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4046 I SÉRIE - NÚMERO 99

Comunidades Portuguesas. Consciente de que não é fácil evitar os lugares comuns em ocasiões como esta, é com um sentimento de responsabilidade que, em nome do Grupo Parlamentar Socialista, trago a esta Câmara a evocação desta data e do que ela, para nós, hoje representa.
Num debate ainda recente, na televisão, a propósito do 25 de Abril, alguém, em tom provocatório, teve a ousadia de afirmar que «o País está farto de comemorações» ...
Será talvez verdade para aqueles que nelas apenas vêem a evocação de um passado distante, a repetição cansada de gestos já vistos e palavras já ouvidas, a ritualizacão de uma memória que, fechada sobre si mesma, teima em não querer abrir-se para o futuro.
A essas comemorações também nós dizemos não: também nós estamos cansados de discursos de circunstância; também nós nos não satisfazemos com certas liturgias sem alma; também nós não queremos comemorar de forma passadista e conformada.
O nosso modo de celebrar é outro: para nós, comemorar é projectar o já vivido no que está para vir; é desenhar, com a matéria do que fomos e do que somos, os contornos do que queremos ser; é, numa palavra, evocar o futuro, porque só nele a história passada e presente adquirem perspectiva e ganham o seu sentido mais fundo.
Falamos de futuro com plena consciência de ir contra a corrente. Passada a época da grande fé nas ciências prospectivas, o pensamento actual parece ter abandonado o sonho de um amanhã a construir. Ao discurso sobre o futuro sobrepõe-se, hoje, por vezes levado ao extremo, o discurso revelador da obsessão do fim: «fim da história, fim da filosofia, fim das religiões, fim do cristianismo e da moral [...], fim do sujeito, fim do Ocidente, fim do Édipo, fim da terra, apocalipse now» (são palavras do filósofo francês Jacques Derrida, em 1981).
Não somos, felizmente, dos que se comprazem com esta visão apocalíptica da história, seja ela articulada por intelectuais desiludidos, seja ela, implicitamente, praticada por políticos pragmáticos, corroídos pela vacuidade de um imediatismo estéril.
Para nós, o Portugal de Camões que amanhã se comemora é o Portugal da ousadia e do risco, do rigor técnico e científico posto ao serviço da descoberta de caminhos novos, da congregação das vontades para um desígnio político comum, da cultura simultaneamente endógena e universalista que a si mesma se recria e se celebra.
A nossa cultura seiscentista soube aliar, talvez de forma exemplar, as componentes do saber científico e da instrumentalização técnica; da mobilização das energias colectivas e do respeito pela singularidade de cada um; da afirmação da nossa identidade própria e, ao mesmo tempo, da sua universalização.
Ora não serão estes, precisamente, alguns dos traços a sublinhar, quando reflectimos, neste quase dobrar da década de 80, sobre o horizonte cultural que nos move?
Cada vez mais os universos da ciência e da tecnologia se assumem como pólos aglutinadores de um discurso sobre a vida, sobre o mundo, sobre as coisas.
Ora é sabido que a cultura científica e tecnológica do nosso tempo assenta em noções como inovação, multiplicidade, acaso, indeterminação, ambiguidade, complexidade.
Cabe, pois, perguntar: Está a nossa acção política suficientemente enraizada na cultura deste fim de século, com os riscos e desafios de que ela é portadora? Estamos nós, políticos, preparados para gerir a complexidade dos dados sociais com que nos confrontamos sem sucumbirmos à tentação das simplificações redutoras e, sobretudo, sem perdermos de vista os novos dados que a evolução do mundo traz à nossa reflexão?
Da civilização do material, construída a partir do princípio da energia e assente em modelos físicos, transitamos, hoje, afirmam os cientistas, para uma civilização que se debruça sobre os mecanismos da vida e que tenderá a abrir-se, cada vez mais, à emergência do espírito humano, como forma vertical e superior desta mesma vida.
Perguntamos: Que implicações nos caberá tirar, em termos da organização sócio-política, desta mudança de eixo? Não será ela prenunciadora de uma nova sociedade cultural, mais centrada no homem e nas suas aspirações a um desenvolvimento global, muito para além do simples bem-estar material?
São, talvez, questões aparentemente ociosas, mas que nós, socialistas, consideramos vitais e não nos demitimos de perseguir.
Sabemos que são esses os novos «cabos», as novas «fronteiras», que o futuro nos convida a ultrapassar. Por isso não nos contentamos com a pequena gestão pragmática do quotidiano, que no momento em que se exerce está já ultrapassada. O nosso horizonte político não é só o Portugal de hoje; é também o mundo de amanhã.
Para a construção desse amanhã, tal como para a construção da grande epopeia que Camões celebra, torna-se cada vez mais necessária a mobilização das energias colectivas pelo aproveitamento máximo dos recursos humanos de que dispomos.
É esse, pois, um segundo vector desta nossa comemoração do Dia de Portugal.
Fala-se hoje, nas democracias ocidentais, de crise das representatividades. Também ela é, para nós, socialistas, motivo de aprofundada reflexão.
É que já não é possível o cidadão comum de hoje contentar-se com o respeito formal das vontades delegadas, sobretudo quando esse aparente respeito vem a traduzir-se na omnipotência de uma maioria, arvorada em arauto do sentir e do querer comuns.

Uma voz do PSD: - Outra vez?!

A Oradora: - Para nós, como tantas vezes aqui tem sido dito, a democracia é sempre construção plural, a partir das diferenças que nos distinguem e nos enriquecem.
Os navegadores do passado não foram certamente escolhidos por pensarem todos da mesma maneira ou por pertencerem a um clube de privilegiados. Na empresa em que se lançaram pesaram-se, sem dúvida, as competências, valorizou-se, como não podia deixar de ser, o trabalho de equipa, e só então, em conjunto, se terão decidido as melhores estratégias de acção.
Ora não é isso que, actualmente, se passa na nossa sociedade. O autoritarismo de alguns tende a impor-se como critério único e a consequência é que se torna cada vez mais difícil mobilizar o País para desafios novos.

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