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3244 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130

plica, em grande parte, por que é que S. Miguel, sendo a ilha de maior riqueza, é também a ilha de maior pobreza.

É certo que no quadro da estratificação social da população activa agrícola há desequilíbrios que também concorrem para a explicação deste fenómeno: mais de 79 por cento de assalariados e mais de 29 assalariados por patrão, mas também há, no mesmo quadro, correctivo favorável, qual é o de existirem mais de 60 por cento de pequenos empresários familiares: isto significa que a maior parte daqueles assalariados explora também a terra por conta própria, embora na condição de rendeiro, e rendeiro que não necessita, sequer, de maiores garantias legais de estabilidade, visto esta lhe haver sido sempre conferida, e até transferida, de pais para filhos, através dos séculos, como direito consuetudinário de forte raiz tradicional.
Esta condição não lhes evita, porém, a pobreza, e não lhes evita porque à, gente é muita, a invernia é longa e rigorosa e os períodos intercalares de desemprego entre as sem ente ir as e as colheitas são extensos.
Calcula-se em cerca de 100 dias apenas a média de trabalho que pode ser garantida aos assalariados agrícolas em cada ano.
Nos restantes, só o rendimento das pequenas glebas que trazem de renda lhes pode assegurar a existência.
Não admira, pois, que àqueles que não conseguem um pedaço ,de terra, embora esta se encontre parceladíssima no seu arrendamento, só reste um recurso: emigrar.
Desta forma, o êxodo rural continua, não como um mal necessário, mas como um bem imprescindível.
Não se pense, porém, que em presença da gravidade de tal situação os homens de S. Miguel, sobretudo os mais abastados, cruzaram os braços, ficando indiferentes à miséria dos seus conterrâneos menos favorecidos.
Foram esses mesmos homens que, sem esquecerem outros aspectos da caridade, tentaram, por todas as formas, auxiliar o seu semelhante pela maneira mais digna por que se pode valer ao pobre: criando novas fontes de riqueza e dando-lhe trabalho.
Foram eles que, na última metade do século passado, quando então eram já poucas as esperanças de salvar os laranjais (que haviam feito a riqueza da ilha com a exportação, em larga escala, da laranja para a Inglaterra, mas que se encontravam irremediavelmente perdidos pelo ataque da icéria), se abalançaram à constituição de grandes empresas industriais e comerciais, algumas das quais ainda hoje surpreendem pelo arrojo da concepção e pelo vigor da dimensão.
As primeiras grandes estufas de vidro para a cultura forçada do ananás; as primeiras fábricas de chá; as primeiras fábricas de cigarros; a Parceria Marítima, da qual resultou a Empresa Insulana de Navegação, com navios a vapor para a Madeira, para o continente português e até para a América, e as fábricas de álcool, datam dessa época.
Não ficaram, porém, por aí as arrojadas medidas dos Micaelenses para debelarem as carências da sua terra.
Já neste século, e portanto nos nossos dias, eles construíram: uma fábrica de açúcar de beterraba, que ainda hoje é única no País; uma fábrica de tecidos de linho; uma fábrica de moagem; várias desfibradoras de madeira para as embalagens dos ananases e outras de fibra de espadana para aproveitamento extensivo da tábua; uma fábrica de cerveja; duas fábricas de conservas de peixe e de outros alimentos; várias estufas de torrefacção de chicória; uma fábrica do óleo e de farinha de baleia; uma fábrica de sabões e de óleos vegetais; uma fábrica de ágar-ágar; quatro fábricas de lacticínios e várias oficinas de mecânica, de carpintaria e de outros materiais destinados à construção civil.
No decorrer deste tempo eles criaram ainda mais duas novas empresas de navegação - a Mutualista Açoriana e os Carregadores Açorianos, esta com várias unidades de carga destinadas ao transporte de mercadorias nas linhas do Norte da Europa e da América.
Depois deste extenso rol de actividades do sector secundário e do sector terciário, mas quase todo relacionado com o sector primário, parece que não pode atribuir-se aos Açorianos nem falta de iniciativa, nem falta de coragem para empregarem o seu dinheiro em arriscadas empresas económicas.
Tudo isto representa algumas centenas de milhares de contos, e, se essa quantia nada significa para o continente, para uma pequena ilha como S. Miguel ela demonstra um grande, um enormíssimo esforço.
Vejamos, porém, como tudo isto funciona e porque não toma o desenvolvimento necessário para poder absorver na hora própria os elevadíssimos saldos fisiológicos da população e debelar as crises periódicas de desemprego dos seus assalariados agrícolas.
Comecemos pelos transportes: para uma terra que se situa em pleno mar, a mais de 1400 km de Lisboa e a mais de 3000 km das costas da América, terra esta que, por sua vez, está separada das outras ilhas do arquipélago a que pertence por outras extensões de mar que vão de 50 a 200 milhas, os barcos são, mesmo na ura dos grandes aviões de carga e de passageiros, os grandes e imprescindíveis companheiros da sua vida.
Eles trazem-lhe tudo quanto ela necessita. Eles levam-lhe tudo quanto nela sobra.
E prestam este serviço sem discutirem o peso, a natureza ou o volume das cargas que transportam.
Ora os Açores, embora se encontrem exactamente no paralelo de Lisboa, ficam fora das grandes linhas de navegação do Atlântico.
Isto significa que eles só podem contar, regularmente, com os seus próprios navios, e estes para escalarem todas as ilhas, a maior parte das quais sem portos adequados, demoram dias, e esta demora encarece, sobremaneira, o preço por milha percorrida. Os fretes surgem assim como dos mais caros do Mundo, e esta circunstância onera em demasia tanto os produtos que para lá vão como os produtos que de lá vêm.
Daqui resulta que nem o comércio se desenvolve na medida que era necessária, nem as companhias de navegação auferem aquilo que a sua dispendiosa exploração exige.
Este é o primeiro e, sem dúvida, o mais importante óbice aposta à expansão do comércio açoriano, óbice este que, por estar ligado directamente à fatalidade geográfica, não parece fácil nem possível remover.
Ao lado dele ergue-se, porém, um outro, de não menor valor perturbativo, que não só contraria a unidade económica metropolitana, como até impede a própria unidade do arquipélago: são os impostos indirectos, as taxas e outros encargos fiscais de natureza semelhante cobrados pelas alfândegas.
Em cada ilha há um posto aduaneiro que exige, implacàvelmente, esses impostos, taxas, etc., sobre todas as mercadorias provindas do continente ou mesmo de qualquer outra ilha.
Isto equivale a dizer que a vantagem da livre circulação dos gados, géneros ou quaisquer outros artigos que se verifica, sem qualquer entrave, entre todas províncias. distritos e concelhos do continente (conforme preceitua o § 1.º do artigo 704.º do Código Administrativo) não