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I SÉRIE-NÚMERO 21

Quinta-feira, 3 de Dezembro de 1981

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE DEZEMBRO DE 1981

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs.

Valdemar Cardoso Alves
Vítor Manuel Brás
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes da Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antão da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 14 do Diário. Deu-se conta da apresentação de requerimentos e do recebimento de respostas a vários outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Sousa Gomes (PS) referiu-se à actual política de habitação. Respondeu no fim a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Veiga de Oliveira (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Joaquim Miranda (PCP) criticou as recentes medidas tomadas pelo Governo de combate ao desemprego no Alentejo.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro (CDS) falou dos problemas derivados da seca que se tem feito sentir no País. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Rogério de Brito, Veiga de Oliveira e Carlos Brito (PCP) e António Campos (PS).
O Sr. Deputado António Arnaut (PS) referiu-se a dois requerimentos por ele formulados a propósito de conflitos existentes entre a Faculdade de Medicina de Coimbra e o Centro Hospitalar e entre a Associação Académica de Coimbra e os organismos autónomos da Academia.
O Sr. Deputado Sousa Marques (PCP) condenou o ataque levado a cabo contra a empresa angolana PETRANGOL.
O Sr. Deputado Barrilaro Ruas (PPM) teceu considerações sobre o tema versado na intervenção anterior.
O Sr. Deputado Silva Marques (PSD) protestou contra a forma como o Sr. Deputado António Arnaut (PS) fez a sua intervenção, tendo-se ainda referido à intervenção do Sr. Deputado Sousa Marques (PCP).
O Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) protestou pelo facto de a Estação de Tratamento de Lixo de Lisboa estar parada desde Agosto.
O Sr. Deputado César Oliveira (UEDS) aludiu também ao ataque de que foi vítima a empresa PETRANGOL.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD) procedeu à leitura de 2 relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do CDS, da ASDI e do PS, os quais foram aprovados.
Iniciou-se o debate do pedido de prioridade e urgência. requerido pelo Governo, para apreciação da proposta de lei n.º 70/II - Cessação do contrato individual de trabalho e contrato a prazo.
Intervieram a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Trabalho (Joaquim Marques), os Srs. Deputados Carlos Lage (PS), Manuel Lopes (PCP), César Oliveira (UEDS), Jerónimo de Sousa (PCP), António Taborda (MDP/CDE), Menezes Falcão (CDS), Mário Tomé (UDP) e António Moniz (PPM).
Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs.

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.

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Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Casimiro Pires.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco de Sousa Tavares.
Germano Lopes Cantinho.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correira de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas de Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureira Zenha.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Trindade Reis.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá,
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo Oliveira Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João António de Morais Leitão.
João Cantinho Andrade.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto Faria Xerez.
José Augusto Gama.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.

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Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

artido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Josefina Maria Andrade.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
Jorge Victor Portugal da Silveira.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Manuel Tílman.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro de Almeida Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Sflva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em aprovação o n.º 14 do Diário. Há alguma oposição?

Pausa.

Não havendo, considera-se aprovado. O Sr. Secretário vai proceder à leitura dos requerimentos apresentados.

O Sr. Secretário (Valdemar Alves): - Na sessão do dia 26 do corrente mês, foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo e aos Ministérios do Trabalho e da Indústria, Energia e Exportação (3), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Chaves Medeiros, Miranda Calha e Rogério Brito, respectivamente; ao Governo e aos Ministérios da Agricultura, Comércio e Pescas e da Qualidade de Vida (2), formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda; ao Ministério da Educação e Universidades, formulado pelo Sr. Deputado António Vitorino; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Brasileiro e Manuel dos Santos, respectivamente; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Barrilaro Ruas; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Lage; ao Governo (3), formulados pelo Sr. Deputado César de Oliveira; aos Ministérios da Educação e Universidades, da Agricultura, Comércio e Pescas e da Habitação, Obras Públicas e Transportes (2), formulados pelo Sr. Deputado Cantinho de Andrade; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Antunes; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Vidigal Amaro, António Mota, Octávio Teixeira e Magalhães Mota, respectivamente; aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Teixeira Lopes.
Na sessão do dia 27 de Novembro foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; aos Ministérios do Trabalho, da Habitação, Obras Públicas e Transportes e da Indústria, Energia e Exportação (2), formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelos Srs. Deputados José Manuel Mendes e Jorge Lemos; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo e Jorge Lemos; ao Ministério da Educação e Universidades, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Moreira; à Secretaria de Estado da Emigração, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Manuela Aguiar; ao Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas e à Secretaria de Estado da Exportação (2), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes e à Câmara Municipal de Oeiras, formulado pelo Sr. Deputado Vítor Brás; ao Governo e ao Instituto do Investimento Estrangeiro (4), formulados pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Sousa Gomes.

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O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ninguém ignota, nem o Governo, a gravidade que assume a situação da habitação em Portugal. É porventura hoje o problema mais sensível do nosso país.
Face às carências dramáticas existentes, que, de resto, têm um longo passado, exigia-se uma acção determinada e capaz de formular soluções concretas. Mas a evolução recente da política da habitação dos governos AO não nos deixa qualquer ilusão quanto à sua capacidade para melhorar a situação existente. Pelo contrário, é evidente que a AD se bloqueou a si própria, nessa como noutras áreas, submersa nas suas próprias contradições.
O reconhecimento expresso da situação de crise a que se chegou no domínio da habitação levou o actual governo a incluir essa área, como uma das quatro áreas prioritárias do seu programa.
A verdade é que os meses vão passando sem que nenhuma medida positiva seja formulada. Ao contrário, extingue-se o Fundo de Fomento da Habitação sem apresentar a estrutura, ou estruturas, que o substituirão; reduzem-se os créditos à aquisição de habitação própria; não se lança qualquer programa de habitação social; acabam-se com os poucos apoios que existiam para as cooperativas de habitação.
Entretanto, sucedendo-se a múltiplos anúncios de medidas decididas em Conselho de Ministros, o Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, em conferência de imprensa, realizada em 19 de Novembro último, comunicou ao País o «pacote» preparado pelo Governo para a tal área de prioridade absoluta. Além de intenções diversas, deixadas para um futuro incerto, o Governo anuncia a aprovação de 4 diplomas:
Um primeiro diploma revê as condições de acesso ao crédito para habitação própria, que terá por base, no futuro, o sistema de poupança-crédito, mas que, na prática, irá limitar radicalmente o acesso à habitação própria;
Um segundo diploma cerceia drasticamente a transmissão dos actuais direitos dos inquilinos, dando poderes quase leoninos aos senhorios para procederem à suspensão dos arrendamentos;
Um outro diploma estabelece a actualização anual dos arrendamentos comerciais, preparando o terreno para um regime geral de aumentos das rendas;
E um quarto diploma, finalmente, pretende criar condições para evitar que os fogos construídos para habitação possam ter outros fins, remetendo às câmaras municipais o exercício dessa fiscalização.
À expectativa criada sucedeu, portanto, não só a decepção daqueles que ainda esperariam alguma coisa nesta área do actual governo, como o desânimo de todos quantos sofrem por não terem, nem poderem esperar vir a ter, habitação a um custo compatível com os seus rendimentos familiares.
Mas para lá da incapacidade em formular uma política de habitação, o actual governo tornou clara toda a incoerência e inconsequência da actuação dos governos AD nesta matéria.
Sucessivos discursos sobre política da habitação têm caracterizado cada um dos governos AD. Cada uma das orientações estabelecidas, tem acabado por ser abandonada:

À aposta de dinamizar a construção habitacional, tendo como meta uma construção de 50 000 fogos/ano, sucede o reconhecimento de que esse objectivo não será atingido em 1981 e não poderá ser atingido no curto prazo;
À garantia dada de construção de 10000 fogos/ano para as camadas socialmente mais desfavorecidas, através da promoção pública, sucede a extinção do Fundo de Fomento da Habitação e o reconhecimento de que não há dinheiros públicos para tais programas;

À prioridade estabelecida para acesso à essa própria sucedem-se os cortes nos créditos disponíveis para esses financiamentos e a introdução de gravosas limitações à utilização dos esquemas de poupança-crédito.
Em Junho, o anterior ministro da Habitação dizia, em conferência de imprensa: «uma sociedade de inquilinos e de senhorios é uma sociedade que não interessa nem é possível fazer reviver; a solução do problema habitacional só será possível com o acesso à habitação própria».
Agora, em Novembro último, o actual responsável pela política da habitação vem dizer, também em conferência de imprensa, que casa própria não é viável e que a solução passa pelo relançamento do mercado de aluguer.
As sucessivas viragens e as manifestas contradições da política da habitação dos governos AD não conduzem apenas ao seu descrédito; vai minar a confiança dos agentes económicos e prejudicar todas as famílias que sofrem o drama da falta de habitações.
Quem pode, agora, dar crédito a qualquer uma proposta do Governo em matéria de habitação?
Deve dizer-se, não obstante o nosso desacordo sobre vários aspectos da análise que o actual ministro fez em relação à política habitacional, que um ponto merece a nossa consideração: a sua coragem em tornar clara a ausência de uma política coerente de habitação, por parte dos governos da AD, e em tornar claro, também, que a política de habitação prosseguida pela AD não tem saída.
Só que a questão de fundo, a de saber qual a política correcta que pode ser prosseguida, não teve também qualquer resposta.
Para os socialistas, a definição de uma política de habitação tem que ser formulada em termos de dar resposta, a médio prazo, aos problemas de fundo, sem ignorar, no entanto, a solução dos problemas actuais. Propomo-nos apresentar em breve à Assembleia da República o nosso contributo para o estabelecimento das bases gerais de uma política de habitação. Desde já queremos referir algumas linhas de

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fundo daquilo que implica a definição dessa política de habitação.
Um primeiro aspecto diz respeito às carências absolutas de habitação que não cessam de agravar-se. Ë por isso necessário garantir, no âmbito de um plano nacional de habitação, como o que propusemos durante a campanha para as últimas eleições legislativas, a construção mínima de 300000 fogos nos próximos 5 anos e considerar a recuperação de grande número de habitações antigas e degradadas.
Há que ter em conta os rendimentos disponíveis por parte das famílias portuguesas e reconhecer que a grande maioria não tem condições de acesso à habitação fornecida pelo mercado. É por isso necessário dar prioridade à resolução das carências de habitação das camadas sociais menos favorecidas, através de programas de habitação social em regime de acesso ao arrendamento ou à prioridade, a realizar com o apoio dos municípios, que terão de ser dotados dos meios requeridos para poderem assumir nesta área um papel determinante. Durante largos anos uma boa parte da promoção habitacional terá, sem dúvida, de assumir um carácter social apoiado pela iniciativa pública e cooperativa.
É desejável fomentar o acesso à habitação própria desde que as famílias tenham capacidade de poupança para o efeito, mas é necessário evitar que se criem maiores injustiças sociais. É por isso necessário que os regimes de crédito bonificado não continuem a favorecer apenas as famílias de mais altos rendimentos, como agora sucede, e isto à custa de dinheiros públicos, sem que nada se promova para resolver os problemas das famílias de mais baixos rendimentos.
O actual regime de rendas é iníquo porque consagra situações de injustiça relativa, mas não pode ser alterada fora do âmbito de uma política de rendimentos que assegure a protecção necessária às famílias de mais baixos recursos, designadamente através da institucionalização de um sistema de subsídio de habitação. É por isso que não aceitamos a implementação de qualquer regime de rendas actualizáveis, mesmo para os novos contratos, sem que essa garantia de apoio às famílias mais pobres seja estabelecida.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nenhuma política da habitação poderá ter êxito se ignorar o papel fundamental e dominante dos municípios na sua promoção e implementação ligada ao ordenamento do território, o que significa estabelecer uma política de solos e de prática urbanística em relação à qual sejam dadas às autarquias locais os meios legais e financeiros requeridos, de modo a poder dispor-se, no País de solos urbanizáveis de forma ampla e sistemática.
Finalmente importa não esquecer que a implementação de uma política habitacional supõe uma política de apoio e fortalecimento do sector da construção civil. Um programa de habitação exige uma capacidade de construção em condições técnicas e de custos aceitáveis, nos volumes requeridos. A verdade é que muito se tem exigido dos industriais da construção, mas poucas garantias e poucas condições de funcionamento da sua indústria, numa base estável, lhes têm sido fornecidas.
Sr. Presidente e Srs Deputados, ao referirmos aqui as nossas críticas à orientação que vem sendo dada à resolução do problema da habitação, e ao propormos desde já alguns critérios para a obtenção de um consenso sobre uma política de habitação desejável, queremos antes de mais que seja possível não continuar a agravar-se a situação difícil de grande parte das famílias portuguesas em relação à satisfação de um direito que é também uma necessidade básica: o direito à habitação.
Este governo demonstrou que a atribuição da prioridade absoluta à habitação não passou de um exercício de «humor negro». Na verdade, este governo, que vai impor aos Portugueses uma austeridade difícil e grave, uma forte corrosão do seu nível de vida, não sabe oferecer contrapartidas sociais. A sua política para o sector da habitação é o exemplo acabado dessa incapacidade. Uma política de habitação dinâmica, humana, de harmonia com as carências gritantes do País, exige um outro modelo de desenvolvimento, e com ênfase, na satisfação das necessidades básicas, isto é, uma outra política.
Uma política que o governo AD vem demonstrando não ter capacidade para realizar.

Aplausos do PS. da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira para pedir esclarecimentos.

O Sr. Veiga de. Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Sousa Gomes, quero, antes de mais, sublinhar o nosso acordo pelo seu protesto em relação à actuação deste governo da AD, no tocante à habitação. E quero lembrar que uma das grandes promessas eleitorais da AD - que constituía mesmo um slogan nas eleições de 1979 e também nas de 1980 - era a de «uma casa para cada família portuguesa», assim a cheirar um bocado a um passado ainda recente. E dessa casa para cada família portuguesa assistimos agora a este volte-face. por parte deste governo, em que não há casas para ninguém.
O Sr. Deputado, que já foi Ministro da Habitação e Obras Públicas, poderá dizer-me se em sua opinião seria ou não necessário adaptar os padrões de habitação económica, tendo em conta o que se passa em muitos países da Europa - por exemplo, e para não ir mais longe - com nível de vida superior ao nosso e com padrões de habitação económica muito abaixo daquilo que cá é considerado habitação económica?
O Sr. Deputado sabe que o aluguer de habitação não sai menos dispendioso para um inquilino do que a compra de habitação própria. Sendo assim, quer em função do prazo para pagamento das habitações quer quanto à sua duração no tempo, pergunto se a política do actual governo vai ou não favorecer, mais uma vez, os intermediários em vez de favorecer os consumidores, que são os que necessitam de casas e não as têm.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes para responder.

O Sr. Sousa Gomes (PS): - Gostaria de salientar que, efectivamente, perante a actual situação do País, que é dramática e difícil - e a própria AD disse - o

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por números, e não o mencionei para não alongar a minha exposição -, a verdade é que assistimos a uma incapacidade total no propor de soluções.
Não vou também aqui indicar mais do que algumas das linhas gerais que já referi na minha declaração política mas, respondendo ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, gostaria de dizer-lhe que é evidente que existe em Portugal um problema de situação social que não pode ser ignorado. E, ao contrário do que tem sido dito, uma grande parcela das famílias portuguesas não tem solvabilidade, não tem, portanto, possibilidade de acesso à habitação senão a uma habitação que lhe seja fornecida em termos económicos subsidiados.
O que denunciei é que actualmente a política de subsídio à habitação, que é fundamentalmente feita através das bonificações dadas aos créditos para acesso à habitação própria, é injusta porque está a beneficiar, a apoiar e a suportar as camadas da população que já têm rendimentos e que têm possibilidade, embora em menor grau, de ter acesso à habitação por outras vias. O que é verdade, porém, é que os mais pobres Hão têm, de facto, nenhuma possibilidade de acesso à habitação.
Pergunta o Sr. Deputado Veiga de Oliveira se é ou não possível ter padrões de habitação social mais exigentes e menos luxuosos. É um facto, é uma característica tradicional, que um país como Portugal não pode dar-se ao luxo de ter uma média de 140 m por habitação, não pode ter os standards e os padrões de acabamento que a própria habitação económica e social tem fornecido.
Se bem percebi, o Sr. Deputado terá dito que o aluguer não sai mais barato do que o acesso a habitação própria.
Quero dizer-lhe que isso não é verdade, em termos económicos...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP):- Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Deputado, o que eu disse é que, justamente, não sai mais barato o aluguer do que o acesso. Portanto, o que o Governo propõe é financiar mais uma vez os intermediários, quando aponta para o mercado de aluguer.

O Orador: - Bem, terá interesse discutir o problema técnico noutra sede, penso eu, mas direi que o aluguer a cargo de institutos de promoção de habitação pública é a única solução para as camadas mais desfavorecidas.
O aluguer em termos de rentabilizar capitais é um problema de mercado que, evidentemente, não vai resolver o problema das camadas mais desfavorecidas, mas é de aceitar para as camadas ricas, mais capazes do ponto de vista económico.
O que queria dizer, em conclusão, é que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera ser inaceitável continuar a deixar protelar-se por mais tempo esta situação e que apresentaremos, oportunamente, um projecto de lei sobre a matéria.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Queria esclarecer uma coisa que pode ficar no ar, que é extremamente importante para que não seja compreendida.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Quando falei que o aluguer não é mais barato do que a compra de habitação própria estava a referir-me ao aluguer em termos de mercado privado e não de nenhum instituto público. O que digo é que, socialmente, é ainda mais caro financiar o aluguer -e por acréscimo financiam-se intermediários - do que financiar a compra de habitação própria, mesmo para as camadas mais favorecidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes.

O Sr. Sousa Gomes (PS): - Como disse, esta matéria exige uma discussão um pouco mais longa, mas em todo o caso entendamo-nos: quer seja um instituto público quer seja um privado a alugar, desde que existam regras precisas, o aluguer, em princípio, visto que remunera apenas a imobilização do capital e não a sua amortização, tem possibilidades de ser mais barato.
Esta é uma questão que se poderá discutir mas penso que, em termos económicos, não pode ser dito de outra maneira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O chamado «Plano de combate ao desemprego» que a AD e os seus governos lançaram no Alentejo, traduz ao fim e ao cabo uma mais refinada forma do ataque à Reforma Agrária e, na sua aplicação, tem sido fonte de mais escândalos e mais fumos de corrupção.
Na passada semana os trabalhadores da Reforma Agrária manifestaram aqui, em frente desta Assembleia, o profundo repúdio que lhes merece a política deste governo e denunciaram, de forma firme, a gravidade que da assume para quantos vivem e trabalham no Alentejo e Ribatejo.
E fizeram-no porque é incontestável que este governo pauta a sua actuação pela demagogia mais baixa e naturalmente pela continuação das medidas que apontam para a destruição das UCPs/cooperativas.
O que, como é indesmentível, se tem traduzido, entre outros aspectos negativos, num brutal aumento do desemprego.
E é por isso e neste quadro que quando se analisam este problema e as «medidas» que o Governo diz tomar no sentido de o resolver se tornam mais evidentes a demagogia e mesmo a hipocrisia que este executivo comporta.
Vejamos no concreto o que se passa.

Por proposta da Direcção Regional do Alentejo, da Secretaria de Estado do Emprego, e com o parecer favorável do responsável por este último departamento governamental, foi dado início, tempos atrás, à chamada «operação colocação», cujo objectivo afirma o Governo ser o de combater o desemprego no Alentejo em «períodos de crise» e em conselhos

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também ditos em crise. Afirma o Governo que tal acção (ou projecto piloto, como também lhe chama), a desenvolver em coordenação com o Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, consistiria, tão simplesmente, na possibilidade de os agricultores e também, complementarmente, as autarquias locais, poderem utilizar mão-de-obra desempregada e inscrita nos centros de emprego, em trabalhos considerados fora dos que normalmente se efectuam na época da requisição.
O pagamento dos salários aos trabalhadores requisitados seria da responsabilidade da Secretaria de Estado do Emprego; e às entidades empregadoras caberiam, tão-somente, os encargos referentes à segurança social (9$ por dia).
Tal plano, que foi de imediato e logo que anunciado merecedor das mais severas críticas quer por parte dos sindicatos dos trabalhadores da agricultura, quer da generalidade das autarquias locais levanta, na verdade, as mais sérias objecções.
Objecções que se colocam a vários níveis e que se alargam à medida que vão sendo conhecidas das repercussões negativas que aquele ocasiona.
E assim é porque:

Em primeiro lugar, o plano, se bem que levado a cabo (ao menos no domínio das intenções expressas) com a colaboração do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, não visa, bem pelo contrário, pôr cobre às razões profundas do desemprego no Alentejo e que são principalmente: por um lado, os ataques sistemáticos à Reforma Agrária e, por outro lado, a permissão da existência ilegal de terras em estado de subaproveitamento ou mesmo abandono, por parte dos agrários, nomeadamente reservatórios. Pelo contrário: visa manter essa situação!

