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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

43.ª ORDINÁRIA DO 3.° PERÍODO DA 1.ª LEGISLATURA

1912-1913

EM 14 DE FEVEREIRO DE 1913

Presidência do Exmo. Sr. Anselmo Braamcamp Freire

Secretários os Exmos. Srs.

Bernardo Pais de Almeida
Evaristo de Carvalho

Sumário - Chamada. Abertura da sessão. Leitura e aprovação da acta.

Ordem do dia. - Parecer n.º 53 (Contribuição predial).

Usam da palavra os Srs. Ladislau Piçarra, Pedro Martins, Estevão de Vasconcelos (relator).

O Sr. Sousa Júnior faz um requerimento para a prorrogação da sessão, o que, após declarações do Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa), foi aprovado.

Seguem-se os Srs. Sousa da Câmara, Ministro das finanças e Nunes da Mata.

Trocam-se esclarecimentos entre o Sr. Presidente do Senado e o Sr. Ministro das Finanças.

É aprovado o projecto na generalidade, sendo rejeitada a moção do Sr. Brandão de Vasconcelos.

Na especialidade são aprovados todos os artigos, ficando rejeitadas ou prejudicadas as propostas dos Srs. Tomás Cabreira, sôbre os artigos 1.° e 2.°, José Maria Pereira, sôbre o artigo 10.° e seus parágrafos, e usando da palavra os Srs. Pedro Martins, José Maria Pereira e o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Sousa Júnior requere que o projecto vá à comissão de redacção, o que o Senado aprova.

O Sr. Presidente encerra a sessão, depois de designar ordem do dia para a subsequente.

Estiveram na sala os Srs. Presidente do Ministério e Ministros do Interior, dos Negócios Estrangeiros e do Fomento.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio Baeta das Neves Barreto.
Alfredo José Durão.
Amaro de Azevedo Gomes.
Anselmo Augusto da Costa Xavier.
Anselmo Braamcamp Freire.
Antão Fernandes de Carvalho.
António Bernardino Roque.
António Ladislau Piçarra.
António Maria da Silva Barreto.
António Pires de Carvalho.
António Ribeiro Seixas.
Domingos Tasso de Figueiredo.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Evaristo Luís das Neves Ferreira de Carvalho.
Inácio Magalhães Basto.
Joaquim José de Sousa Fernandes.
José António Arantes Pedroso Júnior.
José Maria Pereira.
José Miranda do Vale.
José Nunes da Mata.
Manuel Goulart de Medeiros.
Manuel José de Oliveira.
Manuel Martins Cardoso.
Manuel Rodrigues da Silva.
Manuel de Sousa da Câmara.
Ramiro Guedes.
Ricardo Pais Gomes.
Tomás António da Guarda Cabreira.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos da Silveira.
António Augusto Cerqueira Coimbra.
António Brandão de Vasconcelos.
António Caetano Macieira Júnior.
António Joaquim de Sousa Júnior.
António Ladislau Parreira.
António Xavier Correia Barreto.

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Artur Augusto da Costa.
Augusto Vera Cruz.
Bernardo Pais de Almeida.
Carlos Richter.
Cristóvão Moniz.
Faustino da Fonseca.
Joaquim Pedro Martins.
José Afonso Pala.
José de Castro.
José de Cupertino Ribeiro Júnior.
José Estêvão de Vasconcelos.
José Machado de Serpa.
José Maria de Moura Barata Feio Terenas.
José Maria de Pádua.
Luís Fortunato da Fonseca.
Pedro Amaral Bôto Machado.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Adriano Augusto Pimenta.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Alfredo Botelho de Sousa.
Artur Rovisco Garcia.
Eduardo Pinto de Queiroz Montenegro.
Francisco Correia de Lemes.
João José de Freitas.
José Luís dos Santos Moita.
Leão Magno Azêdo.
Luís Maria Rosete.
Manuel José Fernandes Costa.
Sebastião de Magalhães Lima.
Tito Augusto Morais.

Às 14 horas e 20 minutos o Sr. Presidente inundou proceder à chamada.

Tendo-se verificado a presença de 28 Srs. Senadores, S. Exa. declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão anterior, foi aprovada sem reclamação.

Durante a sessão recebeu-se o seguinte

EXPEDIENTE

Ofícios

Da Presidência da Câmara dos Deputados, remetendo uma proposta de lei, que tem por fim isentar a Câmara Municipal do concelho de Cuba do pagamento da contribuição de registo referente á compra dum prédio destinado a aquartelamento da guarda nacional republicana.

Para a comissão de administração pública.

Da Presidência da Câmara dos Deputados, remetendo uma proposta de lei, que tem por fim autorizar a matrícula nas escolas normais e de habilitação para o magistério primário a designados candidatos.

Para a comissão de instrução.

Pareceres

Da comissão de guerra, sôbre a proposta de lei n.º 134-A, que tem por fim amnistiar a falta cometida pelos segundos sargentos do regimento de infantaria n.° 16 (relação n.° 1) e primeiros e segundos sargentos (relação n.° 2).

A imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei relativo à contribuição predial

O Sr. Presidente: - Vai-se entrar já na ordem do dia.

O Sr. Anselmo Xavier - Manda para a mesa, por parte da comissão respectiva, a última redacção de dois projectos de lei.

O Sr. Ladislau Piçarra: - Sr. Presidente: inscrevi-me a favor da proposta de lei em discussão, para ser coerente, isto é, harmonizar as minhas palavras com os meus actos, pois que, quando se apresentou o Ministério, eu disse que a questão mais fundamental e mais urgente para a República era o equilíbrio orçamental. (Apoiados).

Felicitei o Govêrno por inscrever no seu programa esta lei (Apoiados), e disse que não votaria mais Orçamentos equilibrados, mas, em compensação, votaria todas as medidas que o Govêrno, no seu alto critério, adoptasse para equilibrar o Orçamento.

Sendo esta a primeira medida que o Govêrno apresenta para equilibrar o orçamento, eu não lhe podia negar o meu voto. Mas aproveito o ensejo para fazer algumas considerações, embora sem o desenvolvimento preciso, visto a urgência que o Sr. Ministro das Finanças tem na aprovação desta lei.

Sr. Presidente: todos sabem que eu tenho sempre levantado a minha humilde voz em favor do equilíbrio orçamental, mas já por alguém fui acusado de não ter apresentado medida alguma para o equilíbrio do orçamento.

