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Sexta-feira, 29 de Novembro de 1996 I Série - Número 14

DIÁRIO da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE NOVEMBRO DE 1996

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 66/VII, da proposta de resolução n.º 28/VII, dos projectos de lei n.os 237 a 242/VII e do projecto de resolução n.º 36/VII.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Oslo, entre os dias 9 a 11 de Dezembro, para participar na cerimónia da entrega dos prémios Nobel da Paz.
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 6/VII - Sobre política de educação (CDS-PP), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Deputado Nuno Abecasis e do Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo), que proferiram intervenções na fase de abertura, e dos Srs. Secretários de Estado da Educação e Inovação (Ana Benavente) e do Ensino Superior (Jorge Silva), os Srs. Deputados Fernando de Sousa e António Braga (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Fernando Pereira Marques, Maria Celeste Correia e Miguel Ginestal (PS), Carlos Coelho (PSD), Manuel Monteiro (CDS-PP), Luísa Mesquita (PCP), Heloísa Apolónia (Os Verdes), Castro de Almeida (PSD), Isabel Sena Lino (PS), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP), José Calçada (PCP), Pedro Pinto e Lemos Damião (PSD), Bernardino Soares (PCP), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Natalina Moura (PS), José Cesário e Jorge Roque Cunha (PSD) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
A encerrar o debate intervieram, pelo partido interpelante, o Sr. Deputado Jorge Ferreira e, pelo Governo, o Sr. Secretário de Estado da Reforma Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins).
Entretanto, foi aprovado o projecto de resolução n.º 25/VII - Declara o dia 7 de Dezembro como Dia de Timor-Leste.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 50 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Teresa Maria Gonçalves Gil Oliveira Pereira Narciso.
Victor Brito de Moura.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.

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Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Gonçalves Sapinho.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 66/VII - Altera a Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março (Orçamento do Estado para 1996), que baixou às 5.ª, 7.ª e 10.ª Comissões; proposta de resolução n.º 28/VII - Aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação Mútua entre o Ministério da Defesa Nacional da República Portuguesa e o Ministério da Defesa da República Checa, assinado em Praga, em 26 de Abril de 1996, que baixou às 2.ª e 3.ª Comissões; projectos de lei n.os 237/VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto (Consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local), apresentado pelo PSD, que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões, 238/VII - Criação da freguesia de Boavista dos Pinheiros, no concelho de Odemira (PS), que baixou à 4.ª Comissão, 239/VII - Criação do cargo de secretário-geral municipal (PSD), que baixou à 4.ª Comissão, 240/VII - Melhoria do acesso dos cidadãos aos meios auxiliares de diagnóstico (PSD), que baixou às 1.ª e 7.ª Comissões, 241/VII - Altera a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro), apresentado pelo CDS-PP, que baixou à 6.ª Comissão, e 242/VII - Aprova medidas tendentes a dotar a Câmara Municipal de Lisboa de instrumentos indispensáveis para fazer face às consequências do incêndio ocorrido nos Paços do Concelho no dia 7 de Novembro de 1996 (PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes), que baixou às 1.ª e 4.ª Comissões; projecto de resolução n.º 36/VII - Visa a defesa da criação de um plano integrado de desenvolvimento para o distrito de Castelo Branco (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, recebi uma mensagem do Sr. Presidente da República, que, com a vossa aquiescência, votaremos em seguida, uma vez que esta é a última reunião plenária antes do dia 9 de Dezembro, data em que o Sr. Presidente da República tenciona deslocar-se a Oslo.
A mensagem é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação a Oslo, entre os dias 9 a 11 do próximo mês de Dezembro, para participar na cerimónia da entrega dos prémios Nobel da Paz, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1 e 166.º, alínea b) da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República».
Srs. Deputados, uma vez que ninguém pretende usar da palavra, vamos votar o parecer da Comissão de Negócios

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Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que, como é habitual, dá assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos dar início à interpelação n.º 6/VII - Sobre política de educação (CDS-PP).
Para fazer a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Srs. Deputados: Nos anos de 1976 e 1977 assistiu-se, nesta Casa, a um dos mais sérios e duros debates de que há memória no pós-25 de Abril. Tratava-se, então, de definir os princípios básicos que deveríamos adoptar para o sistema educativo nacional e daí resultaram as leis que consagraram a liberdade do ensino, deram direito de cidade ao ensino privado, abriram as portas à participação dos pais e encarregados de educação na orientação do ensino e instituíram o ensino pré-primário em Portugal. Estas leis, Srs. Deputados, ficam a fazer parte dos alicerces do próprio edifício democrático que construímos para a sociedade portuguesa.
Tive o orgulho de desempenhar então as funções de presidente da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura e de, como tal, orientar, na Comissão, os trabalhos que levaram à formulação, à discussão e à aprovação de tais leis.
De quantos me acompanharam nessa primeira Comissão só o Deputado Gonçalves Sapinho pertence hoje à Assembleia da República.
Perdoar-me-ão por isso, Srs. Deputados, que, ao abrir hoje este debate de interpelação ao Governo sobre o sistema educativo português, use a linguagem directa de quem, tantos anos passados, volta a esta tribuna para avaliar da saúde do sistema que mais condiciona o direito à cidadania e o futuro dos portugueses.
A dureza que, porventura, usar não é contra ninguém em especial. Entendam-na como um alerta na defesa da comunidade a que todos pertencemos.
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Um sistema que não propicia à generalidade dos seus utilizadores uma base sólida de cultura e de humanidades é um sistema que não os forma para o exercício da cidadania e da responsabilidade.
Um sistema que, na prática, impede que os seus utilizadores se preparem para uma carreira profissional sintonizada com a sua vocação e com as suas propensões é um sistema incapaz de produzir os profissionais competentes e competitivos que o desenvolvimento do País exige.
Em Portugal verificam-se estas duas circunstâncias. É por isso necessário que se diga claramente que, quando não se formam cidadãos responsáveis, nem profissionais competentes, não se dispõe, na verdade, de um sistema educativo.
Esta a realidade que, com coragem, temos de enfrentar, se, na verdade, pretendemos, mais do que lançar remendos, emendar os erros passados, de que, colectivamente, todos somos responsáveis. Tudo o mais são consequências deste erro de base. Sem lhe dar remédio e sem encontrar as verdadeiras soluções, andamos a enganar-nos uns aos outros e a desperdiçar o tempo e o dinheiro que nos faltam para consolidar Portugal.
Talvez seja esta, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a verdadeira razão que nos levou a provocar esta interpelação em pleno debate do Orçamento do Estado.
Nenhuma outra ocasião seria melhor para mostrar que, mais do que discutirmos a percentagem do PIB que atribuímos à educação, interessa saber se estamos a gastar bem ou desastrosamente os meios de que dispomos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A educação é, talvez mais do que todos os outros, o primeiro problema do Estado, que atravessa toda a sociedade portuguesa, que responsabiliza governantes e cidadãos, que envolve todos os partidos políticos e que mais condiciona o futuro que iremos ter.
É por isso que é importante reconhecer os erros passados e, assumindo as responsabilidades que nos cabem, aceitar um verdadeiro pacto de regime em que, juntos e com humildade, procuremos encontrar as verdadeiras soluções. Se o fizermos, não mais teremos que falar em paixões que a realidade do dia-a-dia desmente, porque nada de mais empolgante e dinamizador existe do que o facto de a juventude de um país se propor, consciente e participadamente, para enfrentar o futuro e conquistar um lugar digno no mundo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular podia ter requerido esta interpelação ao Governo sobre política de educação por estar frontalmente em desacordo com a política de educação que tem vindo a ser seguida, mas isso pressupunha que o Governo tinha uma política de educação, que tinha tomado medidas ou efectuado mudanças no sistema educativo e que essas medidas e essas mudanças estavam erradas. Não é disso que se trata.
O Grupo Parlamentar do Partido Popular requereu esta interpelação para responsabilizar politicamente o Governo do Partido Socialista por um ano de estagnação e de paragem, quando não de retrocesso, no tão importante e estratégico sector da educação e, sobretudo, para debater e apresentar soluções políticas para o futuro.
O País e a juventude portuguesa exigem mais: exigem mudança, seriedade, rigor e alternativas a um sistema de ensino sem qualidade, a um não sistema que, na realidade, nega o futuro, em vez de o dar a quem o frequenta.
Façamos um breve resumo do que foi a actividade do Governo do Partido Socialista, no domínio da educação, durante o ano que passou.
Logo no início da sessão legislativa passada, o Governo propôs a suspensão das propinas, repondo em vigor a legislação do dia 24 de Abril de 1973 e prometeu então que até Junho passado apresentaria à Assembleia da República uma proposta de lei sobre o financiamento do ensino superior, reintroduzindo as propinas já para o ano lectivo em curso. O Governo não cumpriu. O sistema está na mesma e não se sabe o que aconteceu a quem não pagou as propinas enquanto vigorou a lei. Talvez o Secretário de Estado Pina Moura conheça já qual vai ser o montante da propina futura,...

Risos

... mas isso não resolve a situação de injustiça que se gerou e que perdura.

Aplausos do CDS-PP.

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Depois, o Governo veio a esta Assembleia propor um pacto educativo. Supusemos, então, com alegria, que esse seria o grande acontecimento do ano, mas desse pacto nada saiu em concreto e ficámo-nos pelo debate preliminar que aqui ocorreu.
Depois do pacto, veio a catástrofe dos exames. Ao rosário dos erros nas provas sucederam-se o descalabro das notas, as bonificações para evitar os chumbos generalizados no 12.º ano, a descida das notas mínimas, tudo, a ponto de fazer corar de vergonha quem não desiste de lutar por um ensino de qualidade neste país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, elaborou o Governo uma proposta de lei, alterando quatro artigos da Lei de Bases do Sistema Educativo. Podia o Governo ter aproveitado a ocasião para propor alterações de fundo, reclamadas pelas famílias, pelas empresas, pelos professores, pelos próprios estudantes, que já todos perceberam que a facilidade não é o caminho do sucesso. Mas não! O que o Governo quer, tão-só, e na essência, é transformar os politécnicos em mais fábricas de licenciaturas - o que será mais um erro fatal - e permitir que as escolas superiores de educação formem também professores para o 3.º ciclo do ensino básico. É curto, é pouco, é errado!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, é bom que se diga que a questão de fundo não é um problema de empregos, embora milhares de estudantes universitários estejam, hoje, legitimamente preocupados com o seu futuro.
A questão de fundo também não é, como pretende o Sr. Ministro da Educação, saber se as exigências para formar os professores do 3.º ciclo vão ser iguais para todas as instituições, universidades e escolas superiores de educação. Era o que faltava que não fossem!
O verdadeiro problema é saber se estas exigências vão ou não baixar deforma drástica em relação à situação actual, em que esses professores são formados pelas universidades.
A proposta de portaria do Ministério da Educação sobre habilitações para a docência, bem como a composição do corpo docente das escolas superiores de educação, em que escasseiam mestrados e doutorados, apontam no sentido de que as exigências de formação cientifica específica vão baixar, e muito, num momento em que é fundamental apostar na qualidade da educação. Não se pode aceitar uma baixa da qualidade científica na formação dos professores de um ciclo tão crucial como é o 3.º ciclo do ensino básico. Portugal precisa de professores que saibam, de professores que ensinem.
O Sr. Ministro da Educação fala da necessidade de valorizar e credibilizar o ensino politécnico, onde se integram as escolas superiores de educação. Não seremos nós a contrariá-lo, mas essa valoração e essa credibilização têm de começar pela requalificação do corpo docente dessas mesmas instituições, onde deverão aparecer, em grande número, mestres e doutores nas áreas humanísticas e científicas: em português, em história, em línguas, em matemáticas, em físico-químicas, em ciências naturais. O Sr. Ministro da Educação, porém, propõe o contrário: mexe-se primeiro na lei, com uns tímidos «requisitos» a enunciar mais tarde.
Esta política não é aceitável, porque imporá aos jovens portugueses e ao País um preço muito elevado.
Em resumo, Sr. Ministro, quando mais se impunha rigor, qualidade e exigência, o seu Ministério respondeu com panos quentes, facilitou, evitou os problemas. A juventude é sábia e deve ser por isso que está na rua a protestar.
Seja qual for a solução do futuro, é preciso que se diga que é essencial a instituição de «controlos de qualidade» exteriores e independentes, como os exames nacionais, para aferir a qualidade e a eficácia do sistema.
Não se pense, entretanto, que as escolas superiores de educação sem o 3.º ciclo ficam sem ter que fazer. Os jornais têm referido, com frequência, a preocupante falta de professores primários por todo o País, com centenas ou milhares de crianças que em Novembro ainda não tinham professores.
Na entrevista que deu à RTP para assinalar o 1.º aniversário do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro referiu-se à educação, para dizer que a prioridade das prioridades é o ensino básico, nomeadamente o l.º ciclo ou a escola primária. Como explicar então, Srs. Ministros, esta escandalosa falta de professores no 1.º ciclo e as centenas ou milhares de crianças sem professor?!
Não interessa apontar culpados! Apelemos, sim, ao Governo e às escolas superiores de educação para que não descurem a formação dos professores primários que faltam em Portugal, que faltam às nossas comunidades da diáspora e que, diariamente, nos são pedidos pelos nossos parceiros na comunidade dos países de língua portuguesa.
Queremos deixar aqui um grito de alerta e, simultaneamente, disponibilizarmo-nos para participar nessa tarefa empolgante, dinamizadora e urgente de reconduzirmos o sistema nacional de ensino aos seus verdadeiros objectivos.
Como contributo, e não mais, das ideias que temos e que queremos compartilhar aqui vos ficam algumas pistas.
Em primeiro lugar, queremos abrir a possibilidade da criação do ministério da educação e do emprego, que a actual Lei de Bases não permite.
O que ganha um país em ter um ministério da educação profundamente burocratizado, corporativo e tentacular e outro do emprego, praticamente dedicado a gerir fundos europeus, sem informação, sem ligação um com o outro e sem uma visão do País e do futuro? Hoje, o Ministério do Emprego é quase um ministério >, sem acção, sem dinâmica, sem política.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Portugal tem a ganhar em ter um único ministério da educação e do emprego, pela simples razão de que sem melhorar a instrução não prepararemos nem qualificaremos os jovens para o emprego.
Em segundo lugar, queremos generalizar o acesso das crianças à educação pré-escolar.
As desigualdades sociais e a falta de preparação de base dos jovens portugueses tem origem neste ponto: só os filhos das famílias economicamente mais favorecidas podem frequentar o ensino pré-escolar. Às outras crianças está reservada a casa, ou pior, brincar na rua, abandonadas à sua sorte.
É nesta fase do sistema que começa e, em muitos casos, acaba a igualdade de oportunidades. É também aqui que deve começar o cumprimento do objectivo de aumentar os conhecimentos e as capacidades dos alunos médios, pois são eles que hão-de fazer o dia-a-dia das empresas,

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das instituições e do País. Se o Governo tiver que optar entre obrigar o ensino entre os seis e os 15 anos ou entre os cinco e os 14 anos, é preferível optar pelos cinco anos, se queremos educar as novas gerações.
Em terceiro lugar, queremos estabelecer como objectivo de todos, os graus de ensino, o desenvolvimento e aprofundamento dos conhecimentos sobre a língua, a história e a cultura portuguesa. É triste ver-se como a escola de hoje não ensina o português e constatar a ignorância das novas gerações sobre o nosso passado colectivo.
Em quarto lugar, queremos virar a escola para o mundo do trabalho e, é por isso que propomos que, logo no 3.º ciclo do ensino básico, seja aberta a via do ensino técnico-profissional, sem prejuízo da formação cultural e humanística a que todos têm direito. É por isso também que propomos a criação do mecenato educativo para envolver activamente as empresas no sistema do ensino. Quanto mais tarde o País acordar para esta necessidade da formação de uma mão-de-obra qualificada, maior será o desemprego potencial produzido pelo ensino.
Em quinto lugar, propomos que a conclusão com aproveitamento do ensino básico dependa da aprovação num exame nacional de avaliação dos conhecimentos, então, adquiridos.
Tem de acabar o laxismo no ensino. Tem de acabar a impunidade da irresponsabilidade. Tem de começar a era do rigor e da qualidade, porque quando os nossos jovens forem ultrapassados por espanhóis, franceses ou alemães na conquista de um posto de trabalho, eles não nos perdoarão - e bem! - o facto de termos permitido que eles saíssem da escola sem saber.
Em sexto lugar, há que acabar com a impunidade e a irresponsabilidade que actualmente existem no ensino básico. Defendemos que as faltas às aulas determinem a perda do ano, a partir de certo limite, e que não seja possível transitar de ano sem aproveitamento a português e a matemática.
Em sétimo lugar, queremos extinguir o 12.º ano de escolaridade. Trata-se de um «neto» do famigerado serviço cívico e de um «filho» do defunto propedêutico. É um ano para empatar, para atrasar, para inutilizar.
Em oitavo lugar, propomos que sejam as universidades, e só elas, a definir e a executar o sistema de avaliação de capacidade e conhecimentos para entrar no ensino superior. Enquanto for o Estado a fazê-lo, não é possível responsabilizar as universidades pelo ensino. Quem sabe o número de vagas existentes para um ensino de qualidade não é o Estado, são as próprias universidades. Cada uma deve ter a autonomia, a capacidade e a responsabilidade de dizer, ano após ano, quantas são as vagas que tem e quais as provas de admissão que exige.
Quando será, Srs. Deputados, que teremos a sorte de ver, neste país, as nossas universidades governadas por fundações individualizadas, uma para cada universidade, assegurando a investigação, o desenvolvimento e a formação de novas classes de portugueses.
Os alunos não podem continuar a ir para os cursos que não querem, porque o País não pode desperdiçar os seus preciosos recursos humanos em gerações frustradas.
Em nono lugar, defendemos que deve ser instituído o princípio de que a acção social escolar deve apoiar as pessoas que precisam e não as instituições que os alunos frequentam. Deve também ser universal, no sentido de que têm de acabar as discriminações entre os jovens necessitados que frequentam o ensino público e os jovens também necessitados que frequentam o ensino particular e cooperativo.
Por último, a educação física e o desporto deverão ser incluídos nos planos curriculares do ensino básico. Para nós, não há formação integral na personalidade dos jovens sem educação física e desportiva. Quem nunca competiu no desporto não saberá competir na vida!
Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Termino como comecei. Não pretendi atingir ninguém com as palavras que proferi. Espero que as tenham entendido como o apelo empenhado e sincero de quem já lutou nesta Casa, nos recuados anos do pós-revolução, pelo destino e pelo futuro das novas gerações de portugueses.
Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Marçal Grilo): Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Iniciámos o ano lectivo de 1996/97 enunciando três princípios, que deverão nortear toda a nossa acção: a estabilidade, a exigência e a segurança.
Estabilidade, porque pensamos que o espírito de diálogo que tem vindo a pautar a nossa acção tem como objectivo primordial manter, em cada momento, um equilíbrio entre mudança e inovação, por um lado, preservação e consolidação de práticas, por outro. Este constitui um factor a que atribuímos a maior importância, uma vez que só será possível prosseguir algumas iniciativas se o sistema for estável, isto é, se os principais protagonistas do processo conhecerem as regras e dispuserem, em tempo, dos instrumentos adequados.
Exigência, porque se torna absolutamente essencial introduzir na escola o sentido do rigor e da qualidade, o que implica, da parte de todos, a consciência de que temos de definir um novo quadro de referência, no qual o ensino, a aprendizagem, as avaliações, as práticas, os processos, a gestão e os projectos apresentem novos padrões e novos termos de comparação.
Segurança, porque a escola deve constituir um local onde o corpo docente e os jovens devem trabalhar e estudar num clima de tranquilidade, onde não deve haver excluídos e onde deve ser possível conduzir um projecto educativo com a qualidade indispensável à formação de cidadãos responsáveis e participativos na vida colectiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Governo inicia a sua participação neste debate, promovido pelo Partido Popular, expressando a sua disponibilidade e o seu empenhamento nas questões de educação, tendo em vista que se torna necessário continuar a aprofundar e a consolidar as estratégias, as medidas, os programas, os projectos e a inovação, que permitam ultrapassar o estrangulamentos com que se debate a educação no nosso país.
Importa, neste sentido e do nosso ponto de vista, prosseguir no caminho traçado há cerca de um ano atrás, quando procedemos à apresentação do Programa do Governo, isto é, continuar, de forma determinada, a considerar a escola como o centro das políticas, os professores como agentes privilegiados da mudança e da qualidade, os estudantes como objecto essencial do processo educação/for-

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mação e a família e os pais como parceiros essenciais para a construção de um ambiente sócio-cultural favorável à escola, à aprendizagem dos saberes e à consolidação dos valores em que assenta a nossa sociedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No último ano, o Governo traçou um conjunto de objectivos que tem vindo a prosseguir com determinação. Primeiro, a criação de um quadro legislativo e financeiro que permita a expansão e a consolidação de uma educação pré-escolar para as crianças dos três aos cinco anos de idade; segundo, o lançamento de um conjunto de iniciativas no combate à exclusão e ao abandono escolar; terceiro, a diversificação do ensino pós-obrigatório; quarto, a credibilização e dignificação do ensino superior politécnico; e, Finalmente, a valorização das carreiras docentes, quer do ensino superior quer do ensino não superior.
No que diz respeito ao programa de expansão e consolidação da educação pré-escolar, importa referir que a proposta de lei-quadro, apresentada pelo Governo nesta Assembleia, está na fase terminal de aprovação, o que muito nos apraz registar. Trata-se de levar a efeito um esforço sistemático, não antes feito, tendente a cobrir as necessidades educativas da faixa etária dos três aos cinco anos, no que é a primeira fase da educação básica.
As taxas de cobertura portuguesas no pré-escolar são das mais baixas da Europa, sendo ainda certo que apresentam um quadro mais lisonjeiro do que a realidade, em virtude de existirem situações de mera guarda de crianças consideradas, impropriamente, como de educação.
Há um grande esforço nacional a levar a efeito neste domínio, que o Governo tem. assumido e continuará a assumir. Criámos os lugares de educadores de infância na rede pública, que há muito se encontravam congelados...

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e que geraram uma realidade anómala, que foram os jardins autárquicos. Acompanhámos, caso a caso, as situações muito diversas e complexas de unidades de educação pré-escolar nas autarquias locais em condições de entrar em funcionamento, no sentido de as pôr em actividade, apesar de todas as dificuldades inerentes ao compreensível atraso na aprovação da lei-quadro.
Devo, aliás, realçar a importância essencial dos acordos que o Ministério da Educação celebrou com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e os contratos que estabeleceu com a ANAFRE, que representam passos sem precedentes neste domínio.
Dialogámos e mantemos estreito contacto com a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social, com a União das Misericórdias e com as Mutualidades, no sentido de garantir que a expansão da educação pré-escolar se faça com participação activa do sector social e no sentido de assegurar uma convergência real dos regimes em nome da qualidade de oportunidades. Considerámos, ainda, a importância do sector particular e cooperativo, pela sua experiência e pelas suas virtudes.
O Estado não se exime às suas responsabilidades, assume o seu papel estratégico e assume as iniciativas que forem necessárias, visando criar uma educação pré-escolar, apta a garantir uma maior justiça e uma maior qualidade na educação, contrariando os preocupantes sinais de exclusão, de insucesso e de abandono precoce no ensino básico educativo e obrigatório.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos, assim, a lançar um programa do maior alcance social, visando dar apoios adequados e susceptíveis de garantir que nenhuma criança dos três aos cinco anos de idade fique, a prazo, privada do direito inalienável a uma educação pré-escolar de qualidade.
O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Daí, a importância da estreita articulação e do trabalho conjunto com o Ministério da Solidariedade e Segurança Social, visando assegurar a complementaridade entre função educativa e função sócio-educativa. Daí, a preocupação em garantir que os interesses das famílias e que a sua participação nos projectos educativos sejam salvaguardados. Daí, a importância da tutela pedagógica única, como caução de qualidade e rigor. Daí, o gradualismo e a determinação, em nome da necessidade de concretização, com vista à convergência dos regimes, designadamente nos sectores público e social, em nome da justiça e da igualdade de oportunidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Importa, no fundo, não esquecer que este esforço, no qual pomos toda a nossa vontade e esperança e no qual esta Assembleia tem participado activamente, significará também uma valorização de todo o ensino básico, em especial do 1.º ciclo, que tão esquecido tem estado, e não pode continuar a estar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A qualidade de oportunidades e o combate à exclusão exigem um combate sem tréguas. Nesse sentido, o Governo está a levar a efeito uma política fundada em iniciativas que, nas escolas e nos territórios educativos, visam contrariar no dia-a-dia as dificuldades e os graves problemas sociais com que nos debatemos.
A experiência dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária assume uma importância fundamental. Trata-se de desenvolver uma lógica integrada de acções, em zonas especialmente difíceis, envolvendo várias escolas e diversos níveis de ensino, com concentração de meios e criação de condições especiais e visando contrariar, na prática, os factores de desigualdade e de exclusão. A estratégia não pode deixar de ser gradualista, não é possível chegar a toda a parte ao mesmo tempo, e os sinais que já temos do modo como a experiência está a ser levada à prática são extremamente positivos e dão-nos o alento e o incentivo necessários, para prosseguir e alargar significativamente a experiência no próximo ano lectivo, ou seja, em 1997/98.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Também relativamente aos «currículos alternativos», qualquer que seja a sua designação, o tempo e a experiência já se encarregaram de desmentir os receios infundados que surgiram no início, mais baseados em processos de intenção do que em realidades.

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Partimos das situações em que o insucesso e o abandono se tornam inexoráveis no ensino obrigatório. O direito à educação obriga a que o Estado crie condições para uma última oportunidade e não podemos criar meras soluções formais para o cumprimento da escolaridade. Impõe-se dar respostas efectivas, que obrigam da parte da escola a um esforço acrescido, com vista a dar sentido ao acto educativo, em razão do estudante com dificuldades, que a maior parte das vezes não sabe qual o seu lugar na escola e como esta é importante para o prosseguimento da sua vida activa. No fundo, os currículos alternativos visam integrar e não excluir, atendendo à diversidade, e também aqui os sinais são encorajadores.
Insista-se, aliás, na necessidade de compreendermos que o ensino obrigatório de nove anos - e não de seis ou de quatro, como era antigamente - é um direito e um dever, envolvendo o Estado e a sociedade.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Senão assumimos esta dupla vertente, estaremos a condenar a educação ou a ser uma realidade reprodutora de injustiças ou um sistema de nivelamento por baixo - o que é intolerável.
Há um dilema nas sociedades democráticas contemporâneas a que temos de saber responder. Número e qualidade, democracia e exigência, autonomia e responsabilidade, obrigam a que liguemos, permanentemente, elementos contraditórios e diferentes e o ensino obrigatório tem de harmonizar esses factores. Tão demagógica é a tentação uniformizadora ligada exclusivamente à quantidade como o é a da invocação abstracta da qualidade e da exigência sem se compreender que não há duas escolas iguais como não há dois estudantes ou duas pessoas iguais. Igualdade é, como nos ensinamos clássicos, tratar diferentemente as situações diferentes. A democracia é, afinal, a compreensão disso mesmo.
Se urge compreender a realidade do ensino básico obrigatório, recusando a tentação de usar referências e paradigmas ultrapassados, a verdade é que isso mesmo obriga ainda ao correcto entendimento sobre o ensino pós-obrigatório. O ensino secundário tem hoje uma dupla finalidade: constitui termo de estudos e permite o acesso ao ensino superior.
A diversificação de vias e a valorização das vertentes tecnológicas e profissionalizantes, bem como a consolidação do subsistema das escolas profissionais, constituem aspectos que importa destacar e nos quais temos trabalhado activamente. Num tempo em que a ligação entre educação e formação é exigida em razão das transformações das economias, da globalização, da mobilidade, da competitividade e dos seus limites, e em que a educação ao longo da vida se tornou indispensável, pode entender-se o esforço do Governo na clarificação do regime institucional e financeiro das escolas profissionais, cujo futuro tem de ser garantido com rigor e salvaguarda da qualidade.
Paralelamente, decorre um processo participado, com activo envolvimento das escolas, orientado para uma gestão curricular mais adequada às necessidades educativas, aos calendários escolares e à concretização dos objectivos do ensino secundário. Esta preocupação liga-se ainda, no ensino superior, a um esforço global de valorização e dignificação, que não pode deixar de considerar em especial o ensino superior politécnico.
O futuro se encarregará de demonstrar o bem fundado das nossas preocupações e a necessidade de pôr termo a uma tendência para a subalternização social dos institutos superiores politécnicos. Teremos de aprender com as dúvidas, hesitações e erros, a que temos assistido em diversos países europeus neste domínio. Trata-se de um tema da maior actualidade. Impõe-se compreender que o fim da sociedade do pleno emprego, que caracterizou os últimos 40 anos, obriga a pôr no cento das políticas educativas a questão da adequação das formações a uma realidade em mutação. Universidades e politécnicos em estreita articulação, coordenação de esforços e vontades e assumindo a complementaridade das suas identidades diversas são chamados a dar resposta a este desafio.
Uma última palavra para a tarefa de negociação e de concertação que foi possível levar a efeito e que continua com as organizações representativas dos professores relativamente às carreiras docentes.
Além de desbloquearmos o impasse que estava criado, com graves prejuízos para professores, escolas e Estado, na transição de escalões, em particular entre o sétimo e o oitavo, de garantirmos a paridade entre a carreira técnica superior e a carreira dos educadores de infância e dos docentes dos ensinos básico e secundário e de regulamentarmos os artigos 54.º e 55.º do Estatuto da Carreira Docente, pudemos ultrapassar ainda o bloqueamento que encontrámos na valorização carreira dos docentes do ensino superior. Trata-se de uma tarefa inacabada que demonstra o nosso empenhamento e as virtualidades do diálogo e da partilha de responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar de educação, debater o presente e o futuro das novas gerações constitui uma obrigação das instituições democráticas. Aproveitemos, pois, esta oportunidade para pomos na ordem do dia os temas que aqui nos trazem. O País tem os olhos postos em nós e no modo como formos capazes de dar respostas adequadas e seremos, sem demagogia, para os grandes problemas perante os quais estamos confrontados.
Sr. Deputado Nuno Abecasis, Deputado por quem tenho uma enorme consideração desde há muitos anos, particularmente desde o período, que o Sr. Deputado aqui referiu, em que foi Presidente da Comissão Parlamentar de Educação enquanto eu fui Director-Geral do Ensino Superior, em que tivemos imensos contactos e em que tive a honra de poder trabalhar consigo, permita-me que faça duas ou três considerações relativamente à sua apreciação à actividade do Governo no último ano.
Começando pelo pacto educativo, devo dizer que ele foi apresentado nesta Casa em duas ocasiões: numa reunião da Comissão de Educação e numa célebre reunião em que fomos amiudadas vezes interrompidos pelo futebol. Trata-se de uma área que o Sr. Deputado referiu como tendo muito interesse para o PP. Também nós estamos interessados neste pacto, estamos interessados em ultrapassar, com os restantes partidos, os grandes estrangulamentos que temos na educação.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - E como pode imaginar, não seria apenas num ano que poderíamos ultrapassar todos os estrangulamentos que este sistema tem de há longas décadas.
A nossa proposta de alteração à lei de bases, se me permite, Sr. Deputado, não é uma proposta avulsa, é uma proposta de fundo.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não é, não!

