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Quarta-feira, 8 de Abril de 1992 I Série - Número

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA 7 DE ABRIL DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, de requerimentos e das respostas a alguns outros.
O Sr. Presidente enalteceu as figuras do tenente-coronel Salgueiro Maia e do padre Moreira das Neves, recentemente falecidos.
Foi lido e aprovado o voto n.º 19/VI, de pesar pelo falecimento daquele tenente-coronel, apresentado pelo PS, tendo produzido declarações de voto os Srs. Deputados Marques Júnior (PS), Fernando Amaral (PSD) - que referiu também o padre Moreira das Neves -, Lino de Carvalho (PCP), Casimiro Tavares (CDS), Manuel Sérgio (PSN), Mário Tomé e Raul Castro (Indep.) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) proferiu igualmente algumas palavras em memória do Sr. Padre Moreira das Neves.
No final a Câmara guardou um minuto de silêncio pelos ilustres falecidos.
Em debate de urgência sobre a integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu, usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro das Finanças (Braga de Macedo), os Srs. Deputados Ferro Rodrigues (PS), Mário Tomé (Indep.), Octávio Teixeira (PCP), Manuel Sérgio (PSN), Nogueira de Brito (CDS), Raul Castro (Indep.), José Penedos e Helena Torres Marques (PS) e Rui Carp (PSD).
O Sr. Deputado João Rui de Almeida (PS), referindo-se ao Dia Mundial da Saúde, deu conta à Câmara dos problemas com que se debate este sector. Respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Bacelar (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).
O Sr. Deputado Macário Correia (PSD), também a propósito do Dia Mundial da Saúde, teceu várias considerações sobre o tema, tendo respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Cunha (PS).
O Sr. Deputado Manuel Sérgio (PSN) chamou a atenção para os problemas dos idosos.
O Sr. Deputado Vítor Ranita (PCP) referiu-se à situação com que se debate a Fábrica-Escola Irmãos Stephens.
Ordem do dia. - A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de uni Deputado do PSD.
Foram aprovados os n.ºs 33 a 37 do Diário.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.05 7/VI - Estabelece a igualdade de direitos na atribuição das pensões de sobrevivência devidas por acidente de trabalho ou doença profissional (altera a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de I96S), II/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho, 12/VI - Autoriza o Governo a rever o regime legal do contrato de serviço doméstico e 16/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social (Jorge Seabra), os Srs. Deputados Laurentino Dias (PS), Raul Castro (Indep.), Jerónimo de Sousa (PCP), Narana Coissoró (CDS), João Proença (PS), Fernandes Marques e Rui Salvada (PSD), Elisa Damião (PS) e Mário Tomé (Indep.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Bissaia Barreto.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Amónio Barbosa de Melo.
António Barradas Leitão.
António Correia Vairinhos.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gaia da Silva.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Carlos Oliveira da Silva.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Guido Orlando Rodrigues.
Guilherme Rodrigues Silva.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Mana Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mota.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José António Peixoto Lima.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Maios.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Américo Manuel Avelino.
Ana Maria Bettencourt.
António de Almeida Santos.
António José Martins Seguro.
António Marques Júnior.

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António Oliveira Guterres.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Gomes Sá.
Fernando Pereira de Sousa.
Guilherme de Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel Lello Almeida.
José Rodrigues dos Penedos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Maria Celeste Silva Correia.
Maria Julieta Sampaio.
Maria Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Teixeira.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Manuel Garcia Correia.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Vítor Manuel Ranita.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Casimiro da Silva Tavares.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Baptista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um diploma que deu entrada na Mesa e dos requerimentos e respostas.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de resolução n.º 10/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção sobre a Determinação do Estado Responsável pela Análise de Um Pedido de Asilo Apresentado num Estado Membro das Comunidades Europeias, que baixou às 3.ª e 4.ª Comissões.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; a diversos ministérios, formulado pela Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol; ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Rui Vieira, Luís Peixoto e Manuel Sérgio; ao Ministério das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Lourdes Hespanhol; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Guilherme Oliveira Martins e António Braga; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Raul Castro; ao Ministério do Mar, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Joel Hasse Ferreira e Luís Peixoto; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Mário Maciel; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio, e à Radiotelevisão Portuguesa, formulado pelo Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luis Sá, nas sessões de 6, 9 e 23 de Janeiro e 12 de Março; Cerqueira de Oliveira, na sessão de 9 de Dezembro; António Filipe, na sessão de 14 de Janeiro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 17 de Janeiro; Miguel Urbano Rodrigues, na sessão de 21 de Janeiro; Elói Ribeiro, José Silva Costa, Delmar Palas e Fernando Santos Pereira, na sessão de 24 de Janeiro; Isilda Martins, na sessão de 30 de Janeiro; Macário Correia, na sessão de 31 de Janeiro, e, finalmente, Mário Tomé, na sessão de 10 de Março.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar início ao debate de urgência sobre a integração do escudo no mecanismo de laxas de câmbio do sistema monetário europeu (SME), quero informar a Câmara de que deu entrada na Mesa um voto de pesar pelo falecimento do tenente-coronel Salgueiro Maia.
Eu próprio gostaria de lembrar aos Srs. Deputados que, na semana passada, deixaram o número dos vivos dois portugueses muito ilustres - o tenente-coronel Salgueiro Maia e o padre Moreira das Neves.

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Salgueiro Maia fica na história como o fiador, por excelência, da recta intenção do Movimento das Forças Armadas ao decidir-se a pôr termo aos quase 50 anos do regime arcaico e ditatorial que nos oprimia. Sc. o Programa do Movimento das Forças Armadas dizia, por um lado, que «o Movimento age na profunda convicção de que interpreta as aspirações e interesses da esmagadora maioria do povo português e de que a sua acção se justifica plenamente em nome da salvação da Pátria, fazendo uso da força que lhe é conferida pela Nação através dos seus soldados», por outro, comprometia-se perante o povo a «logo que eleitos pela Nação a Assembleia Legislativa e o novo Presidente da República, será dissolvida a Junta de Salvação Nacional e a acção das Forças Armadas será restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional».
Salgueiro Maia, o capitão mais em evidencia na madrugada e no dia 25 de Abril, usou dignamente essa força e cumpriu fielmente essa promessa e foi, por isso, a referencia moral do regresso das Forças Armadas à sua missão própria no regime democrático.
Militar e cidadão do mais fino quilate, assumiu em plenitude o serviço da Pátria e empenhou-se, com coragem e abnegação em devolver aos Portugueses a liberdade c1 o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, conduzindo no terreno forças militares que em dois ou três lances decisivos, garantiram a instauração da democracia em Portugal.
Sem calculismos interesseiros e sem apetites de poder alheio aos sortilégios da política e da popularidade, Salgueiro Maia, cumpridas as missões, voltou sempre ao seio da instituição em nome da qual interveio na cidade. Mas, como é hábito, talvez nenhum dos poderes políticos e militares sucessivamente constituídos tenha honrado condignamente este exemplar, servidor da Pátria e dos ideais democráticos, que foi o símbolo vivo do genuíno. 25 de Abril.
Nas exéquias fúnebres estiveram presentes, por parte, tia Assembleia da República, além de muitos Srs. Deputados, o seu Presidente e o presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, Nacional.
O padre Moreira das Neves distinguiu-se, durante uma, longa vida de labor, de bem fazer e de serviço aos outros como homem de letras e de cultura, como poeta de rara sensibilidade, como ensaísta, jornalista e conferencista, possuidor de enorme riqueza de ideias e de extraordinária clareza de espírito. É de toda á justiça que o seu nome seja lembrado nesta Câmara no momento em que também para ele, soou a hora da despedida definitiva.
Tal como tinha dito há pouco deu entrada na Mesa o voto de pesar n.º 19/VI, pela morte do tenente-coronel Salgueiro Maia, que vai ser lido pelo Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - O voto de pesar, que e apresentado pelo PS, é do seguinte teor:

No dia 3 de Abril de 1992 faleceu, no Hospital Militar de Lisboa, o tenente-coronel Salgueiro Maia, herói da liberdade.
Salgueiro Maia foi um dos «capitães de Abril» que simbolizou os ideais de democracia e liberdade.
Em 25 de Abril de 1974, arriscando a sua carreira militar e a própria vida, ele foi um dos «capitães» que protagonizou a queda da ditadura, com a decisiva e simbólica acção do Largo do Carmo.
Tendo tido um papel de primeiro plano no derrube da ditadura e na construção da democracia, Salgueiro Maia regressou à sua unidade e aí, como muitos outros militares, continuou a ser um dos garantes dos nobres ideais da Revolução dos Cravos.
Não teve vida fácil. A sua rectidão de carácter impedia-o de procurar benesses ou recompensas de qualquer espécie e, por isso mesmo, nos postos secundários que lhe foram confiados, sempre manifestou os seus dotes inexcedíveis de rectidão, competência, liderança e camaradagem.
Salgueiro Maia foi cidadão e militar. Como cidadão, fez da sua vida uma vida de luta pelos ideais da liberdade, da solidariedade, da justiça e da dignidade humana. Como militar, bateu-se por forças armadas dignas e plenamente inseridas na ordem' democrática, de cuja instauração fora obreiro.
A sua morte representa, pois, uma grande perda para os militares de Abril, para as Forças Armadas e para a democracia portuguesa. Os Portugueses não o esquecerão!
A Assembleia da República, reconhecendo a acção digna e corajosa do capitão Salgueiro Maia em 25 de Abril de 1974 e a sua luta permanente em defesa da democracia, da liberdade e da dignidade das Forças Armadas, manifesta o seu profundo pesar pela sua morte e apresenta as condolências à sua família, aos seus amigos e companheiros da Revolução de Abril e às Forças Armadas portuguesas, de que foi servidor e exemplo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de pesar que acabámos de aprovar representa a homenagem que a Assembleia da República presta a um homem que tudo arriscou pelo seu país e pelo seu povo.
Na verdade, ainda jovem e cheio de ideais, tendo como referência valores caros à sua geração (como seja os valores da solidariedade, da justiça social e da dignidade da pessoa humana), Salgueiro Maia, como muitos outros militares, assumiu a responsabilidade de devolver a soberania ao povo português.
O seu ideal, de liberdade foi caldeado, como os da sua geração, na luta contra a ditadura e a guerra colonial, que ele viveu em duas comissões de serviço na consciencialização de que Portugal eslava só no concerto das Nações e de que o povo português linha o direito de tomar nas suas próprias mãos o seu destino.
Salgueiro Maia era um militar e um cidadão exemplar.
Como militar, teve a consciência de que dependia das Forças Armadas a manutenção do regime anterior. Dos capitães de Abril, ele foi um símbolo. Com a sua acção decisiva no Largo do Carmo e quando posteriormente regressou, como tantos outros, à sua unidade, cumprida que estava uma parle da sua missão,- continuou a bater-se por umas forças armadas plenamente inseridas na ordem democrática.

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Como cidadão fez da sua vida uma vida de luta pelos ideais da liberdade e da solidariedade, não desvanecendo mesmo quando as suas forças começaram a fraquejar. Fez questão de continuar ao serviço até há cerca de 15 dias, em condições de grande debilidade física. Nunca ninguém lhe ouviu uma queixa!
Não teve benesses ou recompensas de qualquer espécie e nem a sua reconhecida capacidade e rectidão de carácter o lançaram numa carreira militar valorizada, o que não o impediu de, nos postos secundários que lhe foram confiados, manifestar os seus dotes de competência e camaradagem, o que muito o prestigiou perante superiores e subordinados. Também neste aspecto, o tenente-coronel Salgueiro Maia simboliza o muito daquilo que se passa com os capitães de Abril!
Salgueiro Maia morreu, mas a sua mensagem continuará viva nos seus camaradas de armas e os Portugueses não o esquecerão! É da nossa responsabilidade ajudar a construir o Portugal democrático e solidário para que o 25 de Abril, pelo qual Salgueiro Maia lutou, seja cumprido. É essa a melhor forma de o homenagear!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que a vida dos grandes homens deve sempre ser posta de manifesto aos olhos de toda a gente para que dela se possam tirar as lições da sua vivência e, sobretudo, para que se possam colher os exemplos que hão-de constituir fundamento para a nossa continuada vivência e identidade como povo que somos.
Desses homens a Assembleia da República distingue hoje, numa homenagem justa e oportuna, as figuras de Salgueiro Maia e do padre Moreira das Neves.
São duas personalidades que marcaram sulcos profundos na história da nossa vivência: um na nossa vivência política, outro na nossa vivência da cultura.
O tenente-coronel Salgueiro Maia, que, pela sua heroicidade, lutou pela liberdade e ganhou, ao virar uma página da nossa história, a certeza de abrirmos caminhos para a democracia pluralista que estamos vivendo. Para de vão as nossas homenagens, o sentido profundo da nossa gratidão e, sobretudo, o respeito que lhe devemos pela autenticidade do seu comportamento.
Ao padre Moreira das Neves, pela sua cultura, pelo seu saber como ensaísta, como jornalista e, sobretudo, como orientador que foi de uma das nossas principais emissoras, onde o sentido da dignidade humana sempre se manteve na fasquia mais alta, devemos também o respeito da nossa homenagem.
Por isso, o PSD associa-se de uma forma veemente e sincera ao voto de pesar que o PS aqui apresentou, como manifestação também sincera do quanto devemos aos homens que vão marcando a história que vamos percorrendo.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente: A morte do tenente-coronel Salgueiro Maia, a cujo voto de pesar todos acabámos de associar-nos, não poderia deixar de ser registada nesta Assembleia. Se esta Assembleia existe hoje deve-se a homens como Salgueiro Maia, que, com os seus companheiros de Abril, se empenhou de forma desinteressada e corajosa na Revolução do 25 de Abril.
Os Deputados do Partido Comunista Português foram surpreendidos pelo seu falecimento durante as jornadas parlamentares que estavam a realizar este fim-de-semana e, desde logo, tiveram oportunidade de evocar o seu desaparecimento.
Evocar, hoje como sempre, o papel de Salgueiro Maia é evocar aquele dia 25 de Abril e, em particular, a acção no Terreiro do Paço, porventura decisiva para a vitória da revolução democrática, assim como evocar a acção simbólica, mas também determinante, do Largo do Carmo. Mas é também lembrar que a melhor homenagem que, hoje, podemos prestar a Salgueiro Maia é assegurar que a liberdade e a democracia sejam um facto para sempre adquirido no nosso regime e no nosso país e que o desenvolvimento económico e social e o bem-estar dos Portugueses continuem a ser um objectivo permanente da nossa acção e do nosso trabalho.

Aplausos do PCP, do PS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Tavares.

O Sr. Casimiro Tavares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A morte fez terminar a vida de um homem a quem a liberdade em democracia tanto deve. Puro nos intentos, orgulhoso na sua acção, Salgueiro Maia não se misturou na turbamulta pós-revolucionária. Esquecido ontem talvez, hoje orgulhamo-nos por vermos um dos puros da Revolução de Abril homenageado nesta Assembleia, símbolo da liberdade.
Bem haja, Salgueiro Maia!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Eu subscrevo inteiramente (e com aplauso) tanto as palavras do Sr. Presidente da Assembleia da República como as do comunicado do Partido Socialista e, afinal, as de iodos os oradores que me antecederam, ao mesmo tempo que sublinho a poesia na vida, tanto do tenente-coronel Salgueiro Maia como do monsenhor Moreira das Neves. O homem é um ser auto-poético, ou seja, que a si mesmo se faz, que a si mesmo se constrói. É consolador poder saudar-se pessoas que a si mesmas se fizeram na subordinação a ideais especificamente humanos e declaradamente humanizantes.
Se me permitem, quero saudar ainda nos capitães de Abril a poiesis de uma arma encimada por um cravo ao serviço da liberdade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero associar-me ao voto de pesar do Partido Socialista pela morte de Salgueiro Maia e começar por dizer que também gostaria de tê-lo subscrito.

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O tenente-coronel Salgueiro Maia foi, acima de tudo, um homem de coragem, um homem de espinha direita, um homem que enfrentou todas as questões que a vida lhe colocou com grande dignidade, grande sentido da responsabilidade e grande compreensão dos desafios que a história lhe colocava. A coragem de Salgueiro Maia começou a revelar-se publicamente, ainda durante a guerra colonial, quando ele, comandante de companhia, já a questionava e aos seus soldados insinuava a necessidade da resistência e do fim da guerra. Continuou com o acto heróico do 25 de Abril em que, no Terreiro do Paço e no Carmo, teve um papel decisivo, cumprindo de forma altamente dignificante, para si próprio e para o Movimento dos Capitães, a responsabilidade que a história lhe colocou.
Também não quero deixar de sublinhar o sentido da participação popular que, de imediato, ele introduziu no Movimento dos Capitães, ao perceber que toda aquela gente que se concentrou no Terreiro do Paço era quem iria dar o sinal profundo das transformações do 25 de Abril. Depois há a coragem com que enfrentou uma hierarquia militar que não dignificou devidamente o seu papel nem o que Salgueiro Maia merecia.
Finalmente, quero sublinhar a grande coragem com que enfrentou a doença, desde o primeiro momento, sabendo o que o esperava, sempre de cabeça erguida e sempre sem diminuir o seu empenho e o seu trabalho na lula pela democracia e pela liberdade que todos tanto lhe devemos.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente, associo-me inteiramente ao voto de pesar apresentado pelo Partido Socialista, visto que se trata, ao menos agora, na morte, de prestar justiça ao tenente-coronel Salgueiro Maia.
Mas não podemos esquecer-nos que a morte daquele que foi uma figura exemplar de militar do 25 de Abril tem atrás de si uma vida que, segundo a biografia publicada no Expresso, inclui as notas que passo a citar. Comandou no dia 25 de Abril, no Largo do Carmo, a força militar que obrigou Marcelo Caetano à rendição; dois anos depois da Revolução foi «despachado» para os Açores e colocado na secretaria do quartel-general; em Dezembro de 1979, ó apresentado na direcção da arma de cavalaria e, «à falta de ocupação, aproveitou a oportunidade para estudar e concluir o curso de Ciências Sociais e Políticas», tendo sido nomeado comandante do presídio militar de Santarém. Neste período, nunca a Escola Prática de Cavalaria, a que sempre pertenceu, o convidou para as comemorações do dia da unidade.
Agora que Salgueiro Maia morreu, é estranho que aqueles que com ele tinham uma «conta corrente com saldo fortemente negativo» sejam incapazes de levantar a voz e de se unirem ao coro de elogios que lhe são prestados.
Possa ao menos a Assembleia da República corresponder agora, embora tarde, e ir ao encontro daquilo que é devido à memória de Salgueiro Maia, prestando-lhe a nossa comovida homenagem.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de o meu colega de bancada ter apoiado o voto de pesar apresentado pelo Partido Socialista, é agora (empo de apoiar as palavras de V. Ex.ª sobre a morte de monsenhor Moreira das Neves.
Pároco de aldeia no começo da sua vida eclesiástica, monsenhor Moreira das Neves foi um grande jornalista da sua época e, acima de tudo, foi o biógrafo do cardeal Cerejeira. Por mais distintas que sejam as interpretações da história nesta Câmara, ninguém poderá negar que o cardeal Cerejeira foi um dos grandes bispos da Igreja portuguesa e o seu biógrafo deixou para a posteridade, uma marca indelével da personalidade que descreveu e também a sua própria, devido à mestria com que soube fazê-lo.
A morte de monsenhor Moreira das Neves traz a dor aos que o conheceram e saudade aos que o admiraram, independentemente das suas ideias políticas. Foi um intelectual da época e, além disso, morreu conhecido como amigo dos pobres.
A nossa bancada quer prestar-lhe a devida homenagem e, por isso mesmo, apoiamos as palavras de justiça do Sr. Presidente da Assembleia da República com que quis homenageá-lo do alto da sua cátedra.
(O orador reviu.)

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista Os Verdes, quero associar-me ao voto de pesar pela morte de Salgueiro Maia, aqui apresentado pelo Partido Socialista, e assim referir o nosso sentimento de pesar pela perda de um, dos capitães mais generosos e mais importantes que participaram, no processo libertador, de Portugal. É este o sentido desta minha intervenção que quero deixar-vos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho à Câmara que guardemos um minuto de silêncio pela intenção de ambos os ilustres falecidos.
Neste momento, a Câmara guardou de pé um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos agora passar ao debate de urgência sobre a integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Draga de Macedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A entrada do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu - o SME - tem de ser encarado numa perspectiva de continuidade nacional e comunitária. Constitui o culminar da mudança gradual do regime económico simbolizada pela adesão de Portugal à Comunidade em 1986.

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Esta estratégia gradualista consubstanciou-se numa sucessão de programas de ajustamento a médio prazo, do PCEDED ao QUANTUM.
O Programa Q2, actualmente em vigor, referencia três pilares para 1992/1995: o Orçamento, a concertação social e as políticas estruturais e financeiras.
Através do princípio da não acomodação, os três pilares suo consistentes com a manutenção da laxa de câmbio nominal constante face à medida europeia - o ecu.
De facto, o princípio da não acomodação vinha sendo seguido desde Outubro de 1990 quando a libra entrou na banda larga e foi oficialmente abandonada a desvalorização deslizante do escudo, iniciada em 1977.
Além disso, a inflação apresenta-se numa trajectória claramente decrescente, as taxas de juro estão a baixar e o crescimento da actividade económica e da procura interna está a desacelerar.
As condições para uma adesão bem sucedida ao mecanismo de taxas de câmbio estavam pois presentes na altura em que, com a entrada em vigor do Orçamento, ficaram assentes os três pilares da política económica global.
Os elementos de continuidade comunitária reflectiram-se na preocupação com a estabilidade e viabilidade do sistema monetário europeu como um todo.
A escolha da taxa central histórica de 178,735 escudos por ECU permitiu a manutenção das paridades de todas as outras moedas e a ausência completa de consequências agri-monetárias.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Sr. Jourdain de Molière, que fazia prosa sem saber, o escudo já andava na banda estreita há ano e meio. Tínhamos uma banda estreita escondida com taxas de juro de fora.

Risos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E vai continuar a ter!

O Orador: - Esta decisão histórica de entrar na banda larga do SME não podia ter sido tomada mais cedo nem devia ser tomada mais tarde.

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - Tomá-la mais cedo teria envolvido riscos excessivos, nomeadamente a exigência de medidas de acompanhamento que garantissem a convergência nominal com a media comunitária. Quando se consolidou a queda da inflação, no Verão passado, entrar na banda larga teria sido politicamente perverso, dada a proximidade das eleições.
Após a vitória de 6 de Outubro, sucederam-se o Programa do Governo, o Programa de Convergência Q2, a apresentação do orçamento de investimento e harmonização, a assinatura do acordo de rendimentos e preços para a «desinflação sem dor»...

Risos do PS.

... e, finalmente, a entrada em vigor da Lei n.º 2/92, de 9 de Março. Dada a complexidade dos efeitos de eliminação da taxa zero do imposto sobre o valor acrescentado, leria sido prematuro entrar no SME a 27 de Março, quando o período de tolerância fiscal terminava em l de Abril. Mas a decisão também não devia ser tomada mais tarde do que 3 de Abril. Um país em convergência e na presidência não poder participar decisivamente numa eventual reunião de realinhamento seria contrário aos interesses de Portugal e da Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como na harmonização fiscal comunitária, o Governo «não deixa para amanhã o que pode fazer hoje». Pode e deve corresponder à crescente exigência dos cidadãos por um serviço público mais próximo e de maior qualidade, como defende o Programa do Governo e o Tratado da União Europeia.
Além de ter lugar no momento certo, a adesão tem lugar à taxa certa. Taxa próxima da média do ano e meio passado no período da banda estreita desvalorizada à cautela - de 2,2%, relativamente à taxa do mercado na véspera da adesão.
Considerando a nossa economia em melhor forma do que nós próprios julgaríamos prudente considerar, os nossos parceiros comunitários acharam que essa taxa poderia ameaçar a estabilidade do sistema. A diferença entre a proposta portuguesa e a preferência comunitária, que começou em 4$, foi sendo reduzida a uma taxa média de cerca de $30/h de negociações, de modo a acordar-se, finalmente, numa desvalorização de 1,6%, relativamente à laxa de mercado.
É certo que se trata de uma desvalorização 60 % mais elevada do que a que foi tolerada à Espanha, no período calmo em que a peseta entrou para o SME em Junho de 1989, e que foi de 1 %.
É também certo que uma diferença de 0,6 % - isto é, 2,2 % menos 1,6 % - não tem significado nos cálculos de competitividade das exportações portuguesas.
Resta o simbolismo dos números, que nos teria ajudado na mobilização social à volta dos objectivos económicos. Teremos, pois, de reforçar o nosso esforço de diálogo com os parceiros sociais e os municípios, por fornia a atingir a convergência com a Comunidade Europeia.
Nesse sentido, a decisão de trocar a banda estreita escondida por uma banda larga à vista de todos mostra o mesmo gosto pela verdade do que um Orçamento do Estado que trocou o imposto de inflação escondido pela harmonização visível do IVA.
A transparência e o rigor nas contas públicas são a única forma de o Estado dar o exemplo no objectivo nacional da qualidade de vida que os Portugueses sufragaram há seis meses!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto se limitava a imitar de fora o mecanismo de laxas de câmbio, o escudo estava a comportar-se como uma das moedas não comunitárias que segue o ecu (coroa norueguesa desde 22 de Outubro de 1990, coroa sueca desde 17 de Maio de 1991 e o marco finlandês desde 7 de Junho de 1991), para não falar do xelim austríaco que segue sempre o marco alemão.
Até ontem, o Banco de Portugal tinha um monopólio de intervenção e as autoridades portuguesas nada decidiam nos realinhamentos decididos entre moedas comunitárias. A soberania cambial, por seu turno, já havia sido abandonada em Outubro de 1990. Caso se tivesse verificado uma desvalorização do escudo, estar-se-ia a violar o Programa Q2, que, mais uma vez, se baseia numa taxa de câmbio estável, relativamente ao ecu.
A partir da aprovação do Orçamento, que concretiza, em 1992, o Programa de Convergência Q2 acordado com a Comunidade, os benefícios de entrar na banda larga passaram a superar o custo de fingir que se estava na banda estreita.