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Sr. Presidente: essa acusação não me parece justa.

Creio que a forma mais simples e mais prática, e, sôbre tudo mais rápida, para equilibrar o orçamento é por um lado a diminuição de despesas, e, por outro, o aumento de receitas.

O Sr. Presidente do Ministério acaba de enveredar neste caminho; S. Exa. por um lado tem procurado reduzir as despesas e, por outro, vai aumentar as receitas. S. Exa. tem o meu pleno aplauso, e não posso deixar de felicitar o Sr. Ministro das Finanças pelo desassombro e coragem que mostrou, ao entrar para o Ministério, fazendo cortes nas diversas despesas.

Êste elogio é tanto mais imparcial e desinteressado, quanto é certo eu não estar filiado no partido de que S. Exa. é distinto ornamento, e não digo chefe para não ferir a susceptibilidade dalguns dos seus fervorosos correligionários.

Sr. Ministro das Finanças, agora que V. Exa. entrou no caminho dos cortes, é preciso que vá até o fim, e para isso não falta a V. Exa. a precisa autoridade moral.

Sr. Presidente: eu disse que, para equilibrar o Orçamento, era necessário reduzir as despesas e aumentar as receitas; vejo que o Sr. Ministro das Finanças já fez uma redução importante, e estou certo que em breve chegará ao equilíbrio orçamental.

Em primeiro lugar todos os nossos colegas devem lembrar-se de que, fazendo eu parte no ano passado da comissão do orçamento, assinei propostas que tinham por fim reduzir as despesas; tendo tambêm apresentado algumas para o mesmo fim que eram subscritas por colegas meus. Por exemplo, a proposta para a redução do ordenado do patriarca, que era subscrita por vários Srs. Senadores, fui eu que a apresentei.

O patriarca de Lisboa vencia 3:000$000 réis por ano, ficando, pela proposta que apresentei, a receber apenas 1:200$000 réis.

Foi tambêm aqui apresentada uma proposta tendente a modificar a lei que regulariza as reformas dos funcionários, especialmente da armada, a qual, não sei porque motivo, não teve seguimento, apesar de ter sido aqui aprovada.

Feitas estas ligeiras considerações, eu passo, Sr. Presidente, muito rapidamente, a indicar os pontos para os quais ouso chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças, a fim de que se obtenham as necessárias reduções de despesa.

Não há dúvida nenhuma de que o Govêrno Provisório da República, com certeza involuntariamente, aumentou duma maneira extraordinária as despesas pelos diversos Ministérios.

Ora, S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças disse ontem aqui que o Govêrno Provisório se viu assediado, por todos os lados, por constantes reclamações, e que, não tendo conseguido, por êsse motivo, o saneamento do orçamento, êle ia começar a fazê-lo agora.

Aceito esta declaração, mas entendo que os Governos de concentração que se formaram em seguida ao Govêrno Provisório podiam perfeitamente ter feito aquilo que o Sr. Ministro das Finanças vai fazer agora.

Eu desejaria que o Sr Afonso Costa, com toda a autoridade da sua inteligência e com todo o seu prestigio político, tivesse feito a seguinte declaração: "Sim, senhor; eu entro nos ministérios de concentração, ou entra alguém do meu partido, mas imponho a seguinte condição - que medidas enérgicas sejam apresentadas tendentes ao rápido equilíbrio orçamental. Sem isso não colaborarei com êsses governos".

Ora não me consta que S. Exa. fizesse esta declaração.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sempre que se formaram ministérios de concentração eu sustentei que era necessário, indispensável mesmo, estabelecer o equilíbrio orçamental. Devo até declarar que trabalhei bastante para que o Sr. Vicente Ferreira tratasse do assunto da forma como tratou.

De resto, V. Exa. compreende muito bem que a resolução dêste problema torna-se muito mais difícil para um Govêrno de concentração do que para um Govêrno partidário.

Se eu tivesse ido ao poder mais cedo, não tinha a fôrça de que disponho actualmente quando a opinião pública já tomou a sério o problema. E digo isto, porque desejo varrer sempre a minha testada.

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O Orador: - Estimarei muito que V. Exa. obedeça sempre às diversas correntes da opinião.

E agora peço licença para chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para, os pontos que vou frisar, porque me parece que êles são todos muito importantes; e tambêm por me parecer que neles se poderão realizar algumas economias.

V. Exa., Sr. Presidente, e o Senado, sabem perfeitamente que uma das verbas que mais dolorosamente pesam no Orçamento, é aquela que diz respeito às classes inactivas.

Já na vigência da República - e eu lamento ver-me na necessidade de o afirmar - parece que tem havido um certo incitamento ao acréscimo das classes inactivas.

V. Exas. sabem perfeitamente que, tanto no exército como na armada, o número de reformados, depois da proclamação da República, tem crescido espantosamente.

Eu desejaria muito que o Sr. Ministro das Finanças dirijisse a sua atenção para as leis que regulam as reformas e aposentações, de maneira a impedir que se vá avolumando o número daqueles que pertencem às classes inactivas.

Mas há mais.

Há muitos funcionários que não vêem com bons olhos aqueles que se conservam na actividade do serviço e desejam que êles se reformem, para alcançarem promoções nos lugares que vagam.

Desejo, pois, que se modifiquem assas leis, de forma a impedir o incitamento às reformas.

Há ainda um outro ponto para que igualmente chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças.

O Govêrno Provisório organizou umas tabelas, em virtude das quais foram aumentados os vencimentos dos funcionários dos Ministérios das Finanças, das Colónias e do Fomento.

Afigura-se-me que se impõe uma cuidadosa revisão dessas tabelas, de molde a evitar que continui êsse aumento de despesa e de sorte a impedir que se mantenha a desigualdade entre os vencimentos dêsses funcionários e os que auferem os empregados dos outros Ministérios.

O Sr. José Maria Pereira (interrompendo): - Eu peço licença para dizer a V. Exa. que as suas considerações nenhuma relação tem com o projecto da contribuição predial.

Parece-me que V. Exa. não está a dar uma prova muito frisante do desejo que há pouco manifestou de, e quanto antes, ser aprovado o projecto que se discute.

