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REPÚBLICA “is * PORTUGUESA SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL E DA CÂMARA CORPORATIVA

ACTAS DA

CAMARA CORPORATIVA

N.º 18 XI LEGISLATURA — 1974 15 DE FEVEREIRO

Proposta de lei n.º 8/XI

Política da

1. Desde séculos que a emigração tem constituído uma constante da vida portuguesa. Embora evoluindo ao longo dos tempos nos seus aspectos quantitativos, qualitativos ou direccionais, o certo é que se pode considerar contínua a saída de portugueses para o estrangeiro.

De entre as correntes emigratórias avulta, tanto pela sua duração como pelos elevados contingentes, a que se dirigia ao Brasil. Começada em meados do sé- culo xvt, como prevista e desejada consequência da política de povoamento adoptada no reinado de D. João III, manteve-se, mesmo após a independência do Brasil, a sua primazia em relação 'a outros des- tinos, posição esta que só viria a perder a partir dos primeiros anos da última década, quando o grosso da corrente emigratória portuguesa inflecte decisivamente o seu destino em direcção aos países da Europa Cen- tral.

Para se avaliar da importância do Brasil nos des- tinos da nossa emigração, bastará referir-que no meio século que decorreu de 1890 a 1940 este país terá absorvido 83% do total de 1200000 portugue- ses, que se calcula terem emigrado durante aquele período. Verifica-se um sensível decréscimo da emi- gração para o Brasil de 1914 a 1918, devido à 1.º Guerra Mundial, sendo bastante irregular essa emigração no perturbado período que decorre de 1931 até ao final do último conflito mundial. Todavia, a partir de 1947, o fluxo emigratório para o Brasil retoma a sua tradicional importância, verificando-se,

emigração

até 1963, uma média anual de 18 000 portugueses em demanda do Brasil, atingindo o valor máximo de 41 milhares em 1952.

A partir de 1964, como reflexo do surto de desen- volvimento económico registado nos países da Europa Central, verifica-se a deslocação de enormes contin- gentes de mão-de-obra dos países da Europa Mefi- dional em direcção às regiões que, a fim de manterem o nível de expansão económica, tinham absoluta ne- cessidade de recorrer à mão-de-obra estrangeira.

É assim que, enquanto nos catorze anos que decor- rem de 1950 a 1963 a média anual dos portugueses (trabalhadores e familiares) que emigram é de 34 mi- lhares, nos oito anos compreendidos de 1964 a 1971 aquela média anual sobe para 117 milhares.

Neste último período assume excepcional impor- tância a emigração para a França, devendo este país ter absorvido no mesmo lapso de tempo de oito anos cerca de 71 % da nossa emigração, incluindo a que se processou de forma irregular.

2. A evolução legislativa em matéria de emigração tem-se processado paralelamente ao comportamento do fenómeno emigratório e tendo em conta o condi- cionalismo então vigente. Neste contexto, e só para citar legislação mais recente, é de salientar o sentido de oportunidade revelado pelo Decreto com força de lei n.º 5624, de 10 de Maio de 1919 — regulamentado pelo Decreto n.º 5886, de 19 de Junho do mesmo ano —, ao prever no seu preâmbulo que, «após a assi-

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natura da paz, a emigração do nosso país deverá read-

quirir a sua importância, se não for lícito esperar que atinja maiores proporções, pelo que ao Governo

compete prepara-se ...». Este diploma e o seu regu-

lamento, além de disciplinarem vários aspectos da emigração, tais como o regime jurídico, repatriação,

assistência, transporte, etc., criaram o Comissariado

Geral dos Serviços de Emigração, ao qual competia

a direcção de «todos os serviços do continente portu-

guês que se relacionem com a emigração. Verdade seja que tais serviços se revelaram praticamente ino-

perantes.

Tendo em conta as características da emigração,

mereceu especial atenção ao legislador a disciplina do-transporte marítimo de emigrantes. Entre os di- plomas publicados versando esta matéria deve men- cionar-se, pela sua forma desenvolvida e minuciosa,

o Decreto com força de lei n.º 13 213, de 4 de Março

de 1927 — regulamentado pelo Decreto n.º, 13 620,

de 28 de Abril do mesmo ano —, e o Decreto com

força de lei n.º 18085, de 13 de Março de 1930 — regulamentado pelo Decreto n.º 19 029, de 13 de No- vembro de 1930.

