referencia á obrigação que o municipio de Lisboa assume de construir a avenida até S. Bento.

Continuemos analysando o contrato.

É inexgotavel, é como a garrafa do Hermann!

(Leu.)

"5.ª Em pagamento, tanto da parte da cerca que não for necessaria para a fabrica de panificação e suas pertenças, como da parte dos predios para a referida avenida, a camara cede ao governo de Sua Magestade:

"1.° A posse e dominio da superficie das vias publicas que o governo tornou e vedou para ampliação da alfandega situadas a leste d'este edificio e denominadas cães da Ribeira Velha, rua das Linheiras e boqueirões dos Funileiros, do Ver o Peso, da Mesa da Fructa, da Moita, da Palha e das Linheiras, medindo uma area total de 4:459 metros quadrados."

Esta cedencia, que faz a camara municipal, é verdadeiramente assombrosa!

Cede mais a camara:

"2.° A posse e dominio da muralha que pelo lado do Tejo limitava o mencionado caes da Ribeira Velha, medindo 160 metros correntes;

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"3.° A posse e dominio do terreno onde actualmente existe uma casa, dependencia da alfandega, situado entre a rua marginal do Tejo e o mesmo rio, em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, o qual terreno mede 208m2,42, e é avaliado, a rasão de 5$581 réis cada metro, em réis 1:161$108."

Como isto se annuncia pomposamente! Parece que de facto a camara municipal cede alguma cousa, mas a verdade é que não cede nada!

A camara cede generosamente, dadivosamente, como um acto de longanimidade muito para agradecer, que nos constitue quasi na obrigação de lhe darmos um voto de louvor, pela maneira piedosa porque procede comnosco!

A camara cede terrenos que o governo tomou, que usurpou, sem reclamação da camara municipal, sem protesto do municipio de Lisboa; sem que ninguem desse por tal!

Pois isto, contra que ninguem reclamava, contra que não havia protesto, que foi acceite como um acto regular de administração, apresenta agora, como a camara vê, esta face curiosa e singela!

Agora vem directamente o municipio de Lisboa e diz: Pois bem, cedo isso ao estado e á nação".

O governo está bem certo de que isto era do municipio de Lisboa? Está certo de que o estado usurpou isto á camara municipal de Lisboa? Está bem certo de que isto effectivamente dá direito á camara municipal de Lisboa a pedir indemnisações?

Se o governo se convence de que a camara tem este direito, não está convencido tambem de que lhe tem dado duplicadamente muitas vezes o valor do que o estado recebeu do municipio de Lisboa?

Pois faz-se um contrato, e nem ao menos o estado tem o direito da contraprova para verificar se este valor hypothetico é exacto, se o calculo está bem feito?

(Leu.)

"§ unico. Quando por effeito das obras do porto de Lisboa, ou por outra qualquer circumstancia, convenha remover do terreno mencionado no n.° 3.° d'esta condição o posto fiscal ali existente, o governo obriga-se a devolver desde logo á camara o mesmo terreno mediante o pagamento do referido preço de 1:161$108 réis, que fica desde já estipulado para essa devolução; ficando outrosim assente e bem claro que pelo governo não poderá ser dada outra applicação diversa da actual á casa ali existente."

Se as obras do porto de Lisboa determinarem a expropriação d'estes terrenos que se diz que eram da camara, e de que o estado toma conta, o governo obriga-se a devolvel-os mediante o pagamento de 1:161$108 réis.

N'essa occasião as expropriações podem valer mais, estes terrenos podem ser expropriados por uma quantia superior, mas qualquer differença já não é para o estado, porque é a camara municipal quem procede á venda.

Tudo isto, sr. presidente, é realmente extraordinario!

(Leu.)

"6.º A parte da cerca que não for necessaria para a fabrica de panificação ou suas pertenças e que é cedida em pagamento dos terrenos e da muralha a que se refere a condição antecedente, poderá ser pela camara destinada ao fim que melhor entender, ou vendida para edificações particulares, num ou mais lotes, entrando o seu producto nos cofres municipaes como receita ordinaria."

Peço toda a attenção da camara para esta clausula que é verdadeiramente extraordinaria!

Depois de feita a avenida e aberta a padaria, os terrenos sobejos póde a camara, ou destinal-os ao fim que entender ou vendel-os, entrando o producto nos cofres municipaes como receita ordinaria!

Diz-se no contrato que o municipio cede, que o municipio dá, mas o certo é que se não sabe o valor d'essas cedencias, o certo é que o estado é quem faz concessões a troco de uma cousa que é um ponto de interrogação.

Isto não é já para a avenida, não é já para a padaria municipal, é para o municipio comprar e vender, é para especular, e para ganhar, é para que o producto d'esses terrenos entre nos cofres do municipio como receita ordinaria.

E tudo isto se faz á sombra da lei dos cereaes, pretextando um beneficio e um goso publico, como são a creação de uma fabrica de panificação e a abertura de uma avenida!

Assim, a troco de cousas vagas, dá-se ao municipio um presente para que elle ganhe, para que elle especule, para que elle lucre!

Ora, quando o governo quizer fazer d'estes presentes ao municipio, apresente claramente o seu intento, traga-nos uma lei em que a sua intenção se patenteie.

Contratos d'estes, não se apresentam, assim, á ultima hora, com a idéa de que elles passem sem impugnação.

Não são mesmo dignos de um governo serio e que se prese.

O contrato, cede, não me canso de o repetir, terrenos e propriedades importantes ao municipio, em troca de que?

De nada!

Não póde ser!

Vamos á cupula d'este edificio.

Diz a condição 7.º do contrato:

(Leu.)

"O presente contrato não se considerará definitivo sem ter sido approvado pela camara municipal e posteriormente approvado por lei; mas sendo urgentes as obras que pelas condições 2.ª e 4.ª a camara se obriga a fazer, ser-lhe-ha dada immediatamente á assignatura d'este contrato a posse dos bens que lhe são concedidos pela condição l.ª e a camara poderá começar desde logo as mencionadas obras."

Note a camara que este contrato, que eu acabo de explicar e desenvolver, fica dependente, para a sua validade, de ser approvado por uma lei.

Mas desde que por esta condição do contrato se dá á camara municipal a posse immediata dos bens que lhe são concedidos, então a sua approvação é uma formula desnecessaria que se invoca e não uma clausula seria, uma condição que se imponha.

Sr. presidente, supponhamos que o parlamento achava, como eu acho, que este contrato era mau, que não era franco nem claro, n'uma palavra, não era serio, e que o rejeitava: sabe a camara o que acontecia?

Acontecia que o governo teria de indemnisar a camara municipal de todas as despezas que inutilmente houvesse feito com as obras preceituadas na condição 2.ª

Dil-o a clausula 8.ª:

(Leu.)

"No caso de faltar qualquer das approvações a que se refere a condição antecedente, ou quando por qualquer outra circumstancia este contrato não possa tornar-se definitivo, o governo indemnisará a camara de todas as despezas que inutilmente tiver feito com as obras preceituadas na condição 2.ª"

De maneira que, se nós hoje, no plenissimo uso das nossas attribuições, no exercicio augusto dos nossos direitos, entendermos que este contrato não merece approvação, podemos rejeital-o, é certo, mas no dia seguinte o governo ha de indemnisar a camara!...

Ora, sr. presidente, contratos d'estes não se fazem, mas ainda quando se fizessem era sob a responsabilidade individual de quem os fizesse.

Pois, faz-se um contrato que não póde subsistir só por si, que é necessario, para que seja valido, que uma lei o approve, e dá-se a posse d'aquillo que só se podia conceder por lei antes d'essa mesma lei ser votada! E se porventura não for approvada, se as camaras não o votarem, como de direito assiste ao parlamento fazel-o, ha de ser a camara municipal indemnisada das despezas que houverem sido feitas!

Sr. presidente eu cheguei ao fim do contrato, e per-

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gunto á camara conscienciosamente, imparcialmente se ella acha que este contrato deve merecer a sua approvação, ou se porventura entende que contratos d'esta ordem devem ser estigmatisados com uma censura parlamentar para quem saiu fóra das attribuições que lhe competiam, como depositario do poder executivo, tomando compromissos, e assumindo responsabilidades dependentes de uma lei, como se essa lei já existisse, com effeitos immediatos, com indemnisações, como se o parlamento já tivesse approvado esse contrato?

Sr. presidente, eu expuz os factos á camara. A camara acha tudo isto bom? Eu estou persuadido que acha, por que a camara achou bom o projecto de Leixões-Salamanca, e isto por uma rasão unica, porque eu o acho detestavel, e a nossa divergencia é tão completa em assumptos de administração, que quando eu reputo que um acto é perigoso, é nefasto, é grave, ou mais ainda do que isso, a camara acha-o mais do que bom, acha-o mais do que excellente, acha digno de galardão quem o praticou.

A camara vota, tem a maior confiança no governo, póde votar, e vote muito embora, que eu continuarei a rejeitar contratos d'esta ordem.

Por agora tenho dito.

(O digno par não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, tratarei de responder ás observações apresentadas pelo digno par o sr. Hintze Ribeiro, sobre o projecto que está em discussão, resposta que não poderá ser tão completa como eu desejava, porque s. exa. não me deixou acabar de ouvir a prelecção que me estava fazendo o sr. ministro, e a este respeito devo notar que, embora s. exa. se possa desculpar com o seu temperamento um pouco violento, chegando ás vezes a ter uns assomos de colerico, seria bom que tomasse o exemplo d'aquelle que o precedeu n'essa posição aliás elevada que s. exa. hoje occupa.