O Orador: - Peço licença para dizer ao Sr. José Maria Pereira que, prontificando-me a aprovar o projecto da contribuição predial, que exige sacrifícios ao povo, quero que se lhe dêem compensações.

O Sr. José Maria Pereira: - Peça-as na altura competente.

O Orador: - Eu tenho que justificar a aprovação que dou ao projecto que estamos discutindo e a justificação é esta.

Pretendo que, paralelamente a êstes sacrifícios que se vão exigir ao contribuinte, o Govêrno nos prometa, duma maneira nítida e categórica, que vai aliviar o Orçamento de certos encargos que sôbre êle pesam.

No Ministério do Fomento tambêm houve umas reformas nos serviços agrícolas que não trouxeram vantagens algumas para os serviços do Estado, antes pelo contrário trouxeram um considerável aumento de despesa.

Peço tambêm a atenção do Govêrno para êste ponto. Há tambêm um outro mal que pesa considerávelmente sôbre o Orçamento e que nenhum Govêrno até agora tem podido combater; refiro-me a essa enorme legião dos chamados "sem-trabalho", que persegue constantemente o Ministério do Fomento, obrigando o Govêrno a despesas consideráveis em obras duma utilidade muito hipotética.

Ora eu entendo, Sr. Presidente, que é necessário atender a êste ponto, que é muito importante - qual a forma eficaz de podermos combater esta enorme legião, que é como uma nuvem negra que aparece diante de todos os Governos, especialmente do Ministério do Fomento.

Entendo que a primeira cousa a fazer é organizar um cadastro profissional, para se saberem as profissões daqueles que se dizem sem trabalho, e promover a realização de obras públicas, de manifesta utilidade, e não de obras que sirvam simplesmente

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de pretexto para empregar os sem trabalho.

Ora, já aqui tenho lembrado que uma das obras mais úteis seria a criação dalgumas colónias agrícolas para que, quando apareçam aí dezenas e dezenas de indivíduos a mendigar o pão, nós tenhamos uma ou duas colónias agrícolas para onde as possamos mandar.

Seria uma medida de alto benefício económico, por isso que acabava com todo o pretexto de que êles se servem para perturbar a ordem pública e perseguirem o Ministro.

Gastando o Govêrno centenas de contos de réis nas tais obras de utilidade muito hipotética, como há pouco acabei de referir, não seria de toda a conveniência distrair duas ou três centenas de contos para a criação dessas colónias, a exemplo do que se faz lá fora?

É um ponto que apresento à apreciação do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente do Ministério tambêm nos disse aqui que procuraria sanear os quadros burocráticos.

Ora, Sr. Presidente, eu aplaudo com todo o entusiasmo esta promessa, e peço ao Sr. Ministro das Finanças que não se esqueça de promover êste saneamento, que deve fazer-se principalmente, escolhendo os empregados competentes e excluindo os incompetentes; e, quando houver vagas, se dêem de preferência êsses lugares aos adidos.

Ora, Sr. Presidente, isto é à vol d'oiseau, porque eu desejaria desenvolver largamente êste ponto, mas como não quero que o Sr. José Maria Pereira me esteja a chamar à ordem...

O Sr. José Maria Pereira: - Eu não estou a chamar V. Exa. à ordem.

O Orador: - Criticando-me por estar a fazer considerações fora do assunto... Vou agora fazer ligeiras referências a esta proposta para depois dar tempo a que ilustres oradores mais competentes do que eu a discutam.

Sr. Presidente: li com toda a atenção o parecer da comissão do Senado sôbre o projecto que se discute.

Em primeiro lugar, o relator dêste parecer diz-nos que esta proposta vem em substituição da célebre lei de 4 de Maio, que não pôde ser posta em discussão em virtude de atritos que se levantaram, e que são conhecidos de todos nós.

Ora, Sr. Presidente, eu já aqui disse no Senado, e repito, que sou natural duma aldeia do Alentejo, onde felizmente predomina o espírito republicano.

Pois nesta aldeia todos fizeram as declarações exigidas na referida lei.

Sr. Presidente: já tive ocasião de dizer aqui no Senado, que, se a lei de 4 de Maio fôsse cumprida, se todos os proprietários fizessem as declarações, a contribuição seria lançada duma forma mais justa e equitativa.

Eu creio mesmo que se houvesse, verdadeiro, patriotismo da parte dos proprietários a lei de 4 de Maio devia ter-se cumprido.

Agora, Sr. Presidente, devo dizer a V. Exa. que há um serviço, que se impõe com muita urgência e é de absoluta necessidade: é a revisão das matrizes.

Eu desejava que a proposta, que aqui se apresenta para aumento de contribuição, começasse pela revisão das matrizes e nela se baseasse.

As matrizes, como estão organizadas, constituem uma verdadeira desgraça.

Eu irei demonstrar esta afirmação, explicando o que se passa n£ meu concelho.

No meu concelho, que é o de Serpa, existem duas freguesias muito importantes, onde as propriedades estão inscritas nas matrizes como terrenos incultos. Hoje, nesses terrenos, ostentam-se grandes olivais, cujo rendimento é extraordinário, e, por conseguinte, essas propriedades não pagam contribuição proporcional ao seu rendimento.

Para êste imposto ser justo, a primeira medida que tínhamos a fazer era a revisão das matrizes. Mas isso, diz-se, depende de muito dinheiro e de muito tempo; todavia alguma cousa se podia fazer de benéfico, se o Govêrno nomeasse comissões locais. Essas comissões seriam compostas de proprietários, reconhecidamente aptos para um tal serviço, e que poderiam ser presididas por indivíduos da confiança do Govêrno, tais como os presidentes das juntas de paróquia, ou qualquer outra entidade que o Govêrno julgasse mais competente.

Essas pessoas haviam de desempenhar-se patrióticamente da missão e até num prazo curto.

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De maneira que eu entendo que o Sr. Ministro das Finanças deve ponderar estas circunstâncias e tentar a organização de comissões locais, constituídas pelos próprios proprietários e presididas pelas autoridades administrativas de sua confiança, às quais podem ser agregados, inclusivamente, os corpos administrativos, que devem ser tambêm da confiança do Govêrno, e proceder, o mais urgentemente possível, à revisão das matrizes.