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Por isso, aderimos ao SME no momento certo e à taxa certa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As consequências de mais esta decisão de transparência e rigor da política económica global são evidentes nos seus três pilares.
Falhas de execução do Orçamento para 1992 seriam, implacavelmente, punidas pelos mercados, através de um aumento das taxas de juro portuguesas.
Como os tectos das despesas para 1993/1995, incluídos no Q2, são nominais, tornar-se-ão mais apertados caso o objectivo de inflação não seja respeitado.
Isto acontece mesmo que baixem os juros de dívida pública porque o tecto se refere, como sabemos, os despesas sem juros, nomeadamente à massa salarial. Daí que, a par da execução orçamental, seja decisivo o cumprimento do acordo de rendimentos e preços de 15 de Fevereiro de 1992. De tal maneira que, mal acabou o Conselho de Ministros extraordinário, em que foi proposta a adesão ao SME, fomos explicar aos parceiros sociais a decisão, aproveitando uma reunião do Conselho Permanente de Concertação Social oportunamente convocada para a primeira sexta-feira de Abril.
A compreensão revelada pelos parceiros sociais relativamente à decisão do Governo é um bom sinal, dada a responsabilidade que assiste às confederações sindicais e patronais na convergência nominal e real em que todos os portugueses estão empenhados. Do mesmo modo, nem as privatizações nem as outras políticas estruturais e financeiras dispensam a estabilidade cambial agora consagrada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino com a esperança de que a responsabilidade revelada pelos parceiros sociais seja lambem partilhada pelas diversas instâncias do sector público administrativo: a administração central, os fundos e serviços autónomos, a administração local e a segurança social.
É justo realçar, a esse respeito, o trabalho técnico que tem vindo a ser desenvolvido entre o Governo e os representantes dos municípios, no sentido de devolver às instâncias locais competências e responsabilidades. Só assim se conseguirá aproximar o serviço público do cidadão, como manda o Tratado da União Europeia, mas,- mais importante, como mandam as justas-aspirações do povo português.
Se merece um escudo europeu, o contribuinte português também exige uma administração pública financeiramente responsável. O Governo vai continuar a satisfazer essa exigência legítima, para continuar a merecer a confiança dos eleitores.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa a Câmara que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Ferro Rodrigues, Mário Tomé, Octávio Teixeira, Manuel Sérgio, Nogueira de Brito, Raul Castro, José Penedos e Helena Torres Marques. Tem a palavra o Sr. Deputado, Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr: Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o Partido Socialista congratula-se com o facto de o escudo ter aderido ao mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É importante recordar que há mais de dois anos o PS defendeu,...

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - ... pela primeira vez, em Portugal, a necessidade de serem criadas, com urgência, as condições indispensáveis para uma rápida entrada do escudo nesse mecanismo.
Considerámos, então, ser possível e desejável que essa. adesão se desse antes de se realizar a conferência intergovernamental sobre o avanço da união económica e monetária, e, evidentemente antes do arranque da presidência portuguesa das Comunidades.
Essa entrada atempada teria permitido que Portugal tivesse tido um papel mais activo e influente nos debates sobre as condições necessárias ao avanço para a moeda única; teria concedido ao nosso país outra autoridade nas questões europeias, que bem importante teria sido para um maior protagonismo nas discussões sobre a união política e a sua necessária articulação com a criação de condições concretas, efectivas e práticas para o avanço da coesão económica e social, e, teria, certamente, contribuído para melhores condições políticas, de partida, para o exercício da presidência portuguesa.
A entrada do escudo no mecanismo de câmbio do SME no prazo que o PS apontava, há mais de dois anos atrás, leria sido possível se as preocupações anti-inflacionistas tivessem estado presentes na politica- económica prosseguida em 1990,e 1991 e. não meramente enunciadas. Mas o Primeiro-Ministro sacrificou esse objectivo à gestão do calendário eleitoral e ás consequentes necessidades de, após a significativa derrota nas autárquicas, incentivar uma euforia consumista desligada das fraquezas da economia real.
Sr. Ministro das Finanças, a entrada do escudo faz-se num momento em que o processo de desinflação está longe de poder ser considerado irreversível, em que o agravamento do IVA cria novas expectativas de subida de preços e num momento em que, tendo sido véspera de importantes eleições em dois importantes Estados europeus, a natural incerteza nos mercados cambiais não faria prever que o Primeiro-Ministro, adoptasse este momento. Aliás, não seria o momento mais razoável.
Mas o estilo de criação de factos consumados, de que o Primeiro-Ministro é adepto, foi posto em causa logo a seguir e a taxa central de câmbio, em relação ao ecu, que na véspera tinha sido anunciada, leve de ser alterada num sentido que ainda coloca maiores dificuldades às empresas portuguesas produtoras de bens e1 serviços internacionalmente transaccionáveis.
Termino, Sr. Ministro das Finanças, esperando que, ao contrário do que um conhecido economista, não socialista, já afirmou, a entrada do escudo não seja uma mera manifestação de vaidade pessoal do Primeiro-Ministro...

Vozes do PSD: - É vaidoso!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É social-democrata!

O Orador: -... ou o inevitável contraponto a um certo cinzentismo de que a presidência portuguesa começa a dar sinais inequívocos.

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Mas há uma conclusão que se tem de tirar: a adesão do escudo ao mecanismo de câmbios do SME, Sr. Ministro das Finanças, veio tarde e não é seguro que não tenha vindo a más horas. O que pensa disto, Sr. Ministro das Finanças?

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Qual é a pergunta?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, supondo que o Sr. Ministro das Finanças quer responder só no fim, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro (Lis Finanças, a adesão ao sistema monetário europeu era um acto esperado. Compreende-se que o Governo continue a querer dar sinais de, a todo o custo, cumprir a convergência nominal com a Comunidade Europeia, mas é, ou será, cedo para avaliar todos os reflexos desta decisão. No entanto, gostaria de colocar algumas questões ao Sr. Ministro.
Porquê esta entrada do escudo no mecanismo de laxas de câmbio do SME sem que haja uma vontade inequívoca dos parceiros da Comunidade em aprovar o Pacote Delors II, garantindo assim algumas perspectivas financeiras para a coesão económica e social? Não será, ou não terá sido, um mau «tiro negocial»? Que garantias dá o Governo, em lermos de convergência real, de que se mantém a perspectiva de crescimento de um ponto percentual acima da média comunitária? Finalmente, que garantias dá o Governo, continuando esta politica, que, no meu entender, sacrifica o lado real da economia, de que não aderimos ao «sistema europeu de desemprego»?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, contrariamente ao que o Sr. Ministro referiu há pouco, temos para nós que a integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do SME foi feita num momento errado e a uma paridade da laxa de juro inconveniente.
Aliás, os nossos parceiros comunitários no Conselho, que se debruçaram sobre esta questão, não reconheceram que a economia portuguesa estava mais forte do que aquilo que nós próprios julgávamos, o que eles fizeram foi apoiar o Reino Unido na luta que este travou para defender a sua competitividade, designadamente face às divisas portuguesa e espanhola.
No entanto, além de continuarmos a estar dentro da margem de variação permitida pelo mecanismo de laxas de câmbios, vamos também continuar a estar fora do âmbito do nível das taxas de juro.
Até agora, sempre que o Governo se referiu, designadamente o Sr. Primeiro-Ministro, principalmente nesta Câmara, à problemática da adesão do escudo ao mecanismo de, câmbios do SME garantiu e afirmou que só se daria quando estivessem reunidas as condições económicas que permitissem que tal adesão se fizesse sem riscos. Aliás, há 15 dias atrás, o Sr. Governador do Banco de Portugal afirmava admitir que essas condições económicas estivessem reunidas para 1993, de forma que o escudo pudesse aderir ao mecanismo cambial do SME antes do final de 1993, podendo, por conseguinte, utilizar ainda a banda larga dos 6 %.
Neste sentido, a decisão tomada na sexta-feira passada pelo Governo contraria não só as anteriores afirmações do Sr. Primeiro-Ministro como também as perspectivas de há 15 dias do governador do Banco de Portugal, do governador da autoridade monetária portuguesa.
Na verdade, no que se refere à questão das condições, elas eram essencialmente a problemática das taxas de juro e da inflação. Neste momento, não está garantida e assegurada uma baixa sustentada da taxa de inflação, quer porque houve alteração do índice de preços ao consumidor, e é preciso ler em atenção não só essa alteração como os seus efeitos, quer porque ainda não foram sentidos os efeitos reais e práticos das alterações do IVA no índice de preços ao consumidor.
No que respeita às taxas de juro, o que se verifica é que ao longo de 15 meses, desde de Dezembro de 1990 até Março de 1992, as laxas de juro não baixaram mais de 0,6 % e, apesar do decrescimento muito mais acentuado da inflação, as taxas de juro nominais e as taxas de juro reais tem continuado a aumentar. Por conseguinte, não estão minimamente garantidas essas condições.
Aliás, existe ainda uma outra razão para o mau momento da adesão e para a laxa inconveniente que foi aceite: é que o escudo encontra-se manifestamente so-breavaliado, como, aliás, tem vindo a ser reflectido na perda de competitividade da produção portuguesa quer no mercado interno quer no externo.
Neste sentido - e porque esta adesão tem um outro efeito, ou seja, o de sobrecarregar, em termos de instrumento macroeconómico, a política salarial e a política de emprego para defender a economia portuguesa dos efeitos dos choques externos -, gostaria de colocar a seguinte questão ao Sr. Ministro: o que é que pesou mais na decisão do Governo em aderir, neste momento, ao mecanismo das laxas de câmbio do SME? Foi a tentativa de pressionar ainda mais os salários, porque, devido à lula que os trabalhadores tem conduzido, as negociações salariais tem ultrapassado os tectos que tentaram impor através do chamado «acordo de concertação social», ou foi a tentativa de criar um facto político para desviar as atenções da contestação social que se verifica no País e dos fracassos que a presidência portuguesa tem assumido e registado, nomeadamente em lermos do Pacote Delors II e da reforma da PAC.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Gostaria de anunciar à Câmara a presença de vários grupos de alunos que aqui vieram hoje presenciar os trabalhos do Parlamento e que representam o Jardim-Escola João de Deus, de Coimbra, a Escola Secundária do Fogueteiro, o INA, de Macau, a Escola Secundária de Rio Maior, a Escola Secundária de Gil Vicente, de Lisboa, a Escola Primária do Algueirão, de Sintra, a Escola Secundária de Quarteira e a Escola de Manuel Teixeira Gomes, de Portimão.
As nossas saudações para eles.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

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O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a integração do escudo no SME, decidida pelo Governo, suscita ao PSN, entre outros, os seguintes comentários: a conjuntura internacional em que tal decisão e tomada caracteriza-se por uma inquietante fluido que toma qualquer cenário de futuro pouco mais do que uma volátil formulação.
Eu questiono: a decisão agora tomada tem contornos do mais puro voluntarismo político, já que não ocorre como corolário lógico e natural de ocorrências, de condições técnicas propícias (redução da taxa de inflação, etc.), mas constitui-se, ela própria, como imperativo antecipativo dessas mesmas condições?
Ora, não e líquido que continue a desaceleração da inflação que motivou a oportunidade da decisão.
Mas, como haverá que garantir as condições técnicas de fiabilidade do escudo no seio do SME, o perigo reside justamente na tentação da acentuação da referida lógica voluntarista, impondo artificialmente uma determinada taxa de inflação, porventura, à custa das faixas mais desvalidas da nossa sociedade, nomeadamente dos reformados e pensionistas.
A integração do escudo no SME, enquanto decisão política, e perfeitamente inatacável, já que se torna indispensável em ordem quer à união política quer à união económica e monetária.
O que preocupa o PSN, neste momento, e a eventualidade de no futuro virem a ser os mais carenciados a pagar os custos sociais da manutenção artificial da* condições, técnicas de fiabilidade do escudo no seio do sistema monetário europeu.
O PSN deixa aqui o alerta que pode desdobrar-se numa série de questões!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª, a propósito da não aceitação da laxa proposta por Portugal e da respectiva substituição por uma laxa mais baixa, disse que essa atitude se devia, ou teria ficado a dever-se, fundamentalmente, a uma apreciação optimista, mais optimista do que a do Governo, sobre a evolução recente da economia portuguesa.
Pergunto se tal atitude e tal resposta negativa terá, por acaso, ficado também a dever-se a uma apreciação menos optimista sobre a evolução da nossa inflação e sobre as suas repercussões em matéria de laxas de juro. É evidente que as laxas de juro alias põem em causa o funcionamento do sistema.
E pergunto também se, conhecidas como são as suas preferencias pelas antecipações de vigência, não estará o Sr. Ministro disposto a antecipar a liberdade de importação de capitais como forma de conseguir a descida sustentada e coerente das laxas de juro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a presença constante do Sr. Primeiro-Ministro nas conferencias de imprensa em que o Governo anunciou a sua posição sobre a integração do escudo no SME radicou em mim a ideia de que seria o Sr. Primeiro-Ministro quem hoje viria também aqui à Assembleia da República assumir, tal como fez em público, a responsabilidade por esta adesão.
No entanto, tal não se verifica e, afinal, e V. Ex.ª, Sr. Ministro das Finanças, que não esteve presente em nenhuma conferencia de imprensa, quem hoje vem à Assembleia da República. Não está em causa a legitimidade da presença aqui de V. Ex.ª, mas não posso deixar de manifestar a minha estranheza em façe da ausência do Sr. Primeiro-Ministro.
De qualquer forma, gostaria que se pronunciasse sobre algumas questões, pelo que começo por dizer que, em meu entender, a integração do escudo apresenta diversos custos, um deles, naturalmente a prazo, é prejudicial para as exportações.
Por outro lado, as. taxas de juro reais - e sublinho reais - serão elevadas, dificultando as condições de vida dos consumidores e dos empresários nacionais. Naturalmente, quando se fala de consumidores, fala-se, em especial, nas camadas mais desfavorecidas da população, incluindo trabalhadores e outras camadas sociais.
Para além disto, é previsível que os indicadores das falências e do desemprego vão aumentar com a integração do escudo.
Por último, Sr. Ministro, penso que era útil ouvir o seu comentário sobre as considerações da autoria de um economista que, hoje; num jornal diário, se referia assim à adesão de Portugal ao SME: «A partir de agora o Governo perdeu a soberania sobre a política monetária, pois fica impedido de estimular a economia através da redução das laxas de juro ou da depreciação do escudo. Quem comandará a subida ou a descida das taxas de juro no nosso país será a Alemanha?»
Era para estas questões que agradecia as suas respostas, Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª disse que a data estava certa, a taxa estava certa, a banda estava certa. Aparentemente está tudo certo, exactamente como quando aqui discutimos o Orçamento do Estado e V. Ex.ª falou no agravamento da carga fiscal em lermos de harmonização. Está tudo certo para V. Ex.ª, menos talvez o acento que povoou de «ecos» esta Assembleia. É compreensível talvez a incomodidade do Sr. Ministro das Finanças em chamar o escudo comunitário pelo nome, mas seria útil que não surgissem confusões na Câmara sobre este acento.
Além disso, suponho que o Sr. Ministro fez da sua intervenção um acento triste. Suponho que esse acento triste tem a ver com o facto de não partilhar inteiramente a opinião em termos do tempo em que a decisão é tomada. Trata-se de uma presunção minha: o Sr. Ministro das Finanças não está de acordo com o Sr. Primeiro-Ministro quanto à escolha da presidência portuguesa das Comunidades como meio para declarar a adesão do escudo ao SME. Suponho que a presidência portuguesa andava carenciada disto mesmo, ou seja, andava carenciada de um facto político relevante.
Mas já agora aqui fica a pergunta: o Sr. Ministro não considera que, dada a rigidez que atingiu a evolução da libra no SME, nos arriscamos a sofrer as consequências do ultimato da Inglaterra 100 anos depois?

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Duarte Lima (PSD): - A Inglaterra ainda não tinha percebido isso!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, seguidamente irei fazer uma intervenção onde exporei os pontos de vista globais do PS sobre esta matéria, mas gostaria agora de lhe colocar três questões muito concretas.
Primeira questão: por que razão a Inglaterra, quando aderiu ao mecanismo da taxa de câmbios, fixou a respectiva paridade para a libra e Portugal não foi capaz, de fazer o mesmo para o escudo?
Segunda questão- por que é que o Sr. Ministro diz que não e importante a diferença do valor de paridade fixado na reunião que se realizou no sábado para a paridade com o ecu e, no entanto, foram precisas sete horas para chegar a tal conclusão? Dado que hoje a paridade entre o escudo e o ecu é de 174,8, gostaria que o Sr. Ministro me dissesse que consequências prevê, desta alteração, em relação aos 180$, para a economia portuguesa.
Terceira questão: a taxa de inflação baixou até agora, mas, com o IVA a entrar em vigor no final de Março e em pleno em Abril, é natural que a taxa de inflação deixe de ler este comportamento desejável e que, na sua perspectiva, permitia neste momento a adesão do escudo ao mecanismo da taxa de câmbios. Qual e, então, a sua perspectiva para a evolução da inflação, Sr. Ministro?

O Sr. Presidente: - Embora o Sr. Ministro das Finanças disponha apenas de aproximadamente seis minutos para responder, poderá utilizar os quinze minutos regulamentares cedidos pelo PSD.
Portanto, para responder às questões formuladas, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Começo por agradecer as questões que me foram colocadas e, como vai sendo hábito, dividirei as perguntas de maneira a agrupá-las em 12 respostas.
Primeira questão: quanto à ausência do Sr. Primeiro-Ministro, talvez esteja enganado, mas também não vejo aqui os líderes parlamentares Talvez para eles as questões monetárias sejam de somenos na tradição de privilegiar os aspectos de política menos susceptíveis de impacte comunitário e, realmente, a nota principal da intervenção do Governo foi precisamente a continuidade nacional e comunitária desta medida.
Em face disto, penso que é um pouco estranho fazer esse comentário.
O segundo ponto tem a ver com uma pergunta concreta do Sr. Deputado Nogueira de Brito, aliás bem colocada, sobre qual é a intenção do Governo e do Banco de Portugal acerca das restrições às entradas de capitais, agora que entrámos no mecanismo de taxa de câmbio. Ora, é evidente que a maior tranquilidade quanto à evolução do escudo permite um grau de liberdade adicional nessa matéria, grau esse que foi usado alguns dias antes da adesão, quando se diminuiu o depósito obrigatório de 40 % para 30 %.
Em relação à questão do momento da adesão, pelas razões que apresentei, era evidentemente o momento certo. Tê-lo feito antes era prematuro, leviano e voluntarista, pois o processo de convergência não estava assente, em virtude de o Orçamento do Estado não estar em vigor Por conseguinte, era natural que os nossos parceiros nos interrogassem sobre esta matéria.
Olhando para o gráfico da inflação vemos que o início da trajectória descendente começou precisamente no Verão passado, e seria, de facto, insólito aderir ao S ME antes do Verão passado.
Por outro lado, e pelas razões que referi, fazê-lo nas vésperas de eleições seria politicamente insólito
Assim, é muito estranho que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues ache que se poderia ter adendo há dois anos atrás - quando a inflação estava estabilizada, na melhor das hipóteses, ou ainda com uma tendência para subir -, mas que e prematuro fazê-lo agora.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi isso que disse!

O Orador: - De facto, há aqui um salto lógico a que o Sr. Deputado Ferro Rodrigues nos habituou, mas, em iodo o caso, não deixaria de o relevar perante iodos os Srs. Deputados.
Passemos agora à questão da irreversibilidade do processo anti-inflacionista Trata-se, evidentemente, de algo que depende das condições mediante as quais entrámos e não há dúvida de que a ponderação que o Governo fez entre a ajuda à luta anti-inflacionista, por um lado, e o apoio à convergência real, por outro, foi ligeiríssimamente alterada em favor da luta anti-inflacionista.
Ora, isto só tem uma explicação para os nossos parceiros comunitários não era tão necessário o grau de manobra que a taxa de 180$ por ecu nos proporcionava, como aquele que efectivamente acabou por se definir Os argumentos estão explicados no comunicado final do Conselho de Ministros: «é o perigo do sistema como um lodo que, evidentemente, nos afecta a nós que fazemos parte dessa decisão». Isto é que é a soberania na Europa comunitária - o participar nas decisões conjuntas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi o que fizemos ao longo de quase nove horas de negociações, porque no início estávamos para entrar à taxa de mercado e depois dissemos «Mas por que é que há-de ser à taxa de mercado? Só porque a Inglaterra entrou à taxa de mercado não é razão!»
Tostão a tostão, lá se foi argumentando, mas o argumento era sempre: «Vocês têm margem, porque estão mais t orles, e nós não temos margem, porque o sistema está ameaçado.» Isto não foi dito só pela Inglaterra, mas também por outros países. Assim, foi o interesse do sistema que Portugal, obviamente, reconheceu e continuará a reconhecer sempre.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma outra questão de ordem técnica e a do IVA. Aprendemos na escola, e é importante lembrar aqui, que se houver algum efeito do IVA nos preços - e haverá, seguramente - é no nível dos mesmos e não na sua taxa de variação. É importante não confundir distância com velocidade, que é a distância por unidade de tempo. A inflação é como a velocidade e os preços são como a distância. Importa não confundir esta questão e nós, naturalmente, não a confundimos.

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Por isso mesmo, não nos preocupámos com isto, mas considerámos, isso sim, que o momento do entrar seria antes desse efeito pontual nos preços ter lugar e não -, depois, porque, mais uma vez, esse efeito introduz «ruído» na medida de inflação, mas não aumenta a inflação subjacente.
A questão do optimismo, que foi levantada por vários dos Srs. Deputados, e a de não termos apoiado a nossa mais velha aliada, que de apoio bem precisava,...

Risos do PSD.

... é efectivamente uma questão à qual voltarei em último lugar, porque, segundo me parece, levanta aspectos de ordem histórica que têm algum interesse.
Queria reagir - mas com alguma firmeza, porque, de facto, as afirmações que foram feitas não correspondem à verdade - à questão da interpretação da sobreavaliação do escudo.
Em primeiro lugar, a sobreavaliação do escudo é algo que e normal e esperado numa economia em crescimento. Trata-se de uma forma de Portugal ter um nível de vida mais elevado, medido em moeda estrangeira - em ecu -, do que aquele que teria com uma depreciação real, como a que correspondia à política inaugurada em 1977, caracterizada por uma desvalorização fortíssima, e que se manteve até 1986 - foram os 10 anos em que vivemos sob a batuta do Fundo Monetário Internacional. Srs. Deputados, Sr. Presidente, quão distantes estão esses tempos!
Assim, observa-se que, apesar da sobreavaliação real, Portugal não tem perdido quotas de mercado a não ser nos mercados que estão em recessão.
Por conseguinte, a razão não e a sobreavaliação. Isto porque uma economia que recebe investimento estrangeiro e que recebe transferências - como é o caso dos fundos estruturais-deve ter uma certa sobreavaliação em termos reais. Aí não existe preocupação, ao contrário do que aconteceria se a economia portuguesa não estivesse a responder em termos de quotas de mercado. Mas está!
Assim, verifica-se unanimidade entre os economistas relativamente a esta decisão, à excepção de um economista que, ultimamente, tem «virado» psicanalista - não me ocorre agora o nome, más vive nos arredores de Lisboa - e interpreta as coisas mais em termos psicanalíticos do que técnicos. Admitimos que alguns esclarecimentos adicionais poderão levá-lo, em tempo, a compreender que a medida foi tomada no momento certo e à taxa certa. Em relação às interpretações psicanalíticas, confesso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que não estou tecnicamente equipado para lhes responder.

Risos e aplausos do PSD.

Passemos à questão da sobrecarga salarial e do emprego. Falar desta questão, quando o acordo de rendimentos e preços permite um aumento dos salários reais ao longo do ano, de cerca de 1,75 %, e uma ironia trágica. É que, Srs. Deputados, não há muitos casos na Europa comunitária em que isso aconteça. Admitamos que desses 1,75% alguma coisa seja «comida» pelo aumento dos; impostos indirectos ou pelo seu efeito nos preços, mas temos as nossas contas todas feitas.
Não há dúvida nenhuma de que essa sobrecarga salarial .. só se verificará se, efectivamente, os sindicatos não, compreenderem que estamos agora num regime em, que a inflação não pode ser tolerada, ou se as empresas, não compreenderem que não podem obter uma competitividade à custa do aumento dos preços, pois isso será negado pelo princípio da não acomodação e pela fixidez da taxa cambial. Daí o nosso empenho imediato em dar uma explicação, sobre esta questão aos parceiros sociais que foi muito bem acolhida - aliás, está ali uma testemunha que poderá dizê-lo, se assim o entender. Tratou-se de uma explicação muito clara, com o auxílio de alguns dos gráficos que foram hoje distribuídos, e que foi apresentada durante três horas aos parceiros sociais.
Vamos agora abordar um ponto, também ele, de ordem técnica. Todas as opções que o Governo tem tomado são opções arriscadas, são riscos calculados que se baseiam na vitória eleitoral, no Programa do Governo, no apoio que temos tido nesta Câmara, e que envolvem a comparação entre custos e benefícios.
Ate ao dia 3 de Abril, a primeira sexta-feira a seguir à entrada em, vigor plena do orçamento do mercado único, os custos da entrada eram superiores aos benefícios, porque, mais uma vez, não estavam no lugar os pilares que concretizavam o programa de convergência e arriscávamo-nos a cair na situação de bater à porta e dizerem-nos:, «Não, não! Os senhores não estão prontos!» Nessas condições, a delegação voltaria, naturalmente, cabisbaixa, talvez para grande gáudio dos Srs. Deputados da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No fundo, seria irresponsável que um país que está na presidência da Comunidade Europeia e que participou no programa de convergência realizado durante a presidência holandesa, pedisse, agora, para entrar sem ter as condições necessárias - por isso, esse ponto foi decidido em cinco minutos, Srs. Deputados. Temos as condições necessárias, pois está em vigor o programa de convergência, foi realizado o acordo de concertação social -, as privatizações estão em marcha e o Orçamento do. Estado está em vigor, diria, em pleno vigor.
Assim, a partir do dia 3 de Abril os benefícios passaram a ser mais elevados do que os custos e, portanto, aderimos. Foi previsível, como disse um Sr. Deputado, e eu concordo. De facto, é verdade! Era óbvio que a partir desse momento podíamos entrar- e entrámos!
Voltando à questão da inflação e do IVA, os nossos estudos - que serão publicados em breve e distribuídos gratuitamente aos Srs. Deputados.

