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REPÚBLICA PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO N.º78
EM 19 DE OUTUBRO DE 1923
Presidência do Ex.mo Sr. António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mos.
Luís Inocêncio Ramos Pereira
António Gomes de Sousa Varela

Sumário. — Chamada e abertura da sessão.
Leitura e aprovação da acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — O Sr. Aragão e Brito requere que entre em discussão o projecto sôbre propriedade literária, o que é aprovado.
O Sr. Afonso de Lemos envia um projecto de lei. O Sr. Procópio de Freitas faz considerações sôbre o encalhe do vapor «Figueira».
O Sr. Lima Alves fala sôbre um manifesto dos industriais de panificação.
O Sr. Querubim Guimarães fala sôbre a Junta Autónoma das obras do pôrto de Aveiro.
Ordem do dia. — Interpelação do Sr. Catanho de Meneses ao Sr. Ministro da Justiça, sôbre a lei do inquilinato.
Usa da palavra o Sr. Catanho de Meneses, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Justiça, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Sr. Presidente encerra a sessão.
Abertura da sessão às 15 horas, 15 minutos.
Presentes à chamada 27 Srs. Senadores.
Entraram durante a sessão 10 Srs. Senadores.
Faltaram 33 Srs. Senadores.
Srs. Senadores que responderam à chamada:
Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Álvaro António Bulhão Pato.
António Alves de Oliveira Júnior.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
César Justino de Lima Alves.
César Procópio de Freitas.
Constantino José dos Santos. Duarte Clodomir Patten de Sá
Viana.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco António de Paula.
Francisco José Pereira.
Francisco Vicente Ramos.
Herculano Jorge Galhardo.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
José António da Costa Júnior.
José Mendes dos Reis.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Ricardo Pais Gomes.
Silvestre Falcão.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
Augusto de Vera Cruz.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
Frederico António Ferreira de Simas.
João Carlos da Costa.

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Diário das Sessões do Senado
José Joaquim Fernandes Ponte.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Roberto da Cunha Baptista.
Srs. Senadores que faltaram à sessão:
António da Costa Godinho do Amaral.
António de Medeiros Franco.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Francisco Xavier Anacleto da Silva.
João Alpoim Borges do Canto.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
Jorge Frederico Velez Carolo.
José Augusto Ribeiro do Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Duarte Dias de Andrade.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Manuel Gaspar de Lemos.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Rodolfo Xavier da Silva.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 27 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a acta.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Leu-se.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta. Não havendo ninguém que peça a palavra, considera-se aprovada.
Vai ler-se o
Expediente
Ofícios
Da 6.ª vara cível do Lisboa, pedindo autorização para comparecer o Sr. Lima Alves.
Para a Secretaria.
Do Govêrno Civil de Faro, acompanhando a representação da Câmara Municipal de Albufeira.
Para a Secretaria.
De um grupo de amigos do falecido almirante Machado dos Santos, solicitando o apoio do Senado à manifestação de preito e homenagem.
Para a Secretaria.
Do Ministério do Interior, satisfazendo o requerimento n.° 456, de 22 de Junho último, do Sr. Procópio de Freitas.
Para a Secretaria.
Do Ministério do Trabalho, satisfazendo o requerimento n.° 479, de 17 de Julho último, do Sr. Júlio Ribeiro.
Para a Secretaria.
Do Ministério dos Estrangeiros, satisfazendo o requerimento n.° 497, de 16 de Agosto último.
Para a Secretaria.
Do director do Instituto Profissional dos Pupilos do Exército, convidando o Senado a assistir no dia 22 do corrente à abertura do ano lectivo.
Para a Secretaria.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a inclusa cópia do parecer da comissão de finanças que manda seja pago ao Deputado António Maia o subsídio que lhe foi descontado.
Para a 1.ª Secção.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que mantém para todo o papel comum do tipo ordinário do jornal, importado desde 28 de Agosto do corrente ano.
Para a 1.ª Secção.

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Sessão de 19 de Outubro de 1923
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que aprova para ratificação a convenção especial sôbre propriedade literária e artística entre Portugal e Brasil.
Para a Secretaria.
Do Sr. Ministro da Justiça, comunicando estar habilitado a responder à interpelação do Sr. Catanho de Meneses.
Para a Secretaria.
Do Tribunal de Desastres, mandando comparecer na sala das audiências um representante do Conselho de Administração das Obras do Congresso, a fim de assistir à conciliação com um assalariado vítima de um desastre.
Para a comissão administrativa.
Da Câmara dos Deputados, acompanhando a proposta de lei que substitui o artigo 25.° do Código Penal.
Para a 2.ª Secção.
Carta
Do Sr. Deputado Pina de Morais, agradecendo o voto de sentimento pelo falecimento de seu pai.
Para a Secretaria.
Requerimentos
Requeiro que seja promulgado, ao abrigo do artigo 32.° da Constituição, o projecto de lei n.° 253 desta Câmara sôbre provimento de cônsules e terceiros secretários de legação. — José António da Costa Júnior.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Guerra, me seja fornecida, com urgência, cópia da sindicância feita em Viseu a uns casos graves que se deram por ocasião dumas exéquias que se realizaram nessa cidade para comemorar o aniversário da morte de Sidónio Pais. — César Procópio de Freitas.
Para a Secretaria.
Do capitão picador José da Costa, pedindo lhe seja feita justiça sôbre a promoção a que se julga com direito.
Para a 4.ª Secção.
Requeiro que, pelo Ministério da Marinha, me sejam fornecidos, com urgência, os seguintes documentos:
Motivo das viagens feitas à Noruega e à Holanda pelo capitão de fragata Carvalho Brandão. Caso tenha havido qualquer convite, cópia dêsse convite.
Nota de todos os vencimentos pagos em ouro ao capitão de fragata Carvalho Brandão, para fazer as referidas viagens.
Cópia dos trabalhos apresentados por êste oficial, conseqùência dos estudos feitos nas citadas viagens.
Qual o motivo da recente viagem a Paris, por conta do Estado, do vice-almirante Augusto Eduardo Newparth, e nota de todos os vencimentos pagos em ouro a êsse oficial para a referida viagem. — César Procópio de Freitas.
Para a Secretaria.
Requeiro que, ao abrigo do disposto na 2.ª parte do artigo 32.° da Constituição da República, sejam promulgadas como lei as propostas n.ºs 62 e 142. — Francisco José Pereira.
Para a Secretaria.
Requeiro que, pelo Ministério da Instrução e do Interior, sejam promulgadas como lei, ao abrigo do disposto na parte final do artigo 32.° da Constituição da República, as propostas de lei n.ºs 15 e 72, aprovadas nesta Câmara em 1922.-Frederico António Ferreira de Simas.
Para a Secretaria.
Telegramas
Da comissão municipal do Partido Nacionalista de Odemira, protestando contra o decreto n.° 9:156. marcando eleição de Procuradores à Junta Geral de Beja.
Para a Secretaria.
Do funcionalismo público do Pôrto, protestando contra as propostas de lei de finanças.
Para a Secretaria.
Justificação de faltas
Do Sr. Ernesto Navarro.
Para a comissão de faltas.
Projectos de lei
Do Sr. Afonso de Lemos, criando uma assemblea eleitoral em Safara e Sobral.
Para a 2.ª Secção.

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Diário das Sessões do Senado
Do Sr. Carlos Costa, sôbre a admissão dos filhos de bombeiros portugueses de corporações legalmente constituídas no Instituto Feminino de Educação e Trabalho e no Instituto Profissional dos Pupilos do Exército de Terra e Mar.
Para a 3.ª Secção.
O Sr. Presidente: — O Sr. juiz de direito da 5.ª vara pede que a Câmara autorize o Sr. Lima Alves a ir no dia 29 de Novembro, pelas quinze horas, à Quinta das Peles, freguesia de Odivelas, para funcionar como perito numa vistoria.
Foi concedido.
O Sr. Aragão e Brito: — Sr. Presidente: requeiro a V. Ex.ª que consulta o Senado se permite que reúna a secção respectiva para dar parecer à Convenção sôbre a propriedade literária e artística entre Portugal e Brasil, a fim de entrar em discussão ainda hoje, se fôr possível.
Foi aprovado.
O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa um projecto de lei criando uma assemblea eleitoral em Safara, para o qual poço a urgência.
O Sr. Presidente: — A urgência neste caso é só a dispensa da leitura na próxima sessão.
Foi lido o projecto e concedida a urgência.
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: estranho que tendo pedido a comparência de alguns dos Srs. Ministros, como sejam os da Guerra, Marinha e Comércio, a esta sessão de hoje, antes da ordem do dia, não se achem presentes nenhum dêsses Srs. Ministros.
Peço a V. Ex.ª o obséquio de mandar saber se algum dêstes Srs. Ministros está no edifício do Congresso, e de lhe dizerem que eu desejo a comparência dêles agora nesta sessão, pedindo também a V. Ex.ª para me reservar a palavra para quando alguns dêstes Srs. Ministros se dignasse aparecer.
O Sr. Presidente: — Vou mandar saber.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Hoje não houve sessão na Câmara dos Deputados de maneira que não está presente nenhum dos Srs. Ministros.
O Sr. Procópio de Freitas: — Se V. Ex.ª me dá licença, continuo no uso da palavra, pedindo ao Sr. Ministro da Justiça para transmitir as minhas considerações aos seus colegas.
Sr. Presidente: no inverno passado encalhou em Leixões o vapor figueira dos T. M. E. que estava fretado à Companhia Nacional de Navegação, ficando a cargo do Estado o desencalhe dêsse navio, visto o navio não estar no seguro e o contrato de fretamento não ter sido feito de modo a os riscos não correrem por conta do Estado.
Constou-me que nessa ocasião o vapor de salvação dinamarquês Walkirien se propôs salvar o navio por 400 contos aproximadamente.
Não aceitaram a oferta, e hoje já vai em 600 contos o dinheiro gasto com a salvação dêsse vapor e êle continua ainda por salvar. Está-se a pagar 6 contos por dia de aluguer dumas bombas para esgôto do navio, quando êsse serviço podia ser feito com as bombas que tem o vapor Patrão Lopes, e que têm sido por várias vezes emprestadas e alugadas pelo Ministério da Marinha.
Como disse a V. Ex.ª e à Câmara, já vai aproximadamente em 600 contos a despesa feita com êsse salvamento e ainda se gastarão pelo menos outros 600 para o pôr em Lisboa.
Isto, Sr. Presidente, é mais uma prova evidente da má administração do Estado e do péssimo serviço feito pelo Sr. Ministro do Comércio, que não está nada de acôrdo com a pregação que se anda a fazer do deficit diário de 1:000 contos que tem o Estado.
Peço ao Sr. Ministro da Justiça a fineza de transmitir ao Sr. Ministro do Comércio estas considerações, que julgo verdadeiras.
Desejo também tratar dum outro assunto que me parece ser um abuso e uma arbitrariedade que se esta a cometer em Angola.
Em vista de um convite feito ao exército, foi para Angola, o ano passado, em Junho, uma companhia de infantaria 33,