Em segundo lugar, porque a «operação colocação», mais do que uma medida no sentido do combate ao desemprego, é uma forma de controle dos trabalhadores desempregados. E assim é, até pelo que se retira do facto de apenas abranger os trabalhadores com direito a subsídio de desemprego e não aqueles que, pela força de ter sido ultrapassado o limite de tempo estabelecido para o recebimento do subsídio, já não recebe, continuando, no entanto, desempregados.
Em terceiro lugar e fundamentalmente, o chamado «plano de combate ao desemprego» aparece, afinal, como uma forma de tentar evitar as inevitáveis tensões sociais e as lutas dos trabalhadores, decorrentes do aumento brutal do desemprego na região alentejana, cujas origens se localizam, particularmente, na destruição das UCPs/cooperativas agrícolas.
A comprová-lo está o facto de tal operação ter incidência exclusiva nos concelhos onde a Reforma Agrária mais avançou, ao mesmo tempo que na generalidade dos concelhos em que ela não ocorreu não chega, evidentemente, a dita operação.
Mas há mais: é precisamente quando se está em plena campanha da azeitona que a operação é alargada a concelhos não abrangidos inicialmente. E isto, ao mesmo tempo que se desconhece qualquer actividade fiscalizadora (e muito menos ao nível da prevenção) por parte dos serviços regionais do Ministério da Agricultura Comércio e Pescas.
Daí que sejam já inúmeros os casos conhecidos em que os agrários recorrem a tal operação, não para trabalhos não normais na época mas, precisamente, para serviços sazonais (nomeadamente para a colheita da azeitona).
E pese embora a já de si tão escandalosa situação, agrários há que, ainda por cima, recusam o pagamento das próprias contribuições à segurança social!
Finalmente, e como se tal não bastasse, são igualmente inúmeras as situações em que se verificam (e este plano propiciai) um verdadeiro atentado aos direitos dos trabalhadores. Assim, por exemplo:

Agrários há que despedem os trabalhadores, após o que recorrem aos serviços regionais da Secretaría de Estado do emprego para requisitarem trabalhadores desempregados... compreende-se porquê!;

Trabalhadores há que, por terem sido cooperantes em UCPs/cooperativas fortemente afectadas (e por isso agora desempregados) são humilhados e desrespeitados por reservatários sem escrúpulos que agora recorrem, ao seu trabalho (porque gratuito para eles).
Esta situação, e o que assim se adivinha estar por detrás dela, exige completo esclarecimento, que ponha em evidência os reais objectivos desta operação, as benesses e compadrios que já serviu, e os seus responsáveis a todos os escalões.
É nesse sentido que vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República um requerimento em que formulamos as seguintes onze perguntas para que se exige resposta urgente:

1) Confirma-se ou não que o número de desempregados no Alentejo aumentou substancialmente com a destruição das UCPs/cooperativas?
Qual o número actual de desempregados nos concelhos abrangidos no plano?
2) Confirma-se ou não a existência de terras subaproveitadas e mesmo abandonadas por parte de reservatários?

E confirma-se ou não que o presente plano pressupõe o não cumprimento do disposto no artigo 39.º da Lei n.º 77/77, que determina o arrendamento compulsivo e a expropriação de terras abandonadas ou mal aproveitadas?

3) Confirma-se ou não que os trabalhadores desempregados sem direito a subsídio de desemprego não são abrangidos pela presente acção? Porquê?
4) Quais os concelhos inicialmente abrangidos pelo plano? Porquê esses e não outros? Por que razão não é o plano alargado aos concelhos onde praticamente nunca existiu a Reforma Agrária e abrange particularmente os concelhos de maior influências das UCPs/cooperativas e, em especial, aqueles onde a destruição destas foi mais acentuada?
5) Porquê o alargamento do número de concelhos inicialmente abrangidos (e quais os abrangidos actualmente), precisamente em vésperas de campanha da azeitona?

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6) Qual a colaboração efectiva do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas em todo este plano? Por que não é feita a fiscalização da aplicação do plano?
7) Qual a cobertura que, no quadro desta operação, pode justificar o recurso pelos agrários ao presente plano para, trabalhos sazonais? Quais as medidas já tomadas para pôr cobro a tal situação?

Ou aceita-se (e deseja-se) que o Estado funcione agora como pagador de encargos que aos agrários, e só a estes compete satisfazer?

8) Estando já assegurado o funcionamento do plano até finais de Dezembro, pensa-se ou não mantê-lo futuramente? Nos moldes actuais que possibilitam e possibilitaram este escândalo?
9) Qual o número total, por distrito e por concelho, de trabalhadores desempregados e recrutados para tal acção? E qual o número total de desempregados nos concelhos abrangidos no plano e nos restantes?
10) Qual o número de entidades empregadoras que requisitaram desempregados, no âmbito da presente acção (agricultores e autarquias locais)?

E quantos requisitavam habitualmente trabalhadores desempregados antes da presente acção, através dos serviços regionais da Secretaria de Estado do Emprego?
Qual o número médio de trabalhadores requisitados por entidade empregadora (agricultores e autarquias locais)?
Pensa-se ou não estabelecer limites ao número de trabalhadores requisitados? Qual? Quando?

11) Qual a verba já despendida com o presente plano?

Confirma-se ou não que tal verba, antes do alargamento de concelhos abrangidos, se estimava já ultrapassar os 130 000 contos, até finais deste mês?
Qual a origem de tais verbas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ressalta do que referi atrás e das próprias perguntas feitas ao Governo, estamos colocados, novamente, perante mais uma situação indigna do regime democrático.
E mais uma vez o escândalo nasce com uma iniciativa governamental.
Novos «fumos de corrupção» aparecem no ar, à semelhança, entre outros, dos já anunciados pelo então Secretário de Estado Goulão a propósito da entrega de reservas.
Mas a consolidação e a própria continuação do regime democrático não se compadece com tais situações.
Este governo, por isso mesmo, não pode manter-se por mais tempo. A sua demissão é uma questão que, cada dia que passa, se coloca de forma mais premente, necessária, urgente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro para uma declaração política.

O Sr. José Manuel Casqueiro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como deputado de um distrito situado ao Sul do País não posso deixar de vir publicamente expressar a profunda preocupação do povo que represento e a qual compartilho inteiramente quanto à gravidade e proporções da seca que aflige os campos e as cidades do Centro e Sul de Portugal, seca que assume aspectos cada vez mais assustadores por ser o prolongamento daquela que já o ano passado assolou o nosso país. É ela uma das principais razões da falta de água no abastecimento público a muitas povoações beiroas, alentejanas e algarvias, onde nalguns casos só há diariamente uma hora de água, sem esquecer aqueles que não tem rede de distribuição e a quem a água é distribuída uma única vez por dia em sistema de racionamento. Foi ela factor determinante na redução do turismo no Algarve ao assustar pelas reduções que implica uma parte dos turistas que habitualmente fazem férias naquela zona. Foi ela também a causa decisiva da má colheita de forragens, de cereais e de oleaginosas, com os consequentes e nefastos reflexos na produção pecuária.
O passado e o presente desta seca cifram-se já, descontando os racionamentos de água que acima referimos, em prejuízos que estão à vista de todos os que vivem e trabalham no interior das regiões rurais afectadas. Estão à vista de todos grandes extensões de searas já semeadas em vias de destruição ou já destruídas pela seca. Pode sentir-se o medo e a falta de confiança que esta situação infunde no espírito dos agricultores, levando os que se não prepararam tão bem com reservas forrageiras a desfazerem-se ao desbarato dós seus efectivos pecuários. Mas mesmo os que agem com mais preocupação pensam no futuro e temem o beco sem saída da falta de produção, começam também a pensar em desfazer-se dos efectivos que têm e a penetrarem assim no domínio da descapitalização que não será só a deles, mas que dirá respeito a todo o País que vive da riqueza dos seus cidadãos. Se o presente é, como todos sabemos, aterrador, mais preocupantes se tornam as perspectivas do futuro, que terão de ser criadas para que o pânico não se instale.
A meu ver o problema actual é bem mais grave do que aquele com que se defrontou o País em Fevereiro do ano passado, pelo que se torna necessário reequacionar os problemas, procurar alternativas e encontrar soluções, tomando para o efeito medidas de excepção.
E que medidas de excepção se deverão tomar? Passarei a enumerar algumas porque todas as necessárias só poderão ser o resultado do esforço conjunto de todas as forças democráticas e do próprio Governo. Julgo que se impõem desde já a mobilização de todos os recursos hídricos disponíveis e a prospecção acelerada de novas fontes; a diminuição do consumo de energia nas grandes zonas urbanas, porque são estas, curiosamente, que, a manter-se a situação actual, virão a ser as mais afectadas; a preparação de sementes para culturas alternativas para substituição das searas já perdidas; o reforço das medidas tomadas para a sobrevivência dos efectivos pecuários e o seu alargamento a outras zonas; a adopção de medidas de cré-

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dito e apoio financeiro aos agricultores que, descapitalizados pela actual situação, se encontrem sem força anímica para enfrentar corajosamente esta catástrofe que sobre eles se está a abater.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É perante a extensão e a gravidade deste flagelo, que aos homens é imposto pela Natureza, que apelo à cooperação de todas as forças democráticas para, em colaboração com o Executivo, se enfrentar, por forma construtiva, prática e urgente, o mal que aflige muitos portugueses e que virá a afligir, não tenhamos dúvidas, todos os portugueses, agravando de forma imprevisível a nossa já débil economia, com todas as consequências políticas que daí advêm para a jovem democracia portuguesa.

Aplausos do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

Pausa.

Desculpe, Sr. Deputado, há uma outra inscrição antes. Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, se o meu camarada Veiga de Oliveira quiser intervir já, não me importo de lhe ceder a minha vez,

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra também para pedir esclarecimentos?

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - É, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro trouxe aqui questões que, efectivamente, são preocupantes e que têm por base o problema da seca, que teima em persistir. É de facto um problema. Urge, contudo, encará-lo e discuti-lo numa base em que a hipocrisia não seja a sua sustentação de fundo.
É extremamente difícil encarar o problema da seca e das suas consequências; é extremamente difícil compatibilizar a situação de progressiva debilitação da estrutura económico-agrícola com a política que este Governo vem desenvolvendo, ou seja, com um constante e brutal agravamento dos factores de produção, com a contenção ou mesmo redução dos preços dos produtos na produção, com o esvaziamento criminoso de barragens ou com o não aproveitamento das águas.
Como pode justificar-se que ainda não tenha sido levada a cabo a maior parte das medidas que o Governo avançou demagogicamente no ano agrícola anterior no sentido de minimizar os efeitos da seca, como é o caso, por exemplo, dos subsídios de indemnização por produções perdidas? Como é de admitir que, numa situação de crise, em que imensos agricultores se vêem obrigados a desfazer-se dos seus efectivos pecuários, os matadouros da Junta estejam a dar, nitidamente, prioridade de inscrição aos intermediários em detrimento dos produtores, dos agricultores?
Estas são questões que se colocam e que não podem ser escamoteadas quando se fala do problema da seca e das suas consequências para. a actividade agrícola e para os agricultores. E se a seca é, efectivamente, um factor extremamente difícil, a agudizar a crise da nossa agricultura, a verdade é que esta crise tem raízes profundas na própria política agrícola dos anteriores governos da AD e do presente, que continua a não tomar medidas concretas, capazes de minimizar estes efeitos. Este é um facto que não pode ser omitido numa discussão deste tipo.
Quanto às medidas de crédito e apoio, como compatibilizar isto com a redução das verbas orçamentadas para o sector primário, nó presente ano?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado?, o meu pedido de esclarecimento é simultaneamente um protesto. E começo por aí.
O Sr. Deputado aparece aqui com um ar inocente e de ponta-de-lança livre, a meter golos numa baliza que está aberta e sem guarda-redes, como se o Governo não fosse...

O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Responsável pela falta de chuva?!...

O Orador: - ...um governo da AD, portanto do CDS!

Sr. Deputado, todos nós sabemos quais são as consequências da seca, naquilo que ela tem de fenómeno natural, mas a seca pior que enfrentamos é a seca deste Governo ...

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado António Arnaut (PS).

... que é perfeitamente incapaz de tomar medidas. Embora já tivesse anunciado algumas, nunca as tomou, ou se as tomou foi sempre com um vezo antidemocrático, com um vezo de permitir mais lucros aos grandes.
O Sr. Deputado sabe dizer-me o que foi feito de alguns milhares e milhões, mesmo de metros cúbicos de água que estavam em reservas de água das UCPs que foram destruídas? Que utilização teve?
O Sr. Deputado sabe dizer-me o que é que este Governo intentou fazer em relação, por exemplo, aos efectivos pecuários, como medidas de intervenção?
O Sr. Deputado sabe dizer-me o que é que este Governo intentou fazer - e já não digo fazer - em relação a novas sementes, em relação ao preço dos adubos, em relação a medidas especiais de bonificação de crédito aos agricultores além de pagar, para colher a azeitona, a uns tantos senhores latifundiários do Alentejo?
Sr. Deputado, realmente gostaria que conversássemos sobre este assunto em termos democráticos, mas não vejo da vossa bancada capacidade para o fazer. É este também o meu protesto.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito. É também para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é também para um pedido de esclarecimento, que vem, aliás, na sequência dos que já foram adiantados pelos meus companheiros de bancada mas que provavelmente ainda comportará alguma novidade.
A pergunta crucial que faço ao Sr. Deputado e se acredita que as medidas que sugeriu -algumas delas são razoáveis, embora parciais - poderão encontrar algum eco nos meios governamentais. Isto porque a seca vai no segundo ano, com uma gravidade evidente, e não se viu a tomada de qualquer medida até agora por parte do Governo. É capaz de nos apontar medidas eficazes adequadas, tomadas até agora pelo Governo? É que, por isso, não é demagogia dizer-se que a pior seca é o Governo!
O Governo não é, evidentemente, culpado da seca, mas é altamente responsável pela situação que a seca está a criar à população, ao povo português, situações verdadeiramente dramáticas, algumas das quais o Sr. Deputado focou e às quais não refiro porque não tenho tempo.
Neste fim-de-semana a APU organizou no Algarve um colóquio sobre os recursos hídricos e tivemos ocasião de fazer um levantamento do que tem sido a acção deste governo. Ela é completamente negativa.
O Sr. Ministro Ângelo Correia foi inaugurar a primeira pedra da barragem de Beliche! As populações de lá disseram que já em 1966 tinha ido um ministro inaugurar a primeira pedra para a barragem de Odeite, mas que nunca mais foi posta a segunda pedra. É isso que provavelmente vai acontecer agora com a primeira pedra do ministro Ângelo Correia! Mas que medidas foram .tomadas pelo Governo?
O Sr. Deputado - falou que o turismo no Algarve teria sido prejudicado pela seca. Bem, foi prejudicado acima de tudo pela declaração leviana do Sr. Primeiro-Ministro ao falar de uma situação de pré-catástrofe. Apareceram turistas até do Norte do País, sem falar dos estrangeiros, carregados de bidons de água, como se não houvesse nenhuma água no Algarve! Na altura a situação ainda não era essa! Isto foi citado nesse colóquio por um senhor que se declarou ser da AD.
Por isso volto à minha pergunta: acredita o Sr. Deputado que aquilo que aqui trouxe encontra algum eco nos meios governamentais ou é mera demagogia para a Assembleia ouvir, para o povo ouvir, porque o Sr. Deputado já sabe à partida que não vai ter nenhumas consequências na acção governativa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - O Sr. Deputado Casqueiro caiu aqui, nesta Assembleia, de asinhas brancas procurando confundir as questões. Por mim, faço sinceros votos para que o Sr. Deputado se passe a preocupar, de facto, com a vida dos agricultores!
Quero chamar-lhe a atenção para o facto de em 1980 não ter havido seca e de o grande empobrecimento dos agricultores se ter feito em 1980, graças à política da AD para com os agricultores.
O Sr. Deputado sabe perfeitamente que os agricultores perderam cerca de 11 % do seu nível de vida num ano normal, sem seca. E quero referir que o Sr. Deputado foi um dos principais obreiros desse empobrecimento!
Como é que o Sr. Deputado vem agora cair aqui de asinhas brancas, atirando as grandes preocupações do Sr. Deputado para a seca?
É claro que a AD não tem política para o sector, é claro que a AD tem sacrificado totalmente os agricultores à sua política económica e o Sr. Deputado, ou algum deputado da bancada da AD, não pode vir aqui falar na defesa dos interesses dos agricultores porque nunca o seu nível de vida foi tão prejudicado como tem sido desde que a AD está no Governo.
O Sr. Deputado está ou não de acordo quando digo que o ano de 1980 foi o grande ano de começo do empobrecimento dos agricultores?
Não conheço nenhuma medida de ajuda do Governo aos agricultores a não ser a que o Sr. Deputado Joaquim Miranda há pouco referiu, que é pegar nos trabalhadores de graça, pagos pelo erário público, e colocá-los ao serviço dos grandes senhores do Alentejo.
Perguntava-lhe, pois, se conhece alguma medida, desde que a AD está no Governo, que tivesse ajudado os agricultores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro para responder.

O Sr. José Manuel Casqueiro (CDS): - Vou responder de uma forma extremamente breve, para dizer que do protesto do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, creio eu - estabeleceu-se uma confusão porque não se sabia quem iria falar, se era o Sr. Deputado Rogério de Brito se o Sr. Deputado Veiga de Oliveira - resultou o mesmo pensamento da intervenção do Sr. Deputado Rogério de Brito, ou seja, uma confusão de ideias! A demagogia acabou por ser a expressão fácil, lugares-comuns a que todos estamos habituados: trabalhadores, governo, reforma agrária, sabotadores da economia! Isto quando a minha intervenção pretendeu ser séria e trazer a esta Câmara a preocupação do povo que trabalha, do povo que vive no Alentejo e nas regiões centro e sul do País, sejam eles trabalhadores das UCPs, sejam os tais latifundiários de que o Partido Comunista é useiro e vezeiro em falar.
Independentemente da seriedade de um problema que aqui quis trazer e que é extremamente grave - e em paralelo com a situação portuguesa poderia dizer que em Espanha neste momento já foram adoptadas medidas de excepção - ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Cá não!

O Orador: - ... em contrapartida, quando aqui apelei às forças democráticas, o que ouvi da parte da bancada do Partido Comunista foi a resposta clara de que não estava disposta à colaboração.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Isso é falso!

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O Orador: - Não me admira, porque também tenho a noção exacta de que o Partido Comunista não gosta da democracia parlamentar!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Deputado, não dissemos que não estávamos dispostos a colaborar com medidas de excepção e com medidas que permitissem minorar da seca, o que dissemos é que não acreditávamos - e temos razões, que são as que o povo invoca quando diz que pelo andar da carruagem logo se vê quem lá vai dentro - que este governo fosse capaz ou tivesse até o desejo de as tomar. E dissemos-lhe mais, Sr. Deputado: é que o Sr. Deputado, ao fazer a sua intervenção, falando em coisas acertadas, parecia esquecer que era membro do Partido que faz parte do Governo.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Só que ele não é ministro! A única coisa que falta é ser ministro! ...

O Orador: - Sr. Deputado, se com a sua intervenção pretende saber se dou aqui um voto de confiança ao Governo, devo dizer-lhe que se não apoiasse o Governo ou não estava na Assembleia ou já o tinha declarado publicamente.
Se aqui abordei o tema é porque o considero extremamente preocupante, é porque entendo que se não forem tomadas algumas medidas de excepção para a situação actual poderão vir dar razão àqueles que nos acusam de passarmos o tempo a discutir coisas sem importância e de nos esquecermos dos problemas que os afectam no dia-a-dia. É essa a razão por que trouxe aqui um problema que considero extremamente pertinente, que é preocupante e que aflige uma larga percentagem da população portuguesa.
Claro que na confusão que reina nas vossas intervenções é feita a mistura de factores de produção com a seca, como se os preços dos factores de produção tivesse alguma coisa a ver com a situação real da crise gerada pela seca...

Risos do PCP.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Não tem a ver?! ...

O Orador: - Com certeza que o governo da AD não é um governo de manda-chuvas, como seria o do Partido Comunista em que então teríamos chuva todos os dias no nosso país! Aliás, senão tivéssemos era porque com certeza não seria necessário, porque os senhores não permitiriam que alguém em Portugal criticasse o governo pela crise em que nos encontrássemos, pois com certeza que a liberdade de expressão não existiria em Portugal se os senhores governassem! ...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Responda às perguntas! ... Deixe-se de flores!