Estes diplomas, assegurando aos emigrantes trans-

portados em navios —então a quase totalidade —um mínimo de condições de higiene, conforto e segu- rança a bordo, instituíram progressivamente o mais perfeito sistema de protecção aos emigrantes a nível internacional, mantendo-se muitas das suas disposi- ções ainda em vigor.

Em 1947, pelo Decreto-Lei n.º 36 199, de 29 de Março, foi suspensa a emigração, pelos motivos refe- ridos no preâmbulo do mesmo diploma, até o Go- verno definir «os princípios e as disposições relativos à protecção ao emigrante e ao condicionamento da emigração autorizada».

Em cumprimento desta disposição, foi publicado em 28 de Outubro de 1947 o Decreto-Lei n.º 36558, que, além de criar um departamento especial, centra- lizador —a Junta da Emigração —, estabeleceu di- versas normas respeitantes à protecção do emigrante e ao condicionamento da emigração. No entanto, porque se entendeu não ser possível fixar com rigidez e carácter definitivo os princípios legais por que de- veria reger-se a nossa emigração, estabeleceram-se apenas disposições de carácter administrativo, dei- xando-se para data oportuna a publicação das normas que completariam o novo esquema regulador. Esta regulamentação só viria a efectuar-se pelo Decreto- “Lei n.º 44 427 e Decreto n.º 44 428, ambos de 29 de Junho de 1962, os quais se mantêm ainda fundamen- talmente em vigor.

Nos últimos anos mereceu especial atenção ao le- gislador o problema da emigração clandestina, a que se referem os Decretos-Leis n.º 46 939, 48 783, 49 400 e 347/70, de 5 de Abril de 1966, 21 de Dezembro de 1968, 24 de Novembro de 1969 e 25 de Julho, res- pectivamente.

Finalmente, como instrumento destinado a dar exe- cução à nova política emigratória, definida na resolu- ção do Conselho de Ministros de 2 de Julho de 1970, criou-se, pelo Decreto-Lei n.º 402/70, de 22 de Agosto, o Secretariado Nacional da Emigração, cuja estru- tura e atribuições foram disciplinadas pelos seus diplo- mas orgânicos — o Decreto-Lei n.º 15/72 e o Decreto n.º 16/72, ambos de 12 de Janeiro.

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3. Pelo volume e pelos seus reflexos nos mais di- versos campos da vida nacional, a emigração voltou a constituir um fenómeno de capital importância na sociedade portuguesa. Daí que se tenham renovado e ampliado os estudos sobre esta matéria, procurando fazer a análise da sua natureza, causas e efeitos.

Pergunta-se se a emigração é um bem ou é um mal, contabilizam-se mesmo os seus efeitos para ten- tar definir como positivo ou negativo o saldo encon- trado. Mas não parece que o problema se deva colo- car desta maneira.

Antes de tudo, porque os aspectos humanos da emi- gração sobrelevam os factores de cariz económico. Não se pode fazer o apuramento das vantagens e des- vantagens da saída de trabalhadores e familiares para meios alienígenas nos mesmos termos em que se con- sidera a exportação de bens ou serviços. Porque não só o afastamento, ainda que temporário, de membros de uma sociedade política, se em excessivo número, pode pôr em causa os fins últimos que essa sociedade deve prosseguir, como também, em qualquer caso, não são susceptíveis de «contabilização» as perturbações e sofrimentos que a transplantação de indivíduos do seu meio para outros totalmente estranhos fatalmente lhes acarreta, independentemente de terem ou não êxito económico no novo meio.

Depois, porque a emigração não é em si um facto autónomo que se desenvolva espontaneamente, antes é um efeito induzido pela conjunção de fenómenos de diversa natureza, com predominância para os sócio- “económicos. Apresenta-se como sintoma de uma si- tuação de instabilidade e desfasamento, especialmente no mercado da mão-de-obra. Ora, são as causas desta situação que devem estar na primeira linha das preo- cupações e que urge definir e combater, porquanto, ainda que fosse possível abolir o efeito-emigração daí resultante — por exemplo, pela adopção de medidas policiais extremamente eficazes —, nem por isso essa situação ficaria sanada ou sequer melhorada, uma vez que se mantivessem latentes as causas da emigração.