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que devia permanecer lá um ano em harmonia com um decreto da metrópole.
Chegou a companhia a Loanda, e passados três meses um decreto do Alto Comissário determinou que o serviço dessa companhia fôsse por dois anos, contràriamente ao estabelecido pelo decreto da metrópole.
Requereu o comandante ao Sr. Ministro da Guerra para regressar a Lisboa no fim da semana. Deferido êsse requerimento, foi feita a competente comunicação ao interessado, mas o quartel general não autorizou o seu regresso em conseqùência do decreto provincial que manda ser de dois anos a estada em Angola da companhia, o que não pode ser.
Um decreto da província pode revogar um decreto da metrópole? Creio que não. O que fez o Alto Comissário de Angola foi uma arbitrariedade.
Em 5 de Outubro, no Funchal, lembraram-se alguns republicanos de fretar um vapor para fazerem uma manifestação à tripulação dum navio de guerra português que ali se encontrava. Passaram em volta do navio dando entusiásticos vivas e foi a bordo uma deputação cumprimentar o comandante.
A fortaleza de Santiago, que tem por dever corresponder às salvas dos navios de guerra que entram no pôrto, não içou a bandeira nêsse dia, tendo salvado ao meio dia, sem bandeira, o que é ilegal.
O vapor com os manifestantes foi defronte da fortaleza, tendo havido também alguns vivas à República, sendo natural que alguém fizesse notar a falta, da bandeira, o que parece ter melindrado o comandante da fortaleza, que segundo me consta queixava-se dos manifestantes. Estes ao chegarem a terra dirigiram-se ao comandante militar e fizeram-lhe sentir a sua estranheza pelo facto de, no dia do aniversário da República, não ter a fortaleza içado a bandeira nacional, e pedindo para a mandar içar, mas como lhes fôsse dito que na fortaleza não havia bandeira, foram arranjar uma que entregaram ao comandante militar para a mandar içar.
Só assim é que a fortaleza passou a ter içada a bandeira nacional. Isto é extraordinário!
Não se pode admitir que uma fortaleza marítima encarregada de corresponder a
salvas não tenha uma bandeira nacional pronta a içar.
Isto não se pode tolerar.
É possível que o comandante da fortaleza não tenha culpa da falta da bandeira, mas alguém a tem, e é indispensável exigir-se responsabilidades a quem a tiver.
Peço ao Sr. Ministro da Justiça, e dos Cultos o favor de transmitir ao Sr. Ministro da Guerra o que acabo de narrar, assim como um outro facto a que me vou referir e que consiste na pouca atenção que o chefe do gabinete do Ministério da Guerra tem para com os parlamentares, fazendo-os esperar por vez para lhe falar, como se fôsse Ministro. É praxe estabelecida há muito, os chefes de gabinete receberem imediatamente os parlamentares que lhes desejam falar.
Fui chefe de gabinete no Ministério da Marinha por duas vezes, e foi assim sempre que fiz e foi assim sempre que os Ministros me recomendaram que fizesse.
No Ministério da Guerra não sucede porém assim, dando-se até o caso de o chefe de gabinete ter dito uma vez que se tinha esquecido que eu desejava falar-lhe.
Ora eu não posso tolerar que um chefe de gabinete se esqueça que um parlamentar lhe mandou dizer desejar falar-lhe.
Eu lamento que não esteja presente o Sr. Presidente do Ministério para mais uma vez protestar perante S. Ex.ª contra o abuso que estão cometendo as autoridades do Pôrto, retendo ainda em seu poder o arquivo político das comissões distrital e municipal do Partido Republicano Radical, assim como a chave das salas onde se reúnem estas comissões.
Eu já há dias disse ao Sr. Presidente do Ministério, e repito aqui, que, se o arquivo político das comissões do Partido Republicano Radical no Pôrto e a chave forem arrancados violentamente das mãos das autoridades, a culpa é ùnicamente de quem devia dar ordens para estes objectos serem entregues, e que o não têm querido fazer, talvez por recear ir contra os seus subordinados.
Eu não posso mais uma vez deixar de lavrar o meu protesto contra êste abuso das autoridades do Pôrto, que ùltimamente acabam de cometer um novo abuso proibindo que núma das ruas do Pôrto se fizesse uma manifestação de bandeiras e

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Diário das Sessões do Senado
música para comemorar o aniversário do 19 de Outubro.
Creio que não há lei nenhuma que permita às autoridades fazerem nina cousa desta.
Eu desejava ocupar-me de outros assuntos de certa, importância que correm pelo Ministério da Marinha, mas, como o titular desta pasta não está presente, eu abstenho-me de me ocupar dêles agora, visto que considero inútil fazê-lo não estando presente S. Ex.ª
Aproveito a Ocasião de estar com a palavra para mandar para a Mesa dois requerimentos pedindo vários documentos pelo Ministério da Marinha e pelo Ministério da Guerra.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): — Pedi a palavra para dizer em resposta às considerações do Sr. Procópio de Freitas que transmitirei aos Srs. Presidente do Ministério, Ministros da Guerra, Colónias e Comércio e Comunicações as observações que S. Ex.ª fez acêrca dos diferentes assentos que versou.
O Sr. Lima Alves: — Sr. Presidente: Eu não sou daqueles que dêem grande importância a papéis que se distribuem pelas ruas.
Ao dirigir-me hoje a esta casa do Parlamento foi-me distribuído um manifesto ao qual desejo fazer algumas referências porque êle é publicado sob a responsabilidade de uma associação, a Associação de Classe dos Industriais Independentes de Panificação, e que tem a responsabilidade dos editores que é a mesma associação de classe.
Há duas passagens neste documento que eu quero levantar. Uma delas é a seguinte. Depois de fazer referências à última lei cerealífera e de mostrar, no entender desta classe, os seus inconvenientes, faz esta pergunta:
«O que dizem a isto os legisladores que outrora tam rudemente atacaram a moagem no Parlamento, salientando-se nesses ataques o actual Ministro da Agricultura Sr. Joaquim Ribeiro, e porque fazem agora sôbre o caso um silêncio sepulcral?»
Ora nesta casa do Parlamento tenho sido eu quem mais se tem levantado contra a moagem e contra o prejuízo que industriais tanto da moagem como da panificação têm causado ao consumidor.
Se esta pregunta pode ser dirigida a qualquer dos parlamentares que a assuntos desta natureza se têm referido no Parlamento, ela não pode de modo nenhum dirigir-se a mim.
Foi efectivamente publicada uma lei ditatorial pelo Sr. Ministro da Agricultura.
Na primeira oportunidade, como foi exactamente no dia em que o Sr. Presidente do Ministério veio apresentar a esta casa do Parlamento o Sr. Ministro da Agricultura, eu pedi a palavra para quando S. Ex.ª estivesse presente. Não o estando, ou não quis protelar por mais tempo o dizer alguma cousa a respeito do assunto. E aproveitando a presença do Sr. Presidente do Ministério, eu fiz salientar que desejaria conversar com o Sr. Ministro da Agricultura sôbre a lei cerealífera ditatorialmente por S. Ex.ª publicada.
Disse ao mesmo tempo, Sr. Presidente, e para que desta afirmação pudesse resultar a convicção de que alguma importância havia, que por virtude das disposições daquela lei eu julgava que o consumidor do pão era prejudicado em exclusivo benefício da moagem em nada menos de 60:OCO contos por ano.
Essa minha afirmação parece que devia merecer alguma importância nos tempos que vão correndo, em que tudo está excessivamente caro e sendo o pão um produto essencial.
Alêm desta afirmação, Sr. Presidente, a única relativa a tal assunto, tive ocasião de dizer que desejava conversar com S. Ex.ª a respeito de um outro diploma ditatorial por êle referendado.
Não me foi possível conversar sôbre qualquer dêsses assuntos, e entretanto eu vejo a notícia de que o Sr. Ministro da Agricultura está demissionário.
Não sei se está demissionário ou se o Sr. Presidente da República teve o condão de o convencer a continuar.
Na carta em que o Sr. Ministro da Agricultura explicava ao pais ou ao Sr. Presidente do Ministério a resolução tomada, isto é, o seu pedido de demissão, S. Ex.ª alegava que era por virtude da comissão

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de finanças da outra Câmara ter resolvido propor a supressão do Ministério da Agricultura.
Não quero, Sr. Presidente, discutir a supressão nem os melindres do Sr. Ministro da Agricultura. O que me parece é que S. Ex.ª, atendendo a que havia uma acusação contra diplomas seus, devia, antes de se demitir, vir a esta casa do Parlamento, onde era chamado a dar explicações.
0 Sr. Ministro da Agricultura teria muito tempo para vir aqui, alêm de que mesmo dentro do Ministério poderia defender a conservação do Ministério da Agricultura.
E ainda que o não quisesse fazer das bancadas ministeriais, S. Ex.ª não seria o primeiro, se tomasse o seu fauteuil para apresentar as doutrinas que entendesse sôbre o assunto.
Sr. Presidente: eu não quero saber os motivos que levaram o Sr. Ministro da Agricultura à sua resolução, tanto mais que na mesma carta S. Ex.ª afirma que o que o levou a êsse acto foi não só a proposta da supressão do Ministério da Agricultura, como outra que tinha apresentado ao Sr. Presidente do Ministério e que por si só seria suficiente para explicar a sua atitude.
Ora eu quero prestar um serviço ao Chefe do Govêrno.
Certamente S. Ex.ª anda atarefado para trazer novamente à bancada ministerial o Sr. Ministro da Agricultura.
Eu junto às diligências do Sr. Presidente do Ministério também o meu pedido, que S. Ex.ª venha aqui para ser ouvido sôbre os seus decretos ditatoriais.
Se porventura o Sr. Ministro da Agricultura fôsse Senador, em qualquer ocasião poderia aqui defender-se, mas, não tendo palavra nesta casa do Congresso, eu julgo um dever de lealdade pedir a S. Ex.ª para que por mais tempo se mantenha nas cadeiras do Poder para poder dar alguma explicação.
Sr. Presidente: voltando ainda ao documento a que há pouco me referi, a uma outra passagem queria também fazer referência.
Leu.
Ora, Sr. Presidente, eu já tive a infelicidade de sobraçar a pasta da Agricultura e certamente aquela passagem não se pode referir a mim, eu não sou accionista nem grande nem pequeno, nem da grande nem da pequena moagem, eu sou um simples professor, um simples Senador e mais nada.
Tenho dito.
O Sr. Silva Barreto: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa uma nota que vou ler, para que concretamente o Sr. Ministro da Instrução, quando o entenda, elucide o Senado sôbre êste assunto.
Leu.
Isto não é uma nota de interpelação, é um pedido de explicações.
O Sr. Querubim Guimarães: — Sr. Presidente: é ùnicamente como representante de Aveiro, e porque naquela cidade todos têm o grande, o máximo desejo em que seja aprovado o regulamento da Junta Autónoma das obras do pôrto, que está na Câmara dos Deputados.
Ainda há dias o Sr. Ministro do Comércio quando passou por Aveiro teve ocasião de ver como todas as associações, como todas as entidades oficiais, todas as pessoas, emfim, sem distinção de côr política e de classes lutam e trabalham para que vejam transformado em realidade êsse seu desejo.
Desejaria que o Sr. Ministro da Marinha estivesse presente para chamar a atenção de S. Ex.ª para êsse assunto, porque embora êle não pertença já ao Poder Executivo, mas à Câmara dos Deputados, eu queria pedir a S. Ex.ª que intercedesse junto do Sr. Ministro do Comércio no sentido de conseguir que a Câmara dos Deputados dê o maior desenvolvimento possível à respectiva discussão, sem que esta seja prejudicada.
Peço, por isso, ao Sr. Ministro da Justiça o favor de transmitir êste meu desejo ao Sr. Ministro da Marinha.
Não vejo também presente o Sr. Joaquim Ribeiro, que não sei se ainda é ou não o Sr. Ministro da Agricultura. De maneira que não sabemos se há ou não Ministro da Agricultura.
Nós vivemos numa situação um pouco rocambolesca em qualquer época normal, mas que não é nada de admirar neste regime em que vivemos.