V. Exa. sabe muito bem que duma falsa inscrição nas matrizes provêm dois males gravíssimos: o primeiro é que a contribuição directa ao Estado é insignificante; o segundo é que, nas transações, a contribuição de registo continua a ser miserável. Por conseguinte, perdemos por dois lados.

É, portanto, de absoluta urgência a revisão das matrizes, e eu desejaria ouvir da boca do Sr. Ministro das Finanças a promessa solene de que essa revisão se virá a fazer o mais depressa possível.

Ora, Sr. Presidente, para terminar, eu direi que com efeito as despesas tem infelizmente aumentado, e ainda bem que já temos um Ministro das Finanças que soube reduzi-las. E, de passagem, para responder àqueles cavalheiros que fizeram espírito dos Senadores que lembraram outro dia a conveniência de haver aqui uma ardósia, em que se inscrevessem alguns números, eu direi a V. Exa. que, ainda que o quadro preto não servisse senão para inscrever nele, dia a dia, a despesa que tem ido aumentando desde a proclamação da República até agora, eu achava que, com isso, prestava um grande serviço.

Nós fomos acusados aqui, pelo Presidente do Ministério transacto, de termos, no ano passado, aprovado aumentos de despesa na importância aproximada da 3:000 contos de réis; eu, pela minha parte, tenho a consciência tranquila de que não contribuí com o meu voto para aumentar essa despesa, porque me opus sempre á aprovação de projectos que trouxessem aumentos de despesa, â excepção do subsídio para a escola oficina n.° 1, á Graça, cousa de que ainda me não arrependi, ao passo que o Sr. Tomás Cabreira, que faz um ataque tam formal á proposta ministerial e que se mostra agora tam generoso na defesa do contribuinte (permita que recorde êste facto triste da sua vida parlamentar), quando apareceu aqui o famoso projecto de lei de promoções na arma de infantaria que vinha trazer um aumento bastante sensível no Orçamento, não só foi relator do parecer favorável a êsse projecto de lei, mas defendeu-o com todo o calor. Pois eu desejaria que o Sr. Tomás Cabreira se revestisse de toda a autoridade.

O Sr. Tomás Cabreira: - Demonstrou-se, quando foi da discussão, a utilidade dêsse projecto.

O Orador: - Na opinião de V. Exa.

Ora, Sr. Presidente, eu combati êsse projecto vivamente, porque reconheci que êle vinha aumentar as despesas, sem vantagem alguma para os serviços públicos; por consequência creio que sou coerente, aprovando esta proposta, tendo combatido as outras, porque esta, realmente, é de salvação pública, vem sanear o orçamento, ao passo que as outras, que eu reprovei, vinham prejudicá lo.

Sr. Presidente: do Sr. Ministro das Finanças, que é tam versado em assuntos sociológicos e que tem o seu espírito orientado no sentido de beneficiar as classes que, dia a dia, trabalham para a sustentação da sociedade, espero que não virá exigir sacrifícios de contribuição, para que êsse dinheiro seja gasto em serviços que não redundem em manifesto benefício da colectividade; espero que S. Exa. não descurará os graves problemas de ensino, os grandes problemas da higiene, os grandes problemas do fomento agrícola e que, por igual, procurará evitar o alcoolismo, a tuberculose, a prostituição, essas profundíssimas chagas da nossa vida social.

Se o Sr. Ministro das Finanças souber aplicar todos os sacrifícios, que vai exigir ao contribuinte, à realização dêstes problemas de tam indiscutível importância, terá o meu entusiástico aplauso. Se S. Exa., ao contrário, puser de lado êstes problemas, de tam excepcional gravidade, e aplicar o aumento das receitas para o engrandecimento do poder militar e o alargamento do funcionalismo público, os nossos dois maiores cancros, que roem as sociedades contemporâneas, se, infelizmente, assim acontecer, tal facto não se praticará sem o meu mais solene protesto.

Tenho dito.

O Sr. Pedro Martins: - O projecto, pela sua estrutura, imediatamente deixa a im-

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pressão de que não há de ser esta a última vez, se não nesta sessão, pelo menos na sessão próxima, em que o Senado se há de ocupar dêste mesmo assunto, atentos os princípio iníquos em que o mesmo projecto se baseia e as consequências que da sua execução hão-de resultar, consequências de ordem financeira e económica, que se hão-de reflectir sôbre a propriedade rústica em particular.

Havemos de reconhecer depois o êrro cometido na aprovação do projecto. Se se pode acudir, de momento, a uma necessidade de dinheiro, que o Estado tenha, não deixarão de abalar-se as fontes de receita, que convinha não afectar para o futuro. As, necessidades públicas não são sempre a justa medida dos impostos, embora as justifiquem.

Entende que por outros princípios nos devíamos orientar, e quais êles sejam, já duma maneira geral, no seu brilhante discurso, o Sr. Tomás Cabreira, aqui no-los disse.

Teve o prazer de ouvir e seguir com atenção o discurso de S. Exa., vendo-o desenvolver teses fundamentais, demonstrando que a orientação geral dos países modernos é no sentido de não agravar a propriedade, e isto nos países onde a propriedade rústica está em melhores condições, onde os transportes são mais baratos, o ensino técnico mais aperfeiçoado, a capacidade produtiva da terra maior.

Comparando-se as condições dessas países com as condições da triste terra portuguesa, S. Exa. desenvolveu argumentos que ficaram sem refutação.

É precisamente no terreno da economia e das finanças portuguesas que se vai colocar para analisar o projecto, esperando demonstrar que um princípio apenas orienta o projecto: o do arbítrio.

Qual é a economia do projecto? A economia do projecto é feita de princípios tirados da legislação anterior. Tudo o que é novo no projecto é inaceitável, tudo o que é antigo é bom.

O Sr. Ministro das Finanças partiu do princípio que o rendimento colectável inscrito nas matrizes não era exacto; mas depois só o arbítrio o orientou. Pôs tambêm de parte o cadastro.

Em seguida o orador passa a fazer a comparação entre a proposta da comissão de finanças da outra Câmara, pela qual o Sr. Vicente Ferreira esperava realizar a cobrança de 5.886:000$000 réis, e a que neste momento se discute e que o Sr. Ministro das Finanças julga urgente converter em lei.

Referindo-se à lei de 4 de Maio de 1911 entende que, se ela tivesse sido mais previdente, as declarações dos contribuintes teriam sido feitas e alguma cousa se teria aproveitado.