A emigração portuguesa — em especial a que, a partir da década de 60, tem por destino a Europa Central — insere-se perfeitamente no tipo da emigra- ção originada essencialmente pelos imperativos refe- ridos. E a presente situação é a resultante de diversos factores, uns de ordem interna, outros de ordem ex- terna, os quais, sem pretender fazer enumeração exaustiva, se afloram seguidamente.

O surto de desenvolvimento industrial verificado em diversos países europeus — com especial relevo para os seis países que, em 1958, constituíram o Mer- cado Comum —, conjugado com uma expansão demo- gráfica insuficiente para acompanhar e garantir o ritmo de crescimento econômico, originou nesses paí- ses fortes necessidades de mão-de-obra.

Efectivamente, no final de 1971, tanto em França como na Alemanha, ultrapassava os 2 milhões o nú- mero de trabalhadores estrangeiros, entre os quais se distinguiam, como contingentes mais volumosos, no primeiro país, cerca de 600 000 italianos e de 500 000 espanhóis e, no segundo, cerca de 470 000 jugoslavos, 450 000 turcos e 400 000 italianos.

Por outro lado, a partir de 1965 e como resultado dos planos económicos postos em prática, os fluxos emigratórios da Espanha e Itália, países tradicional- mente fornecedores de mão-de-obra aos mais indus- trializados, sofreram forte quebra. Acresce ainda que,

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como natural consequência do desenvolvimento eco- nómico, os salários reais acompanharam os aumentos de produtividade, e o acesso fácil à instrução e espe- cialização profissional da população em geral tornou mais premente as necessidades de trabalhadores pre- cisamente para as tarefas mais rudes e que não exi- giam qualquer qualificação profissional.

Não obstante o esforço que tem sido desenvolvido, verifica-se ainda entre nós, nas categorias de traba- lhadores menos qualificados, grande diferença de re- munerações em relação às praticadas nos países de destino para tarefas da mesma índole. À medida que se sobe na escala profissional, vai-se atenuando essa

diferença, que desaparece praticamente, e até por vezes atinge expressão mais favorável, no que respeita aos quadros técnicos e dirigentes do sector privado. Saliente-se que a emigração de quadros técnicos não tem qualquer significado, do mesmo modo que é di- minuta a saída de operários altamente especializados.

Aponta-se algumas vezes a emigração como causa da falta de mão-de-obra que já se verificaria em mui- tos sectores. No entanto, se compararmos os índices de produtividade da economia portuguesa com os ve- rificados nos países de destino da nossa emigração, chega-se à conclusão de que a pretendida carência é afinal, em grande parte, a consequência da falta de racionalização nos métodos produtivos. Esta defi- ciência assume maior relevo na agricultura, sector que, a despeito da diminuição, em termos relativos e absolutos, do número de activos que se tem verifi- cado nos últimos anos, necessitaria ainda de ver substancialmente reduzidos os seus efectivos para que o seu índice de produtividade se aproximasse dos da Europa Central.

A emigração, ao opérar como factor de pressão na modernização e racionalização do trabalho, deu uma inestimável contribuição para o progresso e desenvol- vimento do País. Nesta ordem de ideias, e embora se continue a encarar a emigração como um facto que se aceita, mas não se fomenta nem deseja, não parece que tenham grande consistência os alarmes pessimis- tas que, algumas vezes e a tal propósito, se ouvem a respeito da emigração dos últimos anos. Um dos aspectos negativos da emigração é, sem

dúvida, o seu reflexo na evolução demográfica do País. Com efeito, sabe-se que emigram, na grande maioria, indivíduos dos grupos etários abaixo dos 45 anos (a percentagem de emigrantes e familiares saídos com mais de 45 anos não chega a 9 %), pelo que se vai distorcendo a composição da pirâmide de idades.