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Diário das Sessões do Senado
O que se sabe é que o Sr. Joaquim Ribeiro embarcou no caminho de ferro para Ferreira do Zêzere, talvez incomodado com uma presumida extinção do Ministério da Agricultura.
Eu que conheço bem o Sr. Joaquim Ribeiro, que tenho por S. Ex.ª uma grande estima e com cuja amizade me honro, não compreendo que S. Ex.ª tivesse apresentado a sua demissão de Ministro da Agricultura e se tivesse ausentado para a sua terra sem que tivesse alguém que o substituísse para poder responder a quaisquer preguntas ou prestar esclarecimentos sôbre os assuntos dessa pasta e especialmente no que diz respeito ao problema do pão.
Eu não compreendo que se não veja alguém ocupando a pasta da Agricultura, para nos elucidar a tal respeito, como agora sucedeu ao Sr. Lima Alves, que sôbre o assunto falou.
O que é certo é que num papel que foi distribuído no Largo das Côrtes se fazem insinuações gravíssimas que é necessário pôr a claro.
Não há maneira de pôr esta sociedade na ordem. Eu não sei fazer previsões, nem as pode fazer o melhor sociólogo, mas o que eu sei é que esta anarquia que nos esmaga há-de trazer uma reacção em que aqueles que estão hoje perfeitamente às cegas hão-de ser os primeiros a ser prejudicados.
O que é certo é que nêsse papel se faz uma afirmação grave, qual é a de que há uma proposta duma casa americana para fornecimento de farinha, de modo a baratear o preço do pão e a conseguir que êle melhore de qualidade.
Pregunto eu: poderá o Sr. Ministro da Agricultura ou quem quer que o represente informar a Câmara se se trata duma afirmação gratuita ou se realmente ela representa a verdade?
E se é verdade? porque é que se não decreta essa importação?
Quem é que nos elucida a êste respeito?
O Sr. Joaquim Ribeiro, que ocupava a pasta da Agricultura, sumiu-se; pessoa muito cheia de pundonor e de brio bateu as asas e foi para a sua terra, de maneira que êsse Ministério ficou abandonado.
Lamento o facto e desejaria saber da parte de quem tem autoridade para nos
elucidar se realmente o que se diz nesse papel é ou não verdade.
Estou convencido de que o Sr. Joaquim Ribeiro, ao contrário do que aqui se insinua, procedeu como a sua inteligência e o seu saber lhe indicaram, porque o reputo incapaz de proceder incorrectamente (Apoiados), mas é necessário que a situação se esclareça e que, se há possibilidade de nós comermos o pão mais barato que se adoptem as providências precisas nesse sentido.
O Sr. Ministro da Justiça (Abranches Ferrão): — Transmitirei aos Srs. Ministros da Marinha e do Comércio as considerações feitas pelo Sr. Querubim Guimarães.
O Sr. Presidente: — Vai-se entrar na ordem do dia, continuação da discussão da proposta de lei n.° 178, referente ao inquilinato.
O Sr. Querubim Guimarães (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pedi a palavra para interrogar a Mesa, porque desejava saber se vamos entrar na discussão da proposta de lei n.° 178 sem estar presente o Sr. Catanho de Meneses, que tanto se tem interessado por esta questão, e ao mesmo tempo para saber se entramos nesta discussão sem se realizar aquela espécie de interpelação por S. Ex.ª ao Sr. Ministro da Justiça, que foi marcada para hoje, e demais estando presente o respectivo Ministro, a qual deverá certamente preceder a discussão desta proposta de lei.
O Sr. Presidente: — Peço perdão a V. Ex.ª
A interpelação do Sr. Catanho de Meneses não foi marcada para a sessão de hoje, pois devia realizar-se na próxima semana, talvez na têrça-feira.
O Orador: —Então requeiro que a proposta de lei n.° 178 seja retirada da discussão até se realizar a interpelação do Sr. Catanho de Meneses ao Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Vicente Ramos (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: se não estou em êrro, parece-me que o Sr. Catanho de

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Meneses não apresentou uma nota de interpelação, mas se limitou a pedir ao Sr. Ministro da Justiça algumas explicações acêrca do decreto que S. Ex.ª fez publicar relativamente ao inquilinato.
É possível que o Sr. Ministro do Justiça, que está presente, queira dar essas explicações, e nêsse caso não se perderia mais tempo.
O Sr. Querubim Guimarães (sôbre o modo de votar): — Eu não tenho desejo nenhum em demorar a discussão da proposta de lei n.° 178.
Estou mesmo convencido de que, com a decidida e boa vontade que nesse sentido existe, tanto daquele lado da Câmara como dêste lado, tudo se conseguirá na melhor harmonia e no melhor equilíbrio de interêsses.
Mas o que não é regular é que se esteja a discutir uma proposta, sôbre a qual o Sr. Ministro da Justiça tinha sido convidado a dar explicações.
Portanto, o que é lógico no bom método dêsses trabalhos é que o Sr. Ministro da Justiça, depois de ouvir o Sr. Catanho de Meneses, dê as explicações que entender sôbre o seu decreto.
O Sr. Presidente: — Se a Câmara entender que se deve realizar já hoje a interpelação do Sr. Catanho de Meneses, não tenho dúvida em conceder a palavra a S. Ex.ª, tanto mais que o Sr. Ministro da Justiça manifestou desejos de que ela se realizasse hoje, mas eu é que não podia aceder aos seus desejos, visto não a ter marcado para hoje.
No emtanto, se a Câmara está de acôrdo realiza-se primeiro a interpelação.
Apoiados gerais.
O Sr. Catanho de Meneses: — Não tinha conhecimento de que a interpelação fôsse marcada para hoje, mas tendo eu na última sessão estranhado que não tivesse ainda uma resposta do Sr. Ministro da Justiça, eu não posso de maneira nenhuma, pelo que devo a mim e à Câmara, deixar de aceitar essa interpelação para já.
A questão do inquilinato é uma questão que preocupa desde 1914 os legisladores portugueses e também os estrangeiros.
Atendendo à acuidade do problema, eu tive a honra de apresentar na Câmara dos Deputados, em 21 de Março de 1922, um projecto sôbre o assunto.
Reuniu-se a comissão várias vezes, trocaram-se impressões, e com o Sr. Abranches Ferrão, presidente dessa comissão, tive uma conferência em que se combinou S. Ex.ª dar o seu parecer.
A verdade é que seis meses decorreram desde então, e até hoje, naturalmente pelos seus afazeres, não pôde S. Ex.ª dar o seu parecer.
Veio depois S. Ex.ª em princípios de Dezembro de 1922 sobraçar a pasta da Justiça.
E, embora não conste dos Diários das Câmaras, creio que S. Ex.ª, reconhecendo que o assunto era da máxima urgência, não deixaria de instar na outra Câmara, com o Sr. Ministro da Justiça, para que a comissão desse o respectivo parecer.
A verdade, porém, é que, até Maio dêste ano, S. Ex.ª não conseguiu que a comissão apresentasse o seu parecer. E devo supor, embora não tenha provas para o afirmar, que S. Ex.ª, sinceramente, devotadamente, quereria que êsse projecto entrasse em discussão, e tanto que eu vi, na imprensa, muitas vezes repetido, que S. Ex.ª julgava que êsse projecto era digno de ser atendido. S. Ex.ª, mais duma vez, em entrevistas concedidas aos jornais, ao tomar conta da pasta da Justiça, ou pouco depois, quando os jornalistas lhe perguntavam o que pensava sôbre o assunto ou o que tencionava fazer, respondia invariàvelmente que estava pendente da discussão do Parlamento um projecto de lei por mim apresentado.
A verdade é que as cousas foram passando até que veio da Câmara dos Deputados o projecto de lei n.° 328, projecto a que a respectiva comissão dessa Câmara, e o próprio Sr. Ministro da Justiça, no seio do Senado, chamou projecto de lei interpretativo.
Quando o projecto de lei n.° 328 veio da Câmara dos Deputados para o Senado, entendeu a comissão do Senado que, assim como a Câmara dos Deputados lhe tinha introduzido algumas modificações relativas ao inquilinato, e não pròpriamente à interpretação das leis n.ºs 1:325 e 1:668. seria ocasião também de lhe introduzir outras disposições que