Com respeito ao rendimento colectável global, que é de cêrca de 100 por cento, varia em alguns concelhos e noutros o aumento é multiplicado pelo factor 6,9. Êste aumento enorme de rendimento colectável vai afectar seriamente o contribuinte.

Analisando q artigo 8.°, chama especialmente a atenção do Senado para os §§ 2.° e 3.°, que tratam da declaração e das avaliações, mostrando que a desproporção na avaliação é em desfavor da pequena e média propriedade e em favor da grande.

Acha inteiramente inoportuna esta lei e dirá ao Sr. Presidente do Ministério que nem todas as ocasiões são boas para se pedir dinheiro ao contribuinte. O Estado tem obrigação de se inspirar nos princípios da justiça, e S. Exa. sabe que, pelo presente projecto, são justamente os distritos do norte, onde a agricultura rural se encontra nas circunstâncias mais aflitivas, os mais afectados com a lei em discussão. S. Exa. sabe que, por cálculos já feitos, a emigração, no ano passado, foi de 60:000 pessoas e que êste ano atingirá o número de 80:000!

Ao mesmo tempo a produção agrícola dêste ano, comparada com a do ano anterior, foi menor; o rendimento da terra agravou as condições económicas da população rural; nestas condições, êle, orador, nunca daria ao seu país um mimo, como é a medida financeira que se discute.

O discurso publicar-se há na íntegra e em apêndice quando o orador devolver as notas taquigráficas.

O Sr. Estêvão de Vasconcelos (relator): - Disse o Sr. Pedro Martins que não daria ao país, nas actuais circunstâncias, um mimo como êste projecto, mas êle, orador, tem a coragem de ser relator de tal mimo, porque assim demonstra que é coerente com os princípios, ideas e afirmações que defendeu no tempo da monar-

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quia, e que dentro da República continua a proclamar, como bom republicano e como bom português, atendendo, acima de tudo, ao bem do seu país.

Afirmou peremptóriamente no tempo da monarquia que era absolutamente indispensável remodelar o regime tributário, e que independentemente disso, necessário era acabar com o escândalo ou forma como estavam organizadas as matrizes prediais, visto que tal regime não assentava nos princípios da equidade e da justiça.

Demonstrou que em Portugal não se tinha entrado na fase social do imposto, nem sequer na sua fase proporcional, visto que a monarquia constitucional foi sempre um ludíbrio político, financeiro e económico, e fez ver que era absolutamente fundamental para a resolução do problema financeiro a remodelação do regime tributário.

Tinha por isso, sôbre esta questão, ideas mais ou menos assentes.

Entende que é necessário, encarar-se a presente proposta de lei tal como ela deve ser encarada.

Seguidamente o orador compara a lei de 4 de Maio com a que se discute; lamenta que o Sr. Tomás Cabreira tivesse atacado erradamente o projecto em discussão, e lembra que o Sr. Pedro Martins, que atacou vivamente o projecto, não tivesse apresentado em compensação una única solução para tam momentoso assunto.

Trocam-se explicações entre o orador e o Sr. Senador Pedro Martins.

Mantêm a afirmação de que a propriedade está toda mal avaliada; e para demonstrar a sua afirmativa, o orador lê à Câmara várias informações absolutamente autênticas, que abrangem não só a grande mas tambêm a média e até a pequena propriedade.

Nestas condições, vem o Sr. Tomás Cabreira, um pouco catedrática e dogmáticamente, dizer que por esta lei a propriedade vai pagar mais do que paga na Inglaterra ou na Alemanha!

Francamente, não é assim que se deve discutir e apreciar uma proposta de lei que tem todo o carácter de oportunidade.

Êle, orador, tem elementos para provar que o Estado, em Portugal, fez moralmente tudo que podia fazer para conseguir que os proprietários declarassem qual era o verdadeiro valor das suas propriedades, e tambêm para provar que em país algum o cadastro da propriedade tem dado o resultado que devia dar, não se conseguindo sequer realizá-lo com condições duma certa equidade.

Quere crer que todos aqueles que amam a República, e desejam a boa ordem e regularidade na administração do Estado, concordam com a proposta de lei em discussão, que obedece, acima de tudo, à única forma exequível de aplicar imediatamente a lei de 4 de Maio, acabando-se com a mistificação da propriedade em Portugal contribuir para o Estado apenas com 30 ou 40 por cento daquilo com que deve contribuir.

O discurso publicar-se há na íntegra e em apêndice, quando o orador devolver as notas taquigráficas.

O Sr. Sousa Júnior: - Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se consente que se prorrogue a sessão até ser votado o projecto.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - O Govêrno tem a maior urgência em que se vote êste projecto.

Todas as considerações que tem ouvido são destinadas mais a estudar a lei de 4 de Maio, que a apreciar o projecto em discussão.

Se há no Senado vontade bem firme de ajudar o Govêrno a que êle cumpra o seu dever e o plano que se impôs, muito bem; se não há, precisa sabê-lo.

Sabe que a prorrogação traz incómodos aos Srs. Senadores, mas, assim como aconteceu na Camará dos Deputados, o Senado pode votar em sessão prorrogada esta lei, que está amplamente discutida, e os oradores, que se inscreverem, serão ouvidas com atenção, mas, sendo amanhã dia destinado ao descanso desta Câmara e depois domingo, os Srs. Senadores podiam bem fazer êste pequeno sacrifício.

O Sr. Presidente (Tasso de Figueiredo): - Peço licença para informar que o Sr. Presidente me disse que tencionava dar sessão amanhã.

O Orador: - Os Ministros não tem outro dia para trabalhos essenciais á vida do Estado como os sábados.

Êle, orador, tem o dia de amanhã com-

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prometido, o que não quere dizer que não venha ali, se o Senado o obrigar a isso.

Entretanto parece lhe que pode pedir êste pequeno sacrifício.

Terminando, dirá que julga do seu dever fazer êste apelo em nome do Govêrno.

O orador não reviu.

Pôsto à votação é aprovado o requerimento do Sr. Sousa Júnior.

O Sr. Sousa da Câmara: - Vê que o Govêrno põe as suas pastas sôbre o projecto e vê que há uma urgência absoluta em o votar.

Julga, porêm, necessário, que o projecto seja largamente discutido, porque êle interessa muito ao país e é indispensável que não se baseie só no arbítrio.