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O Orador: - É uma proposta de fundo que toca três pontos absolutamente essenciais: um, que V. Ex.ª referiu, no final da sua intervenção, como sendo absolutamente essencial que se venha fazer, é o novo sistema de acesso ao ensino superior, cometendo às instituições a responsabilidade dos seus candidatos. Estamos de acordo.
Em relação à valorização do ensino politécnico, permita-me que lhe recorde o que V. Ex.ª disse, nesta Câmara, há 20 anos. Há 20 anos, V. Ex.ª foi o grande defensor de que algumas instituições, que o governo da altura quis integrar no ensino politécnico, ficassem no ensino universitário, com um diploma do período revolucionário, concretamente os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração.
Sr. Deputado, nesse altura, os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração não tinham lá nem um doutorado e V. Ex.ª foi defensor de que eles não deviam pertencer ao ensino politécnico. Defendo hoje uma proposta muito diferente. Proponho que o ensino politécnico seja verdadeiramente um ensino alternativo ao ensino universitário, porque é um ensino que tem de ser credibilizado, porque o País precisa dele, não fazendo licenciaturas iguais às do ensino universitário mas fazendo cursos de formação como aqueles que sempre defendi, que são aqueles que caracterizam uma formação mais prática, mais profissional, mais próxima dos interesses do sistema económico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao que V. Ex.ª disse quanto à formação dos professores do 3 º ciclo, quero dizer-lhe que esta Assembleia aprovou, na lei de bases, a possibilidade de as Escolas Superiores de Educação e o ensino politécnico fazerem formação de professores não apenas até ao 3.º ciclo mas até ao ensino secundário, como V. Ex.ª sabe que se passa nos domínios da música, das tecnologias e das áreas vocacionais. A questão está em saber se queremos, não é fazer o sistema educativo do lado das instituições de formação, mas fazê-lo do lado das necessidades das instituições que formam as nossas crianças, se queremos dar cumprimento à escolaridade obrigatória de nove anos e não àquilo que tem sido, em que o 3.º ciclo é uma espécie de pré-secundário, tal como o ensino secundário é uma espécie de pré-universitário.
A Lei de Bases do Sistema Educativo, se V. Ex.ª a reler, verificará que constrói o sistema educativo de baixo para cima e não de cima para baixo. Não pertenço àqueles que vêem o sistema educativo olhando para a universidade e dizendo que, para se entrar na universidade, se tem de ter as condições do ensino secundário e que, para ir para o ensino secundário, se tem de ter condições a partir do 3.º ciclo do ensino básico.
Em Portugal, o que temos de combater, Sr. Deputado, é a exclusão escolar, o abandono escolar e a exclusão social. Em cada três crianças que entram no 1.º ano há uma, pelo menos, que não chega ao final da escolaridade obrigatória e isto tem de ser combatido não apenas pelo lado da formação inicial dos professores mas é também pela formação inicial dos professores.
Nada me move contra a formação dos professores de todos os ciclos no ensino universitário; fui eu que propus, pela primeira vez neste país, com a equipa que estava no governo nessa altura, a criação do primeiro centro integrado de formação de professores na Universidade de Aveiro e fi-lo com toda a consciência da importância de formar professores com uma matriz e com preocupações comuns, do ponto de vista científico e do ponto de vista pedagógico. Não podemos brincar com a formação dos professores!
Agora, aquilo que aqui peço a esta Câmara é que, quando debater a nossa proposta de lei de bases, os seus três pontos, tenha em mente que a primeira grande prioridade é fazer uma valorização do ensino politécnico. O País tem milhões de contos gastos no ensino politécnico, temos 80 000 jovens no ensino politécnico e não podemos permitir que eles continuem a ser discriminados socialmente apenas porque se considera que estão num ensino «de segunda».

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Não é verdade!

O Orador: - Tem sido referida a concepção de que olhamos para o mercado de trabalho como se ele fosse o que nós queremos. O mercado de trabalho tem as características próprias que tem e todos os estudos indicam que necessitamos, em Portugal, de técnicos intermédios, os quais se formam em dois tipos de instituição: nas escolas profissionais e nos institutos politécnicos.
A possibilidade de os institutos politécnicos fazerem licenciaturas de raiz já hoje existe a partir da Lei de Bases que este Parlamento aprovou e que permite esta situação, de inversão do que tem vindo a ser dito. É que há hoje institutos politécnicos que formam licenciados em engenharia que são reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros e há universidades que têm licenciados em engenharia que não são reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Temos de conhecer e reconhecer que a importância do politécnico não é por atribuir licenciaturas ou não mas especificidade da formação que dão, pela forma como o curriculum é constituído e como, pedagogicamente, os cursos são considerados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Permita-me ainda, Sr. Deputado, que faça um referência em relação a uma nota a que sou particularmente sensível, a do laxismo e da diminuição do rigor, uma crítica a que sou muito sensível porque sou particularmente exigente comigo próprio e com os outros.
V. Ex.ª não o referiu mas foi este Governo que reintroduziu o conceito de nota mínima no acesso ao ensino superior e esta Câmara sorriu quando aqui falei na nota mínima, tendo-me sido dito que ela não ia funcionar; afinal, essa nota mínima funcionou, como critério de selecção para o ensino superior. Se V. Ex.ª analisar o que foram os últimos oito anos em matéria de acesso ao ensino superior, verificando qual é o perfil dos estudantes que entraram e comparando-o com o dos estudantes que entraram este ano, constatará que há um salto qualitativo particularmente importante, que se vai consolidar nos próximos anos. Este é um salto decisivo que temos de dar em matéria de rigor e em matéria de exigência.
Permita-me ainda que lhe diga, Sr. Deputado, em relação àquilo a que chamou a catástrofe dos exames, que

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V. Ex.ª terá acesso ao dossier completo dos exames do 12.º ano e poderá verificar que aquilo que foi aqui considerado, de forma jocosa, como os erros dos exames de 1996 foram menos erros do que aqueles que houve em 1995.

Aplausos do PS.

Não estou a fazer nenhuma crítica ao governo anterior nem à Dr.ª Manuela Ferreira Leite, mas os erros dos exames e os enganos provocados em provas tipográficas o erro da seta, na prova de física, ou a ausência da constante de Plank, na prova de química -, se me permitem, com este distanciamento que temos em relação aos exames e à colocação dos estudantes, que já estão todos colocados, no ensino superior, são erros menores em relação aos problemas de fundo que têm o 10.º, o 11.º e o 12.º anos.
Faço saber a esta Câmara que a revisão e a reformulação que estamos a fazer, em relação aos programas, aos curricula e à formação dos professores, é uma matéria de fundo e não propriamente o aspecto meramente mediático de se ter dito que andava um louco a colocar erros nas provas de exame.
Sr. Presidente, vou terminar dizendo apenas o seguinte: há muitas outras questões e entendemos, a nível da equipa governamental, que será cada um dos Srs. Secretários de Estado que irá abordar as diversas e sucessivas questões que foram aqui colocadas pelo Sr. Deputado e que temos muito gosto em trazer a esta Câmara.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, temos o privilégio de ter a acompanhar os nossos trabalhos um grupo de 110 alunos da Escola do Ensino Básico de 2.º e 3.º Ciclos da Arroja, um grupo de 43 alunos do Instituto Tecnológico e Profissional da Figueira da Foz, um grupo de 77 alunos do Colégio Manuel Bernardes, um grupo de 33 alunos da Escola Secundária Moinho de Maré, de Corroios, um grupo de 33 alunos da Escola Profissional de Setúbal, um grupo de sete alunos do Externato Paula Vicente, de Lisboa, a quem agradeçamos a presença, saudando-os.

Aplausos gerais, de pé.

Inscreveram-se cinco Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Nuno Abecasis e 16 Srs. Deputados para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Educação. Não se pode dizer de antemão que sejamos um Parlamento esclarecido!
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr: Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, não há dúvida que, por exigências do programa e do trabalho parlamentar que aqui decorre, V. Ex.ª teve azar de, imediatamente a seguir à sua intervenção, ser o Sr. Ministro da Educação a intervir.
Assistimos aqui, da parte do Sr. Deputado, a um discurso passadista, um discurso ultrapassado, conservador. Ouvi falar em rigor, em qualidade, em exigência, em faltas, mas não ouvi falar em democratização do ensino, nem do abandono, do insucesso ou da exclusão escolar.

O Sr. Sílvio Cervan (CDS-PP): - Rigor e exigência é passado?!

O Orador: - Sr. Deputado Nuno Abecasis, gostava de lhe dizer o seguinte: o que V. Ex.ª referiu de certo na sua intervenção está, neste momento, a constituir doutrina e matéria de intervenção do Governo; relativamente àquilo que não referiu, no que se refere à política educativa do Governo, a verdade é que V. Ex.ª não tem razão sobre essas matérias.
Certamente que a educação é um problema de Estado, mas gostaria que fizesse a justiça, em relação a este Governo e em relação ao PS, de considerar que, desde há largos anos, a educação é, de facto, o primeiro problema de Estado e não podemos concordar com o ano «de estagnação» que mencionou quando este Governo, em primeiro lugar, proporcionou o alargamento e a gratuitidade do pré-escolar, valorizou o ensino superior politécnico, o ensino superior particular e cooperativo, estabeleceu um protocolo com as autarquias, definiu os territórios educativos, extinguiu as provas de acesso ao 8.º escalão, que tanto mal-estar causava entre os professores, regulamentou o estatuto da carreira docente, etc., etc., etc.
V. Ex.ª refere que escasseiam mestrados e doutorados nas Escolas Superiores de Educação e no ensino superior e politécnico. O que gostaríamos de saber de V. Ex.ª é o seguinte: considera ou não que é importante a existência do ensino superior politécnico e das Escolas Superiores de Educação em Portugal? O que é que entende que deve ser feito para que elas sejam valorizadas, como é que vamos valorizar efectivamente o ensino politécnico?
O Sr. Deputado Manuel Monteiro, presidente do seu partido, em declarações que efectuou relativamente a esta matéria, explicou que a fronteira válida, no seu entendimento, entre o saber e o não saber é o exame. Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Nuno Abecasis se é este o seu entendimento da fronteira válida entre o saber e o não saber, se a fronteira não é mais entre o sucesso e o insucesso, entre a exclusão e a não exclusão, se não é mais entre o abandono e o não abandono. E como é que vamos resolver o problema do insucesso, do abandono e da exclusão escolar na escolaridade básica em Portugal? É com as faltas, é, eventualmente, com palmatoadas? Como é que vamos resolver esse assunto?

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - E os professores que «levam na cara»? Como é que é?

O Orador: - Finalmente, uma última pergunta, dado que já esgotei o meu tempo: concordamos com a valorização do português, da matemática e da história; estamos inteiramente de acordo sobre isso e têmo-lo dito, aliás, à semelhança do que a Suíça fez, na última reforma educativa a que procedeu. Porém, não percebemos a criação de um ministério da educação e do emprego e gostaria que nos dissesse qual é o modelo em que se baseia e se quer, assim, reduzir a educação a uma direcção escolar.
Para terminar, em relação à reforma financeira da universidade, o Sr. Deputado Manuel Monteiro também referiu que queria libertar a universidade da tutela financeira do Estado. Gostaria que V. Ex.ª me pudesse dizer se entende que, nesta perspectiva, o Estado deve ou não abrandar o esforço financeiro que tem com o ensino público em geral e particularmente com o ensino superior.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Dado que o Sr. Deputado Nuno Abecasis prefere responder às questões acumulando em dois grupos os pedidos de esclarecimento, tem agora a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, ouvimo-lo com a atenção que merece porque tem trazido a esta Câmara algumas questões decisivas, nomeadamente esta, da educação, que consideramos como tal. Simplesmente, do seu discurso, resultou uma grande dúvida e, sinceramente, tenho de lha colocar.
No domínio da afirmação de alguns dos princípios pelos quais se deve reger a educação, não temos dificuldade em estar de acordo, designadamente no rigor, na exigência e na qualidade, bem como também na necessidade de haver um grande entendimento, que denominámos como pacto educativo, sobre um mínimo razoável que permita manter a estabilidade do sistema, agora e no futuro, para que, mudando governos, não mudem regras básicas que têm de regular e permitir o sucesso do sistema educativo.
Contudo, Sr. Deputado Nuno Abecasis, o senhor é membro do PP e este discurso tem de ser confrontado com as propostas concretas do seu partido. Ora, nessas propostas, a visão do PP é diametralmente oposta, pois é uma visão elitista, segregadora, fazendo a introdução, designadamente, de um exame final da escolaridade obrigatória, quando sabemos que a escolaridade obrigatória não pode ser selectiva e que a introdução desses mecanismos leva, necessariamente, a que se tenha uma visão selectiva da escolaridade obrigatória, porque não faria sentido obrigar à escolaridade e depois fazer selecção.
Sr. Deputado Nuno Abecasis, a proposta do PP é concreta e contradiz o seu discurso, o que lamento ter que lhe recordar.
Uma outra proposta concreta do PP é a liquidação do 12.º ano, ou seja, o PP defende a escola dos ricos, o acesso à universidade só para os ricos, porque o 12.º ano constitui hoje um patamar importantíssimo de preparação de ingresso no ensino superior. Portanto, aqueles que não puderem frequentar um ano equivalente são os mais desfavorecidos economicamente e, por isso, o Sr. Deputado defende a universidade para os ricos.
Sendo assim, há aqui, no domínio do discurso das ideias gerais, uma situação interessante que não temos dificuldade em subscrever mas, quando vamos à prática, ao método e ao modelo, encontramos a escola elitista, passadista, que não podemos subscrever.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, esta questão tem que ser resolvida, porque se estão disponíveis para um pacto educativo temos que nos entender. Há questões fundamentais sobre as quais é preciso clarificar o que são os projectos de vida. É evidente que não podemos dissociar isto de uma visão da sociedade que o PP também perfilha. Reconhecemos coerência a esse discurso, mas há uma dessintonia em relação à nossa própria visão da sociedade, tendo em vista a aplicação de uma espécie de liberalismo feroz e mercantilismo à educação.
Como nós não vamos por aí, Sr. Deputado, pode resolver esse seu dilema?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para a defesa da consideração da sua bancada, o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é a contragosto que faço esta defesa da honra da bancada porque me parece que o País ganha pouco quando, no debate de questões da educação - e o mesmo é dizer do futuro do País -, se vai por um caminho em que começamos a deturpar intencionalmente e com má fé política aquilo que cada um de nós diz, porque isso não aproveita a ninguém.
Sr. Deputado António Braga, o senhor, porventura à falta de melhores argumentos para nos contrariar, acusou as nossas concepções sobre a escola e o ensino de conterem uma visão segregadora. Não posso deixar passar em claro que a palavra segregadora, com a carga pejorativa que V. Ex.ª tem perfeita consciência que ela encerra, é completamente inaplicável a quem, como nós, defende a escola de qualidade e a qualificação da escola.
Senso assim, permito-me devolver o qualificativo e dizer que quem defende uma escola segregadora é quem é cúmplice de um sistema que, neste momento, apenas dá o direito às crianças e aos jovens que frequentam a escola de terem acesso ao desemprego, de terem acesso à marginalidade, de se inscreverem em cursos nocturnos onde, por não se existirem faltas, não há frequência das aulas mas há outro tipo de actividades na própria escola.
Quem segrega as crianças, quem segrega os jovens são os autores deste sistema que os senhores adoram, em que não querem mexer, que acham que está bem, acham que. está certo, acham que prepara os jovens para o futuro, acham que serve o País! Sr. Deputado, isso é que é segregar gerações inteiras de jovens, não é, certamente, defender a qualidade e a avaliação dos conhecimentos e o rigor na frequência das aulas que segrega as crianças e os jovens.
Aliás, os senhores estão cada vez mais distantes daquilo que os estudantes começam já a pensar sobre o próprio tipo de ensino que os senhores querem oferecer e talvez mais dia menos dia comecem a ter surpresas antecipadas relativamente a outras maiorias do passado, quando perceberem que já nem os jovens vos entendem.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Braga, para dar explicações, querendo.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, é com todo o gosto que complemento as conclusões que legitimamente podemos e devemos retirar das propostas que o PP apresenta.
Evidentemente que não quis ofender o PP nem os Srs. Deputados do PP, mas é verdade que os Deputados do PP têm uma assinatura por baixo das suas propostas e estas, nomeadamente os exemplos que citei, são, do nosso ponto de vista, elitistas.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ah, não são segregadoras?!

O Orador: - Sr. Deputado, a liquidação do 12.º ano, em nossa opinião, cria condições de segregação àqueles que são economicamente mais débeis...

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Acha?!

O Orador: - ... e é essa a visão da escola elitista que não temos.
É evidente que neste domínio...

Protestos do CDS-PP.

Sr. Deputado Jorge Ferreira, o que está em jogo neste momento é precisamente criar condições para optimizar a igualdade de oportunidades no acesso ao conhecimento e ao saber e não é por acaso que este Governo tem entre mãos, para aplicar, um decreto-lei que vai generalizar a oferta da educação pré--escolar; não é por acaso que na Assembleia da República estamos também em vésperas de aprovar a lei quadro do pré-escolar, justamente em função desta visão que temos da sociedade e desta negação que queremos fazer a qualquer ideia que perpasse na cabeça de alguém - e, designadamente, isso decorre das propostas do PP - de criar condições de segregação ou de elitismo no interior do sistema educativo.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É falso!

O Orador: - É evidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, que não posso dizer-lhe outra coisa, porque isso decorre da leitura das suas propostas. Assim, vai ter de o desmontar, talvez alterando as suas propostas,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pode estar descansado!

O Orador: - ... e para isso já valeu a pena isto a que o Sr. Deputado entendeu chamar, na defesa da consideração, o mecanismo tortuoso do debate. Quanto a mim, esse facto pode ser bom, pois pode ser que a partir daí altere as suas propostas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra, para um pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

Vozes do PS: - Vai ver agora! Agora é que vai aquecer!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É o ministro-sombra?!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, V. Ex.ª referiu-se, na sua intervenção, à necessidade de um pacto de regime em matéria de educação. O Sr. Ministro da Educação já teve possibilidade de se referir a esse aspecto e, se me permite, gostaria de insistir sobre essa questão, que me parece fulcral.
O partido de V. Ex.ª, no seu programa eleitoral, acentua, em determinada passagem, esse ponto, referindo-se, nomeadamente, nesse programa eleitoral, que este acordo de regime deve consubstanciar-se num compromisso claro e partilhado sobre as principais opções da reforma que só se atrasa e compromete se for alvo da conflitualidade político-partidária permanente. A educação é um bem nacional que deve estar acima das políticas partidárias.

Aplausos do CDS-PP.

Em relação a esta questão do pacto educativo, Sr. Deputado, pedia-lhe que fosse mais concreto e mais preciso, porque não nos parece que, quando essa questão aqui foi abordada em Plenário, a posição da sua bancada tivesse sido clara sobre este ponto.
Por outro lado, também não nos parece que as referências que V. Ex.ª fez àquilo que foi a acção deste Governo durante este ano de actividade, pela sua ausência de rigor, pelo seu catastrofismo, pela sua incorrecção, possam corresponder para esta necessidade de convergência de esforços entre as diversas forças partidárias, tendo em conta o interesse nacional, tendo em conta o desafio nacional que constitui o problema da educação no nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nomeadamente, Sr. Deputado, a forma como se referiu à questão da alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo também me parece que não contribui para a seriedade do debate, que tem estado a ser viciado em muito por uma visão meramente corporativa, uma visão em muitos aspectos também marcada por preocupações de tipo conjuntural mas que não tem em conta, por um lado e como já aqui foi acentuado várias vezes, a valorização do ensino politécnico e, por outro, a dignificação da carreira docente, assim como também a valorização do ensino básico neste país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido e sintetizando, pedia-lhe que concretizasse qual a posição do CDS-PP sobre a questão do pacto educativo, não numa perspectiva meramente retórica mas de convergência concreta de esforços das diversas forças partidárias neste âmbito parlamentar mas também fora dele. Qual a posição de V.Ex.ª sobre a necessidade de um debate sério e aprofundado sobre a questão da revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo?
Uma terceira e última questão: em todo aquele panorama negro que traçou se não valoriza, pelo menos, o esforço sério feito por este Governo, mas também por este Parlamento, no que diz respeito à concretização de uma necessidade e de uma ambição que se arrastava há muitos anos, a Lei-Quadro do Ensino Pré-Primário?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A palavra, para responder aos três pedidos de esclarecimento, ao Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, V. Ex.ª sabe que a consideração é recíproca e de há longos anos e, diria mais do que isso, o companheirismo. Não esqueço que o Sr. Ministro, que não estava na Assembleia da República em 76/77, partilhou comigo aquilo que foi a mais dura luta que houve neste país, que eu saiba, em todos os tempos, para garantir um sistema democrático de ensino em Portugal.
A minha resposta ao Sr. Deputado Fernando de Sousa é a seguinte: graças a Deus não preciso demonstrar a ninguém, por palavras, a minha democraticidade. A minha vida é um espelho disso.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Não está em causa!

O Orador: - Sr. Ministro, V. Ex.ª lembrou o problema do ISCAL e do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, mas talvez não se lembre muito bem do problema, tendo aflorado um aspecto que não foi, certamente, o principal dessa questão. O aspecto principal dessa questão foi o facto de se ter pretendido extinguir o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa e o ISCAL.

O Sr. Ministro da Educação: - Como sabe, opus-me a isso.

O Orador: - Não foi apenas a sua posição, foi a de muita gente e foi, por exemplo, a posição dentro da Ordem dos Engenheiros. Opus-me a isso terminantemente.
Já agora Srs. Deputados, disse há pouco, mas parece que não ouviram, que não pretendia atacar ninguém, nem penso que os defeitos que reconheço no sistema de educação e que me sinto na obrigação de denunciar, não para denunciar pessoas mas para salvar gerações, tenham resultado da acção de um ministro nem de um governo.
Se querem saber a minha opinião e eu gosto de dizer as coisas por extenso, os primeiros e mais graves erros na área da educação começaram com a reforma Veiga Simão, em pleno Estado Novo. Infelizmente, o regime democrático foi um bom aluno dessa reforma que, sob alguns aspectos, foi boa e sob outros foi desastrosa. Foi desastrosa quando, em nome da democracia, se quis impor a todos os nossos filhos que fossem doutores ou não fossem nada; foi desastrosa porque a supressão do ensino técnico-profissional deixou no ar - e daí a perplexidade em que todos estamos - o ensino politécnico. É uma mesa linda a que faltam as pernas!
Como fiz toda a minha vida na indústria, seio que é soldar, com as minhas mãos, e sei que ninguém pode ser operário se não tiver sido aprendiz e que nunca será um bom profissional se começar, como se pretende - espero que agora não, mas pretendeu-se durante anos demais -, a formar aprendizes aos 18 e 19 anos!
Foi assim, Srs. Deputados, e é preciso que isto seja dito com coragem, que se destruiu uma das maiores riquezas deste pais, a qualidade da nossa mão-de-obra, e quem quiser recusar isto está prestar um péssimo serviço aos jovens, está trair Portugal, porque lhes está a fechar as portas do futuro.
Srs. Deputados, é isto que quero dizer e ainda que tenho os olhos abertos, porque tenho filhos, netos e sobrinhos e tive de dirigir, na minha vida, algumas centenas de superiores licenciados e doía-me a alma de português quando via que não sabiam escrever um relatório e que não sabiam exprimir as suas ideias, porque a escola não os tinha formado para isso. Não porque fossem de qualidade inferior aos estrangeiros, mas porque desprezámos as humanidades e, sem elas, sem cultura e, como disse, sem que as pessoas possam seguir a sua vocação, não há profissionais. É isto que temos de reconhecer.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, não penso nem nunca pensei, nem sobre isto nem sobre coisa nenhuma, ter o dom da sapiência e as soluções na mão. Agora, não penso também que ninguém as tenha, nem que ninguém possa ser excluído da resolução desta questão. E é porque penso estarmos a tratar do futuro de Portugal que entendo que esta é uma questão de Estado.
Com toda a humildade, com as ideias que tenho e que o meu partido tem, boas ou más mas com certeza para o bem de Portugal, posso garantir-lhe que não sou eu, mas o meu partido, na totalidade da sua bancada, que está disposto a sentar-se ao lado dos seus parceiros para tentarmos reconhecer os erros que praticámos e para sermos capazes de construir um futuro melhor.
Sr. Deputado, não quis fazer críticas, mas trairia esta Assembleia e o mandato que me foi dado se continuasse a dizer que o «Rei não vai nu». Comecei por dizer o muito respeito, para lá da amizade, que tenho pelo Ministro Marçal Grilo, mas quero sublinhar, em nome da justiça, que também presto homenagem à Ministra Manuela Ferreira Leite, porque também ela teve coragem e tentou introduzir qualidade no ensino - talvez tenha sido a primeira ministra da educação, depois de todos os desastres por que passámos, que tentou fazê-lo.
É verdade que o Ministro Marçal Grilo está também a tentar fazê-lo e é por isso que o sentido da minha intervenção, em nome da minha bancada, foi denunciar mas estendendo uma mão, uma mão franca que esteve sempre à disposição dos portugueses para construir este país.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, ouvi com atenção a sua intervenção e gostaria de lhe dizer o seguinte: percebo e saúdo o seu empenho e o do seu partido em contribuir seriamente para o maior sucesso do sistema educativo, mas discordo frontalmente do cenário caótico que aqui veio trazer-nos, bem como discordo frontalmente de alguns dos pressupostos, de algumas das estratégias e de algumas medidas que aqui veio referir.
Sobre a questão das faltas, a vossa proposta a favor da modificação do sistema de faltas no ensino obrigatório, se bem percebi, pareceu-me ter uma característica: a de ser um reforço e um prémio daqueles que se adaptam ao sistema. Oca, esse reforço, na minha opinião, tem uma outra, face, que é uma face perversa que quero crer não estar com certeza nas suas intenções nem nas intenções do seu partido: a de empurrar para fora da escola e penalizar ainda mais os alunos que não se adaptam ao sistema, por uma ou por outra razão. Em meu entender, a escola tem de ser cada vez mais uma escola que prime pela exigência, pela qualidade e pela responsabilidade, mas uma escola que não exclua ninguém. É esse o esforço da generalidade dos agentes do universo educativo e é também esse o esforço do Governo e do Grupo Parlamentar do PS.
Sabendo das taxas de abandono escolar, designadamente nos nove anos de ensino obrigatório, penso que o Sr. Deputado vem propor um sistema de faltas que tenta, perversamente, repito, aumentar a exclusão. De quem? Dos mais pobres, dos que não descodificam a linguagem da escola; dos que são visivelmente diferentes, os imigrantes, os ciganos, etc., dos que são invisivelmente diferentes, os filhos dos emigrantes, os rurais, etc.
Assim, a questão que lhe coloco, Sr. Deputado, é a seguinte: se fosse adoptado o sistema de faltas que o Sr. Deputado e o seu partido propõem para o ensino obrigatório, que medidas e que políticas pretendem e defendem não só para os que abandonam já a escola mas para aqueles que, creio, a vossa proposta passaria a lançar para