É difícil prever o comportamento da emigração por- tuguesa durante os próximos anos, dadas as muitas variáveis de que depende. No plano externo, não pa- rece que se atenuem de forma significativa as neces- sidades dos países industrializados em matéria de mão- «de-obra estrangeira, pelo que continuará mais ou menos viva a pressão sobre a mão-de-obra portuguesa. Portanto, o maior ou menor caudal emigratório de- penderá, em última análise, da evolução das condições sócio-económicas do País, pois que só um desenvol- vimento rápido, a ritmo apreciavelmente intenso, po- derá modificar de forma significativa o panorama no tocante à emigração de trabalhadores portugueses —como há índices de que já vai acontecendo. Ainda que as medidas adoptadas e a adoptar para a conse-

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cução desse objectivo sejam susceptíveis de gerar al- gumas tensões e desequilíbrios, não poderão deixar de ser encaradas, como aliás tem kido, através da política prosseguida pelo Governo nos mais diversos domínios e com particular expressão na formulação dos planos de fomento.

4. A criação do Secretariado Nacional da Emigra- ção e simultânea extinção da Junta da Emigração assinala de forma bem concreta a introdução de novos factores na definição da política emigratória do Go- verno, tendo principalmente em conta a deslocação do eixo da emigração portuguesa da América para a Europa.

Na verdade, embora o diploma criador da Junta da Emigração cometesse a este organismo importan- tes atribuições em matéria de assistência aos emigran- tes, o certo é que apenas se tinha em vista a emi- gração transoceânica, e a assistência era limitada à protecção a bordo por equipas de apoio, normalmente constituídas por um inspector e um médico. Afora estas tarefas — cuja importância importa sublinhar, se atendermos a que as viagens marítimas se faziam há algumas dezenas de anos atrás em condições de sanidade e segurança muito diferentes das que hoje se verificam —, a actividade da extinta Junta da Emigração consistia essencialmente na apreciação dos pedidos de passaporte de emigrante que lhe eram dirigidos e na realização de recrutamento de traba- lhadores portugueses para o estrangeiro. Ao Secretariado foram conferidas mais amplas

atribuições, como se infere dos seus diplomas orgâni- cos. Toda a sua acção deve ser orientada em ordem a manter o emigrante ligado ao seu país, com vista a um eventual retorno. Neste contexto, haverá que desenvolver actividade em diversos campos, de acordo com o que as circunstâncias e o meio indicarem. Deve assegurar a existência dos mecanismos neces- sários para tornar eficaz esta assistência ao emi- grante, tanto no País como em viagem ou no es- trangeiro, através da instalação de serviços próprios, da coordenação com as nossas autoridades diplomá- ticas e consulares, da cooperação das associações de portugueses no estrangeiro e, em colaboração com o Ministério da Educação Nacional, deverá ser pres- tada especial atenção aos jovens portugueses que no estrangeiro frequentam o ensino local, a fim de re- duzir os perigos da sua desnacionalização.

5. Sublinhe-se, ainda, que, com a finalidade de concretizar um dos pontos fixados na resolução do Conselho de Ministros de 2 de Julho de 1970, foi entretanto estabelecida estreita colaboração entre o Ministério do Ultramar (Serviço de Povoamento), o Ministério das Corporações e Previdência Social (Serviço Nacional de Emprego e Serviço de Formação Profissional) e o Secretariado Nacional da Emigração, com vista a aproveitar ao máximo as potencialidades de emprego da nossa economia < a favorecer a mobi- lidade de mão-de-obra entre as várias parcelas do território nacional, procurando-se assegurar, à escala do espaço português, o equilíbrio demográfico e a adequação da oferta à procura de emprego.

Ao amplo esclarecimento efectuado nesta perspec- tiva, informando os trabalhadores sobre aquelas pos- sibilidades que lhes são entreabertas, junta-se simul-

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taneamente a acção levada a cabo no sentido de os alertar para os riscos, perigos e condições indesejá- veis da emigração clandestina, bem como para a vantagem em seguir, na emigração, as vias legais estabelecidas por acordo com os países de destino.

6. Na resolução já citada deliberou, também, o Conselho de Ministros «ordenar a revisão de toda a legislação vigente sobre a disciplina da emigração e da protecção dos emigrantes, reunindo as suas normas, quanto possível, num texto único».