Concorda em que a grande propriedade está mal avaliada, mas, porque uma parte da propriedade está na matriz por um valor dez vezes inferior ao verdadeiro, pode concluir-se que toda a propriedade em Portugal está em igualdade de circunstâncias?

É necessário fazer a devida correcção.

Se o Govêrno Provisório tivesse determinado a execução do cadastro, já o havia há três anos e evitava-se o estar a adoptar medidas provisórias e de ocasião que servem, quando muito, para a cobrança da contribuição predial êste ano.

A taxa, que hoje se sabe o que é, amanhã é um enigma, que pode produzir a ruína da lavoura.

Para a votação dêste projecto era necessário ter-se conhecimento do estado da agricultura, antes da proclamação da República e depois dessa proclamação.

Dizer se que a agricultura está num estado lastimoso não é verdade, porque ela tem progredido bastante e, para o provar apresenta alguns dados estatísticos, em que mostra qual a superfície cultivada e a inculta comparada com outros países.

Para demonstrar que a agricultura alguma cousa tem feito neste país, indica qual tem sido a exportação de cortiça e apresenta idênticas considerações com respeito a olivais, a frutas e transportes nos caminhos de ferro, chamando especialmente a atenção do Senado para a questão cerealífera, que entende tem uma grande importância entre nós.

A lei dos cereais de 1899 foi dum grande alcance, porque a agricultura, em virtude dessa lei, conseguiu arrotear 300:000 hectares fie terreno.

Agora pregunta: esta lei pode manter-se no pé em que está? Não. Tem de ser modificada de modo a conseguir o pão mais barato. Esta questão é muito complexa, mas é preciso dizer-se que a lavoura tem feito bastante.

Há uma questão importantíssima a considerar, que é a da emigração que se vai dar, em virtude desta lei, em maior escala do que se tem dado até aqui; a questão ainda não foi encarada por êste lado, mas ela tem uma alta importância.

Com respeito à extrema pulverização da propriedade, entende que ela não representa progresso, mas sim atraso, porque, nesse regime, o homem não pode viver da sua propriedade.

Em seguida lê à Câmara umas notas, em que demonstra o aumento considerável que se tem dado com o transporte em caminhos de ferro de adubos, desde 1881 a 1910.

Demonstrado que a agricultura alguma cousa tem feito nestes últimos cinquenta anos, vejamos o que sucedeu depois de 5 de Outubro.

Os capitais retraíram se e a emigração aumentou, havendo por isso falta de braços, e por outro lado braços caros, donde resultaram graves dificuldades para a lavoura.

Neste momento ir agravar a propriedade rústica, sem saber quanto se pode agravar, afigura-se-lhe uma medida de mau alcance.

Tratando das crises vinícola e cerealífera, lembra que elas podem surgir de momento.

Sem querer entrar muito pela discussão do projecto, todavia, repete o que já disse: que, em relação á média propriedade, acha exageradíssima a contribuição; mas qual o remédio a dar para a urgência que há em fazer a cobrança da contribuição?

É um assunto muito complexo; no emtanto, dirá que, segundo a sua opinião, devia seguir-se o regime das comissões avaliadoras, dividindo-se o país em regiões e colocando em cada uma delas uma comissão técnica para avaliar a propriedade; as comissões seriam de proprietários e podia-se agregar a elas o secretário de finanças, de forma que, quando constasse que uma propriedade tinha sido avaliada por

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um preço baixo, imediatamente se fazia uma rigorosa avaliação e se impunham penalidades ao proprietário. Esta era uma maneira mais justa de se conseguir um processo para a contribuição predial, sem ser baseado no arbítrio.

Termina declarando que desejava votar esta lei, sabendo de antemão que não ia praticar uma injustiça em relação à lavoura e que ia prestar um serviço em benefício do Estado; mas, nestas circunstâncias, sem os elementos precisos, confessa que tem grandes dúvidas em aprovar o projecta em discussão.

Êste discurso será publicado na íntegra, logo que o orador se digne rever as notas taquigráficas.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Em primeiro lugar agradece ao Senado o consentir que a sessão fôsse prorrogada. Tendo em muita consideração as observações do Sr. Sousa da Câmara, não pode deixar de dar as explicações que S. Exa. deseja.

Com referência às palavras de S. Exa. quando disse que o Govêrno punha as suas pastas sôbre o projecto, responderá que êle foi chamado ao poder para realizar uma certa obra e que para isso aproveitou uma parte do que já estava feito pelo seu antecessor.

Êle, orador, não p5e a questão política neste assunto, mas considera a questão irredutível.

Se a resolução desta Câmara for contrária ao que julga que deve fazer-se, verificará que o seu esforço foi inoportuno, que não veio em boa ocasião. Se o Senado rejeitasse êste projecto, devia apresentar outro imediatamente. Êle, orador, é que não se sujeitaria a pôr em prática, sôbre contribuição predial, nenhuma lei que se não inspirasse no princípio de progressão e de degressão.

Afirmou o Sr. Sousa da Câmara que êste projecto é arbitrário. Não é, porque êle não pede mais nada do que estava estatuído na lei de 4 de Maio e que é exigido de harmonia com as contribuições pagas até então.

A lei de 4 de Maio pode ser estudada demoradamente pelo Senado, porque para isso há tempo.

Acrescenta que todos os folhetos ultimamente publicados sôbre êste assunto estão cheios de erros, de inexactidões, como, por exemplo, a representação da Associação Central da Agricultura Portuguesa, que apresenta soluções incomportáveis.

Conversou com alguns membros da Associação Central de Agricultura Portuguesa e êles nada tiveram que objectar àquilo que o orador lhes disse.

Muito desejaria discutir com essa Sociedade as bases do projecto que estamos discutindo, para mostrar que muito intencionalmente ela recorreu à interpolação de números para chegar a uma conclusão que lhe convinha.

Fizeram um cálculo global, quando deviam considerar cada um dos concelhos.

Pode afirmar ao Senado que essa representação da Associação Central de Agricultura Portuguesa está repleta de erros.

A República não pode prescindir dum imposto que lhe permitirá desagravar duma maneira sensível a sua situação financeira e ainda a sua situação internacional.

A República tem necessáriamente de pedir alguns sacrifícios ao contribuinte, e tratando-se duma lei desta ordem, não podia pôr de parte de maneira alguma o sistema de princípio progressivo e degressivo.