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lhe pareciam mais urgentes sôbre semelhante problema, que estava, e está, prendendo a atenção pública e que se prendiam com interêsses encontrados entre senhorios e inquilinos.
Fui eu nomeado relator dêsse projecto de lei, demorando-me algum tempo a apresentar o respectivo parecer, porque o meu estado de saúde não me permitia estudar o problema, que eu considerava da máxima importância, com aquela atenção, com aquele cuidado e com aquela minúcia que o assunto exigia. Mas é certo que a comissão apresentou o seu parecer em Maio, que desceu à respectiva secção, dando-se-lhe a última redacção, e veio depois para a sessão plena, a fim do ser discutido.
Devo, antes de mais nada, dizer que poucos projectos de lei têm sido discutidos nesta Câmara duma maneira tam elevada, tam minuciosa, tam demonstradora da grandeza do assunto que estava na tela da discussão, como foi êsse projecto. Foi demoradíssima a sua discussão na generalidade, tendo falado todos os oradores que nela entraram com aquela proficiência que a Câmara lhes reconhece, e entre os quais devo especializar os Srs. Joaquim Crisóstomo, Querubim Guimarães e Tomás de Vilhena.
Não há dúvida nenhuma que essa discussão foi feita a toda a sua altura, mostrando todos os oradores que nela tomaram parte grandes conhecimentos do assunto. Poderia, à primeira vista, parecer que os dominava uma grande paixão, mas não: era a grandeza do assunto e o desejo que todos tinham em que do Senado saísse uma lei que viesse conciliar os justos interêsses entre senhorios e inquilinos.
Seria curioso — o devo dizê-lo em homenagem ao Sr. Ministro da Justiça — que S. Ex.ª tivesse também pedido a palavra sôbre a generalidade, porque, segundo o Regimento do Senado, como no da outra Câmara, quando se discutem os assuntos na generalidade, é que se analisa em conjunto a conveniência das disposições dos respectivos projectos do lei, e, por isso seria interessante que S. Ex.ª, à semelhança dos outros Ministros da Justiça doutros países, tomasse uma parte activa na discussão do projecto, na generalidade.
Na Itália, o Sr. Mussolini, na França, o Sr. Barthou, e na Bélgica, emfim, em todos os países onde o assunto tem sido debatido, os Ministros da Justiça entenderam que não se tratava duma questão de somenos importância e que era mester que os Ministros da Justiça mostrassem sôbre êle a sua orientação.
A verdade é que S. Ex.ª entendeu por conveniente — e não serei eu que o acuse, porque S. Ex.ª é sempre coerente e leal nas suas atitudes — entendeu conveniente, digo, não comungar com o Senado, ou seja com estas pessoas humildes, mas cheias de boas intenções, que aqui têm assento, para que daqui saísse uma obra tam perfeita quanto possível.
Perdão! Eu estava laborando num êrro. S. Ex.ª interveio neste debate na generalidade. Mas como? Interveio do modo seguinte: A discussão na generalidade levou muito tempo, como já disse, e das bancadas dos Srs. Senadores Monárquicos, o Sr. Querubim Guimarães levantou esta questão: Qual o assunto que devia ser tratado em primeiro lugar? Se devia ser a proposta de lei n.° 328, que trata dos coeficientes, e que eu disse e repito agora, embora tenha alguma importância o projecto que agora se discute, não tem tanta como a proposta n.° 328. Foi nessa ocasião que o Sr. Ministro da Justiça interveio para declarar que se tratava duma lei interpretativa.
Ainda conservo estas palavras como se estivesse ouvindo neste momento.
Dizia S. Ex.ª com aquele seu tom natural e sugestivo, como sendo a causa mais simples dêste mundo, que, sendo o projecto de lei n.° 328, uma proposta de lei interpretativa, ela devia ter preferência na discussão.
Por conseqùência S. Ex.ª interveio na discussão na generalidade, ùnicamente para dizer que naquele momento devia ser pôsto de parte o projecto da comissão.
Entende S. Ex.ª com isto menosprezar a comissão? De modo nenhum.
Diz S. Ex.ª isso para afastar o Senado da discussão dessa disposição?
Longe estou também do o imaginar.
A atitude de V. Ex.ª como professor de direito, como advogado, como Ministro da Justiça, deve ser, estou convencido que é, a mais correcta possível.

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A verdade porém é esta: é que tendo o Senado em tempo competente dado o seu voto para continuar a discussão da proposta, e tendo até emitido o parecer de que essa discussão era de tanto alcance e necessidade que ela devia primar sôbre outras que aqui estavam em discrssão, mostrou o maior empenho, isto de todos os lados da Câmara, em que se entrasse na discussão da especialidade.
Por consequência eu fiquei na persuação de que, logo que abrissem as Câmaras, êste projecto seria discutido, apresentando o Sr. Ministro da Justiça as emendas que entendesse, as ideias, alvitres, tudo aquilo que, emfim, a sua altíssima capacidade, saber e inteligência tivesse por bem apresentar. Assim, Sr. Presidente, eu estava nesta fé até um período relativamente curto ao da abertura do Parlamento, e efectivamente, em princípios de Setembro, já nas regiões oficiais se dizia que o Parlamento ia ser aberto, porque circunstâncias urgentes de ordem financeira e económica obrigaram o Govêrno a servir-se das faculdades que lhe dava a Constituição para convocar o Parlamento. Isto serve para dizer que quando em 10 de Setembro dêste ano saíu o decreto n.° 9:118, a quinze dias da abertura do Parlamento, S. Ex.ª tinha conhecimento de que efectivamente teria o seio das Câmaras para debater essa questão. S. Ex.ª, com a responsabilidade que lhe dá a sua situação, só o podia demover uma única preocupação e essa era a necessidade urgente de intervir no assunto, mas respeitando os moldes constitucionais, S. Ex.ª por mais de unia vez pressentindo que o podiam acusar de ter sido inconstitucional, mostrou que tinha perfeito conhecimento da Constituição, e que não ia, de modo algum, no seu decreto n.° 9:118, inserir qualquer disposição que importasse menosprezo, desdem ou cousa parecida por aquilo que o nosso pacto fundamental determina de uma maneira tam expressa, categórica e insofismável.
S. Ex.ª então diz no seu relatório o seguinte: reconhece que o decreto n.° 5:411 tem a mesma eficácia perante a Constituição como se fôsse uma lei saída do seio do Parlamento. S. Ex.ª então diz o seguinte:
Leu.
Eu devo dizer que a impressão que colhi ao ler êste relatório não foi boa, porque S. Ex.ª dizia que não podia tocar em disposições expressas da lei, mas ao mesmo tempo dizia que esta proposta de lei tinha sido mal interpretada e que S. Ex.ª ia intervir. Foi êste o pensamento de S. Ex.ª
S. Ex.ª reconhece que a lei não é só a sua letra, mas também o seu espírito, e muitas vezes nos vemos obrigados a socorrer-nos do espírito das leis por a sua letra não ser bem clara. Por êste relatório parece que S. Ex.ª entende que desde o momento em que a própria lei estava sendo mal interpretada pelos tribunais, o Poder Executivo podia intervir.
Não é assim, salvo o devido respeito. O regulamento não serve para a boa interpretação da lei, mas ùnicamente para a sua boa execução. Várias vezes aqui tenho dito que as palavras pesam muitas vezes como diamantes, principalmente quando se trata de uma lei constitucional e a Constituição quando se refere à interferência do Poder Executivo, no artigo 47.°, diz:
Fazer regulamentos para a boa execução da lei.
Note V. Ex.ª, Sr. Presidente, e note o Senado, não se diz para a execução da lei, diz-se «para a boa execução da lei».
Ao Poder Executivo não compete explicar a lei, ao Poder Executivo não compete determinar o sentido da lei, ao Poder Executivo compete fazer os regulamentos que estejam dentro da compreensão da lei.
Se a lei efectivamente não está clara, o Sr. Ministro da Justiça sabia, pelo artigo 16.° do Código Civil, que não podia intervir sòmente por entender que na prática o espírito da lei não está sendo cumprido. Se isto acontecesse, o que devia intervir é o Poder mais alto a que todos se devem subordinar, é o Poder Legislativo.
Eu sei que S. Ex.ª me irá dizer que isto é uma questão de palavras, mas eu não quero insistir neste ponto, mas direi ainda que foi de mau agouro êste relatório de S. Ex.ª
Infelizmente S. Ex.ª entendeu, repito, que o caso se tornava urgente, nove meses e mais alguma cousa se tinha conservado S. Ex.ª no Poder e não se tinha convencido ainda, decerto, que o problema

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do inquilinato é dêstes problemas que não podem, não se devem rodear, devem-se atacar de frente. E S. Ex.ª, com as suas altas qualidades, com as faculdades que todos lhe reconhemos como ilustre professor da Faculdade de Direito que é, pelas grandes qualidades de inteligência e critério que possui, S. Ex.ª podia e devia atacá-lo de frente, mas mais cedo, não agora, não por êste modo.
Eu, na nota que mandei para a Mesa, não pedi as honras de interpelante, mas apenas disse que, querendo fazer algumas observações sôbre um projecto que eu julgava da máxima importância, desejava que estivesse presente o Sr. Ministro da Justiça para dar esclarecimentos que e decerto a todos vão satisfazer, e é êsse o meu maior desejo.
Fi-lo para que S. Ex.ª pudesse vir a esta Câmara dar explicações sôbre as medidas que tomou e que considerou, duma grande urgência, que considerou, devo dizer, depois de nove meses duma grande urgência. Mas eu agora não venho dizer a V. Ex.ª, não venho acusá-lo de, só depois de novo meses, se convencer da urgência do assunto e dizer que eram necessárias medidas imediatas, não pensei nisso, e se pensasse, eu direi a V. Ex.ª que, se estivesse dentro das faculdades constitucionais, «mais valia tarde do que nunca».
S. Ex.ª resolveu intervir convencido que essas medidas eram perfeitas, o país tinha-se pronunciado duma maneira tam decisiva, S. Ex.ª concedeu entrevistas a comissões de diferentes pessoas (fez o que eu muitas vezes fiz) e disse que entendeu que devia intervir porque — se é verdade o que os jornais dizem e S. Ex.ª não é responsável por o que êles dizem — à volta do projecto da comissão se tinham levantado tempestades.
Emfim, o projecto da comissão tinha levantado tempestades, tinha de mais a mais o defeito de atender só aos interêsses dos inquilinos sem curar dos interêsses dos senhorios, e S. Ex.ª vem, com a sua alta categoria de Ministro, e entendeu que as medidas eram urgentes, entendeu que as medidas eram constitucionais, entendeu que as medidas oram perfeitas.
Teria S. Ex.ª, como desejava, como todo o país queria, como estava no ânimo
de toda, esta Câmara, alcançado aquilo que pretendia? As suas medidas seriam constitucionais? Seriam perfeitas?
É o que vou submeter à apreciação de V. Ex.ª, e entendo que não podia encontrar melhor julgador porque é um distinto professor de direito.
S. Ex.ª vai decerto dizer ao país que esteja completamento descansado que nada há de inconstitucional no decreto que publicou e que a sua urgência era tanta e tanta que todas as questões acabaram como por encanto, tudo serenou e que aquela questão que eu aqui tratei humildemente em nome da comissão, que era necessário remediar, estava inteiramente remediada, porque S. Ex.ª vem, com a sua autoridade, em socorro imediato da situação.
Oxalá, Sr. Presidente, que assim, seja.
Devo dizer, e repeti-lo mais uma vez, que eu tenho a maior consideração pelo Sr. Ministro da Justiça, pelo seu presente, pelo seu passado, pela maneira como sempre se tem desempenhado das funções que têm sido confiadas à sua inteligência.
Ò que me demove ùnicamente, Sr. Presidente, é êste direito que nenhum Parlamentar que se preza de o ser pode ceder a ninguêm, é o direito consignado no artigo 26.°, n.° 2.° — se a memória me não falha — da Constituição, em virtude do qual o Congresso tem de velar pela observância dêsse monumento. E desde o momento que estou investido nesta qualidade de representante da Nação, nesta qualidade de Senador, desde o momento que o pacto fundamental me impõe esta obrigação, desde o momento que eu estou convencido de que o decreto é inconstitucional e imperfeito e que as medidas apresentadas pela comissão, com as correcções que muitos dos meus colegas aqui apresentaram, e até as apresentaram aqueles que estavam mais afastados do meu credo político, mas que pela sua inteligência e conhecimentos eu entendi que lhes devia falar com toda a sinceridade e franqueza. Uma dessas pessoas foi o Sr. Querubim Guimarães. Desde que eu assim pensava, não podia, fôsse o Sr. Ministro da Justiça meu próprio irmão, pertencesse S. Ex.ª ou não pertencesse à minha agremiação política, eu não podia, como relator da comissão, ficar mudo e