Esta determinação está na sequência das directivas estabelecidas pela mesma resolução em matéria de política emigratória e que, a partir de então, têm vindo a ser observadas, com inteira aceitação, aliás, da Nação.

As bases da presente lei não estabelecem — salvo num ou outro caso de pormenor — princípios que se possam considerar verdadeiramente inovadores em relação à política emigratória que vem sendo exe- cutada tal como foi definida pela referida decisão governamental. Assim, os objectivos do presente di- ploma dirigem-se não só à concretização da revisão legislativa preconizada pelo Conselho de Ministros, como ainda a possibilitar o melhor enquadramento jurídico das novas linhas de rumo da política emi- gratória.

Consagra-se na presente lei a liberdade de emigrar, princípio, aliás, tradicional no nosso direito positivo € que um ou outro procedimento administrativo — ge- ralmente ditado pela intenção de proteger o emi- grante— não pode invalidar. E estabelece-se a obrigação —cujos mecanismos de actuação serão estabelecidos por via regulamentar — de informar os trabalhadores sobre as possibilidades de colocação em qualquer parcela do território nacional. Em matéria de assistência, estabelecem-se amplos

princípios tendentes a possibilitar, cada vez mais, uma eficaz acção de protecção e assistência aos emigran- tes e seus familiares. Esta acção desenvolve-se desde os actos do processo emigratório até à assistência social, jurídica, económica e cultural a prestar ao emigrante no estrangeiro. Desta forma se dá expressão à preo- cupação de manter o emigrante ligado à sua pátria, pois é naturalmente objectivo que não se abandona, e antes se prossegue, o de facilitar e por todos os meios promover O seu retorno e a sua reintegração na sociedade portuguesa.

No respeitante a transportes de emigrantes, tendo em conta que a legislação em vigor apenas contempla o transporte por via marítima, quando actualmente são predominantemente utilizadas as vias terrestres e aérea, alarga-se a regulamentação de forma a abran- ger todos os meios de transporte e estabelece-se o princípio da fixação de preços máximos para bilhetes de emigrantes, à semelhança, aliás, da prática já se- guida noutros países de emigração.

Salvo os casos previstos em lei especial, mantém-se para a emigração clandestina a natureza jurídica de contravenção punível com multa, na linha da com- preensiva orientação seguida pelo Governo que per- mitiu a regularização da situação de tantos milhares de portugueses que se encontravam no estrangeiro, sem descurar, no entanto, as medidas que têm vindo a ser adoptadas, designadamente através —- como já se assinalou — da oportuna informação aos trabalhado-

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res, da simplificação do processo emigratório e da celebração de acordos de emigração com os países de destino, no sentido de reduzir este tipo de emigração a números menos significativos, objectivo que parece estar a ser alcançado se considerarmos que a emigra- ção clandestina em 1972 deve ter sido metade da ve- rificada no ano anterior. Como resultado da revisão e estudo de toda a

legislação vigente em matéria de emigração, elabo- raram-se os respectivos projectos de regulamentação actualizada; no entanto, atendendo à importância fun- damental que o fenómeno emigratório assume para o País, considerou-se que o diploma básico deveria ser apreciado e votado pela Assembleia Nacional, justa- mente, curioso será assinalar, quando perfaz um século a realização do primeiro inquérito parlamentar sobre a emigração portuguesa.

TÍTULO I

Princípios gerais

BasE I

(Direito de mobilidade do trabalhador)

1. Todo o cidadão português tem o direito de pro- curar trabalho, dentro ou fora do País, sem outras limitações que não sejam as estabelecidas na | lei, competindo ao Estado orientar e regular os movi- mentos migratórios e estabelecer medidas de pro- tecção ao emigrante.

2. Quando circunstâncias especiais o impuserem, poderá o Governo condicionar, limitar ou suspender temporariamente a emigração para determinado país ou região.

BASE II

(Colocação do trabalhador)

1. A todos os trabalhadores que manifestem o de- sejo de emigrar deverá ser dado conhecimento das possibilidades de colocação existentes no País,

2. Nos recrutamentos a efectuar ao abrigo de acor- dos de emigração celebrados com países estrangeiros deverá ser dada preferência aos trabalhadores que se encontrem na situação de desemprego involuntário.