Uma voz do PCP: - Ainda não disse nada!

O Orador: - No Partido Comunista há uma vantagem: é que expressando-se de forma diferente, todos pensam pela mesma cabeça ...

O Sr. Sousa Marques (POP): - Não seja parva! ...

O Orador: - Aliás, há o respeito pelo chefe, como há pouco foi evidente!
O Sr. Deputado Rogério de Brito disse que as inscrições nos matadouros eram feitas pelos intermediários, pelos comerciantes. Manifestou um desconhecimento total da realidade, porque as inscrições nos matadouros são feitas, única e exclusivamente, aos produtores e o Governo, inclusive, tomou a decisão de o fazer prioritariamente aos agricultores inscritos nas suas próprias cooperativas, facto que nunca tinha existido.
Respondendo ao Sr. Deputado António Campos, começo por dizer-lhe que o meu apelo se dirigia às forças democráticas e que por isso esperava encontrar, por parte do Partido Socialista, uma atitude bastante diferente, uma atitude de maior compreensão e de maior abertura à cooperaçâo a que aqui fiz apelo. Mas, pelo contrário, o Sr. Deputado preferiu referir-se ao ano de 1980 como ano da crise dos agricultores portugueses.
O problema que aqui trouxe era o da situação actual da crise, não da dos agricultores de 1980 mas da que o segundo ano de seca traz à agricultura portuguesa e à economia do nosso país. E, nesse aspecto, em relação à questão que levantou de o ano de 1980 ser o da crise dos agricultores portugueses tenho uma resposta extremamente simples: é que o ano de 1980 deu aos agricultores portugueses uma melhoria de vida perfeitamente assinalável.
O resultado esteve à vista, quando a maioria da população rural, em eleições livres e democráticas, votou maioritariamente nesse mesmo Governo, nessa mesmo prática política, que tinha melhorado o nível de vida dos agricultores portugueses e das populações rurais.
Se alguma coisa fosse necessária, foi na realidade esse verdadeiro referendo nacional, que as eleições de 1980 fizeram à política agrícola que o então governo da Aliança Democrática, presidido pelo Dr. Sá Carneiro, tinha dado aos portugueses e à população rural em especial.

Aplausos do CDS.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro disse que houve para aqui umas grandes confusões e perguntou o que é que têm a ver os factores de produção com a seca?
Há tratamentos que se fazem em que se dá a cura até matar. A seca provoca uma maior debilitação das estruturas económicas e agrícolas, como é evidente. Ora, quais são as soluções que o Governo encontra para resolver o problema e para minimizar os efeitos? É preciso produzir mais e aumenta-se o preço dos

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adubos para ajudar; é preciso produzir mais, e aumenta-se o preço dos pesticidas, que é para ajudar; é preciso produzir mais, e aumenta-se o preço das sementes, que é para ajudar; é preciso produzir mais ou manter os efectivos pecuários, e aumenta-se o preço das rações, que é para ajudar. E, continuando a ajudar, enquanto se aumentam os adubos, os pesticidas e as sementes, baixam-se os preços da batata, permite-se a perda de milhares de toneladas de azeitona, permite-se que os preços do gado atinjam valores inferiores aos de há 2 anos.
O Sr. Deputado diz que nos matadouros não se dá prioridade aos intermediários. O Sr. Deputado deverá ir dizer isso à frente dos agricultores do Norte, nomeadamente nas regiões de Bragança, de Baião e de outras, que têm feito para aqui reclamações, e não são agricultores comunistas, Sr. Deputado.
Portanto, não admira que o Sr. Deputado venha com alegações desse tipo, pois isso é próprio de quem não tem argumentos. Aliás, é a expressão de uma capa a esvaziar. Eu diria, Sr. Deputado, que já nem o pretexto de criar uma federação nacional de cooperativas, solicitando 5000$ adiantados para ver se a CAP se mantém em pé por falta de verbas, vos vale. Estão no fim! É a esvaziar por cheinho,... não fica nada!

Aplausos do PCP.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para também formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. António Campos (PS):- O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro proeurou confundir as minhas palavras dizendo que eu teria afirmado que o ano de 1980 era o ano da crise.
É claro que o que eu disse é que a grande crise na agricultura portuguesa começou em 1980 e, se o senhor quiser analisar com olhos todas as estatísticas e todos os relatórios oficiais - a não ser que a seca já esteja a debitar na mente do Sr. Deputado -, verificará que o nível de vida dos agricultores diminuiu cerca de 11 % no ano de 1980. Isto é claro, os números estão à vista de todos e não vale a pena que o Sr. Deputado venha aqui demagogicamente falar no voto dos agricultores, porque isso é que é a realidade.
Ora, o que eu quero dizer ao Sr. Deputado é que o senhor caiu aqui de asinhas brancas porque V. Ex.ª em 1980 foi um dos principais obreiros dessa política de empobrecimento do sector agrário. Portanto, não pode vir agora aqui com essas asinhas mostrar-se preocupado com os problemas da seca que, infelizmente, afligem todos os agricultores e que estão a criar situações dramáticas no mundo rural, em relação ao que este governo até hoje não tomou uma única medida.
O Sr. Deputado referiu que em Espanha estão, a ser tomadas medidas de excepção, e já estão a ser tomadas há muito tempo. Mas aqui em Portugal não foi tomada uma única medida; há simplesmente uma política demagógica, uma política como aquela que o Sr. Deputado aqui vem trazer a esta Assembleia.

O Sr. Presidente; - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro para responder, se assim o desejar.

O Sr. José Manuel Casqueiro (CDS):- Sr. Presidente, a minha resposta vai ser muito curta. Aliás, pelos protestos que houve por parte do Sr. Deputado Rogério de Brito - em que acentuou, de uma forma extremamente demagógica, aquilo que já é cassette normal do Partido Comunista - , o que vejo é que o Partido Comunista está profundamente preocupado pela sua, própria confusão e incapacidade.
Quando o Sr. Deputado Rogério de Brito levanta os problemas dos factores de produção sabe perfeitamente que não são essas as questões que estão em causa como derivadas da situação actual da seca. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que se tivesse começado a chover, como é normal no princípio do Outono, nesta altura os problemas derivados da falta de forragens e do abate prematuro de alguns efectivos, não existia uma maior oferta dos animais jovens e, portanto, os problemas dos matadouros não ocorriam.
Ainda em relação ao problema do abate dos efectivos, o Sr. Deputado levantou a questão de Baião e de Trás-os-Montes, onde os agricultores querem abater e terão dificuldades. Mais uma vez o Sr, Deputado pôde mostrar nesta Câmara a sua capacidade de improvisação, porque, como V. Ex.ª sabe, não há seca em Baião, visto ter sido das zonas onde este ano tem chovido mais no Norte do País. Portanto, a seca não assume aí as proporções que infelizmente se verificam no Sul e no Centro do País.

Vozes do PCP: - Só chove em Baião?

O Orador: - Srs. Deputados, que eu saiba, Baião fica no distrito de Braga.

Risos.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Não é no distrito de Braga, é no do Porto. O Sr. Deputado não sabe nada de geografia!

O Orador: - Sr. Deputado, tenho a capacidade e a humildade de reconhecer o meu erro, coisa que talvez o senhor não tenha.
Gostaria de lhe dizer que numa reunião em que participei como deputado com a União de Cooperativas de Entre Douro e Minho tive a possibilidade de poder tomar o conhecimento de que as cooperativas integradas na UCA-Norte faziam a inscrição do gado dos seus associados. Portanto, a afirmação que o Sr. Deputado aqui fez em relação a Baião não é verdadeira, pois ela é uma das cooperativas que integra a região do Entre Douro e Minho.
Por outro lado, Sr. Deputado António Campos, gostaria de lhe dizer que, quando V. Ex.ª fala do problema da crise da agricultura portuguesa e a quer situar em 1980, eu não cometo o erro de a situar em 1976 ou 1977, porque, infelizmente,, a crise da agricultura portuguesa remonta muitos anos atrás, aos de 1980, aos de 1975. Só que, infelizmente, se gastaram as possibilidades que havia de melhorar o nível de vida dos Portugueses com os "erros cometidos a seguir a 1975.

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É por isso que quando o Sr. Deputado fala na crise da nossa agricultura gostaria de lhe lembrar que se olhar para os números e se recorrer às estatísticas V. Ex.ª verá que de há 30 anos a esta parte a nossa agricultura tem um crescimento pouco acima do zero em alguns casos.
É esta a situação real que gostaria de esclarecer aqui, Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o tempo reservado ao período de antes da ordem do dia. Entretanto, encontram-se na Mesa 2 requerimentos solicitando o seu prolongamento.
Há alguma oposição?

Pausa.

Visto não haver, considera-se aprovado o prolongamento do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Suponho que o Sr. Presidente ainda não terá advertido a Assembleia para o facto de que o meu grupo parlamentar entregou um voto na Mesa durante a última sessão.
Ora, como esse voto não consta da ordem de trabalhos de hoje, suponho que a maior parte dos grupos parlamentares não o terá recebido. Dado não ter sido anunciado, pedia à Mesa o favor de tomar providências nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o voto foi anunciado pela Mesa no dia 27 de Novembro e eu ia precisamente agora perguntar à Assembleia se estava de acordo em votá-lo de imediato, entrando-se depois no prolongamento requerido.
Os Srs. Deputados estão de acordo em que se proceda agora à votação deste voto apresentado pela UEDS?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nós nem sequer conhecemos o texto do voto apresentado pela UEDS, pois não foi distribuído à nossa bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse voto foi distribuído na Conferência dos Grupos Parlamentares. No entanto, vamos proceder à leitura do respectivo texto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, então eu perguntava aos proponentes se, nestas circunstâncias, vêem inconveniente em que esse voto fosse votado amanhã.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, penso que é perfeitamente legítimo que a Assembleia não se pronuncie quando a maior parte dos grupos parlamentares - e há pouco eu chamei a atenção para esse facto - não tem conhecimento do texto do voto.
Nós temos sempre lutado dentro da Assembleia para que esta se pronuncie com o mínimo de conhecimento da matéria, o que nem sempre acontece, e, portanto, não íamos agora requerer a votação do nosso voto quando há grupos parlamentares que não o conhecem.
Portanto, votar-se-á amanhã, se for caso disso, mas o mais importante é que os grupos parlamentares saibam o que é que estão a votar e possam apreciar o voto.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, parece que realmente houve uma deficiência na distribuição desse voto pelos grupos parlamentares, mas a verdade é que ele foi distribuído na Conferência dos Grupos Parlamentares e foi aqui anunciado.
No entanto, estamos de acordo em que esse voto seja votado amanhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut para uma intervenção.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentei há pouco na Mesa vários requerimentos sobre problemas que dizem directamente respeito à cidade e ao distrito de Coimbra e, indirectamente, ao País.
Aproveito estes escassos 5 minutos para realçar dois desses documentos, dada a importância e a gravidade dos assuntos que neles são tratados. Face à escassez do tempo e à clareza do assunto exposto nos referidos requerimentos, vou limitar-me a ler ou a resumir os 2 textos, pensando assim sensibilizar os meus ilustres colegas e o Governo para os problemas que neles são tratados.
Respeitam esses 2 requerimentos a conflitos que recentemente se abriram e se estão a desencadear e a avolumar, por um lado, entre a Faculdade de Medicina de Coimbra e o Centro Hospitalar e, por outro, entre a Associação Académica de Coimbra e os organismos autónomos da Academia.
Conflito entre a Faculdade de Medicina de Coimbra e o Centro Hospitalar: desde 1974 que o ensino dos alunos dos 4.º 5.º e 6.º anos é ministrado tanto na Faculdade de Medicina como no Centro Hospitalar. A pletora dos alunos existentes em 1974 e nos anos subsequentes determinou essa colaboração entre as duas entidades, em termos que pessoalmente se me afiguram correctos e frutuosos.
Porém, o Decreto-Lei n.º 127/81, julgando ultrapassadas as circunstâncias que motivaram aquela colaboração, extinguiu o ensino médico no Centro Hospitalar. Um recente despacho conjunto dos Ministérios da Educação e dos Assuntos Sociais, através da Secretaría de Estado da Saúde e do Ensino Superior, interpretando equivocamente esse diploma, veio permitir a continuação do ensino clínico no Centro Hospital de Coimbra. Por isso, muitos estudantes ali se estão a inscrever.
Os docentes da Faculdade de Medicina não concordaram com essa interpretação e, numa atitude de protesto, recusaram-se mesmo a comparecer à

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abertura solene da Universidade, que estava prevista para o dia 26 - e que por isso foi adiada -, ameaçam demitir-se, ou porventura já se demitiram, de todos os lugares de gestão, e ameaçam também deixar de ministrar as aulas aos estudantes da Faculdade de Medicina.
Aliás, um comunicado desses professores refere-se ao Ministro da Educação e das Universidades como tendo tomado uma atitude prepotente, mantendo o Centro Hospitalar de Coimbra como unidade de ensino autónomo, e protestando contra esse facto.
O conflito encaminha-se para uma situação de rotura se não forem encontradas normas de diálogo ou tomadas medidas que o permitam ultrapassar. O interesse do ensino e dos alunos não se compadece - digo eu neste requerimento, a concluir - com falsos prestígios ou preconceitos de capelania.
Por isso, pergunto ao Governo que medidas está a tomar para ultrapassar este conflito de proporções graves e que pode ainda assumir mais graves proporções.
O segundo requerimento diz respeito ao conflito entre a Associação Académica de Coimbra e os organismos autónomos.
Dada a escassez de tempo, vou limitar-me a ler esse requerimento:
A Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra enviou, em 23 de Novembro, aos organismos autónomos da Academia (CELUC, CITAC Coro Misto, GEFAC, Orfeon, TEUC, e Tuna) uma carta-notificação declarando formalmente o corte de relações, proibindo-os de utilizarem os serviços da Associação Académica e de afixarem qualquer publicidade nas suas instalações, exigindo a liquidação de todos os «débitos» e, mais grave ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, concedendo a esses organismos o prazo de 30 dias para a «restituição das instalações ilicitamente ocupadas».
O litígio assim aberto entre a Associação Académica de Coimbra e os organismos autónomos da Academia não respeita apenas aos estudantes de Coimbra mas, à própria cidade e ao País, pois, se não for sanado num espírito de cooperação e entendimento, sem partidarismos- como sempre foi timbre da Academia de Coimbra - pode degenerar num conflito de mais largas proporções e afectar a vida escolar e associativa de milhares de estudantes.
A Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra representa os estudantes universitários de Coimbra, mas os organismos autónomos, que sempre viveram sob o mesmo tecto e de algum modo assumiram o próprio espírito, a tradição e a cultura coimbrãs, são credores da nossa gratidão pela obra cultural realizada através de gerações, verdadeiro património colectivo que não pode estar à mercê de caprichos pessoais ou das vicissitudes da política partidária.
Neste requerimento concluo pedindo ao Governo que, sem prejuízo da autonomia da Associação Académica de Coimbra e dos organismos autónomos - autonomia que se respeita -, quais são as medidas que o Ministério da Educação e das Universidades está a tomar para resolver, e ultrapassar este grave conflito.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, eram estes dois assuntos para os quais eu queria chamar a vossa atenção. Como disse no início, penso que sensibilizei a vossa opinião e, mais uma vez, chamo daqui a atenção do Governo para a necessidade e para a urgência de resolver esses conflitos.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formularam pedido de esclarecimento e também para dar o meu apoio à intervenção do Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. Presidente: - Isso não é possível, pois nesta parte do prolongamento do período de antes da ordem do dia não há lugar a pedidos de esclarecimento nem a protestos, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Então reservar-me-ei para outra altura, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ataque terrorista à PETRANGOL integra-se num vasto conjunto de acções e operações que pretendem não só pôr em causa o desenvolvimento da República Popular de Angola e das novas relações entre este Estado e o Estado democrático português, continuador da revolução de Abril, mas, em último caso, tentar destruir o caminho encetado pelo povo angolano e tentar inflecti-lo no sentido de uma situação neocolonial que subordinasse a República Popular de Angola aos interesses do imperialismo.

Vozes no PCP:- Muito bem!

O Orador: - Temos em conta que esta situação tem forçosamente que se integrar na situação mais geral que se vive na África Austral, um dos mais perigosos focos de tensão actualmente existentes no mundo.
Temos em conta que o principal responsável por esta situação na África Austral é o regime racista e fascista do apartheid da África do Sul e todos aqueles que o apoiam à descoberta ou incobertos, e que por essa forma dão força a um regime como é o regime fascista e racista da África do Sul.
Para a análise desta situação temos em conta a política definida em zonas de interesse vital para os Estados Unidos em que, por exemplo, em relação à América Latina o Sr. Haig diz que não mais permitirão que a Nicarágua se transforme numa nova Cuba; em que em relação ao Médio Oriente, os dirigentes americanos, Reagan e os seus correlegionários, apoiam as acções belicistas e terroristas, o Acionismo de Israel; na África do Sul, no Oceano Índico, na Europa, com a célebre teoria da guerra nuclear limitada. E temos ainda em conta que a África do Sul é a detentora de tecnologia própria capaz de construção e de utilização da arma nuclear.

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A situação no Sul de Angola está profundamente ligada com a luta do povo da Namíbia. Temos em conta que existe um duplo objectivo na situação criada com a invasão do Sul de Angola pelas forças racistas e imperialistas da África do Sul. Por um lado, pretendem criar uma zona-tampão no Sul da República Popular de Angola que dificulte as lutas e as acções do povo da Namíbia e do seu movimento de libertação, a SWAPO. Por outro lado, pretendem dar protecção e cobertura -desta vez mais às claras do que nunca- ao movimento fantoche que dá pelo nome de UNITA e ao seu dirigente Savimbi, conhecido ex-colaborador, ex-fiel serventuário do regime colonial-fascista português e actual bajulador e servidor de certos interesses imperialistas e belicistas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador. - As posições do governo e dos dirigentes da AD são há muito tempo conhecidas neste campo.
Todos nós nos recordamos dos contactos e até das amizades e cumplicidades de dirigentes da AD que várias vezes se encontraram com Jonas Savimbi e com os colaboradores do colonialismo, e todos nós sabemos: que nas bancadas da AD se sentam hoje aqueles que no tempo da guerra colonial estavam contra as forças democráticas e acusavam os democratas deste país como traidores à pátria, como defensores de interesses obseuro e estrangeiros. Temos ainda em conta que o governo AD continua a não cumprir as sanções contra a África do Sul e nas Nações Unidas vota contra essas sanções.
A manipulação da informação é uma questão central na luta ideológica lançada pelo governo da AD e pelos seus apoios internos e externos.
Por exemplo, vimos todos o chamado programa Grande Reportagem, que levou o embaixador da República Popular de Angola a protestar veementemente com o que lá foi feito.
Sabemos agora que em Lisboa foi feito o anúncio de que a acção terrorista contra a PETRANGOL foi reivindicada pela UNITA como acção de guerrilha. E esta confusão entre o terrorismo da UNITA e aquilo a que eles chamam a guerrilha da UNITA é uma constante.
Temos que acabar com esta política de hipocrisia e de mentira, temos que acabar com a política de hipocrisia e mentira daqueles que dizem defender o diálogo norte-sul mas que, no fundamental, o que tentam é defender não agora as posições colonialistas mas posições neocolonialistas afirmando, ao contrário dessas suas intenções, defender o diálogo que no fundo não defendem.
Perdidas as primeiras batalhas, pretendem agora, com uma nova estratégia e com uma nova táctica política, conseguir aquilo que não conseguiram então.
A visita do Presidente da República à África Austral, à República Popular de Moçambique a outros países é neste contexto que assume uma particular importância: um passo importante para a melhoria das relações entre o novo Portugal democrático e os novos países africanos, um passo determinante na melhoria das relações entre Estados, já que todos nós sabemos que as relações entre os povos foram sempre boas antes e depois da guerra colonial, antes e depois do 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Queria terminar a minha intervenção afirmando que as quatro componentes do movimento revolucionário mundial e os ensinamentos que a história do movimento de libertação nacional nos dão, mostram que tudo isto que acabo de dizer - e que por impossibilidade de tempo não posso continuar a dizer - dói a certas sensibilidades reaccionárias e retrógradas.
Os caminhos da História são, a prazo, irreversíveis. Temos o futuro por nós.