Que queria a Associação de Agricultura Portuguesa?

Queria o cadastro que importaria em 8:000 contos de réis, escalonando-se essa quantia em 20 anuidades de 400 contos de réis.

Veja V. Exa. e veja o Senado como é que nós poderíamos esperar, para a solução do assunto, que se impõe absolutamente, que decorresse êsse prazo de tempo.

Se compararmos o conjunto da elevação dêste imposto com o doutros países e ainda com outros impostos que se pagam nesses países, nós veremos que o contribuinte aqui não é muito sobrecarregado.

O Govêrno não deseja prejudicar a agricultura.

Pelo contrário quere que ela se engrandeça e quere que para isso abandone uma situação de rotina, uma situação de reaccionarismo, no sentido técnico da palavra, quere, enfim, que se desvie duma situação de favoritismo em que tudo pede ao Estado, sem nada produzir de iniciativa própria.

Queremos que se dê à agricultura por-

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tuguesa aquilo que tambêm nós precisamos, isto é, que se nos faça justiça.

O orador não reviu.

O Sr. Nunes da Mata: - Pouco me resta dizer, em seguida ao largo discurso do Sr. Ministro das Finanças; entretanto direi ao ilustre Senador Sr. Sousa da Câmara que as estatísticas, que S. Exa. apresentou, provando o grande incremento que nos últimos anos vai tendo a agricultura, são prova irrefutável de que esta poderá, sem grande sacrifício, suportar as contribuições da proposta ministerial.

O que era necessário, era que êsse sacrifício fôsse distribuído por um modo racional e equitativo, como era indicado na minha tabela.

Não devo deixar de me referir a um assunto que julga de todo a importância. Desde o momento em que passa a ser aumentado o rendimento colectável, tambêm correlativamente é aumentada por isso a contribuição de registo.

Ora eu entendo que a contribuição de registo por título oneroso deve ser tam pequena quanto possível, a fim de facilitar as transacções que eu julgo de grandíssima vantagem.

Em suma, Sr. Presidente, o assunto principal a atender no presente momento é o de que a Nação está assoberbada com o enorme déficit de 6:620 contos de réis no seu Orçamento, deficit que irá aumentando de ano para ano, se não forem aprovadas as propostas de contribuição predial Ora o aumento successivo do deficit conduzirá fatalmente a nação à bancarrota, e esta constituirá um perigo insuperável para a perda da nossa independência.

Sr. Presidente: neste momento histórico, tristemente memorável, nos campos de Tchataldja, milhares e milhares de valentes soldados degladiam se como se fossem lobos cervais, e em rios de generoso sangue agoniza uma grande nação que foi poderosa e rica, porque a tempo não soube cuidar das suas finanças e descuidosamente foi deixando avolumar deficit sôbre deficit.

O gesto generoso e magnânimo das damas turcas indo entregar ao erário público as suas alfaias preciosas evoca as épocas gloriosas da antiga Grécia e da antiga Roma e Cartago, mas êsse gesto, que honra a nação valente, a que essas damas pertencem, talvez não baste para salvar essa nação da agonia em que se debate.

Sirvam, ao menos, as desgraças e tristesas dos outros para nos acautelarmos de iguais desgraças e tristesas.

O Sr. Presidente: - Antes de pôr o projecto à votação, como o Regimento não mo proíbe, desejo dirigir ao Sr. Ministro das Finanças três preguntas, para esclarecer o meu voto, ás quais S. Exa. pode responder com três monosílabos.

Essas preguntas são:

O Govêrno entende que o produto da cobrança da contribuição predial chegará para equilibrar o Orçamento?

Aprovado o projecto, o Govêrno tenciona pedir mais sacrifícios à propriedade, ou recorre a outras fontes de riqueza pública?

No caso do projecto ser rejeitado, o Govêrno dá por finda a sua missão?

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Certamente que o Sr. Presidente não lhe faz essas preguntas, senão como Senador desta Câmara e êle, orador, imediatamente vai responder-lhe.

S. Exa. já ouviu, nas considerações que o orador fez, declarar que o Govêrno julga indispensável, não para equilibrar o Orçamento, mas para não o desequilibrar ainda mais, que seja votada esta lei.

Esta lei tem duas partes: uma destina-se a regular o lançamento da contribuição predial, a outra a modificar a produtividade da contribuição de registo por titulo oneroso, emquanto senão votam outras leis especialmente relativas a êste imposto.

Quanto à contribuição predial, concede ao Govêrno autorização para estabelecer o princípio da taxa progressiva e degressiva.

Por consequência o Govêrno, ainda mais imperiosamente, por isso que esta medida é destinada a não se desiquilibrar mais o Orçamento, do que seria, se se tratasse duma medida financeira, reclama a votação desta lei, em conformidade com o que o Sr. Vicente Ferreira declarou nas Câmaras, sôbre o deficit orçamental, e o que êste Govêrno, na sua declaração ministerial, anunciou.

A segunda pregunta pode-se considerar prejudicada.

Êle, orador, poderia dizer que o Govêrno

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está trabalhando na revisão tributária e financeira proposta pelo Sr. Vicente Ferreira, da qual espera que há de resultar aumento de receita, bem como doutras medidas que o Govêrno destina ao mesmo fim.

Espera que o Parlamento o ajudará, a fim de que o Govêrno possa apresentar ainda outras medidas, de modo a estabelecer o equilíbrio orçamental, sem gravame incomportável para o contribuinte e abrir o ano económico 1913-1914 com o Orçamento perfeitamente equilibrado.

A lei de 4 de Maio pode estar revista pelo Parlamento antes de 30 de Junho, e então poderão ser atendidas algumas das objecções, que tem sido feitas à proposta em discussão, e que melhor cabem em relação a essa lei da República.

De resto, estas são as opiniões que êle, orador, sempre tem sustentado desde a proclamação da República, e que se concentram na necessidade de estabelecer o equilíbrio orçamental.

Sôbre estas bases é que terá de proceder, mas, se as Câmaras entenderem que não deve continuar neste caminho que é ainda cede para que a República faça êsse sacrifício, não será êle que se oporá e o lugar que ocupa pertencerá então àqueles que, sob êste ponto do vista, tiverem tais ideas.