BasE III

(Conceito de emigração)

Considera-se emigração a saída do País de indi- víduos de nacionalidade portuguesa, originária ou adquirida, para se estabelecerem definitiva ou tempo- rariamente no estrangeiro, salvo nos casos exceptuados por lei.

BAsE IV

(Recrutamento de trabalhadores)

1. Os movimentos emigratórios deverão ser discipli- nados e orientados, sempre que possível, através de acordos de emigração celebrados com os governos dos países de destino, dependendo de autorização o

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recrutamento de indivíduos de nacionalidade portu- guesa ou a publicidade destinada a angariar traba- lhadores.

Base V

(Manutenção dos direitos adquiridos)

O Governo deverá adoptar as medidas convenientes para que a fixação em país estrangeiro afecte o menos possível a estabilidade social e económica dos emi- grantes e do seu agregado familiar.

Base VI

(Conceito e espécies de retorno)

1. Considera-se retorno o regresso ao País de cida- dãos portugueses emigrados, quando o fazem a expen- sas suas.

2. O retorno diz-se temporário quando o emigrante tenciona sair de novo para o mesmo ou outros países e definitivo se o emigrante tenciona fixar-se em Por- tugal.

BASE VII

(Conceito e espécies de repatriação)

1. Considera-se repatriação o regresso ao País de cidadãos portugueses emigrados, desde que aquele regresso se efectue total ou parcialmente por conta do Estado ou das empresas de transporte.

2. A repatriação diz-se voluntária quando efectuada a pedido do emigrante e forçada quando imposta pelas autoridades dos países estrangeiros.

BAsE VIII

(Migrações interterritoriais)

Migrações interterritoriais são aquelas que se veri- fiquem entre as diferentes parcelas do território na- cional, devendo diligenciar-se o seu encaminhamento no sentido de se assegurar, à escala do espaço portu- guês, o equilíbrio demográfico e a adequação da oferta à procura de emprego.

TÍTULO II

Da competência em matéria emigratória

Base IX

(Dos serviços de emigração)

A política fixada pelo Governo em matéria emi- gratória será executada por um serviço próprio, que deverá dispor, para tal, dos meios necessários ao de- senvolvimento da sua acção.

BASE X

(Comissão Interministerial para os assuntos da emigração)

Deverá funcionar uma comissão interministerial para os assuntos da emigração, à qual: competirá, em geral, emitir parecer sobre qualquer assunto rela- cionado com a emigração que lhe seja submetido pelo Governo.

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TÍTULO III

Do processo emigratório

BasE XI

(Passaportes)

Os indivíduos que pretendam emigrar deverão ser portadores do respectivo passaporte, cujo custo, ca-

racterísticas, condições de concessão €e entidades com- petentes para tal serão definidos por via regulamentar.

TÍTULO IV

Da protecção e assistência ao emigrante

CAPÍTULO 1

Disposições gerais

Base XII

(Âmbito da acção protectora)

1. Cabe ao Estado desenvolver uma acção protec- tora e assistencial que, nos termos definidos na lei, abrangerá a totalidade do período emigratório, exer- cendo-se desde que o emigrante inicia os actos pre- paratórios da sua saída do território nacional, durante a viagem de ida, estada no estrangeiro e viagens de retorno ou de repatriação.

2. Esta acção findará com o regresso definitivo a Portugal ou com a perda da nacionalidade portuguesa.

BASE XIII

(Assistência à família)

A acção protectora e assistencial do Estado deverá abranger a família designadamente quanto:

a) À conservação dos vínculos entre o emigrante e a sua família enquanto esta permanecer em território nacional;

b) Aos sistemas de transferências de fundos que facilitem ao emigrante o sustento dos seus familiares em Portugal;

c) Aos benefícios da segurança social dos emi- grantes e seus familiares, quer no país de destino, quer no território nacional;

d) Aos sistemas de equiparação dos estudos rea- lizados pelos emigrantes e seus familiares no estrangeiro;

e) As iniciativas de carácter público ou particular que tenham como objectivo orientar e apoiar os emigrantes que pretendam educar os seus filhos em Portugal.