Protestos, do PS.

....demonstram que a inflação e um imposto mais regressivo do que o IVA.
Srs. Deputados, vou abordar os dois últimos pomos muito rapidamente.
A soberania monetária é uma ilusão e já a tínhamos perdido no momento em que nos empenhámos, da forma . como p fizemos, na politica de uma taxa de câmbio fixa. Só que, nesse momento, tínhamos apenas as desvantagens pois estávamos ainda a criar as condições da convergência. Esta foi a nossa situação típica.
A seguir aos anos 30, altura em que aderimos ao padrão, esterlino e, de uma forma explícita, em 1931, passámos 60 anos sob a batuta da libra esterlina. Depois, a seguir à Guerra, tivemos um período de cerca de 30 anos em que vigorava o padrão dólar e, também aí, com uma taxa completamento fixa. Entre 1977 - a primeira grande desvalorização de um governo democrático - e 1986,

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vivemos durante cerca de 10 anos no padrão do FMI, ou seja, desvalorizávamos quando nos diziam para desvalorizar. Ora, esta situação era muito pior do que o ultimato inglês!
Por isso é que, mais uma vez, tenho, sem dúvida, uma grande dificuldade em comunicar e, se dei a ideia de estar triste, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não podia estar mais alegre.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ferro Rodrigues pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Para defesa da consideração pessoal. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, é que uma desatenção do Sr. Ministro das Finanças, que aliás não foi a única hoje à tarde, levou-o a confundir a ausência do líder do PS nesta sessão, por motivos que são públicos, com a ausência do líder desta bancada; com a mesma desatenção o Sr. Ministro não prestou a devida atenção àquilo que lhe perguntei.
Ora, eu disse que há dois anos e meio o Partido Socialista tinha defendido que era possível desenvolver uma política económica que servisse o País, que combatesse a inflação e que permitisse que o escudo entrasse no mecanismo de câmbios do sistema monetário europeu antes das conferências intergovernamentais. Nunca disse que o Partido Socialista havia defendido a entrada imediata, há dois anos e meio, do escudo no mecanismo de câmbios do sistema monetário europeu. Esta foi mais uma desatenção do Sr. Ministro das Finanças.
Além disso, a forma como colocou a questão em termos pessoais - devo dizer que já não e a primeira vez que isso acontece - mostra que faz parte dos seus hábitos os ataques pessoais a quem fala da parte da oposição.
No entanto, julgo que mais tarde ou mais cedo o Sr. Ministro das Finanças vai perceber que esta e uma câmara política e que não tem que avaliar do mérito pedagógico das perguntas que lhe são feitas, porque está aqui, sim, é para responder às questões que lhe são colocadas.
Já agora aproveito para lhe dizer, Sr. Ministro das Finanças, que V. Ex.ª mio distribui nada gratuitamente, porque aquilo que distribui é pago com o dinheiro dos impostos, com o dinheiro dos contribuintes.

Aplausos do PS.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, responderei apenas à questão da gratuitidade das distribuições porque me parece que essa questão é de uma certa importância e não gostaria de ficar calado. É que, como temos que zelar pelo dinheiro dos contribuintes, temos de ser transparentes, e como as coisas tem o seu preço consideramos que esse preço deve ser pago.
Portanto, a excepção deve ser um pagamento; só que, precisamente porque temos o maior respeito por esta Câmara e pelo seu carácter político que julgamos compreender, pensamos que não e monopólio do Sr. Deputado que acabou de falar essa consciência, pois ate temos dela uma ideia muita aguda, já que fomos eleitos para esta Câmara e estamos perfeitamente conscientes desse carácter político.
No entanto, se isto foi entendido como uma falta de respeito à Câmara lamento-o verdadeiramente, porque acho que há aqui uma dificuldade de comunicação que explica o facto de nem sempre ser possível ao Ministro das Finanças compreender as perguntas. Ora, quando não se compreende, o Ministro das Finanças opta por ou não responder ou responder à pergunta que ele acha, na sua boa fé política e técnica, que deveria ler sido feita.
Se errei, tentarei fazer melhor da próxima vez porque, mais uma vez, as minhas intenções e as do Governo são puras e nós queremos esclarecer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Penedos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Penedos (PS): Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro das Finanças tem de voltar a reler a história do século XIX e a integrar o ultimato inglês. Como não tenho tempo para, em defesa da consideração, lhe dizer algumas coisas, remeto-o para o comportamento do Banco de Portugal, ontem mesmo, para compreender o significado da rigidez da evolução da libra no SME e aquilo que considerei que era uma vingança inglesa 100 anos depois.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, não quero abusar da paciência dos Srs. Deputados, mas penso que esta é uma questão de elevadíssimo coturno. Todos nos lembramos do ultimato inglês de 1890, indiscutivelmente todos nos lembramos do que isso representou - teve origem na Argentina, houve problemas com o Brasil, etc.
Tinha até preparado - confesso isto ao Sr. Deputado - uma longa exposição histórica e até escrevi isso no livro de estudos em honra do Prof. Teixeira Ribeiro, nosso querido amigo, Sr. Presidente, mas depois calei porque achei que a Câmara talvez estivesse mais interessada no futuro e aí eu dir-lhe-ei, Sr. Deputado, na Comissão ou em qualquer outro lugar, que o paralelo com 1890 é nulo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A decisão do Governo de, neste momento, integrar o escudo no mecanismo de taxas de câmbio (MTC) do sistema monetário

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europeu (SME) não favorece o desenvolvimento e o futuro dos sectores e empresas produtivas do País.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É melhor esperar um pouco, porque os membros do Governo não estão a ouvir! Há Deputados que estão a despacho com eles!...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Ministro das Finanças está a ouvir!

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Peço atenção para o orador que está no uso da palavra.

O Orador: - Não e compreensível, na perspectiva do interesse geral da economia portuguesa, que o Governo decida a participação do escudo no MTC num momento em que, por um lado, o escudo se encontra sobreavaliado em relação à generalidade das restantes moedas comunitárias - por efeito da política cambial prosseguida com o único objectivo de reduzir a inflação - e, como seu efeito, as empresas portuguesas lerem vindo a perder quotas nos mercados nacional e internacional, nem no momento em que, por outro, não estão asseguradas as condições previas de convergência nominal sustentada, quer no âmbito dos níveis de inflação quer no que concerne às taxas de juro.
As eventuais vantagens da integração do escudo no MTC - que, aliás, o próprio Governo reduz à estabilidade cambial e às expectativas dos agentes económicos - são manifestamente inferiores aos inconvenientes resultantes da perda de flexibilidade e autonomia na condução da política macroeconómica, e em especial nas políticas monetária e cambial, em termos de menor crescimento económico e de maiores custos de ajustamentos a choques externos reais.
É inevitável que a intensificação da concorrência associada ao mercado único de 1993 vai acentuar as múltiplas fraquezas estruturais da economia portuguesa e exigir ajustamentos na esfera real da economia que, por uma política errada do Governo, não foram feitos durante os últimos anos. Tais ajustamentos serão tanto mais difíceis de realizar e terão tanto mais custos económicos e sociais, quanto menor for a possibilidade de utilização da taxa câmbio como instrumento da política macroeconómica.
Acresce que a maior rapidez na convergência nominal, para sustentar a permanência do escudo nos limites do mecanismo cambial, tende a travar o processo de convergência real que só e 'possível com um crescimento económico forte capaz de reduzir o diferencial de desenvolvimento económico e social entre Portugal e os restantes países comunitários. No mínimo, é extremamente duvidoso que esta entrada precipitada do escudo seja compatível com um crescimento rápido da economia portuguesa e com o assegurar da competitividade das empresas portuguesas. Como, aliás, o próprio Primeiro-Ministro o reconheceu ao afirmar que as empresas portuguesas que, a partir de agora, «não conseguirem baixar os preços perderão competitividade nos mercados nacionais e nos mercados internacionais» e, portanto, terão de falir, aumentando o desemprego.
Por outro lado, e ao contrário do afirmado pelo Governo, não é verdade que a adesão ao mecanismo de laxas de câmbio implique uma descida automática das taxas de juro, reduzindo os custos das empresas. Diversamente, a prévia baixa das taxas de juro deveria ser um dos pressupostos básicos para a tomada da decisão. Porque, ao aceitar a perda de autonomia da política monetária, o Governo obriga que essa política passe a ter como único objectivo a paridade cambial, passando o nível das laxas de juro a ser uma mera variável e não já um objectivo em si mesmo. Mas a perda da política monetário-cambial como instrumento de política macroeconómica tem outro grande e gravoso efeito: o de fazer recair, de forma redobrada, o custo dos ajustamentos da economia sobre os salários e o emprego.
Em suma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a decisão do Governo de integrar, neste momento, o escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu cria novas, dificuldades e riscos para a economia portuguesa. Como se verificaram, por exemplo, na Irlanda, que sofreu uma violenta perda de competitividade em resultado da adopção da política de «moeda forte» com efeitos manifestos no aumento do desemprego. E como se verifica, actualmente, com o Reino Unido, que, para assegurar a paridade da libra nos limites que lhe são impostos pelo sistema monetário europeu, não consegue baixar as taxas de juro para relançar a sua economia e tentar sair da crise em que se atolou.
É uma decisão precipitada, na linha das precipitações que o Governo teve ao antecipar a liberalização das entradas de capitais externos (que posteriormente obrigou o Banco de Portugal a tomar medidas administrativas para dificultar essas mesmas entradas), e ao aplicar as novas taxas do IVA no dia 24 de Março, lançando a confusão e criando dificuldades às empresas portuguesas - decisão que só é passível de ser tomada por quem desconhece totalmente como funcionam as empresas produtivas e comerciais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma decisão cuja precipitação não assenta em razões de racionalidade económica, que contraria a aparente ponderação com que o Governo até agora sempre se referia ao momento da integração do escudo no mecanismo cambial do SME e antecipa em cerca de um ano as mais recentes perspectivas do governador do Banco de Portugal. É, afinal, uma precipitação que parece dar razão aos que encontram como explicação para a decisão o intuito do Governo de criar um «facto político» que esconda o fracasso da presidência portuguesa das Comunidades Europeias. É uma medida que se integra na chamada «política espectáculo», para desviar a atenção dos reais problemas da economia portuguesa face à onda de contestação social à política do Governo e para iludir o impasse em que caíram as negociações relativas ao Pacote Delors II e à reforma da PAC.
Mas é, ainda, uma decisão através da qual o Governo pretende pressionar mais fortemente os níveis de actualizações salariais dos trabalhadores portugueses, já que estes, pela sua luta, tem vindo a romper os tectos que lhes quiseram impor com o chamado «acordo social». É, por isso, uma decisão que merece a nossa mais severa crítica.

Aplausos do PCP.

O Sr; Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

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O Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PS congratula-se com a entrada do escudo no mecanismo de taxa de câmbios do sistema monetário europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Somos contra a Europa a duas velocidades e a entrada da libra neste sistema, em Outubro de 1990, deixara-nos na posição de isolamento incómodo e pouco lisonjeiro de termos como companhia apenas a Grécia.
Na minha perspectiva, tinha sido nessa altura - quando a libra aderiu - que Portugal devia ter-se decidido pela entrada do escudo no SME. O rigor que tal medida exigiria, em termos de controlo da inflação, a descida das taxas de juro e de uma política orçamental que leria sido da maior vantagem para a economia portuguesa. E não foi por acaso que o valor do ecu que o Comité Monetário acabou por aceitar não foi os 180$ propostos pelo Primeiro-Ministro, mas o valor que o escudo tinha precisamente na altura em que a libra aderiu ao SME.
Se assim tivéssemos actuado, as taxas de juro teriam há muito baixado, com os benefícios evidentes para a economia nacional, e a reestruturação e modernização da agricultura e da indústria não poderiam ter sido adiadas.
Mas não! O Governo, que gosta de se auto-intitular de rigor, preferiu deixar sobreaquecer a economia, fugir à inflação, aumentar as taxas de juro para valores que o próprio Sr. Franz Andriesen, Vice-Presidente da Comissão Europeia, não deixou de considerar proibitivos.
Mas era preciso deixar o consumo aumentar para assim garantir a vitória eleitoral. Por isso, os famosos quadros de ajustamento da economia portuguesa - os QUANTUM - são meros exercícios para teóricos consumirem e Bruxelas ver. Quem não se recorda do QUANTUM I de Miguel Beleza e o rigor que ele iria trazer à economia portuguesa em 1991? Só que o tempo veio mostrar que este plano não passava de mera ficção, mais longe da realidade do que um filme de Spielberg.
Se não vejamos!
O Governo previa que o consumo público crescesse, mas, como havia eleições, cresceu o triplo. O Governo previa que o consumo privado crescesse, mas havia eleições, cresceu o dobro. O Governo previa que as importações crescessem, mas havia eleições e cresceram a uma taxa 50 % superior a prevista.
Ora bem, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, isto agora tem de acabar! Rigor não pode continuar a ser mera imagem de retórica invocada permanentemente sem nenhum sentido real. Nem quando se refere à redução do défice orçamental, pois tal resulta apenas de falta de rigor na previsão dos impostos que os Portugueses vão pagar e cujas cobranças são rigorosamente acima do previsto, na incapacidade de execução de muitos dos projectos programados, mesmo os financiados pela Comunidade Europeia, que acaba no chamado «cesto das insuficiências» e no acumular de dívidas a fornecedores, empreiteiros, professores e trabalhadores do sector público em geral que têm feito do País, e de Lisboa em especial, o pandemónio que o acordo de concertação social deveria ler evitado, se realmente tivesse sido um bom acordo.
Agora não há (empo a perder. Perdidos os milhões do Pacote Delors I sem que se tivesse reestruturado e modernizado a agricultura e as indústrias portuguesas, não poderemos continuar a fazer o mesmo daqui para a frente. É que a redução da inflação e a impossibilidade de utilizar a política cambial para valorizar as nossas exportações far-se-á à custa de falências de muitas empresas e de desemprego concentrado nos sectores mais tradicionais e menos modernos da nossa indústria, em especial o sector dos têxteis, do vestuário e do calçado.
É necessário, por isso, aplicar programas específicos e eficazes para fazer face aos problemas que irão necessariamente surgir.
Por isso, o PS tem vindo a insistir, desde a primeira hora, na necessidade absoluta que é para Portugal a aprovação do Pacote Delors II. É fundamental que o País disponha de meios financeiros acrescidos para fazer face aos problemas que o mercado interno de 1993 e a adesão do escudo ao SME implicam. Agora mais do que nunca.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PS, ao lutar pela aprovação do Pacote Delors II, aqui na Assembleia da República, considerando-o uma condição necessária à ratificação dos acordos de Maastricht e no Parlamento Europeu exercendo a sua influência no seio da maior família politica europeia, está, como iodos entenderão, a ter uma atitude absolutamente patriota. Estamos a lutar para que este governo venha a dispor, a partir de 1993, nada mais nada menos que 2 milhões de contos por dia de fundos comunitários.
Se o fazemos é porque pomos obviamente os interesses do País acima dos interesses partidários. Não compreendemos, por isso, as hesitações do Governo em não querer promover um Conselho Europeu extraordinário em Lisboa para analisar esta proposta, como o Presidente Delors sugeriu, por forma a ler a sua aprovação ainda durante a presidência portuguesa. Todos sabemos as reticências que o Reino Unido tem- vindo a manifestar ao aumento dos meios financeiros que tal pacote implica, bem como à sua aplicação, sobretudo aos países do Sul, quando os Ingleses consideram que os perigos vêm não do Sul da Europa comunitária, mas do Centro e Leste Europeus. As hesitações que o Governo português tem lido nesta matéria parecem indiciar maior preocupação com um eventual insucesso da presidência portuguesa, do que com a possibilidade de Portugal vir a dispor desta ajuda extraordinária.
Esperemos que assim não seja. É preciso que assim mio seja! Mas o Governo tem de demonstrar que não o movem interesses mesquinhos para êxitos numa presidência efémera, que esta decisão da entrada do escudo no SME é uma opção global e que o Governo está atento aos problemas que tal medida trará às empresas e aos trabalhadores portugueses, tendo para eles respostas efectivas.
É que o PS, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados, não desviará a sua atenção das situações criadas e não deixará de exigir do Governo as medidas excepcionais que estas situações determinarem.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Governo veio hoje explicar á Assembleia da República a entrada do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu. Trata-se de uma decisão histórica e que coloca a economia portuguesa num patamar superior no elenco das economias europeias. Coloca, por outras palavras, a economia portuguesa definitivamente no pelotão da frente

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dos países que estão a construir a união económica e politica da Europa.
Assim, uma primeira palavra de uma certa perplexidade. Que numa discussão tão importante como esta o maior partido da oposição não tenha disponibilizado, quer o seu líder parlamentar, quer o seu secretário-geral, para nela intervir é uma explicação, é uma imagem, é um sinal que os Portugueses não esquecerão.
Quanto à entrada no mecanismo do sistema monetário europeu, a polemica desenvolveu-se fundamentalmente entre economistas. O Governo leve sempre uma posição coerente, tendo havido economistas que defendiam a entrada imediata do escudo no mecanismo do sistema monetário europeu, e outros que defendiam uma entrada para o fim do período de transição ou para o fim da segunda fase da união económica e monetária.
Aqui, quero também relevar o facto de nunca se ter entendido bem a posição do Partido Socialista. A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques acabou de afirmar na tribuna que é a favor e que concorda com esta adesão, o que é uma novidade, porque num dia ouvia-se o secretário-geral do PS proclamar a entrada imediata, quando a nossa inflação estava numa trajectória crescente, e, logo no outro, era um ex-secretário-geral do Partido Socialista a recomendar que o escudo não entrasse no mecanismo antes de 1994; mim dia os economistas socialistas diziam que a economia eslava preparada para a adesão, no outro diziam que o Governo não estava a conseguir controlar a economia!
O facto e que, neste momento, a entrada do escudo no mecanismo cambial acaba por ser quase que unanimemente aprovada, não só por gestores e economistas independentes, não só por sindicalistas e agentes sociais, não só por analistas económicos e políticos. E tenho pena por não estar presente o Sr. Deputado José Magalhães para lhe mostrar o Finantial Times, de sábado, em que a primeira notícia da edição de fim-de-semana e o elogio que fax, a, Portugal pelo facto de ter entrado no mecanismo cambial» do sistema monetário europeu. Mas não são só estas entidades, porque os próprios pais do SME, os Srs. Giscard d'Estaing e Helmut Schmidt, acabaram, ontem mesmo, de elogiar a decisão do Governo português, o que é uma atitude que revela bem que a economia portuguesa está no bom caminho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As consequências positivas são evidentes.
Em primeiro lugar, porque se restringe a possibilidade de se praticarem erros de política económica como sucederam no passado, antes da governação social-democrata, e porque acabam os tristemente famosos ciclos da desvalorização/inflação, desvalorização/inflação.
Em segundo, lugar, porque aumenta a confiança dos agentes económicos na economia portuguesa, que podem delinear e deliberar as suas estratégias empresariais de uma forma muito mais coerente e segura.
Em terceiro lugar, porque se reduz em as possibilidades dos movimentos especulativos que empobreceram o País no passado, através das tristemente famosas operações de sobre e de subfacturação.
Em quarto lugar, porque contribui para a redução da inflação, não de modo directo, é evidente, mas pela forma como os bens transaccionáveis continuarão a evoluir.
Como os Srs. Deputados sabem, os bens transaccionáveis, em particular aqueles que tem maior competitividade nos mercados externos, estão a ter um comportamento estruturalmente mais competitivo, o que nos dá uma garantia de que esta entrada do escudo no SME, ainda que na banda larga, não vai afectar a sua competitividade.
Finalmente, quero aqui registar que este passo do Governo português só foi possível devido a uma série de decisões e de evoluções para as quais ele contribuiu decisivamente, das quais refiro: a quebra da taxa de desemprego; o crescimento da economia portuguesa nos últimos seis anos, que permitiu, até agora, um certo abrandamento do crescimento do consumo; o acordo de concertação social, conseguido por este governo através de vários contactos com os parceiros sociais, e, finalmente, o equilíbrio das contas externas - hoje, a balança de pagamentos não e um problema para a economia portuguesa; já ninguém fala dela.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, ainda há desafios que teremos de vencer.
O primeiro será ganhar a luta contra a acomodação dos preços e os movimentos especulativos. É uma tarefa que não compete só ao Governo, mas também aos agentes económicos, aos comerciantes, aos consumidores. Todos devemos combater aqueles que tentam obter vantagens de uma forma despudorada, através de situações pontuais como; por exemplo, a aplicação das novas laxas do IVA.
Recordo-vos que, ainda que o IVA possa ter implicações nos preços, como disse há pouco, e muito bem, o Sr. Ministro das Finanças, não é considerado como um custo na contabilidade das empresas.
O segundo desafio a que gostaria de referir-me diz respeito às negociações salariais. Não poderemos contemporizar com laxismos na evolução dos salários e no fecho das negociações salariais. Esse foi o caso do Reino Unido, mas não, nós não vamos cometer esse erro.
Ern terceiro lugar, o aumento da produtividade e também um factor fundamental. Temos de continuar a ganhar a batalha do crescimento da produtividade! .. O Governo, sabemos nós, não cede a tentações! Chegou a hora de a oposição adoptar uma atitude nacional, porque, se iodos estamos de acordo com a adesão do escudo, ao sistema monetário europeu, ternos de prová-lo aos Portugueses.
O que está em causa não é esta decisão, mas conseguir a coesão económica e social, para que, mais uma vez, como eu disse há pouco, possamos entrar na união política e na união económica no pelotão da frente dos países europeus.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, começo por felicitar V. Ex.ª visto que, ao lamentar que o Partido Socialista não se tenha feito representar neste debate nem pelo seu secretário-geral nem pelo seu líder parlamentar, certamente quis anunciar-nos a sua meteórica ascensão dentro do PSD. Sc é assim, os meus sinceros parabéns!
Gostaria de colocar-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, pareceu-me haver na sua intervenção uma falia de confiança no mercado e um apelo ao intervencionismo do Estado, o que me deixou perplexo relativamente à forma como encara a actual formação de preços por parte das empresas. Pareceu-me estranho ouvir esse discurso da sua boca e da sua bancada, pelo que gostaria que me esclarecesse até que ponto é que o

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Sr. Deputado Rui Carp apela a um maior intervencionismo ao nível dos preços por parte do Estado, a exemplo do que se passou com o pão e com os jornais ou com outros bens que subiram de preço na sequência da entrada em vigor do IVA.
Gostava de saber se isto corresponde à verdade, porque recuou a um intervencionismo mais típico dos anos 70 e que na sua boca, me deixou, de certa maneira, admirado.
Por fim, gostaria de dizer que a apreciação desta matéria por parte do Partido Socialista e muito clara. A posição do PSD e que não é clara, porque nunca existiu.
Felizmente, temos documentos escritos e textos aprovados sobre essa matéria. Há dois anos e meio apelámos a uma rápida entrada do escudo no sistema monetário europeu, mas quem estava no Governo eram os senhores e conduziram uma política, em vez de anti-inflacionista, inflacionista, em vez de patriótica, demagógica, em vez de servir o País, favorecendo o vosso próprio partido e com a finalidade de ganhar eleições.
Ganharam eleições, mas o País perdeu. O Sr. Deputado não percebeu a nossa posição, por estes motivos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, fez três observações à minha intervenção.
Em primeiro lugar, a duração da bancada do Partido Social-Democrata estava presente quando o Governo interveio e os Srs. Deputados e que se deveriam ter feito representar aqui ao mais alto nível para exporem as vossas posições perante o Governo. Não o fizeram. Mais uma vez optaram - e têm todo o direito de o fazer - por não terem aqui presentes os vossos lideres, mas essa imagem transparece para a opinião pública, porque revela uma opção vossa sobre uma matéria tão importante tomo esta.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS) - O PSD não existe! Só existe o Governo!

O Orador: - Em segundo lugar, verifiquei que V. Ex.ª estranhou as minhas referências ao intervencionismo.
Como é sabido, faço pane da bancada social-democrata e é evidente que todos os movimentos especulativos venham eles donde vierem, com uma evolução normal do mercado devem ser sujeitos, naturalmente, à intervenção do Governo. Não tenho dúvidas nenhumas de que a fiscalização deve actuar fortemente sobre todos esses movimentos. Ninguém se deve aproveitar, tomo alguns empresários ou comerciantes menos escrupulosos, de situações que são claras e transparentes
Mas não e só no domínio da intervenção repressiva que o Governo deve actuar. É também com o propósito de que os empresários e comerciantes percebam como disse há pouco o Sr. Ministro das Finanças, que uma situação de desinflação e boa para eles, porque o que interessa neste domínio e a convergência nominal com a união económica e monetária, e aí eles poderão tirar muito mais proveito do que numa situação inflacionista, que só aproveita uns poucos, muito poucos, especuladores.
Quanto à parte final dos seus pedidos de esclarecimento, em que falou de situações passadas, note-se que só me referi aos governos sociais-democratas e não a outros. Ora, relativamente a estes, as estatísticas revelam que, indubitavelmente, a sua política de crescimento sustentado da economia e a correcta, o que também aparece em todos os indicadores económicos.
Quanto a outros governos, fundamentalmente aos de minoria social-democrata, não estou aqui para falar deles. Poderemos conversar sobre essa matéria quando o Sr. Deputado quiser, porque não tenho quaisquer escrúpulos ou remorsos sobre a minha actuação e a da bancada social-democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não tem escrúpulos? O que é isto?!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. Não vou cair na tentação de discutir o protocolo, mas não posso deixar de agradecer ao Sr. Ministro das Finanças o facto de me ter dado nota positiva nas perguntas.