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quedo dentro do decreto n.° 9:118, não dizendo o que se me afigurava dever dizer como necessário a respeito dum diploma que entendo ir levantar nos tribunais, se estes quiserem escudar-se com o artigo 163.° da Constituição, dúvidas sôbre a sua aplicação, ficando a questão em pior pé do que estava.
Eu, Sr. Presidente, já tenho cabelos brancos, e muita gente me conhece há muito tempo. Não podia deixar de defender o trabalho da comissão e de dizer aquilo que a minha consciência, e só a minha consciência, me ditava sôbre êste excepcionalíssimo diploma, que foi publicado no Diário do Govêrno de 10 de Setembro último. Dêle direi o que penso a respeito da sua constitucionalidade e da sua proficuidade.
Diz o artigo 1.°:
Leu.
Eu devo explicar ao Senado —porque nem todos os Srs. Senadores são especialistas nestas questões— que a legislação que existia a êste tempo, a respeito da formalidade dos contratos, consistia nos decretos de 12 de Novembro de 1918, de 12 de Novembro de 1910 e 27 de Junho de 1918.
O decreto de 27 de Junho de 1918 estabelecia de uma maneira peremptória, clara, inequívoca:
1.° Que o arrendamento devia ser escrito;
2.° Que devia ter as assinaturas do senhorio e do inquilino, e de duas testemunhas, e, ainda, que essas assinaturas deviam ser autênticamente reconhecidas.
O decreto de 18 de Novembro estabelecia uma forma particular de autenticação, como já a tinha estabelecido o decreto anterior e como estabelecia também o decreto de 1918 para as freguesias onde não houvesse notário ou onde os arrendamentos fossem de valor inferior. Isto é apenas um detalhe, pois a verdade é que, antes de estar em vigor o decreto de 1914, chamada a «lei Granjo», era sempre necessário uma autenticação para que o documento fôsse, válido. Não se exigiam só as assinaturas do senhorio e do inquilino, era também preciso o reconhecimento das testemunhas que assinavam na presença do notário ou das autoridades; e havia ainda uma variante, a chancela aposta de um comerciante.
Era, pois, necessária uma autenticação.
Veio o decreto de 1918, o estabeleceu o seguinte:
Leu.
Vê-se, Sr. Presidente, a importância dêste artigo. Não se trata de uma execução da lei; trata-se duma definição de direito; trata-se de saber qual o direito do senhorio e do inquilino em face do arrendamento que se apresenta nestas condições feito antes do decreto n.° 5:411, mas renovado depois dêsse decreto, isto é, depois de 17 de Abril de 1919.
Aqui começam as minhas dúvidas.
Eu sempre li e sempre aprendi, em direito, que um contrato se regula pelas formalidades que a lei exigia ao tempo em que êsse contrato foi celebrado. Parecia-me que isto era um princípio inexpugnável, porquanto os contratos dão às partes os direitos consignados na lei em vigor ao tempo em que os mesmos contratos foram feitos. E, se assim não fôsse, eu, pelo menos, recusar-me-ia a assinar qualquer contrato.
E para um caso muito particular chamo também a atenção do Ministro da Justiça e dos Cultos.
Antes do decreto n.° 5:411 todos os contratos, absolutamente todos sem a menor excepção, só eram válidos por escrito e com o respectivo arrendamento; mas vem agora o decreto do Sr. Ministro da Justiça e diz que bastam as formalidades exigidas ao tempo da sua renovação.
Suponhamos uma pessoa que se me introduziu em casa antes dêsse decreto e eu quero provar que ela se introduziu naquela data, mas não tenho arrendamento, todos sabem como é falível a prova testemunhal, arranjam-se testemunhas e dizem que o arrendamento é inferior ou não excede a l2$50 e tem o seu contrato de arrendamento feito há tempo.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, vê os graves inconvenientes que daqui resultam!
Depois o decreto era claro, dizia no seu artigo 44.°: «o contrato de arrendamento será». Era escusado que houvesse isto para de futuro, porque a lei só é aplicada de futuro.
Veio êste decreto e diz: «embora o contrato de arrendamento não fôsse por escrito», embora o artigo 44.° frisando esta função da lei que é olhar para o futuro,

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no entretanto o contrato está válido uma vez que fôsse renovado.
Eu sei bem que o Sr. Ministro da Justiça irá dizer que o meu interpelante tem falado tantas vezes na palavra renovação e não vê que nessa palavra está todo o meu argumento e toda a razão do ter do artigo 1.°
Ora eu pregunto a S. Ex.ª 0 que é contrato renovado?
Ambas as partes assentam em fazer de novo um arrendamento, dão o seu consentimento e renovam êsse contrato, e por consequência o Sr. Ministro da Justiça diz que foi renovado ao abrigo do decreto n.° 5:411. Quero dizer que é como se as partes o tivessem assinado nessa ocasião e entrava já no domínio dêsse decreto com fôrça de lei e as partes tinham de o renovar por tempo indeterminado e não pelo tempo em que êle foi elaborado.
Se S. Ex.ª assim quisesse argumentar, permita-me que lhe diga que parte de um princípio absolutamente irrisório.
V. Ex.ª sabe perfeitamente que a lei de 28 de Setembro de 1917, diz no seu artigo 2.° o seguinte:
Leu.
Ora se isto é assim, o que está sucedendo é uma verdadeira renovação, é o senhorio e o inquilino que concordam que o contrato continue, e por consequência uma vez que o senhorio disse que consentia é porque quis sujeitar-se à lei nova.
Não é assim, os contratos verdadeiramente na situação jurídica, nestas condições em que colocaram os contratos, não se renovam, prorrogam-se.
É por isso que a legislação estrangeira não tem empregado a renovação, dá-se a prorrogação forçada.
Ora, quando os senhorios e inquilinos são obrigados a aceitar o contraio?como é que se pode dizer que o contrato se renova?
Como é que se renovam as assinaturas velhas?
As assinaturas valem para e os contratos feitos voluntàriamente; os contratos prorrogam-se por fôrça das circunstâncias. Os contratos, emfim, não se renovam, prorrogam se por fôrça da lei.
E se assim é, Sr. Presidente, como é que se acham proibidos os senhorios das garantias que a lei lhes concede?
Pode dizer-me o Sr. Ministro da Justiça que o senhorio cruza os braços e consente.
A verdade é que muitos senhorios quereriam fazer contratos de harmonia com a lei, e afinal os inquilinos negaram-se a isso.
De modo que, Sr. Presidente, os senhorios viviam num regime forçado e em que não aceitavam um contrato por virtude da renovação; sujeitavam-se.
O caso é de uma certa responsabilidade.
Quando o Sr. Ministro da Justiça publicou o decreto em questão — e digo isto bem alto — havia diversas acções pendentes no tribunal, a respeito da interpretação a dar a êste artigo 44.°
Posso afirmar ao Senado e ao país, por intermédio do Senado, que muitas decisões vi eu em que o contrato renovado era um falso contrato, e outras em que o contrato obedecia às prescrições do tempo da sua celebração.
S. Ex.ª o Sr. Ministro aceitou a pior doutrina, a de que o contrato obedecia às formalidades das leis modernas e não às do tempo da sua feitura.
O Sr. Bertliner, distinto professor da Faculdade de Direito de Paris, exprimindo-se a tal respeito, diz de uma maneira categórica, e todos o sabem, que, quando se levantam dúvidas nos tribunais a respeito da interpretação de qualquer lei, não é o Poder Executivo que vai cortar a questão, porque é intrometer-se na decisão dos tribunais.
O Poder Judicial interpreta a lei, mas a sua intervenção é restrita aos casos em que tem de a aplicar. Só o Poder Legislativo é que pode dar interpretações sôbre a lei, porque a interpretação importa sempre uma modificação da lei.
Importa por isto: é porque a lei deve explicar perfeitamente o direito de cada um; e venha uma lei em que fique perfeitamente assente.
A êste respeito um ilustre colega de V. Ex.ª e professor da Faculdade de Paris diz o seguinte:
Leu.
Veja V. Ex.ª o que fez com o seu decreto n.° 9:118.
O contrato celebrado antes do decreto n.° 5:411 é válido uma vez que satisfaça êste diploma e que seja renovado.