BASE XIV

(Assistência económica)

1. Deverá organizar-se a assistência aos emigrantes com vista à defesa do seu aforro, promovendo-se a adopção de medidas destinadas a facilitar a sua trans- ferência para o País.

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2. Poderão ser estabelecidas formas de financia- mento que tenham como objectivo a construção de habitações em Portugal ou que constituam medidas de estímulo e apoio à criação de empreendimentos de interesse nacional ou regional.

BasE XV

(Assistência às migrações interterritoriais)

1. Os movimentos migratórios interterritoriais de- verão ser, sem prejuízo da liberdade de circulação dos cidadãos portugueses, acompanhados e assistidos por serviços adequados.

2. Quando assim o entender, poderá o Governo determinar que se adoptem em relação às migrações interterritoriais medidas análogas às assumidas em relação aos movimentos emigratórios.

CAPÍTULO II

Assistência no País

Base XVI

(Protecção no decorrer do processo emigratório)

A protecção dos trabalhadores no decorrer do pro- cesso emigratório poderá compreender, nomeada- mente e sempre que as circunstâncias e as possibili- dades o aconselharem:

a) À organização de cursos de preparação para os emigrantes e suas famílias, nos quais se- rão ministrados conhecimentos sobre os paí- ses a que se destinam;

b) A formação e aperfeiçoamento profissionais dos trabalhadores;

c) A possibilidade de representação junto de qual- quer entidade, nacional ou estrangeira, para obtenção de esclarecimentos ou pedido de documentos.

Base XVII

(Vindas a Portugal dos emigrantes e familiares)

Deverá ser incentivada e facilitada a vinda a Por- tugal dos emigrantes e seus familiares, designadamente nos períodos de férias, para o que serão definidas as providências correspondentes a adoptar em matéria de transportes, regime aduaneiro e acolhimento nas fronteiras.

BASE XVIII

(Casas do emigrante)

1. Deverão ser instituídas casas do emigrante, des- tinadas a receber emigrantes que aguardem embarque ou que regressem do estrangeiro com destino às suas terras, assegurando-lhes alojamento e alimentação em condições higiénicas e económicas.

2. Enquanto não forem instituídas as casas do emi- grante, ou quando se mostrarem insuficientes para ocorrerem aos fins a que são destinadas, poderá o Governo celebrar com quaisquer entidades os acordos necessários para garantir a satisfação desses fins.

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BASE XIX

(Assistência aos repatriados)

Aos emigrantes repatriados deverá ser prestada, pelos organismos competentes, a assistência de que carecerem, designadamente em matéria de aloja- mento, readaptação ao trabalho e colocação.

CAPÍTULO III

Assistência no estrangeira

Base XX

(Acordos de emigração e convenções de segurança social)

A condição jurídica e social do trabalhador por- tuguês no estrangeiro deverá ser fundamentalmente assegurada nos acordos de emigração e convenções de segurança social celebrados entre Portugal e os países de destino dos emigrantes portugueses.

BASE XXI

(Acção social no estrangeiro)

A acção social de assistência e apoio aos emigrantes no estrangeiro desenvolver-se-á visando facilitar a sua adaptação ao novo ambiente, velar pela defesa dos seus interesses e fomentar a ligação dos emigrantes e seus familiares à Pátria e à cultura portuguesas.

BASE XXII

(Assistência cultural)

- 1. Tendo em conta a primordial necessidade de manter os emigrantes portugueses e seus familiares residentes no estrangeiro ligados à língua e cultura portuguesas, poderão ser adoptadas, designadamente, as seguintes medidas:

a) Criação de escolas e cursos de português do ensino básico;

b) Expansão do ensino do português em escolas secundárias estrangeiras, de modo a permi- tir que os filhos dos emigrantes possam esco- lher, como opção, a língua portuguesa;

c) Organização de cursos especiais para os emi- grantes e seus familiares;

d) Adopção de medidas especiais que facilitem a continuação de estudos em estabelecimentos de ensino portugueses aos filhos dos emi- grantes através do estabelecimento de equi- valências entre os cursos estrangeiros e os cursos nacionais;

e) Concessão de bolsas de estudo para frequên- cia de estabelecimentos de ensino em Por- tugal aos filhos dos emigrantes que tenham revelado melhor aproveitamento em cursos ministrados no estrangeiro.