Eu combati aqui e na outra camara, por muitas vezes, o sr. Fontes Pereira de Mello, e admirei sempre n'elle a grande qualidade que tinha, mesmo nos momentos em que a paixão politica mais o podia dominar, de responder ao seu adversario com a maior delicadeza e urbanidade.

Sr. presidente, estranhou-se que o projecto entrasse hoje em discussão, mas sobre este ponto devo observar que, tendo sido o projecto distribuido ha dois dias por casa dos dignos pares, e estando dado para ordem do dia, não me parece que haja motivo para qualquer reparo. E demais a mais o projecto contem um só artigo e um simples contrato, que poderia ser lido em poucos minutos. Não se pôde, pois, dizer que não houve tempo para o estudar.

Agora notarei que me causou verdadeiramente espanto, e não foi pequeno, o modo severo, severissimo mesmo, como o digno par sr. Hintz Ribeiro censurou as diversas disposições do contrato, classificando-o de extraordinario e até de pouco serio!

Ora, como a camara sabe, quando se celebrou a escriptura d'este contrato no Ministerio das obras publicas esteve presente, não digo já um dos ajudantes do procurador geisal da corôa, mas o proprio procurador geral da corôa, o sr. Antonio Cardoso Avelino, mas é tal o sestro da opposição, n'estes ultimos dias de sessão, que para guerrear o governo, coimo já o fez em outros projectos, e ameaça fazer relativamente a um que está para ser discutido, não poupa sequer os proprios amigos e correligionarios, e chega a dizer que não é serio um contrato em que se encontre o nome do sr. Avelino.

Pois o sr. Cardoso Avelino, caracter respeitavel, homem sabedor, como poucos, da sciencia do direito, e muito conhecedor da nossa legislação, esteve presente na occasião de se celebrar o contrato, e não mo consta que fizesse qualquer reclamação com respeito ás disposições do mesmo contrato.

O sr. Hintze Ribeiro: - Apoiado.

O Orador: - O digno par, como ministro que foi das obras publicas, deve saber que o procurador geral da corôa assiste a estes contratos com o fim de ver se n'elles ha alguma disposição que contrarie as leis existentes, isto é, alguma disposição que não seja legal. E se o contrato é, como diz o digno par, monstruoso, n'esse caso peço a devida responsabilidade para o sr. Cardoso Avelino.

0 sr. Hintze Ribeiro: - Não tem nenhuma.

0 Orador: - Então para que esteve presente o procurador geral da corôa?

Muito me admiro de que o digno par diga que o procurador geral da corôa não tem responsabilidade nenhuma...

(Interrupção do digno par sr. Hintze Ribeiro, que não se ouviu.)

Mas o digno par combateu tambem o contrato nas suas formulas.

Diz o digno par que não comprehende como a proposta de lei de 19 de julho de 1889, que é a lei que votámos o anno passado, relativa á importação de cereaes, se fez este contrato, que se contem algumas disposições concernentes a essa lei, comprehende comtudo, outras que lhe são inteiramente estranhas. Effectivamente, nas disposições d'este contrato ha algumas que têem menos directa relação com a mencionada lei, mas se é certo que á camara se fazem umas determinadas concessões de terrenos, tambem é verdade que ella está construindo a avenida que ha de ligar a rua Vinte e Quatro de Julho com o largo de S. Bento, avenida importante, e que estava ha muito tempo para se fazer.

Mas ha mais, sr. presidente, não repugna nada, absolutamente nada, a cedencia que n'este projecto se approva, quando se vê que este contrato é o complemento natural do que se dispoz na lei de 1888 sobre cereaes, ácerca da creação de padarias municipaes, e quando a necessidade d'essa creação ainda mais se accentua hoje desde que este anno passou a ultima lei sobre o mesmo assumpto.

Essas padarias devem ser um correctivo para a eventualidade de um preço mais alto do pão, exigido pelos padeiros.

N'essas duas leis quiz-se dar protecção á agricultura, tendo-se, porém, ao mesmo tempo em consideração os interesses dos moageiros, e principalmente os do consumidor.

Ora, para isto, e como poderia até sobrevir uma grev dos padeiros, convem muito que o governo esteja armado com os meios de lhe obviar, e n'este intuito torna-se necessario que promptamente se estabeleçam as padarias municipaes.

O digno par, sr. presidente, fez uma analyse minuciosa do contrato provisorio, que este projecto, sendo convertido em lei, vae tornar effectivo.

O sr. Hintze Ribeiro fez uma analyse longa, e longos costumam ser nas suas dissertações os homens estudiosos, qualidade que reconheço e aprecio no digno par; mas dá-se o facto de que na sua febre de combater o governo, impugnava um artigo do contrato por ver n'elle uma desvantagem, e logo passava a impugnar o immediato, onde vinha exactamente a compensação para essa desvantagem.

Vamos a ver, porém, se é exacto o que s. exa. disse do contrato, se é certo que a camara municipal recebe tudo não dá nada, ou se, ao contrario, o governo tem no contrato grandes compensações.

Perguntou o digno par como é que o governo tem a certeza de que os terrenos, de que tem estado de posse, pertencem á camara municipal de Lisboa, como é que o governo tem continuado na posse d'elles, se não entende que de sobejo os tem pago, e desde quando data essa posse?

O que eu posso, pelo menos, desde já responder ao digno par é que tenho idéa de que os terrenos da Ribeira Velha, que vão da alfandega até ao caes de Santarem,

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SESSÃO DE 8 DE JULHO DE 1889 741

estão na posse do governo desde o ultimo ministerio a que pertenceu o sr. Hintze Ribeiro.

E estimo que estejam presentes os dignos pares, o sr. Pereira de Miranda e o sr. Antonio de Serpa, para invocar o seu testemunho.

Em todo o caso, estava no ministerio o digno par o sr. Hintze Ribeiro, e lembro-me de que combatendo eu o gabinete de que s. exa. fazia parte como ministro da fazenda, vim aqui em 1880 propor um bill de indemnidade ao governo, por isso que s. exa. tinha por meio de um decreto auctorisado a despeza com aquellas obras da alfandega, levantando para esse effeito approximadamente réis 300:000$000.

Achei então regular propor um additamento, quando se discutia o orçamento do estado, para que o governo fosse relevado de ter mandado proceder a essas obras apenas por meio de um decreto.

Acrescentou mais o digno par que nós não sabemos quaes são esses valores que o governo dá á camara municipal, que não está ainda liquidado o que a mesma camara concede ao governo, e que apenas está apurado, mas arbitrariamente, o valor do terreno na margem do Tejo, em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho.

A este respeito devo dizer a s. exa. que a camara municipal calculou o valor desse terreno em 5$Õ91 réis o metro quadrado, como se vê do n.° 3.° da clausula 5.ª

E se isto se fez de accordo entre o governo e a camara municipal, parece-me que realmente os interesses do estado foram neste caso convenientemente zelados, attendendo a que o valor d'esses terrenos marginaes fora calculado aqui, por occasião de se discutir o projecto para a construcção do porto de Lisboa, em 10$000 réis o metro quadrado.

Entendo, portanto, que o estado não foi lesado por este accordo com a camara municipal.

Observou tambem o digno par que n'este projecto só via favores feitos á camara municipal, e que os interesses da nação, que nós deviamos defender, tinham sido abandonados. Foi isto o que deprehendi do discurso de s. exa. Todavia, examinando eu este contrato, parece-me que ha ainda mais vantagens para o governo do que para a camara municipal. O governo está de posse de todos esses terrenos que vem mencionados na clausula 5.ª

Mas póde o digno par contestar á camara municipal, não só o direito que ella tem a esses terrenos, mas ainda o direito que ella teria a exigir do governo a indemnisação correspondente á expropriação d'esses terrenos? Parece-me que não.

Esta é uma das compensações que dá a camara municipal. Como compensação concede ella esses terrenos ao governo, o que quer dizer que vae dar ao governo um direito determinado, certo e positivo sobre aquelles terrenos, de que até agora elle apenas tinha a posse, naturalmente em virtude do accordo feito pela camara municipal, accordo que se realisou, segundo presumo, durante a administração do digno par, o sr. Hintze Ribeiro.

(Interrupção que não se percebeu.)

Eram terrenos que tinham muitas edificações que depois foram demolidas. Ora, sr. presidente, sejamos um pouco mais patriotas, e não façamos tão pouco dos interesses do municipio.

Supponhamos, porem, que este contrato era effectivamente mais vantajoso para o municipio do que para o estado. Acaso s. exa. prefere a isto a antiga e continuada pratica de se approvarem aqui annualmente subsidios para a camara municipal de Lisboa, como acontecia no tempo do governo regenerador?

Se nós, por um accordo que não tem nada de leonino, em que se estabelecem vantagens de uma e de outra parte, podemos favorecer os interesses da camara, para que havemos de recusar-lhe o nosso voto? Parece-me que não seria esse um acto de boa administração.