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a exclusão? Isto numa altura em que tudo se faz para que nenhum aluno saia da escola e, mais, para que nenhum aluno saia da escola sem uma certificação.
Sobre a questão da língua portuguesa e da matemática, devo dizer que sou professora de língua portuguesa e até poderia ser tentada a aderir afectiva e corporativamente à sua proposta - é humano! Agora, como professora de língua portuguesa, gostaria de lhe relembrar, embora o saiba tão bem quanto eu, que a língua, qualquer língua, é parte tão intrínseca do ser humano que um fracasso aí é um fracasso da pessoa, razão por que concordo convosco, ou consigo, quanto à importância do ensino e aprendizagem da língua portuguesa. No entanto, gostaria que o Sr. Deputado me explicasse melhor, porque não a percebi muito bem, qual a vossa posição sobre a obrigatoriedade da passagem nas disciplinas de língua portuguesa e de matemática.
Disse ainda o Sr. Deputado, se percebi correctamente, que este sistema não propicia o exercício da cidadania. Ora, não há educação da cidadania sem um ambiente de cidadania e gostaria de saber se o seu partido acha que esse ambiente de cidadania existe ou não, hoje, na generalidade das nossas escolas e, no caso de entender que não existe, quais medidas de política educativa propõe para que ele venha a existir, pois se uma nação não educa para a cidadania, arrisca-se a comprometer o passado, a hipotecar o presente e perder o futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, ouvi com atenção a sua intervenção, que penso ter trazido alguns dados para reflexão nesta Assembleia no momento em que se vai iniciar o debate relativo à revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo, que é o momento indicado para se fazer uma avaliação séria, um ponto de situação sério, e lançar novas pontes e novos desafios para o futuro.
Permita-me, Sr. Deputado, que faça aqui uma breve reflexão sobre algo que me parece ter perpassado em toda a sua intervenção, que é a ideia de um certo antagonismo existente entre os dois subsistemas de ensino superior, o universitário e o politécnico.
V. Ex.ª passou - permita-me que lho diga com toda a franqueza -, nesta Casa, talvez, o maior atestado de incompetência e de menoridade não só às escolas superiores de educação mas também, através destas e de uma experiência que temos de considerar ser hoje ainda uma experiência nova em Portugal, a todo o subsistema de ensino superior politécnico. Não sei se foi intencional ou não, todavia fiquei com a ideia de que o fez talvez não por algum preconceito mas por algum desconhecimento do que é a inovação científica e a inovação pedagógica que esta experiência trouxe ao sistema educativo português.
Sr. Deputado, verdadeiramente, aquilo que faltou fazer na sua intervenção foi uma avaliação séria no sentido de saber, de facto, se esta experiência introduzida no sistema educativo português foi ou não positiva, se é preciso ou não fazer correcções de trajecto. Isso o PP não fez.
Creio ser este o momento para esclarecer a vossa posição, porque essa avaliação é determinante e é a razão de o Governo propor a esta Assembleia que a reflexão se faça através da avaliação destes subsistemas e não do seu confronto, não através da ideia, que o Sr. Deputado aqui deixou, de um antagonismo, mas de uma correlação de esforços, transformando-os em verdadeiros subsistemas alternativos, pois eles devem sê-lo. Como não percebi se era essa a sua intenção, solicito-lhe que faça o devido esclarecimento, em seu nome pessoal e em nome da bancada do PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputada Celeste Correia e Sr. Deputado Miguel Ginestal, ainda bem que fizeram essas perguntas, porque detesto deixar coisas mal-entendidas, e vou pegar nos dois problemas: a escolaridade obrigatória e a fidelidade aos mais desprotegidos, o ter em consideração os que têm maiores dificuldades.
Sr.ª Deputada Celeste Correia, sei que é extremamente sensível a estas questões e também sabe que eu o sou; só que a pior traição que pode fazer aos desprotegidos é fingir que eles têm alguma coisa que não têm, é dar-lhes uma arma e metê-los na floresta, sabendo a Sr.ª Deputada, antecipadamente, que eles não têm condições de resistir às feras. Enquanto o fizermos - e estou a falar com toda a sinceridade -, não vamos encontrar os sistemas para responder aos problemas que colocou e que também me ponho a mim próprio.
Só resolveremos este problema no dia em que dissermos que o sistema obrigatório é sério e é para que as pessoas que o terminam saibam e estejam preparadas para a vida e as que o não estejam e não saibam o melhor que têm a fazer é dizerem que o não têm. De contrário, corremos o risco de nunca mais resolvermos este problema, que é um problema real, em que, por não querermos enfrentar as realidades, há milhares e milhares de portugueses que continuam no analfabetismo apesar de saírem do nono ano.
Sr.ª Deputada, as realidades na vida impõe-se-nos! São superiores a nós! Estão aí no meio da rua! A Sr.ª Deputada dá com elas todos os dias, basta ir a um bairro pobre! Basta saber que a culpa de as crianças fugirem à escola, porque não entendem o que se está a dizer na escola, não é delas, mas de quem não criou as condições para que elas o entendam.
Acerca deste problema do ensino obrigatório, quero dizer que não apenas eu mas o meu partido estamos abertos a considerar todas as medidas, a reflectir e a dar todas as autorizações necessárias para que sejam encontradas as verdadeiras soluções para ele. Estaremos sempre do lado contrário ao de ludibriar os que menos podem. É que nunca se ludibria os filhos dos ricos; agora, os filhos dos pobres são ludibriados quando lhes damos um diploma que não quer dizer nada, e nós sabemos que não quer dizer nada!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - E depois nós, patrões, vamos recusar-lhes o emprego, porque eles não têm habilitações para o desempenhar. Ora, isto não pode continuar a acontecer. A justiça que a Sr.ª Deputada defende, tão assanhadamente como eu, não nos permite concordar com isto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Orador: - Penso que ficou clara a posição do PP sobre esta matéria. Nunca dissemos que se gastou dinheiro a mais na educação. O que eu disse foi que era preciso saber se o estamos a gastar bem e é necessário que o sistema de educação não se transforme num monstruoso sistema de ludíbrio e de opressão dos que não podem.
Penso que maior democracia do que isto não há! Repito, não é a minha posição mas, sim, a do meu partido, a desta bancada, com todos os seus Deputados.
Sr. Deputado Miguel Ginestal, colocou o problema do ensino politécnico. O que lhe vou contar é quase uma lenda, mas fica bem, porque o Sr. Deputado Fernando de Sousa disse que eu sou passadista, provavelmente devido à minha idade. Portanto, com a minha idade, já posso contar lendas.
Tive de enfrentar a minha Ordem, quando se colocou o problema da Escola Superior de Engenharia. E defendi, na minha Ordem, que deveria haver engenheiros com 2, 3, 4, até com 50 anos de formação. E sabe porquê? Vou dizer-lhe e talvez isto esclareça as suas dúvidas: porque um sistema de educação construtivo, dinamizador e empolgante é um sistema em que cada um sente a pressão dos que estão atrás. Estamos a criar sistemas de educação em que os engenheiros não têm incentivo para se ultrapassarem, e, comodamente, tornam-se capatazes.
Se não descobrirmos isto, ou seja, que a grande verdade do ensino politécnico pode ser a de preencher o espaço, que continua vazio neste país, entre o operário especializado e o técnico mais elevado, qualquer que seja a profissão, o comodismo humano faz com que as pessoas, em vez de se sentirem propulsionadas, vão «afogar» os outros, roubar o emprego aos outros, impedindo, assim, o desenvolvimento do País.
Neste sentido, creio que o ensino politécnico tem um grande futuro, mas, como disse ainda agora, temos de ter a coragem de criar os pós a essa mesa, dizendo que se cometeu um crime de lesa-pátria quando se acabou com o ensino técnico-profissional e reinstituir e reintroduzir neste país o ensino técnico-profissional.
Os meus filhos podem ter o direito, e têm de o ter, se quiserem, de serem electricistas. Ninguém pode impedir que isso aconteça! Acabemos, neste país, com o facto de nos chamarmos, uns aos outros, por Sr. Engenheiro e Sr. Doutor, passemos a chamar-nos pelo nome e talvez aprendamos o que é a dignidade do trabalho. É isso que anda arredado de nós e é por essa democracia que eu, com a idade que tenho, não me canso de lutar e continuarei a fazê-lo até ao último alento da minha vida,...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - ... porque quero um País moderno, não quero um País passadista, quero um direito igual para todos os meus concidadãos.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Vamos passar aos pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Educação, tendo-se inscrito para o efeito dezasseis Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, esta é uma interpelação sobre educação e, portanto, sobre todas as matérias que têm a ver com o sistema educativo. Mas ela ocorre num momento político próprio, que não podemos ignorar: em primeiro lugar, um momento de grande contestação ao Ministério da Educação, sobre o que nos pronunciaremos ao longo deste debate, pois não fugimos às questões; em segundo lugar, num momento em que a Assembleia da República exerce uma das suas competências mais dignas, mais elevadas e com maior relevância constitucional, que é a apreciação do Orçamento do Estado.
É nessa questão que gostaria de centrar a sua atenção na primeira pergunta que o PSD lhe quer dirigir nesta interpelação.
E nossa obrigação, não só nossa e vossa, no exercício de funções governativas, mas também colectiva, do País, lutarmos para que haja melhor educação e, sob esse ponto de vista, contribuirmos para que haja mais meios, uma melhor organização do sistema educativo, mais rigor, mais qualidade, mais exigência, melhor formação de professores. Estas são todas as garantias que os poderes públicos têm a responsabilidade de dar. Mas há, do outro lado da linha, se quisermos, um outro esforço: o de se conseguir que haja melhor acesso à educação.
Quanto a isso, o PSD vai apresentar, em sede de discussão na especialidade do Orçamento do Estado, uma proposta de alteração muito concreta, a qual, na nossa opinião, vai melhorar o acesso à educação e potenciar a liberdade de ensino e a liberdade de escolha, e que se relaciona com as deduções em matéria de IRS.
Como V. Ex.ª sabe, hoje, em IRS, as despesas com a saúde são totalmente susceptíveis de serem deduzidas, o que não acontece com as despesas com a educação. Provavelmente, estaríamos em condições de dizer que com a educação deveríamos fazer a mesma coisa. Mas o PSD considera que este é um salto que, se calhar, não estamos em condições de dar neste Orçamento.
Portanto, a proposta que vamos apresentar tem o conteúdo preciso de aumentar a fasquia, pois hoje em dia o limite que é possível deduzir em IRS é razoável para quem tem um filho a estudar, porque com uma propina mensal de 30 contos praticamente esgota esse tecto, mas discrimina todas aquelas famílias que têm mais do que um aluno no sistema educativo, designadamente fora do sistema público. Como isso não nos parece razoável, a proposta do PSD tem duas orientações: a primeira é a de aumentar o limite; a segunda é a de majorar, em função de cada aluno no sistema educativo. Porque, aqui, o benefício não é para a família, não é para o contribuinte. A lógica é permitir que cada estudante, per si, possa estar no sistema e ter a sua liberdade de escolha assegurada. Com isso, consideramos que estamos a dar o nosso contributo para a prioridade à educação, para beneficiar o acesso à educação e para dar mais justiça, quer no acesso à educação, quer fiscal.
O Sr. Ministro da Educação, como ministro da tutela, veria com simpatia a aprovação pela Assembleia da República desta orientação ou considera que em matéria de dedução em IRS a Assembleia da República deve conformar-se com o que existe de momento?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Informado de que o Sr. Ministro da Educação quer responder, pelo menos no início, aos pedidos de esclarecimento individualmente, tem a palavra.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, fez-me uma pergunta muito

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directa e dou-lhe igualmente uma resposta muito directa: é óbvio que, tal como a coloca, a matéria tem a nossa simpatia. Isto é, o Partido Socialista, como sabe, apresentou regularmente, nesta Assembleia, quando foi oposição não foi o meu caso, porque não fui Deputado -, propostas neste sentido e, como sabe, o Governo anterior sempre se manifestou contra. Isto não significa que eu não lhe diga que o Governo actual, ou melhor, o Ministério actual - respondendo-lhe à pergunta e não o querendo aqui vincular - entende que esta é uma matéria que deve ser analisada em sede de reforma fiscal e de avaliação da quebra das receitas. Tem a nossa simpatia, isto é, estaremos disponíveis para poder analisar esta questão, mas ela tem um enquadramento mais vasto e não é, certamente, o Ministro da Educação que aqui lhe vai assegurar que é possível incluir esta matéria no Orçamento do Estado para 1997.
À sua pergunta concreta, se tem ou não a nossa simpatia, quero dizer-lhe que tem a nossa simpatia.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É evidente esta resposta! É perguntar ao cego se quer vista!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, no seguimento da intervenção do Sr. Deputado Nuno Abecasis e depois de ouvir atentamente quer a sua intervenção, quer as suas explicações, quer os pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados do Partido Socialista, gostaria de começar por dizer, a si e a esta Câmara, que defendo as elites, sou elitista. E ai de um país que não tem elites, ao contrário daquilo que aqui se pretendeu dizer. Ai de um país que não tem elites! Um país que não tem elites, no sentido exacto do termo, como o desejamos e queremos, é um país condenado à mediocridade, e nós não queremos, seguramente, um país condenado à mediocridade.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Gostaria, Sr. Ministro da Educação, de dizer o seguinte: o Partido Socialista e V. Ex.ª estão muito preocupados com a exclusão do ensino básico ou do ensino obrigatório. Lembro que estamos a falar no ensino público. Por isso, quero fazer-lhe uma pergunta muito concreta. V. Ex.ª já se deu ao trabalho de fazer um inquérito junto de todos os políticos e saber algo tão simples quanto isto: os filhos dos políticos estão no ensino público ou no ensino privado? Seria curioso fazer esta estatística.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Quais políticos?!

O Orador: - De todos! Da maioria. Não se enerve.
Seria curioso fazer esta estatística, para sabermos qual o grau de confiança que os políticos e os membros do Governo têm no tal ensino público que se está a melhorar, no tal ensino público que se está a modernizar, no tal ensino público que não é excluidor nem põe quem quer que seja de fora. Seria um dado curioso sabermos onde tem os seus filhos a estudar o Sr. Primeiro-Ministro, onde têm os filhos a estudar os Deputados do PP, onde têm os filhos a estudar... Vamos assumir isso com clareza e frontalidade e vamos perguntar a cada uma dessas pessoas por que razão o ensino público é tão bom, tão bom, tão bom, e, no entanto, há tantos políticos com tantas responsabilidades neste país que colocam os seus filhos no ensino privado em vez de os colocarem no ensino público.
Esta era a primeira pergunta que lhe queria fazer.
A segunda pergunta, muito concreta,...

Protestos do PCP.

O Partido Comunista enerva-se muito quando falo! Não sei porquê!

Vozes do PCP: - Enervamo-nos sempre!

O Orador: - É bom sinal!
A segunda pergunta, muito concreta, que quero colocar ao Sr. Ministro da Educação relaciona-se com o seguinte: nós, hoje, como disse o Sr. Deputado Nuno Abecasis, somos muito velozes na tentativa objectiva de fazer análises e contra-análises. V. Ex.ª tem conhecimentos técnicos que eu, humildemente, reconheço não ter. Todos os professores que estão nesta Câmara têm, seguramente, conhecimentos técnicos e pedagógicos que eu, humildemente, reconheço não ter, mas nem estou preocupado, neste momento concreto, em tê-los, pois o que me importa, neste momento, é apenas fazer-lhe uma pergunta: por que razão os jovens licenciados que saem das nossas faculdades estão a fazer coisas que nada têm a ver com aquilo que estudaram? Por que razão o Estado não diz à juventude deste país: optem pelo curso que quiserem, mas tenham atenção, pois esse curso, provavelmente, não vos dá saídas profissionais? Por que razão há cada vez mais jovens advogados que saem das Faculdades de Direito e são secretários e secretárias - com toda a nobreza da profissão - e estão a fazer coisas diametralmente opostas das que, efectivamente, pensavam vir a fazer depois de entrarem numa faculdade?
Sr. Ministro, os debates, os contradebates, as análises teóricas, para mim, são sempre, sem dúvida alguma, muito interessantes, tal como as avaliações técnicas e pedagógicas. No entanto, a questão que se me coloca é a de saber para onde estamos a mandar uma quantidade de jovens, ao dizer-lhes «vão ser todos doutores, vão ser muito bons, vão ter condições que os vossos pais não tiveram», mas não lhes estamos a dizer que eles, provavelmente, vão ser doutores com piores condições de sobrevivência no mercado de trabalho do que aqueles que não são doutores neste país.
Esta é uma obrigação concreta de todos nós e nesse debate o Partido Popular também quer colaborar, também quer participar, porque foi o Partido Popular, como todos estamos recordados, o primeiro partido, neste país, nas últimas eleições legislativas, a propor um pacto educativo ao PS, ao PSD e também ao PCP.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, foi uma honra tê-lo como meu interpelante. Gostei muito que o Sr. Deputado tivesse intervindo, porque me permite não propriamente responder-lhe, no sentido de lhe dizer que estou em completo desacordo consigo, mas, sim, de fazer alguns comentários, até porque há coisas em que estou de acordo consigo, enquanto que noutras, certamente, não estou.

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O Sr. Deputado Nuno Abecasis colocou aqui uma questão prévia que perpassou também na sua intervenção e que importa clarificar. Na verdade, fez-me um pouco impressão ouvir o Sr. Deputado Nuno Abecasis falar nos aprendizes aos 18, 19 anos. Há muitos anos atrás, nas escolas técnicas, fazia-se um exercício, durante meses, em que os jovens, para «fazerem à mão» - chamava-se assim, na altura -, faziam, à lima, um cubo. O cubo era feito à mão. E isto transformava essa mão-de-obra em mão-de-obra dócil, barata e muito afeiçoada à lima e as trabalhos de bancada.
Este trabalho acabou, Sr. Deputado. E temos hoje a enorme responsabilidade de dar a todos os portugueses uma formação mínima, que antigamente era de quatro anos e hoje é de nove.
Agora, evidentemente, há aqui uma questão importante, colocada pelo Sr. Deputado, que é o problema do emprego e da adaptação ao emprego. Sou sensível àquilo que referiu e quero dizer-lhe o seguinte: em relação a muitas formações do ensino superior, em Portugal, entrou-se num nível de excesso tal de especialização dos cursos e de desadequação das formações em relação aos empregos que a situação tem alguns laivos de gravidade. Neste momento, há 20 000 diplomados do ensino superior, inscritos nos centros de desemprego. E isto tem a ver não apenas com os problemas do mercado de trabalho mas também com as próprias formações. Há aqui um trabalho intenso a fazer - e V. Ex.ª referiu-o aqui -, que tem a ver com os observatórios do emprego, que, em Portugal, não existem e que nós estamos, neste momento, a montar, e com as Unidades de Integração na Vida Activa, as chamadas UNIVA, de que vão ser criadas 400, havendo, neste momento, cerca de 300, nas escolas.
Ou seja, relativamente à adequação - e foi isto que me fez impressão na intervenção do Sr. Deputado Nuno Abecasis -, nós não podemos voltar ao tempo dos aprendizes com 6, 7 e 10 anos.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ninguém defendeu isso, Sr. Ministro!

O Orador: - Mas deixe-me explicar-lhe: é que nós temos de partir do princípio de que o importante na escolaridade obrigatória mais do que os gestos, que, na altura, tinham tanta importância, são, hoje, as atitudes, os comportamentos e os aspectos cognitivos.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Sr. Deputado, termino num minuto e, depois, dou-lhe...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - É que, se terminar, eu já não posso falar.

O Orador: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Ministro, com todo o respeito que tenho por si, e é muito - não há tanto tempo, é claro, quanto o Sr. Deputado Nuno Abecasis, mas isso por razões que facilmente se perceberão -, gostaria de dizer-lhe o seguinte: ninguém aqui, nem o Sr. Deputado Nuno Abecasis, nem eu, nem qualquer Deputado desta bancada, defende o retorno a essa situação.
Agora, Sr. Ministro, uma coisa que existe, como sabe, é a exclusão social. Mas sabe quando? É depois de saírem da faculdade e depois de saírem do 9.º ano de escolaridade. Essa é a pior exclusão social.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. José Calçada (PCP): - Neste contexto, antes do 25 de Abril não havia exclusão social!...

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas estou diametralmente em oposição ao que disse. Toda a exclusão, a exclusão grave... Tenho muito gosto em que o Sr. Deputado aceite o meu convite para visitar comigo algumas zonas de escolas em que, neste momento, temos territórios educativos de intervenção prioritária, onde temos currículos alternativos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Quando pode ser?

O Orador: - Visitei uma, há duas semanas; podemos visitar outra, antes do Natal.
Sr. Deputado, onde está verdadeiramente o fenómeno da exclusão em Portugal, aquilo a que se chama a exclusão social, dos jovens que se tornam rapidamente em passadores de droga e daquelas raparigas que entram rapidamente na prostituição, é naqueles que abandonaram a escolaridade obrigatória antes do 9.º ano. Se consultar os relatórios europeus existentes sobre exclusão social e os trabalhos do Conselho da Europa - e eu posso oferecer-lhos -, verá que onde está verdadeiramente a exclusão é na ausência da escolaridade obrigatória completa e não nos diplomados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E digo-lhe mais: para os diplomados quanto mais alto for o diploma que têm menor é o risco de desemprego. Isto está provado em todos os países ocidentais. Em todos os países ocidentais quanto mais alto é o diploma atingido menor é o nível de desemprego.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe que termine, Sr. Ministro. Terá outras oportunidades.

O Orador: - Sr. Presidente, termino em 30 segundos.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Orador: - Mas há uma afirmação feita aqui pelo Sr. Deputado com a qual me identifico. Foi a que fez quando disse defender as elites. De facto, eu defendo as elites. E, mais, além de defender as elites, julgo que o problema que o País tem é não só de elites como de decisores. Eu próprio, num livro da minha autoria, do Professor Hernâni Lopes, do Dr. Joaquim Aguiar, do Dr. Manuel Nazaré e do José Aguiar, escrevi todo o capítulo designado «Elites e Decisores». É que a área de elites e decisores não é incompatível com a defesa intransigente do combate à exclusão social. Não podemos é ter uma sociedade em que há elites e decisores e em que, depois, há pletoras de excluídos, como hoje acontece.

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Em cada três crianças que entram no l.º ciclo nós perdemos uma até ao 9.º ano.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a este ritmo não lhe chega o tempo de que dispõe para poder responder a todos os pedidos de esclarecimento. Não me leve a mal que lhe lembre a necessidade de uma gestão mais apertada do seu tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, deixando os preâmbulos, atendendo a que o Sr. Ministro tem 16 pedidos de esclarecimento - neste momento são 14 -, gostaria de colocar-lhe a seguinte questão: no âmbito do financiamento do ensino superior, o Conselho Nacional de Educação defende o alargamento do financiamento ao ensino superior privado, particular e cooperativo. Estará V. Ex.ª em condições de nos dizer o que pensa sobre esta matéria?

O Sr. Silvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito devagar, muito devagarinho! É como a tartaruga!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, a essa pergunta responderia de uma forma sintética e, penso, rigorosa e completa, tanto quanto possível.
A proposta de lei que apresentámos para discussão pública, que, neste momento, está no Conselho Nacional de Educação, é uma proposta abrangente, global, que trata das questões do financiamento não apenas na relação Estado/instituição mas também na relação Estado/estudante/família e estudante/família/instituição - é uma espécie de um triângulo estratégico nesta matéria.
Entende-se igualmente que esta proposta de lei do financiamento, a apresentar em breve ao Parlamento, tem um outro conceito, que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior irá apresentar aqui na sua intervenção e que tem a ver com a forma como se processa a relação do Estado com o estudante, que é uma relação directa e sem intermediários - o estudante relaciona-se, em termos de Acção Social Escolar, directamente com o Estado.
Em relação ao ensino superior privado, se o Conselho Nacional de Educação vier a alargar o âmbito, não em termos do estabelecimento nesta lei das responsabilidades do Estado mas do enquadramento jurídico que deve pautar a relação do Estado com as instituições privadas, tudo bem. Até porque nós estamos, neste momento, a trabalhar com a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo na revisão do estatuto, no sentido não de o tornar mais laço mas de o clarificar, de o consolidar e de estabelecer uma relação clara e transparente entre o Estado e as instituições privadas. Portanto, nesse sentido, eu diria: tudo bem, não há qualquer problema no alargamento, desde que seja dentro deste quadro, tal como penso que deverá ser.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): -. Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, é bom recordar, durante este debate, o seu enquadramento num momento muito particular de contestação generalizada à política do Ministério da Educação. São muitos os estudantes e os professores que enunciam, através das suas organizações e na rua, o seu descontentamento, fundamentalmente pela ausência de diálogo. E, hoje, o Sr. Ministro da Educação, durante a sua longa intervenção,...

O Sr. Ministro da Educação: - Longa?!