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Que hão-de fazer agora os tribunais em face dêste decreto?
Em face do artigo 63.° da Constituição quando as partes reclamarem que êsse artigo é inconstitucional, que vinha nada menos do que interpretar uma lei, veio modificá-la.
É claro que os tribunais hão-de aceitar, e V. Ex.ª com o sou decreto veio trazer maiores dificuldades e lançar às partes pleitáveis maiores dificuldades perante uma lei que já era interpretativa.
V. Ex.ª fez o mesmo do Poder Executivo, desde o momento que não se levante a questão inconstitucional, quis invocar a si todos os processos pendentes e dar uma resolução a toda essa questão. Quere dizer, os contratos são válidos uma vez que estejam na vigência do decreto n.° 5:411.
V. Ex.ª vê assim os motivos que me levaram a assentar duma maneira convicta que êste decreto, longe de evitar quaisquer questões, pelo contrário vai aumentá-las e traz êste grande perigo que é o Poder Executivo abrir brecha no Poder Judicial.
S. Ex.ª que é um distinto magistrado vem falar na indecisão dos tribunais acêrca do cumprimento dêste decreto.
Porque, então, não se discutiu que a comissão tinha em vista dar vida a certas disposições quando as circunstâncias o determinassem, saltando-se por cima dos interêsses individuais para só atender-se aos interêsses colectivos. Quando se trata de medidas urgentes em favor da colectividade põe-se de parte os rígidos princípios da propriedade para salvar situações incomportáveis.
O Sr. Ministro da Justiça fez o caos onde devia existir luz.
Passando aos outros artigos, eu vou mostrar Câmara que se caiu nos mesmos defeitos que se notam no artigo 1.°
Artigo 2.°:
Leu.
Não pode ser. Porque no decreto n.° 5:411 está consignado claramente o que é documento autenticado que me pareceu um arrôjo da parto do Sr. Ministro da Justiça de contrariar assim abertamente aquilo que estava disposto na lei.
Então meditei muito tempo e não encontrei outra solução senão esta: que
desde que há uma lei que determina quais os requisitos exigidos para que um documento possa ser considerado autenticado, o Sr. Ministro da Justiça publicando o seu decreto procedeu inconstitucionalmente.
Vejam V. Ex.ªs:
Leu.
Quere dizer, para que um documento, seja êle qual fôr, seja autenticado é preciso, é indispensável, que tenha as qualidades aqui consignadas. Pois não obstante isso, V. Ex.ª determinou no seu artigo 2.° que quando se tratasse de arrendamentos, para que um documento fôsse autenticado, bastava que satisfizesse às condições do artigo 2436, § único, do Código Civil.
De que princípio é que se deduz esta excepção que V. Ex.ª veio aqui abrir?
Qual a lei que autorizou a fazer tal? Eu devo dizer que não sei. S. Ex.ª responderá.
Eu devo acrescentar que pelo Código Civil, antes da vigência do decreto de 14 de Setembro de 1900 e em face da disposição do artigo 2436, § único, do Código Civil, tinha-se como documento autenticado aquele que satisfizesse aos requisitos indicados nêsse § único. Mas o Código Civil tem a data de 1866 e posteriormente a esta data outros diplomas foram publicados, teus como:
Leu.
Depois disto vir-se dizer que documento autenticado não é o que estes diplomas consignam é uma cousa que não se admite.
Deverão os tribunais obedecer aos preceitos do Sr. Ministro da Justiça, e deverão dizer que estas emanações do Poder Executivo, para mim contrárias à lei, têm de ser respeitadas, ao passo que a lei deve ser posta do parte?
Eu posso assegurar que tanto aos notários como no fôro êste veio causar uma celeuma, porque o Poder Executivo, intrometendo-se nas funções altíssimas do Poder Legislativo, veio declarar duma maneira peremptória que revogava aquelas disposições do artigo 82.° para serem substituídas, quando se tratasse de arrendamentos, pelas disposições especiais que o Sr. Ministro da Justiça consignou neste diploma.
V. Ex.ª supôs que com isto ia cortar a questão, questão que está originando um

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verdadeiro ataque ao direito de viver, ao direito de ter um lar, mas não o fez.
A comissão previa todos os casos e prescindia de documentos autenticados para quando se transmitisse o prédio e inquilino não ser despedido pela transmissão.
Bastantes vezes eu aqui clamei contra os negócios que se estavam fazendo cem as vendas fictícias dos prédios.
O artigo 34.° do decreto n.° 5:411, a chamada «lei Granjo», estabelece que quando há transmissão de prédio, se o arrendamento não estiver estipulado em documento autêntico, o arrendamento caduca.
Aconteceu que, havendo inúmeros arrendamentos que não tinham nenhuma espécie de autenticidade, se dava então isto, que era lastimoso: O senhorio despedia os inquilinos, o juiz dava a sentença favorável ao senhorio, porque, efectivamente, ela se ajustava à letra dêsse artigo 34.º, e assim se viam inúmeras famílias postas fora de suas casas porque o senhorio se tinha servido dessa lei para com ignóbil mercantilismo receber depois muitos milhares de escudos com o traspasse das casas.
Isso lhes dava sobejamente para pagarem a contribuição de registo.
Evitou S. Ex.ª, com a sua disposição inconstitucional êste mal?
Permita-me que lhe diga que não evitou, porque há muitos arrendamentos que não têm sequer êsse reconhecimento a que alude o § único do artigo 2:436.º do Código Civil!.
Ainda não há muito tempo que o Sr. Cunha Barbosa, ilustre representante da cidade de Braga, me dizia que pela recusa dos senhorios o por imposição, os inquilinos que não queriam ver se sem casa, aceitavam o arrendamento mesmo sem escrito nenhum.
De maneira que, na maioria dos arrendamentos, posso assegurar a V. Ex.ª, como advogado que sou, não lá 80 por cento dos arrendamentos que tenham sequer êste reconhecimento autêntico a que V. Ex.ª se refere no artigo.
V. Ex.ª com esta disposição, não evitou o tal mal e veio fazer com que um humilde Senador, sequioso de que V. Ex.ª professor de direito, diga ao país os motivos que determinaram a publicação dêste decreto, tivesse arrepios — esta é a frase que eu posso usar ao ler semelhante artigo — que veio brigar de frente com um artigo de lei, claro, iniludível, o veio brigar sem ao menos ter um merecimento. Nem êsse merecimento o podia salvar, porque se os tribunais o julgarem inconstitucional e as partes o requererem, segundo o artigo 63.° do pacto fundamental, V. Ex.ª não veio remediar nada com a disposição dêste artigo, que eu continuo a supor inconstitucional, veio apenas dar aso a que eu levante esta dúvida, que me parece, salvo o devido respeito, não atinge aquilo a que visa, e que uma explicação por parte de V. Ex.ª, por mais habilidosa que seja, não explicará satisfatoriamente — a mim, era o menos, ao Senado era mais, o ao país era muito mais.
Mas vamos, Sr. Presidente, ao artigo 3.°
Leu.
Eu devo dizer, Sr. Presidente, que não combato esta doutrina; até a acho boa, e orgulho-me dela. Sabe V. Ex.ª porquê?
É porque, como eu há pouco disse, não quero desprezar êste pequeníssimo pormenor, desta Câmara, depois de eu ter apresentado a minha proposta de 25 de Maio na Câmara dos Deputados, vendo que essa proposta tinha muitas incorrecções, e até lapsos, pela circunstância de haver falhas na cópia, eu, particularmente, dei um exemplar ao actual Ministro da Justiça, quanto às modificações que julgava necessário fazer, e S. Ex.ª aproveitou-a pouco mais ou menos.
Mas foi pouco mais ou menos, Sr. Presidente: a minha não é igual à que aqui está.
Diz-se neste artigo que se o citando estiver ausente far-se há também a citação por éditos no Diário do Govêrno.
Mas no decreto n.° 5:411 estavam claramente presentes e assentes as formalidades a satisfazer nesta citação, e eram formalidades ditadas não só por uma regulamentação qualquer; eram formalidades ditadas de mais alto: ditadas pelo Poder Legislativo.
Aí determinava-se que, se o citando não fôsse encontrado em casa ou estivesse ausente, se fizesse sempre a citação por confissão.

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Poderá V. Ex.ª dizer que a sua indicação também é boa; mas uma cousa é o Poder Executivo, exercendo as funções do Legislativo dar indicações, e outra é elas virem duma ordem do Poder Legislativo, que é mais alto.
V. Ex.ª não devia ter alterado uma vírgula ao que aqui está, e do mesmo modo eu estou a supor que V. Ex.ª é que foi infeliz, porque nada remediou.
Obedecendo ao que V. Ex.ª determina, o oficial dirige-se ao citando. Respondem que o citando não está em casa. E êle deixa horas certas para outro dia e fixa vários anúncios, de maneira que o citando não chega a ter conhecimento dêles— e V. Ex.ª sabe que isso é muito frequente aparecer no fôro.
0 que era preciso então para isto se não dar?
Era adoptar a disposição que eu preconizava nos apontamentos que dei a V. Ex.ª, a citação ser feita no Diário do Govêrno, ou então, como as questões de despejo hoje são duma grande intensidade e das mais graves e de maior importância, eu indicava que se regulasse por processo ordinário comum a forma de citação.
V. Ex.ª adoptou uma forma que não satisfez; leia o Código de Processo Civil e verá que se enganou.
Quando é que o citando está ausente?
V. Ex.ª leia o artigo 188.° ou 190.°, que lhe diz que, se o citando estiver ausente dentro ou fora da comarca, faz-se a citação dêste modo.
A ausência não é saír da comarca, é não estar no seu domicílio, porque o Código Civil, no artigo 44.°, diz que domicílio é aquele lugar onde o cidadão tem a sua residência permanente.
De maneira que, se êle não está em casa e se dizem ao oficial que êle não está, deixa a citação para hora certa; se lhe dizem que êle não está em casa por não habitar acidentalmente, está dentro da comarca ou fora da comarca.
Êste caso previsto por V. Ex.ª é para quando êle estiver ausente do seu domicílio mas dentro da comarca, tal como as pessoas que residem em Lisboa e vão veranear para Cascais.
E, nestes casos, vê V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, que os inconvenientes que
V. Ex.ª queria remediar, na maioria dos casos não os remediou.
No projecto que eu tive a honra de apresentar à Câmara dos Deputados, dizia: «quando o citando não fôsse encontrado pessoalmente, não distinguia se êle estivesse ausente ou não», quero dizer, não entrega.
O Sr. Ministro da Justiça, aplicando como aplicou, só resolveu para o caso do citando não estar ausente. Não preveniu aquilo que era necessário prevenir, pela circunstância de deixar completamente em branco esta parte importante da citação que se não faz e que se deixa para outro dia.
Para essa não há anúncio no Diário do Govêrno; para essa continuam absolutamente todos os inconvenientes que se estão dando e sôbre os quais eu já tenho falado nesta Câmara.
De modo que o artigo revoga ou modifica a lei anterior e, por consequência, é um artigo inconstitucional, porque saíu do Poder Executivo.
Depois, Sr. Presidente, nada se remediou, pois que, se um indivíduos não está em casa e o citando se não encontra aí, fazendo-se a citação por intermédio de um vizinho, êle não tem conhecimento da citação que se faz e não impugna porque só podia impugnar, tendo-o. Mas como o decreto n.° 5:411 se refere ao prazo de cinco dias para despejo, não se impugnando, verifica-se que o Sr. Ministro da Justiça deixou esta parte absolutamente branca.
Sabe o Sr. Ministro da Justiça que nós temos uma disposição geral sôbre as pequenas dívidas que, se a memória me não falha, é de 29 de Maio de 1907, em que se lê num artigo que quando um indivíduo não é citado não intervém pessoalmente na citação; é como se tivesse confessado.
E então, se é verdade que eu chamo aos tribunais aquele que não tem conhecimento, como é que se pode dizer que êle confessou factos de que não tem conhecimento?
S. Ex.ª perdõe-me, mas a verdade é que, tendo reconhecido que era preciso intervir no sentido de evitar estes abusos entre inquilinos e senhorios, não caíu a fundo sôbre o mal, mas caíu ùnicamente sôbre a Constituição. Daqui resulta, Sr. Presidente, um desprestígio para o Po-