O digno par analysou e igualmente censurou a condição 7.ª que diz:

"O presente contrato não se considerará definitivo sem ter sido approvado pela camara municipal e posteriormente approvado por lei; mas sendo urgentes as obras que pelas condições 2.ª e 4.ª a camara se obriga a fazer, ser-lhe-ha dada immediatamente á assignatura d'este contrato a posso dos bens que lhe são concedidos pela condição l.ª, e a camara poderá começar desde logo as mencionadas obras."

É claro que para esta disposição havia então uma rasão muito forte de salvação publica, se póde dizer, qual era a necessidade do immediato estabelecimento da padaria municipal, e em relação á abertura da avenida havia tambem o interesse publico, e não resultar mal algum de que se fosse dar a posse provisoria d'esses bens. Escusava portanto s. exa. de se precipitar, e antes deveria ter lido a condição 8.ª, em que se dispõe o seguinte:

"No caso de faltar qualquer das approvações a que se refere a condição antecedente, ou por qualquer outra circumstancia, este contrato não possa tornar-se definitivo, o governo indemnisará a camara de todas as despezas que inutilmente tiver feito com as obras preceituadas na condição 7.ª"

N'esta condição, pois, teria o digno par a resposta ás objecções que poz á condição antecedente. Mas a verdade é que as obras que lá se teem feito, desde que se celebrou o contrato, teem sido apenas algumas obras de demolição, e assim, no caso da indemnisação, não seria avultada aquella que o estado teria de dar á camara municipal.

Nada mais direi, sr. presidente, a este respeito. Muitas das lacunas que se hão de encontrar na resposta que dei ao digno par, serão preenchidas pelo illustre ministro da fazenda, que prestará por certo mais completos esclarecimentos a s. exa.

O sr. Ministro da Fazenda e dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - O digno par, sr. conde de Castro, defendeu o projecto com aquella proficiencia de que mais de uma vez tem dado provas, quando se encarrega de trabalhos d'esta natureza. O facto que eu ia explicar a s. exa., quando fallava o sr. Hintze Ribeiro, referia-se a um incidente de administração, de que o sr. conde de Castro não podia ter conhecimento, porque se passara no interior do meu gabinete; era sobre as negociações que eu tinha tido com a camara municipal de Lisboa para lhe vender as farinhas que mais tarde foram vendidas a varias firmas.

Aqui está o que o sr. conde de Castro não sabia. S. exa. não precisa de attestados que eu lhe passe da sua proficiencia em variados assumptos, porque tem dado sobejas provas d'isso na sua larga carreira publica, e todas as vezes que usa da palavra no parlamento.

Não era prelecção que eu estivesse fazendo particularmente a s. exa.; tratava apenas de fornecer um esclarecimento em vantagem da discussão.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Hintze Ribeiro: - Se os esclarecimentos sobre as farinhas eram tão importantes, por que rasão o sr. ministro da fazenda, que usou agora da palavra não os deu á camara?

Pois não é uma crueldade reserval-os unicamente para o sr. conde de Castro?

Dê-nos o sr. ministro esses esclarecimentos, que podem trazer vantagem á discussão, e determinar o nosso voto consciencioso.

Tenha o sr. ministro da fazenda paciencia, e diga-nos aquillo que nós desejamos ouvir, a não ser que essas revelações sejam apenas para o sr. conde de Castro.

Mas, não, não póde ser, s. exa. não póde reservar para o sr. conde de Castro aquillo que deve ser do dominio de toda a camara; s. exa., logo que se trata de um assumpto publico, não póde remetter-se ao silencio.

Venham os esclarecimentos, é a camara os apreciará, e

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742 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

venham as respostas ás minhas perguntas que hei de claramente formular. Eu creio que s. exa. não deixará de cumprir os seus deveres de ministro, dando á camara as explicações que ella exige.

Agora começarei a responder ao sr. conde de Castro, e deixarei as minhas perguntas especiaes e directas ao governo para a ultima parte da minha replica. Estou seguro que o sr. ministro da fazenda não deixará encerrar o debate sem me responder.

Primeiro que tudo, permitta-me o sr. conde de Castro que eu lhe diga uma cousa, e é que, para com s. exa., não tenho animo colerico.

Uso ás vezes de vehemencia, mas para com s. exa. sou sempre complacente, direi mais, sou sempre de uma benegnidade inacreditavel.

O sr. conde de Castro lembrou-me as minhas responsabilidades, corrigiu as minhas invectivas, os meus desmandos de palavra, e eu, em vez de assumir um ar carrancudo, feroz, sorrio complacentemente.

Não ha resistir-lhe! O que quer a camara?!

O sr. conde de Castro, com o seu ar paternal, dá-me conselhos e exhortações, e quando s. exa. se dirige a mim com tanto affabilidade, com tanta benevolencia, todo o meu ardor, toda a minha vehemencia contra o governo caem por terra. O sr. conde de Castro, admitte em geral, em materia de paixão politica e ardor partidario, a vehemencia os desmandos de linguagem, mas, quando se trata de mim, da minha humilissima pessoa, s. exa. põe de parte os seus deveres politicos, e leva o sacrificio até á abnegação para só se lembrar do meu futuro, para me dizer que Fontes, o grande, esse homem distinctissimo, que tinha a linha aprumada e o espirito correcto, nunca recorria aos desmandos de palavra.

O sr. Henrique de Macedo: - Apoiado.

O Orador: - É curioso que sejam os meus adversarios politicos queimais se sintam preoccupados com o meu procedimento! É de estranhar que sejam elles que lastimem o trilho errado que percorro e que me incitem a percorrer um caminho differente!

Elles, no seu affecto á minha pessoa, querendo attenuar os effeitos da minha vehemencia, chamam-me novo e levam essa impetuosidade á conta do meu ardor juvenil.

Para valerem á minha situação falsa, a todos os expedientes se recorrem.

Ora, eu agradeço, mas não estou resolvido a acceitar, porque, se nós formos aos precedentes, se invocarmos a historia, se folhearmos o archivo da camara, veremos o que foi Fontes, o grande, em differentes epochas da nossa historia politica, menos graves do que a da agora.

E se considerarmos a aspereza de linguagem com que elle aqui verberou actos que em sua consciencia não applaudia, o ponto até onde ia a sua palavra fluente e energica na apreciação de medidas que elle julgava damnosas para o bem publico, sem que uma só palavra contradisseste o que elle houvera affirmado, por que elle sempre combateu franca e lealmente; se considerarmos tudo isto, veremos que eu, que não sou Fontes, o grande, posso inspirar-me em seus exemplos, tomando um certo calor quando aprecie algumas providencias com que não sympathiso.

E não recordemos o que fez tanta vez o sr. José Luciano de Castro, que tambem não é Fontes, o grande! Não recordemos o que seus labios proferiram, que linguagem empregou para o menos correctamente possivel verberar os caracteres mais nobres, os caracteres mais dignos, e que se acham acima de qualquer suspeição!

Deixemos isso, que melhor é.

Agora, para o sr. conde de Castro, a minha mais benévola amisade e as minhas mais doces palavras.

Lamento simplesmente que s. exa. não me haja respondido, porque, francamente, diga s. exa.: respondeu a tudo quanto eu disse? Com a mão na sua consciencia, acha s. exa. que me respondeu? Eu estou convencido de que não.

Ninguem na camara, que me tenha ouvido e ouvisse depois o digno par o sr. conde de Castro, se terá convencido de que s. exa. me respondeu. Tudo, menos isso.

Mas, eu sou mais largo no meu proceder, mais rasgado; e tanto, que e" é que lhe vou responder, porque não quero que s. exa. sinta a mágua funda que eu tive, ao ficar sem resposta sua.

O sr. Conde de Castro: - S. exa. escusa de me fazer d'esses favores, que eu não estou disposto a acceitar-lh'os. Faça s. exa. as suas reflexões, dirigindo-se á camara, e escusa de se dirigir a mim especialmente.

O Orador: - Mas eu estou no meu direito, e em conformidade com os usos parlamentares, dirigindo-me a v. exa. n'esta occasião, por isso que v. exa. é o relator d'este projecto de lei. Assim como v. exa., n'essa qualidade, tem obrigação de responder á argumentação e ás perguntas que se dirigem ácerca do projecto. Alem d'isso, quando v. exa., em vez de responder cabalmente, se tem limitado a fazer advertencias sobre a maneira de discutir, teia obrigação d(c) ouvir as réplicas necessarias.

O sr. Conde de Castro: - D'essa maneira, não. E demais, o que eu disse foi que s. exa. não tinha discutido correctamente.

Bem sei que sou relator do projecto, e ás duvidas que sobre as suas disposições me forem dirigidas tenho obrigação de responder, e estou prompto a fazel-o. O que eu, porém, não admitto é a maneira por que s. exa. tem estado a dirigir-se a mim.

0 Orador: - Bem, ponhamos ponto n'isto, que é o melhor.

Pois, quanto ao projecto, dizia eu que os termos da lei de 1888 o não justificavam. Acrescento ainda que se não póde argumentar com uma lei, quando ella já foi consideravelmente alterada.

Sustentava que n'este contrato não foram observadas as praxes legaes.

Quanto aos terrenos, de que o estado está de posse, disse o digno par que esse facto data de quando eu era ministro.

Ora, a isto tenho eu que responder ao digno par que s. exa. saberá muito de tudo, mas do que se passou no tempo em que eu era ministro sei eu mais do que s. exa.

O que eu fiz como ministro n'essa epocha é inteiramente indiferente para o caso.