Aplausos do PCP.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não pode pedir esclarecimentos. Pode fazer uma intervenção, se assim o desejar.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Então vou fazer uma intervenção muito breve em nome do meu partido, intervenção essa que faço com muito agrado, no sentido de uma participação no problema apresentado pelo Sr. Deputado Sousa Marques, com quem estou de acordo no fundo ideológico dos problemas que levanta no que diz respeito à posição contra o racismo e contra o apartheid, posição essa que foi sempre a nossa.
Em todo o caso, parece-me que neste momento, no contexto internacional que estamos a viver, no momento em que as duas superpotências fazem aquilo que devemos considerar um esforço sério, uma tentativa de chegar a um acordo para a limitação em bases de seriedade do armamento nuclear, será talvez pouco oportuno levantar esta posição - digamos - extremamente agressiva contra um dos imperialismos quando realmente há dois imperialismos ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... que, respondendo ao apelo do bom senso internacional, ao bom senso das gentes, procuram encontrar uma solução que permita o futuro da vida neste planeta.
Portanto, parece pouco oportuno levantar o problema da maneira como foi feito pelo Sr. Deputado Sousa Marques.
Em relação à situação em Angola e Moçambique, quando dois movimentos, a UNITA e a FNLA, ao mesmo tempo se apresentam como autores de um acto de sabotagem em Luanda, parece pouco razoável entender que qualquer desses movimentos fala a verdade. É provável que não tenha sido nem um nem outro; talvez seja preferível não tomar a sério essas reivindicações.
Por outro lado, não há dúvida de que ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado., gostaria de fazer só uma ligeira correcção em relação àquilo que V. Ex.ª afirmou: é que o comunicado da UNITA não foi emitido em Luanda mas sim em Lisboa.

O Orador: - Mais uma razão para eu pensar que não se deve tomar a sério uma tal reivindicação.
Acrescentaria que em relação à política geral e global da África Austral, em que Portugal tem evidentes responsabilidades históricas que não enjeita neste momento e de que é um sinal a visita do Sr. Presidente Eanes à África Austral, é notável e deve aqui ficar recordado que o Presidente Samora Machel e as outras autoridades de Moçambique afirmaram que foi com o governo de Sá Carneiro que, pela primeira vez, se tornou possível uma política de entendimento entre Portugal e Moçambique.

Vozes do PPM, do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Creio que estes aspectos não devem deixar de ser considerados no contexto que ideologicamente - torno a dizer - o Sr. Deputado Sousa Marques veio apresentar com verdade e numa intenção que eu respeito porque creio que nas suas linhas gerais corresponde àquilo que também eu penso.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, sabemos que o nosso tempo foi esgotado. No entanto, pensamos que a importância do problema que está a ser discutido não pode ficar limitado por questões desse tipo.
Portanto, pedimos ao Sr. Presidente e à Mesa que o nosso pedido de palavra fique registado para um pedido de esclarecimento e um protesto para o período de antes da ordem do dia da próxima sessão.
Pensamos que todos ficamos a ganhar com isso e que será dada oportunidade para eu, de uma forma mais clara, expressar as ideias e os sentimentos que há pouco foi impossível fazer nos curtos 5 minutos de que dispus.
É este o pedido que faço à Mesa solicitando, portanto, que me considere inscrito para a sessão de amanhã, já que hoje me é coarctada essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - Certamente, Sr. Deputado. V. Ex.ª ficará inscrito para o período de antes da ordem do dia da sessão de amanhã.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para usar os 5 minutos de que a minha bancada dispõe.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não era nossa intenção intervir neste momento. No entanto, foram produzidas afirmações neste prolongamento do período de antes da ordem do dia que não nos dispensam de, também nós, tomarmos uma posição sobre estes assuntos.
De qualquer modo, antes de me pronunciar sobre o assunto que fundamentalmente motiva a nossa intervenção, não quero deixar de fazer uma observação à intervenção do Sr. Deputado António Arnaut, que introduziu uma figura original, como seja a da apresentação de requerimentos.
Sejamos um pouco mais sóbrios no desenvolvimento impetuoso do nosso actual Regimento para acentuar os aspectos verbalistas desta Assembleia. Sejamos mais sóbrios e não .exageremos tanto. A introdução desta figura excede as nossas perspectivas. Não me refiro ao assunto versado pelo Sr. Deputado António Arnaut, pois ele pode estar cheio de razão. De qualquer modo, há um ponto em que ele não tem razão, facto de que a priori não tenho qualquer dúvida: o conflito entre a Associação Académica e os organismos autónomos.
Na verdade, trata-se de um terreno de autonomia pelo qual se bateu o movimento estudantil durante dezenas de anos. Não queiramos agora, apenas porque as correntes no domínio dos resultados eleitorais não nos serem favoráveis, subverter esse princípio de autonomia académica que deve ser sagrado. Deixemos que esse conflito se resolva na sede da sua autonomia, ou seja, o movimento estudantil, as organizações estudantis e da associação académica dos organismos autónomos. Não fiquemos tão aflitos se, por acaso, as coisas não correm nesse terreno tal como seria de desejar. Pelo menos, sejamos reverentes face à reivindicação, de dezenas de anos, do movimento estudantil, ou seja, a autonomia.
No entanto, à parte deste aspecto o Sr. Deputado António Arnaut pode fazer os requerimentos que entender.
Mas o motivo ainda que me leva a fazer esta intervenção são algumas afirmações do Sr. Deputado Sousa Marques relativamente à política internacional.
O PCP invoca frequentemente o abuso de falar em matéria internacional porque nós só tratamos de questões nacionais. Ainda bem que V. Ex.ª falou agora em questões internacionais. O Sr. Deputado falou em imperialismo deixando a certeza de que para o PCP só há um imperialismo: o dos Estados Unidos da América e mais nenhum.
Aproveito para lhe dizer que a minha bancada não segue o caminho fácil da bancada do PPM ao dizer «os imperialismos». Vejamos: se os imperialismos continuam a ser assim designados sem mais, devemos falar de imperialismo inglês a justo título, tal como do imperialismo francês. É errado historicamente e do ponto de vista da análise sócio-política do fenómeno. Há imperialismos crescentes, e imperialismos decrescentes ao longo da história, como é natural.
O que interessa pôr a claro é que neste momento o imperialismo crescente é o da União Soviética, o imperialismo agressivo é o da União Soviética, o imperialismo que invade é o da União Soviética e. o imperialismo que ocupa é o da União Soviética.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

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Quando muito podemos dizer que o imperialismo americano é aquele que iretira as forças. Se o faz porque perdeu ou não isso não interessa. Neste momento, o imperialismo que avança com armas e bagagens, invadindo e ocupando, é o imperialismo da União Soviética. Isto é um facto histórico.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Mas há mais um aspecto a considerar. Se isto não é assim, eu pergunto: o que é que significa a invasão do Afeganistão? O que é que significa a invasão da Checoslováquia, que embora seja um fenómeno passado não há razão para esquecer? Á Checoslováquia foi invadida, para desgraça da União Soviética, com todas as instâncias legítimas da Checoslováquia protestando contra essa invasão. Esta invasão foi feita na sequência de um apelo de um grupo de amigos da União Soviética. Foi este o título de legitimidade internacional, usado para cobrir a invasão.
Um outro ponto: quem é que hoje é classificado como inimigo n.º 1 da estratégia da defesa da República Popular da China? É a União Soviética, e por alguma razão isto é assim.
Srs. Deputados, quando falarmos de imperialismo, trabalhemos mais com factos históricos, os de hoje e os do passado, se assim o quiserem, mas não os escamoteemos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Marques (PCP):- Sr. Presidente, as palavras do Sr. Deputado Silva Marques foram de tal modo ofensivas que é perfeitamente aceitável que eu me inscreva para o período de antes da ordem do dia da sessão de amanhã para responder àquilo que o Sr. Deputado Silva Marques disse ou pretendeu dizer.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª, a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, também eu gostaria de ficar inscrita para a sessão de amanhã a fim de colocar uma questão ao Sr. Deputado Silva Marques, visto que hoje o meu grupo parlamentar já não tem tempo disponível.

O Sr. Presidente: - Também a Sr.ª Deputada ficará inscrita.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, seria útil para esta Assembleia que o Sr. Deputado Sousa Marques dissesse quem é que eu ofendi: se foi o Sr. Deputado ou se foi a União Soviética.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Marques já está inscrito para a sessão de amanhã, e, como tal, nessa altura esclarecerá esse ponto, se assim o entender.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, eu poderia ter tentado obter um consenso nesta Assembleia para, atendendo à importância dos assuntos em causa -e, pelo menos da nossa parte, há a intenção séria de discutir assuntos sérios-, ainda hoje podermos replicar afirmações feitas aqui com as quais não concordamos.
Simplesmente, não nos parece admissível que o Sr. Deputado Silva Marques faça uma segunda afirmação, fazendo agora uma insinuação extremamente grave, ou seja, pretender dizer, à moda do antigamente, que eu estou aqui como peão de brega de alguma coisa desconhecida e estrangeira. Esta afirmação foi feita e eu não ficarei calado à espera que a Mesa me conceda a palavra amanhã.
Nesse sentido, Sr. Presidente, considero-me gravemente ofendido pela última intervenção do Sr. Deputado Silva Marques. Como tal, penso que a Mesa tem de me dar a oportunidade de eu responder com a veemência, com a verdade e com a clareza que for capaz às afirmações, às aleivosias do Sr. Deputado Silva Marques.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques tinha ainda tempo para poder falar. Por isso, concedi-lhe a palavra.
Se o Sr. Deputado Sousa Marques entende que foi ofendido na sua honra e deseja hoje mesmo responder, é evidente que a Mesa não pode deixar de lhe dar a palavra. Contudo, como o Sr. Deputado Sousa Marques já está inscrito para o período de antes da ordem do dia de amanhã e as eventuais ofensas que o Sr. Deputado Silva Marques lhe possa ter dirigido não são - creio - de molde a exigir uma resposta imediata, o Sr. Deputado Sousa Marques facilitaria a condução dos trabalhos se reservasse a palavra para a sessão de amanhã.
Mas, repito, se se sente ofendido, a Mesa concede-lhe a palavra.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, eu sou sensível à argumentação que V. Ex.ª apresentou. Contudo, V. Ex.ª tem igualmente que ser sensível ao facto de eu pensar que o Sr. Deputado Silva Marques me dirigiu ofensas pessoais que são inadmissíveis e que não podem aguardar o período de um dia para eu lhe responder. Aliás, a minha resposta será muito simples e curta, pêlo que penso que não irei atrasar muito os trabalhos com as poucas coisas, mas quanto a mim importantes, que penso dizer ao Sr. Deputado

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Silva Marques. Isto no caso de ele perceber alguma coisa do que eu vou dizer.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra, Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando levantámos a questão da situação da África Austral, e particularmente a situação do Sul de Angola, quando pretendemos focar a importância histórica que representa a visita do Sr. Presidente da República à República Popular de Moçambique e a outros países da África, que lamentavelmente não o podemos fazer com mais desenvolvimento pois não tínhamos tempo para tal, pretendemos dizer que as questões mais importantes que se colocam perante esta visita são não apenas aquelas que eu referi na minha intervenção mas também os grandes interesses económicos, sociais, culturais do povo português, do povo moçambicano, do povo angolano e dos povos dos países de África que lutam contra o neocolonialismo, o racismo e o imperialismo.
Era esta a tónica que eu teria sublinhado na minha intervenção, se isso fosse possível.
Gostaria agora de dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é totalmente inadmissível que, quando nós pretendemos discutir um problema destes com seriedade, venha o Sr. Deputado Silva Marques desenterrar argumentos que vêm do tempo do fascismo, do tempo em que nós lutámos lado a lado com os povos das ex-colónias portuguesas, pela libertação do povo português do fascismo e do colonialismo, pela libertação dos povos de Angola, de Moçambique, da Guiné e das outras colónias. Os interesses do nosso povo e dos povos libertos do colonialismo português são os mesmos. Por isso é que a nossa luta hoje é comum, tal como o foi no passado.
É inadmissível que o Sr. Deputado Silva Marques não oiça nada daquilo que nós dizemos e não seja sensível à nossa argumentação, à nossa sinceridade. É inadmissível que o Sr. Deputado, mesmo que discordando das nossas posições sob o ponto de vista ideológico, não compreende os interesses nacionais, os interesses para o nosso país e para o nosso povo do reforço das relações com os novos países africanos...
Lamento profundamente que um deputado como estes ainda fale nesta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marque» (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dá-me a sensação que este pequeno trocar de impressões finais não prejudicará a Assembleia naquilo em que ela já está prejudicada.
De qualquer modo, tenho toda a legitimidade para usar agora de novo da palavra.
Disse o Sr. Deputado que eu disse aleivosias. É uma hipótese interpretativa. Eu não direi a mesma coisa relativamente ao Sr. Deputado Sousa Marques precisamente porque contrariamente ao que pensa, acredito na sua sinceridade. Simplesmente, cada um tem a sua sinceridade.
Por outro lado, se V. Ex.ª abordou o problema da África do Sul - não o nego -, foi V. Ex.ª quem generalizou o debate à política internacional, pois fez referências a várias entidades internacionais. Como tal, entrei nessa base na discussão.
Eu não disse que V. Ex.ª não era sincero ou que os deputados do PCP, de uma forma geral, não tivessem lutado. Contudo, o que está em causa são duas sinceridades: a de V. Ex.ª e a minha.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Estação de Tratamento de Lixo de Lisboa está parada desde Agosto de 1980, o que significa que desde essa altura a totalidade do lixo de Lisboa se acumula em monturos, muito especialmente junto à Amadora, na zona do Boba, com todos os inconvenientes que daí advêm: poluição do ambiente, numa zona em que cresce a urbanização; contaminação possível de águas subterrâneas; aproveitamento insalubre dos detritos para consumo directo ou para venda ao público com riscos enormes para a saúde dos consumidores que compram gato (podre) por lebre.
Por outro lado, a Estação de Tratamento de Lixo, para além da recuperação de materiais diversos, nomeadamente materiais de ferro que alimentam parte, embora limitada, das necessidades da siderurgia, produz, a partir dos componentes orgânicos do lixo, um estrume, o Fertumus, com grandes qualidades na fertilização de terras e que tinha uma muito grande procura, não chegando para as encomendas cerca de 10000 t mensais do produto.
Uma empresa de tão grande utilidade, quer na eliminação do lixo, quer na produção do cada vez mais procurado estrume, não pode estar parada e é escandaloso todo o processo que levou à actual situação.
Sob a alegação de que um técnico da Câmara Municipal de Lisboa havia declarado que as pontes para a descarga não ofereciam segurança, a Estação parou e, apesar das inspecções exigidas pelos trabalhadores e efectuadas duas, e concordantes, terem concluído não haver qualquer perigo mas apenas a necessidade de reparações, de melhoria da manutenção e de aquisição de sobresselentes, o que com o pagamento dos salários já em dívida e até ao fim do ano de 1980 ascendia 16892 contos.
Apesar de um despacho do Secretário de Estado do Fomento Agrário, no sentido de se fazerem as reparações necessárias, que seriam pagas contra a apresentação de facturas, a comissão administrativa nada fez, mas avançou no sentido de obter o despedimento voluntário de cerca de 60 trabalhadores e de colocar os restantes 90 em casa sem perda do direito ao vencimento.
Entretanto, uma verba de 45000 contos, que foi concedida e de que existem 23 000 contos, foi congelada enquanto se deixaram atrasar os pagamentos dos salários.
Entretanto, apenas 6 trabalhadores estavam autorizados a trabalhar e desde há dias só - o caixa - ficou nessa situação, tendo os outros 5 sido obrigados a ir para casa com direito a vencimento.

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Se juntarmos a tudo isto que o Fertumus é comercializado por uma empresa parasita, a Empral, com a qual a empresa do tratamento do lixo fez um contrato por 10 anos, que a Empral devia 7000 contos e hoje, com a paralisação da Estação, pede uma indemnização de 40000 contos por falta de cumprimento do contrato; se tivermos em consideração que o engenheiro Abecasis, da Câmara Municipal de Lisboa, se tinha comprometido a subir o perco do tratamento da tonelada de lixo de 100$ para 400$ para garantir a viabilidade económica da empresa e que, de «repente», se recusou a manter o compromisso; se tivermos em linha de conta que durante o período em que a Estação está parada a aguardar que a comissão administrativa se decida a fazer as reparações possíveis, necessárias e autorizadas pelo Secretário de Estado, os trabalhadores foram obrigados a ficar em casa, o que levou à deteriorização da generalidade dos equipamentos, que permanecem há cerca de um ano sem qualquer assistência ou manutenção, apodrecendo paulatinamente, podemos concluir facilmente que nos encontramos perante uma acção programada de liquidação daquela Estação de Tratamento de Lixo.
A delapidação objectiva do património público, o subaproveitamento ou, melhor, o total desaproveitamento dos trabalhadores, as consequências desastrosas para a saúde pública e mesmo a falta de apoio efectivo que tantos agricultores obtinham com a aquisição a preços razoáveis de adubo de primeira - apesar da actividade parasitária da totalmente desnecessária empresa de comercialização privada-, a situação de indefinição total em que se encontram os 90 trabalhadores que não obtêm qualquer resposta para as suas dúvidas e para as suas perguntas, exigem a responsabilização imediata da comissão administrativa, uma sindicância a todo o processo de liquidação que nos parece dolosa da Estacão de Tratamento de Lixo e uma tomada de posição clara e sem ambiguidades do ministério de tutela, hoje Ministério das Obras Públicas, que deve garantir a manutenção de postos de trabalho, o pagamento efectivo dos salários e a laboração em condições devidas da Estação de Tratamento de Lixo.

O Sr. Presidente? - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se bem interpretei a parte substancial da intervenção do Sr. Deputado Sousa Marques, ela dirigia-se a protestar, a lançar e a alertar a opinião pública portuguesa e a da Câmara para o atentado de que foi vítima a instalação da Petrangol e a conivência com que em Portugal certos órgãos de informação bem conhecidos, e não só, têm prestado à UNITA, dentro e fora de Angola.
Concordamos com a análise que foi feita da situação e, obviamente, também temos o dever de protestar contra o atentado de que foi vítima a República Popular de Angola e contra as práticas a que a UNITA se vem entregando, para mais acolitada em Lisboa por órgãos de imprensa, e não só, que têm manifestado os apoios que a UNITA tem tido a alguns deputados desta Casa, que inclusivamente têm celebrado reuniões com Jonas Savimbi.
No entanto, o debate generalizou-se, deixando de estar em causa este pequeno grande facto político, que foi a UNITA, para estar em causa outras questões que considero e reputo de extremamente importantes.
Mais uma vez lamento que questões de política internacional e de tamanha importância tenham, ao fim e ao cabo - não necessariamente por culpa dos Srs. Deputados Silva Marques, Barrilaro Ruas ou Sousa Marques -, um tratamento tão superficial e tão pouco profundo...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Sr. Deputado, utilize os seus direitos de agendamento. O resto é lamúria!

O Orador: - Era isso que eu ia propor.
Penso que haveria que discutir-se exaustivamente nesta Casa questões de política internacional. Era este o sentido da minha intervenção.
A seu tempo estaremos interessados em provocar uma discussão que se não .fique, como muitas vezes tem acontecido - e perdoar-me-ão os Srs. Deputados, mas não tenho nem tempo nem outra expressão - por um discurso político sempre e continuadamente simulado das mais das vezes feito para eleitores consumirem - e não estou a dirigir-me a ninguém em especial...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado...

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de não me interromper.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, está-se a referir à análise histórica dos imperialismos?

O Orador: - Não dei licença a V. Ex.ª para me interromper.

... -, discurso esse que, normalmente, de uma e de outra parte, ou mesmo de todas as partes, escamoteiam o importante e o essencial das questões. A análise dos interesses das superpotências é por certo um aspecto importante com que temos muito a ver e de que muitas vezes temos sido vítimas. Tudo isto tem de ser analisado detalhada e exaustivamente...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Apoiado!

O Orador: -....e lamento que seja em intervenções as mais das vezes intempestivas e que não têm em atenção o facto concreto que estava em discussão - que era o da Petrangol -, que todos devemos condenar e que muitas vezes as pessoas, neste caso os deputados se atenham a outros parâmetros porventura envolventes deste facto. Mas não é isso o que estava em discussão, não era esse o nó central para que o Sr. Deputado Sousa Marques tinha chamada a atenção.
No devido tempo, tomaremos a iniciativa para que finalmente se discuta exaustiva, completa, franca e

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lealmente a questão da política internacional, porque o que aqui fizemos foi uma mera arremeda discussão que não prestigia a Câmara, não leva a parte nenhuma e só se destina a levantar poeira quando o que todos queríamos era ver claro.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Também colabora no levantamento da poeira, senão não tinha usado da palavra!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminou o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Para proceder à leitura de 2 relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Os relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos são do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 2 de Dezembro de 1981, pelas 14 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Girão Pereira (círculo eleitoral de Aveiro) por Carlos Eduardo Oliveira e Sousa, (esta substituição é pedida por mais 14 dias, 28 de Novembro passado a 11 de Dezembro corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo partido da Acção Social-Democrata Independente:

Fernando Dias de Carvalho (círculo eleitoral de Lisboa) por Manuel Tílman (esta substituição é pedida para os dias 2 e 3 de Dezembro corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção da União Democrática Popular.

Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Armando de Oliveira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

Em reunião realizada no dia 2 de Dezembro de 1981, pelas 15 horas foi apreciada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido Socialista:

Fernando Manuel dos Santos Gomes (círculo eleitoral do Porto), por Beatriz Magalhães de Almeida, (esta substituição é pedida por 20 dias, 2 a 21 de Dezembro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido Partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.

A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Manuel de Almeida e Vasconcelos (CDS)-Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) Armando de Oliveira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manei Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente! - Passamos à votação dos relatórios e pareceres.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e a abstenção da UDP.

A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD): - Vice-Presidente, António

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houvesse oposição, fazíamos agora o intervalo e recome-

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cariamos os nossos trabalhos com a apreciação e votação do pedido de prioridade e urgência da proposta de lei n.º 70/II - Cessação do contrato individual de trabalho e contrato a prazo.

Pausa.

Como não há, fazemos agora o intervalo. Lembro aos Srs. Representantes dos Grupos Parlamentares a reunião que se realizará no meu Gabinete.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

A seguir ao intervalo, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Gomes de Sá.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Entretanto, tomou lugar na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado do Trabalho.

O Sr. Presidente: - Começamos com a apreciação e votação do pedido de prioridade e urgência da proposta de lei n.º 70/II - Cessação do contrato individual de trabalho e contrato a prazo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho (Joaquim Marques): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Usando da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 170.º da Constituição, entendeu o Governo apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei que visa actualizar a regulamentação da cessação do contrato de trabalho e dos contratos a prazo.
Entendeu ainda b Governo solicitar a esta Câmara a apreciação da proposta com prioridade e urgência, nos termos do artigo 68.º do Regimento da Assembleia, por 4 razões fundamentais, que passo a enumerar.
A primeira prende-se com o facto de terem sido apresentados 2 projectos de lei sobre os contratos a prazo, da iniciativa do Partido Socialista e da UEDS, já aprovados na generalidade. Julga o Governo ser seu dever não deixar de prestar o seu contributo na discussão desta matéria, de profundo alcance social, sendo certo que é indispensável conjugar a nova regulamentação dos contratos a prazo com a revisão do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho.
Em segundo lugar, não pode o Executivo manter-se indiferente ou alheio às preocupações sociais e económicas vividas no meio laboral, sob pena de comprometer a seriedade de uma acção governativa pautada pelo equilíbrio e ponderação de todos os interesses legítimos, cuja realização, aliás, é insistentemente reclamada pelas diversos parceiros sociais.
E matéria tão importante como a que a presente proposta de lei contempla, de implicações profundas no campo social e económico, não pode deixar de ser discutida por esta Câmara com a prioridade que a própria natureza do normativo reclama.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que as preocupações do Governo nanifestam-se não só no sentido de contribuir para a resolução dos problemas que afectam os trabalhadores empregados, mas também, e de uma forma especial, no sentido de criar as condições susceptíveis de contribuírem para a criação de postos de trabalho para os trabalhadores desempregados e para os muitos milhares de jovens à procura do primeiro emprego.
Por outro lado, havendo mais emprego produtivo, criar-se-á mais riqueza. E, criando-se mais riqueza, será possível, com uma redistribuição justa, melhorar as condições de vida dos trabalhadores reformados. Aqueles que tiveram uma vida inteira de trabalho merecem todo o respeito e interesse deste governo, na sequência, aliás, dos precedentes governos da Aliança Democrática.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É, pois, pensando também nos desempregados, nos reformados e nos jovens à procura do primeiro emprego que o Governo solicita a esta Assembleia prioridade e urgência na apreciação da proposta de lei em causa.
Em terceiro lugar, é urgente rever o regime vigente, pois, além de se tornar necessário adequá-lo à realidade da vida portuguesa, é indispensável conformá-lo com a lei fundamental.
Com efeito, a essência do diploma que regula o regime da cessação do contrato individual de trabalho é de 1975, anterior, portanto, à actual moldura constitucional. É sabido também que o decreto-lei que regulamenta os contratos a prazo, de 1976, conduziu a que no plano sócio-laboral, se atingisse uma situação de permanente violação à lei. Assim sendo, facilmente se constata que se torna prioritária a adequação destes regimes legais aos princípios consagrados na Constituição da República.
Por último, e tendo em conta a futura adesão de Portugal às Comunidades Europeias, é necessário proceder à reformulação do regime dos despedimentos colectivos - que, aliás, têm vindo a diminuir -, de forma a adequar a lei portuguesa à directiva da CEE que determina a apreciação prévia dos processos de despedimentos colectivos pelas estruturas representativas dos trabalhadores.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sinteticamente, foram expostos os motivos por que o Governo solicita a VV. Ex.ªs que a proposta de lei sobre os regimes de cessação do contrato de trabalho e dos contratos a prazo seja apreciada com prioridade e urgência.
Na altura própria, o Governo justificará o porquê das diversas disposições constantes da proposta de lei, que constituirão a concretização de soluções para as preocupações que agora acabei de expor

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Secretário de Estado do Trabalho, o Grupo Parlamentar Socialista contesta as 4 razões apresentadas por V. Ex.ª para justificar o pedido de prioridade e urgência da proposta

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de lei ou do pacote laboral, como ficou a ser conhecida.
Uma das razões apresentadas pelo Sr. Secretário de Estado foi de que pretendiam dar uma contribuição para a discussão e alteração da regulamentação dos contratos a prazo. Naturalmente que essa razão não é válida, na medida em que tanto o Governo como os partidos que o apoiam podiam, na Comissão de Trabalho, onde estão aprovados na generalidade 2 projectos de lei - um do PS e outro da UEDS -, apresentar as suas contribuições, as suas propostas. Se o fizessem, já tínhamos aprovado uma lei de contratos a prazo, acabando com o flagelo e com a calamidade dos abusos dos contratos a prazo.
Por conseguinte, o pedido de prioridade e urgência para a discussão dos contratos a prazo é puramente artificial, porque, se a AD quisesse contribuir, já tínhamos aprovado uma lei dos contratos a prazo.
A segunda razão apresentada pelo Sr. Secretário de Estado não tem também qualquer sentido. Diz que se pretende fazer o equilíbrio de todos os interesses da sociedade portuguesa. Na minha opinião, é exactamente o contrário. O que se pretende é enfraquecer os trabalhadores e as suas organizações, é diminuir os seus interesses e direitos e aumentar directamente o poder dos patrões, da entidade patronal, os interesses da classe dominante, é aumentar a intensificação da exploração dos trabalhadores e, mais do que isso, privá-los dos seus postos de trabalho. Não é, portanto, um equilíbrio, mas um desequilíbrio.
Em terceiro lugar, diz o Sr. Secretário de Estado que se pretende adequar a legislação à Constituição da República Portuguesa. Nós defendemos que o que se passa é o contrário. A proposta de lei tem aspectos anticonstitucionais, pois faz uma definição de justa causa que, quanto a nós, é incompatível com os direitos e as garantias consagrados na Constituição para os trabalhadores portugueses.
Por estas 3 razões fundamentais, consideramos que o Sr. Secretário de Estado está errado e que os objectivos da proposta de lei da AD são completamente diferentes. Não teria V. Ex.ª errado completamente a sua argumentação e não teria invertido a realidade dos factos?

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Secretário de Estado do Trabalho, V. Ex.ª afirmou que a actual lei se encontra desajustada perante o quadro constitucional.
No nosso entender, o Sr. Secretário de Estado está a esquecer-se de que a actual lei foi objecto de várias alterações já depois de o novo quadro constitucional da Constituição da República ter sido aprovado por esta Assembleia.
No nosso entender, o Governo, com este pedido de prioridade e urgência, veio mais uma vez trazer apressadamente a esta Câmara um pacote laboral, no sentido de prejudicar os interesses dos trabalhadores.
O Governo que no seu programa trazia para aqui outras prioridades, tais como as do ensino, da habitação, etc.,- etc., veio agora trazer o problema da legislação laboral como sendo - diz o Sr. Secretário de Estado- uma situação de interesse dos parceiros sociais.
Nós entendemos que, se algum parceiro social está interessado na revisão, tal como o Governo a apresenta, são as organizações patronais, porque o Congresso das Actividades Económicas assim o demanda. Se esta proposta de lei viesse a ser aprovada, não só não traria grandes vantagens para os contratos a prazo, como colocaria todas as pessoas como contratadas a prazo.
Quando o Sr. Secretário de Estado afirma que a lei em discussão é para defender interesses, gostaria de saber que interesses é que entende que defende.
Gostaria também de saber o porquê do pedido de prioridade e urgência da proposta de lei, quando pensamos que a actual lei corresponde às questões que a Constituição consagra e sobre aquilo que é preciso alterar - que é a lei dos contratos a prazo - já esta Assembleia tomou iniciativas.
A proposta de lei não vem trazer nada de novo e, no nosso entender, o pedido de prioridade e urgência não tem justificação de ser.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Trabalho.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho (Joaquim Marques): - Sr. Presidente, reservo-me para o fim de todas as intervenções, para depois dar os esclarecimentos relativamente a todas as outras questões que eventualmente forem suscitadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, do Trabalho, foram feitos pedidos de esclarecimento concretos à sua intervenção. Se desejar usar da palavra ...

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho (Joaquim Marques): - Nesse caso, poderei desde já responder, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o Governo continua a considerar, pelas 4 razões expostas, que esta Câmara deverá conceder o pedido de prioridade e urgência para a discussão da proposta de lei e considera que há que tratar conjugadamente a matéria que se prende com a regulamentação da cessação do contrato individual de trabalho e com a dos contratos a prazo.
Respondendo ao Sr. Deputado Manuel Lopes, diria que os interesses que a lei em discussão defende não são interesses parcelares nem particulares do grupo social A, B ou C, mas pretende defender sobretudo os interesses nacionais.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, do Trabalho, gostaria de lhe dizer que as respostas que deu não contam no tempo do Governo. Por isso, dei-lhe a palavra.

O Sr. Secretário de Estado do Trabalho (Joaquim Marques): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, para fazer uni protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Sr. Secretário de Estado do Trabalho nada disse sobre a contestação que fiz às suas 3 razões para apresentar neste Parlamento o pacote laboral.
Com efeito, defendi, com posições diametralmente opostas às do Sr. Secretário de Estado, que a legislação sobre os contratos a prazo era perfeitamente dispensável, porque já existem 2 projectos de lei aprovados na generalidade, defendi que alguns aspectos da legislação não se adequam à Constituição e, simultaneamente, defendi a tese de que, ao contrario do equilíbrio de interesses e da salvaguarda dos interesses globais da sociedade portuguesa, a proposta de lei leva inevitavelmente a desequilíbrios brutais nas relações entre as classes e os grupos sociais, em benefício das classes possidentes, operando-se uma ruptura intolerável no tecido social.
Além da ruptura no tecido social, que, aliás, já provocou uma declaração de guerra do movimento sindical quanto à proposta de lei, também na empresa se recuará e se restaurarão métodos de funcionamento e de convivência que são inaceitáveis e que foram superados pelos direitos e garantias dos trabalhadores consagrados na Constituição, bem como por toda a evolução que houve em Portugal depois do 25 de Abril.
Nesse sentido, consideramos uma verdadeira audácia terem apresentado neste Parlamento a proposta de lei da AD, ainda por cima no quadro de crise económica e social em que se pretende fazer pagar aos trabalhadores Portugueses uma dura factura.

Uma voz do CDS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ingenuamente, julgávamos que, na escala das urgências governamentais, urgente era melhorar o nível e a qualidade de vida da população, urgente seria a saúde, a habitação, a criação de postos de trabalho para as centenas de milhares de desempregados. Mas não. Para a AD nada disso é urgente, como se comprova pela sua política, pela sua economia, pela sua educação. Para a AD urgente é facilitar e escancarar a porta aos despedimentos dos trabalhadores. Urgente é, para a AD, criar nas empresas um clima de intimidação e chantagem sobre os trabalhadores, onde, a partir da aprovação desta lei, ninguém .mais se sentiria seguro e confiante. Urgente, para a AD, é desmoralizar e enfraquecer os trabalhadores mais incómodos, isto é, os dirigentes sindicais ou militantes de partidos não AD, dos partidos de esquerda e talvez mesmo de alguns militantes e delegados sindicais de partidos da própria AD que se batam nos sindicatos pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Urgente, para a AD, é restaurar uma autoridade sem possibilidades de contestação, mesmo que legítima.
É, enfim, aumentar, pura e simplesmente, o poder da entidade patronal, reduzindo a nada aquilo que numa democracia moderna cabe indiscutivelmente aos trabalhadores.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para que as empresas e a economia estejam ao serviço dos homens é preciso, em primeiro lugar, que os homens mais directamente ligados à empresa, os trabalhadores, deixem de ser simples engrenagens, deixem de ser executantes passivos e alienados. As relações de trabalho nas empresas devem ser constantemente humanizadas e os direitos dos trabalhadores reforçados.
Mas a AD, com a orientação consagrada no seu pacote laboral, faz o contrário: desumaniza a empresa, transforma os trabalhadores em meros instrumentos de uma autoridade patronal e de um poder hierárquico absolutos, na medida em que dispõem ampla e arbitrariamente do poder de despedir, de retirar o direito ao trabalho e a uma vida digna.
A AD quer a aprovação célere de uma lei celerada.
Para tal não deixa de usar o expediente de tentar dourar a pílula de tão maléfico tratamento, apresentando simultaneamente legislação para restringir a utilização dos contratos a prazo.
Simplesmente, essa legislação já está aprovada na generalidade. Desde Junho passado, há 5 meses, que 2 projectos de lei - um do PS e outro da UEDS - estão congelados na Comissão de Trabalho. Bastaria um pequeno esforço e, mais rapidamente do que por qualquer outra forma, num abrir e fechar de olhos, tínhamos uma lei reguladora dos contratos a prazo correcta e equilibrada, muito melhor, aliás, do que as soluções avançadas pela AD na sua proposta.
Mas a AD pretende arranjar cobertura e colocar um véu de pudor sobre a monstruosidade que visa perpetrar, ao mudar substancial e qualitativamente a lei dos despedimentos.
A AD não se preocupa em melhorar a lei da cessação do contrato individual de trabalho, como o Sr. Secretário de Estado aqui disse. Há muito que melhorar na lei. Mas o que a AD quer é piorar as garantias e as condições dos trabalhadores, sobretudo no que diz respeito ao despedimento. Este é o seu objectivo essencial e central, e nenhuma retórica o consegue escamotear. Por isso a pressa com que quer aprovar a sua lei. Não é para restringir os contratos a prazo que tem pressa, mas para facilitar e liberalizar os despedimentos.
Esta lei dos despedimentos é justificada pela AD como sendo necessária para o aumento da produtividade e por ser um incentivo ao investimento. Mas, na verdade, nada tem a ver com isso.
Há, Sr. Presidente e Srs. Deputados, outras formas mais eficazes e especificamente económicas de elevar o investimento, bem como métodos, técnicas e processos para elevar a produtividade. Isso é tão evidente que nem valeria a pena recordá-lo. Mas, como a mistificação e a falsificação proliferam, talvez seja útil repeti-lo.
Há métodos para aumentar o investimento, Sr. Secretário de Estado do Trabalho. Há uma política económica que pode ser consagrada ao desenvolvimento, contendo incentivos ao investimento. É só essa que é eficaz, e não as tais chicotadas psicológicas que os senhores pretendem dar.
A chicotada psicológica só pode ser entendida da seguinte forma: «chicotada» no trabalhador; melhorar a «psicologia» do empresário: tal não pode ser interpretado de outra maneira que não seja a de aumentar incondicionalmente e de forma irrestrita a sua autoridade e o seu poder na empresa.
Julgávamos, aliás, que essa política já estava superada pela Revolução do 25 de Abril, peia democracia,

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pelas novas relações sociais que se instalaram no nosso país. Mas, como já disse, ingenuamente enganávamo-nos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A AD com esta lei dos despedimentos coloca, nua e cruamente, uma questão de poder. Poder no sentido mais rigoroso da palavra, se assim me posso exprimir. (Diz-se com razão que o poder entontece ou que o poder absoluto enlouquece.) A questão do poder é a questão fundamental que esta proposta formula. Esta lei é das que têm maior carga política e que a AD jamais ousou apresentar neste Parlamento e ao País.
A proposta de lei tem 50 artigos, sendo a maior parte deles iguais aos da legislação já em vigor sendo as outras alterações de mero pormenor.
No entanto, um pequeno número de artigos coloca, única e exclusivamente, questões de poder, quer na empresa, quer na sociedade portuguesa.
A empresa não pode ser mais entendida por socialistas e, se quiserem, por sociais-democratas como um lugar onde se produz e onde se trabalha, ficando o trabalhador numa posição puramente subalterna, dispondo a entidade patronal de um poder quase absoluto. A empresa já sofreu felizmente algumas reformas fundamentais, que estão consagradas na Lei das Comissões de Trabalhadores, na actividade sindical da empresa, no direito à informação que os trabalhadores têm na empresa. Não podemos recuar nessas reformas. Como já disse, precisamos de uma empresa democratizada. Aquilo que a AD faz com a proposta de lei é exactamente o contrário.
Passo a algumas breves razões destas minhas afirmações.
Há 3 artigos fundamentais na proposta de lei da AD, deixando a palha de lado, que vale a pena aflorar para evidenciar as razões pelas quais nos opomos radicalmente a que seja dada prioridade e urgência à proposta de lei.
Comecemos pelo famoso artigo 19.º, que refere a extinção do posto de trabalho: «Nas empresas com menos de 50 trabalhadores a entidade patronal poderá fazer cessar o contrato de trabalho quando, por razões de fabrico, [...]», e no artigo 26.º fala-se na inaptidão do trabalhador para as modificações tecnológicas que possam ser introduzidas no seu posto de trabalho. Qualificam-se de justa causa estes dois motivos para despedir. Todavia, a justa causa só pode ser atribuída a um comportamento culposo e grave do trabalhador e não a factos que lhe são totalmente estranhos, como são manifestamente aqueles.
Estes artigos são uma arma permanente contra todos os trabalhadores, representam uma ameaça dirigida a cada um e a todos os trabalhadores da empresa. Por isso é que foram elaborados, e a AD pretende aprová-los. É exactamente com estes 2 artigos que os trabalhadores se sentirão permanentemente intimidados e ameaçados. Nenhum trabalhador sabe quando chegará a sua vez e receará sempre que ela chegue. Todos os expedientes são possíveis e imagináveis para enquadrar qualquer trabalhador nestes 2 artigos.
Naturalmente que os trabalhadores percebem e serão tentados a recuar no exercício de alguns direitos legítimos. É isso que a AD pretende: instaurar na empresa um poder incontestável das classes e das camadas sociais que a apoiam.
Claro está que com estes artigos alguns sofrem mais do que outros. Com eles também se produz discriminação. Lembro aqui, por exemplo, que nas pequenas empresas até 50 trabalhadores, que são à volta de 95 % da totalidade das empresas nacionais, pode fazer-se o despedimento com a maior facilidade por extinção do posto de trabalho. São os trabalhadores das pequenas empresas aqueles que recebem menos, aqueles que têm menores garantias sociais, seriam, agora, aqueles que poderiam ser as maiores vítimas do despedimento.
Quanto à inaptidão do trabalhador para modificações tecnológicas no seu posto de trabalho, pergunto quem são aqueles que têm mais dificuldade de se adaptar a essas modificações tecnológicas. Claro que são os mais velhos, os idosos. São esses os que a AD visa preferencialmente atingir com este artigo 26.º
Estes 2 artigos são, por assim dizer, a chave e o cerne de toda a proposta de lei da AD. No entanto, temos o famoso artigo 7.º, que corresponde ao artigo 10.º da lei em vigor, artigo esse que define a justa causa de despedimento, enumerando alguns comportamentos que podem integrar essa justa causa de despedimento. Também aqui as alterações introduzidas pela proposta de lei são muitas e graves. Elas vão diluídas, são subtis e hábeis. No entanto, para quem souber ler e para quem quiser aplicar a rigor esta nova formulação da AD, há aqui pano para muitas mangas e há todas as formas de despedir os trabalhadores, sob a alegação do conceito de justa causa.
Começa-se logo na definição de justa causa. A justa causa de despedimento, diz a lei em vigor, é «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho». Isto é, o comportamento tem de ser grave e reiteradamente praticado, tornando praticamente impossível e subsistência da relação de trabalho. Contudo, a AD substitui a expressão «tornando praticamente impossível» por «não torne exigível». É evidente que esta formulação permite todas as arbitrariedades, permite que seja a própria entidade patronal a considerar quando é que a justa causa de despedimento se aplica, cabendo o ónus da prova aos trabalhadores. Na formulação da lei em vigor o ónus da prova cabe à entidade patronal.
Fala-se ainda em «não cumprimento de ordens dos superiores hierárquicos», enquanto na formulação da lei em vigor se fala em «desobediência ilegítima». São coisas completamento diferentes.
Sr. Secretário de Estado do Trabalho, uma empresa não é um quartel onde se cumprem ordens, segundo a velha máxima militarista de que primeiro cumpre-se e depois protesta-se. Há ordens que são ilegítimas e abusivas e que não devem ser cumpridas. No entanto, com a formulação da AD pode dar-se uma ordem para, sabendo que não vai ser cumprida, criar um motivo de despedimento do trabalhador.
Fala-se também no «cumprimento defeituoso» de trabalho para o qual foi temporariamente destacado. Naturalmente que um trabalhador nestas condições, não está qualificado para desempenhar e cumprir

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com rigor o seu trabalho. Aí está mais um outro motivo de despedimento que a AD consegue fabricar.
«Falta reiterada de pontualidade» é outra expressão consignada na proposta de lei. Mas o que é isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Que é isto de falta reiterada de pontualidade, sabendo nós as dificuldades que há nos transportes públicos, sabendo nós que há várias razões pelas quais o trabalhador pode chegar atrasado à empresa? Para quê utilizar neste caso a pena máxima, ou seja, despedi-lo da empresa?
Os meus 15 minutos estão a esgotar-se. Muitas mais coisas tinha para dizer, mas ficará para a discussão desta matéria.
No entanto, não quero terminar sem deixar de dizer que a proposta de lei é uma declaração de guerra às organizações sindicais e a todos os trabalhadores portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estes já o entenderam e sabem que para salvaguardar os seus postos de trabalho, a sua dignidade e os seus direitos constitucionais tem de combater, por todos os meios ao seu alcance, esta proposta de lei e não permitir que ela passe. Esta proposta de lei não pode passar neste Parlamento e nesta democracia.

