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3932 I SÉRIE - NÚMERO 97
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A autonomia que a Assembleia da República vai hoje outorgar às universidades portuguesas responde a uma velha aspiração da comunidade académica; corresponde a uma exigência do desenvolvimento da sociedade, e traduz, finalmente, um preceito constitucional até agora não cumprido, o que permitiria, aliás/detectar uma inconstitucionalidade por omissão:
É verdade que entre os diversos projectos apresentados no seguimento à iniciativa dos socialistas há ainda muitas e significativas diferenças. É também certo que a autonomia a. delinear no fim deste debate pode ter graus muito diversos, tudo dependendo ainda da discussão na especialidade. Mas não há dúvidas de que, pelo menos, uma relativa melhoria pode ser acordada e que um passo importante será dado no sentido do progresso científico e cultural.
A autonomia universitária tem estatuto raro e único .no nosso direito constitucional. É esse estatuto que temos a obrigação de respeitar e traduzir no diploma legislativo de enquadramento.
A Constituição, generosa e justamente descentralizadora, admite explicitamente três autonomias: a das regiões, a das autarquias e a das universidades. Tendo em conta que regiões e autarquias são de natureza obviamente diferente, forçoso nos é verificar que ias universidades é reservado um tratamento específico, especial e singular, não comparável a nenhum outro instituto público, empresa, fundação, administração, ou direcção-geral.
O conjunto de autonomias a outorgar à universidade (administrativa, financeira, pedagógica, científica, patrimonial e disciplinar), assim como os princípios de elaboração do estatuto próprio e de eleição dos órgãos e cargos de governo e gestão, configuram uma realidade única na nossa comunidade. Será talvez o caso limite da descentralização administrativa ou da administração indirecta do Estado. Num ou noutro caso, estamos perante uma situação de excepcional importância constitucional.
Esta realidade única não é um privilégio, pelo que implica de obrigações e de responsabilidade. A autonomia universitária não é apenas um direito, um merecido direito, é também um dever, e um dever grave.
As razões por que se deve outorgar a autonomia às universidades não são o bem-estar dos professores e dos estudantes, nem as regalias dos universitários, nem o estatuto social dos académicos. Essas razões são essencialmente os deveres que as universidades devem cumprir para com a sociedade, as suas funções no desenvolvimento da comunidade e a eficácia com que devem desempenhar o seu papel.
A autonomia universitária é um direito paradoxal, pois traz consigo mais obrigações, mais deveres e mais responsabilidades do que regalias e faculdades.
Permitam-me um lugar-comum: a autonomia universitária não é um fim em si própria, ou antes, não é só um objectivo. É também e sobretudo um instrumento. Primeiro, da liberdade e do espírito crítico, ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!...

O Orador: - ... sem os quais ou não há ciência ou esta não progride. Segundo, do desenvolvimento das ciências, da cultura e da sociedade. Terceiro, da reforma e melhoria das universidades.
Este último ponto merece especial referência. Comi a autonomia pretende-se e espera-se, não a manutenção do que está, não £ preservação estática de carências e defeitos, mas simóima procura mais viva da excelência, uma maior eficácia da instituição, uma superior competição que revele o mérito «a criatividade. Autónomas, as universidades terão de vi ver mais da ciência, da qualidade, da imaginação, do espírito crítico e do seu contributo para a sociedade do que de mundanidades rituais, de privilégios adquiridos, de tenças vitalícias e de desinteresses perpétuos.
Mais ainda: autónomas, as universidades responderão pela sua própria existência, livres de ingerências do poder político, livres das hipotecas da potência económica, livres da ameaça da orientação doutrinária. Doutrina, dinheiro e política: sabemos que são estes três os grandes inimigos da ciência. O século XX é, infelizmente, farto em experiências reveladoras.
Alarguemos os horizontes: a autonomia universitária não se justifica apenas por razões universitárias e científicas. Há também motivos de carácter mais geral, próprios de uma visão do mundo e das sociedades. A autonomia das comunidades, dos agrupamentos humanos, das empresas e das instituições, nos planos local, regional, nacional e internacional, é cada vez mais um factor de liberdade e de humanização. Neste sentido, a autonomia aparece como parceira da autodeterminação e do autogoverno, todos como variantes do que é vulgar designar-se como «cuidar do seu próprio destino». Eis que não é pouco significativo em sociedades complexas, desumanizadas e centralizadas como as sociedades contemporâneas.
Já o disse: estas autonomias devem entender-se como responsabilidades. Quer isto dizer que implicam uma relação permanente e contratual de reciprocidade com todas as instâncias da sociedade, a começar pelo Estado e passando pelo Governo, pelas comunidades e pelos múltiplos interesses organizados. Autónomas, as universidades não terão a possibilidade de se refugiarem, de se transformarem ou de permanecerem feudos independentes ou corporações fechadas. Não é a solidão egoísta que faz viver e sobreviver a universidade moderna numa sociedade aberta, antes será a sua capacidade de cooperação, de empenhamento e de criatividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, ao longo das duas últimas décadas as universidades portuguesas conheceram enormes transformações. De quatro, as universidades públicas passaram a doze. Criaram-se mais seis universidades privadas. Criaram-se institutos e escolas, privadas e públicas, de ensino superior, politécnico e para universitário. A população estudantil mais do que duplicou, enquanto o número de docentes cresceu ainda mais.
Por muito bem que se tenha feito (e há casos de excelência na evolução recente), é indiscutível que muito do que se fez foi-se fazendo ao sabor dos acontecimentos. Não é fácil encontrar os princípios inspiradores desta evolução: nem a justiça social e a igualdade de oportunidades; nem a modernização da gestão; nem a resposta às necessidades da economia e do mercado de trabalho, nem particulares vocações científicas regionais ou nacionais. As universidades foram crescendo e os poderes públicos foram respondendo, em geral tarde e mal, aos problemas que iam surgindo.

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