O que eu pergunto, e o sr. ministro da fazenda ha de me responder, é se effectivamente ha terrenos da camara municipal de Lisboa de que o estado tornou posse indevidamente, se tem continuado n'essa posse desde 1883 até ao presente, e se é certo que, por este facto, tenha que dar indemnisação?

Como é que isso se fez?

Por virtude de que actos?

Pelo que toca ao sr. conde de Castro dizer-me que é em resultado de uma portaria, quando eu disse que foi uma usurpação, parece impossivel.

Então uma usurpação faz-se por uma portaria?

O sr. Conde de Castro: - O que eu disse é que s. exa. tinha levantado approximadamente 300:000$000 réis sem auctorisação, que por mais de uma vez lhe pedi que apresentasse um bill de indemnidade, e que s. exa. nunca o fez.

O Orador: - Mas o que tem isso com o projecto que está em discussão?

Supponhamos que errei, que commetti um acto que merecia um bill de indemnidade e que devia merecer a reprovado do digno par, isto não tem nada com a usurpação dos terrenos, e é contra ella que me revolto, e s. exa. não me deu una resposta.

Depois diz s. exa. que o estado não foi muito prejudicado n'este contrato, porque o estado paga a 5$800 réis

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por metro quadrado de terreno que mais tarde póde vender para as obras do porto de Lisboa a 10$000 réis.

S. exa. não attentou bem nas condições do contrato, porque n'uma d'ellas se diz que em os terrenos chegando a 10$000 réis, a differença não é para o estado, é para o municipio.

Depois argumentava s. exa.: mas sejamos mais patriotas, supponhâmos que o contrato não é com o municipio de Lisboa, e supponhamos que é bom: um pouco mais de patriotismo.

Então o estado dá ao municipio o que pertence ao thesouro, e isto chama-se patriotismo?

Eu não o comprehendo assina.

Não comprehendo que seja patriotismo alienar do patrimonio da nação aquillo que é da nação.

Depois disse s. exa.: se não era melhor proceder assim do que pela maneira como se procedia no tempo da administração regeneradora, dando subsidios todos os annos á camara municipal?

Pois isto é uma resposta?

Pois quando é que se beneficiou a camara municipal?

Quando é que lhe foram concedidos subsidios todos os annos?

Foi no tempo da administração regeneradora?

Pobre municipio de Lisboa! e tão pobre estava elle então, que até luctava com bastantes dificuldades para poder subsistir!

N'esse tempo a camara municipal de Lisboa era alvo de todas as accusações, apesar de que, sem subsidio do estado e sem uma dadiva como esta que este contrato lhe dispensa, fez os paços do municipio e deu começo á avenida da Liberdade!

Agora, se vamos a presentes e subsidios, não ternos que folhear a historia da administração regeneradora, mas sim a da administração progressista.

Quaes são os subsidios que já este anno têem sido dados ao municipio de Lisboa?

Então s. exa. não sabe que na lei de meios do anno passado demos ao municipio de Lisboa uma parte do producto do imposto sobre os predios novos construidos dentro da capital, quando isso era uma receita do estado? Não cedemos nós uma parte da cobrança desse imposto, que era um imposto geral, para o dar ao municipio de Lisboa?

Então não sabe s. exa. que ainda este anno, na lei de meios, nós demos 100:000$000 réis ao municipio de Lisboa por uma liquidação que nunca se chegou a fazer, por umas contas que se liquidaram com esta cedencia?

Não sabe s. exa. mais que na lei de meios d'este mesmo anno nós cedemos para o municipio de Lisboa todo o excedente do imposto do consumo alem do producto do imposto relativo a 1887-1888?

Ignora s. exa. que esse excedente representa em relação a esse anno cerca de 600:000$000 réis, e que é uma receita que cresce, um reddito que augmenta, e, portanto, um subsidio que se engrossa?

E vem s. exa. fallar nos subsidios dados pela administração regeneradora ao municipio de Lisboa, e deixa no esquecimento que tem sido este governo que tem dado todos estes subsidios e que tem acudido tão largamente ás necessidades do municipio!

E que o fizesse, vá. E que o fizesse claramente, e que o fizesse publicamente, com conhecimento de todos, vá, mas que o fizesse por meio de um contrato d'esta natureza é que não póde ser nem é proprio do governo.

Depois s. exa. appellava para o sentimentalismo, para o meu coração bem formado, para os meus sentimentos de compaixão.

Pois então, nem perante a perspectiva, nem perante a possibilidade de uma fome que sobrevenha, deixa o digno par, dizia o sr. conde de Castro, de oppor-se a que se estabeleça uma padaria municipal!

Eu, francamente, não tenho um coração de ferro, não tenho um espirito indomavel, não sou cru, e tambem me apavoro em vendo a fome; mas realmente a fome vem deslocada para a discussão d'este projecto. A fome não tem nada com as dadivas feitas ao municipio de Lisboa, nem com a abertura de avenidas, nem com estes ganhositos que a camara vae tirar com a compra e venda dos terrenos.

Creia o digno par que toda a sua resposta só decifrou n'isto.

S. exa. tem um largo conhecimento do projecto, mas o que sabe guarda-o para si e não o diz a ninguem.

Disse s. exa.: "Mas o procurador geral da corôa, que é uma capacidade, um homem illustrado, uma auctoridade inconcussa e um amigo de mira proprio, o procurador da corôa firmou com o seu nome este contrato".

Ora, pergunto eu: qual é a responsabilidade do procurador geral da corôa n'este assumpto?

Pois o procurador geral da corôa intervem nos actos de administração do governo, nos compromissos que elle toma, nos contratos que elle faz com a camara municipal?

Evidentemente que não.

O procurador geral da corôa intervem apenas para ver se a lei foi respeitada.

O procurador geral da corôa, firmando com o seu nome o contrato, garante apenas que esse contrato não vae de encontro aos preceitos legaes já existentes, mas não tem absolutamente responsabilidade alguma pela maior monstruosidade de administração que haja n'esse contrato. E é por isso que este contrato póde ser mau, detestavel, e todavia conter a sua assignatura.

A responsabilidade n'este caso não é do procurador geral da corôa, é do governo exclusivamente; ao governo só é que compete toda a responsabilidade, toda.

O procurador geral da corôa não tem nada com isso. Deixemol-o em paz.

É um mau sestro o da maioria o invocar, para se defender, a auctoridade dos nossos amigos e correligionarios, de homens cujo caracter está acima de toda a suspeita.

Deixemos, pois, em paz o sr. Antonio Cardoso Avelino, pois que não tem nenhuma responsabilidade n'este contrato.

Quem eu não deixo em paz é o sr. ministro da fazenda, porque a sua responsabilidade é directa, é formal, n'este assumpto, e então eu tenho o direito de perguntar a s. exa.: é certo que o estado se acha de posse desde 1883 até agora de terrenos pertencentes ao municipio de Lisboa, nos quaes se fizeram vias publicas, onde se construiu uma muralha de um lado e do outro um posto fiscal?

Como é que isso se fez?

Como é que a posse se tomou?

Houve alguma reclamação por parte do municipio?

Houve algum protesto?

Procedeu-se á avaliação desses terrenos? Passou isso despercebidamente e chegou até hoje sem que o municipio reclamasse, sem que o estado se julgasse no dever de o indemnisar?

Quanto valem esses terrenos sobre que assentam as vias publicas? Quanto vale essa muralha e o terreno em que se estabeleceu o posto fiscal?

E a isto que s. exa. tem de me responder.

N'uma palavra: quanto é que nós devemos, e quanto é que recebemos?

A camara comprehende bem que se trata de um contrato bilateral, e que é indispensavel que nós saibamos de um lado o que devemos, e do outro o que recebemos.

Aqui deixo estas perguntas ao sr. ministro da fazenda. Creio que estou no direito de as fazer, e s. exa. na obrigação de dar as explicações que eu peço e que são necessarias.

Espero ouvir as explicações de s. exa., e, conforme ellas forem, assim eu pedirei ou não novamente a palavra.

(O digno par não reviu as notas d'este discurso.)

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744 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Francisco de Albuquerque (para um requerimento):- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que a sessão se prorogue até se votar o projecto em discussão.

O sr. Vaz Preto: - Isto é uma violencia, isto não póde ser!

O sr. Francisco de Albuquerque: - Eu fiz o meu requerimento no uso do meu direito.

Levantou-se susurro.

O sr. Vaz Preto: - É um escandalo monumental!

O sr. Presidente: - Não posso deixar de consultar a camara sobre o requerimento do sr. Francisco de Albuquerque.

O sr. Vaz Preto: - V. exa. não póde pôr á votação esse requerimento, porque a hora já deu.

Vozes: - Falta ainda muito para dar a hora.

O sr. Vaz Preto: - O requerimento do sr. Francisco de Albuquerque não póde ser votado, por que a hora já deu. Nós tinhamos uma hora a mais de sessão emquanto não houvesse nova prorogação, mas depois da que houve no sabbado era necessario tomar-se nova resolução para que as sessões podessem durar até ás seis horas.

Como não se resolveu isso, a sessão deve tornar a fechar-se á hora do costume.

O sr. Presidente: - O que a camara resolveu foi que as sessões, até ao fim da actual legislatura, se fechassem ás seis horas. Eu sou executor das resoluções da camara, e a camara resolve soberanamente.

Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Francisco de Albuquerque, para que a sessão seja prorogada até se votar o projecto que está em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Hintze Ribeiro: - Então o sr. ministro da fazenda não pediu a palavra?!

( Varios ápartes.)

O sr. Thomás Ribeiro: - V. exas. têem muita rasão nos seus ápartes, porque é o governo que governa a camara.

O sr. Visconde de Benalcanfor: - Muita condescendencia tem a maioria, em vista da incrivel linguagem que aqui se emprega com referencia ao governo e á maioria.

(Ápartes.)

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que se mantenham na ordem.

Tem a palavra o sr. marquez de Vallada.

O sr. Marquez de Vallada: - A agitação é propria d'estas assembléas.

Sr. presidente, quando os feitos sobem em appellação de uma para outra instancia, o juiz, antes de examinar a questão na parte que se chama de mentis, tem de ver se os prasos foram guardados, se o processo é ordinario ou especial e se foi remettido ás estações competentes; só depois d'isso é que trata de entrar na questão de meritis ou, o que é o mesmo, no fundo da questão.

E porque se faz isto?

As leis têem a sua rasão de ser, teem o seu fundamento, e quando elle se destroe, destroe-se tambem toda a rasão, toda a justiça.

É momentoso o assumpto de que nos occupâmos e, portanto, as irregularidades...

(Apartes.)

O sr. Presidente: - Peço aos dignos pares que occupem os seus logares, e que deixem o orador continuar.

O Orador: - Eu sei esperar. Creio que o saber esperar é uma sciencia necessaria, sobretudo na politica.

O grande dever do politico é attentar bem á hora que soa e á brisa que sopra.

Quando se desencadeia uma tempestade, quando as ondas encapeitadas por vento forte ameaçam afundar o pobre baixel, é necessario que o nauta use de toda a prudencia, de toda a moderação, que meça bem o perigo para poder applicar-lhe remedio salutar.

Vejo offendida a santidade dos principios, e é a sua integridade que eu quero ver mantida em toda a plenitude.

Se as edificações materiaes assentam em solidas fundações, é na santidade dos principios que repousa essencialmente o progresso moral dos povos.

Pergunto aos juizes, diante dos quaes tenho a honra de fallar: para que servem as leis civis, para que servem as leis do processo?

Nós temos um codigo criminal, e temos uma novissima reforma judiciaria, novissima apesar de velha.

Faz-me lembrar isto uma herdade que ha no Alemtejo e que se chama A sempre nova.

Ainda hoje creio, se chama A sempre nova, mas foi assim cognominada ha muitos annos, no tempo do primeiro duque de Bragança.

È preciso reformar as leis que a pratica tenha demonstrado que são defeituosas, mas reformal-as de fórma, não a satisfazer este ou aquelle individuo, mas a satisfazer a sociedade, isto é, deve alliar-se o respeito das fórmas com o respeito da justiça.

Os dignos pares sabem que eu tenho erguido muitas vezes a minha voz para defender o grande principio da justiça.

É necessario fiscalisar os actos dos homens que interferem na administração publica, e é este um dos grandes beneficios do systema representativo.

É necessario estabelecer uma racional igualdade, e é necessario extirpar o despotismo, porque felizmente vae longe o tempo das classes privilegiadas.

A camara sabe perfeitamente o que o terceiro estado dizia aos nobres: Vós absorveis tudo, mas tomae cuidado, que nós tomaremos contas do vosso proceder.

O povo tem muitas vezes gritado contra os fidalgos; mas hoje todos querem ser fidalgos.

É necessario manter intacto o principio da auctoridade, tantas vezes invocado pelo sr. presidente do conselho.

Está em moda invocar o principio da auctoridade, mas não está em moda respeital-o.

Ainda na questão dos vinhos eu ouvi o sr. presidente do conselho dizer que respondera aos commerciantes do Porto...

(Interrupção que não foi ouvida na tachygraphia.)

Sim, sim. Os commerciantes comprehenderam que quem insiste é quem ganha; por isso foi que os commerciantes do Porto insistiram e venceram, porque mostraram a sua força.

Não se deve, porém, transigir com ambições, com a cobiça, com a ganancia, mas só com as aspirações que sejam justas.

Em saber fazer a destrinça entre a justiça e o interesse, é que consiste a habilidade dos homens publicos, cujos actos ficam inscriptos na historia dos povos em caracteres de sangue ou em letras de oiro.

Foram os ministros creados para os povos e não os povos para os ministros. Os governos são para a salvaguarda dos interesses das nações e não para n'ellas estabelecerem a anarchia.

Tambem, e parodiando eu uma passagem da Biblia, esse livro nunca velho, direi: "Guardae-vos das camaras municipaes".

Tenho lido muita vez a historia de França e estudado, não para recreio, mas para retemperar-me, esses tristes episodios sangrentos, esses grandes sacrificios e massacres.

Eu não quero tyrannia, porque sempre tenho sido essencialmente constitucional e liberal; portanto, hei de estar sempre do lado dos direitos do povo.

Quer como cidadão, quer como auctoridade, ou como

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parlamentar, nunca hei de prometter nada ás corporações senão aquillo que seja justo cumprir. Quando fui auctoridade sempre assim procedi: nunca lhes dei apoio quando ellas exorbitavam.

Hoje, promette o governo tudo e tudo concede a todos

Exceptua-se só o povo.

Os povos liberaes têem direitos que devem ser respeitados. O povo hoje, porém, está tambem acostumado a que lhe promettam um jardim ameno; mas, quanto a esse, fica tudo em promessas e o que se lhe dá é o calice dos desenganos, das amarguras.

A arvore da liberdade tem certamente dado fructos, mas nem todos os têem colhido igualmente.

Para que ella de a verdadeira felicidade ás nações é preciso que cresça e fructifique á sombra de outra arvore, a da Justiça.

É mister isto para que todos tenham o seu logar no grande banquete da liberdade, da igualdade e da fraternidade.

É fundado n'estes principios que eu sempre tenho combatido.

Sr. presidente, eu fui educado iniciando-me em differentes ramos do saber humano, ao principio por obediencia a meus pães, que já me ensinavam a respeitar as tradições honrosas, sim, mas tambem a que o que mais nobilita um homem não são as honras e direitos herdados, é o trabalho proprio. Mais tarde apaixonei-me pela sciencia, não já por obediencia, mas por comprehender que o estudo e o trabalho eram um dever para todo o homem, eram a fidalguia do espirito.

Sr. presidente, eu tenho visto que os municipios vão tomando posse de muitas propriedades que dizem pertencer-lhes. Tenho visto que elles se apropriam de um terreno qualquer com a maior facilidade e depois dizem que o terreno é seu.

Eu por mais de uma occasião tive ensejo de dizer ao sr. Sampaio que elle chegava a ser fanatico pela descentralisação.

Quando em 1878 se discutiu aqui a reforma administrativa eu tive a honra de tomar a palavra por cinco vezes, e procedi assim porque tinha interesse pelo assumpto de que se tratava. Mesmo na commissão de administração de que eu fazia parte, e tambem segundo me recordo, o sr. Barros e Sá, discuti o assumpto com ardor e com enthusiasmo, e discuti-o assim porque era um assumpto importante de administração.

Agora vejo o desalento que ás vezes apparece como um mau presagio, como um symptoma de grave doença...

O sr. Franzini: - V. exa. não se refere ao projecto em discussão.

A sessão não foi prorogada para se discutir o assumpto que o digno par está tratando.

O sr. Presidente: - Peço ao digno par que não interrompa o orador.

O sr. Franzini: - A sessão não foi prorogada para se tratar de materia estranha ao projecto em discussão.

O Orador: - Não ha maneira nenhuma de me fazer sair do meu socego.

O sr. Presidente: - Continue o digno par o seu discurso, das peço-lhe que o restrinja o mais possivel.

O Orador: - E preciso que as camaras municipaes não abusem de certos poderes que têem tido até hoje. É preciso que não abusem do principio de expropriação por utilidade publica.

Eu já tive occasião de combater aqui durante quasi toda uma sessão, não o principio de expropriação por utilidade publica, mas o excesso d'esse principio.

A sombra da lei pratica-se tudo e sophisma-se tudo.

A expropriação do palacio do marquez de Castello Melhor não foi por utilidade publica, mas sim por utilidade particular.

Sr. presidente, é preciso esmagar todas essas ambições,

É preciso que não se sophisme a lei e que á sua sombra não se pratiquem actos d'esta natureza.

Eu hei de defender sempre este principio. Seja por utilidade publica, mas unicamente por utilidade publica, e não por utilidade particular.

Mas diz-se que a camara municipal de Lisboa tinha perdido uns certos terrenos que tinham sido usurpados pelo governo.

É preciso examinar se essa usurpação póde ser provada.

Os juizes quando teem de julgar precisam de provas, não bastam só allegações.

Mas pergunto: aonde é que estão as provas?

Eu não ouvi ao sr. ministro da fazenda, que muito respeito, nem ao digno par, o sr. conde de Castro, a quem igualmente respeito, uma unica palavra com relação a estas provas.

E por que não existem provas vamos a saber a rasão das cousas.

Ora, uma das rasões da confusão que hoje lavra nos serviços publicos é devida ao estado cahotico em que se encontram os cartorios das repartições.