O Sr. Mário Tomé {UDP): - Muito bem!

O Orador: - Pinto Balsemão não é Margaret Thatcher e o Presidente da República não é a rainha de Inglaterra, bem como este Parlamento e os trabalhadores portugueses não poderão aceitar que lhes imponham uma autêntica canga e que passem a ser subalternizados quer na empresa, quer na sociedade portuguesa.
Por isso o Partido Socialista e o Grupo Parlamentar Socialista não só se opõem a que seja dada prioridade e urgência à proposta de lei, como a combaterão por todos os meios legais ao seu alcance.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não vamos por agora determo-nos no fundo das questões, que são muitas, suscitadas pela proposta de lei que oportunamente recebemos.
O Governo apresentou, em 29 de Outubro de 1981, à Assembleia da República, com pedido de prioridade e urgência, a proposta de lei n.º 70/II, que visa constituir os novos regimes da cessação do contrato individual de trabalho e dos contratos a prazo.
Não tem o Grupo Parlamentar da UEDS quaisquer dúvidas sobre a importância de que se reveste tal proposta de lei, particularmente na parte respeitante à revisão do Decreto-Lei n.º 781/76. E a prova disso é que apresentou a esta Assembleia, em 29 de Janeiro de 1981, o projecto de lei n.º 119/II, que, a ser aprovado - e foi -, se constituirá na nova regulamentação dos contratos a prazo. E, como então dissemos, fizemo-lo «na profunda convicção de que a revisão
do Decreto-Lei n.º 781/76 é uma das reivindicações prioritárias de todos os trabalhadores portugueses, independentemente do quadrante político em que se situem, bem como do movimento sindical e suas associações de classe», o que, só por si, é revelador da prioridade de urgência que lhe reconhecíamos. Contudo, quase decorrido 1 ano sobre a data da apresentação do nosso projecto de lei, nada se alterou, continuando o Decreto-Lei n.º 781/76 em vigor, apesar dos efeitos negativos daí resultantes, dada a utilização indiscriminada e abusiva que, à sua sombra, vem sendo feita dos contratos a prazo, pelo patronato da generalidade dos sectores. E os únicos responsáveis por tal situação são os partidos da maioria, que, após a aprovação na generalidade do nosso projecto de lei e, bem assim, da aprovação, na mesma altura, do projecto de lei n.º 147/II, entretanto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre a matéria, impediram a sua discussão e aprovação imediata na especialidade, aprovando um requerimento pelo qual só passados 60 dias, pelo menos, tal poderia ocorrer. Os 60 dias terminaram, sejam quais forem os critérios que presidam à sua contagem.
Hoje, face a apresentação pelo Governo da proposta de lei n.º 70/II, não tem o meu grupo parlamentar dúvidas sobre as verdadeiras intenções que se escondiam detrás daquela manobra dilatória. Incapazes de conter por mais tempo o desenvolvimento do processo que a nossa iniciativa legislativa desencadeou, os partidos da AD procuram dar ao Governo o prazo necessário à elaboração de uma proposta de lei onde o patronato beneficie de contrapartidas pelas alterações, que venham a ser introduzidas no regime dos contratos a prazo, contrapartidas, se possível, mais vantajosas do que os efeitos negativos resultantes daquelas.
Ora, sendo a liberalização dos despedimentos um dos objectivos fundamentais do patronato e das suas associações de classe (principalmente da CIP), é neste campo que o Governo vai procurar dar as contrapartidas. Existe, contudo, o obstáculo do artigo 52.º, alínea b), da Constituição da República, que proíbe os despedimentos sem justa causa, pelo que a liberalização pura e simples do despedimento está à partida comprometida. Procura, contudo, o Governo contornar tal dificuldade, alargando o conceito de justa causa de forma a caber nele uma generalidade de situações, que correspondam, na prática, à liberalização pretendida. Este o caminho que o Governo decide trilhar, embora não isento de riscos, já que o órgão de soberania a quem cabe apreciar a constitucionalidade das leis não poderá dar cobertura a tal expediente, pelo que teria de declarar tal diploma inconstitucional.
E que o Governo tem consciência disso é um facto evidente. Só isso explica que tenha reunido numa única proposta de lei a regulamentação sobre a cessação do contrato individual de trabalho e sobre os contratos a prazo. Temendo que o seu tratamento em separado, como seria natural, dada a diversidade das matérias, pudesse abrir as portas à revisão do Decreto-Lei n.º 781/76, sem qualquer contrapartida para o patronato, com cujos interesses de classe se identifica, o Governo joga no seguro juntando os dois regimes na proposta de lei n.º 70/II. Assim, o destino de um estará irremediavelmente ligado ao des-

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tino do outro. Ou os dois são considerados constitucionais (e sobre a parte respeitante aos contratos a prazo não é natural que objecções de inconstitucionalidade se levantem), ou são. os dois impedidos de entrar em vigor, ainda que só a regulamentação sobre a cessação do contrato individual de trabalho possa estar ferida de inconstitucionalidade.
Mas o mais grave de tudo, Srs. Deputados e Sr. Membro do Governo, é. que isto acontece quando o próprio Governo reconhece expressamente, na «exposição dos motivos» com que procura fundamentar a apresentação da proposta de lei n.º 70/II, que com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 781/76 «logo se generalizou uma prática não conforme com os princípios contidos no diploma». E, por ser assim, logo acrescenta: «Contra esta prática abusiva e na defesa da única função legítima da contratação a prazo - que é de responder a necessidades temporárias da prestação de trabalho - agora se afasta o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro.» Por conseguinte, o Governo, ao fazer depender a revisão deste diploma legal de uma revisão que sabe inconstitucional do actual regime da cessação do contrato individual de trabalho, está a criar as condições necessárias à manutenção das práticas abusivas que reconhece e denuncia. Q que, de todo em todo, terá de considerar-se inqualificável.
Mas o que o Governo pretende é, a pretexto da urgência de revisão do regime de contratos a prazo sentida por todos os trabalhadores, obter desta Assembleia a prioridade e urgência para a discussão de uma lei de alteração do regime de cessação do contrato individual de trabalho que, liberalizando os despedimentos, anula todas as garantias duramente conquistadas e se reveste de um carácter claramente inconstitucional.
Não se nega a urgência da revisão do regime de contratos a prazo, dissemo-lo já, mas, para que essa urgência seja respeitada, tanto bastará que a Assembleia discuta os projectos de lei apresentados há muito pela UEDS e pelo PS, já aprovados na generalidade e com parecer da respectiva Comissão. Por isso mesmo a UEDS, ao recusar a prioridade e urgência solicitadas pelo Governo para a proposta de lei n.º 70/II, fá-lo após ter requerido a inscrição na ordem de trabalhos do Plenário do próximo dia 11 da discussão daqueles projectos de lei já aprovados.
Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra, em primeiro lugar, para dizer que nos congratulamos pelo facto de a UEDS ter fixado uma ordem de trabalhos com a discussão do seu projecto de lei sobre contratos a prazo, que está aprovado na generalidade. Naturalmente que será ainda discutido o nosso projecto de lei, que também está aprovado na generalidade. É um caso em que provavelmente serão discutidos conjuntamente, na especialidade;, no Plenário os dois projectos de lei.
Será inédito, mas até é interessante que à luz do dia se faça uma discussão na especialidade de tão importante matéria.
E agora, depois de ter salientado o aspecto positivo do requerimento da iniciativa da UEDS, que nós consideramos extremamente oportuna, até porque desmistifica toda esta construção que o Governo pretende fazer com a cobertura e o dourar a pílula da lei dos despedimentos com os contratos a prazo, pergunto ao Sr. Deputado César de Oliveira se não acha que, de certa maneira, o termos aqui, no dia 11 deste mês, a discussão na especialidade dos projectos de lei sobre contratos a prazo não inviabiliza, não torna perfeitamente supérfluo, este pedido de urgência de discussão do pacote laboral apresentado pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Carlos Lage, agradeço as suas palavras, mas para além dos considerandos que V. Ex.ª aduziu e com os quais estou de acordo, gostaria de dizer mais alguma coisa.
Na Comissão de Trabalho têm-se discutido os critérios de contagem dos 60 dias. De qualquer modo, mesmo que as férias não contem - e eu estou agora a olhar para o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão que em contagens se tem revelado altamente perito, mas não só em contagens, noutras matérias também!... -, mesmo que Agosto e Setembro não contem, na verdade os meses de Junho e Julho, que já contaram, e os de Outubro e Novembro, que também contaram, fazem com que o dia 11 de Dezembro recaia bastante para além dos 60 dias então aqui aprovados por esta Assembleia.
De facto, e respondendo cabal e concretamente ao Sr. Deputado Carlos Lage, dir-lhe-ei que das duas uma: ou a maioria reconhece que o Governo é uma emanação da maioria e deste Parlamento e, portanto, que é um acto inqualificável de diminuição, de submissão, de menoridade da própria Assembleia o facto de esta recusar a aprovação na especialidade de matérias que já foram aprovadas na generalidade - e se a Assembleia e a maioria reconhecem isso não se justifica a prioridade e urgência requeridas pelo Governo para esta matéria -, e então o Governo terá de elaborar um novo diploma para a cessação do contrato individual, ou finalmente a maioria reprova na especialidade, o que é um absurdo, o diploma que já aprovou na generalidade e apenas demonstra um facto inédito em todos os parlamentos, que é o de que não é afinal o Governo que emana da maioria, mas sim a maioria que é um complemento pobre, triste e até, diria, perdoem-me a expressão, desgraçado de um governo.

Vozes do PC: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Com a apresentação da proposta de lei n.º 70/II (sobre despedimentos e contratos a prazo) e, subsequentemente, o pedido de urgência, de-

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fendido com uma pobreza franciscana pelo Sr. Secretário de Estado do governo AD revela que mentiu ao povo português durante a discussão do Programa do Governo.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quem não se lembra do ar enfático do Primeiro-Ministro ao anunciar as quatro grandes prioridades do Governo? Habitação, exportação, agricultura e regionalização!
No encerramento do debate o meu camarada Carlos Brito afirmava:
Elas não representam mais que um reboco mal feito para tentar disfarçar os reais objectivos do Governo.
E, na clarificação de um desses mesmos objectivos, foi dito:

Na alteração antioperária e reaccionária da legislação laboral a AD visa não apenas preparar os mecanismos para transferir para os ombros dos trabalhadores e de toda a população laboriosa das cidades e dos campos o fardo da crise económica e financeira engendrada pela sua própria política e o peso das restrições impostas pelo FMI, como procura, com igual empenhamento, assestar golpes que enfraqueçam a capacidade de resistência, de protesto e de luta do movimento operário, do movimento sindical unitário, de todo o movimento dos trabalhadores, o mais resoluto, consequente e poderoso adversário dos planos da reacção contra a democracia portuguesa.
Palavras justas, carregadas de sentido objectivo e a que a vida veio dar razão. Se nos lembramos da prioridade «habitação», é para constatar que as únicas medidas tomadas foram o corte de crédito para aquisição de casa própria. Sobre a exportação e agricultura, o Governo continua à espera que chova, e, quanto à regionalização, o Ministro Ângelo Correia fez uma conferência de imprensa, deu umas quantas entrevistas, e preparam-se para roubar às autarquias e às populações mais de 45 milhões de contos. Mas para propor uma lei que traz o germe da injustiça social e que Visa fazer retroceder, no plano jurídico, as relações de trabalho ao 24 de Abril, atacar os direitos constitucionais dos trabalhadores, já há pressa e urgência.
A proposta de lei n.º 70/II, enquadrada na política geral de trabalho, é uma peça jurídica brutal que tenta fazer passar as situações de facto a «situações de direito». Confiantes na ineficácia dos tribunais e da Inspecção de Trabalho, seguros da cumplicidade governamental, o patronato e as administrações têm vindo a aumentar a repressão de forma massiva e selectiva, não cumprindo os acordos e os contratos colectivos de trabalho, não pagando salários ou subsídios, cortando regalias, levantando processos disciplinares por tudo e por nada, desrespeitando sistematicamente as leis sindical e das comissões de trabalhadores, criando um clima de intimidação e repressão gera] nas empresas. A par destas situações, o Governo AD anuncia a imposição de um tecto salarial real de 12,75 %, que, a ser aceite, implicaria insustentáveis sacrifícios para as classes trabalhadoras, enquanto o aumento da produtividade já verificado iria parar inteirinho aos bolsos do grande patronato, facilitando assim uma maior acumulação capitalista. É também neste quadro que surge a violação da liberdade de negociação da contratação colectiva, com a publicação das já tristemente célebres portarias de extensão, que irão provocar, se não forem revogadas, elevados prejuízos a centenas de milhares de trabalhadores, retirando-lhes regalias anteriormente conquistadas.
Mas para a AD o funcionamento do triângulo Governo-patronato-divisionistas não está a ser suficiente face à poderosa resposta do movimento operário e sindical. Necessita de destruir as leis que salvaguardam os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores portugueses.
Essa é a sua urgência. Esse é a sua prioridade das prioridades.
Hoje são as leis dos despedimentos e dos contratos a prazo, e, se tivessem tempo e força, seguir-se-iam aquelas que já estão na forja, nomeadamente as leis das férias, feriados e faltas, da contratação colectiva, das organizações sindicais e da greve. Esta é a pirâmide que a AD está a arquitectar, é a escalada raivosa e classista de quem pretende destruir a democracia económica e social, é a demonstração exemplar de quem não sabe viver e governar com a Constituição e no respeito pelas novas realidades de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de urgência do Governo implica que se façam algumas considerações gerais à proposta de lei n.º 70/II. Procurando uma alteração radical, digamos mesmo com brutalidade, em relação à lei vigente, a proposta da AD implicaria um grave retrocesso social, elimina ou reduz as garantias do direito à segurança no emprego e de protecção do trabalhador face ao despedimento, consagradas na lei e na Constituição.
Alarga desmesuradamente o poder patronal de despedir trabalhadores.
Coloca o lucro à frente do direito à segurança no emprego, à subsistência, à dignidade humana e à realização pessoal e social através do trabalho.
Transforma o poder do patronato em poder absoluto, não só sobre as coisas que constituem, a empresa, mas também transformando as pessoas dos trabalhadores em coisas, com violação da sua vida privada, extraprofissional, cívica, cultura], política e sindical.
Esvazia de sentido a garantia de protecção contra os despedimentos dos representantes sindicais e membros de comissões de trabalhadores.
Descaracteriza e destrói por completo o conceito de justa causa, ao juntar ao comportamento culposo do trabalhador as razões economistas e interesses subjectivos do patronato. É assim que por «razões de fabrico», «mudança de equipamento», «reorganização de serviços», «encerramento, total ou parcial, da empresa» ou redução do pessoal por «motivos estruturais ou tecnológicos», razões «de viabilização da empresa» e inadaptação às «inovações tecnológicas» decididas pelo patronato poderia o trabalhador ser despedido com justa causa. Significa isto que, se esta lei fosse aprovada, o trabalhador não pagaria só pelo

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seu comportamento culposo em caso de infracção grave, ter de pagar também com o despedimento pelos erros e pelos actos de gestão do patronato.
À AD não importa a existência das fraudes, descapitalização, sobrefacturação, subfacturação, falta de investimentos e incapacidade de gestão do patronato e das administrações.
Os 1300 trabalhadores da MESSA entenderão melhor agora por que é que o Governo tem recusado os investimentos necessários para a viabilização da empresa, por que é e como é que a administração pretende encerrar secções, por que é que se adiam as soluções justas apontadas pela comissão de trabalhadores.
Os trabalhadores da COVINA, da SOREFAME, da Fábrica de Loiça e da FAPAE entenderão melhor agora o que podem significar a redução de pessoal por motivos estruturais ou tecnológicos e a inadaptação às inovações tecnológicas e o encerramento, total ou parcial, da empresa. Para a AD significa despedimento com justa causa. Os trabalhadores da DARDO, da Standard Eléctrica, da estação de tratamento de lixo e da Audio Magnétic antevêem o redobrar das ameaças dos seus postos de trabalho já em perigo ou os despedimentos em vias de concretização. Os sindicatos e as comissões de trabalhadores de todas as empresas e sectores irão compreender claramente o que lhes reservaria a AD, caso conseguisse impor esta proposta de lei. Mais uma vez as trabalhadoras domésticas e os trabalhadores rurais são discriminados.
Para além de tudo isto, a AD altera de tal forma o regime de suspensão preventiva, sem perda de retribuição, que o artigo 31.º, n.º 2, da lei da contratação colectiva do tempo de Marcelo Caetano deixaria saudades. A proposta abre todas as portas à suspensão, não condiciona a sua aplicação à verificação objectiva de um número limitado de comportamentos inequivocamente graves, não fixa limites temporais à sua aplicação e, em última análise, permite até, pela sua vaguidade, interpretações segundo as quais nem seria necessária a prévia instauração do processo disciplinar para despedimento. Nas mãos do patronato, este mecanismo inconstitucional permitiria a pressão e a coacção constantes, no estilo de autêntica aplicação de «medidas de segurança».
Mas a AD quer mais!
Cria mais oito novos conceitos de justa causa por comportamento culposo à lei actual. Vejamos alguns exemplos:
Em vez de «desobediência ilegítima às ordens dadas», diz-se agora «não cumprimento de ordens dadas»;
Onde se lia «reduções anormais de produtividade» passou a estar «redução anormal de produtividade»;
Onde estava «prática intencional no âmbito da empresa de actividades lesivas da economia nacional» ficou simplesmente «prática dos actos lesivos da economia nacional»;
Na alínea referente às violências físicas, injúrias e outras ofensas contra pessoas acrescentou-se à lista «pessoas que estabeleçam relações com a empresa», ou seja, por exemplo, a própria CIP ou um senhor ministro ou um senhor secretário de Estado amigo do patrão.
Um aspecto chocante claramente demonstrativo do reaccionarismo da AD é o despedimento puro e simples dos que sofrem de doenças sociais, como 3 embriaguez habitual e a toxicomania. Não é o tratamento e a recuperação que interessam à AD. A solução é o desemprego, com todas as consequências físicas, psíquicas e sociais que recaem sobre o doente, a quem se nega a possibilidade de recuperação e reintegração na sociedade.
Quanto aos contratos a prazo, nem sequer a demagogia esconde as realidades. A espinha dorsal do diploma assenta no facto de dar à entidade patronal a possibilidade de jogar em dois campos, conforme as circunstâncias: tanto pode despedir os contratados a prazo como os trabalhadores efectivos. O objectivo final da proposta de lei n.º 70/II é transformar os milhões de trabalhadores portugueses em contratados a prazo, é criar a dinâmica .do medo nas empresas, é impedir o uso das liberdades e dos direitos por parte dos trabalhadores, é, enfim, neutralizar a Constituição da República Portuguesa.
E não vá alguém invocar aqui cinicamente que a CIP também critica esta proposta e lhe consegue ainda ver defeitos. Importa sublinhar desde já que a mudança de agulha proposta pelo Governo representa uma inversão de 180º na própria concepção na vida da empresa e das relações entre os trabalhadores e o patronato. Onde a Constituição e a lei consideram de forma autónoma e prevalecendo os interesses da posição jurídica dos trabalhadores, esta proposta, se passasse, consagraria o desmedido império do patronato. As posições da CIP assumem, assim, a sua verdadeira dimensão: não passam de uma manobra táctica, uma combinação intestina entre o patronato e os seus serventuários, visando salvaguardar a desacreditada face «social-reformista» do Governo. Mas são também a prova de que a ânsia patronal de recuperar todos os privilégios é tanta e tal que, quando alguém lhe dá a mão quer logo apanhar os braços e o corpo todo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate é importante, não tanto pela necessidade de analisar até à exaustão o conteúdo da proposta, mas de situá-lo na actual situação política e social. O processo de revisão constitucional está em curso e os trabalhos da Comissão vão em fase adiantada. Os trabalhadores ficaram satisfeitos quando souberam que as forças democráticas uniram os seus esforços e os seus votos para impedirem que a AD retirasse os direitos, liberdades e garantias constitucionais já reconhecidos na lei fundamental.
Direito ao trabalho, segurança no emprego, proibição de despedimentos sem justa causa, por motivos políticos ou sindicais, controle de gestão, liberdade sindical, são alguns dos belos e importantes princípios que a nossa Constituição continuará a consagrar. Mas aquilo que os trabalhadores sentem e sabem é que esses belos e importantes princípios serão rasgados e esvaziados se a AD conseguir fazer vingar as suas propostas em matéria de organização de poder político, se conseguir ficar com os poderes de controle