A Oradora: - ... fez algumas afirmações que contrariam e se antagonizam exactamente com esta contestação generalizada da comunidade educativa.
O Sr. Ministro, falando de estabilidade, referiu a necessidade de ouvir os principais protagonistas do processo e de esses protagonistas do processo conhecerem regras e disporem atempadamente dos instrumentos adequados para a concretização das regras. Falou em nome da exigência, da necessidade do rigor e da qualidade. Considerou que a escola é o centro de todas as políticas, que os professores são agentes privilegiados da mudança e da qualidade e, depois, provavelmente por uma questão de distracção linguística, deixou para os estudantes somente o objecto essencial da educação.
Sr. Ministro, a questão que colocamos hoje aqui já a colocámos na última sessão plenária em que o Sr. Ministro esteve presente. Na altura, o Sr. Ministro remeteu-a para a Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação, que, no essencial, a deixou sem resposta, ou melhor, resumiu a sua resposta a uma questão burocrática de circulares.
Repito, hoje, a pergunta e solicito ao Sr. Ministro que, como Ministro da tutela, me dê a resposta. Chegaram às escolas novas orientações para a gestão dos programas do ensino secundário, com a informação de que se destinavam exclusivamente aos alunos que iniciassem o ensino secundário no ano lectivo em curso. Isto vem na capa do livro chegado às escolas. Posteriores adendas alargaram estas orientações a todos os alunos que frequentam o ensino secundário, concretamente aos do 11.º e do 12.º anos.
A Sr.ª Secretária de Estado considerou correcta, indiscutível e, acrescentou mesmo, óbvia esta medida.
Sr. Ministro, a questão que lhe colocamos, hoje e mais uma vez, é se V. Ex.ª também considera correcta, admissível, indiscutível e óbvia esta medida: que professores e alunos se vejam confrontados, este ano lectivo, que dura exactamente o mesmo tempo que os anteriores, com conteúdos programáticos do 12.º ano e os novos conteúdos que estas orientações integraram, relativamente ao 10.º e 11.º anos, e que serão testados nos exames nacionais do l2.º ano, em Julho próximo, em disciplinas fundamentais, quer de carácter bianual quer trianual - e dou-lhe como exemplos somente a matemática e o português.
Queremos acreditar, Sr. Ministro, que ainda é possível alterar esta medida, que, a consumar-se, terá como único objectivo questionar todas as legítimas expectativas dos estudantes do 12.º ano, mais uma vez, como no ano transacto, e desprestigiar o trabalho dos professores, que, apesar dos milagres profissionais que fazem diariamente, ainda não conseguiram o suposto milagre de dilatar o tempo previsto para o ano lectivo em curso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Luísa Mesquita, a Sr.ª Deputada tocou em vários pontos que, apesar de brevemente, tentarei abordar na totalidade.
O primeiro ponto é o da ausência de diálogo. Durante muito tempo, fomos acusados de excesso de diálogo. Dialogávamos com os estudantes, os professores, os autarcas, os pais, as associações científicas, os reitores, os conselhos científicos e pedagógicos. No início, dialogávamos com todos; continuámos a dialogar exactamente com os mesmos, mas, subitamente, deixámos de ter diálogo para alguns dos protagonistas.
O diálogo mantém-se exactamente com as mesmas regras. Agora, o diálogo tem regras e, quem quiser dialogar sem regras, não dialoga connosco.
Os estudantes querem dialogar e nós também. Os estudantes conhecem as regras e nós também. Tive ocasião, em todas as reuniões que mantive com associações de estudantes - fossem elas formais ou informais -, de explicitar a nossa posição em relação às regras do diálogo. Repito aqui o que disse da última vez: não faço o mesmo que fez o Governo anterior, ou seja, não dialogo em termos cruzados. Não dialogo com os estudantes o que devo discutir com os reitores e não discuto com os reitores o que devo discutir com os estudantes; não discuto com as associações científicas o que devo discutir com os municípios e não discuto com os municípios o que devo discutir com as associações científicas; não coloco aos pais o problema que devo colocar aos professores. E não confundo os problemas dos sindicatos com os problemas dos estudantes; não confundo avaliação com financiamento e não confundo financiamento com acesso. Tudo isto tem as suas regras!
Não estou disponível para fazer diálogos absurdos. Estou disponível para fazer diálogos muito concretos sobre matérias muito concretas para chegar a resultados, como já chegámos, com os professores, os sindicatos, as associações científicas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses, os pais, os reitores e os institutos politécnicos.
Ou seja, há aqui um conjunto de regras que temos de seguir. E não são os estudantes que não estão de acordo com isto - os estudantes sabem exactamente o que devem discutir -, mas muitos dos outros protagonistas, que querem estabelecer a confusão, relativamente ao que deve ser discutido. Os estudantes conhecem-me há mais de um ano, e sabem como eu dialogo, negoceio e estabeleço acordos com eles.
Em relação às questões que colocou sobre os estudantes, eu disse no meu discurso, e repito, não sou demagogo, que os estudantes são o objecto essencial e que me recuso a tratar do sistema educativo como se ele fosse um problema de professores. Não coloco aqui exclusivamente o problema dos professores, como - e peço desculpa - V. Ex.ª vem fazendo.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - É mesmo por isso, Sr. Ministro!

O Orador: - V. Ex.ª tem vindo a colocar os problemas dos professores. Eu não sou o Ministro dos professores, sou o Ministro da Educação e a educação não é apenas um problema de professores.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - É a isso que os estudantes estão sujeitos!

O Orador: - Em relação às novas orientações para a gestão, V. Ex.ª fez-me uma pergunta e eu respondo-lhe carrément. Em meu entender, são correctas, admissíveis e óbvias, tal como disse a Sr.ª Secretária de Estado, que irá, seguramente, explicitar-lhe, em detalhe, por que é que são correctas, admissíveis e óbvias.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Deixe-me só terminar com dois pontos, que têm a ver com a revisão curricular.
A revisão curricular, como a Sr.ª Deputada sabe, é uma matéria séria, não é para ser tratada aqui como uma brincadeira, não é para dizermos que fez, depois veio o comunicado e, depois, tirou o outro... Não. É uma matéria séria, e a Sr.ª Deputada sabe-o.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Claro! E os professores também o sabem!

O Orador: - Nós temos esta matéria em discussão nas escolas, os professores estão neste momento a debruçar-se sobre os documentos. Este é um trabalho de fundo, é um trabalho gradual, que não pode ser feito de um ano para o outro, tem de ser ao longo do tempo...

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Permita-me só que termine.
Nós vamos levar esta matéria até ao fim. Agora, não contem connosco para instabilizar o sistema.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Exactamente!

O Orador: - O sistema tem de ter uma estabilidade própria entre o que é a preservação das práticas, a inovação e a mudança, e é neste binómio que vamos trabalhar. É neste binómio que os professores sabem que se deve trabalhar e é com esta metodologia que os professores estão interessados em trabalhar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, ainda há bem pouco tempo o PS afirmou numa reunião plenária, a propósito de uma discussão sobre uma questão concreta, que eram os Deputados que criticavam o Governo, que não se viam os estudantes a manifestarem-se, que o movimento estudantil não estava agitado. Esperamos, pois, que a manifestação dos estudantes ocorrida ontem e que as manifestações dos professores já levadas a cabo tenham alertado o Partido Socialista, nomeadamente o Ministério da Educação, para o facto de haver quem se queira pronunciar e participar, repito, na política de educação.
A política de educação prosseguida pelo PS está a manifestar-se como uma continuidade e a ser alvo de desagrado, está a desviar-se de compromissos assumidos e o tão propagandeado diálogo não está a realizar-se como

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prometido. Assim, as palavras do Sr. Ministro proferidas ainda há pouco relativamente àquilo que entende por diálogo deixam-nos, de facto, algo preocupados.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - E de que maneira!

A Oradora: - Portanto, na nossa perspectiva, o diálogo faz-se a dois, o diálogo não significa monólogo. Mas o que o Sr. Ministro deixou bem expresso é que o diálogo ou o monólogo não percebi muito bem - «faz-se quando eu quiser e como eu quiser». Sr. Ministro, não me parece que esse seja um entendimento correcto; esse era também o entendimento de há uns tempos atrás.
Especificamente, gostaria ainda de colocar-lhe, Sr. Ministro da Educação, uma questão que já tive oportunidade de lhe colocar há relativamente pouco tempo numa outra sessão plenária e que tem directamente a ver com problemas e reivindicações concretos por parte dos trabalhadores-estudantes em Portugal, nomeadamente das suas organizações representativas. O Sr. Ministro, na altura, respondeu-me que em breve teria uma reunião, já marcada, com essa federação e que, portanto, teria o maior gosto em aqui - foi exactamente esta a expressão que utilizou - apresentar as conclusões desse encontro. E por isso, Sr. Ministro que hoje lhe peço que apresente aqui as conclusões desse encontro - nunca o ouvi, Sr. Ministro, neste Plenário, referir-se aos problemas dos trabalhadores-estudantes - e que se refira expressamente àquilo que vem já estabelecido no Estatuto dos Trabalhadores-Estudantes sobre a criação de um organismo ou de um serviço que trate especificamente de questões dos trabalhadores-estudantes; que o Sr. Ministro se pronuncie sobre a abertura mais alargada de estabelecimentos de ensino superior, à noite, e da organização de cursos em horários pós-laborais; que o Sr. Ministro se pronuncie sobre a não manutenção, que há pouco tempo veio de facto a lume, em funcionamento a nível nocturno, de actuais estabelecimentos de ensino que ministram esses cursos; que o Sr. Ministro se pronuncie sobre espaços de funcionamento em todas as escolas, como sejam salas de estudo, salas de convívio, bibliotecas, papelarias e secretarias; que o Sr. Ministro se pronuncie também sobre a dispensa de um dia por mês no emprego sem cerda de remuneração, para tratamento de assuntos de natureza associativa, que é, de facto, uma reivindicação já de há muito tempo, por parte da federação nacional dos trabalhadores-estudantes, como alteração ao estatuto do dirigente associativo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, vou dar-lhe duas rápidas respostas em relação às questões que colocou.
Quanto à primeira questão, sobre o diálogo, já tive ocasião de me pronunciar sobre ela. Não se trata de um diálogo quando eu quiser ou como eu quiser. Deturpou, se me permite, o que eu disse. O que eu disse é que o diálogo tem regras, não é para ser quando se quer ou como se quer. É um diálogo com regras, e as regras não são certamente as que eu fixo mas, sim, as da convivência democrática. É na convivência democrática que o diálogo se processa e não propriamente em termos de ser de acordo com o que o ministro A ou o ministro B querem. A Sr.ª Deputada sabe como é que essas regras se desenrolam e como se têm desenrolado porque conhece o tipo de diálogo que temos tido com todos os parceiros.
Em relação às questões sobre os trabalhadores-estudantes, penso que temos de distinguir dois tipos: há, por um lado, um conjunto de questões que levantou que são claramente de autonomia das instituições e sobretudo da autonomia das universidades, e, por outro, a criação de cursos nocturnos, aquilo que são os horários nocturnos, que são a manutenção do nível nocturno a nível do ensino superior e, nomeadamente, a nível do ensino universitário bem como do ensino politécnico. Esta é uma matéria que cabe inteiramente às universidades, embora deva ser equacionada pelo próprio Governo.
Nós temos em atenção esta matéria, estamos a equacionar estas questões, pois têm a ver com uma parte significativa dos nossos estudantes, sobretudo com a própria lógica da relação do estudante com a instituição, e com muitos dos mecanismos que estamos neste momento a equacionar, nomeadamente no que toca ao tipo de estudante que pode haver em particular no ensino superior e às obrigações e direitos que ele deve ter.
Quanto à questão que levantou relativamente às empresas, neste momento não tenho uma resposta para dar em relação ao que são as várias soluções possíveis a negociar com o sistema empresarial, mas posso aqui garantir que este é um problema que estamos a equacionar e que, tão rápida quanto for a equação do problema, lhe trarei a resposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Educação informou-me que a partir de agora responde aos pedidos de esclarecimentos por grupos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação e Srs. Secretários de Estado, no início da legislatura, o Sr. Ministro resolveu suspender as propinas com o pretexto de que queria obter a paz académica, de que queria a tranquilidade nas escolas, de que queria abrir um clima de diálogo, e, para isso, valia a pena suspender as propinas. Nós não concordámos com o meio, com o instrumento, mas concordámos com o objectivo da paz académica. Sucede que, sem que o Governo tivesse tomado qualquer decisão relativamente ao ensino superior, temos os estudantes do ensino superior em pé de guerra, e tudo porque o Sr. Ministro fez aprovar em Conselho de Ministros uma proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo. E o certo é que o Sr. Ministro iniciou este processo de uma forma desastrosa, porque o fez sem diálogo. E não venha, Sr. Ministro, dizer que não podia dialogar com os estudantes por essa ser uma competência da Assembleia da República. O Sr. Ministro, porventura, não podia negociar com os estudantes, porventura não podia fazer o que fez um colega seu do Governo, que assinou um protocolo com a Liga de Clubes e com a Federação de Futebol e só depois veio à Assembleia trazer a lei que o permitia.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Já cá faltava o futebol!

O Orador: - V. Ex.ª não podia negociar com os estudantes, mas tinha o dever de dialogar com eles. Seria bom que o Sr. Ministro soubesse o que cada um dos agentes envolvidos no sistema educativo pensava sobre cada uma das propostas que apresentava.

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Por isso, Sr. Ministro, a bem da seriedade - e V. Ex.ª e é um homem sério, faço-lhe essa justiça -,evite invocar o argumento de que seria a Assembleia da República a instância própria para fazer diálogo. Não é verdade! V. Ex.ª podia, e devia, ter feito o diálogo, o que não podia era assinar contratos, comprometer-se a assinar parte. Isso é que não podia fazer.
Por outro lado, uma qualquer alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo devia ser precedida de uma avaliação global do sistema educativo. Passaram-se 10 anos sobre a última lei, seria legítimo e devido fazer uma avaliação desta lei, mas tinha de ser uma avaliação global. Não concordámos, e penso que ninguém concorda, com estas alterações a conta-gotas, com estes remendos, que pretende introduzir na Lei de Bases.
Esta é uma boa oportunidade para se fazer uma avaliação global da Lei de Bases. Era suposto, Sr. Ministro e esperava-se isso particularmente de si -, que esta lei resultasse de um amplo debate, de um debate prévio, alargado, muito participado, que denunciasse, que pusesse em causa as matérias em que a Lei de Bases está desactualizada, os problemas que não resolveu ou porventura os novos problemas que criou. Não foi isto que fez. O Sr. Ministro apresentou um conjunto de alterações à lei, que mais parecem ditadas, como se tivesse tido um desígnio da providência em espiral.
Ora, Sr. Ministro, esta Lei de Bases é muito importante, como V. Ex.ª tem dito. É um património importante do sistema educativo, foi aprovada com grande consenso na Assembleia da República, pelo que não queríamos que as alterações à Lei de Bases, a ocorrerem, tivessem um consenso menor do que teve a lei original.
Por isso, Sr. Ministro, fazemos-lhe um apelo muito veemente: está na hora de o Governo retirar esta proposta. O Governo, a bem da estabilidade do sistema educativo, devia retirar a proposta que apresentou e começar de novo. Devia recomeçar este processo, sem os erros que cometeu, Sr. Ministro, cujos resultados estão à vista.
O Sr. Ministro, a bem da estabilidade, devia retirar a proposta, devia reiniciar o processo, devia fazer a identificação alargada e participada dos problemas do sistema educativo, e, então, sim, devia avançar, em conjugação com os partidos políticos representados na Assembleia, para uma alteração séria, profunda e participada da Lei de Bases do Sistema Educativo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino.

A Sr.ª Isabel Sena Lino (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, é um compromisso para o PS escolher realmente a educação, a formação e a ciência numa lógica de abertura e de participação. Foi afirmado que a escola deverá ser um espaço de mudança, capaz de valorizar os indivíduos. Defendemos que a educação tem de se adaptar às exigências da sociedade e da informação e do conhecimento, mas, por isso mesmo, impõe-se ligar permanentemente qualidade e igualdade de oportunidades, exigência e democratização.
Foi hoje aqui afirmado pelo PP que este Governo tem tido uma política de estagnação, de paragem e de diálogo inconsequente.
Sr. Ministro, em que medida tem conseguido transformar o diálogo em acto criador, ou seja, num encontro de vontades?
É também compromisso do PS democratizar a acção educativa, combater a exclusão. Para tal são necessárias medidas consistentes e continuadas, são necessárias medidas de articulação da política educativa com outras políticas sociais. A qualidade das aprendizagens depende fundamentalmente da qualidade do ensino, da sua adequação às necessidades dos alunos e das condições em que se processa o ensino/aprendizagem. Estamos conscientes de que num processo de mudança corremos riscos inerentes a toda a inovação.
Perguntamos: que medidas concretas estão a ser tomadas em nome da igualdade de oportunidades para diminuir a percentagem de 30% de jovens que ainda abandonam o ensino sem o diploma da escolaridade obrigatória?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, conforme já combinei consigo, faço-lhe só uma pergunta para que o Sr. Ministro não recorra à «habilidade» que todos lhe reconhecemos de não responder ...

Vozes do PSD e do PCP: - Ah! Está combinado!

O Sr. José Calçada (PCP): - Espero que a resposta também não esteja já combinada!

Risos.

Esteja descansado, Sr. Deputado!
Sr. Ministro, nos termos do Decreto-Lei n.º 301/93, o regime de faltas contém o seguinte absurdo: as faltas injustificadas não podem exceder, em cada ano lectivo, no 1.º ciclo, o dobro do número de dias do horário semanal e no 2.º e no 3.º ciclos, o triplo. Sr. Ministro, se o aluno exceder o número de faltas, o que acontece? No secundário reúne-se o conselho de turma que delibera aplicar medidas de acompanhamento pedagógico e de apoio social adequadas a pôr termo à falta de assiduidade do aluno. Sr. Ministro, «prende-se o menino à cadeira»?
Se o que passo a citar é a realidade, resumindo, se para chumbar um aluno por faltas é necessário esperar pelo final do ano lectivo, reunir o conselho de turma e, num processo complexo, árduo, decidir se o aluno é retido... Ou seja, Sr. Ministro, faz sentido que hoje seja mais difícil reprovar do que passar um aluno que não sabe? Desde 1993, é este o regime que temos.
O Sr. Ministro disse, e bem, «concordo com os princípios em credibilizar o sistema». Então, o que tem de fazer-se para credibilizar o sistema neste ponto tão importante?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, sendo certo que esta interpelação ao Governo ...

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O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Não está «combinado», não?

Risos.

Não. Não está nada combinado.
Sr. Ministro, como dizia, sendo certo que esta interpelação ao Governo é da iniciativa do CDS-PP, e se me permite uma sugestão, embora necessariamente suspeita vinda de onde vem, propor-lhe-ia que «desancasse» em faltas e em exames todos os alunos em todos os níveis de ensino pois penso que, assim, o PP ficaria com a questão resolvida...

Risos do PS.

... e quanto a isso ficaria tranquilo para o resto do seu mandato, dure este o tempo que durar.
Posto isto, passemos a coisas um pouco mais sérias.
Sr. Ministro, deve recordar-se que o programa eleitoral do Partido Socialista dizia «tendo em conta que o esforço financeiro das famílias com filhos a estudar é hoje muito alto» - isto tinha a ver com o financiamento do ensino superior público. Assim, pergunto ao Sr. Ministro, e ao Governo através de si próprio, o que tem neste momento em termos de intenção - se é que não avançou já mais no que se refere ao esquema de financiamento do ensino superior público seja ele qual for, tendo em conta que o esforço financeiro das famílias com filhos a estudar é hoje muito alto. Gostaria que me respondesse concretamente.
Outra questão tem a ver com uma discussão que aqui se desencadeou em torno da «exclusão das elites». Parece que alguns se preocupam com aquilo a que se chama a  «exclusão das elites» após as licenciaturas. Ora, julgamos que não é esse o problema fundamental que hoje se coloca, antes cremos que o problema é o da exclusão da generalidade ou de um número muito significativo de filhos do nosso povo,...

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - De que povo?

O Orador: - Do nosso, do de todos nós!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Do português?

O Orador: - Do nosso!
... tendo em conta que se verifica o abandono da escola de cerca de 100 000 alunos, só a nível da escolaridade básica obrigatória.
Sr. Ministro, permita-me que lhe diga que não é com currículos alternativos que resolvemos problemas desta natureza. Aliás, julgo que não é por acaso que, na sua intervenção, teve o cuidado de se distanciar da própria designação «currículos alternativos», tendo referido, ao invés, «currículos alternativos ou qualquer que seja o nome que se lhe chame». Isto já mostra um cuidado que não me pareceu existir no princípio.

O Sr. Ministro da Educação: - Mas isso é óbvio!

O Orador: - Passando à segunda pergunta, devo dizer-lhe que não entendemos bem a afirmação do Sr. Ministro de que, em consequência do célebre Despacho n.º 22 da Sr.ª Secretária de Estado da Inovação Educativa - neste caso a «inovação» é um bocado amarga, mas enfim... -, já começariam a ver-se alguns resultados. Assim, gostaria que o Sr. Ministro me indicasse quais são esses resultados. Não lhe peço que os quantifique porque não será muito fácil mas gostaria que me dissesse quais são.

O Sr. Ministro da Educação: - Já lhe dou um exemplo!
O Orador: - Faço-lhe esta pergunta porque em todos os países em que foram desencadeadas experiências de currículos alternativos os resultados só foram visíveis a médio ou a longo prazo e devo dizer que foram geralmente maus. Portanto, acho muito estranho que, passado pouco tempo sobre a promulgação do despacho que referi, o Ministério já possa vir apresentar alguns resultados.
Finalmente, o Sr. Ministro acabou de dizer «não contem connosco para instabilizar o sistema». Ora, o mínimo que se pode pedir à comunidade educativa é que não conte com o Ministério para instabilizar o sistema! Mas a questão não é essa, Sr. Ministro. A questão é a de que, com V. Ex.ª ou sem V. Ex.ª, o sistema está instabilizado e não é necessário que o afirme pois ele está instabilizado.
O Sr. Ministro diz que dialoga ou discute, mas pelos vistos desta maneira: umas coisas com uns, outras coisas com outros, como se as matérias da educação pudessem ser «atomísticamente» separadas em compartimentos estanques. Permita-me que lhe diga que não acredito que o Sr. Ministro creia nisto que acabou de dizer pois certamente deve saber que as matérias da educação, mais do que todas as outras, são por natureza transversais, pelo que não se percebe muito bem essa sua visão «atomista» do diálogo. Assim, gostaríamos que também esclarecesse a Câmara quanto a esta matéria.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, ouvi a sua intervenção com muita atenção e, mais uma vez, verifiquei a importância que deu à educação pré-escolar, ponto em que comunga com a minha bancada.
O PSD reconhece que a educação pré-escolar é uma das reformas que ainda não foi feita em Portugal, é algo que o PSD não fez no passado porque teve outras prioridades. Bem ou mal, não o fez. Se faço referência a isto é porque não vale a pena o Sr. Ministro vir daqui a pouco fazer referência ao mesmo.
O Governo entendeu - quanto a nós, bem - que este era o momento oportuno para fazer uma lei-quadro da educação pré-escolar. Aliás, penso que o Governo não foi o único a entender que é a hora, creio que todas as bancadas pensaram que está na hora de fazer uma lei-quadro da educação pré-escolar. Ora, como pensamos que em tudo o que é matéria de educação era fundamental que houvesse um diálogo que não fosse tanto uma conversa mas mais um diálogo em que todas as partes cedessem para que fossemos capazes de encontrar o que nos une, venho dizer-lhe o que o PSD considera ser fundamental na lei-quadro e as precisões que espero que taça quanto ao que o Partido Socialista considera importante nessa mesma lei-quadro.
O PSD considera que o primeiro aspecto que tem de existir na lei-quadro do ensino pré-escolar é o de que este

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ensino tem de ser gratuito. Vivemos numa sociedade moderna em que, tal como dizia o Partido Socialista, e tal como disse agora muito bem o Sr. Deputado José Calçada, já antes era considerado que o ensino deve tender para a gratuitidade - ressalvo que o PSD não partilha desta opinião no que se refere ao ensino superior. Ora, afastar o ensino pré-escolar dessa premissa é não perceber que a maior parte das famílias não terá a mínima possibilidade de dar condições aos seus filhos para poderem ter acesso a esse mesmo ensino.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas também sabemos que não vale a pena estarmos a pegar em crianças que têm entre 3 e 5 anos e mandá-las para um qualquer «armazém» pois esse não é o ensino pré-escolar que queremos.
Portanto, dizemos que queremos locais com condições e que funcionem com horários que sejam compatíveis com os das famílias. O Estado tem obrigação de montar uma educação pré-escolar cujos horários sejam compatíveis com os das famílias mas também tem de ser capaz de ter nesses mesmos locais não uma qualquer ama, não pessoas sem qualquer preparação, mas pessoas responsáveis, devidamente preparadas e especializadas para que todos estejamos à vontade para entregar-lhes os nossos filhos.

Aplausos do PSD.

É preciso que, quanto à chamada acção social de guarda - e quero chamar a atenção para esta matéria -,seja muito claro que a nossa posição é a de que as famílias mais desfavorecidas têm de ter direito à gratuitidade, enquanto as outras terão de pagar em proporção dos respectivos rendimentos.
Assim, gostava de saber o que me diz o Sr. Ministro sobre a gratuitidade, sobre o alargamento dos horários, sobre as condições das instalações, sobre se o Governo vai realmente criar condições para acabar com a situação actual do estatuto remuneratório dos educadores - isto para acabar com a «selvajaria» existente em Portugal em que há educadoras de infância a auferirem praticamente o salário mínimo nacional - e sobre a gratuitidade no que respeita à acção social de guarda para as famílias mais desfavorecidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação. Dispõe de 5 minutos.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, vou ser o mais rápido possível e terei de ser muito sintético nas minhas respostas.
As questões colocadas pelo Sr. Deputado Castro de Almeida são relativamente simples de responder porque utilizou termos com os quais não concordo - digo-o com o devido respeito - quando disse que as propostas apresentadas pelo Governo de alteração à Lei de Bases são «remédios».
V. Ex.ª não conhece bem a Lei de Bases. Na verdade, a Lei de Bases do Sistema Educativo teve uma construção muito complexa em Portugal - foi feita nesta Casa, mas teve, da parte de um grande número de protagonistas, um debate que durou muitos anos.
Já aquando da discussão do pacto educativo, disse aqui, no Parlamento, que estas são alterações de fundo - e VV. Ex.as estão hoje a dar-se conta disso -, por isso é que não podem ser retiradas e têm de ser debatidas. VV. Ex.as terão de assumir a responsabilidade de as aprovar ou chumbar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo está inteiramente disponível, como tive ocasião de dizer ao Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, para debater, explicitar a nossa estratégia e tudo o que está à volta de um simples enunciado de quatro artigos. Mas esta é, repito, uma matéria de fundo. Se VV. Ex.as não querem assumir esta responsabilidade e pretendem que seja o Governo a fazer o debate, então a questão é mais séria, porque esta é a única matéria relativa à educação cuja competência é exclusiva, e não delegável, de VV. Ex.as. É a única, não há outra!
Portanto, pedir ao Governo que retire a proposta é, pura e simplesmente, inverter os papéis, e nós não queremos que isso aconteça. É nesta Casa que esta matéria deve ser discutida. O Governo está inteiramente disponível e não tem qualquer receio do debate.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que este debate é útil, é importante, é construtivo e integra-se numa estratégia que temos para o politécnico, para o acesso ao ensino superior e para a formação inicial dos professores, que são três matérias de fundo relativamente ao sistema educativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, permitam-me que diga o seguinte: V. Ex.ª invocou o Decreto-Lei n.º 301/93, mas, certamente, cometeu um pequeno erro, porque falou do ensino secundário e esse diploma destina-se ao ensino básico. O que acontece é que V. Ex.ª, que é muito jovem, está a funcionar como se a escolaridade obrigatória fosse de quatro anos, como era no meu tempo!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A escolaridade obrigatória tem hoje a duração de nove anos, mas se V. Ex.ª ler a regulamentação sobre faltas do tempo em que a escolaridade obrigatória era de quatro anos, verificará que ela pouco difere daquela que aqui invocou.

O Sr. António Braga (PS): - Ora bem!

O Orador: - Porque a escolaridade obrigatória é um direito e um dever!

O Sr. António Braga (PS): - Exactamente! Essa é que é a questão!

O Orador: - Portanto, não é por começar a fazer repetir os jovens e a dar-lhes mais do mesmo que V. Ex.ª aumenta o rigor e a exigência!

Aplausos do PS.

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Sr. Deputado José Calçada, a questão da exclusão é séria, mas não confirmo os números que referiu, porque o abandono em Portugal atinge 27 000 jovens por ano, e não 100 000! Terá oportunidade de o constatar no documento preparado pelos Ministérios da Educação e para a Qualificação e o Emprego.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Ministro, queria apenas reconhecera que me enganei no número. Estava a falar das chamadas repetências acumuladas e não dos abandonos, que são, de facto, cerca de 30 000.

O Orador: - Mas esse número, os 27 000, é grave, é altíssimo! Significa uma preocupação enorme para o Governo.
O Sr. Deputado José Calçada referiu-se, mais uma vez, aos currículos alternativos como se estes fossem uma matéria passadista ou uma solução de ghetto. Ora, quero dizer-lhe o seguinte: a Europa está hoje a discutir esta matéria afundo, e a questão que está em cima da mesa é muito grave. Tive ocasião de participar no debate do Conselho de Ministros da União Europeia, na passada quinta-feira, faz hoje oito dias - neste momento, a União Europeia está a fomentar a criação das chamadas escolas de segunda oportunidade -, em que tive ocasião de dizer à Sr.ª Comissária Édith Cresson que estas não podem ser escolas de segunda oportunidade mas, sim, de última oportunidade.
Os currículos alternativos são, dentro da escola, a última oportunidade, porque há muitas outras soluções anteriores. V. Ex.ª verá quais são as boas soluções que estão a ocorrer nos currículos alternativos. Aconselho-o, por isso, a visitar a escola n.º 1 de Algés, onde existe um programa com currículos adaptados e um programa de música e dança para integração de crianças de meios sócio-económicos muitos degradados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao programa eleitoral, a questão do financiamento do ensino superior está colocada com grande clareza na proposta que elaborámos. Essa proposta está, neste momento, a ser retocada, porque, como sabe, tivemos contributos de imensas instituições: o CNASE emitiu um parecer, bem como os estudantes, o Conselho de Reitores e o Conselho dos Politécnicos. Para além destes, aguardamos apenas que o Conselho Nacional de Educação emita o seu parecer para podermos avançar com esta lei.
Sr. Deputado Pedro Pinto, vou responder às questões que colocou de forma telegráfica. Estamos de acordo com a gratuitidade tendencial na componente educativa: a componente educativa deve ser gratuita no limite; a componente relativa ao apoio social deve ter em conta a igualdade de oportunidades e, sobretudo, a possibilidade de, ao pagarmos a componente educativa em todo o sistema, fazer libertar verbas do Ministério da Solidariedade e Segurança Social que nos vão permitir fazer aquilo que V. Ex.ª pretende, ou seja, em relação às crianças mais desfavorecidas, suportar uma parte significativa da acção social de guarda. Não se trata de distinguir e dizer que a acção social de guarda é inteiramente da conta das famílias, porque não é! O Estado tem aqui uma responsabilidade, e temos de graduar de baixo para cima.
O mesmo vale para as educadoras. Agora, o Sr. Deputado Pedro Pinto tem de compreender que todo este processo deve ser assumido gradualmente, uma vez que não é possível estabelecer, de um momento para o outro, uma equiparação total entre educadoras, principalmente em relação àquelas que estão a ser, pura e simplesmente, exploradas como mão-de-obra barata, com vencimentos extremamente baixos nalgumas instituições, aumentando-as, de repente, praticamente para o dobro.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que a lei deve estipular que essa equiparação deve ser atingida gradualmente, em cerca de dois ou três anos.
Sr. Deputado Pedro Pinto, deixe-me que lhe diga o seguinte: não tem nada a ver com o passado recente, mas fico muito satisfeito pelo tacto de o Sr. Deputado e a bancada do PSD assumirem esta posição, porque entre o que hoje está aqui a defender e aquilo que são os objectivos do Decreto-Lei n.º 173/95, cujo único mecanismo era a atribuição de 280 contos por sala e por instituição, tem de concordar que há uma enorme diferença, e nós estamos muito satisfeitos por se terem agregado às nossas posições!

