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Diário das Sessões do Senado
Intervieram cidadãos dos mais categorizados da República, a começar no Chefe de Estado, velhos republicanos muitos e dos de maior prestígio intelectual e moral; faço-lhes a justiça de os julgar incapazes de exceder ou falsear o mandato que receberam da soberania nacional.
Ora êsse mandato não lhes dá o direito de representar o Estado republicano numa cerimónia de culto religioso, e consequentemente a conclusão lógica a tirar é que o Estado não esteve representado naquela cerimónia, e ainda bem para honra dêle e das pessoas que à mesma assistiram.
Vamos a ver agora quais as explicações com que se pretendeu justificar a realização da cerimónia do barrete cardinalício com assistência do pessoal mais graduado da República.
Diziam uns que essa cerimónia era altamente proveitosa para a República por ser a própria igreja católica quem por essa forma reconhecia a supremacia do poder civil sôbre o poder religioso!
E fantástico de ingenuidade ou de velhacaria!
A supremacia de poderes só se demonstro relativamente a poderes ou sub-poderes do Estado, quando por exemplo o sub-poder militar se quere impor. Então sim, é que se torna indispensável, sob pena de subversão da vida nacional, demonstrar a supremacia do poder civil sôbre o militar.
Suponhamos ainda que amanhã o poder judicial se arrogava o direito de intervir na administração pública, não se contentando com a sua função de julgar.
Nêste caso cabia também demonstrar a supremacia do poder civil.
Mas com o poder religioso nunca há necessidade de fazer essa demonstração e seria absurdo fazê-la não só pela natureza espiritual dêsse poder, mas ainda por não ter existência oficial a dentro da República.
Devo dizer, antes de prosseguir, que nas minhas palavras não vai o menor agravo para ninguém, nem tam pouco podem ser interpretadas como significando espírito de intolerância que não possuo.
Eu tenho demonstrado toda a minha vida sentimentos de tolerância que não podem ser excedidos.
O único pensamento que me move é o de querer fixar bem nos anais desta Câmara o meu modo de pensar a respeito da República para com as religiões.
Reatando as minhas considerações: ao falar na supremacia do poder civil, eu olhava naturalmente para o ilustre Senador Dias de Andrade, e pareceu-me ver que a sua fisionomia esboçou um sorrisinho denunciativo de quem ao mesmo tempo que me ouvia, recordava, por associação de ideas, a histórica frase atribuída a D. João VI quando atravessava as ruas de Lisboa e o povo se voltava para êle dando vivas à soberania popular. «Pois sim, sim, tu é que tens a soberania, mas eu é que ando de carro».
Afigurou-se-me que o ilustre parlamentar católico dizia para consigo: Que me importa a mim a supremacia do poder civil sôbre a igreja, se ela se limitar à imposição de um chapéu na cabeça de um cardeal!?
Satisfaçam à igreja católica todas as suas reclamações respeitantes às Leis da Separação e do Registo Civil, concedam-lhe o ensino religioso, dê-se-lhe emfim a situação de que gozava ao ser proclamada a República e ela não porá a menor dúvida, afirmo-o da maneira mais terminante, em dar ao Estado republicano o monopólio da imposição do barrete cardinalício.
Mas a quem pretendem enganar os que justificam a cerimónia do barrete com a supremacia do poder civil?!
Pois a igreja católica que, mesmo nas monarquias absolutas, adoptou sempre o lêma «Deus, Pátria e Rei», ia agora substituí-lo pelo «República e Deus»!
Como tudo isto é ridículo!
Outros davam como razão justificativa da cerimónia a forma correcta, inteligente e favorável aos interêsses de Portugal como o representante de Roma em Lisboa tem sabido exercer a sua função, respeitando como nenhum outro diplomata a República e procurando harmonizar a família portuguesa, pelo que é tido como o modêlo, o protótipo da envergadura diplomática.
Inteligência, ninguém lha contesta, mas quanto à correcção e respeito pelos poderes do Estado vou narrar um facto que contraria manifestamente a existência dêstes dotes.
Sinto que não esteja presente o Sr. Ra-