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da constitucionalidade das leis, que, à falta de apoio social e perante a resistência e a luta dos trabalhadores, não abdicará da conspiração no seio dos militares para prosseguir os seus planos subversivos contra o regime democrático. É bom que o PS, a UEDS e a ASDI, em conjunto com o PCP e o MDP, tenham votado a manutenção das questões fundamentais expressas no título II, capítulo n, da Constituição. Mas vejam e perceber-se-á esta proposta de lei. Vejam a urgência do Governo em fazer recuar as relações de trabalho até 24 de Abril e perceberão por que é que os trabalhadores, legitimamente, se preocupam com a revisão constitucional, no que concerne à organização do poder político e aos acordos que possam vir a ser feitos com a AD, o que valeriam esses princípios se a AD os pudesse rasgar, fazendo aprovar impunemente leis como esta que os contrariam de forma brutal.
Vamos votar contra a urgência do Governo. O que para nós é urgente é a reposição da legalidade democrática em muitas empresas, assegurando e aprofundando os direitos, as liberdades e garantias dos trabalhadores portugueses.
O que é urgente para nós é defender o nível de vida das classes laboriosas e do nosso povo, acreditando em todas as potencialidades das grandes transformações democráticas do 25 de Abril para sair da crise económica em que o nosso país se encontra.
O que para nós é urgente é seguir o exemplo do que está a acontecer em muitos países da Europa, onde as forças democráticas dão as mãos para encontrarem as soluções que melhor sirvam os seus povos e a democracia.
O PCP exorta todos os trabalhadores, os sindicatos e as comissões de trabalhadores a participarem num grande debate público que aprofunde as implicações e a essência desta proposta do governo AD, trazendo para o debate a riqueza das situações concretas que diariamente vivem. Nas empresas, nos sectores, em todos os locais de trabalho, os trabalhadores saberão encontrar, com determinação e coragem, as melhores formas de prosseguir Abril. A sua voz e a sua luta, chegando a esta Assembleia, mostrarão à evidência o que é realmente urgente.
E o que é urgente para nós, e em cada dia que passa se coloca como um imperativo nacional, é a necessidade de substituir este governo por outro que prossiga uma política democrática, que acolha as aspirações, a vontade de participar e o poder criativo do povo português.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a também a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não vou agora, porque este não é o momento, e na medida do possível, entrar no fundo da questão. Estamos apenas no processo de prioridade e urgência requerido pelo Governo.
Desde logo eu perguntaria porquê ou para quê esta prioridade e urgência. Possivelmente para que o debate deste problema importantíssimo que diz respeito a milhões de portugueses passe um pouco despercebido nesta Câmara, tom a rapidez e o corte de prazos que o Regimento impõe no caso de urgência, que passe sem que o povo português possa dar conta da gravidade daquilo que o Governo propõe.
Das razões invocadas pelo Sr. Secretário de Estado eu retive duas: fazer o equilíbrio entre todos os interesses da sociedade portuguesa e adequar a legislação laboral à Constituição.
Ora, eu pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, se isto é a criação de um novo facto político ou se não será uma ironia macabra dizer que esta proposta de lei pretende fazer o equilíbrio entre os interesses da sociedade portuguesa, quando ela é fundamentalmente uma proposta de lei contra os interesses da maioria do povo português. Isto é ironia, mas é ironia de muito mau gosto.
Quando se diz que esta proposta de lei tende a adequar a legislação laboral à Constituição, eu não direi mais do que já disseram muitos ilustres constitucionalistas aqui nesta Câmara, aquando do debate sobre o recurso da admissibilidade desta proposta de lei.
O MDP/CDE opõe-se obviamente a que seja dada a prioridade e urgência na apreciação da proposta de lei n.º 70/II, por dois tipos de razões.
Em primeiro lugar, trata-se de uma proposta legislativa que lesa gravemente os legítimos interesses dos trabalhadores deste país, pondo em causa, praticamente, a subsistência de quase todos os postos de trabalho existentes, além de atentar, frontalmente, a nosso ver, contra disposições constitucionais imperativas.
Na realidade, a presente proposta de lei, além de ignorar pura e simplesmente a Constituição, designadamente o artigo 52.º, alínea b), ao permitir expressamente o despedimento sem justa causa em casos de puro interesse patronal, alarga de tal modo o conceito de justa causa de despedimento que acaba por esvaziá-lo de conteúdo.
Bem basta a prática recente de alguns tribunais do trabalho, para quem qualquer causa imputável ao trabalhador é considerada justa causa de despedimento.
Esta proposta de lei traz um retrocesso social devido à eliminação ou redução das garantias do direito à segurança do emprego, traz um alargamento do poder patronal de despedir, uma prevalência do interesse patronal, um maior lucro sobre o direito ao trabalho, uma restauração do poder absoluto do patronato sobre a empresa e sobre os trabalhadores, um enfraquecimento da posição jurídica individual do trabalhador, um aumento de repressão patronal sobre os trabalhadores por motivos sindicais ou políticos.
Sobre isto não nos esqueçamos, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, que já corre por aí que a CIP, por exemplo, tem a fichagem de todos os trabalhadores e quadros que pertencem a comissões de trabalhadores e que são conhecidos por homens de esquerda para que não sejam integrados em qualquer das empresas que o patronato domina através da CIP.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Secretário de Estado, a proposta de lei referente aos contratos a prazo é um regime que s aparentemente é mais favorável do que a lei actual. Não está garantida na

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proposta de lei a aplicação efectiva de um regime legal restrito aos contratos a prazo. A limitação dos recursos aos contratos a prazo, se existisse, seria anulada pela liberalização dos despedimentos. São, pois, alterações demagógicas as que se encontram nesta proposta de lei.
Em resumo: a proposta de lei em apreço tenta restaurar o regime de despedimentos de Decreto-lei n.º 49 408, mantendo apenas formalmente a nulidade do despedimento e tentando transformar o patrão no monarca absoluto do antigamente.
Ora, já se vê que a gravidade de tal proposta de lei - e é esta a segunda razão - não é compatível com o regime específico da urgência, designadamente o consignado nos artigos 245.º e 246.º do Regimento.
Não é possível, num normativo desta natureza, que contende com o pão e a segurança de milhões de portugueses, que seja dispensado ou reduzido o prazo para exame na comissão e que a discussão, quer na generalidade, quer na especialidade, seja substancial e drasticamente diminuída.
Com o requerimento de urgência parece que o próprio Governo tem consciência da vergonha que é para ele a apresentação de tal proposta, querendo que a sua discussão seja o mais rápida e desapercebida possível.
Por outro lado, não se vê que tipo de urgência haja na promulgação no tal diploma, sabendo-se que a legislação laboral existente, com as delongas intermináveis dos processos nos tribunais de trabalho, que chegam a ir a 7, 8 e 10 anos, serve bem, apesar de tudo, os interesses da clientela governamental, isto é, o patronato mais agressivo e monopolista.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP da UEDS e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei apenas um ligeiro apontamento para justificar o nosso apoio ao pedido de prioridade urgência à proposta de lei formulada pelo Governo.

Vozes do PCP: - Não é preciso!

O Orador: - Não é esta a oportunidade para fazer análises de fundo, reservamo-nos para outra altura e então dialogaremos com os nossos adversários neste aspecto, em termos que nos pareçam mais elucidativos mais convincentes, já que neste momento estamos em confronto com uma situação que não é propriamente a análise da questão que tem verdadeiro e autêntico interesse.
É claro que não vemos os quadros negros que aqui foram desenhados pelos Srs. Deputados do PS e do PCP, mas entendemos perfeitamente as suas preocupações. E precisamente porque entendemos as suas preocupações é que também entendemos que este problema deve ser estudado, deve ter prioridade, deve ter urgência e devemos ir o mais rapidamente possível ao fundo da questão.
Temos preocupações, Srs. Deputados e elas baseiam-se na segurança e tranquilidade de quem trabalhar.
Somos pela segurança e tranquilidade de quem trabalha e não aceitamos, não admitimos que as pessoas sintam insegurança porque têm os olhos azuis ou verdes, porque sonham alto ou que por qualquer outra razão estejam sujeitas aos caprichos de quem manda.
Não admitimos essas atitudes ditatoriais nas empresas, atitudes que sujeitam as pessoas a contingências desse tipo. Somos suficientemente humanos, somos suficientemente realistas para comungarmos da vossa preocupação neste sentido.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Evidentemente!...,

O Orador: - Mas temos também a preocupação de dar satisfação às naturais aspirações de quem quer trabalhar e pretendemos saber em que medida a legítima segurança de alguns trabalhadores é ilegitimamente usada com a prática de abusos que prejudicam o acesso a postos de trabalho ocupados por quem quer trabalhar. Não são os mais incómodos, Sr. Deputado Carlos Lage, nem sequer os mais velhos ou os doentes; são aqueles que não querem trabalhar.
Temos presente que estão em apreciação projectos de lei equivalentes a iniciativas válidas, como válida é a recta intenção do Governo.
Estão a chegar depoimentos dos parceiros sociais, estamos na altura de estudar, de apreciar e de prestar a melhor atenção a todas as preocupações que vêm até nós. Depois, sim, vamos discutir o problema em profundidade.
Mas também temos presente que é demagógico e irrealista pensar que alguém minimamente sensato e lúcido pode admitir que haja forças políticas neste país interessadas em diminuir o número de postos de trabalho ou a segurança dos trabalhadores.
O número de postos de trabalho é o mesmo, os trabalhadores de que dispomos são os memos - e até são de mais, infelizmente!... Logo há-de haver sempre o preenchimento dos postos de trabalho. Importa é saber como é que esse preenchimento se há-de fazer da forma mais operacional.
A nossa preocupação vai para a prioridade e urgência na conjugação dos esforços dirigidos a uma legislação que se adapte a realidades da vida laboral, realidades que podem não estar, devidamente acauteladas na proposta de lei n.º 70/II, tal como não estarão nos projectos de lei subscritos pelo PS e pela UEDS, aos quais demos e estamos a dar a melhor atenção. Mas o que importa é seguir urgentemente na busca de soluções.
A proposta em apreço parece-nos uma porta sinceramente aberta à discussão e que encontra soluções possíveis, já que as soluções ideais não estão ao alcance de quem vê estes problemas por ângulos diferentes, embora com preocupações convergentes.

Aplausos do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Carlos Lage, Jerónimo de Sousa e Manuel Lopes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Deputado Menezes Falcão, não quero ser injusto com V. Ex.ª, mas não sei até que ponto é que as suas palavras revelam a má consciência que paira neste momento nas ban-

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cadas da AD relativamente a tão inaudita proposta de lei, como aquela para a qual hoje pedem processo de urgência.
O Sr. Deputado Menezes Falcão diz compreender as nossas preocupações, expressas por socialistas e, por comunistas, diz que tem uma porta aberta à discussão na generalidade e na especialidade e que a maioria está aberta ao diálogo.
Mas, Sr. Deputado Menezes Falcão, não há que conciliar nem é possível chegar a convergência em dois artigos que eu aqui assinalei. Os senhores criaram uma nova causa, a que chamam justa e que eu considero injusta, para os despedimentos e que é a extinção do posto de trabalho e a inadaptação a modificações tecnológicas no posto de trabalho.
De facto, entendemos que só há discussão possível se VV. Ex.ªs recuarem relativamente a estas duas questões fundamentais. Mas estas duas questões dizem respeito àqueles que levantam o problema na empresa e na própria sociedade.
A essa proposta uma proposta conservadora e, por isso, não sei até que ponto pode admitir este recuo que, aliás, reconheço seria útil se os senhores fossem, capazes de o praticar. Mas o Governo estará na mesma orientação? O facto de pedir esta urgência não indica exactamente o contrário: o interesse em aprovar imediatamente, esta legislação?
Outra questão que lhe queria colocar, Sr. Deputado Menezes Falcão, é que não é possível colocá-la ao Sr. Secretário de Estado, que talvez queira responder no final, é a de como é que se compreende que, num momento em que há um clima de austeridade, em que 6 definido um tecto salarial de 14,75 % e em que se prevê uma inflação de, pelo menos, 18 %, num momento em que se pedem assim sacrifícios aos trabalhadores, num momento em que não se criam novos postos de trabalho -pelo contrário, o desemprego está a aumentar -, num momento em que o Ministério dos Assuntos Sociais vê as suas verbas reduzidas e, por isso, as contrapartidas sociais não são possíveis, que a AD ainda venha intimidar os trabalhadores e pretenda privá-los dos seus postos de trabalho. Como se compreende que ainda queira lançar a insegurança e a instabilidade na empresa?
Será que os trabalhadores têm de ser castigados e punidos, têm que sofrer a crise e ainda por cima ficar sujeitos ao despedimento e à instabilidade do seu trabalho?
Será isso justo? Será isso legítimo?
Não é, Sr. Deputado Menezes Falcão! Por conseguinte, são os mais incómodos, os mais idosos e os mais doentes os primeiros a ser atingidos por esta legislação da AD, mas também os mais jovens, os mais vigorosos. São, em suma, todos os trabalhadores portugueses!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que o Sr. Deputado Menezes Falcão manifestou o desejo de responder no fim a todos os pedidos de esclarecimento, concedo a palavra ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Menezes Falcão, muitas vezes os homens definem-se, mais do que pelas suas próprias palavras, pelos seus actos e o Sr. Deputado vai votar a favor desta urgência. Mas, refiro a questão das palavras, é porque o Sr. Deputado fez recentemente nesta Assembleia uma intervenção em que falava da indigência, da pobreza, da miséria, tendo sido uma das suas expressões mais destacadas a de que devíamos «pôr os olhos no céu e os miolos na lei» - isto se me não falha a memória! ...
Mas, então, como é que o Sr. Deputado vem para esta Assembleia falar da pobreza e da miséria e vai agora votar a favor da urgência de uma lei que permite os despedimentos arbitrários e violentos e que, em relação àqueles que sofrem de doenças sociais, por exemplo, a única recuperação que propõe é atirá-los para o «olho da rua», despedi-los com todas as consequências psíquicas e sociais que isso implica?
De facto deram-lhe uma tarefa ingrata, que é a de defender aquilo que é indefensável. Mas, Sr. Deputado da AD - que creio ter falado em nome do CDS -, quando falar nesta Assembleia, ponha de facto os olhos na lei, ponha os olhos na realidade e não venha com demagogia, porque efectivamente apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Lopes.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que esta proposta de lei sobre despedimentos tem um lado novo, que é preciso termos em conta ao tomarmos qualquer atitude e que é o facto de a infracção grave que era atribuída ao trabalhador para o seu comportamento culposo, até aqui sem justa causa, passar agora também a ser justa causa, por motivos de causa económica da própria empresa.
Creio que o Sr. Deputado Menezes Falcão, quando aqui referia que tínhamos trabalhadores demais, naturalmente estava a pensar que temos de pôr alguns no desemprego. É que, na verdade, esta proposta de lei, a ser aprovada, traria para o desemprego muitos e muitos trabalhadores.
E não se trata aqui de trazer para o desemprego trabalhadores que não trabalham, como V. Ex.ª diz. Trata-se, sim, de permitir toda uma situação de repressão, através das figuras de extinção do posto de trabalho e da inadequação do trabalhador ao posto de trabalho, que de facto viria agravar o vasto exército de desempregados.
Quando o Sr. Deputado diz que entende as nossas preocupações quanto a esta lei, naturalmente V. Ex.ª não está a pensar nas mesmas preocupações, porque, quanto às nossas, os trabalhadores e as suas organizações sindicais já se pronunciaram e são todas unânimes em afirmar que esta proposta de lei é uma proposta nefasta, contrária à Constituição e que, de facto, viria repor na legislação portuguesa, neste ponto concreto, situações iguais àquelas que já existiam antes do 25 de Abril.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado se, quando - e foi o que entendi - afirma que o seu partido vai votar a favor do pedido de prioridade e urgência, está a pensar noutras preocupações que não naquelas que as bancadas da oposição aqui puseram, isto é, se está a pensar nas preocupações do grande capital nacional e estrangeiro. Aliás, o Governo, no próprio preâm-

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bulo da proposta de lei que aqui traz, diz claramente que o faz pelo interesse económico das empresas, interesse que os trabalhadores não dominam.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Menezes Falcão.

O Sr. Menezes Falcão (CDS): - Quero declarar, em primeiro lugar, que a circunstância de alguns colegas das bancadas da oposição me terem dado o privilégio de um diálogo desta natureza me honra de sobremaneira.
Bem vistas as coisas, se falássemos aqui numa linguagem de subtileza, talvez pudesse responder a todos os Srs. Deputados com esta simples afirmação: eu não discuti o articulado da proposta de lei; declarei que era urgente discuti-lo em profundidade. Essa é a minha declaração.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É subtil!

O Orador: - Espero que os Srs. Deputados façam uma interpretação suficientemente hábil para entender que quando faço esta afirmação estou a juntar a minha preocupação às vossas.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa fez aqui considerações que considero oportunas. É uma linguagem parlamentar e é perfeitamente correcta. Atribui-me a responsabilidade de preocupações que são dirigidas aos desamparados, aos desprotegidos e eu queria dizer-lhe que espero da sua inteligência aceitar que aquilo que eu disse não está em contradição com as afirmações que aqui fiz.
Quando digo que, infelizmente, temos trabalhadores a mais para os postos de trabalho que temos (a menos), estou a manifestar uma preocupação. Está implícita nesta afirmação a ideia de que toda a nossa vontade - minha e a do meu partido- é que sejam criadas condições para que não existam esses necessitados, mormente aqueles que hão-de sair das fábricas para ir para a rua. Não é isso que eu penso. Eu disse, explícita e expressamente, que ninguém se quer desfazer daqueles que são incómodos.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Já há pouco tinha pedido para o interromper, mas V. Ex.ª só agora é que olhou para mim. De qualquer modo, a minha pergunta ainda tem cabimento.
Já temos ouvido neste Parlamento, até nos jornais, falar da direita troglodita, da direita inteligente - de que há alguns representantes sentados nessa bancada - e da direita dialogante, da qual V. Ex.ª tentou dar uns laivos. Mas pergunto se V. Ex.ª não acha que a melhor oportunidade de discutir urgente e profundamente esta matéria será na discussão na especialidade dos projectos de lei da UEDS e do PS e que já está marcada para o próximo dia 11.