Risos.

Em comunicado distribuído na própria sexta-feira, dia 3 do corrente, em que o Conselho de Ministros anunciou que solicitara em nome do País a integração da moeda portuguesa no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu, a comissão directiva do CDS, recentemente eleita em congresso, afirmou que, em seu entender, tal solicitação representava, mais do que a simples aceitação de um regime cambial comum, um novo acto no processo de integração europeia da economia portuguesa.
Por isso mesmo, o CDS congratulou-se publicamente com a medida, sem quaisquer reservas nem complexos, que não nos cabem nesta matéria em que a postura europeia, que sempre foi a do partido, nos confere a margem de manobra necessária para nunca perder de vista a dolosa do interesse nacional.
Trata-se, aliás, do corolário lógico dos compromissos já assumidos em relação à união económica e monetária e mais do que isso, trata-se da medida indispensável ao funcionamento de um sistema de mercado único como o que estamos a preparar para o início do próximo ano.
É, pois, enquanto acto de um processo mais vasto, que se soma e completa outros actos já praticados ou a praticar, que a solicitação da integração, já, de resto, defenda e a produzir eleitos no dia de hoje, deve ser encarada pelo Parlamento. Ou seja, a discussão que aqui estamos a fazer deverá em nosso entender, incidir na questão da oportunidade, avaliando os argumentos aduzidos pelo Governo e, sobretudo, na questão decisiva do modo como está o mesmo Governo a pensar o conjunto de medidas indispensáveis ao acompanhamento das consequências da integração, minimizando os inconvenientes que não deixará de acarretar e potenciando as vantagens que, estamos certos, vai trazer à nossa economia, para além, e evidente, de se tratar de um elo indispensável na construção da máquina económica da Europa.
Por isso mesmo e que a congratulação do CDS foi acompanhada de uma reserva, desde que sejam toma-

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das medidas adicionais de política económica», salientando a necessidade de minimizar os custos a serem suportados pelo sector privado da economia no processo de ajustamento ao novo regime.
Vamos, pois, aos dois tópicos fundamentais da discussão de hoje, sendo embora certo que a nossa posição está no essencial definida.
Em primeiro lugar, foi bem ou mal escolhido o momento para solicitar a integração do nosso escudo no SME?
Supomos que foi bem escolhido, muito embora tenhamos algumas observações a fazer.
Entendemos que foi bem escolhido desde logo, porque, ao integrarmo-nos depois de assinados os compromissos de Maastricht, sabemos, sem dúvida, e ao contrário do que acontecia, por exemplo, em Abril de 1990, quando aqui discutimos o assunto com especialistas na matéria, que o sistema monetário europeu, depois de algumas variações de objectivos, vai constituir a peça de uma união económica e monetária com uma arquitectura já desenhada no novo Tratado da União e com uni programa de realização definido.
Muito embora o Tratado não esteja ainda ratificado e a ratificação vá exigir, em nosso entender, uma revisão da Constituição, valeu a pena esperar para ver.
Por outro lado, e sendo certo, como é, que o sistema, tal como ainda hoje existe, não implica por si e autonomamente consequências de ordem orçamental, é claro que com a desordem orçamental que caracterizou os dos de 1991, não estávamos em condições de solicitar a integração, principalmente porque não tínhamos condições para substituir as medidas de política monetária e cambial que deixaríamos de poder tomar por medidas de política orçamental que o Governo não queria tomar e que seriam indispensáveis para minimizar as consequências negativas do sistema sobre o sector produtivo.
Portanto, também nesta perspectiva se entende a escolha feita, muito embora se reserve o juízo político sobre as razões que, no fundo, a determinaram.
Finalmente, entende-se também que se tenha decidido aguardar a confirmação de uma tendência de descida da laxa da inflação, de modo a evitar que a integração produzisse, através da simples estabilidade cambial que implica, uma súbita e forte regressão da economia, como aconteceu na Irlanda. Como também se entende que se lenha feno a experiência por um prazo significativo de estabilidade voluntária cambial, como aconteceu após a abolição do crawling-peg em fins de 1990, para testar a capacidade de sobrevivência do nosso aparelho produtivo, máxime, o exportador sem o auxílio da desvalorização e, sobretudo, para permitir ao banco central a acumulação das reservas necessárias a qualquer operação de salvamento.
Atitude prudente, dir-se-á, muito embora a prudência, à semelhança do que este ano aconteceu com o rigor orçamental, se tenha concretizado à custa da economia real. Neste caso, à custa principalmente do sector exportador tradicional obrigado a sobreviver durante quase dois anos sem o apoio, ou melhor, com a adversidade da política cambial, sem quaisquer contrapartidas na política monetária que se manteve fortemente restritiva com taxas de juros altíssimas e fones limitações a importação de capitais.
Entende-se, portanto, mas não deixando de sublinhar que talvez se esteja a encarar com alguma precipitação a leitura dos números respeitamos à inflação, que não tiveram em devida coma o fenómeno IVA, por um lado, e que, assentando em dados do 1.º semestre de 1991, podem não reflectir uma tendência normal, por outro, não deixando também de sublinhar que a experiência cambial voluntária foi demasiado longa e pode ler produzido consequências irreversíveis no tecido produtivo.
O que nos conduz à segunda questão em debate, que e, conforme se deixou já dito, a do acompanhamento dos efeitos da integração do escudo no sistema monetário europeu, principalmente nos seus efeitos imediatos.
Com uma inflação que se anuncia em descida consistente, adicionada a taxas de juros reais altamente positivas, a estabilidade cambial que tal integração significa não podia deixar de traduzir-se numa procura acrescida da nossa moeda, com a consequente valorização, ainda por cima sabendo-se que a laxa de referência acabou por ser fixada acima do pretendido pelo Governo português.
Portanto, e à partida, maiores sacrifícios para os nossos exportadores, em primeiro lugar, e para o nosso aparelho produtivo, em geral, forçado a competir em condições de enorme desigualdade com os seus parceiros comunitários.
Daí que estejamos de acordo com o Sr. Primeiro-Ministro quando, no seu discurso de boa nova, sublinhou, com particular ênfase, a necessidade de, nesta conjuntura, baixar as taxas de juro.
Não cremos, porém, que, no actual contexto, tal objectivo possa ser alcançado de modo consistente através da simples actuação do Banco de Portugal, como ontem mesmo aconteceu.
Baixar um ponto nas taxas de liquidez, com as consequências conhecidas da descida de menos de um ponto nas laxas de referência de dois grandes bancos, não e suficiente. É manifestamente insuficiente!
O que é preciso é dar voz ao mercado e libertar o recurso às fontes externas de capitais!
Penso que este governo, que se mostrou tão sensível às vantagens da antecipação da harmonização fiscal, entenderá bem esta antecipação, tanto mais que neste caso não será unia simples ficção ou um desejo pio que se vai antecipar, mas uma decisão firme, assente num compromisso já tomado, para valer daqui a mais uns meses.
E não se temam as consequências em matéria de inflação, porque a descida significativa das taxas de juro que o livre acesso aos mercados vai provocar, com redução também significativa dos custos, mais do que compensará os efeitos negativos em matéria de liquidez. Portanto, requeiro a abolição já do depósito compulsório dos 30 %.
Finalmente, e preciso garantir que as pequenas derrapagens que aconteceram durante o processo de aprovação do Orçamento não venham a traduzir-se numa derrapagem de execução, idêntica à de 1991. Mais do que isso, e preciso que comecem a tornar-se evidentes os instrumentos de rigor porventura incluídos no texto orçamental.
Em política, o exemplo é fundamental e o certo é que, até ao momento, a dívida pública continua a ser a estrela do nosso mercado de capitais.
Em suma, a nossa atitude, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, é de congratulação, mas também de expectativa vigilante.
De resto, em relação ao tema de hoje, não estamos cá para aprovar, mas sobretudo para nos congratularmos e, porventura, também para fiscalizarmos.

Aplausos do CDS

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para este debate de urgência sobre a integração do escudo no

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mecanismo de laxas de câmbio do sistema monetário europeu (SME) artigo 72.º, alínea e), do Regimento da Assembleia da República], dou-o por encerrado.
Passemos agora à segunda parte do período de antes da ordem do dia de hoje, que diz respeito à apreciação de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Comemora-se hoje, dia 7 de Abril, o Dia Mundial da Saúde.
Este ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) converge a sua atenção para as doenças cardiovasculares. À escala mundial, estas doenças ocupam o 1.º lugar na lista das causas de morte e estão na origem de milhões de deficientes. Todos os anos, são responsáveis por um quarto de iodas as mortes do nosso planeta, estimando-se que sejam causa de morte de cerca de 12 milhões de pessoas. Estes dados preocupantes são ainda agravados pelo facto de as pessoas atingidas terem habitualmente menos de 65 anos de idade.
Dada a gravidade da situação, a OMS decidiu mesmo considerar estas doenças como «inimigo público n.º 1 da saúde» em todo o mundo.
Em folha informativa, este ano distribuída pela OMS, refere-se que, em Portugal, entre 1988 e 1989, os acidentes vasculares cerebrais causaram a mais de 222,7 de homens e 173,1 de mulheres (por 100 OOO habitantes), o que situa Portugal, respectivamente, em 6.º e em 4.º lugar, na lista de laxas de mortalidade a nível mundial, cuja causa de morte e atribuída aos acidentes vasculares cerebrais.
Torna-se, por isso, necessário investir todos os meios na prevenção destas doenças, incentivando e aperfeiçoando as acções de sensibilização e alerta para os seus factores de risco. Acções de sensibilização que devem iniciar-se logo a partir das escolas, por forma a introduzir hábitos saudáveis na vida agitada dos cidadãos.
Mas, ao assinalarmos hoje as preocupações de saúde a nível mundial, não queremos também deixar de as assinalar a nível nacional.
E aqui lamento que o Sr. Ministro das Finanças não tivesse oportunidade de ficar aqui mais uns minutos - mas também não havia razão para isso - para ouvir alguns dados da realidade deste país e que também tem a ver com a própria situação económica.
Portugal é o país da Comunidade Europeia que menos dinheiro dá para a saúde, ou seja, 3,6 % do produto interno bruto (PIB), enquanto a média europeia se situa nos 6 % do PIB. Esta situação de estrangulamento financeiro do sistema de saúde acarreta graves consequências para o seu normal funcionamento. Assim, deparamos com o seguinte: hospitais públicos com escandalosas dívidas de milhões de contos, causando gravíssimas situações de recusa de fornecimentos de materiais, como soros, oxigénio, material de cirurgia, etc.; insustentáveis dívidas das administrações regionais de saúde (ARS), que frequentemente obrigam os doentes a serem confrontados com ameaças de recusa de fornecimento de medicamentos, de realização de análises clínicas, de efectuação de hemodiálises, etc.; dificuldades orçamentais para os hospitais e centros de saúde efectuarem os necessários investimentos em material indispensável, na melhoria das instalações degradadas e no recrutamento de pessoal necessário, em especial médicos e enfermeiros, dificuldades que, em muitos casos, estão na origem dos reduzidos níveis da qualidade de cuidados de saúde prestados.
Verifica-se também que há cerca de dois anos que a Lei de Bases da Saúde se encontra inexplicavelmente fechada numa gaveta do Ministério da Saúde, sem a prometida regulamentação. Tanta promessa, tanta expectativa criada à sua volta e tanta demagogia, mas, no fim de tudo, tanto nada.
Só o vazio de ideias e de projectos políticos para a saúde, que caracterizam o actual Ministério da Saúde, justificam esta total ausência de iniciativa política em matéria tilo importante como esta.
E agora quero chamar a vossa especial atenção para os seguintes dados: as longas listas de espera para consultas e intervenções cirúrgicas continuam sem resolução e nem sequer existem indícios de que a situação vai melhorar. E, Srs. Deputados, há doentes em listas cie espera de uma primeira consulta de especialidade, ou de uma intervenção cirúrgica, há mais de um ano.
Vou dar-vos alguns exemplos do que se passa com as listas de espera para primeiras consultas, em alguns hospitais do País.
No Hospital de Santo António, no Porto, as consultas de estomatologia e de oftalmologia foram pura e simplesmente canceladas, devido ao enorme afluxo de doentes; para as consultas de ortopedia, as listas de espera são de dois anos para cirurgia; para as consultas de urologia, são de um ano e para as consultas de otorrinolaringologia, também um ano. No Hospital de São João, no Porto, as listas de espera para consultas de cirurgia vascular e varizes, são de um ano e seis meses; de endocrinologia, um ano e seis meses; de reumatologia, um ano, e de neurologia, um ano.
No Hospital Distrital de Viseu, as listas de espera para consultas de ortopedia são de 12 a 14 meses; de otorrinolaringologia silo de 18a 24 meses; de oftalmologia são de 12 a 15 meses e de urologia são de 10 a 12 meses.
No Hospital da Universidade de Coimbra, as listas de espera para consultas de endocrinologia são cie um ano e dois meses de ginecologia são de dois anos e três meses e de listas são de dois anos e três meses também.
No Hospital de Bragança, não há consultas de cardiologia; para consultas de oftalmologia tem de se esperar mais de um ano e na fisioterapia aguarda-se, há mais de um ano, para tratamento.
Uma das causas deste grave problema reside no facto de a grande maioria dos hospitais continuar a funcionar em pleno só da parte da manhã. O Ministério da Saúde é o grande responsável por esta situação, pois não só não incentiva o trabalho médico de dedicação exclusiva, como até não autoriza os numerosos pedidos de médicos que preferem trabalhar em exclusividade no seu hospital.
Finalmente, o grave problema das urgências hospitalares continua sem ser resolvido eficazmente, insistindo o Ministério no erro de querer combater apenas o efeito, que e a questão das urgências, esquecendo-se que as suas principais causas estão fora das urgências, isto é, no difícil acesso aos cuidados primários de saúde, ou seja, nos centros de saúde.
Gostaria também de chamar a vossa atenção para os dados que lenho referentes à situação um tanto ou quanto caricata em que se encontram as extensões de saúde a nível de cada concelho. Por exemplo, no meu distrito, no concelho de Arganil, de 19 extensões de saúde, 8 têm telefone e 11 não têm qualquer contacto telefónico; no concelho de Góis, de 7 extensões de saúde, só 2 tem

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telefone, porque as outras 5 não tem qualquer extensão telefónica; no concelho da Lousã, de 5 extensões de saúde, 1 tem telefone, as outras 4 não têm; no concelho de Miranda do Corvo, 1 delas tem telefone, as outras 4 não tem; no concelho da Pampilhosa da Serra, 2 têm telefone e 9 encontram-se sem telefone; no concelho de Vila Nova de Poiares, das únicas 3 extensões de saúde que existem, nenhuma tem contacto telefónico.
Por todo o País existem milhares de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que não tem médico de família. O Ministério da Saúde continua a protelar o necessário e urgente preenchimento das numerosas vagas existentes de, médicos de clínica geral. Por exemplo, só no concelho da Figueira da Foz, cerca de 7500 utentes estão sem médico de família, estimando-se que, a nível nacional, este número ultrapasse 1 300 000 utentes do SNS que não tem médico de família.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Confrontados com esta situação preocupante da saúde em Portugal, que respostas tem dado o Governo a estes e muitos outros problemas?
Apresentou um orçamento para a saúde manifestamente insuficiente para resolver os muitos problemas existentes, chegando mesmo a acontecer que a importância relativa do orçamento do SNS no Orçamento do Estado, no que diz respeito a despesas correntes, tenha baixado de 15,7 %, em 1991, para 12,8%, em 1992, o que significa um retrocesso para os níveis de 1987.
Outras medidas que tomou foram a de aumentar o preço de todos os medicamentos (IVA - 5 %) e a de ler castigado os doentes que procuram as urgências com taxas moderadoras. E prepara outras medidas que vão dificultar ainda mais o acesso aos cuidados de saúde.
Estas e outras verdades amargas, que em breve vão ser anunciadas pelo Governo, estavam escondidas atrás dos palcos dos comícios de Cavaco Silva.
Mas que ninguém tenha dúvidas: os Portugueses vão pagar mais dinheiro pela saúde, pese embora o facto de, hoje em dia, já suportarem do seu bolso 50 % das despesas com cuidados de saúde, o que corresponde à mais alta taxa de participação nas despesas com a saúde dos cidadãos da Comunidade Europeia.
Cuide pois cada um da sua saúde.
Com este governo não se pode contar, porque ele vai é «tratar-nos da saúde».
Finalmente um conselho: não adoeçam!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Bacelar e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, o conselho que V. Ex.ª acaba de dar é extremamente bom, do qual faço eco. Realmente e bom que não se adoeça!
Quanto à afirmação que fez relativamente ao serviço de ortopedia do Hospital de Santo António, no Porto, onde trabalhei, de que a lista de espera para as consultas de ortopedia é de cerca de dois anos, quero dizer-lhe que a situação melhorou bastante. De facto, quando lá trabalhava, tinha de se esperar mais tempo.
Mas o que V. Ex.ª não referiu é sobre quo tipo de intervenção e que recai essa lista de espera. E que se se tratar de uma intervenção - e era esse o caso em que havia listas de espera - como a da prótese total da anca, trata-se de uma espera mais longa. Aliás, o mal dos outros não nos faz bem nenhum, mas quero dizer-lhe que, há muito pouco tempo, em Londres, a lista de espera para uma prótese total da anca era de quase três anos.
De qualquer modo, quero dizer-lhe que muito falta ainda fazer, mas não seria mau que fossem referidos alguns índices - e tenho de o fazer - em relação, por exemplo, à mortalidade: enquanto, em 1985, a taxa da mortalidade infantil era de 17,8 por 1000 habitantes, neste momento, ela e de 9,8 por 1000; a mortalidade nacional e de 7 por 1000 e a esperança de vida dos portugueses aumentou, nos homens, à nascença, para 70,7 anos, e, nas mulheres, para 77,6 anos - é uma vantagem bastante grande e por isso é que há mais viúvas que viúvos.
Sr. Deputado, gostaria também que reflectisse sobre o seguinte: é que embora concorde que a saúde, em Portugal, necessita ainda que muito seja feito, também é necessário que se reconheça - ca oposição também tem essa obrigação - que muita coisa já foi feita.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida: V. Ex.ª escolheu, sem dúvida, um meio óptimo para comemorar o Dia Mundial da Saúde, este ano dedicado às doenças cardiovasculares. É que traçou-nos um panorama tal que se arriscou a provocar-nos um acidente cardiovascular de qualquer outra natureza.
Mas, Sr. Deputado João Rui de Almeida, suponho que o panorama que V. Ex.ª traçou se aproxima muito da realidade. E há outros contornos que poderíamos aqui adicionar-lhe. V. Ex.ª entrou no campo das dívidas das instituições hospitalares, mas podíamos lambem falar das dívidas do Ministério da Saúde em geral no que respeita a serviços convencionados: a dívida aos laboratórios, que neste momento atinge um atraso cie sete meses, a dívida às farmácias, com um contencioso já aceso entre a Associação Nacional de Farmácias e o Ministério da Saúde, e a dívida aos médicos convencionados, em geral.
O Sr. Deputado diz «Coitadinhos!», mas, então, se é para ficar a dever-se-lhes, então o melhor será rever a tabela e pagar-se-lhes menos ou fazer qualquer outra coisa, porque, de resto, não se compreende. E isso inscre-se numa perspectiva que é a de que o assunto devia ser discutido fundamentalmente com o Sr. Ministro das Finanças. É que num ano, como vai, ser este, de certeza, de rigor orçamental - porque esse rigor orçamental agora já não depende só de nós, mas lambem de um controlo externo -, esta situação devedora, de calote crónico, vai com certeza traduzir-se numa nova fornia de financiamento que só pode avolumar-se e que pode ter consequências terríveis. Isso e verdade!
Por outro lado, Sr. Deputado João Rui de Almeida, não há dúvida alguma que há certos índices de consumo, em termos de saúde, que sobem. Por exemplo, o consumo de medicamentos sobe exponencialmente todos os meses. Ora, pergunto-lhe, Sr. Deputado João Rui de Almeida: qual é a alternativa que apresenta? Pagar a quem se deve é, evidentemente, um dever de primeira linha do Governo. E aparelhar o orçamento para esse fim? Sr. Deputado, o funcionamento adequado dos serviços, tal como eles es-

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tão estruturados neste momento, a não se introduzirem poupanças que efectivamente possam resultar cie melhorias de organização, implicaria um crescimento do orçamento de que natureza? Nós estamos a trabalhar em autenticas ficções orçamentais! Portanto, a alternativa tem, porventura, de ser outra. O Sr. Deputado João Rui de Almeida (em uma alternativa para esta situação de verdadeiro caos? Era isso o que gostaria de saber.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Começaria por responder as questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado António Bacelar. Julgo, Sr. Deputado, que, apesar do que disse, V. Ex.ª também é de opinião que a questão das listas de espera é preocupante. Pode dizer-me que há alguns anos a situação era pior ou melhor, mas, neste momento, o que ponho em causa e o caso presente. E há muitos outros casos preocupantes neste país. Os exemplos de Londres, de Cachemira, ou de qualquer outro lado, não tem grande interesse.
Relativamente à questão da mortalidade infantil, como o Sr. Deputado é conhecedor da matéria, aproveito para, de uma vez por todas, colocá-la nos seus devidos termos. Por exemplo, nunca se disse aqui, nesta Assembleia- e os senhores, quando falam nisso, tinham obrigação de o dizer -, que Portugal é o país da Comunidade Europeia com a maior taxa de mortalidade infantil! O Sr. Deputado discorda disto? Pode ter a certeza de que isto é verdade, porque é a própria associação de pediatras que o diz. Portugal é o país da Comunidade Europeia com a maior taxa de mortalidade infantil! Nilo tenha a menor dúvida! Agora, se me disser que houve uma evolução positiva, acredito. Mas, Sr. Deputado António Bacelar, V. Ex.ª sabe que neste matéria silo introduzidos outros mecanismos que não tem nada a ver com a saúde. Geralmente, ale é considerado um índice que ultrapassa a área da saúde e que vai introduzir-se na área do bem viver, das melhores condições de vida.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero agradecer-lhe as questões que me colocou. De facto, os dados que referi são preocupantes. Indirectamente, referi-me às questões das dívidas, que suo preocupantes, aos serviços convencionados, aos médicos e às farmácias.
O consumo exagerado de medicamentos tem de ser alvo de mais cuidado no que diz respeito ao seu próprio pagamento, e uma das formas que defendemos para que haja diminuição no consumo é a da participação activa da parte do médico para controlar um pouco mais esta situação de hipergastos na área do consumo de medicamentos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao assinalar mais um Dia Mundial da Saúde, não queremos deixar de lançar aqui o desafio à reflexão de cada um de nós em volta de tão nobre tema. Não iremos falar da simples administração de doentes, mas, sim, da desejada promoção generalizada da saúde.
Um pouco por todo o mundo as políticas de saúde parecem atravessar crises e dificuldades. Os sistemas e os modelos tem dificuldade em acomodar-se às matrizes ideológicas no poder. Assim é, vejamos as várias campanhas eleitorais, neste momento, em curso na Europa e pelo mundo fora.
A crise do «Estado providência», essa já há muitos anos que se fez sentir.
Felizmente, a esperança de vida aumentou, as reformas anteciparam-se e os orçamentos da saúde e da segurança social conhecem hoje novas dificuldades.
As pessoas consomem mais medicamentos e reclamam mais cuidados de saúde, mas entre públicos e privados, liberais, convenções e seguros, as receitas não são únicas, porque, para além das doenças, cada doente, cada administração pública e cada sociedade constituem casos diferentes.
O Estado protector e curativo já passou. As pressões sobre o sistema de saúde, vindas da indústria farmacêutica, das indústrias e tecnologias dos equipamentos de saúde e dos familiares e amigos dos cidadãos doentes, obrigam a que as preocupações políticas mais imediatas se centrem na doença e não na sua prevenção.
No passado, e ainda hoje, muitos emendem a política de saúde como, e apenas, tudo o que respeita a doentes, sua administração, cuidados hospitalares e pouco mais.
Mas o número de médicos por habitante e o número de camas hospitalares disponíveis, mesmo quando em quantidades apreciáveis, só por si não justificam que tenhamos uma população satisfeita com a sua própria saúde.
Quando as acções da política de saúde se centram muito nos doentes, nos medicamentos, nas cirurgias, nos laboratórios e nas consultas, temos uma despesa pública com subidas imparáveis, em círculo vicioso, de onde não é fácil sair. E teremos listas de espera impossíveis de anular.
A saúde nunca se pode confundir com o Estado e com o orçamento público. Tem de ser vista com outros olhos.
A prevenção da doença é o mais importante e adequado. A informação dos cidadãos, relativamente aos cuidados a lerem consigo próprios, os comportamentos perante a condução, o álcool, o tabaco, o exercício físico e a nutrição, pode criar condições para que se evitem milhares de doentes e se poupem milhões de contos.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Uma boa rede de cuidados de saúde primários e de cuidados de saúde pública em geral pode evitar o desenvolvimento e mesmo o aparecimento de doenças em proporções consideráveis.
De facto, uma política de saúde será menos dispendiosa para o Estado, e logo menos onerosa para cada um de nós, quanto menos doentes tiver que gerir. O êxito de uma política de saúde não está apenas nas técnicas de tratamento, mas sobretudo na redução do número global de doentes.
Os novos desafios das autarquias também passam pela saúde. As autarquias, como representantes legítimas e directas das comunidades locais, podem desempenhar também um papel crucial na promoção da saúde das populações. Além das competências em ordenamento do território, urbanismo e habitação, detêm também a gestão dos esgotos, abastecimento de água potável, recolha de lixo e salubridade em geral, passando pelo ruído e pela higiene dos alimentos em mercados e feiras.
As iniciativas das autarquias, envolvendo o exercício físico dos munícipes, a redução da poluição urbana e o fomento da educação e da informação sanitária em geral,