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Ministro, se me permite...

O Sr. Presidente (Mota Amaral) - O Sr. Deputado pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Para uma pequena interrupção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Uma vez que o Sr. Ministro da Educação cede tempo ao Sr. Deputado, tenha a bondade.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Esperava que o Sr. Ministro resistisse, mas não resistiu! Há, de facto, uma alteração, desde há cerca de ano e meio...

O Orador: - Fico muito contente com isso!

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Ministro, fico muito mais contente, porque assisto a algumas alterações muito profundas no último mês e meio!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, nos últimos tempos V. Ex.ª tem feito várias intervenções sobre educação, e bem, assim como outros protagonistas. Há, de facto, um lugar comum em todas essas intervenções, quer sejam da oposição, quer do próprio Ministro da Educação ou do poder. Refiro-me ao ponto que trata a questão da qualidade.

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Com efeito, hoje todos falam muito na qualidade, embora duvide que o sentido que V. Ex.ª e os outros protagonistas querem dar à palavra seja o mesmo. No entanto, o falar-se tanto assim faz-nos ter um certo receio: tememos que a qualidade comece a ser uma moda. É que, para nós, a qualidade é um estado, porque temos necessidade de ver implantado um sistema de qualidade que exija a existência de um conjunto de meios que a defina e controle, nomeadamente no aspecto da organização, dos procedimentos, das instruções, da eficácia dos recursos, etc.
Quando um serviço não corresponde às exigências do cliente, ou foi objecto de reclamação, há que identificar as causas reais do problema, definir soluções de melhoria, proceder à sua implementação e verificar a sua eficácia. Nesse sentido, Sr. Ministro, a qualidade não terá a ver com quem exerce a função de professor? A qualidade não terá a ver com a necessidade de dizermos, de uma vez por todas, quem é professor? A qualidade, de uma perspectiva mais pragmática, não quererá dizer quem é que pode dar aulas, Sr. Ministro? Pergunto então, muito em concreto, se o Sr. Ministro da Educação e a sua equipa pensam definir o perfil profissional para os professores.
Em segundo lugar, entendemos que qualidade tem a ver com formação que permita a todas as pessoas desenvolver as suas competências e maximizar o seu potencial, dando-lhes meios para crescerem. Formar é provocar mudanças e dinamizar recursos. Ora, a pergunta é esta: para quando o novo regime jurídico da formação especializada de professores? Este é um aspecto fundamental, porque estamos preocupados com os professores que, não tendo feito DESE ou CESE, devem ter uma oportunidade para obterem, com os seus conhecimentos, uma mais-valia para que possam estar em paridade com os seus colegas.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro disse, e muito bem, que qualidade tem a ver com estabilidade. Concordamos inteiramente, por isso mesmo pergunto se vão ser alargados os quadros distritais de vinculação, de forma a auto-satisfazer as necessidades permanentes, deixando as contratações apenas para necessidades residuais e eventuais. Vão ser definidas as áreas territoriais dos quadros de zona pedagógica e extintos os quadros distritais de vinculação? Quando, Sr. Ministro?
Como V. Ex.ª sabe, em certos distritos, nomeadamente em Braga e no Porto, logo no princípio do ano, os professores tiveram de confrontar-se com a realidade de fazer contratações, porque havia, desde logo, vagas negativas. E, à partida, vagas negativas não devem existir!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Lemos Damião, peço-lhe que termine, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Perante essas vagas negativas, e uma vez que existem, seria salutar que os professores não fossem contratados mas incluídos no quadro distrital de vinculação. Tal daria maior estabilidade e, ao mesmo tempo, mais garantias para que o professor se sinta, de facto, mais professor.
Para terminar, se o Sr. Presidente me permitir, gostaria de dizer o seguinte: creio que têm sido dados alguns passos positivos, mas é preciso dar aos professores a auto-estima necessária para que eles, Sr. Ministro, possam sentir-se como parceiros e não como pessoas que estão talvez a mais num sistema que, pelos vistos, todos contestam. Desejamos que sejam acarinhados e não contestados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - E a regulamentação dos estatutos da carreira docente? Vocês nunca o fizeram!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, peço desculpa por voltar ao tema do diálogo, mas tenho de concluir que o entendimento que uma série de intervenientes no processo educativo tem do diálogo é substancialmente diferente daquele que o Sr. Ministro tem desta palavra, de que tanto faz uso. E que, para nós, diálogo não é apenas ouvir, é também aprender, incorporar e ter em conta, nas decisões tomadas, o que se ouve, aquela que é a vontade, a reflexão e os contributos dos vários intervenientes no processo educativo.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Permita-me dizer-lhe que tenho algumas dúvidas ou, aliás, muitas dúvidas de que este princípio esteja a ser cumprido na. sua plenitude. Desde logo, tendo havido ontem uma série de protestos, por parte dos estudantes, nomeadamente do ensino superior, em frente ao seu local de trabalho, o Ministério da Educação - julgo que o Sr. Ministro assistiu aos protestos, embora não tenha contactado directamente com os representantes desses estudantes, e está no seu direito, é uma opção sua! -, estranho que hoje, numa interpelação sobre questões educativas, não tenha feito qualquer referência a esta matéria. Parece que nada aconteceu!
Mais estranho ainda foi o facto de ontem ter ouvido o Sr. Ministro dizer que os estudantes têm o direito de protestar, que não era autista e que, portanto, saberia ouvir o que estava a ser reivindicado. Ora, não tenho quaisquer dúvidas de que o Sr. Ministro ouviu o que estava a ser dito, estranho é que não tire nenhuma conclusão, nem faça qualquer referência a essa questão.
O Sr. Ministro disse também que o diálogo tem regras, mas quer-me parecer, por aquilo que tem sido aqui dito e pela futura prática do Ministério da Educação, que essas regras são as suas regras e que a discussão dessas regras não tem sido muito aberta, ou seja, são as suas regras e são elas que têm de ser cumpridas.
Tudo isto me parece levar a que este diálogo seja um diálogo selectivo, isto é, dialoga-se com quem se quer e tendo em conta aquilo sobre que interessa dialogar. Trata-se de algo com que não estamos de acordo! Não basta dizer que os estudantes são o objecto do processo educativo, porque são muito mais do que isso, são também participantes no processo educativo, vertente que tem sido absolutamente descurada. Os estudantes são participantes na discussão sobre as condições das escolas, são participantes na discussão sobre as questões do investimento e financiamento da educação, são participantes na discussão sobre a acção social escolar, sobre a qualidade científica e pedagógica, sobre as questões gerais de educação.
Sr. Ministro, os estudantes têm uma palavra a dizer e devo dizer-lhe que têm uma tal maturidade que até conseguem enunciar propostas globais em relação às questões

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educativas e não se detêm apenas sobre questões pontuais, sem reflexão prévia e sem um debate e uma análise profunda da realidade concreta. Espero que o Sr. Ministro tenha, pelo menos, condições para se equiparar a esta maturidade e a esta análise global que se faz da política educativa...

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

Risos do Sr. Ministro da Educação.

O Orador: - ... e que consiga fazer também uma análise mais aprofundada, com uma reflexão séria e com a participação de todos os intervenientes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, inscrevi-me para lhe pedir esclarecimentos, porque, na sua intervenção, fez algumas afirmações que rotulo de extremamente graves. Penso, nomeadamente, que o Sr. Ministro feriu de morte o ensino politécnico em Portugal.
Quando o Sr. Ministro associa a dignidade do ensino politécnico, que todos desejamos, à possibilidade de os institutos superiores politécnicos ministrarem licenciaturas, pergunto: então, que dignidade têm os bacharelatos que o Sr. Ministro, na mesma proposta de lei, reduz de três para dois anos?

O Sr. Ministro da Educação: - Não reduzo!

O Orador: - Essa é que é a verdadeira questão!

O Sr. Ministro da Educação: - Não é!

O Orador: - A proposta de lei é do Governo, não é da minha autoria!
Quando esperamos que sejam clarificados os conceitos, quando esperamos que sejam definidos os objectivos de cada subsistema no ensino superior - o dos institutos politécnicos e o das universidades -, o que recebemos é mais confusão.
Gostaria que o Sr. Ministro esclarecesse esta Câmara sobre o que entende por licenciatura, sobre o que para si significa estar licenciado.
Gostaria que o Sr. Ministro dissesse a esta Câmara o que é que quer dizer ser bacharel, ter uma habilitação técnica.

O Sr. Ministro da Educação: - Eu explico!

O Orador: - Espero que sim, Sr. Ministro! É nessa expectativa que estou a formular a pergunta, porque se não, com certeza, não a faria.
Sr. Ministro, se a partir de agora, na eventualidade de a proposta de lei que o Governo apresenta para revisão da Lei de Bases ser aprovada, for feita a alteração, se as universidades passarem a poder ministrar bacharelatos e os politécnicos passarem a poder ministrar licenciaturas, pergunto: quem são os alunos que vão optar pelo bacharelato de dois anos? É que esse, sim, Sr. Ministro, não passará a ser um ensino de 2.ª, passará a ser um ensino de 3.ª, de 4.ª ou de 5.ª categoria!
Já hoje existe o rótulo ou o estigma de que o ensino politécnico é um ensino cientificamente mais pobre, menos qualificante, mas isso resolve-se aproximando o ensino politécnico do ensino universitário e não aproximando o ensino universitário do ensino politécnico.
Por isso, Sr. Ministro, pergunto objectivamente: acredita que vai ter mais estudantes a optarem por bacharelatos de dois anos, quando podem obter uma licenciatura em quatro anos, na mesma escola, no mesmo instituto?
Sr. Ministro, penso que esta proposta vem, de uma vez por todas, crucificar o ensino politécnico em Portugal.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, estou convicta, sinceramente, de que o Partido Popular, ao propor este agendamento, como «grito de alerta» - expressão usada pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis, por quem nutro grande simpatia, como todos sabem -, quer, certamente, tal como o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, repor a confiança na educação. Não acredito que tenha sido outra a intenção! E acredito também que o PP comunga connosco da ideia de que a prioridade à educação e à escola é a aposta na valorização da sociedade e das pessoas.
Mas acredito ainda, sinceramente, que o Partido Popular está preocupado em assegurar a promoção de um melhor ensino superior para o maior número de portuguesas e portugueses. E creio também que é do conhecimento do Partido Popular que o atraso português relativamente ao resto da Europa, no que diz respeito ao número de diplomados pelo ensino superior, se traduz num número assustador, pois, por cada 100 adultos, entre os 25 e os 64 anos, existem, em Portugal, cerca de 4 diplomados, contra 15, em França, ou 22, na Alemanha. Os números falam por si só e têm o seu significado.
Ora, porque a educarão é e se joga numa unidade inconsútil, naturalmente joga-se a qualidade do ensino desde o pré-escolar até ao ensino superior. Assim, importa salvaguardar a qualidade das instituições que ministram o ensino superior, quer sejam universidades particulares, quer sejam universidades públicas.
Todos sabemos que o número de universidades particulares cresceu, em termos exponenciais, sem que se salvaguardasse a qualidade de algumas delas, sem que fossem definidos pré-requisitos e requisitos de funcionamento e de qualidade, pelo que importaria clarificar, Sr. Ministro, qual o tipo de controle que o Ministério vai exercer sobre todas as universidades.
Já agora, aproveito para informar o Sr. Deputado Manuel Monteiro - não se encontra presente, mas poderão informá-lo posteriormente - que as minhas filhas foram alunas do ensino particular e cooperativo, e de boas escolas particulares e cooperativas, por força de não terem ingressado nas universidades estatais.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Outra «Ministra-sombra»! O PS está cheio de «Ministros-sombra»!

A Oradora: - Sr. Ministro, foi apresentada, em conferência de imprensa, pela Sr.ª Secretária de Estado da

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Educação e Inovação, uma análise dos resultados dos exames do 12.º ano, a qual foi feita em 95% dos estabelecimentos do ensino secundário - 573 escolas em 609 escolas. Trata-se, de facto, de uma amostra matematicamente significativa, mas importaria saber se, na totalidade do universo, os resultados se mantêm.
Após a análise desses resultados, a Sr.ª Secretária de Estado afirmou que o insucesso era estrutural, apontando alguns dos requisitos que a levaram a chegar a essa conclusão. Pergunto: é possível confirmar se os resultados, em termos da totalidade do universo, corroboram aquilo que já havia sido dito anteriormente em relação ao universo que foi estudado?

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, ouvi, há pouco, o Sr. Deputado Nuno Abecasis dizer, e bem, que estendia a mão ao Governo, no sentido de o ajudar e apoiar. Ora, a nossa mão está estendida há muito tempo, como bem sabe, tem sido essa a nossa postura, temos tentado contribuir para a resolução dos problemas da educação.
Por isso, Sr. Ministro, vou colocar-lhe mais um conjunto de questões, na linha do que outros colegas já fizeram e daquilo que temos feito nos últimos tempos.
O Sr. Ministro tem justificado a proposta de alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo com alguns princípios relativamente aos quais, devo dizer-lhe, até estou genericamente de acordo.

O Sr. Ministro da Educação: - Ainda bem!

O Orador: - Um desses princípios é o da dignificação do ensino superior politécnico. E inquestionável que o ensino superior politécnico tem de ser dignificado nos exactos termos em que o é o ensino superior universitário. Porém, Sr. Ministro, esta justificação é a justificação que o Sr. Ministro dá para as alterações no tipo de professores que hão-de leccionar no 3.º ciclo do ensino básico. Sr. Ministro, preferiria ouvi-lo dizer aqui uma outra coisa: quais são os problemas que há no 3.º ciclo do ensino básico, quais são as necessidades, quais são as carências, quais são os problemas que existem no ensino básico que justificam a alteração no tipo de professores que lá hão-de leccionar.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que justificar as alterações no ensino básico com os problemas do ensino superior politécnico é menorizar o ensino básico em relação ao ensino superior politécnico.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É isso que não desejaríamos e é sobre isso que o questiono: gostaria de ouvi-lo dizer, claramente, quais são, no seu entendimento, os problemas que existem no ensino básico que justificam esta proposta de alteração.
Relativamente às provas finais do ensino secundário, recentemente, durante o mês de Outubro, diversos técnicos do Ministério da Educação desdobraram-se em reuniões sucessivas com conselhos directivos, pelo País tora, e bem, dando orientações sobre os núcleos essenciais dos programas a desenvolver ao longo do ano. Porém, Sr. Ministro, e para que não se diga amanhã, se alguma coisa correr mal nos próximos exames, que nós só acordamos nessa altura, quero dizer-lhe hoje, aqui, claramente, que faltam elementos essenciais para a organização desses exames, nomeadamente aquilo que, na altura, foi prometido, ou seja, a matriz-tipo de cada exame, que é essencial para os professores desenvolverem as suas actividades, e, mais do que isso, as próprias normas logísticas de organização das provas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Está tudo atrasado!

O Orador: - Sr. Ministro, é inquestionável que, hoje, a escola não é o único veículo transmissor de educação, tem concorrentes, concorrentes sérios, e um dos mais sérios é a televisão. Aliás, recentemente, todos lemos os resultados de um estudo realizado a nível internacional, mais virado para a matemática e para as ciências, onde eram revelados dados no sentido de que os alunos lêem poucos livros, raramente vão ao museu, mas 72 %, todos os dias, vêem na televisão documentários, noticiários, filmes, programas desportivos, etc.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo. Queira concluir.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente. É pena que não possamos desenvolver este tema com mais calma.
A questão que lhe coloco frontalmente é esta, Sr. Ministro: para além daquilo que o Ministério tem feito - e bem! - com outros ministérios, no domínio da multimédia, do computador na escola, que acções é que está a desenvolver no sentido de poder ter uma intervenção, em termos educativos, juntamente com as televisões públicas e privadas, de forma a que este extraordinário veículo de comunicação possa exercer, em plenitude, a sua função educativa?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, passo a colocar três questões sobre o ensino politécnico e a sua necessidade de valorização. Como o meu colega acabou de dizer, valorizar o ensino politécnico, particularmente quando não há pressão em termos de formação de recursos humanos para professores, poderia merecer por parte do Ministério pequenas medidas que, naturalmente, o iriam valorizar.
Vou falar, como deve supor, dos estudantes das escolas superiores de enfermagem e de tecnologias de saúde. Tudo indica que a questão do apoio social, que já foi objecto de profunda reflexão, nomeadamente de um trabalho coordenado pela Direcção dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, onde também a educação terá tido presença, passe para o Ministério da Educação, já que são estudantes do ensino politécnico. Resta saber se o Sr. Ministro e o Ministério da Educação compartilham da opinião da Sr.ª Ministra da Saúde, aqui expressa em sede

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de discussão do Orçamento do Estado, exactamente no sentido de o apoio social ser canalizado para o Ministério da Educação.
Essa circunstância, que não é nova, e que já teve uma reflexão particularmente recente, faz com que os problemas se avolumem todos os anos. Naturalmente que nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro o Ministério da Saúde ter-se-á atrasado a assinar essa autorização, pelo que os estudantes ainda não receberam as bolsas, para já não falarmos nas residências universitárias, etc. Gostaria, pois, de perguntar, concretamente, para quando é que o Ministério da Educação terá a responsabilidade do apoio social aos estudantes das escolas superiores de tecnologias de saúde e das escolas superiores de enfermagem.
A segunda questão, que é uma questão particular, tem merecido também a nossa preocupação e refere-se ao início das aulas na Escola Superior de Tecnologias de Saúde de Lisboa, uma vez que, no Porto e em Coimbra, a transição para a completa integração no ensino superior politécnico decorreu sem problemas.
Sabemos que existem problemas que não são fáceis de ultrapassar, não estamos a dizer que se faça de um dia para o outro, mas desde Junho do ano passado que a escola está praticamente fechada, os professores não dão notas, os alunos que pretensamente terminariam os cursos não podem iniciar a sua actividade profissional, em prejuízo dos seus colegas de Coimbra e do Porto. Sr. Ministro, para quando é que está, pois, previsto o início deste ano lectivo?
A terceira e última questão, que também tem a ver com o ensino superior politécnico, apesar de, neste momento, estar em estudo uma solução híbrida, é a questão da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Águeda do Instituto Politécnico de Aveiro e as várias vicissitudes de transferência de instalações. Embora o Sr. Ministro das Finanças também já tenha produzido um despacho no sentido de permitir a rápida transferência, queria chamar a atenção para o seguinte: estamos em Dezembro, as instalações em si necessitam de algumas obras de adaptação e é evidente que a promessa de o início das aulas ter lugar no próximo ano lectivo, quanto a nós, poderá estar de alguma forma comprometida. Portanto, gostaríamos de saber o que irá acontecer, pois só dessa forma estaríamos a dignificar o ensino politécnico.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, pondo certamente à prova o seu poder de síntese, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, não tendo respondido à questão colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Sena Lino, na primeira rodada, permita-me dizer-lhe apenas que, quanto à igualdade de oportunidades, estamos certamente a fazer um grande esforço, porque a mudança implica riscos.
Tendo em conta esse esforço, gostava de lhe referir apenas três pontos de combate: os territórios educativos de intervenção prioritária, aqueles que eu conheço e de que iremos dando conta, como já tive ocasião de dizer neste Parlamento, estão neste momento a funcionar com algum sucesso inicial; segundo, o esforço enorme que estamos a fazer para a fixação dos professores, em que é fundamental encontrar os mecanismos para fixar os professores nas zonas onde eles são mais necessários; terceiro, a criação dos curricula alternativos ou, se quiser, dos curricula adaptados. São três exemplos que lhe dou das medidas concretas que estamos a fazer.
O Sr. Deputado Lemos Damião não está presente neste momento, mas podem transmitir-lhe que as suas preocupações são inteiramente legítimas e que a questão da qualidade não é uma questão de moda. A qualidade tem hoje uma característica diferente: é que existe a chamada universalidade do conceito de qualidade. A qualidade não se mede, hoje, apenas com indicadores locais mas com indicadores internacionais onde somos comparados com os outros. Porém, as suas preocupações são legítimas e os sistemas de creditação são certamente a única forma de legitimar estas acções de formação.
Em relação ao Sr. Deputado Bernardino Soares, permita-me que lhe diga que relativamente ao diálogo, estou de acordo consigo quando diz que o diálogo não é apenas ouvir, é incorporar aquilo que são as várias sugestões. É exactamente o que estamos a fazer! Concretamente, em relação à lei-quadro do financiamento do ensino superior, terá ocasião de constatar a diferença, entre a proposta inicial que fizemos e todos os contributos que vieram, quer do CNASE, onde estão representados os estudantes, quer das próprias organizações de estudantes, das reuniões que tivemos com eles onde foram apresentadas muitas sugestões, podendo mesmo verificar que muitas das alterações introduzidas fizeram-se em função das sugestões feitas.
Em relação ao que disse sobre a manifestação de ontem, eu sou Ministro da Educação, não sou ministro da manifestação, mas sei entender e sei ouvir. Não sou autista. Agora, aquilo que são as verdadeiras mensagens do que está a ser dito, em primeiro lugar temos de perceber o que é que os estudantes estão a fazer e não apenas o que manifestaram ontem em Lisboa; em segundo lugar, é necessário perceber que, por detrás desta movimentação, há duas questões de fundo: o emprego, a qualidade e as condições de funcionamento das instituições. Estas é que são as questões de fundo.
E são estas que não estão enunciadas no caderno reivindicativo, sobretudo a do emprego, que é uma questão de fundo, que tem de ser discutida numa base muito séria, porque estou convencido, como hoje tive ocasião de dizer noutra circunstância, que há um trabalho enorme a fazer, sobretudo com as associações de estudantes e com as organizações juvenis, no sentido de avançar para a criação de estágios, para a ligação às empresas e para a mobilização dos estudantes em prol de uma melhor entrada na vida activa. Esta é uma questão de fundo! Todavia, esta questão não pode ser discutida de uma forma atrabiliária, mas tem de ser discutida porque ela é a grande angústia que paira hoje na universidade portuguesa. E este é um sinal que não está expresso, nem em palavras de ordem nem em nenhum documento, mas é o problema de fundo que tem a universidade portuguesa.
O Sr. Deputado Nuno Correia da Silva colocou aqui a questão do politécnico, a que sou sensível. Mas quando fala nos bacharelatos de dois anos, quero dizer-lhe o seguinte: nós limitámo-nos a pôr na lei o que se passa na prática. Temos hoje cursos na universidade de dois anos com uma enorme procura e com uma grande saída profissional, que são os cursos existentes nas faculdades de medicina dentária, que se destinam a formar protésicos, higienistas dentários e técnicos de equipamentos dentários. E porquê? Porque as universidades estão hoje...

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - São de quatro anos!

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O Orador: - Não, são de dois anos! São bacharelatos de dois anos. Estes cursos, hoje, não têm nenhuma legalidade, os jovens estão a sair das universidades sem qualquer diploma, com um prejuízo imenso. A questão que se coloca não é a que o Sr. Deputado colocou, a questão é outra: é que nesta lógica da universalidade do conceito de qualidade, temos de ter alguma atenção ao que está hoje estipulado em termos de cursos de três anos no espaço europeu. Essa, sim, é uma questão que vale a pena debater, que temos de saber interpretar em função do que são os bacharelatos de dois e de três anos. Não tenho qualquer receio quanto à procura dos bacharelatos, porque muitos dos que temos hoje têm uma salda profissional maior do que a maior parte ias licenciaturas.
A licenciatura, ao contrário do que se possa pensar, não é muito do que está hoje no terreno, é um curso de «banda larga» que permite uma grande empregabilidade aos nossos jovens, que lhes permite uma reciclagem e uma reconversão do futuro próximo - e são cursos que devem ser feitos com grande profundidade. A licenciatura distingue-se do bacharelato, porque este permite uma colocação de forma mais rápida num leque mais estreito de profissões. Daí, a maior dificuldade em defini-los e a maior responsabilidade que as escolas de cursos politécnicos, que não são autónomos - e, neste caso, o Ministério -, têm na definição destes cursos. Portanto, a necessidade que há aqui de um grande equilíbrio.
Quanto aos bacharelatos de dois anos, não tenha receio, o que não podemos é generalizá-los como uma espécie de formação de mão-de-obra barata.
Sr.ª Deputada Natalina Moura, quanto à questão do controlo sobre as universidades, não posso estar mais de acordo consigo. O acordo que estamos a tentar, neste momento, com os privados vai exactamente neste sentido. Relativamente aos públicos, tem de se encontrar aqui o mecanismo de articulação para que a creditação dos cursos possa ser feita de uma forma que não ultrapasse a autonomia.
O Sr. Deputado José Cesário colocou três ou quatro questões. São todas muito interessantes, estou de acordo com o que disse quanto à formação dos professores e à necessidade de andar ao contrário, isto é, através das carências e da estratégia da escolaridade obrigatória, encontrar o professor necessário para elas. Só lhe quero dizer o seguinte: a procura hoje é muito diversificada no que respeita à escolaridade obrigatória. Temos grupos sócio-económicos muito diferentes na escolaridade obrigatória e temos de saber responder a isto, dando também uma resposta diversificada.
Sobre as provas finais do ensino secundário e os núcleos essenciais, a Sr.ª Secretária de Estado responderá.
Quanto à televisão, estou inteiramente de acordo consigo. Aliás, fiz uma proposta à televisão no sentido de podermos progredir rapidamente nesta matéria, que é extremamente sensível, e valerá a pena que estejamos atentos àquilo que a televisão vai conseguir fazer.
Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, relativamente às questões que colocou sobre o politécnico, elas são todas muito específicas, pelo que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior responder-lhe-á. Apenas quero dizer-lhe que temos um grande interesse na Escola de Águeda e estamos a desenvolver esforços, como sabe - aliás, referiu o despacho do Sr. Ministro das Finanças no sentido de desbloquear esta situação.
Quanto ao apoio social, este é ainda, neste momento, inteiramente da responsabilidade do Ministério da Saúde.
No que diz respeito à Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, existem, de facto, problemas muito sérios, mas houve uma reunião, na semana passada, com a Sr.ª Ministra da Saúde e estamos a tentar desbloquear a situação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs e Srs. Deputados, vamos proceder agora à votação do projecto de resolução n.º 25/VII, apresentado pela Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste, que declara o dia 7 de Dezembro como Dia de Timor-Leste. Há consenso dos grupos parlamentares para que se faça a votação de imediato. Depois prosseguiremos o debate do tema da ordem do dia, de acordo com as inscrições que a Mesa já registou.
Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos prosseguir o debate da interpelação ao Governo sobre política de educação, formulada pelo CDS-PP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, no último debate sobre o estado da Nação, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou nesta mesma Assembleia: «Em matéria de educação, encontrámos um campo minado, onde não era possível discutir com serenidade nenhum objectivo e nenhuma política. Há que reconhecer que é hoje completamente diferente a base de diálogo e de confiança no relacionamento com estudantes, professores, famílias e todos os trabalhadores do sector, depois de uma paciente desminagem». As referências ao campo minado são uma daquelas afirmações de choque, hiperbólicas, de que o Sr. Primeiro-Ministro se socorre com frequência. O manifesto exagero das palavras é suficiente para as desacreditar. A referência às boas relações com os estudantes e professores, apresenta-se hoje como urda vaga miragem. O que se passa nas escolas e nas ruas é bem diferente dos sonhos idílicos do Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. José Cesário (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São preocupantes as atitudes governamentais que estão na base do momento agitado que se vive hoje no ensino superior. O diálogo revelou-se, afinal, uma máscara de conveniência. O Ministério da Educação dispensou o diálogo para tentar alterar uma lei que foi aprovada após o maior debate ocorrido no sector da educação, no Parlamento e fora dele. Pelo meio, já o Sr. Ministro da Educação chamou elitistas aos estudantes universitários, apelidou de carreiristas alguns dirigentes associativos e negou-se ao diálogo com estudantes alegando falta de capacidade científica destes para dialogar com o Ministro. Erros de mais, em dias sucessivos, que denotam um estado de desorientação de quem revela uma inesperada dificuldade de conviver com a crítica.
A Lei de Bases do Sistema Educativo constitui o património mais valioso, a base mais sólida, o consenso mais alargado no domínio da educação. É o verdadeiro pacto educativo. A ligeireza com que o Governo se propõe alterá-la, mina a confiança dos agentes educativos e abala os alicerces dum sistema que tem já fragilidades de so-