Não se sabe bem quaes as fontes da riqueza do estado. Precisando eu de uns documentos que se fundam em factos que são do conhecimento de todos, nunca os pude haver, nunca os pude examinar.

Eu pedi, sr. presidente, o inventario de todos os bens que ainda existissem. De casas, fóros e terras a que se chamam bens nacionaes, e o sr. ministro da fazenda de então officiou ao sr. conselheiro José Luciano de Castro, e s. exa., com aquella benevolencia com que sempre me tem tratado, fez-me a honra de me dizer que tinha dado as suas ordens para que esses documentos viessem.

S. exa. deu as suas ordens, é verdade, mas os documentos não estavam lá.

Eu tinha empenho em saber quaes os estabelecimentos que pertenciam ao estado, para em alguns d'elles se alojarem diversas corporações, destinando um para asylo dos filhos dos empregados publicos.

Disse isto na camara, mas os documentos não existiam, não vieram. Os estabelecimentos do estado, onde existem papeis importantissimos, estão n'um cahos, como eu proprio tenho tido occasião de verificar.

Aqui está a rasão por que aquelles documentos a que se referiu e pediu o digno par e meu amigo o sr. conselheiro Hintze Ribeiro, não appareceram.

Nós estamos já habituados a ouvir o povo desconfiar de umas certas liberal idades, em que se falia, porque o que se quer é que as cousas aqui passem depressa, os projectos são votados por procuração. Eu bem sei que muitos actos se praticam por procuração, até se póde por procuração casar, mas a dizer a verdade, votar por procuração, só se votou na junta dos tres estados, e alguns bem contra vontade.

Por todas estas rasões eu desejava que viesse um governo que se occupasse mais de administração do que de politica, porque politica faz-se até de mais.

Eu desejava que se pensasse na nomeação de certos empregados, que fossem conhecedores da administração, da politica e da historia Janto nacional como estrangeira; homens que não pensassem em eleições, assim como pensa o governo, pois que n'outra cousa parece não pensar agora.

Sr. presidente, eu estou fazendo estas observações, porque o meu dever me obriga, e porque o meu direito me assiste.

Não creio que seja agradavel o estar sempre combatendo os actos do governo, mas tenha o governo paciencia que me ha de ouvir, e se os actos que eu condemno fossem praticados pelos meus amigos, se os meus amigos estivessem agora no poder e praticassem actos similhantes, haviam de me aturar, porque eu não me aparto de modo ne-

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nhum dos principios que sempre tenho defendido. Amicus Plato, sed magis amica veritas.

É preciso cuidar do povo, é preciso que os srs. ministros se lembrem de que são tambem do povo.

É preciso pensar no rei para o defender, mas é necessario pensar tambem no povo, porque necessita de defeza.

Estas é que são as grandes idéas liberaes que tenho advogado sempre e hei de continuar a advogar.

Ora, sr. presidente, eu não vejo grande necessidade de votar desde já este projecto.

O sr. ministro da fazenda de certo que ha de dar resposta ás observações que têem sido feitas.

Faço justiça ao seu caracter, mas acima de tudo os principios, e eu não posso deixar passar este precedente sem mostrar os inconvenientes que apresenta, porque ao menos d'este modo talvez que os ministros que vierem não pratiquem actos similhantes.

Eu, despido de facciosismo, e apenas animado da coherencia que tenho sempre mostrado n'estas questões que dizem respeito ás faculdades que o codigo administrativo dá ás camaras municipaes, não posso deixar de mais uma vez lavrar o meu protesto, varrer a minha testada, pedir que se olhe com toda a seriedade para isto, pois que já vae sendo tempo.

As camaras municipaes inventaram um novo modo de administrar. Nil novi sub sole.

Nada ha novo debaixo do sol, mas as cousas transformam se, revivem.

Este systema das camará? municipaes dá péssimos resultados, e eu a este respeito vou citar um facto.

Havia em Setubal um individuo chamado Luiz Passada, o qual mandou ali edificar uma boa casa.

Ninguem podia soffrer que aquelle cavalheiro fosse gastar tanto dinheiro em edificar uma boa propriedade.

Elle expoz a rasão por que assim procedia, e disse: Eu mandei edificar esta casa com o fim não de a alugar, porque a renda será decerto pouco solida, mas porque ha um capitão de navios que desmanchou um navio e eu pedi-lhe a madeira dos mastros; a um negociante de pregos meu amigo, pedi-lhe uma grande porção de pregos. Depois fiz a casa, não gastei muito na mão de obra, e vendi os pregos e a madeira que sobejaram.

Este é exactamente o systema das camaras municipaes: obrigam os governos a fazerem-lhes concessões para depois venderem o resto. Aproveitam-se das margens, que realmente dão margem para muitos negocios.

Parece que o paiz está riquissimo. Temos visto de repente riquezas fabulosas; apparecem por ahi una Crésos ninguem sabe como; provavelmente em consequencia do que sé chamam negociatas. Mas de facto o paiz não está rico. Olho para as contas do thesouro e vejo que o deficit vae sempre augmentando.

Peco aos meus amigos que nunca usem dos mesmos processos que o actual governo tem posto em pratica.

É necessario que o paiz não queira dotar meia duzia de individuos com sacrificio dos outros todos.

Dizia antigamente o partido progressista: Torna-se indispensavel que a par de qualquer despeza que se pretenda fazer, se marque logo a receita com que ha de ser paga. Parecia ser este um dos principios fundamentaes do programma d'esse partido. Ora, eu, a proposito, vou contar outro caso.

Em 1819 havia na freguezia de Santos uma dama de sentimentos piedosos que protegia muito as donzellas. Estava prompta a dar-lhes dotes mais ou menos valiosos, conforme augmentavam ou diminuiam as suas rendas. Depois veiu a constituição de 1820, e essa dama caiu em pobreza; ficou-lhe, porém, o nome de D. Maria dos dotes.

Os governos estão sendo, outras tantas D. Marias dos dotes.

Mas é preciso que a fortuna de quem dá o dote seja licita, seja solida e segura.

O digno par o sr. Hintze Ribeiro pediu explicações e documentos sobre este projecto.

Eu entendo tambem que é necessario conhecermos as rasões em que todo este negocio assenta.

É necessario, sr. presidente, que ponhamos um prego na rocia dos desperdicios; é indispensavel que evitemos os esbanjamentos, palavra que se encontra no moderno diccionario da politica, e que tantas vezes foi invocada pelo partido progressista quando combatia o partido a que eu tenho a honra de pertencer.

Acabemos por uma vez com todos os gastos inuteis e façamos as leis em harmonia com as necessidades publicas e completamente desprendidos de quaesquer conveniencias particulares.

Não sei se ha alguma proposta de adiamento, e, se a não ha, faço-a eu; proposta que considero logica em presença das considerações que tive a honra de submetter á ponderação da camara.

Não quero occupar por mais tempo a attenção dos meus dignos collegas, e affianço-lhes que pedi a palavra no intuito de cumprir o meu dever.

Termino, pedindo ao sr. ministro da fazenda o obsequio de dizer-mo, em resposta ás minhas considerações, aquillo que tiver por mais conveniente.

(O digno par não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda e dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - O digno par o sr. marquez de Vallada apresentou largas considerações sobre o regimen dos municipios, ou sobre as melhores normas por que devem guiar-se estes organismos secundarios da sociedade portugueza.

Não posso acompanhar s. exa. em todas as suas considerações, e só responderei áquellas que se referem ao projecto que se está discutindo.

A concessão de que trata o projecto é igual a muitas outras que esta e a outra camara têem approvado sem a exigencia de esclarecimentos e minuciosas informações, que actualmente se pedem.

Mão quero dizer que seja um bom principio de administração; mas o certo é que o terrenos consignados no projecto são destinados a fins de inconstestavel utilidade publica.

O digno par o sr. Hintze Ribeiro discutiu largamente o assumpto, mas eu devo dizer que se trata apenas de um contrato entre o governo e a camara municipal, e que, de mais a mais, as circumstancias que o motivam não são novas.

Todos nós sabemos que não é de hoje que os governos se têem visto obrigados a prestar auxilio á camara municipal de Lisboa, acrescendo, quanto ás circumstancias presentes, que se estão experimentando as consequencias da lei pela qual o ministerio, de que o digno par fazia parte, deu uma organisação especial ao municipio de Lisboa.

Todos os governos, repito, têem mais ou menos acudido á camara municipal. Quando eu entrei para o ministerio da fazenda em 1879 encontrei um abono feito por s. exa. á camara, na importancia de 223:000$000 réis, por conta de umas avaliações que não se tinham ainda realisado.

Ora, sr. presidente, este projecto não merecia grande discussão. Esta é a verdade. E ninguem com justiça poderá accusar o governo de pretender obrigar o parlamento a votar e discutir á pressa. (Apoiados.)

Quando se tratou do pagamento da divida dos tabacos, o governo deu toda a latitude á discussão e o mesmo succedeu á questão de Leixões-Salamanca. (Apoiados.)

Não se confundam porém, os deveres de cada ura. Não precisa a maioria e tão pouco a minoria, de conselhos; mas é certo que á maioria compete governar (Apoiados.) e a minoria, sem que deixe de exercer os seus direitos, deve, comtudo, proceder de fórma que não impeça completamente as deliberações da camara.

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Limite-se, pois, a isso a minoria e deixe á maioria a responsabilidade das deliberações.