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der, porque o Poder não é o Sr. Abranches Ferrão, mas Ministro da Justiça, aquele que detém o Poder que a nação lhe entrega, e desde que a nação começa a rir-se desta disposição que só serve para iludir, mas que não remedeia nada, não é a autoridade pessoal do Sr. Abranches Ferrão que está em jôgo mas o Ministro da Justiça.
Sr. Presidente: vou continuar na minha apreciação:
Leu.
Novos motivos que eu tenho de agradecimento ao Sr. Abranches Ferrão, porque S. Ex.ª aceitou benèvolamente a doutrina tais emendas que tinham passado para a sua mão.
Quando S. Ex.ª foi Ministro da Justiça aceitou mais ou menos os princípios que eu estabeleci; mas eu estabeleci êsses princípios numa proposta de lei que submeti à consideração do Poder Legislativo. Estabeleci-os e defendi-os ardentemente, porque estava em presença de outro poder que não era o meu querer, a minha vontade exclusiva, o meu arbítrio pessoal.
Não posso, por consequência, aplaudir a maneira como S. Ex.ª entendeu resolver a questão, pondo de parte o Poder Legislativo, que é o único competente para alterar a lei, e que o Poder Executivo, como estava mais alto e do alto devia partir o exemplo, devia ser também a lição dos humildes, como eu de que apenas tem o direito de vir aqui declarar que é preciso fazer qualquer modificação.
O Poder Executivo não quis saber da Constituição e fez as modificações numa lei sem que seguisse os trâmites legais para se fazer essa modificação.
Porque é que se viola a lei?
Qual a razão porque se estabeleceram processos que a lei anterior não estabelecia para semelhantes casos?
V. Ex.ª Viu-se diante dum processo anulado, em que o inquilino tinha saído porque o senhorio o tinha pôsto na rua e via um remédio simples, que era dizer ao juiz que por um despacho passasse por cima da lei anterior, e, assim, o Poder Executivo, sem a menor atenção para com o Legislativo, mandou, por um simples despacho, que não se importasse com a legislativo anterior.
V. Ex.ª devia ter recebido da Presidência da Relação um folheto em que se
refere a êste assunto, dedicado a V. Ex.ª, feito por um grande homem, o Sr. Dr. Cunha Gonçalves, fez um relatório que há muitos anos não se fazia, um impresso que correu o mundo e em que é tocável êste ponto hesitado sôbre o que havia de fazer a êste respeito, mas o Poder Judicial exceptuava a êsse respeito, porque não encontrava na lei efectivamente uma solução para o caso.
V. Ex.ª devia ter visto que desde o momento que se tratava duma questão de interpretação de leis, o Poder Executivo não podia intervir neste caso, tanto mais que êle já estava resolvido, pouco mais ou menos, no artigo 20.° do decreto n.° 5:411, que diz assim:
Leu.
0 que se dava efectivamente quando uma sentença anula o processo e restitui as cousas ao seu estado anterior?
Se o senhorio vem intentar uma acção de despejo, numa primeira sentença ou num despacho provisório se anula o processo, se essa anulação se dá em grau de apelação ou já no Supremo Tribunal de Justiça quando se trata de revista, se se julga definitivamente que o processo é nulo o processo é um processo que não existe, serve só para confirmar que o arrendamento continuava em completo vigor.
Que tem a fazer o senhorio?
Tem de usar dos meios possessórios que a lei lhe permite em face do arrendamento.
É um processo moroso, dirá S. Ex.ª
Será, era melhor haver um despacho, porque efectivamente a doutrina é essa.
Mas se por um despacho se pode fazer o despejo, qual a razão porque por um despacho se não pode restituir o inquilino à sua situação primeira?
Isto é o que diz a doutrina, mas não é o que diz a lei.
Desde o momento que o senhorio não reconheça ao inquilino a posse que êle tem em virtude do arrendamento, porque arrendamento é o direito de usar e fruir a cousa arrendada, pelo artigo 1.°, desde o momento que se negue esta posse, os meios são os determinados no artigo 20.°
V. Ex.ª queria outros?
Também eu queria, mas não pude.
V. Ex.ª pôde mais que a comissão, e dai resultou o seguinte: os juízes não podem nem devem obedecer a êste decreto

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e obedecer ùnicamente às prescrições legais sôbre o caso.
Passemos ao artigo 5.°
A doutrina do artigo 5.° é esta: acontece às vezes, na prática, que um senhorio quere despedir o inquilino.
Não tem motivos muito fáceis para isso, mas os seus expedientes são largos, e o que faz?
Faz um arrendamento a uma terceira pessoa, intenta uma acção de despejo contra essa terceira pessoa.
Atingido isso, faz-se o despejo imediatamente, porque a lei diz que o despejo se faz não só contra a pessoa que é inquilino, mas também contra a pessoa que está ocupando a casa.
São os embargos de terceiros.
O verdadeiro inquilino não foi ouvido é embargou do terceiro, como o proprio artigo 20.° lhe reconhece.
Mas eu não concordo com esta doutrina, diz S. Ex.ª
As acções provisórias são morosas.
Perfeitamente.
S. Ex.ª tem-se colocado debaixo deste ponto de vista, mas nós não estamos numa academia.
Pelo que respeita ao artigo 6.°:
Estabelece-se no decreto n.° 5:411 que desde que seja constatada a aposição de selos por um oficial e duas testemunhas, a respectiva certidão é fundamentalmente bastante para se requerer o despejo imediato.
Aqui o Sr. Ministro da Justiça entendeu que devia criar um novo processo, que é o determinado no artigo 6.°, que diz:
Leu.
Êste artigo é inconstitucional, por que vai de encontro a disposições expressas no decreto respectivo.
E a redacção não satisfaz:
Leu.
Precisa-se dêste dois requisitos: o conhecimento do senhorio e das pessoas de família.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão) (àparte): — Não é o senhorio que deve ter conhecimento, é o inquilino.
O Orador: — É a mesma cousa, precisa o inquilino provar que nem êle nem a
família teve conhecimento, são precisos estes dois requisitos.
Em todo o caso não é por aí que eu o ataco, é por êle ir contra disposições que me parecem claras a êsse respeito.
No artigo 7.° fala S. Ex.ª dos coeficientes que devem ser aplicados em relação à elevação de rendas conforme o prédio estiver inscrito na matriz ou até 21 de Novembro de 1914, ou daí até 17 de Abril de 1919, ou daí para cá.
A matéria quási toda dêste artigo é, como o Senado pode ver, matéria duma proposta de lei que foi emanada de uma comissão de pessoas técnicas e conhecedoras do assunto, como o Sr. Paulo Menano, o Sr. Pedro Pita, e parece-me que é V. Ex.ª que a assina.
Diziam V. Ex.ªs que essa lei era interpretativa, e como lei interpretativa foi êste assunto tratado, com todo o cuidado, com todo o mimo. Das leis, dando-se-lhe as honras que merecem aquelas que se chamam interpretativas.
E V. Ex.ª, Sr. Ministro da Justiça, deve lembrar-se, porque a sua memória deve ser melhor do que a minha, visto que eu já tenho mais idade, V. Ex.ª deve recordar-se que, quando aqui se tratou da preferência a dar ou ao projecto da comissão, ou a esta proposta n.° 328, eu estou a ver V. Ex.ª, dêsse mesmo lugar, não sentado, mas com a simplicidade de todas as pessoas que tudo acham simples, V. Ex.ª voltar-se para aquele lado da Câmara, visto que V. Ex.ª disso estava convencido, fazer côro com a direita monárquica, que queria, e muito bem, que se discutisse aquele projecto, V. Ex.ª dizer, e muito bem, que essa proposta tinha mais urgência porque se tratava duma proposta de lei interpretativa.
Creio que foi o que V. Ex.ª disse, e acrescentou: como se trata duma lei interpretativa vai esta primeiro que o projecto da comissão.
Então ainda não tinha chegado aos ouvidos de V. Ex.ª a equidade que há nessa questão do inquilinato.
Eu disse a V. Ex.ª que essa questão levantava algumas dúvidas nos tribunais porque êles estavam aplicando os coeficientes que havia.
E V. Ex.ª dando à direita monárquica o apoio, não das suas convicções políticas, mas o apoio da sua autoridade,

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V. Ex.ª proferiu esta afirmação: trata-se duma lei interpretativa, dum projecto de lei vindo da Câmara dos Deputados, devemos tratá-lo com todo o cuidado.
É verdade no emtanto que o Senado votou contra o desejo de V. Ex.ª, não se votou que se tratasse logo da lei que a Câmara dos Deputados tinha votado como interpretativa, votou-se que fôsse primeiro a outra.
Mas isto não quis significar, nem ao Sr. Ministro da Justiça, nem a ninguém, que se considerava de somenos importância a proposta de lei, nem tam pouco dar a entender ao Sr. Ministro da Justiça que, desde o momento que se tinha votado dessa maneira, que não se tinha considerado como devia ser a proposta vinda da outra Câmara.
Quais os trâmites constitucionais a seguir depois da votação dessa proposta?
Eu vou lê-los à Câmara, vêm no artigo 32.°:
Leu.
Quere dizer: desde o momento que tinha aparecido essa proposta de lei, ela devia seguir os seus trâmites, não pedia V. Ex.ª servir-se do artigo 84.° da proposta de lei n.° 1:368 que dá ao Poder Executivo os elementos necessários para fazer a execução da lei.
V. Ex. pode dizer que estava investido por êsse artigo com poderes para fazer a regulamentação necessária para a execução da lei e por consequência fê-la.
Mas aqui não se tratava duma regulamentação, é preciso definir isto bem, o Poder Executivo regulamenta, mas não dá definições, não se trata da compreensão da lei, no regulamento trata-se de normas certas para a sua acção.
Devia-se ter feito um projecto de lei para a explicar e não se fez, S. Ex.ª parece que tem a tendência de mostrar aquilo que não é.
Para mim que vejo estas cousas à letra, e para muita gente, pode dizer-se: êste Sr. Ministro da Justiça parece que quís privar o Senado de tomar conhecimento da proposta que veio da Câmara dos Deputados.
Ela foi enviada ao Senado, portanto devia seguir a marcha constitucional indicada no artigo 32.°
E S. Ex.ª o que fez?
Disse para si: para isto não é preciso o Senado para nada, a Câmara dos Deputados tomou conhecimento dêste assunto, como diz no seu relatório:
Leu.
Mas como é que o Govêrno teve em vista...
O Si. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão) (interrompendo): — Mas faz favor de acabar de ler o período, «para o facto de o Govêrno regulamentar dentro das suas faculdades».
O Orador: — As faculdades eram as do artigo 84.°?
Quais eram as faculdades que V. Ex.ª tinha para que esta proposta de lei não seguisse os seus trâmites, os indicados no artigo 32.° para regulamentar uma proposta já votada na outra Câmara com lei interpretativa?
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos
(Abranches Ferrão) (interrompendo}: — Eu apenas lembrava a V. Ex.ª que o Govêrno não podia pôr de parte o que a Câmara dos Deputados regulamentou.
O Orador: — Tem V. Ex.ª razão porque chamou a minha atenção para um ponto que vem confirmar a minha doutrina.
V. Ex.ª disse: o Govêrno não desconhece que ao regulamentar esta lei não pôs de parte a interpretação dada pela Câmara dos Deputados. Quere dizer: V. Ex.ª entende que, desde que a Câmara dos Deputados tivesse votado uma norma que se chama lei interpretativa, o Poder Executivo põe de parte o artigo 32.° da Constituição.
Ora eu leio o artigo 32.° da Constituição que diz:
Leu.
E V. Ex.ª diz que eu tive toda a contemplação para a Câmara dos Deputados, e mais V. Ex.ª disse: o Govêrno prestou culto à interpretação dada pela Câmara dos Deputados.
Ora isso parece me que é um melindre para esta Câmara; porque não prestou culto ao Senado e não deixou V. Ex.ª que o Senado votasse essa proposta que vinha da Câmara dos Deputados?
Qual a razão que o levou a pôr de