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bra. Não se pense que o PSD tem qualquer oposição de princípio à revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo. Não a encaramos como uma bíblia imutável. Pensamos mesmo que se justifica uma avaliação actualizada dos seus efeitos, passados 10 anos sobre a sua aprovação. Mas tal avaliação deve abranger todos os graus de ensino e não apenas o ensino superior, como pretende o Governo, ou seja, uma avaliação global e não a conta-gotas; uma actualização séria e não um remendo de circunstância; deve resultar de um amplo debate prévio e alargado, envolvendo todos os agentes do sistema e não surgir de forma abrupta, quase providencial; deve, finalmente, suscitar um consenso pelo menos tão alargado como aquele que permitiu a aprovação da lei em vigor.
Veja-se, a título de exemplo, o artigo da proposta do Governo que tem levantado maior controvérsia, o relativo à formação de professores para o 3.º ciclo. É para nós ponto assente que a qualidade da formação dos professores condiciona decisivamente a qualidade da educação. É, portanto, um assunto da maior importância, a exigir que qualquer intervenção legislativa neste domínio seja precedida de estudos sérios e de uma programação rigorosa das necessidades. É, por isso, incompreensível, diria mesmo inaceitável, que o Governo proponha à Assembleia da República o alargamento das instituições de ensino superior com capacidade para formar professores para o 3.º ciclo sem fazer acompanhar a proposta dos estudos demonstrativos das necessidades de novos professores por cada disciplina ou área disciplinar para um horizonte de, pelo menos, 10 anos. O contrário seria desperdiçar recursos, defraudar as expectativas dos alunos, aumentar o desemprego. Para isso, ninguém conte connosco.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não é este o momento de discutir se as propostas do Governo são boas, ou más. É, no entanto, urgente que o Governo reconheça que a forma como introduziu este assunto inquinou a discussão séria de um problema que é importante. Por isso lhe propomos, Sr. Ministro: a bem da estabilidade no sistema educativo, a bem da paz social no ensino superior, a bem da qualidade, da exigência e do rigor, retire a sua proposta e recomece de novo este processo. Sem dramas, com tranquilidade, com abertura ao diálogo e à participação, com adequada fundamentação técnica. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Por isso se impõe começar de novo e esquecer esta falsa partida. Passemos, Sr. Ministro, esta página.
Sr. Presidente, Sr. Deputados, a acção do Governo socialista na área da educação é marcada por três características fundamentais: incumprimento das promessas eleitorais, o pânico de tomar decisões e o fascínio pelas facilidades. Em primeiro lugar, quanto ao incumprimento das promessas eleitorais, quem não se lembra das conclusões dos Estados Gerais onde se apostava no crescimento das despesas com educação, formação e ciência, indicando como objectivo mínimo um aumento de 1% do PIB? Pois bem, o crescimento da percentagem do PIB do último orçamento ficou-se pelos 0,04%. E quem não se recorda da promessa de criar um só turno nas escolas dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos? Alguém já deu por isso? E a promessa de negociar um pacto educativo, que tradução teve? E a promessa de intensificar a expansão das escolas profissionais? Até hoje, o Governo encerrou mais escolas e mais cursos do, que aqueles que abriu. Será esta a prometida expansão?
Em segundo lugar, o pânico de tomar decisões: no início do seu mandato, o Governo suspendeu a lei das propinas, com o alegado objectivo de conseguir a paz académica. E prometeu uma nova leia apresentar na Assembleia da República, durante a primeira sessão legislativa. É hoje claro para todos que o Governo não tem coragem nem para dizer que não quer propinas nem para apresentar a sua proposta de financiamento do ensino superior.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Muito mal!

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - É normal! É normal!

O Orador: - Também no início do mandato, o Governo aboliu as provas prestadas pelos professores para ascender aos escalões mais elevados da carreira docente e comprometeu-se a apresentar um novo modelo. Como o assunto não é pacífico, logo o Governo envereda pelo caminho mais fácil de não fixar qualquer forma de avaliação do desempenho dos professores. E quanto ao modelo de direcção e gestão das escolas, que fez o Governo quando recebeu o relatório com mais de mil páginas da experiência do novo modelo de gestão desenvolvido em 58 escolas durante mais de três anos? Esperava-se que optasse pelo novo ou pelo velho modelo ou ainda que arranjasse um terceiro modelo. Mas não, a opção do Governo foi continuar a experiência.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - O fascínio pelas facilidades é outro dos traços marcantes deste Ministério da Educação. Quando as notas dos exames do 12.º ano se revelaram baixas, ninguém viu o Governo adoptar qualquer medida correctiva de fundo. Assistiu-se apenas ao alargamento da escala até aos 22 valores. E para melhor disfarçar o alcance do problema, a segunda medida tomada foi baixar de 40 para 30 % o peso dos exames na nota final. Na mesma lógica das facilidades, decidiu o Governo acabar com as provas globais do 9.º ano transformando-as em mais um teste igual a tantos outros. É preocupante esta trajectória do Governo, sempre na linha das facilidades. Nem uma medida tomada no sentido da valorização do esforço, nem um sinal de reforço da exigência e do rigor, fundamentais à qualidade da educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A qualidade da educação é uma questão essencial para o nosso desenvolvimento, senão mesmo para a nossa afirmação como país livre e moderno; denunciar o que vai mal na educação é um imperativo ético para um partido da oposição mas é também a defesa de uma zona de interesses vitais para o todo nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os desafios que o País enfrenta na área da educação não se compadecem com declarações amorosas ou tiradas grandiloquentes. Não é com ilusões que se constróem políticas. E os portugueses não perdoarão o incumprimento do que lhes foi prometido.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Castro de Almeida, V. Ex.ª, na sua intervenção, voltou a insistir num tema que já tinha abordado no pedido de esclarecimento que fez ao Sr. Ministro da Educação, a questão da metodologia do debate da proposta de lei de alterações à Lei de Bases do Ensino, acusando o Governo - a exemplo, aliás, das vozes que, em muitos aspectos, levianamente, têm, como eu disse há pouco num pedido de esclarecimento que fiz, viciado este debate - de falta de diálogo, de desorientação, de ligeireza na elaboração desta proposta de lei. Isto é uma coisa espantosa vinda da boca de um Deputado, de um membro desta Casa, na medida em que parece desconhecer, como tem sido insistentemente lembrado, que a Lei de Bases do Ensino é da competência exclusiva deste Parlamento.
Que um Deputado e um grupo parlamentar desvalorize a sua própria função é, de facto, espantoso! O Sr. Deputado duvida da capacidade deste Parlamento de consensualizar, entre as várias componentes e os vários agentes educativos, os vários interessados, tal como fez, aliás, com a Lei-Quadro do Pré-Escolar? Obviamente que este Parlamento tem a capacidade e o dever de ouvir, de fazer participar. V. Ex.ª duvida da capacidade deste Parlamento, de fazer, em torno desta proposta de alteração da Lei de Bases, um trabalho tão sério como o que fez na génese da actual Lei de Bases do Ensino? De facto, ao mesmo tempo, eu diria que é quase passar um manifesto de incapacidade e de desconfiança a este Parlamento. É incompreensível!

O Sr. Ministro da Educação: - Exactamente! É isso mesmo!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Tem toda a razão!

Protestos do Deputado do PSD Castro de Almeida.

O Orador: - Diria que V.Ex.ª, por vezes, dá a sensação de continuar a abordar esta questão com muita ligeireza. E aponto-lhe só um aspecto. Referiu na sua intervenção que um dos aspectos desta proposta de alterações da Lei de Bases tem a ver com a questão da atribuição de licenciaturas pelos politécnicos, o que dá a sensação que se esqueceu que foi um governo do PSD que permitiu a atribuição de licenciaturas ou equiparação à soma dos bacharelatos com os DESE e os CESE. Foram VV. Ex.as que legislaram nesse sentido.

Vozes do PS: - Esqueceram-se!

O Orador: - Qual é o escândalo?! O que é que trazemos de novo em relação a esta matéria?!

Protestos do PSD.

Dito isto e para concluir, contamos com o Grupo Parlamentar do PSD que, seguramente, no âmbito deste Parlamento vai contribuir para um trabalho sério, aprofundado, aberto à sociedade civil, aberto a associações de estudantes, aberto a todos os interessados, como aquele que já foi feito em torno da Lei Quadro do Ensino Pré-Escolar, no sentido de se poder reformar, de se poder alterar nos pontos que são propostos pelo Governo, a Lei de Bases actualmente existente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, agradeço a sua questão e quero dizer-lhe que julgo ser evidente que é ao Parlamento que compete discutir e aprovar qualquer alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo mas não faça de conta que vamos iniciar o processo de uma base zero.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - O que se passa é que o Governo tomou a iniciativa de fazer uma proposta à Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Mal!

Vozes do PS: - Bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Tão bem, tão bem que desajustou!

O Orador: - E não foi inocentemente...
Sr. Deputado, por que não foi o Partido Socialista a suscitar na Assembleia da República a necessidade de rever a Lei de Bases do Sistema Educativo?
A Assembleia da República vai discutir esta proposta por solicitação do Governo, após uma iniciativa do Governo, e o problema desta alteração e do debate que vamos aqui fazer é que ele vai iniciar-se inquinado no Parlamento pela forma enviesada, pela forma desastrada como o Governo o iniciou.
A minha proposta, já o disse há pouco, era que se fizesse previamente um levantamento global das necessidades de revisão da Lei de Bases, ou seja, identificarmos, antes de mais, os problemas, verificar quais são, discutir com os parceiros as eventuais soluções, ver onde estão os pontos de consenso e de conflito e só depois se deve passar a um texto.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Está convertido ao diálogo!

O Orador: - E o Sr. Ministro e o Governo não deviam ter apresentado esta proposta na Assembleia da República sem, pelo menos, dialogar com os diversos agentes do sistema. Disse há pouco e insisto, não tinha nem podia ter negociado com ninguém, devia ter dialogado, ouvido os diversos agentes do sistema para que, ao menos, o Governo soubesse, sobre cada um dos pontos da proposta que faz, qual o sentimento dos diversos agentes.
Sr. Deputado, o que se passa hoje é que só depois de aprovar a proposta de lei em Conselho de Ministros é que o Governo ficou a saber o que pensavam os diversos agentes que não tiveram outra oportunidade de falar com o Sr. Ministro que não fosse no manifestógrafo da 5 de

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Outubro porque, como não puderam falar com o Sr. Ministro no gabinete, tiveram de se manifestar para se fazerem ouvir.

Protestos do PS.

Não é isto que nós queremos. Nós queremos...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, deixem o Sr. Deputado Castro de Almeida manifestar a sua opinião.

O Orador: - Nós pretendíamos que o Sr. Ministro tivesse serenamente ouvido as pessoas.
Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe que quando há pouco sugeri ao Governo que retirasse a proposta não era para evitar a discussão deste assunto no Parlamento porque o que disse foi: retire a proposta e vamos recomeçar o processo, vamos iniciar o processo da estaca zero.
Srs. Deputados, Sr. Ministro, tal como está hoje, este debate está inquinado. Se o Governo tivesse um sentido de responsabilidade reconhecia que esta proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo não vai ter uma discussão serena como era suposto que tivesse. Se o Governo retirasse a proposta permitia-nos a todos nós, Governo e a cada um dos grupos parlamentares, começar a discussão séria desde o princípio sem estar viciada por posições já tomadas por estes e por aqueles.
Repare, Sr. Ministro, ainda não tomámos posição sobre nenhuma das matérias que aqui estão propostas.

O Sr. Ministro da Educação: - Isso é que é pena!

O Orador: - Ainda não tomámos...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Castro de Almeida, o seu tempo esgotou-se, tem de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar.
Sr. Deputado, não pense que vamos cometer o mesmo erro do Governo.

Protestos do PS.

Nós vamos querer ouvir os parceiros antes de chegarmos à nossa versão final. Não vamos cometer o mesmo erro do Governo.
Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, eu não me referi à questão das licenciaturas pelos politécnicos, nem sequer abordei esta questão, penso que terá entendido mal. Eu não disse uma palavra sobre esse assunto.

O Sr. António Braga (PS): - Ah, disse, disse!

O Orador: - O discurso está escrito é uma questão de ir lá ver, mas não está lá nada dito sobre isso.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Braga.

Vozes do PSD: - Sr. Deputado, o Sr. Ministro não está presente!

O Sr. António Braga (PS): - Os Srs. Deputados do PSD estão preocupados mas vai passar a vossa preocupação se ouvirem com muita atenção.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Gostaria de começar pela última intervenção do Sr. Deputado Castro de Almeida justamente porque ela nos faz duvidar se ela foi feita pela mesma pessoa que está connosco nas reuniões da comissão, que trabalha e colabora no estudo dos problemas da educação no seio da comissão quando aqui, sistematicamente, levanta sempre as mesmas dúvidas anteriormente esclarecidas. Esta é de facto uma situação que, além de nos espantar, nos deixa preocupados, mas a seu tempo o Sr. Deputado Castro de Almeida vai verificar que está enganado.
Interpelando o Governo sobre a política educativa, o PP - e importa que nos centremos no debate de hoje - faz homenagem ao fundamental das propostas que levaram à apresentação de um pacto educativo. Em rigor, esta esgrima de razões e argumentos reintroduz o essencial de uma discussão sempre incompleta, mas desejavelmente feita em torno de grandes referentes comuns que permitam dar estabilidade às políticas da educação.
Contudo, depois do apelo do PP, o que retemos, pelas propostas já avançadas, são velhos tiques de uma visão conservadora e retrógrada do papel da escola e da vida na escola. Um debate como o de hoje recomenda que se apele à humildade de reconhecer a complexidade do que está em causa e aconselha uma sabedoria particular que consiste em não esquecer que não se mudam as realidades ou as circunstâncias de um dia para o outro, com uma espécie de varinha de condão que algum mago tivesse na sua mão.
Por outro lado, a manifestação de divergências nas grandes linhas programáticas, designadamente nessa concepção de escola e das suas finalidades, é em si um contributo para a clareza das propostas, mas permite assinalar também uma visão da sociedade igualmente distinta, embora esta última não esteja aqui em discussão.
Ao PP podemos e devemos atribuir um projecto de escola elitista, ultrapassado pelo tempo mas acima de tudo negado pelos valores da igualdade, da democratização de oportunidades e da solidariedade. Ao pretender introduzir o exame no final da escolaridade obrigatória lembra-nos a certificação da velha "4.ª classe". E, em nome das bondosas afirmações de rigor e qualidade, pretende liquidar o 12.º ano. Não é disso que o sistema educativo precisa. Não faz falta uma escolaridade obrigatória selectiva - não faria sentido, aliás, obrigar à frequência para depois seleccionar. Não faz falta a criação do vazio pré-universitário, porque isso apenas beneficiaria os ricos.
Mas, apesar da iniciativa do PP, ou até por isso, debater a educação em Portugal, hoje, não pode ser feito desconhecendo o actual momento de contestação estudantil. Em regra os estudantes quando se manifestam têm alguma razão. Mas será que desta vez têm mesmo? Ao que se sabe, o que levou a uma primeira mobilização de protesto organizado era a proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, que, segundo os promotores, permitiria que os formandos dos Politécnicos e das Escolas Superiores de Educação leccionassem no 3.º ciclo.
O primeiro tem a ver com o facto de a proposta de lei, versando matéria da competência exclusiva da Assembleia da República e sendo uma lei de bases, estar obrigada à audição e debates públicos, mas promovidos pela Assembleia da República. É um argumento formal, dirão alguns. Mas não é, porque, se fosse o Governo a fazer

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esse debate público e essa audição pública, estariam os mesmos, alguns duvidosos, agora aqui a dizer-nos que isso era uma gravíssima falta de respeito para com a Assembleia da República.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Não está a ser crítico!

O Orador: - O segundo equívoco prende-se com a natureza das soluções contidas na proposta de lei, no que respeita aos graus académicos e à formação de professores. Independentemente da discussão que vier a ser feita, nunca esteve proposto que os actuais alunos das escolas superiores de educação e dos institutos politécnicos saíssem formados directamente para dar aulas ao 3.º ciclo. Isso só acontecerá depois da reformulação dos cursos e a partir de um ano zero, a que se somariam os da duração do próprio curso.
Aliás, os estudantes depressa perceberam que não tinham razões suficientes para aguentar manifestações na base da contestação à proposta de alteração à lei de bases. E, por isso, lá foram alinhando outras coisas, como a qualidade do ensino, o financiamento, a acção social escolar, etc. Tudo questões pendentes de processos em fase de concepção ou de negociação a decorrer. Questão que nos leva a reafirmar a necessidade de reforçar o trabalho realizado e manter a serenidade negociai que o Governo a muito custo conseguiu.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não perfilhamos uma visão conspirativa da vida política e, por isso, acreditamos que vale a pena manter esse esforço e essa atitude. Ora, para o fazer, devemos antes de mais, com lucidez e sem falsos dramatismos, perceber o que está realizado ao longo de um ano de Governo socialista.
É injusto dizer-se que não foi feito nada, que apenas se geriu o sistema, assente em coisas gerais e muito pouco concretizadas. É verdade que na vida política não há lugar a gratidões nem reconhecimentos, quando os governos fazem o que devem, especialmente o que prometeram em eleições, mas não fica mal a ninguém fazer a justiça de assinalar o que está feito, por obediência a um programa eleitoral.
O Sr. Ministro já nos trouxe aqui uma elencagem de medidas e realizações concretas, que não podemos ignorar, mas não vamos repetir. Quero, contudo, salientar três grandes objectivos praticamente conseguidos e há muito desejados por todos.

O Sr. José Calçada (PCP): - Estão todos contra o Governo!

O Orador: - Em primeiro lugar, o enorme esforço financeiro na regulamentação dos artigos 55.º, 56.º e 57.º do Estatuto da Carreira Docente. É uma medida em falta há muitos anos e que só não tinha sido concretizada por imperativos decorrentes de uma visão economicista da educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, a efectivação dessa medida, para além de consagrar o princípio fundamental da valorização e formação dos professores, vai permitir estancar a fuga de docentes, especialmente daqueles que, entretanto, valorizaram a sua formação académica e científica, com enormes ganhos para a melhoria da qualidade da leccionação e do ensino. Demonstra de igual modo e na prática que a paixão está bem viva, porquanto significa uma visão humanizada da escola e dos professores, o que, aliás, vem na sequência da liquidação que foi feita ainda no decorrer do ano anterior de passagem do 7.º para o 8.º escalão, que obrigou, em dois anos, a um enorme esforço financeiro, na ordem dos 20 milhões de contos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É pouco? Não! É muito. E vale não só pelo significado das políticas de revalorização dos principais agentes educativos, mas também pelo sinal de permanente concertação que isso dá.
Em segundo lugar, o conjunto de medidas em fase terminal de negociação e preparação que se prendem com aspectos essenciais da vida do sistema educativo. São os currículos alternativos, os territórios educativos, o regime de gestão e administração, o financiamento do ensino superior. Tudo matérias em que nunca antes ninguém pegou a sério, tudo matérias que terão reflexos concretos na melhoria das condições de leccionação e da aprendizagem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em nome de um programa, em nome de princípios fundamentais a que a escola deve dar resposta, em nome de uma verdadeira paixão, contra a exclusão, pela segurança, pela estabilidade e humanização das escolas.
Em terceiro lugar, a generalização da educação pré-escolar. Esta é uma bandeira fundamental no combate pela igualdade de oportunidades no acesso à educação e ao saber, muitas vezes prometida e sucessivamente adiada por outros. Estamos em vésperas de concretizar uma reforma que marcará para o futuro o nosso sistema educativo, dando-lhe mais justiça social, mais oportunidades para todos.
Relevo o esforço que está a ser realizado por todos os grupos parlamentares para a aprovação da Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, diploma que esperamos possa vir a merecer o maior consenso, justamente porque desejamos
construir um quadro de referência que não seja modificável ao sabor das alterações de governos ou de titulares das pastas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A educação é para todos. A escola tem uma grande responsabilidade na democratização e na igualdade de oportunidades. Não é aceitável que 30% dos jovens abrangidos pela escolaridade obrigatória não a completem.
Este é um exemplo de realidade, que nos deve fazer reflectir profundamente para podermos saber com clareza onde nos podemos pôr de acordo. E não é por acaso que temos todos a obrigação de contribuir para esse acordo.
Srs. Deputados, educação e desenvolvimento estão estreitamente ligados. Se não for feito esse esforço, que futuro legaremos?
O actual sistema educativo - todos o pensam - apresenta enormes lacunas na formação dos nossos jovens. Será que é possível fazer de conta que não o sabemos?

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Um outro desafio que não pode deixar de merecer atenção, o que, aliás, está a acontecer justamente na revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, é a existência desse modelo de ensino. Não pretendo antecipar nenhuma discussão nem soluções. Contudo, todos sabemos igualmente que há privado e privado e também por aqui se constrói a qualidade.
Não nos adianta procurar culpados. Mais importante é encontrar respostas para construir esse futuro. Ora, o trabalho intenso deste Governo tem sido o da procura dos consensos para responder a estes desafios, que, em cada momento, nos deixam a nu as fragilidades do sistema educativo.
É preciso andar mais depressa? Talvez todos tenhamos esse desejo, mas reconheça-se que é preciso, primeiro, encontrar respostas para algumas questões fundamentais. E muitas dessas respostas estão do lado dos parceiros educativos. O que não podemos é esquecer nunca que a escola, antes de formar técnicos, deve formar pessoas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP):- Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, passarei um pouco em claro as observações que fez relativamente às propostas do PP, que penso serem de retórica já gasta, mas quero dizer-lhe o que aqui me aflige e me tem vindo a afligir gradualmente ao longo deste debate: é que, no fundo, os grandes problemas nunca são discutidos neste Hemiciclo - já começo a aprender -, designadamente os dois que aqui estão aqui em causa.
Sr. Deputado, há crianças, para as quais vai preparar, e muito bem, uma rede pré-escolar - vamos preparar todos em conjunto -, mas que necessitam dessa rede porque vivem num país subdesenvolvido, que é o nosso. E não querer começar por aí é não querer chegar a lado nenhum. Perde-se uma em cada três crianças, porque estamos num país subdesenvolvido, que é o nosso. E quando digo isto não quero dizer que não amemos muito o nosso país, mas é por isso mesmo que o queremos mudar.
No entanto, está a fazer-se uma coisa que, essa sim, considero criminosa, ou seja, está a criar-se um subdesenvolvimento intelectual e cultural a nível das universidades com a satelitização do sistema em torno da universidade: estão a produzir-se iletrados. E o meu problema não é tanto o de um jovem sair de uma faculdade e não conseguir arranjar emprego - já não é esse -, mas o de que esse jovem não chegue sequer a perceber o mundo onde vive. É mais aquém!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - O meu problema é que ele não tenha tido a possibilidade que eu tive, educada pelo Estado português desde a instrução primária, de, pelo menos, ter um conjunto de referências.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - É assim mesmo!

A Oradora: - Sr. Deputado, a questão que quero colocar-lhe é a seguinte: o sistema educativo tem sido entendido como um sistema público e nós queremos entendê-lo como um sistema de interesse público. Nós consideramos que o sistema só por si não educa ninguém, pois não se educam as pessoas sem as famílias e estas estão de rastos. Hoje em dia, já quase não se educam as pessoas contra as televisões, que as deseducam todos os dias, e não vejo ninguém pedir aos operadores privados e públicos de televisão que tenham em consideração o que estão a fazer. É que não se educam as pessoas sem as pôr a ler e as pessoas não lêem, não conversam, não falam.
O Sr. Deputado tem um país que é assim e, tal como eu, quer mudá-lo. O que lhe pergunto é se acha que é mais lei de bases, menos lei de bases, mais artigo, menos artigo, que vai resolver a questão.
E vou referir-me ao ensino pré-escolar, porque se trata de um segmento que pode ser moldado de raiz, e tenho toda a confiança que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado vão perceber o que quero dizer. O ensino pré-escolar é um segmento que pode começar a ser moldado como um sistema de interesse público e não como um sistema público, com uma rede claramente mista e não sorrateiramente pública e, não sei bem como, privada, como se tivéssemos vergonha de entender que, nesta sociedade, ou estamos juntos para fazer isto ou não vamos chegar lá nunca. Terá de ser um sistema não gratuito, em que cada um paga o que pode pagar e não gratuito, porque é essa a nossa obrigação, em que chamaremos todo o forte contributo que, na área da solidariedade social e da segurança social, se fez relativamente ao pré-escolar, nomeadamente para dar resposta às famílias. É que se se entregarem as escolas a funcionários públicos, elas fecharão às 17 horas quando a mãe sai do emprego às 19 horas.
Ainda quanto a esta questão do pré-escolar, em que estamos apenas a começar, deixo-lhe aqui este apelo: Sr. Deputado, perceba o país onde está, porque o primeiro acto de amor pelo país onde vivemos, pela nossa terra e pelas pessoas que são portuguesas como nós é tentar perceber onde é que elas estão.
Estamos aqui, queremos ir muito mais longe, mas é isto que temos: crianças que vão para o pré-escolar porque, hoje, não têm nem ruas seguras, nem bairros seguros, nem vizinhança, nem amigos, nem pais, nem mães, nem avós, pois estes também já foram postos fora de casa. É por isso que o Sr. Deputado quer o pré-escolar e eu compreendo-o e vou também criá-lo consigo. Temos crianças que não completam os seus estudos, sabe-se lá porquê: ou porque as vão buscar ou porque vão trabalhar ou porque os pais precisam que elas ganhem dinheiro ou porque não percebem o que se passa na escola e fogem, etc.
E, depois, Sr. Deputado, acontece uma coisa extraordinária: nas faculdades, há pessoas que não percebem o que se lhes está a dizer, iletrados que não sabem usar a escrita, que não sabem usar a linguagem e a que, infelizmente, ninguém ensinou a usar a cabeça.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, naturalmente que subscrevo todas as preocupações que acabou de exprimir e com as quais nós também vivemos; vivemos esses pequenos dramas do dia-a-dia.

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Quando falo em sistema educativo não quero plasmar uma burocracia imperante e muito menos reduzir a escola a uma coisa. Não! É justamente o contrário, pois, nas nossas propostas, a criação de uma rede pré-escolar destina-se exactamente a humanizar este sistema, a dar-lhe vida, mas a dar-lhe vida com condições, não só no sentido de criar o melhor para que cada um possa aceder aos conhecimentos que formam as pessoas e que as escolas devem fornecer, mas, também, e acima de tudo, a motivá-las à sua frequência. É verdade - e concordo consigo - que as falhas e dificuldades hoje verificadas no total do sistema educativo levam à existência de inúmeras situações que, de facto, nos deixam muito preocupados e é por isso mesmo que fazemos o mesmo diagnóstico.
Agora, devo dizer-lhe com sinceridade, e não quero, como é óbvio, estabelecer a polémica, que o seu discurso não tem rigorosamente nada a ver com as propostas operacionalizadas pelo PP.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Para si, são passadistas!