Dito isto, acrescentarei (em resposta ao sr. Hintze Ribeiro) que o que eu digo agora e queria dizer ha pouco ao sr. conde de Castro ácerca das farinhas e de negociações que a tal respeito quiz entabolar com a camara municipal, se resumia á narração das diligencias que empreguei junto da municipalidade para que esta tratasse com os padeiros a manipulação de pão barato para consumo de operarios.

Isto era o que eu queria dizer.

As negociações para o estabelecimento definitivo das padarias não tinham chegado ao seu termo, porque a camara municipal esperava que se sanccionasse o contrato que consta d'este projecto.

Quanto aos terrenos da Ribeira Velha, o governo tinha-os comprado em 1883 á camara para o desenvolvimento da alfandega; mas não se apropriou só do que comprou, por isso que occupou a via publica e muralhas que não estavam comprehendidos na venda. Isto mostra a conveniencia que vem ao governo em ceder para encontro das sommas que a camara tinha direito a exigir do estado pelos terrenos de que este irregularmente estava de posse, incluindo tambem uma porção de terreno em frente do mercado Vinte e Quatro de Julho, conveniencia de ceder, ia eu dizendo, o convento e cerca da Esperança.

Quanto ao valor dos terrenos, a camara avalia-os em 5$581 réis o metro quadrado, o que não é exagerado.

Creio ter dado ao digno par as explicações sufficientes.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, quando eu pedi a palavra foi especialmente para fazer um pedido ao sr. ministro da fazenda e para dar uma explicação á camara.

O pedido ao sr. ministro era para que s. exa., sem demora, se dignasse dar uma resposta ao que lhe perguntara o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

Fazia esse pedido, porque não foi costume nunca, em nenhuma das camara, um ministro, interrogado directamente por um par ou deputado, sobre pontos determinados, em que elle quer baser a sua argumentação, deixar passar os discursos de tres ou quatro oradores antes de responder a essa pergunta.

Agora a explicação á camara.

Quando eu disse á camara que o governo estava governando n'ella, levantaram-se, protestando e como offendidos, alguns cavalheiros da maioria, julgando ver no que eu dizia uma expressão desairosa para a sua independencia. Eu não quiz offender ninguem, nem os dignos pares têem rasão de se offender.

Tel-a-iam se eu, em logar de dizer que o governo estava governando na camara, tivesse dito que elle estava governando nos cavalheiros que compõem a maioria, o que por fórma alguma disse nem pensei dizer, porque seria insultuoso e, de certo, injusto.

Ainda eu deveria ter dito mais; nisso é que não fui correcto. Não só devia ter dito que o governo estava governando na camara, mas tambem que a estava desconsiderando; porque o que se não viu nunca foi um ministro, interpellado directamente por um membro da camara, não lhe responder nem uma palavra.

S. exa. agora já respondeu, mas muito tarde.

Eu vou citar um facto que deve calar muito no animo do sr. ministro.

Quando eu era ministro da marinha e se agitava a questão das "concessões Paiva de Andrada", cheguei á camara dos senhores deputados, e logo o sr. Marianno de Carvalho fez uma serie de quinze ou dezeseis perguntas. Aquelle illustre deputado sentou-se depois á espera da minha resposta.

Nem eu nem nenhum dos meus collegas, apesar de estranharmos que s. exa. não nos desse mais largo espaço para uma resposta meditada e desenvolvida, entendemos que podiamos deixar de responder-lhe.

Vem depois ao poder o partido progressista, e quando um par do reino pede explicações directas, guarda-se o governo para responder quando quizer.

Portanto, peço desculpa das minhas primeiras palavras e substituo-as pelas seguintes: O governo desconsidera a camara dos dignos pares.

Isto digo, e não retirarei estas palavras.

Agora que vi com satisfação que o sr. ministro tinha caído em si, que tinha reparado o mal que praticara, que se tinha portado como quem é, agora formularei apenas algumas perguntas, ligeiramente, porque a camara tem pressa de levantar a sessão.

O digno par, o sr. Francisco de Albuquerque, inventou o que ainda no meu entender não estava inventado.

Na minha ausencia tornou-se a deliberação de se prorogar por mais uma hora as sessões d'esta camara, e agora vejo eu que ha mais uma prorogação supplementar, pelo que as nossas sessões ficarão assim permanentemente prorogadas.

E caso para se dar parabens pela intenção; mas não para dar parabens á camara.

Sr. presidente, cada vez o parlamentarismo está sendo mais desprestigiado; parece que ha o proposito de o aniquilar (Apoiados.) aqui e em outros paizes. Oxalá que o partido progressista, que devia ser o representante das idéas mais avançadas em questões de liberdade, não tenha que arrepender-se do mau caminho em que vae, pelo que toca ao desrespeito das liberdades parlamentares e outras.

Mau caminho, disse eu! O descredito do parlamentarismo já não caminha, precipita-se! O futuro pertence a Deus, mas a responsabilidade do que vier pertence tambem á sociedade e áquelles que a dirigem.

Sr. presidente, não se discute já senão pro forma, não se pede senão pró forma qualquer explicação ao governo, e não se faz outra cousa senão simular que se discute.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Apoiado, apoiado.

O Orador: - Apoiado, apoiado?!

Eu ainda não dei direito a que as palavras do digno par se refiram ao modo como estou fallando.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Eu não me refiro a s. exa.

O Orador: - Pois então s. exas. quando se tratou aqui da questão dos 441:000$000 réis disseram que nós não tinhamos pedido as explicações sufficientes, e agora não querem que se peçam ao menos as explicações necessarias?!

Então n'um dia declaram que nós fazemos mal em não discutir, e n'outro dia vem increpar-nos porque discutimos?!

Peço ao digno par, o sr. Francisco de Albuquerque, o que é facil para s. exa., que proponha que não se discuta mais e se votem todos os projectos que estiverem sobre a mesa.

Porque é que o não faz?

A camara é absoluta.

Mas simular simplesmente que estamos discutindo!

Eu nunca fiz obstruccionismo na minha vida.

O meu maior desejo seria que acabássemos hoje esta discussão, mas no momento em que eu quero discutir, não queira o digno par entrar na minha consciencia, anafando a maneira por que o faço.

O sr. Francisco d'Albuquerque: - S. exa. está enganado emquanto ao que eu disse, porque não me referi a s. exa.. No emtanto, se isso lhe convem para a sua argumentação, está s. exa. no seu direito de continuar.

O Orador: - Deixemos o incidente com o digno par, e vamos ás perguntas que eu desejo fazer ao sr. ministro, ás quaes s. exa. responderá se entender que ellas merecem uma resposta; e no caso contrario ficará registado que

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houve quem perguntasse, mas que não houve quem lhe respondesse.

Tendo de me referir á camara municipal de Lisboa, sinto não ver aqui o seu digno presidente, cavalheiro por quem tenho a maior consideração e respeito, para que s. exa. ouvisse as considerações que vou fazer sobre o contrato.

Supponho, e isto sem querer fazer censura a ninguem, que a camara municipal vae n'um caminho errado; eu supponho que ella se está administrando por fórma que parece estar em permanente bancarota.

A camara municipal hoje parece um estado no estado, e isto não é só de hoje, já vem de longe, e senão vejamos.

Em tempos houve uma commissão especial, uma commissão benemerita, uma commissão patriotica, que tinha por fim o levantar um monumento aos restauradores de 1640. Combinou o seu plano, mandou abrir subscripção no reino e no Rio de Janeiro, onde subscreveram com uma quantia importante, que permittiu construir-se o monumento.

A camara de então concedeu uma parte do Passeio Publico para se erigir ahi o monumento.

Um dia lembrou-se a commissão de pedir ao governo de Portugal, que lhe mandasse fazer uma grade em volta do monumento, e o governo accedeu a este desejo. Pois a camara municipal de Lisboa veiu reclamar contra o procedimento do governo, que lhe queria fazer um obséquio, e que podia questionar se o terreno era da camara ou da commissão.

Sr. presidente, quando as camaras municipaes chegam a este cumulo, demais a mais não tendo dinheiro para sustentar estas basofias, permitta-se-me o termo, em verdade não sei como se possam aturar as suas exigencias continuadas!

O que ponderou o meu amigo o sr. Hintz Ribeiro a respeito dó contrato é aquillo que eu sinto em relação a esse mesmo contrato.

Não repetirei as considerações que s. exa. fez, e a que respondeu, pelo menos em parte o sr. ministro da fazenda.

O meu desejo é formular algumas perguntas e peço ao sr. ministro da fazenda que me responda: sim ou não.

A primeira pergunta é a seguinte: O governo entende subsistente a lei de 19 de julho de 1888?

Escuso de explicar a rasão por que faço esta pergunta.

Não quero que se me responda com novos discursos: desejo unicamente saber se subsiste ou não subsiste a auctorisação, pois que, segundo a resposta que s. exa. me der, assim eu julgarei se o contrato que s. exa. quer que approvemos caducou ou não.

A segunda pergunta é a seguinte:

Como se harmonisam as clausulas 2.ª e 3.ª? Póde pela 3.ª clausula ser dispensado o que está na 2.ª?

Ora eu vou ler estas clausulas, porque não posso deixar de o fazer:

"2.ª A camara obriga-se a estabelecer no mencionado convento e respectiva cerca, rio praso de um anno, uma padaria municipal com todos os seus accessorios e pertences em condições que possa fabricar pelo menos 40:000 kilogrammas de pão por dia.