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podem revelar-se muito eficazes na qualidade de vida dos munícipes.
A iniciativa da Organização Mundial de Saúde em promover e estimular políticas municipais de saúde, em volta do tema «Cidades saudáveis» e exemplo claro do espírito que esta nova visão consagra.
A saúde nas empresas também tem de ser encarada mais seriamente. As doenças dos profissionais representam sempre perdas para as empresas, para o erário público (orçamentos da saúde e da segurança social) e para a produtividade global da economia, além do óbvio sofrimento do doente.
Promover a saúde nos locais de trabalho e um objectivo relevante a alcançar. Nesse sentido, este ano e dedicado em especial à higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho, conforme já foi, também nesta Câmara, amplamente divulgado.
Estamos ainda longe dos objectivos desejados, mas a melhoria das condições de trabalho terá de ser uma tarefa de todos. E a recuperação dos doentes no seio das empresas, pela medicina ocupacional, e algo onde também lerão de ser dados muitos passos.
Também as escolas tem um papel fundamental na educação para a saúde. Sc o êxito da política de saúde começa no acompanhamento da gravidez e se prolonga pela vida fora, e certamente no período da formação da personalidade e na compreensão do mundo, na idade escolar, que as boas regras e a boa educação mais facilmente se assimilam.
Criar uma geração de jovens saudáveis constitui um grande desafio a toda a classe política, com responsabilidades na área da educação, da saúde, do desporto e não só.
O desenvolvimento das matérias da educação para a saúde no sistema escolar representará sempre um grande investimento a prazo. O que se fornece de informação pode significar uma maior poupança em tratamento de doentes e de doenças no futuro.
Quantas vezes, através da escola, se faz. até a educação dos pais e das famílias. Um bom conselho ou advertência vindo de uma criança tem sempre um duplo significado.
Diz-nos também a experiência que os cidadãos organizados resolvem com mais eficiência do que o próprio Estado. A capacidade de iniciativa da sociedade portuguesa, em matéria de saúde e de segurança social, constitui um exemplo de que todos nos orgulhamos.
Os 500 anos das misericórdias constituem uma riquezas de experiências fabulosas, assim como outras tantas instituições de solidariedade social que, por acção dos cidadãos organizados, ergueram creches, lares, jardins-de-infância, hospitais, centros de dia e locais de lazer e descanso.
A capacidade realizadora da sociedade civil e uma fonte inesgotável e com excelentes exemplos de eficiência no uso de cada escudo. O carinho, o sentido humano, a dedicação e o esmero na gestão das instituições privadas de solidariedade social constituem exemplo a ter em conta pelos gestores de algumas instituições estatais.
As pessoas não podem ter apenas direito a um número e a um corredor, tem de sentir a humanização, o respeito e a compreensão pela sua própria personalidade. E cada um de nós pode também lazer muito pela saúde de si próprio e pela da sociedade.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A responsabilidade de cada um consigo próprio é fundamental, pese embora tudo o que atrás se disse.
A saúde, além de ser uma responsabilidade constitucional do Estado, e também, e sobretudo, uma responsabilidade de cada cidadão.
Os que conduzem sem cuidado, menosprezam a higiene, abusam do álcool, das gorduras e do tabaco e não praticam exercício físico têm de tomar consciência de que, para além dos inconvenientes pessoais que tal promove, acresce ainda que esse comportamento acabará por vir a ter efeitos sobre o erário público nas áreas da saúde e da segurança social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, para alem destes aspectos, haverá ainda que tomar em consideração o que se prende com os locais de trabalho e de habitação, ainda que as decisões individuais não possam muitas vezes, só por si, alterar as condições para melhor.
Acima de tudo, há que ter a consciência de que a cada cidadão não compete apenas reclamar mais e melhores hospitais, compele, além do mais, cuidar da sua própria saúde e da sua família, no seu interesse directo e no interesse público em geral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do. que fica dito, torna-se claro que o Partido Social-Democrata consagra no seu pensamento soluções claras para a promoção generalizada da saúde, levando a que se consigam melhores indicadores, sem que se recorra apenas ao aumento da despesa pública à custa dos contribuintes, como, por vezes, outros parecem defender. Temos, sim, de saber empenhar vários agentes na mesma causa, lendo em conta a especificidade e o contributo que cada um pode dar.
Também na área da saúde o peso do Estado terá de ser progressivamente aligeirado, sendo cada, vez mais o regulador do sistema do que o proprietário, gestor e pagador do funcionamento das estruturas e equipamentos de saúde.
Há que estimular a acção individual de cada cidadão, o papel das instituições de solidariedade social, das autarquias, das empresas, das escolas e dos sistemas não estatais de protecção na doença (seguros, entre outros). Mas o Estado, para nós, sociais-democratas, não poderá deixar de ter uma atenção muito especial para com os idosos e desfavorecidos em geral. Respeitando a livre escolha de cada doente, por razões de confiança pessoal, o Estado terá de atender sempre às suas condições económicas e sociais.
Ainda que não seja desejável a redução da despesa pública em saúde, é muito desejável e possível encontrar fontes de receita fora do Orçamento do Estado. O sistema de financiamento da saúde terá de ser, progressivamente, reformado no sentido da maior justiça social. Não faz qualquer sentido que um empregado e um empresário, com diferenças de rendimento de 1 para 20, ou mais, perante o sistema de saúde, no hospital ou na farmácia, sejam ambos apoiados e reembolsados da mesma maneira pelo erário público dos contribuintes.
Esta injustiça para com os mais desfavorecidos não pode continuar. O PSD deseja rapidamente corrigir estas injustiças, pelo que não tardarão propostas mais concretas nesse sentido.
«Há que tornar acessível a todos os cidadãos, em condições de justiça e de equidade e cada vez mais com maior rapidez, a humanização e segurança, serviços de

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saúde de qualidade, em que o saber, os equipamentos, a tecnologia e a administração reflictam, a cada momento, um padrão de excelência.»
Foi esta a promessa eleitoral do PSD. Vamos cumpri-la com a ajuda de muitos e para o bem de todos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha, utilizando para o eleito tempo cedido pelo PSD.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer ao PSD a cedência de tempo.
Sr. Deputado Macário Correia, felicito-o pela intervenção que hoje aqui produziu, porque, de uma forma genérica, veio ao encontro daquilo que o PS sempre defendeu em matéria de saúde, isto é, que a chave do problema está na promoção da saúde e na prevenção da doença, pelo que quanto a esse aspecto estamos perfeitamente de acordo.
No entanto, há duas questões que gostaria de colocar.
Em primeiro lugar, ale há dois anos, as dotações orçamentais relativas aos cuidados primários e aos cuidados diferenciados eram praticamente equilibradas. Desde então, verificámos que se tem vindo a acentuar um desequilíbrio, favorável aos cuidados diferenciados e, portanto, em prejuízo dos cuidados primários.
Gostaria que me dissesse se não considera esta situação desajustada em relação às teses que aqui - quanto a mim, bem - produziu.
Em segundo lugar, houve, até há alguns anos, designadamente na Região de Lisboa, uma actuação das chamadas equipas pluridisciplinares de saúde pública, principalmente nos bairros degradados da capital e nos bairros suburbanos, actuação essa cujos frutos estavam a começar a produzir, e que nos pareceu cie extrema importância, designadamente na vertente que o Sr. Deputado acentuou, dos cuidados primários de saúde pública.
Perguntar-lhe-ia, pois, se o abandono da actuação das equipas pluridisciplinares de saúde pública não vem contradizer essas preocupações.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.

O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Deputado Rui Cunha, fico satisfeito por saber que aquilo que o PSD aqui exprimiu, pela minha voz, mereceu acolhimento e apoio de outras bancadas, o que prova a justiça das convicções que temos nessa matéria.
Relativamente à proporção de despesa em cuidados diferenciados, que se terá revelado nos últimos anos de uma forma crescente em detrimento do que seria de supor, haverá que ter em conta que, nos últimos anos, entraram em funcionamento novos hospitais, coisa que não acontecia há muito tempo. Portanto, a entrada em funcionamento de novas camas hospitalares, sabido que é o seu custo diário, acaba por se reflectir naturalmente nesse custo global.
Isso não pode, de modo nenhum, deixar de reflectir também uma grande preocupação do PSD, enquanto poder e enquanto Governo, nos cuidados primários, tal como se constata pelas muitas centenas de centros de saúde em construção e que tem sido inaugurados progressivamente. Essa preocupação não deixa de estar sempre presente nas políticas que se fazem, e ainda que inaugurar um hospital seja importante, inaugurar centros de saúde também o é. É essa a explicação do aumento de camas, que lerá levado a esse número, estatisticamente referido, de despesa que aqui foi aduzida.
Ern relação as equipas pluridisciplinares, será sempre preocupação de qualquer ministério fazer que a saúde pública esteja assegurada de forma a haver menos doentes nos hospitais, naqueles onde o tratamento e mais caro e onde maior é o sofrimento.
Ora, essa preocupação existe, existiu e existirá sempre, e se em relação a um ou outro caso pontual, por qualquer razão administrativa ou por qualquer dificuldade de momento, possa não ler levado à resolução de um outro problema não significa que a preocupação não se mantenha e que, no futuro, essa questão seja resolvida, porventura, com mais eficácia e de uma forma mais duradoura e persistente.
O que eu aqui disse, e que foi do agrado do PS, em particular do colega Rui Cunha, é que lemos de nos empenhar todos numa crítica construtiva pela positiva, com a responsabilidade que cada um de nós tem na promoção de outra mentalidade, de outra educação, de outra postura, em relação à saúde, e não apenas criticarmos o que está mal, como se não tivéssemos uma responsabilidade política. Isto é, deveremos dar todos, qualquer que seja o partido político a que pertencemos, um contributo positivo para o sistema em relação ao qual todos estamos responsabilizados em melhorar e em contribuir de uma forma positiva.
É esse o sentido das nossas intervenções, e se assim comemorámos o Dia Mundial de Saúde ficamos satisfeitos. Estamos todos de parabéns, e oxalá que, com esta nossa postura educativa e preventiva, daqui a um ano tenhamos menos doentes, mais saúde e melhores condições.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Uma das consequências da incompreensível omissão regimental no respeitante a casos como o que eu, como Deputado isolado, mas eleito em listas do meu partido, aqui personifico e o de, vendo negado o exercício quinzenal das declarações políticas nos termos do artigo 74.º do Regimento, ser obrigado a gastar os preciosos dez minutos, porque únicos, nos lermos do artigo 80.º, para falar de um tema que não é especialmente do PSN, mas que é de iodos: o do idoso.
Ao celebrar-se hoje o Dia Mundial de Saúde e, simultaneamente, o Dia Internacional do Idoso, o meu partido achou oportuno alinhar duas ou três ideias sobre a implicação individual num assunto tão negligenciado como e o respeitante aos idosos.
Importa, em primeiro lugar, acabar com a reacção tão espontânea quão perigosa de que o idoso é sempre o outro, como se o facto fosse algo de anatematizante ou enxovalhante.
Em segundo lugar, convirá acentuar a diferença, não apenas semântica, mas filosófica até, entre idoso e velho. Velho é aquele que deserta do ideal e, como sabemos, não há idade para a deserção. Em contrapartida, os sulcos do tempo, quando se e fiel à busca do ideal, são filões de

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criatividade. A experiência do passado produz, razões para o futuro.
«O futuro pertence aos povos de longa memória», disso Nietzsche.
E futuro aqui entender-se-á não tanto como um mero espaço cronológico, mas como a pujança afirmativa de um projecto colectivo.
A nação integra, como elementos essenciais, o encadeamento factologicamente comprovado, a sucessão inteligível, a anterioridade, a resistência ao invasor e a memória colectiva. Sem isto não há nação, porque não há a consciência histórica da partilha dramática de um projecto humano e colectivo em marcha.
«A nação não e um relato poético, e uma realidade profunda», disse-o um pensador português. A historiografia do nosso passado concreto tomar-se-ia praticamente incompreensível se entre os factos narrados, mas sem testemunhos vivos, e o jovem sem passado individual não se interpusesse a geração dos mais idosos que, com a sua experiência vivida, vem dar verosimilhança à narrativa apreendida e oferecer a exemplaridade do paradigma vivencial aos mais novos (menos idosos), garantindo, assim, a inteligibilidade da sucessão desta modalidade do humano, que e a Nação Portuguesa. Os mais idosos são para os mais jovens o primeiro indicador, com credibilidade experiencial, da consciência do antecedente.
Eles, com as suas respeitáveis rugas, verdadeiras pegadas do tempo, trazem esse antecedente para o campo do vivencial. O testemunho encanecido dos nossos concidadãos mais experientes temporalidade a nossa cultura e recupera o eleito da nossa anterioridade para o centro da vivência concreta.
O homem não só estima como necessita mesmo do prestígio do antecedente, como bastião indispensável da sua própria segurança psíquica.
Veja-se, a propósito, a perturbação que tal ausência de passado gera nos emigrantes e nos refugiados. As grandes cidades cosmopolitas estão pejadas de uma massa anónima de descentralizados, sem história. E a ausência de história provoca a violência, como muito bem observou Karl Jaspers. A agressividade e uma forma de insegurança. E serão os povos tanto mais agressivos quanto menor for a solidez, a consistência e a clareza do seu passado.
Mas ao falar-se assim do papel dos mais idosos não faltará quem nos acuse de bajulação ou de generosidade táctica, tendo em conta o pouco que deles haverá a esperar.
Pois e justamente aqui que reside a novidade. Este discurso não e um elogio fúnebre, mas um apelo à vida e à criatividade. A criatividade não é um valor automático, envolve recursos históricos.
A criança e mesmo os jovens são ainda e naturalmente impelidos por um movimento vital, predominantemente pulsional, para a frente, já que para trás nada têm. É um movimento para o desconhecido (o futuro e incerto) e não para o conhecido (o passado e seguro).
Ora, para criar e preciso dispor de elementos culturalmente suscitantes, sendo neste particular a posição dos mais experientes claramente privilegiada. Eles dispõem, de facto, de um precioso banco de dados, constituído à base de uma experiência vivida singular e que representa um indispensável contributo para a história colectiva presente, para o nosso equilíbrio cultural e para a nossa esperança no futuro como povo.
Eles, os mais idosos, são não a experiência lívida de uma decrepitude incomodativa, mas um complemento essencial da nossa própria mundividência individual, são, enfim, um verdadeiro espelho cultural, onde cada um de nós se revê e se aquieta.
E perante ião indispensável contributo à saúde espiritual da sociedade é, no mínimo, chocante, para além de flagrantemente injusto, que o Estado não assuma plena e decididamente as suas óbvias responsabilidades em relação a uma tão significativa parcela da população que, debilitada pela vida, luta, agora que precisa de descanso e de tempo livre para criar, de forma muito mais titânica e dramática para sobreviver do que durante os chamados «anos de vida activa».
O Estado não pode continuar a encarar o apoio aos idosos como uma esmola, mas antes, como o seu mais elementar e urgente dever, pois nada e o que se lhes possa oferecer em comparação com o que eles têm ainda para nos dar. Mais: nós, os abusivamente caridosos, só somos o que somos por neles nos revemos. Eles são não a lembrança da morte para onde vamos, mas antes a expressão modal da vida donde vimos. Eles assinalam não tanto o ponto, de chegada como sobretudo o ponto de partida.
A experiência dá a cautela da consequência. A prudência e a sabedoria dos mais experientes são os elementos temperadores da nossa aventura colectiva.
E esta nova consciência e o consequente respeito pelo ciclo vital do homem, sem quaisquer discriminações ditadas pelo primado do lucro, que o Partido da Solidariedade Nacional vem trazer também à prática política.
É um imperativo nacional que o PSN se esforçará por incorporar na mentalidade e acção da sociedade civil, que, antes mesmo do Estado, tem o dever de cuidar da sua própria segurança. E os mais idosos são a condição mesma dessa necessária segurança.
É a negligência e o esquecimento das nossas referências e da humanidade de que somos radicalmente solidários que nos tornará velhos.
A falta de solidariedade e que será a verdadeira velhice às almas. Manter aceso o ideal da solidariedade é garantir a juventude espiritual do nosso povo e o futuro eterno de Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Ranita.

O Sr. Vítor Ranita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, nesta minha primeira intervenção como Deputado da República, saudar V. Ex.ª e os Srs. Deputados, disponibilizando os meus esforços e o meu empenhamento para prestigiar o meu mandato e a Assembleia da República.
Em segundo lugar, julgo ser de sublinhar a comemoração do Dia Internacional do Idoso, manifestando a solidariedade da minha bancada para com todos aqueles que, no último quartel da sua existência, aspiram a uma vida mais digna e reclamam da sociedade a atenção e a resolução para os seus problemas e anseios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vive-se, hoje, na FEIS - Fábrica-Escola Irmãos Stephens o agudizar de uma situação dramática provocada pela ameaça de falência da empresa e da correspondente per-

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da de mais de 400 postos de trabalho. E, na Marinha Grande, a população sente-se angustiada com a possibilidade do desaparecimento de uma instituição de tilo grande relevo económico, social e cultural, com justo prestígio firmado no País e no estrangeiro.
Trata-se de uma empresa legada ao Estado já em 1826, com uma mão-de-obra relativamente jovem e altamente especializada, ao nível do melhor que existe nas mais bem coladas cristalarias estrangeiras; de uma empresa que se encontra tecnologicamente apetrechada para competir com êxito no mercado internacional; de uma empresa com um riquíssimo património humano, técnico e material que tem vindo a ser malbaratado por uma gestão que não tira rendibilidade dos investimentos efectuados e que parece estar, deliberadamente, a conduzi-la para o abismo, aliás, de acordo com um governo que, designadamente, é responsável pelo não aproveitamento do programa comunitário (Projecto THERMIE) e do correspondente não investimento da ordem dos 500 000 contos e que mantém por desbloquear o plano de recuperação económica e financeira para a FÉIS e que, agora, vai pronunciando a sua falência próxima.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um verdadeiro crime este processo de condução à morte lenta de uma empresa que é uma instituição local e nacional, que detém boas encomendas e que é capaz de produzir com rendibilidade um bem que gera ganhos bastantes para manter uma equilibrada gestão, se aplicado o plano de recuperação que o Governo mantém na gaveta e que, de qualquer modo, podia e devia cumprir os salários contratuais - actualmente reduzidos de 14 % - aplicáveis ao sector.
É um verdadeiro crime, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não merecido pelos trabalhadores da Fábrica-Escola Irmãos Siephens, que, ao longo de muitos anos, tanto se tem empenhado na defesa e viabilização da empresa e na luta pelos seus postos de trabalho; daí a revolta sentida pelos trabalhadores vidreiros e pela população da Marinha Grande.
A conservação e viabilização da FEIS pode e deve ser assegurada pelas razões que aqui já trouxemos e porque isso interessa a outras actividades económicas colocadas a montante e a jusante; também, porque o País sairia prejudicado se não se defendesse o que é bom e português, e, ainda, porque não se pode desmerecer os milhares de alunos, professores, técnicos, investigadores e designers que concorreram para o prestígio granjeado pela elevação artística e perfil dos seus produtos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação criada pela administração da FEIS, sob tutela do Governo, afectando gravemente os direitos dos seus trabalhadores, transcende os interesses regionais e sensibiliza todos quantos, como o Sr. Presidente da República, não podem ficar indiferentes ao futuro de uma instituição cultural como esta.
Por este conjunto de razões, deixamos um apelo a todas as forças políticas aqui representadas para quo façam convergir acções concretas, no sentido da manutenção e viabilização da Fábrica-Escola Irmãos Stephens.
Pelo nosso lado, pelo lado do PCP, nas diversas áreas da nossa intervenção, continuaremos a pugnar pela recuperação económica e financeira da FÉIS, pela salvaguarda dos seus postos de trabalho, pela rendibilização dos milhares de contos de bens de equipamento investidos e pelo correcto aproveitamento do seu valioso património, e continuaremos empenhados na luta dos trabalhadores da Fábrica-Escola Irmãos Stephens, pela aplicação dos actuais salários da convenção colectiva cie trabalho acordada para o sector, contra as tentativas de destruição da empresa e pela sua correcta gestão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vítor Ranita teve a gentileza de cumprimentar a Mesa da Assembleia e os Srs. Deputados em geral ao usar pela primeira vez da palavra nesta Câmara. Por esse facto interpreto ou julgo interpretar o sentir da Mesa e dos Deputados da Assembleia desejando-lhe um bom êxito no exercício do mandato que recebeu do povo português.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 noras e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Rui Machete, do PSD, para o período de 30 de Março passado a 30 de Abril corrente, pela Sr.ª Deputada Dinah Alhandra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 33 a 37 do Diário, respeitantes as reuniões de 25 a 28 de Fevereiro e 5 e 6 de Março.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Vamos agora entrar na segunda parte da ordem do dia com a discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 7/VI - Estabelece a igualdade de direitos na atribuição das pensões de sobrevivência devidas por acidente de trabalho ou doença profissional (altera a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965), 11/VI - Autoriza o Governo a alterar o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho, 12/VI - Autoriza o Governo a rever o regime legal do contrato de serviço doméstico e 16/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do emprego e da Segurança Social (Jorge Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresentou a esta Assembleia um conjunto de propostas de lei com pedido de autorização legislativa nos seguintes domínios: alterações ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho, alterações ao regime da suspensão do contraio de trabalho e da redução do período normal de trabalho e regime jurídico do contraio do serviço doméstico. Apre-

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sentou, ainda, uma proposta de lei que altera as bases III e XIX da Lei n.º 2127 sobre a reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Nos dois primeiros casos, as actuais propostas de lei materializam princípios e objectivos inseridos no acordo económico e social celebrado a 19 de Outubro de 1990, em sede do Conselho Permanente de Concertação Social.
O regime jurídico do contrato do serviço doméstico, apesar de não estar incluído no referido acordo, foi objecto, também, de um processo de negociação simultâneo, em sede de concertação social, e, nessa medida, a sua formulação acabou por ser substancialmente influenciada pelo espírito de concertação que se instituiu.
Assim, as matérias hoje em apreciação foram aprofundadamente debatidas com os parceiros sociais e, por que não dizê-lo, exaustivamente negociadas, porquanto os consensos obtidos foram indiscutivelmente relevantes.
A fim de assegurar uma melhor compreensão do sentido e alcance dos pedidos de autorização legislativa, nomeadamente às organizações representativas dos trabalhadores e dos empregadores, às quais foi proporcionado, nos lermos da lei, o debate público, o Governo também publicou os respectivos projectos de decreto-lei, favorecendo a discussão pública simultânea sobre o que pede a esta Assembleia para ser autorizado, por um lado, e sobre como pretende legislar o que a Assembleia autorizar, por outro.
A forma como se desenvolveu a discussão pública reflecte o aprofundamento da participação das estruturas representativas dos trabalhadores ao nível da concertação social.
Com efeito, a discussão pública decorreu de forma serena, sem mobilizações que possam exprimir tensões quanto às matérias objecto do pedido de autorização e tios respectivos projectos de decreto-lei executantes. Por outro lado, atento o universo das entidades com direito a manifestarem-se, as poucas críticas com propostas de alteração vem, generalizadamente, das estruturas representativas dos trabalhadores afectos à CGTP-Intersindical, na pane relativa aos projectos de decreto-lei executantes, que, como é sabido, não subscreveu o acordo de 1990, ao abrigo do qual, como se disse atrás, se justificam dois dos três diplomas em debate.
Esta discussão pública foi, sem dúvida, uma vitória do bom senso, traduzida numa clara confirmação dos consensos alcançados na concertação social.
Esta discussão pública é expressão tia maturidade que a formulação legislativa adquiriu nos domínios sócio-laborais, mas revela também o afastamento de atitudes que revê, em qualquer mexida na legislação do trabalho, o dilúvio social, os ataques à democracia.
Os trabalhadores lambem já consideraram que a segurança no emprego depende, cada vez mais, da situação económico-financeira das empresas, mais precisamente da sua competitividade.
Por isso, a legislação do trabalho só garante realmente o emprego se a sua aplicação for de modo a não afectar tal competitividade, entendida, obviamente, como precursora do desenvolvimento da empresa mim quadro de realização profissional dos trabalhadores.
Vejamos, de forma sumária, cada uma das propostas de lei.
Quanto às alterações ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho, acendíamos os seguintes objectivos: possibilitar uma resposta mais rápida da negociação colectiva e da emissão de penarias de extensão às necessidades da gestão empresarial; conferir maior eficácia aos mecanismos para discriminação dos conluios negociais, por forma a prevenir o recurso sistemático à greve e evitar as perturbações económicas e sociais daí decorrentes; potenciar a negociação colectiva como instrumento natural de previsão de mecanismos de resolução de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho; admitir as convenções colectivas como um dos meios institucionais adequados à fixação de regimes profissionais complementares de segurança social; assegurar também garantias de isenção na determinação da sujeição do conflito à arbitragem obrigatória e na nomeação de árbitros.
Da aplicação das normas que vierem a ser autorizadas, prevêem-se os seguintes resultados práticos: maior responsabilização dos conselhos de administração das empresas públicas na definição das relações de trabalho na empresa; eliminação de situações ou procedimentos que confiram ao processo negocial das empresas públicas uma dimensão negocial especial, situações ou procedimentos que só tem servido para entravar a gestão dos recursos humanos; aplicação das portarias de extensão nos 30 dias seguintes à publicação da convenção estendida, contra os actuais três a seis meses; melhorar a gestão dos recursos humanos por via da revisão antecipada dos instrumentos de regulamentação colectiva quando ocorra a cessão da empresa ou nos casos de redução da duração do trabalho e de adaptação da organização dos tempos de trabalho, bem como melhorar a fixação de benefícios complementares dos assegurados pelo sistema da segurança social; maior celeridade na discriminação dos conflitos individuais de trabalho pela instituição de mecanismos extrajudiciais e, consequentemente, diminuição do número de processos judiciais; diminuir a intervenção do Governo na regulamentação das condições de trabalho através de portarias, favorecendo a discriminação de conflitos colectivos por via de negociação; reduzir o número de conflitos colectivos insolúveis, instituindo o recurso à arbitragem quando o Conselho Económico e Social o recomende.
Sobre este mecanismo de arbitragem destaco três características do sistema, que evidenciam a sua independência em relação à acção governativa, a saber: a arbitragem não é provocada por iniciativa do Governo; a arbitragem e os árbitros designados não o são pelo Governo as partes tem também a oportunidade de ler sempre a iniciativa no desenvolvimento do processo.
É por isso que não compreendemos a crítica formulada até agora de que a arbitragem reduz a liberdade de intervenção das partes. É que, em alternativa, solicita-se que o Governo uma portaria de regulamentação de trabalho que revela, em dúvida, uma intervenção muito maior na composição normativa das relações de trabalho. No que diz respeito à1 alterações ao regime da suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho, que revela a exigência de autorização administrativa para a opção entre o regime de redução dos períodos normais de trabalho ou de suspensão do contraio de trabalho, por se considerar uma opção determinada por razões de gestão, cuja ponderação cabe à empresa e aos trabalhadores no respectivo processo negocial; favorece-se a rotatividade de trabalha foram abrangidos pelas medidas, facto que, pelo menos que à suspensão, promove uma partilha mais justa dos sacrifícios que tal processo naturalmente implica deixa de conferir a preferência na manutenção das condições normais de trabalho em razão