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parte o artigo 32.° e ter todas as atenções para com a Câmara dos Deputados?
V. Ex.ª quere dizer, porventura, que o Govêrno viu como boa, a interpretação dada pela Câmara dos Deputados e por isso punha de parte o Senado, prescindindo dessa formalidade da Constituição e foi regulamentar.
Mas pregunto eu: V. Ex.ª regulamenta uma lei interpretativa?
V. Ex.ª, que é um professor distintíssimo em direito, não sabe que as interpretações da lei não fazem objecto de regulamento?
As interpretações da lei são matérias sempre para o Poder Legislativo tratar, como eu disse há pouco a V. Ex.ª
O Poder Executivo deve ter o máximo cuidado de não se intrometer na confecção das leis, êle apenas tem de executar as leis.
Se a lei não poder ter boa execução por ser omissa, os julgados põe-na de parte e trazem-na ao Parlamento para que ela seja remodelada, como sucede nesta questão do inquilinato.
Admita o Sr. Ministro da Justiça que eu insista nestas palavras: boa aplicação.
Querer suprimir a imperfeição da lei no regulamento, querer assim interpretá-la, isso é que não pode ser!
S. Ex.ª quis fazer vénia à Câmara dos Deputados, é claro sem pretender ofender o Senado, pois que nesta Câmara trabalhou-se verdadeiramente. Mas S. Ex.ª o que devia fazer era deixar seguir a lei e depois regulamentá-la. Regulamentar uma lei antes de se saber o que ela é, é «andar o carro — como se costuma dizer— adiante dos bois». Mas S. Ex.ª preferiu seguir totalmente aquilo que os Srs. Deputados, mais felizes que os Srs. Senadores, tinham feito na outra Câmara.
Diz o Sr. Ministro da Justiça no decreto:
Leu.
Mas então aqueles prédios referentes precisamente ao dia 21? Evidentemente é uma falha.
A pequena alteração que o Senado tinha feito, nem essa mesmo o Sr. Ministro da Justiça admitiu. S. Ex.ª pôs-nos "a nós, Senadores, absolutamente de parte.
Agora mais matéria que julgo perniciosa.
Diz o artigo 8.°:
Leu.
S. Ex.ª introduziu aqui a palavra «inquilino», pois que quis compreender, seja qual fôr o inquilino, o Estado.
Creio que se levantaram certas dúvidas a êste respeito. Falava-se em prédios para habitação e por outro lado para estabelecimentos comerciais ou industriais. Mas deixava-se em branco aqueles prédios que não eram para habitação nem para estabelecimentos.
E assim, quanto a isto, bem estava. Bem estava, mas era se o Sr. Ministro do Justiça estivesse autorizado para isso.
Diz o decreto:
Leu.
Os aumentos que aqui se referem estão também muito confusos. Êsses aumentos podem dar-se emquanto o contrato está a decorrer ou no fim do contrato?
A respeito dos prédios rústicos havia uma disposição especial dizendo que para os prédios urbanos os arrendamentos feitos antes de 1916 e por dez anos, metade da renda podia ser paga em géneros.
Fez-se uma alteração no contrato, mas para isso fez-se uma lei expressamente.
E já máxima antiga que os contratos legalmente celebrados devem ser pontualmente cumpridos, e por consequência êste principio fundamental da união das vontades só pode considerar-se quebrado por uma disposição expressa da lei.
Neste projecto dizia-se que eram feitas as modificações e assim é claro que o inquilino tinha na mão uma arma segura para poder provar que o senhorio o tinha avisado ou o não tinha avisado.
Agora, depois da publicação do decreto de V. Ex.ª, se o senhorio vier de má fé dizer com testemunhas que tinha avisado o inquilino para o aumento da renda e que o inquilino não acedeu, V. Ex.ª sabe o resultado: é uma acção de despejo.
Mas mais; V. Ex.ª veio acrescentar um motivo de acção de despejo àqueles que estavam no decreto n.° 5:408.
Houve sempre o cuidado de determinar precisamente os casos em que o senhorio podia despedir o inquilino ou o rendeiro, antes de terminar o prazo de arrendamento.
V. Ex.ª o que fez?

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Não existia no decreto com fôrça de lei esta nova -disposição de despedir inquilinos quando não concordassem no aumento de rendas. S. Ex.ª assim veio derrubar a lei.
Mas mais ainda, não só derrubou a lei como veio dar uma arma terrível aos senhorios, qual é usarem de prova testemunhal para despedir inquilinos quando não concordarem com o aumento das rendas.
Sr. Presidente: não é com prazer que digo essas cousas ao Sr. Ministro da Justiça, mas até o próprio artigo 112 que é o último, devo dizer com toda a
Franqueza me causou arrepios.
S. Ex.ª diz no seu relatório:
Leu.
Isto é, ter a preocupação de observar unicamente a lei e de que quero ser Ministro constitucional. Está dentro da Constituição e não pode de maneira alguma admitir que o Poder Executivo saia desses moldes.
Todavia, certamente em virtude da velocidade adquirida nas várias vezes porque tinha sentado por cima da Constituição, vai e revoga a legislação em contrário!
Quere dizer, todas as disposições e conjunto de normas votadas pelo Poder Legislativo contrárias ao seu decreta, S. Ex.ª de uma simples penada revoga Tudo isso!
S. Ex.ª que disse que não sentaria por cima da Constituição, chega ao fim e não esteve com hesitações: revoga roda a legislação em contrario.
Sr. Presidente: já estou um pouco cansado. O assunto é bem árido e eu tenho de agradecer extremamente ao Senado a bondade com que me escutou, como agradeço ao Sr. Ministro da Justice o favor que fez de vir aqui ouvir as minhas observações; mas compreende V. Ex.ª que eu quero repetir aquilo que disse: não vejo aí o Sr. Abranches Ferrão, mas o Ministro da Justiça, como se não deve ver era mim a pessoa de Catanho de Meneses, mas unicamente a qualidade do Senador que o país me conferiu e que a Constituição me diz que guarde severamente.
Eu não me podia calar, apesar da muita consideração que me merece o Sr. Abran-ches Ferrão, tinha de necessariamente vir dizer aquilo que pensava sôbre o caso.
S. Ex.ª vai explicar, S. Ex.ª vai dizer, vai destruir completamente todos estes argumentos que eu fiz, mas ao menos isto tem a vantagem de o país ficar sabendo que de um Ministério, do Partido a que honro de pertencer, não saiu um decreto, uma medida que se possa classificar de inconstitucional.
Era natural que eu levantasse esta questão aqui no Parlamento, para S. Ex.ª ter ocasião de dizer ao país o que há a respeito do que fez.
Julgo que dadas estas explicações a S. Ex.ª, e visto que está ou vai ser pôsto em discussão o projecto da comissão, S. Ex.ª pão se recusará decerto ao convite que lhe faço de colaborar nêsse projecto de lei.
Tenho dito.
O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Abranches Ferrão): —Sr. Presidente: a hora vai adiantada, faltam apenas 5 minutos, mas eu durante êles ainda alguma cousa direi, e peço a V. Ex.ª para me reservar a palavra para a próxima sessão.
E faço-o para desfazer a má impressão que poderiam ter deixado nesta Câmara as palavras do Sr. Catanho de Meneses.
Eu estou absolutamente convencido de que o decreto que publiquei nada tem inconstitucional.
E se porventura eu tivesse culpas nesta matéria, V. Ex.ª teria culpas muito maiores no decreto que publicou, em que exorbitou muito das suas funções.
Tudo o que aqui está é absolutamente constitucional, e devo dizer mais a V. Ex.ª e à Câmara que pareceu-me depreender das palavras de V. Ex.ª que V. Ex.ª se queria considerar honrado pelo facto de o Ministro não ser do seu partido; mas devo dizer a V. Ex.ª que a responsabilidade dêste decreto é de todo o Govêrno.
Na próxima sessão responderei às considerações do Sr. Catanho de Meneses, e terei ocasião de provar que êsse decreto era ilegal.
O Sr. Alfredo Portugal: — Pedi a palavra para quando estivessem presentes os Srs. Ministros da Agricultura e das Finanças.
O primeiro encontra-se demissionário, e por consequência não deverá, vir a esta Câmara.
Todavia, desejaria saber o que S. Ex.ª pensa acêrca dos decretos relativos a lu-

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cros ilícitos; que se não tem cumprido, aos decretos n.ºs 8:444, de 21 de Outubro do passado ano, e 8:724, de 21 de Março do corrente.
O segundo, o Sr. Ministro das Finanças, parece tratar o Senado com a maior indiferença.
A êsse desejaria fazer-lhe várias preguntas que, pelas suas respostas, interessariam o país.
Apesar de não haver sessão na Câmara dos Srs. Deputados, bem podia aparecer; mas, aqui presente, como de resto aqui costuma vir muito a miudo, só se encontra o Sr. Ministro da Justiça, e eu não desejo sobrecarregar a memória de S. Ex.ª com o que aos dois seus colegas tinha de dizer.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Desejava a presença do Sr. Ministro das Finanças, com quem desejo trocar impressões acêrca do caso das moedas.
O Sr. Presidente: — Mandarei avisar S. Ex.ªs.
A próxima sessão é na têrça-feira à hora regimental, com a seguinte ordem do dia:
Continuação da interpelação do Sr. Catanho de Meneses ao Sr. Ministro da Justiça, o projectos de lei n.ºs 5. 12, 328, 352, 342, 10, 482, 75, 293 e 304.
Está levantada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
O REDACTOR — Alberto Bramâo.

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