. 2. Na assistência educativa deverá assumir especial importância o ensino da língua portuguesa aos filhos

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dos emigrantes, diligenciando-se no sentido de serem criadas as respectivas escolas ou cursos nos locais onde se encontre maior número de crianças portugue- sas.

BAsE XXIII

(Repatriação de emigrantes)

Incumbe ao Estado promover, em termos a definir, a repatriação de emigrantes através dos diferentes meios de transporte.

BASE XXIV

(Associações de portugueses no estrangeiro)

Deverá ser fomentada a criação de associações de portugueses no estrangeiro que tenham como objec- tivo fundamental a promoção e assistência social e cultural dos seus membros.

TÍTULO V

Do transporte de emigrantes

Base XXV

(Condições gerais para o transporte de emigrantes)

O transporte de emigrantes, por via marítima, ter- restre ou aérea, por parte de empresas transportadoras nacionais ou estrangeiras fica sujeito às obrigações le- galmente estabelecidas para o transporte de passageiros em geral e às que vierem a ser determinadas por via regulamentar, designadamente pelo que respeita a ta- xas devidas pelas empresas transportadoras, encargos de repatriação e acção assistencial a desenvolver pelas referidas empresas.

BasE XXVI

(Preços especiais para emigrantes)

Devem ser fixados preços máximos para bilhetes de emigrantes, em relação a qualquer meio de transporte, os quais incluirão taxas decorrentes do seguro obriga- tório de passageiros, da participação da entidade trans- portadora na acção de protecção e assistência ao emi- grante e da repatriação.

Base XXVII

(Fiscalização do transporte de emigrantes)

O Governo deverá fiscalizar as condições gerais de transporte, nomeadamente quanto à segurança, como- didade e higiene dos meios utilizados, prestando igual- mente assistência em viagem quando assim o consi- derar necessário.

BasE XXVIII

(Taxa para a acção social a prestar aos emigrantes)

Poderá o Governo, para suportar as despesas com a acção social de protecção e assistência aos emigran- tes, estabelecer uma taxa a cobrar de todos os nacio- nais não emigrantes que saiam do território português.

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Base XXIX

(Caução)

Quando o entender conveniente, poderá o Governo fixar a qualquer empresa transportadora uma caução destinada a assegurar o cumprimento de todas as obri- gações emergentes da presente lei.

TÍTULO VI

Das infracções

BASE XXX

(Da emigração clandestina)

1. A emigração clandestina constitui contravenção punível com multa e pode apresentar-se como:

a) Saída do País, sem documento que a tal habi- lite ou sem observância das formalidades ou prescrições legais, de nacionais que preten- dam fixar-se em país estrangeiro, perma- nente ou temporariamente;

b) Utilização do passaporte ordinário para emi- grar, salvo nos casos em que tenha sido averbada essa autorização pelas entidades competentes;

c) Fixação em país estrangeiro para além do prazo de validade do passaporte de emi- grante quando haja impedimentos legais à sua prorrogação ou substituição.

2. Constitui igualmente contravenção punível com multa a simples travessia da fronteira sem documen- tação que a tal habilite ou sem observância das forma- lidades ou prescrições legais.

3. Considerar-se-á crime, para além do disposto nã Lei do Serviço Militar, a ajuda prestada à emigração clandestina, constituindo circunstâncias agravantes o recebimento, como recompensa, de qualquer quantia ou valor, bem como a prática habitual de tais actos.

BasE XKXI

(Infracções do disposto na presente lei)

As sanções resultantes da não observância das dis- posições da presente lei, bem como a competência para a instrução dos respectivos processos, serão estabeleci- das por via regulamentar.

TÍTULO VII

Das disposições finais e transitórias

BASE XXXII

(Regulamentação e entrada em vigor)

1. O Governo publicará os regulamentos necessários à execução dos princípios gerais fixados nas bases pre- cedentes.

2. Esta lei entrará em vigor simultaneamente com os diplomas que a regulamentem.

O Ministro das Corporações e Previdência Social, Baltasar Leite Rebelo de Sousa.

Página 198

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