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de critérios de baixa capitação do rendimento do agregado familiar, incapacidades e mais idade.
No contexto de um processo de recuperação de uma empresa, releva, como condição de eficácia, a qualificação dos recursos humanos, pelo que a selecção dos trabalhadores a abranger pelas medidas não pode frustrar tal objectivo, sob pena de, a prazo, não se conseguirem manter os postos de trabalho, nem de uns, nem de outros.
Por outro lado, é constante a conflitualidade gerada quando a entidade empregadora afasta os critérios de preferência na manutenção das condições normais de trabalho com fundamento em prejuízo sério para o funcionamento eficaz da empresa ou serviço.
Tal conflitualidade perturba o desenvolvimento das negociações, dificultando a obtenção de acordos, e põe em causa a estabilidade social da empresa, Ião necessária à sua viabilização, já de si tão difícil de assegurar naquelas circunstâncias.
Acresce que, para os trabalhadores afectados, se torna socialmente marcante o sentido dos argumentos apresentados pela empresa, porquanto, exigindo a própria lei que seja provado que a manutenção de tais trabalhadores prejudica seriamente o funcionamento eficaz da empresa ou serviço, incorre-se, com frequência, em exageros de fundamentação, socialmente mais negativos pela referência que se faz à incapacidade e à excessiva idade para justificar tal inclusão.
Por isso, no caso do despedimento colectivo, foi já eliminada a norma que conferia idêntica preferência na manutenção do emprego, não se justificando que subsista nesta situação.
Finalmente, a complexidade da reestruturação das empresas passa também, muitas vezes, pela contratação de técnicos especializados para os órgãos de gestão, por prestações suplementares de capital ou suprimentos, pela aquisição total ou parcial da empresa por terceiros e pela segurança de posições da empresa no mercado de capitais, condições que podem ser inviabilizadas pelo disposto na disposição legal actualmente em vigor.
Só no caso de comparticipação financeira da segurança social na compensação salarial concedida aos trabalhadores se justifica, sem dúvida, manter os condicionalismos actuais.
No que se refere ao regime jurídico do contraio do serviço doméstico, o pedido de autorização legislativa visa substituir o actual regime do contrato de serviço doméstico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 508/80.
Tem-se em linha de conta a evolução normativa, entretanto verificada, e, sobretudo, a prática da negociação colectiva dos últimos anos, procurando-se aproximá-lo do regime geral sempre que a natureza especial de relação do serviço doméstico no quadro da vivência familiar o permita.
Em relação ao regime em vigor, destaco as principais alterações: maior rigor na celebração dos contratos a ler-mo, sem perda da flexibilidade necessária, justificada pelas características especiais do trabalho doméstico; maior controlo de admissão de menores por parte da Inspecção-Geral do Trabalho; alargamento do período experimental para 90 dias; instituição do subsídio de Natal; uniformização do regime de férias com o regime geral, particularmente no que se refere à retribuição e ao subsídio de férias; possibilidade de, mediante acordo com os trabalhadores, a duração semanal de trabalho poder ser observada em lermos médios e o gozo dos dias feriados, do descanso semanal, do repouso nocturno e dos intervalos das refeições poderem ser ajustados às necessidades pontuais do agregado familiar, quando motivos excepcionais o justifiquem; direito dos trabalhadores domésticos à prestação do trabalho em condições de segurança e saúde no trabalho; obrigatoriedade de seguro de acidentes de trabalho; ajustamento no regime actual de cessação do contrato de trabalho, quer reforçando as garantias de defesa do trabalhador, quer os valores de indemnização devidos em caso de despedimento; institui-se também para o serviço doméstico o regime do abandono do lugar, já instituído no regime geral do contraio individual de trabalho.
Finalmente, quanto às alterações das bases e XIX da Lei n.º 2127, sobre a reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, pretende-se, por um lado, eliminar a discriminação que se contém na actual legislação, relativamente à protecção dos trabalhadores estrangeiros, uniformizando o regime, independentemente da nacionalidade.
Por outro lado, no que respeita à base XIX, procura-se atender ao princípio da igualdade de tratamento, no que diz respeito ao regime de protecção atribuído actualmente ao viúvo, eliminando discriminações em razão do sexo, aliás consideradas inconstitucionais pelo acórdão do Tribunal Constitucional proferido neste sentido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelas razões anteriormente expostas, as alterações aos diversos regimes, para que o Governo solicita autorização legislativa, melhoram, nuns casos, as condições de trabalho e, noutros, as condições de gestão dos recursos humanos e visam, ainda, favorecer o desenvolvimento da negociação colectiva.
Trata-se, para além disso, de matérias sobre as quais o Governo se comprometeu com os parceiros sociais a promover a aprovação dos respectivos instrumentos legislativos.
Para isso, ora solicitamos as respectivas autorizações legislativas à Assembleia da República. E atento o benefício que resulta para os cidadãos sinistrados as alterações da Lei n.º 2127, considero, Srs. Deputados, também plenamente justificada a aprovação da respectiva proposta de lei que ora se apresenta.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, falou, na sua intervenção, de consenso, de bom senso, de eficácia e da importância destas propostas de lei, e disse também que elas resultavam de um acordo económico e social de Outubro de 1990. Assim, a primeira questão que lhe quero colocar é a seguinte: com tal consenso, tal bom senso e tal eficácia, porquê esperou o Governo de Outubro de 1990 a Abril de 1992 para trazer aqui tais propostas de lei?
A segunda questão, porventura bem mais importante do que a primeira, é a seguinte: o Governo já nos vem habituando, e particularmente o Ministério do Emprego e da Segurança Social, a trazer a esta Casa propostas de lei sobre questões da maior importância sob a forma de autorizações legislativas. Já aqui tem sido dito e referido, nomeadamente pelo PS, que essa não é, naturalmente, a melhor forma ou meio para permitir que esta Assem-

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bleia faça a discussão que deve fazer sobre as maiorias que importam aos trabalhadores e à sociedade em geral.
No caso da nossa discussão de hoje acerca destas propostos, dir-se-á ainda o seguinte de peculiar: e que não só o Ministério do Emprego e da Segurança Social trouxe de novo estas propostas sob a forma de autorização legislativa, como ainda foi publicar no Boletim do Trabalho e Emprego os projectos de decreto-lei.
Sr. Secretário de Estado, por quo não trouxe o Governo à discussão, nesta Assembleia, o texto final do decreto-lei que pretende vir a propor na sequência desta autorização legislativa? Não lhe parece, Sr. Secretário de Estado, que, ao fazer isto, teria o Governo uma posição de muito maior respeito para com esta Assembleia, para com os grupos parlamentares, sobre os quais, naturalmente, impende a obrigação e também o direito de discutirem exaustivamente estas matérias? Não considera, Sr. Secretário de Estado, que, actuando desta forma, está o Governo a persistir num desvio das suas obrigações constitucionais e regimentais e a provocar, naturalmente, uma entorse nas suas relações com o Parlamento quanto a estas maiorias?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, desta vez são quatro pedidos de autorização legislativa que o Governo apresenta por junto. Como e sabido, trata-se de matéria de reserva relativa de competência da Assembleia da República, pelo que não está excluída a possibilidade de o Governo legislar. Mas, o que mais uma vez se comprova e o abuso das autorizações legislativas por parte do Governo.
Curiosamente, no preâmbulo da proposta de lei n.º 16/VI, o Governo afirma quo «uma das principais linhas de força desta proposta é constituída pela redução da intervenção do Estado nos processos de negociação colectiva». É claro que esta redução da intervenção do Estado e um slogan muito usado pelo PSD, mas que coloca de parte sempre que lhe convém para intervir activamente. E isso e comprovado, mais uma vez neste caso, com várias posições.
Cito, nomeadamente na proposta de lei n.º 16/VI, as alíneas f) e i) do artigo 2.º a alínea f), em que o Governo vem, aludindo a uma pseudo-simplificação do processo de emissão de portarias de extensão, intervir nesta matéria, e na alínea i) vem também intervir, ao estabelecei' uni sistema de arbitragem obrigatória.
As perguntas que deixo a V. Ex.ª são pois, as seguintes: como se explica o abuso das autorizações legislativas por parte do Governo com mais este pacote? E como e que se explica que, tal como frei Tomás, o Governo pregue a não intervenção por parte do Estado, mas afinal venha a fazer o contrário quando lhe convém e no pior sentido?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, tendo em conta a limitação de tempo, não e possível questioná-lo em termos da substância dos diplomas que estamos aqui a apreciar. Mas, no seguimento de duas intervenções já aqui realidades, a questão das autorizações legislativas é uma questão importante, tanto mais que duas das propostas de autorização legislativa já assumiram o conteúdo concreto de decretos-leis que chegaram à mão do Sr. Presidente da República para promulgação, e que só não se concretizaram devido à intervenção do Tribunal Constitucional, que fez a reparação da tentativa de contrabando legislativo que o Governo tentava levar por diante.
Não considera o Sr. Secretário de Estado, tendo em conta que já existem os tais decretos-leis enviados para o Presidente da República, que era dignificante para a própria Assembleia ter na mão os decretos-leis e não, mais uma vez, ser confrontada com propostas de autorização legislativa?
Mais, Sr. Secretário de Estado: não basta pôr separatas à discussão pública. Creio que o direito de participação das organizações de trabalhadores não e um direito exclusivo das centrais sindicais, e um direito de todas as organizações de trabalhadores.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - E assim, com o recurso às propostas de autorização legislativa, esse direito constitucional fica seriamente condicionado, para não dizer mutilado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Finalmente, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, o CDS está mais ou menos de acordo, digamos assim, com as benfeitorias feitas agora nestes diplomas legais, embora nuns se trate apenas da adaptação à Constituição devido a uma inconstitucionalidade quo se verificava anteriormente.
Quanto à suspensão do contraio de trabalho e do lay-off e ao serviço domestico quero fazer duas pequenas observações. Ern primeiro lugar, a própria lei prevê em relação aos representantes sindicais e aos membros das comissões de trabalhadores a protecção destes trabalhadores no seio da empresa, na alínea g) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 11/VI mas, na alínea f) do mesmo artigo do diploma, vem fazer a chamada discriminação positiva ao prever que, no caso de selecção dos trabalhadores, sejam os outros trabalhadores a ser despedidos ou afastados preferentemente aos delegados sindicais ou membros das comissões de trabalhadores. Ora, embora o CDS esteja de acordo que as funções de delegado sindical e membro da comissão de trabalhadores devem merecer protecção, não entende que tal protecção vá tão longe quo provoque autêntica discriminação entre os próprios trabalhadores. Sc a própria alínea g) prevê a protecção geral, não se vê a razão por que é que na alínea f), e em contradição com a alínea imediatamente anterior, se faz novamente uma outra discriminação entre os próprios trabalhadores segundo as suas funções. Emendemos que os privilégios ou a proposição estão já previstos na alínea g), e não e preciso fazer nenhuma selecção através das alíneas d), e) e f) que realmente, embora não contraditória, aponta para círculos concêntricos que não se justificam.
Quanto ao regime geral do contraio de serviço doméstico, vejo que se vai introduzir uma razão da caducidade que torne a relação jurídica prática e imediatamente impossível, que é a compaginação, digamos assim, com

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a dos contratos de trabalho em geral. Ora, tratando-se do contrato de serviço doméstico, além da modificação das circunstâncias do agregado familiar, que já em si é uma modificação substancial, juntar ainda mais exigências como esta de «tornar impossível a manutenção de trabalho», como mais uma prova a fazer, parece-nos um pouco exagerado. Pelo seguinte: suponha V. Ex.ª que se contrata uma pessoa para fazer um serviço doméstico e entre outras coisas vai tratar de uma pessoa idosa. Só que não se diz exactamente no contrato que ela é só para tratar de uma pessoa idosa. Mas o contrato do(a) empregado(a) doméstico(a) é substancialmente para tratar desta pessoa idosa. E esta pessoa morre. O que sucedeu, foi que o agregado ficou modificado; já não se justifica a manutenção daquele empregado, porque substancialmente estava a prestar serviço a este(a) idoso(a). Simplesmente, pode-se dizer que o facto de ler morrido a pessoa idosa significa uma modificação do agregado familiar (que está na primeira parte), mas não torna directa e praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho. Porque se pode argumentar «não, pode-se aplicar esse empregado(a) para outras finalidades de modo que não se torne imediata e praticamente impossível essa relação de trabalho». Embora na substância fosse para tratar daquela pessoa idosa, e não outra, o que se justifica para a não colocar num asilo ou a deixar sozinha em casa. Só que tudo isto traz dificuldades para a caducidade do contrato. Gostaria de ouvir a opinião de V. Ex.ª sobre estes dois problemas.
(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero congratular-me pela forma como o Sr. Deputado Laurentino Dias colocou a questão do atraso na execução do acordo. E que nem sempre se tem assistido, relativamente à abordagem destas matérias por parte do Partido Socialista, a uma aspiração de celeridade tão grande na execução do próprio acordo.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Quem se obrigou a cumprir esse acordo foi V. Ex.ª e não o PS!

O Orador: - Quero sublinhar, relativamente a estes diplomas que hoje são objecto deste debate na Assembleia, que há bastante tempo que os projectos de decreto-lei, estão concluídos em termos de negociação, ao nível do Conselho Permanente de Concertação Social. O Governo considerou, como é sabido, que, em termos dos conteúdos concretos dos diplomas, se trataria de matérias que poderiam ser objecto de legislação directa formulada pelo próprio Governo. Assim o fez e o Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade, como aqui foi referido pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, considerou essa legislação inconstitucional por ter entendido - e bem, do nosso ponto de vista, reconhecemos agora - que ela tratava de matérias da competência da Assembleia da República.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Ainda bem!

O Orador: - Foi por isso que trouxemos a Assembleia da República estas propostas de autorização legislativa.
Porquê autorizações legislativas e não propostas de lei? O Governo tem a faculdade de, nestas matérias, avançar com propostas de lei ou com propostas de autorização legislativa e, sem dúvida nenhuma, cabe-lhe, em termos da sua decisão política, optar por uma solução ou por outra. Quero significar, quanto a esta matéria, que o actual governo não tem procedido de forma diferente do que foi prática de todos os governos, mesmo de governos em que o primeiro-ministro era do Partido Socialista. Por conseguinte, não se deve entender que, pelo facto de o Governo apresentar propostas de autorização legislativa à Assembleia da República, estas configurem, em termos da interpretação que o Sr. Deputado está a formular, qualquer desvio institucional ou constitucional ou qualquer diminuição de relação ética com a própria Assembleia da República.
Fundamentalmente, aquilo que queremos traduzir quanto a essa matéria é tão-só procurar, dentro do máximo de definição e conhecimento do conteúdo das propostas de lei, uma maior celeridade nos trabalhos que possam ser desenvolvidos.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Nesse caso é igual!

O Orador: - No caso concreto das propostas de autorização legislativa em causa ainda menos se justificava apresentá-las como propostas de lei porque, de facto, elas já tinham sido discutidas, já tinham sido objecto de uma formulação legislativa, e seria impróprio estarmos a trazer a Assembleia uma matéria que o próprio Governo, tendo uma posição, não iria depois considerar em lermos de desenvolvimento futuro da formulação legislativa. Por isso consideramos que, dentro daquilo que é o procedimento tradicional na abordagem da legislação do trabalho e, por outro lado, lendo em vista os objectivos de celeridade, o Governo politicamente deve continuar a optar pelo enquadramento destas matérias em lermos de autorização legislativa.
Má uma questão que foi colocada relativamente à intervenção do Estado, que vem referenciada no diploma das alterações ao regime das relações colectivas de trabalho. É óbvia essa redução da intervenção do Estado.
Recordo ao Sr. Deputado que há uns anos atrás a maior parte das relações de trabalho era regulada por portarias de regulamentação de trabalho. Hoje praticamente não existem portarias de regulamentação de trabalho e as relações laborais são reguladas por consensos que se obtêm através de negociação directa entre as partes, associações patronais e associações sindicais. Tal facto é bem expressivo da diminuição efectiva da intervenção do Estado nestes domínios.
Das questões concretas focadas pelo Sr. Deputado registo apenas, no que se refere a arbitragem obrigatória, que, ainda assim, há nesse campo uma diminuição da intervenção do Estado. Como sabe, hoje o diploma relativo as relações colectivas prevê a existência do mecanismo da arbitragem obrigatória em termos de ser o próprio Governo a identificar os árbitros e a determinar a passagem do processo a arbitragem obrigatória, o que é alterado na proposta de autorização legislativa sobre esta matéria.
Em primeiro lugar, a arbitragem obrigatória não é determinada pelo Governo, ou seja, o Governo não tem qualquer intervenção na iniciativa de determinação da

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arbitragem obrigatória, a qual ocorrerá, em princípio, por recomendação do Conselho Económico e Social.
Em segundo lugar, os árbitros não são identificados pelo Governo. As partes identificam-nos e, se estas o não fizerem, haverá um sistema de sorteio de árbitros, que constarão de uma lista publicada no Boletim do Trabalho e Emprego e previamente acordada, ao nível da concertação social, em relação àqueles que irão ter intervenção nesses processos.
Ainda no que se refere à arbitragem obrigatória, toda a isenção está salvaguardada na intervenção dos árbitros no âmbito deste processo. Registo, todavia, que a alternativa que julgo ser sustentada pelo Sr. Deputado, ou seja, a da regulamentação, por via de portaria, da solução desse conflito colectivo, e sem dúvida, essa sim, muito mais interventora do que a arbitragem obrigatória. É indiscutível que a portaria e um acto regulamentar do Governo. Na arbitragem obrigatória, pelo contrário, não há qualquer intervenção do Governo.
No que toca às questões colocadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, concretamente em relação à suspensão do contraio de trabalho e ao regime que se institui para os representantes sindicais, tal regime leni dois enquadramentos diferenciados, como, aliás, referiu.
Um deles - ao qual a questão colocada não se refere - diz respeito ao exercício da actividade sindical. É perfeitamente justificado que o trabalhador suspenso possa exercer a actividade. O outro mecanismo consisto na concessão de uma preferência ao representante sindical para a manutenção do posto de trabalho, em igualdade cie circunstâncias com outros trabalhadores abrangidos. Tratando-se de uma preferencia, não há, por conseguinte, um direito de manutenção do posto de trabalho em termos absolutos. Em situações relativas e perante a igualdade de situações, a própria entidade empregadora concederá a preferencia ao trabalhador.
Este regime de preferência justifica-se, ale por razões de ordem constitucional, atenta a interpretação que faze-mos do acórdão do Tribunal Constitucional que apreciou, em 1988, o regime que dizia respeito à protecção dos representantes legais dos trabalhadores. Do nosso ponto de vista, tal regime justifica-se precisamente para procurar salvaguardar, com maior isenção e imparcialidade, o trabalho negocial dos representantes dos trabalhadores, ou seja, a tarefa de desenvolverem com a empresa uma negociação para efeitos de suspensão dos contratos ou de redução dos períodos normais de trabalho, mas sem estarem, nessa negociação, condicionados, em termos das defesas e das acessibilidades que Ia/cm às soluções, a ter de pensar eventualmente na situação de não manutenção do seu posto de trabalho.
No que respeita à questão da caducidade quanto ao serviço domestico, julgo que o Sr. Deputado apenas colocou a questão com referência à alteração substancial das circunstâncias do agregado familiar, porque efectivamente tal requisito só se verifica especificamente em relação a esse facto invocado para a caducidade. O exemplo que apontou facilmente será enquadrado numa alteração substancial dessas circunstâncias, se se fizer a prova -cê fácil conseguir um enquadramento desses - de que efectivamente a razão determinante da contratação do trabalhador em causa foi precisamente a necessidade de tomar conta da pessoa que estava doente ou da pessoa idosa. Esta e, sem dúvida, uma razão que, neste caso concreto, poderá determinar, por via da caducidade, a cessação do contraio de trabalho.
No entanto, o próprio empregador poderá eventualmente, se considerar que essa situação não se encontra completamento justificada em termos de alteração das circunstâncias, fazer, nesse receio, uma contratação a termo com esse trabalhador, estipulando um prazo para o exercício dessa função e, por conseguinte, salvaguardando porventura dificuldades de interpretação que possam surgir nessa matéria.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Analisamos hoje três propostas de autorização legislativa e não podemos deixar de nos interrogar sobre o quando e o como da apresentação das mesmas.
Sobre o quando, fazemo-lo porque duas delas resultam directamente do acordo económico e social celebrado em Outubro de 1990, ao qual se seguiu um parecer do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) em Abril de 1991. Por que razão só hoje, passado um ano, esta matéria vem à Assembleia da República?
Tal facto resulta de uma clara incapacidade do Governo em avaliar os poderes desta Assembleia. Por isso, o Tribunal Constitucional, intervindo a pedido do Sr. Presidente da República, declarou a inconstitucionalidade orgânica de várias das normas constantes dos diplomas referentes ao lay-off e ao serviço doméstico, que o Governo quis directamente aprovar.
No que se refere ao diploma sobre a negociação colectiva, a situação ainda é mais grave. O Governo utilizou, durante mais de um ano, o veto de gaveta para não dar seguimento a um diploma fundamental que constituía uma base essencial do quadro legislativo saído do acordo económico e social. Porquê esta posição?
Mas o Governo também desrespeita a Assembleia da República ao utilizar a forma do pedido de autorização legislativa, ao mesmo tempo que coloca os textos em discussão pública na separata do Boletim do Trabalho e Emprego. E não se venha invocar a maior rapidez do método seguido: para além de, em termos gerais, tal não estar minimamente demonstrado, os precedentes mostram claramente a sem razão desta posição.
Para o Partido Socialista é ainda importante analisar o contexto em que decorre a concertação social e, nomeadamente, o facto de o Governo se querer assumir como único interlocutor no diálogo com os parceiros sociais, em matérias da competência reservada desta Assembleia da República.
Sc para o PSD, que aceita com grande passividade os textos governamentais, nada haverá decerto a dizer, o mesmo não se poderá, certamente, dizer dos restantes partidos.
Para o PS e importante o diálogo social, ainda mais importante numa altura em que há que promover profundas alterações estruturais no tecido produtivo, o que o Governo não tem conseguido em sete anos seguidos a governar sozinho. Foi um governo de maioria PS que criou o CPCS, em estreito diálogo e negociação com os parceiros sociais, lançando assim as raízes da concertação social em Portugal. Foi lambem o PS que propôs, na última revisão constitucional, a formação do Conselho Económico e Social, que o Governo se mostrou incapaz de regulamentar, meses passados sobre a eleição do seu Presidente por esta Assembleia.

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Mas tal empenho no diálogo social não nos leva a alienar responsabilidades. Respeitando os resultados do diálogo no CPCS e os equilíbrios conseguidos, dizemos claramente que com um governo PS os equilíbrios seriam necessariamente diferentes, porque a política do PS seria necessariamente melhor: melhor para os trabalhadores, porque teria mais em conta as suas aspirações a melhores salários e melhores condições de trabalho; melhor para as empresas, porque as libertaria de tutelas burocráticas inúteis e paralisantes e promoveria uma maior mobilidade, participação e motivação no quadro da empresa; melhor, porque, salvaguardando os interesses, necessariamente diferentes, dos trabalhadores e dos empregadores, procuraria uma maior contratualização e co-responsabilização dos parceiros sociais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso apresentamos nesta Assembleia um conjunto vasto de propostas de alteração.