O Sr. Presidente: - Agradeço ao Sr. Ministro. Não há mais ninguêm inscrito; vai votar-se.

É aprovado o projecto na generalidade.

Foi lida na mesa a moção do Sr. Brandão de Vasconcelos.

Posta à votação foi rejeitada.

É pôsto em discussão o projecto na especialidade.

Entra em discussão o artigo 1.°

O Sr. Tomás Cabreira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.°; a minha proposta é a seguinte:

"Proponho que no artigo 1.° sejam eliminadas as palavras que se seguem à palavra "tributários". = Tomás Cabreira.

O Sr. Presidente: - Vai ler se a proposta do Sr. Tomás Cabreira.

Lida na mesa foi admitida, em seguida posta à votação, foi rejeitada.

Foi aprovado o artigo 1.°

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.°

O Sr. Tomás Cabreira: - Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta de substituição ao artigo 2.º, a proposta é a seguinte:

"Substituição do artigo 2.°:

A contribuição predial rústica e urbana, pertencente ao ano de 1912, será lançada tomando como, base a contribuição paga por cada contribuinte no ano de 1911, com as seguintes modificações:

Rendimentos colectáveis até 10$000 réis - isenção:

De 6$000 a 19$990 réis, pagam 8/10 da contribuição.

De 20$000 a 99$990, 9/10.

De 100$000 a 299$990, 10/10.

De 300$000 a 499$990, 11/10.

De 500$000 a 999$990, 50/10.

De 1:000$000 a 2:999$990, 13/10.

De 3.000$000 a 4:999$990, 14/10.

De 5:000$000 a 6:999$990, 15/10.

De 7:000$000 a 9:000$000, 16/10.

§ 1.° Quando o rendimento colectável exceder 9.000$000 réis, o excesso sofrerá, alêm do imposto que lhe pertence pela tabela acima indicada, um imposto complementar de 5 por cento sôbre êsse excesso.

§ 2.° Para o cálculo da contribuição far-se há a soma da verba principal e todos os adicionais pagos ao Estado, e toma-se esta soma como base da contribuição. = Tomás Cabreira.

Leu se e foi admitida.

Pôsto à votação o artigo 2.°, foi aprovado, ficando por isso prejudicada a proposta do Sr. Tomás Cabreira.

Foram aprovados sem discussão os artigos 3.º e 4.°

Leu-se e entrou em discussão o artigo 5.°

Sôbre êste artigo trocam se explicações que não foram ouvidas, entre o Sr. Pedro Martins e o Sr. Ministro das Finanças.

Foi aprovado o artigo 5.°

Foram aprovados sem discussão os artigos 6.º e 7.°

Leu-se e entrou em discussão o artigo 8.°

O Sr. José Maria Pereira: - Sr. Presidente: proponho uma substituição, pois há neste artigo umas palavras que é preciso acautelar porque constituem uma arma na mão dos secretários de finanças. Tomo a

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liberdade de mandar para a mesa a minha emenda.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Sr. Presidente: é completamente desnecessário votar a emenda do Sr. José Maria Pereira, pois o pensamento do projecto, nesta parte, ficou bem assente na discussão que houve na Câmara dos Deputados.

É um caso que vem depois no regulamento.

O Sr. José Maria Pereira: - Em vista das observações do Sr. Ministro das Finanças, desisto de mandar para a mesa a minha proposta.

Foi aprovado o artigo 8.°

Leu-se na mesa e entra em discussão o artigo 9.°

Trocam-se explicações entre o Sr. Pedro Martins e o Sr. Ministro das Finanças.

Foi aprovado o artigo 9.°

Leu-se na mesa e entrou em discussão o artigo 10.°

O Sr. Pedro Martins: - Sr. Presidente: é preciso que esta lei, que vai ser aplicada por secretários de finanças, não tenha dúvidas nenhumas, por isso julgo de vantagem que o § 1.° do artigo 10.° seja redigido doutra forma.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças (Afonso Costa): - Pode ficar consignado que o pronome "lhes" da última oração do § 1.° se refere aos "prédios".

O Sr. José Maria Pereira: - Sr. Presidente: mando para a mesa uma substituição, para estabelecer um correctivo ao § 1.°

Substituição dos §§ 1.° e 2.° do artigo 10.°:

§ 1.° A partir de 1 de Julho de 1913 até 30 de Junho de 1914, serão considerados remissos os donos dos prédios já cultivados ou habitados, e ainda não inscritos nas matrizes, sendo-lhes aplicadas multas correspondentes ao quíntuplo da primeira contribuição predial que for lançada aos mesmos.

§ 2.° A partir de 1 de Julho de 1914, as multas a que se refere o § 1.°, passarão a ser décuplo.

O § 2.° do projecto passa a ser o § 3.° = José Maria Pereira.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro das Finanças: (Afonso Costa): - Sr. Presidente: ainda mesmo que a proposta de emenda do Sr. José Maria Pereira fôsse dalguma conveniência, não havia vantagem em a aceitar, só porque o projecto tinha de voltar à Câmara dos Deputados, quando, de resto, o pensamento do projecto, nesta parte, ficou bem assente.

A multa é de cinco vezes a contribuição e, se se entender, mais tarde será modificada.

Nós temos que acatar não só as disposições da lei de 4 de Maio, mas até as desta lei.

Pede-se uma multa de cinco contribuições porque se entende que é já uma pena suficiente; às vezes não há má fé, há descuido.

O que lhe parece, é que não é indispensável a aprovação desta emenda.

Toma nota dela, para o caso de se poder adoptar noutra lei futura e o Sr. José Maria Pereira não se lembre de a propor. Faz-lhe S. Exa. uma grande fineza, se não persistir numa cousa que não corresponde á questão em princípio e que daria em resultado o projecto ter de voltar à outra Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. José Maria Pereira: - Peço a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se consente que eu retire a minha emenda.

O Senado acedeu a êste pedido e seguidamente foram aprovados os restantes artigos do projecto.

O Sr. Sousa Júnior: - Requeiro a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se dispensa a última redacção dêste projecto, visto que não sofreu alteração alguma.

Consultado o Senado, assim se resolveu.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é na segunda-feira, sendo antes da ordem do dia discutidos os pareceres n.ºs 35 e 54 e na ordem do dia os pareceres n.ºs 40 e 38.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

O REDACTOR = F. Alves Pereira.

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