"3.ª Emquanto não estabelecer padaria propria a camara obriga-se, quando as conveniencias publicas reconhecidas pelo governo o exijam, a promover e auxiliar o fabrico e venda de pão pelos preços mais modicos, facilitando-lhe o governo os meios precisos para acquisição de farinhas emquanto não as poder produzir em moagem do estado."

De modo que na segunda clausula estipula-se claramente que a camara ha de estabelecer dentro de um anno uma padaria municipal, e na 3.ª diz-se que emquanto não se estabelecer a padaria a camara fará os bons serviços que poder.

Pergunto eu: póde por esta 3.ª clausula ser dispensado o praso preciso de um anno que a 2.ª estipula?

Esta é a minha pergunta, e desejo tambem saber se haverá ou não ainda um outro praso.

Terceira pergunta:

Desde quando se conta o praso de um anno estabelecido na clausula 2.ª?

Começa a contar-se o praso de um anno desde a data em que se firmou este contrato que nós temos presente, ou desde a entrega provisoria falta pelo governo á camara do convento da Esperança e terrenos adjacentes, ou, finalmente, desde que seja sanccionada e publicada a lei que approva este contrato?

Eis-aqui tres datas que podem servir, mas qual d'ellas serve é que não está bem explicito n'este projecto.

Desde, quando, pois, começa a contar-se este praso de um anno?

Quarta pergunta:

Desde quando é exigivel a 9.ª clausula?

Esta clausula diz:

"9.ª Se a camara não realisar as obras da padaria municipal no praso e com as condições estipuladas, ou se não der o conveniente adiantamento ás obras da avenida, o edificio, cerca e predios cedidos á mesma camara voltarão á posse do estado para os fins legaes, sendo de conta da camara todas as despezas por ella feitas."

Note o sr. ministro da fazenda, e note a camara, o que diz esta clausula. "Se acaso dentro de um anno (e é por isso que eu preciso fixar a data) se não tiver fundado a padaria, os terrenos e tudo quanto se cedeu á camara volta para a posse do governo".

Quanto á nova avenida, nada direi, porque essa está bastante adiantada. Longe de querer censurar a camara n'este ponto, não posso deixar de a louvar.

A avenida, repito, está bastante adiantada, ainda que eu não sei se será reclame para votarmos quanto antes o projecto.

Agora a ultima pergunta que faço ao nobre ministro é para evitar o mesmo inconveniente que se deu com o pagamento da divida aos contratadores dos tabacos, porque não se sabia o que queriam dizer as sybillinas palavras "e mais pagamentos legaes a que for obrigado".

Essas palavras deviam ficar em letras de oiro á entrada deste edificio como ensinamento parlamentar.

Eu pedia a s. exa. que pozesse em portuguez esta clausula 3.ª O que está aqui é de tal ordem, que não se sabe bem a que lingua pertence, ainda que tem um longinquo sabor portuguez.

Desejava, portanto, que o sr. ministro, podendo, me respondesse precisamente, sem as galas e opulencias de estylo do que s. exa. costuma servir-se.

(O digno par não reviu.}

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Vou responder ás perguntas que o digno par me dirigiu, mas devo antes de tudo declarar que não julguei faltar ás attenções devidas a qualquer membro d'esta camara, pedindo a palavra na altura da discussão em que me parecesse mais propria usar d'ella.

Se os ministras se vissem obrigados por cortezia a responder a cada um dos oradores, eternisava-se a discussão; e mesmo podia ser essa uma arma a que a opposição recorresse para tornar infructiferos os debates.

Disse o digno par que seria muito conveniente inscrever certas palavras nas muralhas d'este edificio, para que tratando-se da discussão de uma lei, se pesassem devidamente todas as expressães d'essa lei. Ao mesmo tempo lembrarei que conviria acrescentar a essas palavras a clausula de que é necessario fugir de tudo quanto seja digressões absoluta e completamente estranhas ao assumpto que se discute.

Passando agora a occupar-me das perguntas de s. exa., observarei que o governo julga que a lei de 1888 está ainda vigorando em tudo quanto não foi alterado pela lei dos cereaes.

Passarei a responder á segunda pergunta.

Entre as clausulas 2.ª e 3.ª do contrato não me parece existir divergencia alguma. A clausula 2.ª obriga a cama-

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ra a organisar uma padaria municipal dentro de um anno; emquanto esta padaria não estiver orgauisada, o governo entender-se-ha com a camara de fórma que ella facilite o fornecimento de pão em dadas condições de preço.

O governo póde importar farinhas para evitar qualquer crise alimenticia e então, em virtude deste contrato, tem o direito de obrigar a camara a executar o seu compromisso. É claro que do producto da venda do pão fornecido pela camara o estado será embolsado na parte que lhe competir respectivamente.

Teria o governo de ser o importador, mas como o governo não podia ser moageiro, nem padeiro, commetteu o encargo á camara municipal, por entender que os srs. vereadores poderiam mais facilmente resolver o problema.

Isto, sr. presidente, é claro, e não offerece a menor duvida para ninguem, e muito menos para o digno par o sr. Hintze Ribeiro, rasão por que eu não posso deixar de levar á conta de obstruccionismo as largas e minuciosas observações de s. exa.

Com relação ao praso, o contrato diz muito expressamente, na clausula 7.ª, que só começará a contar-se depois que o contrato for lei.

Nada mais tenho a dizer.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Telles de Vasconcellos: - Sr. presidente, não me levanto para discutir o contrato, embora elle seja digno de uma larga analyse.

Acho que são perfeitamente acceitaveis os argumentos apresentados pelo meu particular amigo o sr. Hintze Ribeiro, e pelos outros oradores que têem tomado parte no debate.

Effectivamente, a approvação d'este projecto implica o desprezo absoluto das leis de desamortisação.

Disse, sr. presidente, que este projecto é digno de largo debate; mas, n'esta altura da sessão, vejo-me obrigado, bem a meu pezar, a acceitar o conselho que nos deu ha pouco o sr. ministro da fazenda, e, por consequencia, deixando ao governo a inteira responsabilidade dos seus actos, limito-me a protestar contra este systema de apertar as discussões e a declarar que voto contra o projecto.

Disse que, por agora, acceito o conselho do sr. ministro da fazenda, mas taes conselhos são inacceitaveis como regra geral, porque temos o dever de discutir amplamente todas as medidas que o governo submette ao exame parlamentar, e corre-nos a obrigação de dizermos ao paiz aquillo que sentimos em relação a esses mesmos assumptos.

A maioria ainda poderá acceitar o conselho do sr. ministro da fazenda, porque deposita confiança no governo, mas não tendo nós essa confiança, não podemos approvar sem saber o que approvamos.

Limito-me, pois, a protestar e a votar contra, pedindo que nas sessões futuras nos seja dado o tempo necessario para o exame completo dos projectos que se apresentarem.

(O digno par não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, v. exa. viu bem que eu pedi a palavra, quando, tendo formulado algumas perguntas claras e terminantes ao sr. ministro da fazenda, B. exa. deixava seguir-se um outro orador da opposição, sem oppor uma unica replica ao que eu tinha dito.

Não podia comprehender este procedimento do sr. ministro da fazenda, e lembrava-me do tempo em que eu, sentado n'aquellas cadeiras, (indicando as dos srs. ministros) nunca deixava de responder ás perguntas que me eram dirigidas, embora ellas fossem acompanhadas de considerações mais ou menos apaixonadas, mais ou menos vehementes.

Podia eu, por conseguinte, regular a minha replica, a minha resposta, exactamente pelo teor da pergunta.

Agora, deixar de responder, nem eu o fiz nunca, no cumprimento dos meus deveres de ministro, nem consentiria que o fizessem em relação a mim.

Assim, tenha s. exa. a certeza de que, se me não houvesse respondido, eu não sairia d'esta camara sem que s. exa. o fizesse.

E, dito isto, e considerando o adiantado da hora, desisto de discutir mais o projecto, pondo aqui ponto ás minhas observações.

Não havendo mais nenhum digno par inscripto, leu-se novamente na mesa o projecto, que a camara approvou.

O sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A seguinte será ámanhã, sendo a ordem do dia a continuação da de hoje e mais os projectos n.ºs 278, 284, 285, 288, 289, 290, 291, 293, 294, 295, 297, 298, 300, 301, 302, 303 e 304.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 8 de julho de 1889

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá; Duque de Loulé; Marquez de Vallada; Condes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, da Folgosa, de S. Januario, de Penha Longa; Viscondes, de Alemquer, de Benalcanfor, de Bivar, de Portocarrero, de Porto Formoso, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Adriano Machado, Agostinho Lourenço, Pereira de Miranda, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Carlos Testa, Cypriano Jardim, Hintze Ribeiro, Francisco de Albuquerque, Francisco Cunha, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Leandro Valladas, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Navarro de Paiva, Macedo Pinto, Fernandes Vaz, Silva Amado, José Luciano de Castro, Lobo d'Avila, Rodrigues de Carvalho, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Bocage, Luiz Bivar, Manuel Paes de Villas Boas, Vaz Preto, Marino Franzini, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Silvestre Lima, Thomás Ribeiro, Serra e Moura.

O redactor = Alberto Pimentel.

Página 750

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