Ern primeiro lugar, sobre a negociação colectiva, direi que o PS linha uma proposta diferente, que apresentou na última legislatura. Não a repõe. Consideramos a revisão do quadro legal da negociação colectiva como fundamental para um reforço da contratualização das relações sociais. Os atrasos significativos na aprovação deste diploma põem em causa a capacidade de intervenção das organizações sindicais e patronais e, por via disso, o alcance de objectivos significativos do próprio acordo económico e social, como a redução e adaptação do tempo de trabalho, o reforço da protecção social e a mobilidade e adaptabilidade a nível de empresa.
Que quer o Governo? Manter uma atitude de fone intervenção na negociação colectiva e de restrição aos direitos de negociação ou responsabilizar por inteiro os parceiros sociais, na plena assunção de responsabilidades a nível de sector e empresa?
Um discurso de tónica liberal esconde muitas vezes um carácter profundamente intervencionista e de manutenção da tutela governamental. Não o aceitamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso dizemos que o Governo e o PSD prejudicaram o diálogo social, ao atrasar significativamente a publicação desta lei.
Mas o próprio texto nos merece algumas propostas de alteração, em relação à possibilidade de, sem inicias, se poderem estabelecer livremente benefícios de segurança social; à possibilidade de denúncia a lodo o tempo, por acordo entre as panes, das convenções colectivas; à possibilidade de a arbitragem obrigatória ser determinada por iniciativa de qualquer das panes; ao cumprimento da própria redacção do acordo económico e social, no caso de cessão total ou parcial de uma empresa ou estabelecimento.
Propõe-se ainda um aditamento particularmente importante, que respeita à extensão à Administração Pública do diploma da negociação colectiva. Com efeito, a prática tem demonstrado que não se justificam as limitações actuais, tanto mais que Governo administrações das empresas, por actos de gestão, têm aplicado às empresas públicas os aumentos salariais que muito bem emendem, quando da inexistência de acordos. Ressalvam-se aqui as competências próprias da Assembleia da República em matéria orçamental.
O regime de lay-off, para o PS, deverá ser considerado como uma solução temporária que visa evitar a necessidade de recorrer ao despedimento colectivo, permitindo a viabilização das empresas. Tal não tem acontecido no passado, razão por que o regime praticamente não tem sido utilizado. Há que alterar a situação.
Por isso, estamos de acordo com uma aproximação das condições em relação ao regime do despedimento colectivo, de modo que os empresários vejam vantagens em adoptar uma medida com muito menos consequências gravosas na área social.
Todavia, a necessidade de viabilização das empresas não justifica tudo. Há que fazer uma repartição equilibrada dos sacrifícios. Por isso, o PS propõe que não possa haver aumentos dos corpos sociais durante o período do lay-off, o que, todavia, não impede o recrutamento de quadros especialmente qualificados, e que a introdução do regime de rotatividade na suspensão dos contratos de trabalho tenha em coma a minimização dos prejuízos sociais, o que implica, no mínimo, uma consulta às organizações representativas dos trabalhadores.
A revisão do regime especial do contraio de serviço domestico e de particular importância, façe ao número de trabalhadores abrangidos e à desejável melhoria dos seus direitos e condições de trabalho. É de sublinhar que essa alteração legislativa aparece em resposta a uma proposta sindical apresentada em 1988 e sobre a qual o CPCS emitiu parecer em 1989.
Para o PS, justifica-se manter um contraio especial, com regime jurídico próprio, atendendo a todas as particularidades do emprego, à necessidade de preservar e alargar o número de postos de trabalho e às caracteristicas próprias do empregador, que não é um empresário. Mas tal não prejudica a necessidade de caminhar para uma aproximação ao regime do contrário individual de trabalho, reforçando a estabilidade do vínculo contratual, limitando as contratações a prazo, melhorando a protecção façe ao despedimento ilícito, anunciando a idade mínima para o trabalho e melhorando condições gerais de remuneração e emprego, nas quais se inclui o direito ao subsídio de Natal.
As propostas de alteração do PS visam corrigir situações que não aparecem suficientemente explicitadas na proposta governamental ou que, sendo-o, apresentam uma formulação inaceitável. Visa-se, assim: a uniformização do salário mínimo nacional no prazo de três anos; a fixação de um subsídio de Natal em montante idêntico ao dos restantes trabalhadores; a redução do horário semanal de trabalho de modo a atingir as quarenta horas em 1995, de acordo com os compromissos assumidos no acordo económico e social; o aumento da indemnização por despedimento ilícito que não conduza à reintegração.
Para o PS não e aceitável que este regime possa ser estendido ao serviço prestado a pessoas colectivas ou outras entidades de fins não lucrativos. Abrir-se-ia aqui uma porta para pôr em causa a negociação colectiva em sectores importantes da sociedade portuguesa, o que nada justifica.
Por fim, analisemos a proposta de revisão da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965. Trata-se de uma lei antiga, caduca e desactualizada, que regula, muito mal, o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais. É esta lei a base da manutenção de uma quase total desprotecção social das vítimas de acidentes de trabalho, como bem o prova o inaceitavelmente baixo valor das pensões.

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A revisão proposta pelo Governo apenas dá resposta à inconstitucionalidade manifesta em termos de igualdade homem-mulher e põe fim a discriminações façe a trabalhadores estrangeiros. Aplaudem-se tais medidas, mas não pode deixar de se lamentar que o Governo não lenha aproveitado a ocasião para rever globalmente a Lei n.º 2127, como resultaria até do acordo de higiene e segurança no trabalho assinado com todos os parceiros sociais com assento no CPCS.
O PS não aceita a manutenção desta situação e, por isso, apresentará em breve um projecto de lei sobre a matéria.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Marques.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, estamos já habituados, na Assembleia da República, a verificar que o Partido Socialista tem tido sempre, ao longo dos anos, muito boas intenções. Mas depois verifica-se que não as pratica, porque quem efectivamente tem desenvolvido e promovido todas as acções necessárias a que a concertação social tenha vindo a produzir efeitos positivos tem sido os ' governos do PSD. Creio que este facto é inequívoco. Desafio, por isso, o Partido Socialista a dizer quando e como conseguiu celebrar com os parceiros sociais qualquer espécie de acordo económico e social.
Ficam as boas intenções! Nós, sociais-democratas, ficamos com a prática, que tem sido positiva para os trabalhadores, as famílias portuguesas e o País em geral.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Quero, ainda assim, fazer uma pergunta ao Sr. Deputado João Proença.
Em determinados dias, o Partido Socialista e a favor do acordo económico e social, mas noutros já não o é tanto. Algumas pessoas do Partido Socialista dizem que o acordo económico e social é bom, mas outros dirigentes socialistas acabam, afinal, por apresentar, nomeadamente na Assembleia da República, propostas de alteração a projectos de diplomas que resultam inequívoca e claramente desse acordo.
É o caso da proposta de lei de autorização legislativa respeitante às relações colectivas de trabalho. O Sr. Deputado João Proença sabe, por exemplo, que muitas organizações de trabalhadores se pronunciaram sobre esta proposta de lei, constando todos esses pareceres do processo que está na posse da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família? Só que, de entre todas as organizações de trabalhadores que se pronunciaram, não há uma única organização filiada na UGT - a central sindical que subscreveu o acordo económico e social - que tenha apresentado alterações, sugestões ou propostas de alteração à referida proposta de lei.
Será que, com as propostas de alteração que agora apresenta, o Partido Socialista quer contrariar o acordo económico e social e, nomeadamente, as posições assumidas pela UGT? Ou considera que efectivamente a UGT negociou mal aquele acordo e, portanto, o Partido Socialista tem de lhe dar «uma mãozinha» - se e a esquerda ou direita, já não sei! - para rectificar eventualmente o mau trabalho da UGT?
Ora, Sr. Deputado João Proença, das duas, uma: os senhores são a lavor do acordo económico e social, na praça pública, ou são contra? E aqui, na Assembleia da República? Finalmente, assumem ou não os compromissos que os parceiros sociais assumiram entre eles, que o Governo respeita e que nós, naturalmente, vamos respeitar também?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernandes Marques, em primeiro lugar, o PSD costuma repetir uma coisa que não é verdade e tantas vezes o faz que até parece que está a transformá-la em verdade.
O Conselho Permanente de Concertação Social foi criado em 1984 e foi um governo de maioria PS, presidido por Mário Soares, que encetou a mais séria negociação, quebrando muitos tabus, referente ao PCEDED (Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego). Nele se estabeleceu uma recomendação, relativa a políticas de rendimentos e fiscal e a privatizações, matérias, nessa altura, extremamente difíceis de discutir e, realmente, essa recomendação foi assumida por todos os parceiros sociais, depois das chamadas «reuniões de mais de 100 horas» no Ministério das Finanças.

Depois, simplesmente, o Governo caiu!

O Sr. Fernandes Marques (PSP): - E o imposto retroactivo também!

O Orador: - E, desde 1985, e o PSD que está no Governo. Mas, como disse, o CPCS foi criado em 1984.
Sobre a segunda questão, relativa ao acordo económico e social, devo dizer que se confundiram várias coisas, tais como o acordo económico e social de 1991 com acordo de política de rendimentos de 1992 e com a necessidade de uma concertação estratégica na sociedade portuguesa, coisa que o PS sempre vem defendendo e por que se vem batendo.
Mais: essa concertação estratégica é até fundamental, quer façe às responsabilidades envolvidas na necessidade de diminuir a inflação quer por termos aderido agora ao mecanismo de câmbios do sistema monetário europeu. Por tudo isto, ela torna-se ainda mais necessária e deve ser uma concertação que também provoque alterações estruturais na sociedade portuguesa. Temos receio de que, no futuro, se não houver essa concertação estratégica, o desemprego venha a aumentar e as políticas que venham a ser seguidas sejam extremamente penalizadoras para os trabalhadores.
Por último, vou referir-me à questão levantada sobre a resposta ou não dos sindicatos ligados a uma central sindical.
Com efeito, a central sindical apresentou os pareceres no CPCS, pareceres que efectivamente existem e são conhecidos desta Assembleia e que, em linhas gerais, são conformes com as propostas do Partido Socialista. Lembro-lhe, por exemplo, o direito à negociação na Administração Pública, bem como outras questões.
Porem, o princípio de fundo não é esse, mas, sim, o de se saber se é ou não legitimo os partidos discutirem, nesta Assembleia, as propostas de alteração legislativa. Ora, acerca disto, diria que a questão só se coloca porque o

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Governo dispõe, neste momento, de maioria absoluta na Assembleia. Caso contrário, seria o próprio Governo que não estaria em condições de negociar, vírgula a vírgula, propostas cuja matéria e da competência da Assembleia da República.
Portanto, está aqui em causa um princípio doutrinário de organização do Estado e tentámos lançar essa questão para cima da mesa. Interessa, pois, que esta Assembleia reflicta sobre ela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As propostas de autorização legislativa que hoje nos cumpre apreciar inserem-se no esforço de compatibilização do nosso ordenamento jurídico com o ponto de equilíbrio entre as necessidades de flexibilização e racionalização do nosso tecido empresarial e as preocupações de equidade e justiça social que nos cumpre, permanentemente, valorizar.
No País que hoje somos, e mais ainda no momento da decisão histórica da inclusão da nossa moeda no mecanismo da taxa de câmbio do sistema monetário europeu, defender os trabalhadores e, mais do que nunca, criar condições para que as empresas prosperem, o que não e possível sem melhorar a sua produtividade e sem se ter em conta que a empresa só pode atingir o escopo e a dimensão sociais, de que não deve demitir-se, se se constituir numa unidade viva, pujante e competitiva na sociedade económica.
Acresce, ainda, que esse esforço de compatibilização encontra sustentação no clima de distensão social que se consolidou com o acordo económico e social, que, mais uma vez, hoje aqui se saúda por ser a mais de convergência do Governo, da UGT e das confederações patronais no que se refere às propostas de autorização legislativa em debate.
No momento em que algumas vozes, porventura com algum despeito, se tem levantado contra a metodologia da concertação, é de toda a pertinência relembrar de novo que, sem ela, muita da legislação já aprovada, e também a que hoje apreciamos, acabaria porventura por fazer parte do nosso ordenamento jus-laboral mas, seguramente, não teria a qualidade e o pragmatismo que decorre da participação da UGT e dos empregadores como também, não custa a crê-lo, encontraria muito mais fortes obstáculos no que respeita à sua aplicação prática de que resultariam inevitáveis custos económicos e sociais.
Mais uma vez se comprova, pois, que a concertação e o diálogo silo a melhor via para o protagonismo político na área social e económica, e que o progresso do País e o bem-estar dos trabalhadores aconselha a que todos os agentes políticos e sociais, a todos os níveis, se empenhem nesta tarefa comum.
Esta postura tem, aliás, permitido a desdramatização da reforma da legislação laboral que, como iodos nos recordamos, era tema tabu, imagem que, a pouco e pouco, foi sendo erradicada do nosso léxico político, ao pomo de, hoje, só vozes conservadoras, cada vez mais escassas, persistirem no desfraldar de uma bandeira que, a pretexto da defesa dos trabalhadores, se voltaria afinal contra eles.
A proposta de autorização legislativa n.º 11/VI trata, aliás, de uma matéria (a suspensão do contraio de trabalho e a redução do período normal de trabalho) que é um bom exemplo do caminho percorrido.
Quando, em 1983, o então governo do chamado «bloco central» introduziu no ordenamento jus-laboral português o instituto do lay-off, foi sujeito às críticas mais veementes com o argumento de que estavam a ser postos em causa estimáveis valores sociais, de que u segurança do emprego era o exemplo mais típico.
Manda a verdade dizer que tais receios não só vieram a revelar-se infundados como lambem, e de forma clara, despropositados porque o novo regime, na medida em que tendo a adaptar a empresa em crise as realidades do mercado durante um período de indispensável recuperação, pode impedir que venham a ter de ser adoptadas soluções com custos incomensuravelmente mais elevados, como sejam o despedimento colectivo, quando não o encerramento e a falência.
É sintomático que hoje já não se questione este instituto e que as atenções se retenham na sua actualização segundo um normativo de princípios consensualizado em sede de Conselho Permanente de Concertação Social.
Não querendo ser exaustivo, há, no entanto, três linhas de orientação nas alterações agora propostas que são bem exemplificativos das preocupações que houve em se aliar à necessária terapia da empresa uma for componente social. Desde logo, pelo especial cuidado em acautelar a situação dos representantes sindicais e dos membros das comissões de trabalhadores, já que a particular especificidade das suas funções os torna, muitas vezes, vulneráveis a tentativas de marginalização que não são compagináveis com o clima de distensão e diálogo que é desejável ser institucionalizado em todas as nossas empresas. A proposta vai no sentido não só da atribuição a esses trabalhadores de preferência na manutenção das condições normais de trabalho, mas também de que não seja prejudicado o direito ao normal exercício das actividades de representante dos trabalhadores no interior da empresa, o que, naturalmente, se saúda.
Ainda com especial preocupação de ordem social se insere a possibilidade que agora é conferida de a redução dos períodos normais de trabalho poder abranger rotativamente diferentes grupos de trabalhadores, solução que harmoniza, a um tempo, a necessidade de reduzir os custos de mão-de-obra, o objectivo louvável de poder manter em alternância, mas activos, quase todos ou mesmo todos os trabalhadores e a disponibilidade a todos aqueles que o desejarem de poderem sondar outras alternativas de emprego.
Finalmente, a alteração que, do ponto de vista gestionário, e porventura a mais relevante e que respeita à eliminação dos critérios de selecção dos trabalhadores abrangidos. Bem sei que não é difícil fazer, a este propósito, contrariamente ao que foi acordado no Conselho Permanente de Concertação Social, o discurso demagógico de que se está a fragilizar a relação de trabalho daqueles que, segundo um critério exclusivamente de protecção social, mais precisavam que fosse fortalecida.
A questão, no entanto, tem de ser vista numa perspectiva diferente e com preocupações sociais mais amplas, já que o que está em causa é criarem-se condições para que a empresa se robusteça e assim possa confirmar a totalidade dos postos de trabalho que outras soluções tenderiam a não assegurar.

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Neste caso, como em todos aqueles em que e preciso relevar os desafios colocados por uma economia aberta e de mercado, não e possível defender os interesses dos trabalhadores sem defender a solidez e a pujança das empresas, ainda que sem perder de vista que a empresa também não se realidade plenamente se subalternizar a ampla função social que e também sua razão de ser.
O Governo, através da proposta de lei n.º 12/VI, propõe-se também rever o regime legal do contrato de serviço domestico, que é uma relação com características muito próprias, pelo que tem merecido, ao longo dos tempos, um articulado específico no contexto da legislação laboral.
A primeira questão que se levanta na abordagem desta proposta é se se verifica ou não uma aproximação significativa em relação ao regime geral, o que não poderá deixar de se traduzir num salto qualitativo, já que todos os passos que possam ser dados nesse sentido constituem, obviamente, o aperfeiçoamento de um contrato com especiais dificuldades intrínsecas. E essa questão tom, sem dificuldade, uma resposta afirmativa.
De facto, o serviço doméstico implica uma relação ao mesmo tempo tão estreita - porque exige uma especial confiança ao nível da relação humana - e tão distante
- porque tantas vezes é mesmo distante no plano físico -, que toda a aproximação ao regime geral exige uma especial prudência de modo que seja reforçado o estatuto do trabalhador sem que deixe de ser acautelada a posição da entidade patronal que, neste regime, não é, muitas vexes e necessariamente, o elo mais forte da relação.
De entre as alterações merecedoras de especial aplauso realce-se: a obrigatoriedade de comunicação à Inspecção-Geral do Trabalho dos elementos necessários a uma fiscalização eficaz quando se trata de admissão de menores; a consagração do subsídio de Natal, expectativa e justa pretensão dos trabalhadores do sector, que vêem, finalmente, em letra de forma, ainda que nos termos prudentes que enformam o espírito do diploma, a estipulação concreta da duração do trabalho que, em especial nos casos do trabalhador alojado, se traduz, num regime muito mais favorável do que o actual; a disponibilidade para, mediante acordo entre as partes, ser gozado meio dia ou um dia completo de descanso para além do dia normal de descanso semanal e, entre outras, a novidade que e a elencagem de um conjunto de disposições relativas à segurança e saúde do trabalhador doméstico, o que atesta bem que o Governo e os parceiros sociais estão atentos à criação, em iodos os sectores laborais, de uma cultura de prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais que imporia sublinhar.
Acima de tudo, e pelo que fica dito, julgo merecer aplauso a intenção plenamente conseguida de introduzir aperfeiçoamentos equilibrados no articulado de um regime que tantas vexes é, na realidade de vida, mais uma relação pessoal que uma verdadeira relação laboral no seu figurino clássico.
Por último, uma breve referência à proposta de lei n.8 7/VI, que adequa a Lei n.º 2127 às disposições da Convenção n.º 19 da OIT, no que respeita à generalização do regime a estrangeiros, bem como a compatibiliza com a norma constítucional acolhida no artigo 13.º, que consagra o princípio da igualdade de tratamento em função do sexo.
No primeiro caso, trata-se, afinal, de terminar com uma discricionariedade que, não sendo razoável, já foi eliminada relativamente a outros regimes e, no segundo caso, de lazer cessar um regime que, por ser injusto, não unha sustentação constitucional, sendo certo que se justifica que, em prazo não muito dilatado, seja revisto, de forma adaptá-lo às necessidades actuais, o articulado global de uma lei que data de 1965.
Pelas razões apontadas, tem toda a pertinência que, desde já, sejam introduzidas as alterações constantes da proposta de lei, pelo que o PSD a votará favoravelmente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com estas propostas de lei de autorização legislativa, o Governo quer fechar o ciclo e fazer o «trinco» do denominado «pacote laboral» emanado do acordo económico e social, subscrito em 1990 pelas confederações patronais, UGT e Governo, fechar o ciclo e fazer o «trinco» das peças mais gravosas para os trabalhadores e para os seus direitos, nomeadamente através da imposição da arbitragem obrigatória.
A Assembleia da República é hoje, mais uma vez, secundarizada. Não assume o seu protagonismo legislativo, mas, antes, um papel de cartório notarial para autorizar o Governo a legislar. E este debate quase que atinge as raias. do caricato quando, e sabido que duas. das propostas de autorização legislativa em apreço já estiveram, sem por aqui passar, nas mãos do Presidente da República, sob a forma de decretos-leis.
Sustida pelo Tribunal Constitucional a operação de contrabando legislativo, o Governo volta a esconder o projecto de decreto e sujeita a Assembleia da República a um mero pedido de autorização legislativa.
Desvaloriza-se, assim, este orgão de soberania e transforma-se o direito constitucional e legal de participação das organizações de trabalhadores na legislação do trabalho numa listagem apendicular do relatório, e mesmo assim porque a lei a tanto obriga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com tais antecedentes e com esta malha apertada de tempos para discutir três propostas de diploma, dificilmente haverá possibilidade de dar uma séria e aprofundada contribuição na matéria. Mas não nos demitiremos de o fazer!
A proposta de lei n.º 11/VI, que altera o regime de suspensão do contraio de trabalho e de redução do período normal de trabalho, vulgarmente conhecido por lay-off, e lesiva dos interesses dos trabalhadores e tem um conteúdo conflitual.
Como e sabido, o lay-off não linha nem tem qualquer tradição no nosso ordenamento jus-laboral, constituindo apenas uma exigência de grandes empresas estrangeiras. Com as alterações agora propostas o Governo pretende ressuscitar um nado-morto e simultaneamente consumar o lotai afastamento das entidades governamentais da tramitação prévia ao decretamento da medida.
Verifica-se, uma vez mais, a total demissão do Governo relativamente a uma matéria em que não somente estão em causa dinheiros públicos, mas também, e sobretudo, direitos fundamentais dos trabalhadores.
A segunda alteração proposta cria fundadas dúvidas quanto à seriedade dos motivos invocados para participar a aplicação do lay-off. Com efeito, vem permitir-se o aumento das remunerações dos corpos sociais, com a única condição de que não esteja a empresa a receber a comparticipação salarial do fundo de desemprego. Isto é,

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enquanto os trabalhadores são atingidos por uma medida que necessariamente se traduzirá em diminuição da sua retribuição mensal, entende o Governo permitir que os corpos sociais sejam aumentados.
Sobre a proposta de lei n.º 12/VI, que visa autorizar o Governo a rever o regime legal do contrato de serviço doméstico, sendo de reconhecer uma concepção mais positiva do trabalho de serviço doméstico, ressaltam alguns aspectos contraditórios e ate negativos.
Em primeiro lugar, porque injustificadamente transporia para o regime jurídico dos trabalhadores do serviço domestico normas aplicáveis aos restantes trabalhadores que não se lhes deveriam aplicar, e, simultaneamente, prevê regimes distintos para situações que, essas sim, justificariam uma maior aproximação. Exemplos mais flagrantes são o prazo do período experimental de 90 dias, quando é sabido que a convivência entre trabalhador e empregador e permanente e muito mais íntima, o que facilita aferir, de forma célere, a capacidade do trabalhador.
A dispensa de redução a escrito do contrato a termo, o subsídio de Natal que só atinge os 100% de retribuição ao fim de cinco anos, a não aplicação da Lei do Trabalhador-Estudante aos trabalhadores do serviço doméstico, a não consideração de que a maioria desses trabalhadores são mulheres, são questões omissas ou negativas com alguma relevância.
Finalmente, debrucemo-nos sobre a peça mais grossa que temos em cima da mesa: a proposta de lei n.º 1é/VI, que visa autorizar o Governo a legislar em matéria do regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
No seu núcleo duro, nos seus objectivos centrais, surge, à evidência, o carácter intervencionista do Estado para condicionar e asfixiar a autonomia e a liberdade de negociação colectiva das organizações dos trabalhadores. Ela constitui um trinco do pacote laboral visando conceder ao patronato, quando não consiga impor as suas propostas, a real possibilidade de as impor aos sindicatos por via da arbitragem obrigatória.
É o «mais Estado», e o «mais Governo», entre duas partes em negociação ou em conluio com a opção clara do Governo a colocar-se ao lado das entidades patronais.
Afirma o Governo que pretende assegurar uma maior celeridade de negociação colectiva e de emissão de portarias de extensão. São argumentos que não colhem pois a realidade mostra que, na esmagadora maioria dos casos, as vigências das convenções colectivas são observadas. Quando não o são, a explicação tem que ver com a política de contenção salarial e do persistente ataque às conquistas sociais contidas nas convenções colectivas, conjugada com a má fé negocial das empresas, a começar pelas EP, por indicação do Governo. E o argumento não colhe, ainda, quanto às portarias de extensão, quando se sabe que o Governo - e só da sua vontade depende - há vários anos que recusa a portaria de extensão para os trabalhadores agrícolas do Norte e do Centro, a partir da convenção colectiva estabelecida para o distrito de Vila Real.
A verdade é que o Governo, no actual regime jurídico das relações colectivas de trabalho, dispõe de meios legítimos, que não utiliza, para dar maior celeridade aos processos de negociação colectiva. A verdade é que, com esta proposta de autorização legislativa, o Governo mostra que pretende utilizar meios ilegítimos para atingir objectivos que tem a ver com a natureza anti-social da sua política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É neste contexto que deve ser interpretada a proposta de desaparecimento das PRT, necessárias para salários justos e progressão nas carreiras aos trabalhadores das chamadas «zonas brancas».
Afirma ainda o Governo que pretende conferir maior eficácia aos mecanismos de resolução pacífica dos conflitos e de potenciação da negociação colectiva. Dada a natureza da política do Governo e conhecendo nós as reclamações das associações patronais, subjacente àquele propósito estará a intenção de condicionar ou limitar o exercício do direito à greve nos termos em que a Constituição da República e a lei consagram.
Quanto às medidas preconizadas para o alargamento das matérias susceptíveis de constituir objecto de negociação, o que fica evidente, afinal, e que se mantêm inadmissíveis restrições legais a maiorias que deveriam ser objecto de negociação, como é o caso dos despedimentos.
Quanto às linhas de força das medidas propostas, segundo o Governo, a proposta assenta no objectivo de reduzir a intervenção do Estado nos processos de negociação colectiva, afirmando o princípio da autonomia, como aqui fez o Sr. Secretário de Estado.
O mínimo que se pode dizer é que este anunciado propósito é frontalmente desmentido e agredido, desde logo, pela pretensão de criar, por imposição legal, a arbitragem obrigatória.
Por fim, a introdução à proposta em apreciação esclarece que é intenção do Governo possibilitar uma mais ágil e diversificada resposta de negociação colectiva às necessidades da gestão empresarial, e sublinho, às necessidades da gestão empresarial.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem sublinhado!