O Orador: - Sr. Deputado, compreendo as preocupações de VV. Ex.ªs com a discussão urgente de projectos de lei que estão em curso. Assim, não retiro a oportunidade da urgência, também, desta proposta de lei.
V. Ex.ª sabe, através daquilo que se tem passado na Comissão de Trabalho, que temos manifestado -a preocupação de discutir estes problemas em conjunto e de avançar urgentemente para soluções possíveis. Esta é a explicação que posso dar às preocupações de V. Ex.ª
Mas não queria deixar de responder mais objectivamente às pertinentes considerações feitas pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. E repito que é precisamente com a preocupação de não haver mais pessoas na rua, lançadas na tal situação degradante, que pretendemos leis do trabalho que assegurem o direito das pessoas às soluções justas para cada um dos seus casos. Nas empresas até os doentes poderão ceder o lugar, acautelada que seja a sua sobrevivência e a sua estabilidade, aqueles que podem dar uma melhor produtividade.
Esta é a forma de me expressar. Posso não ser muito feliz, posso não ser brilhante com a expressão do meu pensamento, mas VV. Ex.ªs têm de aceitar a minha honestidade quando afirmo preocupações de solidariedade humana que, aliás, são um ditame da doutrina e orientação do meu partido.
A propósito do mesmo assunto queria dizer a VV. Ex.ªs que não nos preocupamos com a ideia de que as pessoas hão-de ser remetidas para situações de injustiça tão flagrante, como aquelas que VV. Ex.ªs adivinham e que nós não admitimos numa lei desta natureza.
Sabemos que estas leis têm de ser acompanhadas por tantas quantas forem necessárias para que umas não prejudiquem as outras e para que não haja uma degradação constante e um encadeado de situações anómalas.
Finalmente, queria dizer ao Sr. Deputado Manuel Lopes que as preocupações que aqui referi não têm ligação com o que se passa na rua.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - De facto não têm!

O Orador: - São preocupações dirigidas, única e exclusivamente, aquelas que aqui foram expressas.
Não são preocupações ligadas a esses fenómenos de ordem social, política, política internacional e a outras formas de especulação racional que não vêm ao caso. As minhas preocupações são aquelas que aqui expressei e correspondem às preocupações de todos nós, porque nos dizem respeito.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Já quando foi aqui discutida a questão de admissão desta proposta de lei tivemos ocasião de dizer que as grandes preocupações do patronato, hoje, são a criação e a manutenção do grande exército de desempregados, a descida do salário real e a tentativa de quebrar a espinha e a resistência dos trabalhadores, dadas as condições, cada vez piores, que lhes querem impor. Isto significa,

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no fundo, o que já aqui foi dito pelo Governo, ou seja o seu anseio máximo de levar o 25 de Novembro à economia.
A AD instalada, no poder político, apesar de não estar muito segura, pretende, a todo o transe e com o máximo de rapidez, levar o 25 de Novembro à economia, ou seja, criar as condições que permitam ao grande patronato resistir à crise, atirando-a para cima dos trabalhadores, através de todos os meios, nomeadamente o legislativo, apoiando-se na maioria AD e através da repressão que intensifica. Repressão do próprio Estado e ainda repressão interna, privada, particular ao nível das empresas, com criação de polícias privadas e de corpos de segurança privados que lhes permitam impor a lei do chicote sobre os trabalhadores.
Se olharmos para o que se está a passar pelo mundo do trabalho, depois de ouvirmos o Sr. Deputado Menezes Falcão confessar, um pouco espantado, que temos trabalhadores a mais, temos de fazer uma grande interrogação. Como é que temos trabalhadores a mais se todos se queixam que a nossa economia não progride? Como é que temos trabalhadores a mais se todos se queixam que não se produz o suficiente? Como é que temos trabalhadores a mais se se assiste à degradação e à liquidação de empresas, umas após outras, que poderiam estar a produzir com eficácia para satisfazer as necessidades do nosso povo? Já aqui foram citadas empresas como, por exemplo, a MESSA, a Cambourgnac e a Estação de Tratamento de Lixo de Lisboa.
O que se passa é que os capitalistas conseguiram, durante algum tempo, convencer os trabalhadores e operários que deviam colaborar com o grande patronato explorador para que todos vivessem melhor. Esse período, essa ilusão, está a passar. Os trabalhadores estão a constatar que isso è impossível e que está ultrapassado o período em que os povos do chamado Terceiro Mundo não se levantavam contra a exploração do imperialismo, em que os nacionalismos do Terceiro Mundo não impunham os preços mais justos para o petróleo, em que os grandes capitalistas e as multinacionais viviam à grande e à francesa, podendo dar algumas migalhas aos trabalhadores - enfim, o período das vacas gordas e da exploração colonial intensa...
Hoje, a crise do capitalismo é enorme. Os trabalhadores não querem mais aceitar a canga das multinacionais. Por sua vez, as multinacionais fazem concorrência a si próprias. Deixam que o desemprego aumente na Europa e vão à conquista de mão-de-obra mais barata, quase gratuita, nos chamados países do Terceiro Mundo, como aquilo que, por exemplo, se passa nos têxteis, em que a produção se faz nesses países com a mão-de-obra quase de graça, fazendo concorrência às empresas têxteis da CEE, as quais são obrigadas o despedir este ano cerca de 80000 trabalhadores. E o mesmo se passa com o nosso país. Por isso o Sr. Secretário de Estado se mostrou tão preocupado com a necessidade de adequar o sistema à CEE. O Governo quer convencer-nos de que para acabar com o desemprego tem de, primeiro, despedir milhares de operários e trabalhadores.
Esta é uma noção divertida do que é acabar com o desemprego. E e por isso que o plano para a «salvação» da indústria têxtil no nosso país prevê o despedimento de cerca de 60000 operários, com a promessa, depois, que esses e mais 80 000 sejam reintegrados no serviço nos próximos 2 ou 3 anos. Mas não é nada disso. Os despedimentos acontecem, efectivamente, porque há trabalhadores a mais no sistema capitalista, porque os grandes empresários querem lucros à custa do aumento da produtividade, isto é, aumentando a capacidade ao nível do capital fixo e da sofisticação do material e despedindo o capital fundamental que é a mão-de-obra.
É esta a maneira que o grande patronato tem para se salvar da crise.
Esta lei é uma lei celerada, como disse aqui o Sr. Deputado Carlos Lage. É uma lei que vai contra a Constituição, como já aqui foi demonstrado quando se discutiu a questão da impugnação da admissibilidade da proposta de lei. É uma lei que quer pôr os trabalhadores na mão do patrão. Tudo poderá servir para despedir um trabalhador.
Todas as razões são de justa causa, desde que o patrão queira fazer despedimentos. Isto tem muito, também, a ver com a necessidade que o patronato tem de manter os trabalhadores sossegados, podendo fazer à vontade despedimentos dos elementos mais combativos, mais corajosos, mais conscientes e que mostram o caminho da luta aos seus camaradas.
E também neste aspecto a CEE é um exemplo, porque todos nós sabemos que na República Federal da Alemanha ter cadastro político de esquerda é motivo para um trabalhador não conseguir emprego. É esta a CEE para que nos querem mandar, é esta a CEE à qual nos querem adequar. E é para isso, também, que serve esta lei celerada, para a possibilidade de pôr na rua todos aqueles que se mostrem menos pacíficos e dóceis às exigências da repressão, dos ritmos de trabalho e da exploração do grande patronato,
O Sr. Deputado Carlos Lage disse há bocado que as Empresas não são quartéis. Sr. Presidente e Srs. Deputados: Há neste momento empresas que são quartéis, ou pior que isso, como, por exemplo, os estabelecimentos fabris do exército. Aliás, a forma de organização das empresas capitalistas foi copiada da organização militar. Efectivamente, querem fazer quartéis das empresas. Quartéis com a sua guarda própria e em que haja um regulamento de disciplina que impeça os trabalhadores de se recusarem a cumprir uma ordem ainda que ilegítima, uma ordem que não tenha razão para ser dada.
A AD pretende transformar todas as empresas em quartéis para ter uma classe operária amansada, metida nas baias de um regulamento de disciplina que foram copiar ao Exército e às forças armadas. Aproveita-se, também, a preparação que é dada aos jovens nas forças armadas para estarem habituados a porem-se em sentido, não em frente ao sargento ou ao oficial, mas frente ao encarregado, ao engenheiro ou ao quadro superior da empresa.
É esta a relação íntima que existe entre a aprendizagem militar e a preparação para que os operários aceitem, da forma mais dócil, as imposições que o patronato quer pôr a funcionar através de leis como estas.
E os contratos a prazo, como eu aqui disse, são a mistificação desta lei, parque todos ficam a prazo.

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Para a UDP só os trabalhadores com a sua luta poderão libertar-se da crise que o grande capital lhes atirar para cima.
Não há contratos a prazo melhores ou piores. A única posição dos operários e dos trabalhadores é dizerem um não rotundo aos contratos a prazo e exigirem o funcionamento das empresas, a liberdade sindical e a actuação livre, legítima e constitucional das comissões de trabalhadores, que não são um apêndice das administrações ou das gerências mas sim um órgão dos trabalhadores para tratar dos problemas específicos dos trabalhadores e em oposição, quando isso se torna necessário - o que quase sempre acontece -, à vontade do patronato.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP, obviamente, vai dizer não a este pedido de prioridade e urgência.
A UDP diz a todos os trabalhadores que só há uma maneira de impedir que esta lei celerada passe e que só há uma maneira de impedir que a Constituição seja, também, adequada à nova realidade que a AD criou, através dos seus ataques às conquistas dos trabalhadores, da via golpista para impor a sua vontade: é a luta firme em todas as empresas, é a luta unida e solidária dos trabalhadores contra todas as unidades antipopulares, é a luta de todos os trabalhadores para impedir, não só, que esta lei seja votada neste Parlamento, mas que ela seja posta em prática. Porque o fundamental é que ela não seja posta em prática. E é isso que os trabalhadores do nosso país querem e já o estão a demonstrar através das lutas que tem desenvolvido, nomeadamente a luta da MOCAR. Antes da própria proposta de lei ser apresentada nesta Assembleia os trabalhadores já lutavam contra ela. Aqueles trabalhadores lutavam para salvaguarda dos direitos dos trabalhadores que esta lei quer pôr em causa definitivamente.
É necessário debater esta lei no seio dos trabalhadores. É necessário discutir os malefícios que esta lei acarreta aos trabalhadores, mas não podemos ficar por aí. É fundamental que os trabalhadores percebam, de uma vez para sempre, que só se podem opor a esta lei pela luta firme. E mais, que essa luta tem de estar directamente apontada ao governo da AD. Tem de ser uma luta que impeça a AD de governar, porque a AD só governa contra o povo, contra os trabalhadores, contra os operários. E tem de ser os operários, através da sua luta forte e unida, que devem impedir a AD de governar, isto é, levar a AD à derrota e à queda do seu governo.
Tem de ser um caminho de unidade, em que todos os trabalhadores do nosso país se congreguem num esforço comum, para que as lutas não sejam isoladas e não possam ser derrotadas e debeladas como até agora tem sido pela actuação demagógica ou repressiva do governo AD através do seu aparelho de Estado. É este o caminho que nós apontamos. É impedir a AD e o seu governo de governar, é impedir que as leis antipopulares sejam postas em prática. Isto tudo, numa grande corrente de luta de todos os trabalhadores, deve congregar-se numa greve que faça tremer este governo e que abra caminhos para o aprofundamento da luta de todos os trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A apresentação da proposta de lei sobre a cessação do contrato individual de trabalho e contrato a prazo não é mais do que a natural consequência lógica das grandes transformações que se operaram na vida portuguesa após o ano de 1975 ano esse em que se iniciou a publicação sucessiva de vários diplomas reguladores dessa matéria.
De então para cá as necessidades da colectividade modificaram-se radicalmente, havendo, actualmente, a exigência gritante e urgente de medidas legislativas adequadas ao contexto social capazes de dar resposta pronta aos desafios sempre renovados de um mundo laboral inserido num contexto económico e político em permanente evolução. Seria absurdo continuarmos a encarar do mesmo modo e com os mesmos remédios legislativos a actual situação, que se pretende liberta de espartilhos impostos a uma situação de excepção.
Na verdade, a fase crítica para a segurança do emprego, motivada pelas profundas alterações de toda a problemática empresarial e pela acesa contestação política das estruturas de produção, exigiu um determinado tipo de medidas restritivas, que, naturalmente, perderam, nos tempos actuais, a sua oportunidade.
Por esse motivo, tornou-se necessário e urgente reformular a legislação em vigor nesta matéria, adaptando-a com realismo ao novo equilíbrio social e às carências de uma sociedade democrática.
Mais que não seja, a próxima adesão à CEE impõe inevitáveis transformações, sob pena de as empresas portuguesas não aguentarem o embate da concorrência e serem irremediavelmente cilindradas por unidades de produção que vivem em regimes legais de linguagem diferente da nossa, e que melhor favorecem tanto as mudanças estruturais como a mais rentável utilização dos recursos e dos meios organizacionais, o que lhes permite uma adaptação constante à dinâmica da lei da oferta e da procura.
É, pois, necessário que alguns institutos sejam rapidamente alterados, de modo que os respectivos regimes se harmonizem com o que é mais comum na generalidade dos países da CEE.
E o Governo, dando cumprimento ao programa da Aliança Democrática, vem com este pedido de prioridade e urgência muito simplesmente tentar cumprir o disposto no artigo 52.º da Constituição, visto ser o orgão privilegiadamente colocado para, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho, acautelando a segurança no emprego e impedindo os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos e ideológicos.
E a proposta assim apresentada tem, claramente, como finalidade a prossecução de tais objectivos, procurando de um modo desinibido libertar a economia de entraves burocratizantes que coarctam o poder de iniciativa e reafirmar a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente a segurança no emprego.
Todavia, não tem sido pequeno o alarido feito à volta das medidas legislativas do Governo em matéria Laboral. Alarido despropositado e demagógico que não

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tem por finalidade a defesa dos trabalhadores, mas sim outros objectivos bem divorciados das suas aspirações.
Pretende-se criar um clima de tensão que facilita a obtenção de inconfessáveis interesses partidários, talvez bem pouco democráticos, atirando-se ao ar com o espantalho da legislação antitrabalhador e, criminosamente, prejudicando-se os próprios trabalhadores com a manutenção de um legislação ultrapassada, que não permite a criação de novos postos de trabalho e não garante a viabilidade dos existentes.
É por essa razão que não posso deixar de protestar e lamentar a demagogia ignóbil de certos sectores políticos que procuram instrumentalizar os trabalhadores para, inconstitucionalmente, atingirem resultados que o sufrágio livre do povo português lhes não permitiu.
Sabemos bem que em nenhum país do mundo democrático existem tantas restrições em matéria laboral como no nosso. Dificilmente esses criadores de fantasmas poderão apontar legislação mais progressiva e que melhor salvaguarde os interesses dos trabalhadores do que a contida neste diploma agora apresentado.
É lamentável, e, porque não, antiportuguês, que se tente impedir por meros e mesquinho interesses políticos de ocasião a criação de um quadro legal que satisfaça os justos anseios dos que ganham a vida com o suor do rosto e permita a desejável recuperação da nossa economia. Pelos vistos, para os novos aprendizes de feiticeiro da política, quanto pior melhor. Para eles não interessa que os trabalhadores portugueses e as gerações vindouras tenham melhores condições de vida e melhorias sensíveis resultantes da distribuição de uma maior riqueza. Interessa, sim, criar obstáculos à administração democraticamente escolhida pelo voto livre da colectividade.
Se a nova legislação proposta pelo Governo tem algum senão, esse será certamente o de ficar aquém das transformações que o País real exige e que o mundo laboral necessita. Estamos ainda agarrados a princípios ultrapassados, decorrentes de esquemas ideológicos que o povo português afastou em claras opções. A colectividade, como um todo, quando escolheu o projecto AD, pretendeu o aumento da produtividade e o combate ao desemprego, confiando nas medidas que o Governo e a maioria escolheriam. Não respeitar essa opção do eleitorado, por comodidade política, seria prestar um mau serviço ao interesse nacional.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: E mais se justifica este pedido de prioridade e urgência quando estamos perante uma crua realidade: a psicose da proibição dos despedimentos, a qual, enquanto dogma a aplicar indiscriminadamente, tem provocado, como refere o insuspeito Le Monde, em artigo de François Reuter, o aumento do desemprego. E esse mal afecta as pequenas empresas de uma maneira significativa, bloqueando as novas admissões e o aumento da produção o que se reflecte de imediato nas importações e, consequentemente, no aumento de défice da balança de pagamentos.
As inovações introduzidas pelo projecto de lei n.º 70/II irão certamente possibilitar às empresas a adaptação a novos condicionalismos, permitindo-lhes, sem quebra de garantia dos actuais postos de trabalho, fomentar a criatividade da sua gestão e o crescimento da oferta de emprego.
Esperamos que muitos pontos desse projecto de lei sejam esclarecidos na discussão na generalidade e na especialidade. Não nos podemos esquecer que e necessário possibilitar a criação de uma nova dinâmica empresarial.
É necessário, de uma vez por todas, quebrar o tabu constituído pelo medo das admissões, bem patente, nos últimos anos, na maneira inacreditável como foram utilizados abusivamente os contratos de trabalho o prazo e no comportamento dos que preferiram libertar-se de mão-de-obra, mesmo à custa do decréscimo de produção.
É necessário que a demagogia desapareça nas críticas à legislação laboral, pois só desse modo se poderão criar os instrumentos necessários a um desejável clima de confiança nos investidores, nos empresários e nos trabalhadores.
É necessário que a legislação laboral seja um veículo de harmonização dos parceiros sociais, possibilitando a gestão eficiente das empresas e afastando o medo instalado em tantos trabalhadores portugueses, devido ao futuro sombrio dos seus postos de trabalho.
Só dessa maneira se afastará definitivamente a utilização abusiva dos contratos a prazo e das horas extraordinárias.
Só desse modo se poderá iniciar a clarificação das situações de manutenção artificial da mão-de-obra excedentária e do subemprego oculto. Só por essa via se poderá acabar com a situação angustiante dos que, pela primeira vez, acorrem ao mercado do emprego.
Só desse modo se poderá acabar com o privilégio injusto dos que não cumprem os seus deveres profissionais, escudados pela impunidade inexplicável do aparelho legal.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Encarar frontalmente estes problemas e não pactuar com os que, apesar da difícil situação económica em que o País se encontra, preferem agarrar-se à legislação fossilizada, pressionando, com a ameaça organizada, a vontade desta Câmara, é, certamente, a actuação política que serve o interesse nacional.

Esta a razão por que o Partido Popular Monárquico não pode deixar de se congratular com a apresentação deste pedido de urgência e prioridade para a proposta de lei apresentada, prova iniludível de que o Governo está a cumprir, firme e corajosamente, o projecto político da Aliança Democrática.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho um problema a pôr à vossa consideração.
Faltam 5 minutos para o termo regimental desta sessão e temos ainda dois oradores inscritos e o Sr. Secretário de Estado certamente também intervirá. A segunda parte da ordem dos trabalhos também ainda não foi abordada e era um direito do PCP fazer a apresentação do seu projecto de lei. Assim, ponho à consideração de VV. Ex.ªs saber se devemos continuar os trabalhos ou se devemos interromper.

Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a nossa opinião, embora abertos às opiniões dos outros

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grupos parlamentares, é de que seria preferível encerrar os trabalhos, e continuar a discussão em curso na sessão que está prevista para amanhã.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nós pronunciamo-nos no mesmo sentido em que o fez o Sr. Deputado Silva Marques. A ordem do dia prossegue, naturalmente, na sessão seguinte.
No que toca à nossa marcação, que era o uso de um direito para ser exercido na reunião de hoje, propomos que, nos termos do Regimento e das praxes parlamentares, a nossa fixação transite para a ordem do dia de amanhã.
Portanto, na ordem do dia de amanhã continuaríamos esta discussão, faríamos a votação e a seguir, propomos nós, seguir-se-ia a fixação da ordem do dia que nós tínhamos feito para hoje.

O Sr. Presidente: - Havendo, portanto, consenso, far-se-á a continuação da agenda de hoje na sessão de amanhã, que terá início às 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD) Américo Abreu Dias.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Chaves Medeiros.
António Fernandes da Fonseca.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques Figueiredo.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José B. Cardoso e Cunha.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Daniel Cunha Dias.
Fernando José Sequeira Roriz.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Luís Figueiredo Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.

Partido Socialista (PS)

Alfredo Pinto da Silva.
António José Vieira de Freitas.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Francisco Mesquita Machado.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Parcídio Summavielle Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João Gomes de Abreu de Lima.
João Lopes Porto.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
Rogério Ferreira Monção Leão.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António da Silva Mota.
Armando Teixeira da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Partido Popular Monárquico (PPM) António de Sousa Lara.

os REDACTORES DE 1.ª CLASSE: Ana Maria Matos da Cruz - José Diogo.

PREÇO DESTE NUMERO 36$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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