O Orador: - Aqui, sim, estamos perante o confessado e fundamental objectivo que explica a proposta! Ou seja, favorece os interesses da chamada gestão empresarial, colocando o Estado a intervir para limitar um factor de progresso social que tem sido o actual regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
Quanto à admissibilidade da antecipação da denúncia, e, em consequência, para depósito da convenção colectiva na decisão arbitrai, é sintomático que tal só possa ocorrer quando se trate de substituir a convenção colectiva aplicável às empresas públicas ou outras que se segmentem, ou quando se trate de alterar - no sentido que interessa aos empresários, obviamente, e que é defendido pelo Governo - a duração e adaptação da organização do tempo de trabalho. Ou seja, abre-se a possibilidade de encurtar um período de vigência das convenções colectivas quando se trate de fragilizar os direitos sociais (flexibilização dos horários de trabalho) ou de legitimar a alteração negativa dos direitos adquiridos pelos trabalhadores das empresas em processos de privatização ou desmantelamento.
Quanto à alegada pretensão de simplificar o processo de emissão de portarias de extensão, se tal medida se destinasse a estender as convenções colectivas a empresas não filiadas nas associações patronais ou a sectores que não têm, em certas regiões, tais associações, teria o nosso acordo.
Mas tal objectivo não está expresso e a prática do Governo leva-nos a recear o pior uso da medida proposta.

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E neste contexto sempre será útil recordar que os trabalhadores das instituições particulares de solidariedade social esperam, desde 1985, pela portaria que reclamam.
Quanto à arbitragem obrigatória, que o Governo pretende impor, a ser aprovada, estaríamos perante um ataque frontal à liberdade e autonomia das partes no direito de contratação; estaríamos perante uma atitude de despenalização da má fé negocial, porque constituiria um incentivo à assumpção de atitudes que forçassem a passagem à fase de utilização de árbitros «mais compreensivos», perante a política de contenção salarial e de desregulamentação laboral.
A este propósito, importará lembrar algumas passagens do que dizia a OIT em 1985: «Se o Estado lhes [às partes] impõe a arbitragem obrigatória, na prática retira-lhes essa liberdade contratual, para conferir a um terceiro o poder de decisão. A consequência, segundo e correntemente admitido, e que decairá a negociação colectiva e a arbitragem obrigatória passará a ser um método predominante de regular as relações entre empregadores e trabalhadores.»
Se a isto se juntar um cenário em que o Conselho Permanente de Concertação Social possa designar o terceiro árbitro e o próprio árbitro sindical, teremos o quadro da escandalosa e inadmissível intromissão em assuntos que apenas às partes negociadoras devem respeitar.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado recente afirmámos e reafirmámos que em relação ao acordo económico e social a pressa do Governo residiria em levar por diante as medidas legislativas mais gravosas para os trabalhadores. Para trás ficaram algumas medidas positivas, nomeadamente relativas à segurança social e à questão da higiene e segurança. Não foi necessário ser profeta!
Levando no bolso estas autorizações, o Governo só clarifica mais de que lado está e contra quem está! Por este motivo, não abdicaremos de prosseguir os nossos esforços para denunciar tais opções e defender as aspirações e os direitos dos trabalhadores.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Rui Salvada. Porém, o PCP só dispõe de alguns décimos de segundo, pelo que pergunto, desde já, ao Sr. Deputado se o PSD está na disposição de ceder algum tempo, por fornia a que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa possa responder aos seus pedidos de esclarecimento.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, creio que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa poderá responder-me no tempo de que ainda dispõe, mas, de qualquer forma, o PSD poderá dispensar até trinta segundos, se necessário.

Vozes do PS e do PCP: - Tanto tempo!...

O Orador: - Sr. Deputado, não posso deixar passar em claro a posição que o PCP tem relativamente a este tipo de diplomas, tanto mais que ela é, de algum modo, semelhante àquela que o PS tem quanto ao movimento sindical.
Na verdade, a CGTP dá pareceres relativos ao diploma sobre o serviço doméstico, depois de apresentar algumas propostas de alteração que na sua apreciação pensa justificarem-se, referindo que «se verifica com agrado que muitas dessas medidas estão contempladas».

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que grande exemplo!...

O Orador: - Portanto, há uma aproximação do movimento sindical, no sentido de uma grande sensibilidade, às propostas de lei que o Governo elabora e ao aspecto social que pretende atingir.
Sr. Deputado, o esclarecimento que quero pedir-lhe é o seguinte: o senhor falou do lay-off lamentando a falta de intervenção do Estado, dizendo que o Estado se demite das suas funções, mas, depois, quanto à contratação colectiva, lamenta-se do contrário, isto e, de que o Estado entre na sua regulamentação. Então, qual e o ponto de equilíbrio que o Sr. Deputado julga adequado relativamente à intervenção do Estado? Ou seja, quando é que pensa que o Governo deve ou não intervir relativamente a estas questões?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Rui Salvada, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe o reconhecimento pela minha capacidade de síntese, pelo que vou tentar responder-lhe dentro dos trinta segundos.
Sr. Deputado, na verdade, estamos num debate político na Assembleia da República e não num debate sindical! Mas, para não pretender desvalorizar a sua pergunta, dir-lhe-ei que o senhor cometeu um erro ou, pelo menos, manipulou o parecer que a CGTP enviou para a Comissão de Segurança Social e Família, porque se ler todo o texto poderá verificar que nele consta, efectivamente, aquilo que o senhor referiu, mas também justas críticas e reparos a que o senhor também devia ter feito referencia.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Também era melhor que não fizesse!

O Orador: - Em relação à segunda parte da sua pergunta, isto é, onde é que o Governo deve ou ,não deve intervir, dir-lhe-ei que a Constituição da República não quis que o poder fosse neutro. Assim, relativamente aos direitos fundamentais dos trabalhadores, a Constituição fax. uma opção: coloca-se do lado dos trabalhadores, dos seus direitos, e tanto assim é que os colocou no capítulo mais nobre, ou seja, no dos direitos, liberdades e garantias.
Ora, creio que a opção do Governo é precisamente a contrária, ou seja, está do lado do mais forte, dos que mais tem e mais podem, contra os trabalhadores. Essa é a opção que discutimos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Marques.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós, sociais-democratas, sempre defendemos que o diálogo entre os

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trabalhadores e empregadores era a forma adequada de, em cada momento, se contribuir para a melhoria das condições de vida de todos os portugueses, em especial dos que vivem exclusivamente dos rendimentos de trabalho, e também para o fortalecimento das empresas, porque sem empresas fortes e viáveis não é possível defender os interesses legítimos dos trabalhadores.
A informação de que hoje dispomos veio demonstrar cabalmente que a tese marxista da luta de classes não resolveu problema algum, antes pelo contrário. Por um lado, os países ditos socialistas, que pressumivelmente seriam dirigidos pelos trabalhadores, acabaram num grande fiasco, sem pão e sem liberdade!
Por outro lado, os países onde imperou, ou ainda impera, o capitalismo selvagem mais não conseguiram do que uma sociedade dualista, onde uma pequena maioria desfruto, de forma escandalosa, de riquezas absolutamente inacessíveis a generalidade das populações.
O mercado único europeu, que se concretizará a partir de 1 de Janeiro de 1993, vai confrontar a economia portuguesa com uma nova realidade. Assim, as nossas empresas tem de ser suficientemente competitivas para suportar e vencer a concorrência de empresas e grupos empresariais que há dezenas de anos se prepararam para um mercado concorrencial em que sobrevivem as organizações mais eficientes.
Deste modo, a melhoria da organização das empresas passa, necessariamente, pela melhoria das condições de trabalho, nomeadamente no respeitante à higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho.
Também uma formação profissional adequada vai ser, cada vez mais, uma exigência permanente da postura das empresas portuguesas façe à concorrência comunitária. Aliás, só desta forma será possível continuar a aumentar a produtividade das nossas empresas e promover a coesão económica e social no espaço comunitário.
Os consumidores em geral e os portugueses em particular são, felizmente, cada vez mais exigentes! Por isso, a qualidade dos bens e serviços produzidos serão um factor determinante da consolidação das empresas num mundo económico cada vez mais concorrencial.
O combate à inflação, o aumento da produtividade, a melhoria das condições de trabalho, a maior eficiência da formação profissional e a melhoria sustentada do poder de compra, dos salários e das pensões são objectivos de sempre dos sociais-democratas. Hoje, porém, são exigências que se colocam a toda a sociedade portuguesa.
A experiência da concertação social tem sido, felizmente para todos, amplamente positiva. De facto, só através do empenhamento conjunto dos parceiros sociais e que será possível, em simultâneo, aumentar o poder de compra dos salários, manter um elevado nível de emprego e desenvolver a capacidade concorrencial das empresas.
Por isso, nós, do PSD, saudamos todos os que, de forma altamente responsável, tem vindo a contribuir para que Portugal seja já considerado como um dos poucos países da Europa comunitária em que a concertação social tem dado, consecutivamente, frutos muito positivos.
Mas se a nível das confederações sindicais e patronais tem havido a clara percepção do interesse nacional, a nível de sectores de actividades, ou de empresas, é mais difícil concretizar os princípios acordados no âmbito da concertação social.
É, pois, necessário revitalizar a negociação colectiva, quer a nível de região, quer a nível de sector de actividade, quer a nível da empresa. Na verdade, os acordos negociados no âmbito do Conselho Permanente de Concertação Social devem encontrar adequada correspondência no âmbito da livre negociação colectiva, não só no que se refere à política de rendimentos, mas também no referente à segurança, higiene e saúde do local de trabalho e à formação profissional.
Com efeito, a harmonização de interesses distintos consegue-se através de uma negociação seria e despartidarizada, que tenha em conta a realidade e o futuro desejável.
Desta forma, nós, sociais-democratas, continuaremos a contribuir para despartidarizar o movimento sindical e exigir aos parceiros sociais que pautem as negociações colectivas de trabalho pelos princípios que justificam a sua própria existência organizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 16/VI é consequência dos princípios anteriormente referidos. De facto, no âmbito do acordo económico e social, de 19 de Outubro de 1990, os parceiros sociais e o Governo do PSD, que o subscreveram, entenderam - e bem - que o regime jurídico das relações colectivas de trabalho podia e devia ser modernizado. Assim, através desta proposta de lei, o Governo solicita à Assembleia da República autorização para consagrar legalmente os princípios aceites pelos parceiros sociais e que, para eles próprios, são os mais adequados a actual conjuntura económica e social.
Fundamentalmente, pretende-se, com a nova legislação, assegurar maior celeridade nos processos de negociação colectiva, conseguir maior eficácia na resolução pacífica dos conflitos, sem que haja um intervencionismo do Estado que já nada justifica, e alargar o núcleo de matérias susceptíveis de negociação, que poderão, naturalmente, contribuir para que, em cada sector de actividade, em cada empresa, se negoceiem as condições adequadas ao seu fortalecimento, por forma a garantir a sua concorrência relativamente a outras empresas congéneres, sejam portuguesas ou estrangeiras,...

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... e simultaneamente criar as condições de trabalho adequadas ao tipo de actividade desenvolvido.
É por isso que esta proposta de lei de autorização legislativa é, para nós, uma manifestação de confiança do Governo, do PSD e dos parceiros sociais na responsabilidade que estes tem sabido imprimir ao seu relacionamento, particularmente a partir de 1985, quando o Conselho Permanente de Concertação Social começou a funcionar.
Com esta iniciativa legislativa, o Governo e o PSD confirmam, mais uma vez, o inequívoco respeito, como disse, pelos parceiros sociais e pelas suas competências. Bem assim, o Governo e o PSD comprovam, mais uma vez, que no decurso da presente Legislatura, e a exemplo do que aconteceu na anterior, vão cumprir as suas promessas eleitorais!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concretização, no dia-a-dia, da solidariedade, da justiça social e da igualdade de oportunidade passa não só pelo Governo, mas também pelo comportamento responsável dos parceiros sociais.
Nós, sociais-democratas, acreditamos que a negociação colectiva despartidarizada é um elemento muito relevante para concretizar progressivamente uma sociedade mais justa, mais próspera e mais solidária. Por isto, e porque esta proposta de lei é consequência, assumida pelo Governo, de um histórico acordo celebrado pelos parceiros

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sociais, o Grupo Parlamentar do PSD aprová-la-á com satisfação. Os parceiros sociais continuarão, assim, a poder contar e a confiar nos sociais-democratas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, tem a palavra para uma intervenção.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Coerência e rigor não são adjectivos aplicáveis ao Governo em matéria de legislação laboral.
O conjunto de autorizações legislativas em debato não corresponde à programação legislativa do Governo em cumprimento do seu programa, mas apenas aos compromissos do CPCS, que satisfez parcial e tardiamente. Para tanto, basta relembrar os debates da legislatura anterior sobre algumas destas matérias.
O PS apresentou um projecto que visava desbloquear os constrangimentos à negociação colectiva, que foi liminarmente rejeitado. Cerca de três anos depois está hoje em debate um projecto que e semelhante, embora distinto nas soluções.
É, pois, urgente modernizar o sistema de contratualização que se pretende livre. Livre para encontrar soluções inovadoras, adequadas a cada comunidade de trabalho; livre para negociar de facto e no reconhecimento mútuo do papel diferente de igual valor que desempenham empregados e empregadores na empresa moderna; livre para remodelar clausulado e carreiras completamento obsoletas, com mais de 20 anos, desajustadas e injustas. Ou seja, uma negociação colectiva livre de acordar protecção social e condições de trabalho mais consentâneas com o respeito pelo indivíduo, que reflicta, de lacto, os acordos que se fazem no CPCS, mais vezes postos em causa pelo sector empresarial do Estado do que pelo próprio sector privado.
Já em matéria de horários e gestão do tempo de trabalho, o Estado-patrão não tem cumprido os acordos de concertação. Assim, vejamos: o acordo de 1991, já aqui referido pelo meu camarada João Proença, que é inegavelmente positivo para os trabalhadores, aguarda ainda concretização em aspectos de fundo que muito contribuíram para a sua assinatura por parte de, pelo menos, um dos seus subscritores. Aspectos como a segurança social, higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho, inspecção e justiça, entre outros, estão totalmente por concretizar.
As promessas de revisão tanto da Lei Orgânica do Ministério do Emprego como do estatuto de direcções fundamentais para a administração do trabalho, bem como as funções inspectivas ou de investigação das condições de trabalho e qualidade de vida, estão reduzidas à expressão mais simples, sem dotação orçamental suficiente e com quadros de pessoal reduzidos qualitativa e quantitativamente, façe às exigências da modernidade e às legítimas expectativas de uma sociedade em transição.
O Governo está perante uma enorme contradição: a imagem e a capacidade que se lhe reconhece de valorizar o diálogo com os parceiros sociais ao nível de topo e a incapacidade, por falta de vontade política, de accionar um sistema de garantia do acordado, bem como de estender aos sectores e empresas essa cultura de negociação, conforme reconhece o próprio PSD na intervenção do Sr. Deputado Fernandes Marques.
Façe às dificuldades e situações conflituais, o Governo não tem políticas adequadas, justas e equilibradas; intervém demasiado nos processos negociais do sector empresarial do Estado, provoca situações grevistas e retira aos conselhos de gestão liberdade negocial em função dos seus indicadores e dos incentivos necessários à produtividade das empresas,...

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: -... retirando-lhes a hipótese de fazer gestão de recursos humanos.
Por outro lado, perante uma situação de ruptura social, como o recurso a despedimentos colectivos ou ao lay-off, o Governo lava as suas mãos e não intervém sequer com a avaliação prévia adequada das razões invocadas ou de reconversão para a qual o Instituto do Emprego e Formação Profissional está vocacionado.
Os diplomas em análise são a concretização tardia de acordos com os parceiros sociais, o que não obsto a que consideremos a sua eficácia e alcance social ainda modestos, tanto mais que os instrumentos de que o Governo deveria dispor para garantir a efectividade da legislação laboral não satisfazem nem são sequer accionados.
Assim, o contraio de serviço doméstico e o mais inovador sob o ponto de vista social, pretendendo ser a aproximação ao contraio de trabalho e, por isso, representando um passo positivo no sentido de regulamentar um sector fortemente clandestino, cujos benefícios da segurança social, que deveriam ser pagos pelo Estado, são encargos da restante população activa.
Merece todavia alguns reparos, uma vez que nem a legislar o Governo respeita os acordos de concertação social em matéria de horários de trabalho. Por exemplo, não se compreende que os subsídios de férias e de Natal, sobretudo para os contratos efectivos mensais em regime ou não de internato, não sejam iguais à lei geral. Também parece exagerado o recurso a contratos a termo, estando previstas duas renovações de períodos de um ano deste tipo de contraio.
Embora todos os parceiros sociais tenham aceite transitoriamente a necessidade de um contraio especial para o serviço domestico, a UGT, na proposta que desencadeou este processo legislativo no CPCS, apresentou um projecto mais próximo de um verdadeiro contrato de trabalho, com particular destaque para os regimes de falias - pagamento de faltas justificadas - e de retribuições, nomeadamente quanto ao subsídio de Natal, que na proposta do Governo só depois de cinco anos de trabalho efectivo será de 100 %.
No que se refere à cessação do contraio, as soluções do Governo são insuficientes, pois nada se diz sobre a rescisão por mútuo acordo, por justa causa e despedimento ilícito, aspectos estes que se deveriam aproximar mais do regime geral.
Deveria ainda o Governo ler adoptado a sugestão daquele parceiro social, de forma a criar centros de arbitragem de conluios junto das autarquias. Este diploma pretende corresponder à iniciativa da UGT e é, de facto, um passo positivo na regulamentação desse sector, regulado por decreto-lei, de 1980, insuficiente e desajustado à realidade.
Ern matéria de política social, falia ao Governo coerência nas medidas legislativas e rigor, pois tem de escolher uma linha de rumo independente do calendário eleitoral.

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8 DE ABRIL DE 1992 1549

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O Governo tem de decidir se é liberal, se é autoritário ou social-democrata, se acredita ou não nos conflitos sociais como potenciadores do diálogo.
Ora, um governo de maioria absoluta não tem justificação para a ausência de rigor num procedimento legislativo que desencadeia quando e como quer, no combate ao ilícito laboral que atinge os maiores níveis de sempre nas áreas do emprego, condições de trabalho e segurança social. O Governo sabe que a sua acção e deliberadamente quase inexistente; trata-se de uma escolha política!
Na sociedade portuguesa há comportamentos perfeitamente instalados, de entre os quais o trabalho infantil e doméstico constituem as manifestações ilícitas totalmente marginais e socialmente mais gritantes. Existem mesmo empresas a laborar total ou parcialmente clandestinas, sem que o Governo actue.
Decididamente a administração do trabalho não e o forte do Governo, que e nesta matéria um mau pagador de promessas.

Aplausos do PS.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Mário Tomé, tem a palavra.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não me detendo mais no abuso governamentalizador que sistematicamente ameaça os trabalhos desta Assembleia e, especialmente, as suas prerrogativas legislativas, nomeadamente em matérias de reserva legislativa, considero ser conveniente chamar a atenção para o facto «interessante» de o Governo, por um lado, quando lhe compele ler um papel activo, como no caso do lay-off, se demitir e, por outro, quando a sua intervenção não só é desnecessária como inconveniente - caso da arbitragem nas convenções colectivas de trabalho -, se intrometer!
No essencial, a proposta sobre o lay-off entrega a decisão de declaração dessa medida exclusivamente nas mãos da entidade patronal, que passa, assim, a usufruir de um direito excessivo, que se torna, aliás, devidamente comemorado com a possibilidade do aumento das remunerações dos corpos sociais em empresas - note-se em situação suficientemente grave, levando, por sua vez, à dispensa de trabalhadores com as consequências óbvias na sua própria retribuição mensal.
Por seu lado, nas alterações ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho, a imposição da arbitragem em situações de impasse, decidida pelo Ministério, constitui uma forma de intromissão inadequada na livre negociação entre as partes.
Finalmente, não existe qualquer garantia de tais arbitragens não revogarem os direitos e garantias previstos no IRCT e não encontramos lambem garantia de que a legislação assegure que as convenções colectivas não permitam a negociação, por dinheiro, de direitos individuais e colectivos dos trabalhadores até aqui considerados indisponíveis.
Considero que, para além de a forma - de autorização legislativa - não ser aceitável, o seu conteúdo contribui, uma vez mais, para a desregulamentação das relações de trabalho, com iodos os inerentes prejuízos para os trabalhadores.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia):- Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer a apreciação de algumas questões concretas que foram colocadas relativamente aos diplomas, mas não queria deixar em suspenso duas apreciações que foram aqui feitas pelos Srs. Deputados João Proença e Elisa Damião, relativas, por um lado, à concertação social e, por outro, aos acordos.
No que diz respeito à concertação social, deixou-me perplexo a observação que o Sr. Deputado João Proença fez no sentido de que só o facto de a Assembleia ser maioritariamente PSD, maioria que conforta o Governo na apresentação de diplomas à Assembleia, e que justifica que o Governo discuta estas questões com os parceiros sociais «vírgula a vírgula».
De facto, o Governo tem procurado, na apreciação que faz dos diplomas com os parceiros sociais, incluindo destes que estão hoje em debate, aprofundá-los ao máximo e não e exagero dizer «vírgula a vírgula», pois há, de facto, algumas vírgulas que são alteradas por sugestão dos parceiros sociais. Porém, o que acho estranho é, a contrario, entender-se que se o PSD fosse minoritário nesta relação que há pouco foi colocada em termos de possibilidade de aprovação, o Governo não aprofundaria, em termos de concertação social, os diplomas que estão - estes ou outros - em análise. Com isto quero significar que a prática seria sempre a mesma.
É evidente que, depois, a Assembleia decidiria se aceitava ou não as propostas que o Governo e os parceiros sociais tinham considerado como as mais úteis, oportunas e com maior interesse para serem apresentadas.
Quanto à questão que foi colocada sobre os acordos, quero dizer que, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado João Proença poderá ter interpretado relativamente à dimensão estratégica da concertação social, de facto, todos os acordos até agora celebrados têm uma dimensão estratégica: o conteúdo das matérias incluídas no acordo de 1990, o das maiorias incluídas no acordo de formação profissional, no acordo de higiene e segurança no trabalho e mesmo no de 1992, que se circunscreveu a política de rendimentos, mas não pode ser dissociado de um enquadramento estratégico tendo em vista, nomeadamente, o mercado interno.
Ora, é sabido que, quando as negociações envolvem medidas tão profundas e tão complexas os governos procuram implementar muitas delas há 10 anos -, quando há uma dimensão estratégica nas negociações de medidas deste tipo, a sua preparação tem de ser morosa.
Todos os instrumentos que constam dos acordos celebrados estão a ser trabalhados para se avançar com a sua execução. No âmbito da revisão da Lei n.º 2127 há um grupo de trabalho que irá discutir, ainda este ano, maiorias a nível da concertação social, das quais saliento a justiça no trabalho, a segurança social, a higiene e segurança no trabalho e a formação profissional.
As matérias estão a ser preparadas e o Governo, oportunamente, procederá à sua discussão com os parceiros sociais. Em relação àquelas que tiverem de merecer a apreciação e a aprovação desta Assembleia, o Governo também terá de, nessa oportunidade, avançar com a promoção do processo legislativo.

Aplausos do PSD.

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1550 I SÉRIE - NÚMERO 48

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está encerrado o debate.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, peco a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, desejava saber se era possível conceder-me alguma tolerância, visto que o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social referiu-se directamente à minha intervenção, razão pela qual gostaria de lhe pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Proença, estas coisas são resolvidas antes de estarmos perante um facto consumado. Neste momento, o Partido Socialista já não dispõe de tempo e, como tal, deveria ler consultado antecipadamente os outros partidos para que lhe fosse concedido algum tempo. Como sabe, a Mesa não pode ultrapassar esse problema e, desde já, agradeço a sua colaboração.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se na quinta-feira, dia 9 de Abril, às 15 horas, e dela constará uma interpelação ao Governo sobre política agrícola comum, da iniciativa do Partido Socialista.
Porém, os trabalhos serão interrompidos às 1é horas, pois realiza-se uma sessão solene de boas-vindas ao Sr. Presidente da República Árabe do Egipto, que terá lugar na Sala do Senado.
As votações em relação à matéria que hoje foi apreciada e cujo debate concluímos agora, serão agenciadas amanhã, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e certamente que serão realizadas numa próxima reunião plenária.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Pereira.
Dinah Serrão Alhandra.
Duarte Rogério Pacheco.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Cardoso Ferreira.
Fernando Correia Afonso.
Fernando Gomes Pereira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
João Granja da Fonseca.
José Ângelo Correia.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Candal.
Jaime José Matos da Gama.
João Maria Meneses Ferreira.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
José Barbosa Mota.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
Luís Filipe Madeira.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho Sousa.
Luís Carlos Peixoto.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Ana Paula Matos Barros.
António José da Mola Veiga.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Augusto Silva Marques.
Manuel Maria Moreira.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Oliveira e Silva.
António Alves Maninho.
António da Silva Braga.
Amónio Domingos Azevedo.
António Luís Santos Costa.
Edite Marreiros Estrela.
Fernando Manuel Costa.
Jorge Fernando Sampaio.
José Manuel da Silva Lemos.
Leonor Coutinho Santos.
Manuel Amónio dos Santos.
Rogério Conceição Martins.
Rui Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

João Gonçalves do Amaral.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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