O Orador: - Não quero interferir na bancada do PP, mas a verdade é que, no seio dos debates que temos travado - e devemos ater-nos às propostas que nos chegam - temos de relacionar o que há na mesa e posso dizer que me congratulo muito em verificar que o diagnóstico que faz é equivalente ao nosso, que as preocupações de humanização e de criação de condições de motivação à frequência e ao prazer de estar na escola são as mesmas. Portanto, estamos em condições de construir - e é evidente que sem um quadro legislativo que não o podemos fazer -, pelo menos, esse primeiro passo, para tornar eficaz e vivificante na escola essa avaliação.
Sr.ª Deputada, isto é o que lhe devo dizer, porque é esse o nosso interesse, e, se comungamos nesta análise, certamente estamos em condições de a aprovar também, com os votos do PP, no caso do ensino pré-escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Terminou muito melhor, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho. Chamo-lhe a atenção para o facto de apenas dispor de 1 minuto e 42 segundos. A Mesa concede-lhe mais dois minutos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, saúdo a precisão de V. Ex.ª.
Sr. Deputado António Braga, quero começar por o felicitar. Fez uma intervenção notável, aquilo a que chamaremos uma intervenção «rosa», a verdadeira intervenção «rosa» das intervenções nesta interpelação sobre educação.
Ouvindo a intervenção do Sr. Deputado António Braga, ficámos a saber que o Governo governa, que o sistema educativo melhora, que há um grande clima de serenidade no País em relação às questões educativas. A sua intervenção foi notável, sob o ponto de vista do optimismo.

O Sr. António Braga (PS): - Ouviu-a toda?!

O Orador: - Receio que não tenha sido uma intervenção tão notável sob o ponto de vista do realismo.
Já outro Deputado, de outra bancada, chamou a atenção para o facto de o Sr. Ministro ter passado ao lado de algumas das questões da actualidade. Percebe-se que o Sr. Ministro o tenha feito. Torna-se mais difícil de perceber que o Partido Socialista, nesta interpelação, tenha ficado à margem dessas questões.
Em aparte a uma resposta do meu colega de bancada Castro de Almeida, houve vozes do PS que tentaram invectivar-nos, perguntando: qual é a posição do PSD? Queriam seguramente que o PSD cometesse a precipitação que acusamos a outros agentes. Agora, Sr. Deputado António Braga, julgo ser legítimo que a pergunta seja devolvida ao Partido Socialista: qual é a opinião do PS sobre a proposta de lei do Governo que prevê alterações à Lei de Bases do Sistema Educativo?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não faça perguntas difíceis ao PS!

O Orador: - Qual é a posição da bancada do Partido Socialista? E não vou fazer reparos a posições dispersas de órgãos nacionais ou de dirigentes nacionais do Partido Socialista. Deixo ao Sr. Deputado António Braga todo o campo para responder.
última questão: e quanto ao timing? O Partido Socialista também tem opinião quanto ao timing, ao calendário, à cronologia que a Assembleia da República deve seguir na discussão e aprovação desta matéria? Creio que, em nome da clareza política, ficaria bem ao Sr. Deputado António Braga que, agora, ao responder, não ficasse à margem das questões que, prudentemente, pareceu querer esquecer na sua intervenção.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Coelho, tenho sempre muito gosto em responder-lhe quando me faz perguntas. Mas não é costume o Sr. Deputado Carlos Coelho falhar e hoje falhou. Na verdade, não ouviu a minha intervenção. Provavelmente, estaria noutro sítio. Justamente, na minha intervenção referi a actualidade e falei na questão que se prende com a manifestação estudantil. Referi-a - todos os Srs. Deputados ouviram. São minhas testemunhas abonatórias. Não passámos ao lado, bem pelo contrário! Explicitámos, embora resumidamente, como é evidente, o conteúdo da apreciação que fazemos, em relação...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito resumidamente!

O Orador: - Não, Sr. Deputado! É quase uma página. Se não lhe chega...
Mas o Sr. Deputado hoje falhou, apesar de não ser costume, reconheça-se, pois costuma acertar muito mais. No entanto, hoje, de facto, distraiu-se.
Perdoando essa pequena distracção do Sr. Deputado Carlos Coelho - merece perdão, vá em paz -, vamos falar da matéria importante.
O Sr. Deputado, em primeiro lugar, chama-me ortodoxo. Se ortodoxia tem a ver com a defesa dos princípios programáticos e com o programa eleitoral que o PS apresentou, que é consonante com o que o Governo está a

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fazer, sou ortodoxo. Mas não me considero ortodoxo, bem pelo contrário, penso inclusive que tenho uma certa prática de heterodoxia quer na discussão das questões, em si, quer na abordagem de algumas deliberações.
Em relação à pergunta sobre as alterações da lei de bases, creio que o que está por detrás da pergunta do Sr. Deputado Carlos Coelho é a dificuldade em entender como é que a nova maioria se reposiciona, agora e hoje, na governação. Se fosse na velha maioria, esta pergunta faria sentido, porque sabíamos - e não me leve a mal que o diga, é um pouco também com graça - que recebia uma cábula do Governo, dizendo: «Srs. Deputados, já sabem, é assim». E não havia qualquer alteração.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - É sempre a esta hora que começa a correr mal!

O Orador: - A dificuldade do PSD, hoje, e por isso coloca a pergunta, é perceber a razão pela qual, quer o Governo, quer o grupo parlamentar, quando fazem uma proposta, dizem: «É o nosso ponto de partida, vamos ver se chegamos todos a um ponto comum, no que toca à alteração da lei de bases».
Sr. Deputado, respondi-lhe.

Aplausos do PS.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não respondeu!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Mesquita. Faço-lhe notar que o tempo de que dispõe o seu partido é muito limitado. Contará com uma pequena tolerância da Mesa, mas, por favor, não abuse.

A Sr.ª Luísa Mesquita (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Educação: Apesar da ausência de diálogo, da incapacidade para ouvir as diversas reflexões dos diferentes interessados em analisar o cada vez mais fragilizado sistema educativo, o Sr. Ministro da Educação já conseguiu obter um alargado consenso, que não pode, nem deve, ser minimizado.
É o descontentamento que progride e atinge todos os intervenientes de todos os graus de ensino. São os professores e os estudantes que lamentam os erros do Ministério da Educação em áreas fundamentais. São os professores e os estudantes que acusam o Ministro da Educação de sistemática fuga ao diálogo, quando é preciso debater, negociar e decidir. São os professores e os estudantes que afirmam a ausência, a qualquer prazo, de mudanças qualitativas em eixos estratégicos da política educativa, capazes de perspectivar o desenvolvimento e a expansão do ensino público de qualidade.
Entretanto, do ensino pré-escolar ao ensino superior, acentua-se a política da desresponsabilização do Estado, que surge não como defensor e primeiro responsável de um ensino público de qualidade mas tão-só como um mero regulador de um sistema que só é público porque ao público se destina.
O Governo e, concretamente, o Ministro da tutela enunciam, de forma cada vez mais clara, a vontade de privatizar a educação.
No ensino superior, mais de metade das vagas existentes para os jovens que terminam o ensino secundário tem origem nas escolas privadas. O Estado demitiu-se e continua a demitir-se das suas responsabilidades, remetendo para a denominada «sociedade civil» e para a livre iniciativa dos cidadãos o que ao Estado compete em termos constitucionais.
Mas nos ensinos básico e secundário o figurino não é diferente.
De início, privatizaram-se as limpezas, e agora as escolas estão menos limpas; depois, vieram as cantinas e os bares, e agora as crianças e os jovens substituem as refeições por sandes e sumos de máquina; e, provavelmente, alguns já pensarão no trabalho docente entregue a uma empresa de prestação de serviços.
No entanto, e paralelamente, cresce o apoio ao ensino privado.
E já não constitui novidade, de norte a sul do País, o facto de se encontrar estabelecimentos de ensino privado financiados totalmente pelo Estado a funcionarem lado a lado com escolas públicas, que seriam suficientes para as necessidades existentes.
Aumentaram, sem qualquer explicação plausível, os contratos de associação, que representam milhões e milhões de contos do Orçamento do Estado, enquanto as escolas públicas sobrevivem no limiar da penúria ou na penúria dos recursos.
Afinal, nesta, como em outras importantes áreas da vida nacional, ataca-se a despesa pública, reduz-se o défice orçamental, porque a moeda única o exige e o cumprimento do Tratado de Maastricht o determina. E a educação e o ensino perdem qualidade.
Não obstante, ou mesmo por estas razões, o Sr. Ministro vai reconhecendo, hoje, na Assembleia, amanhã, em conferência de imprensa, as debilidades óbvias do sistema educativo.
E, definindo alvos como o insucesso e o abandono escolares, coloca no terreno duas medidas perfeitamente antagónicas, na perspectiva de um Estado democrático, ou duas medidas convergentes, na perspectiva da equipa do Ministério da Educação.
O pressuposto é claro. Afirma-se que o ensino básico é para todos e o secundário e o superior só para alguns, os eleitos.
Esta premissa de desigual oportunidade relança a filosofia das «turmas com currículos alternativos», questionada por professores, por pais e pela generalidade dos investigadores da área das ciências da educação, e, simultaneamente, põe em prática uma das maiores operações de insucesso e de violação de expectativas legítimas dos estudantes do ensino secundário, com o burlesco cenário que envolveu os exames do 12.º ano e o acesso ao ensino superior.

O Sr. José Calçada (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Ao Sr. Ministro parece chegar cada vez mais o saber e a experiência de tão poucos, enquanto os muitos - professores e estudantes - são obrigados a enunciar na rua, em manifestações cada vez mais numerosas e frequentes, os seus saberes e as suas experiências.
Só assim é possível ter feito chegar à Assembleia da República uma proposta de revisão pontual da Lei de Bases do Sistema Educativo que veicula a diminuição da formação inicial dos professores, questionando a qualidade do ensino e o prestígio da profissão docente.
O Sr. Ministro esqueceu que a Lei de Bases do Sistema Educativo, que obteve um expressivo consenso na Assembleia da República e dinamizou todos os actores

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educativos, não pode ser revogada casuisticamente mas tem de ser analisada e avaliada na sua globalidade.
Só assim se poderá saber se as orientações, as finalidades e os objectivos que a estruturam continuam a não dar resposta aos desejos do presente e do futuro em termos de política educativa.
Mas, ignorando o sentir de professores e estudantes, o Sr. Ministro preferiu antes o Pacto Educativo, um documento desarticulado, generalista, sem objectivos nem parâmetros de referência. O tal «chapéu de grandes abas», capaz de albergar o «sim» e o «não», e até o «talvez», quando necessário.
Sr. Ministro, tenha a coragem de promover a reflexão na comunidade educativa sobre o estado da educação e de reflectir sobre as soluções que os professores e os estudantes apresentam para a construção de uma escola de qualidade.
Sr. Ministro, não receie a opinião dos mais directamente interessados, ouça-os sem reservas e dê conta ao País dessa reflexão e desse debate.
Questões tão cruciais como a formação de professores, quer a inicial, na defesa da qualidade, integrando as componentes científica, cultural e pedagógica, quer a continua, encarada na sua dupla condição de direito e dever profissionais, recentrada nas escolas e nos seus projectos educativos, só poderão constituir soluções para as necessidades diagnosticadas se resultarem de um debate participado com estudantes e professores e não contra estudantes e professores.
Questões tão cruciais como as habilitações para a docência e as suas múltiplas implicações em termos profissionais e de sistema obrigarão a uma reflexão alargada com a participação dos professores e não, mais uma vez, contra os professores.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Questões tão cruciais como a estabilidade profissional dos docentes, que não pode continuar a passar por uma política restritiva de abertura de vagas e pelo adiamento de medidas concretas que assegurem a sua vinculação, mas que terá de passar pela urgente definição de um novo quadro legal de regulamentação dos quadros e concursos, terá que ser discutida e decidida com os professores e não, mais uma vez, contra os professores.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada, apelo a que conclua a sua intervenção, pois excedeu largamente o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Obrigado pela sua compreensão, Sr. Presidente.
A falência da reforma curricular, após o terminus do sinuoso, atrapalhado e contraditório percurso que já atingiu transversalmente todos os níveis da escolaridade básica e ensino secundário, exige, com urgência, a rediscussão global de todas as medidas entretanto lançadas, quer no âmbito da organização curricular, quer no dos sistemas de avaliação, que desfiguraram, como todos sabemos, o processo de ensino-aprendizagem, transformando os professores em treinadores de conteúdo e os alunos em corredores de obstáculos.
Sr. Ministro, também nesta área é preciso dialogar com os estudantes e os professores e não, mais uma vez, contra os estudantes e os professores.
O saber também é de experiência feito. E o Sr. Ministro não poderá continuar a ignorar os saberes e as experiências de toda a comunidade educativa, erradamente convencido de que as supostas e luminosas descobertas em matéria educativa habitam tão-só com carácter exclusivo na 5 de Outubro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, Srs. Deputados: Como parece que ainda não perceberam a linguagem clara do Partido Popular, ...

Vozes do PCP: - Clara?!

O Sr. António Braga (PS): - Se é clara, todos perceberam!

O Orador: - ... talvez de outra forma consigam perceber.
Srs. Deputados, venho hoje aqui contar uma história de dois jovens: o menino Eduardo e a menina Ana. Eram amigos.
O Eduardo era filho de pais abastados, ele médico e a mãe advogada.
A Ana era filha de mãe doméstica e de pai empregado de escritório. Tinham cinco anos, quando ambos foram colegas no jardim escola.
Aos sete anos, iniciaram a sua escolaridade obrigatória.
O Eduardo bom aluno, aplicado, com mais queda para a matemática, a menina Ana preferia a área do meio físico.
Até ao 4.º ano de escolaridade, foi o total sucesso: alunos aplicados, deveres sempre cumpridos.
Apenas havia um senão na escola: chovia no Inverno dentro da sala de aula e não havia verba para reparar o telhado. Por vezes, também não havia aulas à segunda-feira, porque a escola era assaltada ao domingo.
Os pais do Eduardo, encarregados de educação preocupados, levaram-no a fazer testes psicotécnicos. Ficou claro que queria ser engenheiro ou economista.
Os pais da Ana sempre pensaram que queria ser professora.
A entrada para o 5.º ano foi fácil, não havia exames e, logo, um e outra tiveram, em casa, que ouvir de seus pais a inevitável comparação: «No meu tempo, era muito mais difícil e rigoroso. Havia exames».
O menino Eduardo foi para a Escola 2.3 de Arriba de Cima, já a menina Ana teve que ir para a Escola C+S de Arriba de Baixo.
A razão era simples: ambos moravam na mesma avenida, mas o Eduardo no inicio e a Ana no fim da rua, e o critério era o das ordens da DREN.
Foi preciso um requerimento ao Governador Civil, amigo do pai do menino Eduardo, para poder transferir o aluno de escola, porque tinha vantagens óbvias nos transportes.
Eduardo continuou a tirar boas notas, muitos 4 e muitos 5. Só tinha um pequeno problema com o professor de matemática, que ainda não tinha sido encontrado, por falta de solução do Conselho Directivo.

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Já a menina Ana não tinha tanta facilidade, nem na educação física nem na história. Mas isso não era problema, pois na educação física não havia nem professor, nem pavilhão, nem material. A menina Ana teve 4, por interesse e bom comportamento.
Ano difícil para a menina Ana foi o 8.º: perdia muito tempo com o namorado, faltava às aulas e nunca ia a físico-química, porque não gostava da professora, tinha negativa a matemática e a ciências e até se esqueceu de entregar o último trabalho de trabalhos manuais.
Mas tudo se resolveu. Ninguém reprova por faltas e, para reter o aluno, eram precisas muitas reuniões e a escola tinha de fechar para férias.
O Eduardo continuava bom aluno: tudo 4 e 5, era o orgulho da família e ia certamente ser economista. A Ana não compreendia por que tinha 11 disciplinas, professores a nove, aproveitamento a sete e só gostava de quatro, mas sabia que, com explicações no último mês, havia de vencer o 9.º ano, porque já não havia exames.
No 10.º ano, o menino Eduardo optou pela área económico-social, queria ser economista; a menina Ana optou pelas humanidades, queria ser professora - teve que mudar de escola, mas, por sorte, encontrou outra a menos de 30 Km. Problemático foi não haver bons transportes.
O menino Eduardo teve mais sorte, porque, mesmo sem laboratório de físico-química, tinha uma excelente professora a português, pena foi entrar em licença de parto em Março e nunca ter sido substituída.
Mas o sucesso continuou total e transitaram para o 11.º ano. O Eduardo, aplicado, com média de 15, e a Ana, com média de 12 e uma disciplina em atraso, porque detestava filosofia.
Chegados ao 12.º ano, as opções estavam feitas: o Eduardo queria ser economista e a Ana professora.
Sabiam bem que este era o ano decisivo. Não sabiam era quais as regras de acesso, porque tinham mudado três vezes, durante os últimos noticiários.
Estavam nervosos e as famílias preocupadas. Poder-se-ia até dizer que era uma insegurança injustificada da adolescência, porque o Ministro já tinha dito que as regras eram claras e que havia um grupo de estudo que já tinha iniciado um projecto, para que, depois de um amplo debate, fosse enviado aos agentes educativos para decidirem.
Findo o segundo período, o Eduardo estava com média de 16 e a Ana com dificuldades a filosofia e a história. Mas a mãe ouvira falar de um colégio de «qualidade» e «rigor», com sucesso garantido, por apenas 40 contos por mês mais inscrição. A Ana transferiu-se de escola e foi para o colégio «céu azul», onde teve 16 a filosofia e 18 a história e acabou com média de 16.
O Eduardo estudou muito, fez exames rigorosos, foi o melhor da turma e acabou com média de 15.
O Eduardo concorreu a economia. Não entrou por uma décima e teve apenas vaga em engenharia de sistemas decisionais.
A Ana concorreu à Universidade Índica e entrou. Entrou, porque achou que o corpo docente era bom e o curso parecia ter algumas saídas. Ficou em Relações Internacionais. Os pais da Ana, que, como disse no início, não tinham posses e, pelo contrário, tinham até algumas dificuldades económicas, pagavam uma propina de 40 contos.
Os pais do Eduardo, que tinham uma vida desafogada, pagavam 1200$ - não havia propinas. E o Eduardo ainda concorreu a uma bolsa, porque anda no público; a menina Ana não podia, porque andava no ensino privado, devia ser rica.
Ambos fizeram o seu curso, Srs. Deputados, ambos saíram doutores, ambos se esforçaram.
Srs. Deputados, caricaturando, necessariamente com alguns exageros, como é típico de uma caricatura, ambos foram, apenas e só, cobaias do actual sistema.
Esperavam, provavelmente, que eu agora dissesse que, no fim, os esperava o desemprego. Mas não, porque uma história destas também pode ter um final feliz.
A Ana, que queria ser professora, ficou com o curso de Relações Internacionais, filiou-se no PS e acabou como secretária do adjunto do vereador da Câmara Municipal de Arriba de Baixo.
O Eduardo concorreu, durante um ano, a todos os anúncios, sem que ninguém percebesse o que era um engenheiro de sistemas decisionais, e acabou filiado no PSD e subgerente de um banco em Arriba de Cima.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o Deputado Sílvio Rui Cervan no PP!

Risos do PCP e do PS.

O Orador: - O Sr. Deputado está sempre com muito humor.
O problema, Srs. Deputados, como já perceberam, não é nem o da menina Ana nem o do menino Eduardo; o problema reside num conjunto de muitos meninos, nas Marias, nos Zés, nos Guilhermes, colegas da Ana e do Eduardo, que foram percorrendo gradualmente todas as escadas a que o sistema os obrigou, que estudaram o que não deviam, tiraram cursos que não queriam e têm empregos de que não gostam ou, mais dramaticamente, estão simplesmente no desemprego.
Na prática, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, concordo com todos os princípios enunciados, hoje, no início do debate pelo Sr. Ministro Marçal Grilo. São princípios fundamentais. Não concordo com a prática; não concordo com o sistema.
E quero deixar aqui uma mensagem ao Sr. Ministro: o Sr. Ministro já disse que não quer fazer a reforma do sistema educativo, que aqui, exageradamente, como tem de ser uma caricatura, acabo de descrever. Mas é importante, na óptica do Partido Popular, haver medidas de credibilização do sistema e, de entre essas, são, para nós, imediatas e fundamentais as do financiamento, das faltas, dos exames no final de cada ciclo e de uma maior qualidade docente, que é aquilo que não está aberto com a actual Lei de Bases do Sistema Educativo que por V. Ex.ª nos foi proposta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (PEV): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, gostaria de começar por fazer uma breve referência à resposta que o Sr. Ministro me deu, ainda há pouco, a um pedido de esclarecimento que lhe fiz, uma vez que, na altura, senti vontade de o interromper, mas não tinha figura regimental que mo permitisse. O que me deixou verdadeiramente preocupada na sua resposta foi isto: o Sr. Ministro, para além de outras coisas, disse, relativamente à questão dos cursos nocturnos, que aquilo a que, hoje, se assiste, do enceramento em diver-

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sos estabelecimentos de ensino dos cursos nocturnos e, simultaneamente, o não alargamento dos cursos nocturnos a outros estabelecimentos de ensino, é algo que cabe, pura e simplesmente, à autonomia universitária e em que, portanto, o Ministério da Educação não tem de se meter.
Sr. Ministro, deixe-me expressar aqui a minha preocupação em relação a esta questão e dizer que não me passa pela cabeça que o Ministério da Educação, pura e simplesmente, «lave as suas mãos» desta responsabilidade, porque nenhuma escola deixa de prestar um horário nocturno por preferência e porque o entende fazer - não acredito nisto. Não é assim. Quando entendem não prestar é porque não têm meios para o fazer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Exactamente! O problema é mesmo esse!

A Oradora: - E o Ministério da Educação não pode «lavar as suas mãos» deste facto; aquilo que tem de fazer é dar condições e garantir meios às escolas, para que elas o possam prestar.
Era isto que queria, desde já, esclarecer, porque foi extremamente preocupante a resposta que o Sr. Ministro deu relativamente a esta questão.
Por outro lado, se o Sr. Ministro tivesse ouvido e recebido a Federação Nacional do Trabalhadores Estudantes, com certeza, hoje, ter-me-ia dado uma resposta diferente.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Os portugueses estavam fartos da política de educação elitista e redutora do Governo PSD. O PS prometeu mudança, prometeu diálogo, prometeu, com os protagonistas, atender às preocupações e carências do sistema educativo. O PS, neste último ano, não mostrou qualquer mudança. A opção pelo sector privado da educação continua a ser uma prioridade, elitizando a educação em diversos níveis e reduzindo as opções de muitos estudantes ao privado, continua a requerer uma excessiva comparticipação das famílias na educação, desresponsabilizando-se daquelas que deveriam ser as suas responsabilidades primeiras, escolhe a dedo os protagonistas e a altura em que devem ser protagonistas.
O Governo PS tem de perceber que o «estado de graça» já passou há muito e que, agora, responde pelas suas acções, pelas suas propostas, pela política que adopta.
O sistema educativo tem de valorizar as qualidades pessoais de cada jovem, tem de contribuir para o seu desenvolvimento pleno e harmonioso, para a sua autonomia participativa e criativa, tem de criar espaços permanentes de convivência, de respeito e de relação com os outros.
O que é que se tem feito neste sentido?
A criação de espaços para actividades criativas e atractivas, para dar resposta aos variados interesses das crianças e dos jovens, para a sua educação global, para o seu equilíbrio físico e psíquico, é nula na generalidade das escolas. A valorização das qualidades de cada jovem não é tida em conta, desde o aspecto da educação física ao da valorização da qualidade dos trabalhos manuais até à matemática. De facto, elas não são tidas particularmente em conta.
Criar o gosto pela participação, também em colectivo, incentivar à motivação pessoal e colectiva dos estudantes é também uma forma de responsabilização na ocupação de tempos livres nas escolas que ganha aqui uma importância particular. E quando ouvimos o Governo anunciar mais policiamento nas escolas como medida de combate à droga, porque na verdade as escolas são locais privilegiados de oferta, na medida em que são espaços de intensa presença de jovens, até parece que a intervenção no combate à droga se resume a esta intervenção de policiamento. Mas não chega, nem de perto, nem de longe. É preciso, no espaço escolar, motivar à ocupação, à responsabilização, ao gosto pela intervenção, à descoberta e valorização das qualidades de cada jovem.
A educação para o ambiente, para a paz, para a saúde e a educação sexual não encontra espaço na generalidade das escolas portuguesas. A opção entre a disciplina de desenvolvimento pessoal e social, com este ou outro nome qualquer, e a disciplina de religião e moral não encontra qualquer tradução prática. A opção é outra: «religião e moral» ou nada!
O acompanhamento mais individualizado dos estudantes é também uma necessidade imperiosa no conhecimento regular dos seus interesses. Contra este objectivo mantêm-se os obstáculos dos programas extensos, das turmas excessivamente numerosas (a generalidade das escolas tem um número de alunos por turma muito superior ao desejável), das escolas superlotadas (a generalidade das escolas tem mais turmas do que a sua efectiva capacidade para as suportar). A qualidade do ensino tem tudo a ver com as condições que os estabelecimentos de ensino oferecem - o sucesso dos estudantes está também aqui directamente ligado.
Mas a resposta que o Governo dá é, por exemplo, a dos currículos alternativos. Objectivos diferentes para quem não é capaz de atingir os ditos objectivos normais (sem que, no fundo, se questione o porquê de eles não serem atingidos), criando-se verdadeiros ghettos nas escolas, com um forte peso psicológico nos alunos, e verdadeiras dificuldades aos professores, pois a criação de ghettos nunca foi uma resposta adequada para nada.
É esta resposta que o Governo tem para dar às desigualdades sociais que continuam a reflectir-se directamente nas escolas?
As condições sócio-económicas e as assimetrias regionais continuam a ser fortes factores de abandono e insucesso escolar.
A não gratuitidade do sistema obrigatório e a não progressiva gratuitidade dos outros graus de ensino continua a ser uma realidade e o Ministério da Educação não perspectiva vontade de mudar. A gratuitidade do ensino obrigatório continua a não abranger os livros, o material escolar e, nos casos necessários, o transporte e a alimentação.
Nos restantes graus de ensino, o princípio da progressiva gratuitidade transforma-se continuamente no princípio da regressiva gratuitidade - o sistema de propinas para o ensino superior público anunciado é a confirmação, a carência de acção social escolar é a desresponsabilização do Estado das suas competências e deveres.
Quanto à reestruturação de habilitação da docência, dos grupos de docência, estão ainda por esclarecer muitas das intenções do Governo. O Sr. Ministro vai deslocar-se à Escola Profissional de Agricultura de Abrantes, peço-lhe que oiça as preocupações dos docentes daquela escola relativamente a esta questão particular.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Boa razão têm aqueles que dizem que a paixão ...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, peço-lhe que resuma as suas considerações, pois já ultrapassou o tempo regimental.

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A Oradora: - Com certeza, Sr. Presidente.
Dizia eu que boa razão têm aqueles que dizem que a paixão é forte, mas passageira, que o amor e a amizade, esses, são duradoiros. Sr. Ministro, torne essa paixão que disse um dia ter pela educação num amor verdadeiro e seguro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação.

A Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação(Ana Benavente): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vivemos novos contextos sociais e económicos em que a exclusão escolar significa mais cruelmente do que nunca exclusão social e reprodução dos ciclos de pobreza. Sabendo nós que a exclusão escolar é produzida pela escola, daí a palavra escolar, também sabemos que tal acontece a partir de desigualdades sociais produzidas na sociedade.
A escola não pode, só por si, resolver tais desigualdades. Pode, isso sim, no espaço que lhe é próprio, assegurar aprendizagens para todos, não transformando as desigualdades sociais de partida em desigualdades escolares. A escola básica é importante para todos, mas são sem dúvida as crianças que pertencem a meios menos instruídos que mais dela dependem.
Sabemos como este trabalho educativo é difícil em todos os países que com ele se preocupam. Sabemos que estabilidade e exigência são valores que só têm sentido em função de dois objectivos indissociáveis: a qualidade e a equidade. Só teremos mais escola se tivermos melhor escola. Mas conhecemos alguns caminhos fundamentais para a construção da qualidade e da equidade. Sabemos que as primeiras aprendizagens na escola são fundamentais no sucesso ou no insucesso e que aí se joga o percurso escolar de cada criança. Daí, para além da educação pré-escolar, que espera a aprovação da lei-quadro neste Parlamento para concretizar uma nova fase na nossa história educativa, a nossa particular atenção ao primeiro ciclo, tanto nos conteúdos, saber o que é fundamental aprender, como no processo de revisão curricular participada que acabámos de lançar, envolvendo pais e professores no debate sobre o que é fundamental saber para se transitar de ciclo e não para criar mais retenção, mas, antes, para orientar os processos de aprendizagem para os saberes estruturantes que constituem um direito inalienável de todas as crianças. Mas também acreditamos na importância da formação de professores, sendo de salientar a formação contínua que acaba de ser objecto de profunda revisão e também as medidas que incentivam os profissionais a uma formação acrescida, no que constituiu passo decisivo a regulamentação dos artigos 54.º e 55.º do Estatuto da Carreira Docente.
É preciso que os professores saibam o que ensinam, mas também saibam como ensinam.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, sabemos que o sucesso nas aprendizagens não se resolve através de medidas administrativas e que a repetência, se pode ser benéfica num ou noutro caso, sempre se traduziu em dificuldades de aprendizagem cumulativas. Quem «chumba» volta a «chumbar» - é uma das frases célebres da história da educação. E se os senhores têm saudades desses tempos, é convosco, nós não temos!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Actualmente, apesar de termos 35,3 % dos jovens que não terminam o 3.º ciclo e, podem crer, com muitas reprovações pelo caminho, temos ainda assim no 2.º ciclo cerca de 35 % dos alunos que passam reprovados a mais do que uma ou duas disciplinas, que são em geral português e matemática. No 3.º ciclo estes valores sobem para 51 %, pelo que, Srs. Deputados, temos um problema de aprendizagem no português e na matemática e não um problema de reprovarem ainda mais alunos em português e em matemática. Aliás, as medidas de apoio acrescido desenvolvidas nas escolas têm o seu assento tónico nestas duas disciplinas, pelo que a questão de fundo que nos preocupa é assegurar condições de aprendizagem para todos, daí a criação dos territórios educativos de intervenção prioritária em situações difíceis, articulando meios e recursos.
No trabalho pela igualdade de oportunidades, gostaria de referir a regulamentação do artigo 63.º do Estatuto da Carreira Docente, que prevê incentivos à fixação de professores em zonas difíceis. Mas, assim como não é através de medidas administrativas que se resolve o problema da aprendizagem, também não é através de um qualquer sistema de faltas que se assegura essa qualidade. Temos de saber do que estamos a falar.
Actualmente, no ensino obrigatório, existem faltas, nos termos do Decreto-Lei n.º 301/93, que aqui já foi referido. Essas faltas são registadas, são comunicadas aos encarregados de educação e têm influência na avaliação, podendo naturalmente levar à não transição de ano escolar, mediante a realização de uma avaliação extraordinária, mas não implicam a exclusão da escola, como é evidente, porque esta é um direito enquanto escolaridade obrigatória.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Só quando os jovens deixam de estar abrangidos pela escolaridade obrigatória é que a falta pode vir a produzir uma tal consequência, tal como está referido nesse mesmo decreto-lei.
Claro que no ensino secundário o excesso de faltas pode levar directamente à não transição do ano escolar.
Finalmente e em terceiro lugar, é importante perceber que a democratização do acesso à escola transformou, felizmente, nos últimos 30 anos, o panorama escolar português, e permitam-me que vos cite alguns dados.
Em 1960/61, havia 888 235 alunos no 1.º ciclo contra 518 192, em 1994/95. Ou seja, houve uma diminuição real do número de alunos no l.º ciclo.
No ensino secundário, em 1960/61, tínhamos 8360 alunos, ou seja, o número de alunos que cabia, nos dias de hoje, em quatro grandes escolas, contra quase 300 000, em 1994/95. Isto é para vos dizer como o panorama mudou e como assistimos aqui a uma inversão, felizmente para nós, das taxas de escolarização. Estes dados confirmam que o ensino secundário já não era o que era nos anos 60.
O ensino secundário compreende três anos de escolaridade e muitos dos cursos propostos permitem aos alunos que os frequentam adquirir uma qualificação profissional, o que significa que, quando se diz que o secundário deve ser um ciclo de estudos com dignidade própria e merece-

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dor de reconhecimento social, não podemos pensar nele como se se tratasse apenas de um patamar para a entrada no ensino superior e, muito menos, criar a ilusão de que todos os alunos que concluem o 3.º ciclo são, por isso mesmo, futuros universitários.
Outros países, com outros meios e uma história de escolarização longa, querem alcançar níveis de escolarização correspondentes a 12 anos para 80 % da população em idade escolar no ano 2000. Em Portugal, o ensino secundário, para uma percentagem idêntica dos jovens que hoje concluem o 4.º ano de escolaridade, é ainda um sonho longínquo, como se vê pelos números referentes aos nove primeiros anos de escolaridade e, sobretudo, quando consideramos que se estima em mais de 800 000 o número de jovens, entre os 12 e os 22 anos, que não seguem qualquer percurso formativo.
Não esqueçamos a nossa história e a história das políticas educativas que nos deixam atrás dos países mais desenvolvidos nos resultados, nomeadamente, na língua materna e na matemática, mas os resultados têm de ser analisados tendo em conta os graus de instrução da população e também as condições em que se frequentam as escolas no nosso país. E aqui o PP revela um profundo desconhecimento, porque o ensino secundário é ministrado nos mais diversos tipos de estabelecimentos e regimes, pois, embora a maioria dos jovens frequente os estabelecimentos de ensino regular e, nestes, os cursos gerais, deverão considerar-se ainda os de ensino tecnológico, quer os cursos das escolas profissionais, quer ainda os cursos técnicos do ensino recorrente, uma vez que, como disse, felizmente, estamos nos anos 90 e não já nos anos 60.
Ora todos estes cursos conferem diploma do ensino secundário, todos eles têm a duração de três anos e alguns conferem igualmente certificação profissional de nível três.
Se o que os Srs. Deputados do PP pretendem é encurtar os percursos escolares dos jovens da classe média, que sabem que vão entrar no ensino superior contra toda a enorme massa da juventude portuguesa que procura uma formação escolar sólida, longa e profissionalmente habilitante, então, nada melhor do que confundir ensino secundário com um simples percurso vestibular, que não é, nem nunca poderá ser.
Finalmente, uma referência muito breve a algumas questões dos Srs. Deputados.
Não há alterações no conteúdo dos exames do 12.º ano, se não as melhorias que, em função de críticas enunciadas pelas escolas, foram tidas em conta nas orientações de gestão dos programas, e comunicadas no início deste ano lectivo.
Quanto às matrizes dos exames, estas serão, em devido tempo e conforme anunciado, entregues às escolas.
Em relação às escolas profissionais, foi nosso compromisso estabilizar este subsistema e encontrar alternativas do modelo jurídico e de financiamento, numa situação realmente armadilhada que nos foi deixada pelo anterior Governo. Mas gostava de dizer que este ano há mais alunos do que no ano passado, apesar do encerramento de três escolas, cuja decisão, seguramente, o Sr. Deputado Castro de Almeida não estará na disposição de questionar.
No que toca à avaliação do desempenho de professores, está, tal como previsto desde o início da regulamentação e da revisão do Estatuto da Carreira Docente e conforme calendário acordado com as organizações sindicais, a ser debatida com os parceiros neste preciso momento.
Para concluir, Srs. Deputados, sabendo que muito há para fazer, gostava de dizer-vos que na escola o valor fundamental é a entreajuda e que a tarefa central ê a busca empenhada do conhecimento, e se o Estado tem um papel decisivo neste processo é o de procurar que ninguém remeta a parte de responsabilidade e de trabalho que lhe cabe para os outros, como os pais para os filhos, os filhos para a escola, os professores para o Governo e todos para o Estado. Nesta matéria, cada um de nós tem deveres e direitos, então, cada um assuma as suas responsabilidades, porque nós continuaremos a assumir as nossas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, as Sr.ªs Deputadas Natalina Moura e Maria Celeste Correia.
O PS apenas dispõe de 24 segundos, o que, em meu entender, é muito pouco, pelo que a Mesa cede a cada uma das Sr.ªs Deputadas 1 minuto, mas pede que o não ultrapassem.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada Natalina Moura.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, em Portugal, temos um problema de aprendizagem de Português e de Matemática. Já sabíamos disso há muito mas, finalmente, vai-se pegar no problema.
O problema é tão grave que um estudo efectuado em 41 países mostra que os estudantes portugueses são péssimos em Matemática. Ora, nós devíamos ter vergonha de ler esta notícia ou, pelo menos, ficar preocupados e inquietos com esta situação. De acordo com este estudo, Portugal surge, respectivamente, no 37.º e 34.º lugar e faço notar que as conclusões desta pesquisa, iniciada em 1991, apenas dizem respeito a alunos do 7.º e do 8.º ano, tendo envolvido mais de 6000 alunos.
Quem leccionou Matemática, que é o meu caso, verifica que o programa não é possível de ser posto em prática por ninguém. Assim, falando-se hoje nas alterações dos currículos, gostaria de saber, Sr.ª Secretária de Estado, se apenas vão ser feitas alterações ou se estas vão ser seguidas de experimentação.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para formular o seu pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, que também dispõe de 1 minuto.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Secretária de Estado, a propósito da exclusão escolar e social já hoje se falou muito do princípio da igualdade de oportunidades. Este princípio corresponde a uma exigência democrática e seria justo que estivesse presente em modalidades flexíveis de educação.
Posto isto, passo à primeira questão. No pressuposto de que não basta exigir ou pugnar pela igualdade de oportunidades, creio que também temos de reflectir sobre quais as diferenças que a igualdade de oportunidades contempla ou deve contemplar. Queria saber se a Sr.ª Secretária de Estado está ou não de acordo com esta asserção.
A segunda questão tem a ver com o facto de, em educação como em outras áreas, Portugal precisar de produzir qualificação em pouco tempo. Para tal é necessário, entre outras medidas, mobilizar a rede de saberes que

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existe em cada região. Sr.ª Secretária de Estado, está ou não de acordo comigo em que é urgente que o binómio educação/formação seja lançado a nível regional independentemente do figurino que a regionalização venha a adoptar proximamente?

 O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação.

A Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Natalina Moura, no estudo que referiu comparámo-nos com os melhores e é evidente que estamos preocupados com os resultados. Aliás, já estávamos preocupados antes mesmo de termos entrado para o Governo. Assim, já foi constituído um grupo que está a trabalhar na área da Matemática, pelo que vai haver novos programas para o ensino secundário. Quanto ao ensino básico, toda a orientação é no sentido de rever e recentrar em função de uma aprendizagem de qualidade para todos.
Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, no que diz respeito ao binómio educação/formação, a nossa orientação vai no sentido da descentralização. Aliás, a expressão «constituição de territórios educativos» significa precisamente a mobilização de todos os recursos e, naturalmente, todas as iniciativas centrais terão expressão a nível local e regional.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O estado da educação em Portugal transporta-nos para um grande paradoxo: por cada dia que passa, mais longe estamos do futuro.
A ausência de uma política de educação, com prioridades definidas, com objectivos identificados e com regras instituídas, coloca o País numa perigosa viagem em que ninguém sabe para onde vai, por onde vai e porque vai!
É tempo de acabar com aventuras. É tempo de passar da reflexão à acção. É tempo de oferecer a Portugal uma verdadeira política de educação. Do ensino básico ao superior, passando pelo secundário, urge balizar objectivos, instituir a exigência, repor a qualidade.
Impõe-se uma pergunta.
Que país queremos ser? Queremos ser um país em que metade dos portugueses ensina enquanto a outra metade está a aprender?
Para o Partido Popular a resposta é clara. Queremos um país com uma indústria competitiva, com uma agricultura dinâmica e com serviços eficientes. Por isso e para isso, precisamos de quadros técnicos capazes de fazer o dia-a-dia das empresas.
Não queremos colocar os técnicos nas escolas a ensinar enquanto os teóricos estão nas empresas a tentar produzir. Queremos um ensino superior que defina; ao invés de confundir, as fronteiras de cada subsistema.
Queremos os institutos politécnicos preocupados em formar técnicos que, mais do que qualificadas, estejam habilitados para o desempenho das funções e tarefas exigidas pelo mercado de trabalho.
Queremos universidades que sejam o expoente da investigação científica, que sirvam o País como fonte de inovação e novidade.
A proposta de lei de bases do Governo confunde o que devia ser esclarecido. As universidades passam a ministrar bacharelatos, os institutos politécnicos passam a ministrar licenciaturas. Ao invés de aproximar o ensino técnico do ensino universitário, aproximou-se o universitário do politécnico. Esta lógica de política invertida é que nos leva a acreditar que o futuro está cada vez mais adiado.
Aumentar, por via das licenciaturas, a duração dos cursos politécnicos tem duas graves consequências: primeira, os técnicos, que a nossa economia repetidamente suplica, entrarão mais tarde no mercado de trabalho; segunda, aumentar a duração dos cursos sem aumentar o investimento em infra-estruturas é diminuir o número de vagas disponíveis. Porque os alunos não podem sentar-se uns em cima dos outros, aumentar a duração e manter o número de cadeiras provoca, inevitavelmente, uma redução das vagas oferecidas. Quando todos apregoam a necessidade de reforçar o ensino politécnico, não entendemos que se reduza a capacidade de oferta deste subsistema.
Mas mais importante do que a quantidade é a qualidade.
Onde está a avaliação das instituições do ensino superior que tantas vezes foi apregoada e, até hoje, continua adiada?
Nunca acreditámos numa avaliação administrativa, sempre soubemos que seria financeiramente insustentável instituir uma rede de fiscalização que estivesse presente em todos os institutos e em todas as universidades.
Sabemos que a qualidade não se institui por decreto mas, por decreto, podem ser instituídos mecanismos que potenciem a qualidade.
Só teremos qualidade no ensino superior quando as instituições públicas e privadas sentirem a necessidade de conquistar alunos. Só teremos qualidade quando criarmos um verdadeiro mercado de oferta de ensino onde as escolhas são feitas pelo prestígio e pela dignidade de cada instituição - sei que, naturalmente, o Partido Comunista não gosta - e não pela necessidade desesperada de entrar num qualquer curso superior. Só teremos mercado de oferta de ensino quando se mudarem as regras de financiamento.
As despesas de funcionamento das universidades e dos institutos devem ser financiadas em função dos alunos que têm ao invés do número de cursos que ministram. Aquelas que não oferecerem qualidade pedagógica nem científica serão rejeitadas pelos alunos, principais interessados e, por isso, avaliadores privilegiados e interessados no sistema educativo. Será separado o trigo do joio; quem não apresentar qualidade será preterido em favor de quem merece confiança e garante prestígio.
É imperioso substituir a lógica da irresponsabilidade pela procura da excelência. Falar de financiamento e de responsabilidade é falar também de propinas.
Sr. Ministro, julgo que, neste aspecto, falo com particular autoridade. Quando este Governo propôs a suspensão da lei que vigorava e que instituía as propinas eu tive um voto diferente do sentido de voto do meu grupo parlamentar. Votei favoravelmente a suspensão da lei de propinas porque acreditei na promessa que o Sr. Ministro aqui fez de que, até Junho, traria a esta Assembleia uma proposta de lei que instituísse as propinas de forma certamente mais justa e mais eficaz.
Na altura, os meus colegas de bancada avisaram-me que, uma vez abolido o sistema de propinas, jamais o

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Sr. Ministro teria coragem de o repor. Não acreditei neles, acreditei em si, Sr. Ministro. Hoje, temo que eles tenham tido muita razão.

O Sr. José Calçada (PCP): - Que amargura!

O Orador: - Mas a minha responsabilidade não acaba aqui. Votei favoravelmente a suspensão do regime das propinas, porque se tratava, efectivamente, de uma lei injusta, que duplicava o financiamento do ensino superior. Queremos que as propinas sejam uma alternativa e um complemento do financiamento do ensino superior c, nesse sentido, o Partido Popular já apresentou um projecto de lei que institui um regime de propinas.
Sr. Ministro, cumpra a palavra dada, porque nós já cumprimos a nossa. A ausência de propinas, quer queiramos quer não, é amiga da irresponsabilidade e é inimiga da qualidade.
Vamos fazer o balanço social da política de educação no último ano. Desde logo, Sr. Ministro, quantos alunos ficaram sem acção social, sem bolsas, sem residenciais, em consequência da eliminação das propinas? Bem sei que as receitas obtidas com as propinas não devem financiar a acção social escolar, mas a ausência desta receita no funcionamento das instituições obriga-as a sacrificar a acção social em função das necessidades de funcionamento.
O Partido Socialista primeiro, o Governo depois, no programa que apresentou a esta Assembleia, comprometeram-se a universalizar a acção social escolar; comprometeram-se a olhar para os estudantes em função das suas necessidades económicas, em vez de os seleccionar ou dividir em função da universidade que frequentam. Pergunto, então: para quando a universalização da acção social escolar para os alunos do ensino superior, particular e cooperativo?
Longe vai o tempo, e só passou um ano, em que a palavra de ordem era «as pessoas estão primeiro»!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, Srs. Deputados: Prevejo que a resposta a muitas das questões que aqui coloquei seja igual àquela que ouvimos há um ano atrás, ou seja, que as reformas têm de ser estruturais e, por isso, levam tempo a ser aplicadas. Mas se as reformas levam tempo a aplicar, impõe-se uma outra pergunta: o que é que já foi feito ou, melhor, por que é que nada foi feito durante um ano de Governo?

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Está distraído, Sr. Deputado!

O Orador: - Temo, Sr. Ministro e Srs. Deputados, que a paixão da educação esteja a fazer companhia ao socialismo do Dr. Mário Soares! Com a educação na gaveta é o futuro que está adiado e, por isso, termino como comecei: por cada dia que passa, mais longe estamos do futuro.

Aplausos do CDS-PP.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Não apoiado!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Jorge Silva): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No âmbito do ensino superior destacarei, muito sucintamente - esperando alguma compreensão, no que respeita ao tempo, por parte do Sr. Presidente -, cinco vectores: o da autonomia, o da valorização das carreiras docentes, o da dignificação do ensino superior politécnico, o da credibilização do ensino superior particular e cooperativo e o da acção social escolar.
No plano do aprofundamento da autonomia, foram devolvidas às universidades, com a publicação do Decreto-Lei n.º 170/96, de 19 de Setembro, competências no domínio da gestão académica que, incompreensivelmente, ainda se encontravam na esfera do Governo ou num limbo de indefinição inaceitável.
Também se encontra na última fase de negociação, entre o Governo e o Conselho de Reitores (CRUP), um diploma legal que promoverá, malmente, uma efectiva flexibilização da gestão patrimonial, financeira e de pessoal, indispensáveis à vivência da autonomia universitária constitucionalmente consagrada. Claro que, se a autonomia deve ser efectiva, também deve ser responsável e responsabilizada, e neste contexto, tem um papel determinante o sistema de avaliação das universidades previsto na lei e que o Governo tem impulsionado e dinamizado.
No plano da valorização das carreiras docentes do ensino superior, promoveu-se à sempre adiada revalorização das carreiras, com a correcção das assimetrias salariais existentes - esta acção, iniciada em 1996, e que irá prosseguir em 1997, representou, no seu primeiro ano de aplicação, um esforço financeiro de 3,6 milhões de contos -, e procedeu-se à revisão dos estatutos das carreiras docentes do ensino universitário e do ensino politécnico, agora em fase de negociação com os parceiros.
Exigência, rigor, dignificação foram as linhas orientadoras desta medida, da qual se destacam, como aspectos caracterizadores, no ensino universitário, o grau de doutor como qualificação indispensável para o início da carreira, e no ensino politécnico, a reorganização da carreira, introduzindo a exigência do grau de doutor para o acesso à última categoria.
Em ambos os subsistemas, consagrou-se o princípio da exclusividade de funções como um regime normal; introduziram-se mecanismos de efectiva mobilidade entre as duas carreiras, em condições de exigência equiparável, e reforçou-se, nos momentos de progressão na carreira, a avaliação científica e a quase sempre esquecida avaliação pedagógica.
O subsistema de ensino superior politécnico é, como VV. Ex.as sabem, um sector prioritário na política do Governo para o ensino superior. O desenvolvimento do País passa, necessariamente, por um ensino politécnico forte, apto a dar o seu contributo na formação dos técnicos, educadores, professores e artistas.
Em 1996-1997, e no que se refere ao ensino politécnico público, as vagas cresceram 10,7%, para um crescimento global de 7,5% nas vagas do ensino superior público. O elevadíssimo investimento feito e em curso deve ser plenamente valorizado e posto ao serviço do projecto nacional.
Entre outras medidas estão, naturalmente, as que o Governo expressa na sua proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, submetida a esta Assembleia.
O Governo, dando cumprimento aos princípios consagrados na Constituição e na lei, pretende um ensino superior particular e cooperativo de efectiva qualidade, que

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represente não uma segunda escolha mas uma verdadeira alternativa para os estudantes e para as famílias.
Neste sentido, foram e estão a ser desenvolvidas várias medidas: início do processo de avaliação dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo, adoptando critérios e metodologias similares aos utilizados no ensino superior público; desenvolvimento de um sistema de benefícios sociais que se aproxime progressivamente do sistema do ensino superior público e cuja concretização já se iniciou no presente ano lectivo; apoio a projectos de desenvolvimento da qualidade do subsistema; revisão do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, num quadro de diálogo e de negociação com os parceiros e dentro de uma plataforma de real exigência que transcenda meros aspectos formais. Esta revisão, já iniciada, estará concluída no final do primeiro trimestre de 1997.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A acção social escolar é um domínio que tem merecido uma especial atenção por parte do Governo. Na relação entre o Estado e os estudantes pretende garantir-se a existência de um sistema de apoio social que favoreça o acesso ao ensino superior e uma frequência sucedida, com discriminação positiva em relação aos alunos economicamente carenciados e aos alunos deslocados da sua residência habitual.
Estamos apostados em concretizar um sistema que assente na igualdade de tratamento pelo Estado em relação a todos os estudantes, independentemente do subsistema em que se insiram, público ou não público, universitário ou politécnico, tutela simples ou dupla tutela. Para nós, os estudantes são todos iguais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesta área procedeu-se, desde já, a um significativo retorço dos meios financeiros disponibilizados, sendo de assinalar que no ensino superior público as verbas afectas à acção social escolar crescem 16,4 % entre 1996 e 1997, sendo o crescimento das verbas afectas a bolsas, empréstimos, alimentação e alojamento de 18,2 %; no ensino superior particular e cooperativo a verba destinada a bolsas de estudo cresce 150 % entre 1996 e 1997, verbas que serão atribuídas numa relação directa entre o Estado e os estudantes. As bolsas a atribuir no ensino superior particular e cooperativo sê-lo-ão com base em critérios idênticos aos utilizados para o ensino público.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminado o debate, vamos passar à fase de encerramento.
Para uma intervenção, em nome do partido interpelante, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular considera plenamente atingidos os objectivos que presidiram a esta interpelação ao Governo.
Começo por felicitar o Sr. Ministro da Educação por ter conseguido, pela primeira vez nesta legislatura, estar permanentemente acompanhado da sua equipa de secretários de estado durante um debate sobre educação, neste Parlamento. Ora, tal significa que, ao contrário das más línguas, afinal a equipa do Ministério está unida e comunga totalmente dos erros, das virtudes, dos princípios e dos valores que se dizem ser os do Governo e do PS - digo do Governo e do PS, porque temos de distinguir entre as promessas feitas pelo PS antes das eleições legislativas e as que este Governo fez já durante o seu mandato mas que não está a cumprir.
Sr. Ministro, nunca esperámos que deixasse passar o mês de Junho sem cumprir o que prometeu, aquando do debate da proposta de lei de suspensão do regime das propinas, ou seja, entregar nesta Assembleia uma proposta de lei de financiamento do ensino superior. Na altura, dissemos que V. Ex.ª e deveria substituir uma má lei por uma boa lei e não recriar o vazio.
V. Ex.ª recriou o vazio e disse que ele acabaria em Junho, mas não acabou! Provavelmente, criou outro grupo de trabalho ou comissão que estará, aturadamente, a ponderar uma nova possibilidade de debater com os protagonistas do sistema a reintrodução do sistema de desmantelamento da gratuitidade formal do ensino superior. Este é, habitualmente, o «tecnocratês» em que os especialistas da educação se movimentam e, com isso, se vão distanciando das necessidades do País real.
Sr. Ministro, queremos acreditar...

O Sr. José Calçada (PCP): - Que grande fé!

O Orador: - Quem o viu e quem o vê! Isto é, quem o viu no Conselho Nacional de Educação e quem o vê agora Ministro da Educação, que distância e que desilusão!
Sr. Ministro, acreditamos que V. Ex.ª conseguirá fazer vencer, no Governo, as suas convicções e trará à Assembleia da República, dentro em breve, uma proposta de lei sobre o financiamento do ensino superior. Este ano, o Governo do Partido Socialista fez perder um ano ao País em matéria de educação: não alterou nem corrigiu nada!

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - E tanto que há para corrigir, do que veio do passado! É caso para dizer que, este ano, pelo menos em matéria de educação, este Governo tem sido - é com tristeza que o dizemos - «um zero à esquerda».
De facto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, quando reflectimos sobre problemas de educação devemos ter o cuidado de descer ao terreno. Ainda há pouco, quando ouvia a Sr.ª Secretária de Estado da Educação e Inovação mencionar o ensino recorrente como um mecanismo de integração no sistema educativo dos jovens que passam os 15 anos e não concluem o ensino básico, estava a recordar-me de uma visita que fiz, há dois dias, à escola secundária de Carcavelos, onde a presidente do conselho directivo dessa escola me deu a verdadeira dimensão de integração do ensino recorrente em Portugal. Dizia ela que, no passado ano lectivo, inscreveram-se 1200 alunos nesse ensino recorrente, mas no final do primeiro período havia apenas 200 a frequentar as aulas e em Abril/Maio os professores iam para a escola e já não tinham alunos nas salas para dar as aulas: estavam ocupados noutro tipo de actividades porque, pura e simplesmente, não se marcam faltas! São avaliados a pedido, isto é, quando querem.

O Sr. José Calçada (PCP): - Então, qual é o problema?!

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29 DE NOVEMBRO DE 1996 525

O Orador: - De facto, eles estão integrados, Sr.ª Secretária de Estado, a taxa de sucesso artificial, administrativa, está garantida, mas, na realidade, duvidamos muito que alguém, conscientemente, possa pensar que isto é integração escolar e funcionamento com qualidade de um subsistema, como também gostam de dizer, de recuperação dos jovens que não concluem o básico e ultrapassam a idade para esse efeito.
Sr. Ministro e Srs. Deputados, não é essa a noção de integração escolar do Partido Popular e ainda bem que não é! Continuaremos a defender o sucesso real do sistema educativo e não nos verão a defender o sucesso formal. Aliás, essa obsessão do sucesso está a custar caro ao País, porque foi em nome dela que se deixou de avaliar correctamente os alunos e se facilitou na verificação do seu regime de assiduidade. Infelizmente, não vemos que essa política tenha sido alterada, pelo contrário continua exactamente na mesma, o que é trágico para o futuro do País, sobretudo para as gerações que, neste momento, estão a frequentar o sistema de ensino.
Quisemos contribuir para uma consciência colectiva, no sentido de que ou o sistema de ensino português muda, e muda depressa, ou continuará a comprometer o futuro do País. Não é possível pretender que os jovens portugueses acedam a mercados de trabalho, em grande concorrência com jovens de outros países da União Europeia, e deixar tudo como está. Não é possível querer que um jovem português seja escolhido no mercado de trabalho, em detrimento, porventura, de um jovem de outro país europeu, sem aumentar o grau de exigência e o rigor na verificação dos conhecimentos, ao longo de todas as fases do sistema educativo. Não é possível!
Enquanto não existir a responsabilização total das universidades na concepção e na realização das provas de acesso a essas universidades, enquanto o Estado continuar a fazer de conta que não existe em Portugal ensino técnico-profissional no 3 º ciclo do ensino básico, porque isso fica mal a algumas modas de pensamento no sistema educativo, apesar de, «pela porta do cavalo», o autorizar a instituições, essas, sim, de integração, como, por exemplo, a Casa Pia de Lisboa, e com sucesso total para a escola e para esses jovens, enquanto o Estado não assumir que são os bons exemplos que autoriza às escondidas - não se entende bem porquê - e não generalizar essas possibilidades de melhoria qualitativa no sistema de ensino público formal, meus amigos, não iremos a lado nenhum!
Vem aí - esperamos nós - uma excelente oportunidade de começar a mudar algumas destas coisas. Também não acredito que seja por vontade exclusiva do Ministro da Educação que a proposta de lei do Governo mexa apenas em quatro artigos. Suspeito, e não vejam nesta expressão nada de condenável, que, porventura, não o terão deixado mexer em mais.
A verdade, Sr. Ministro, é que também não nos pediu a opinião antes de entrar para o Governo e, nessa exacta medida, é politicamente responsável por aquilo que o Governo defende, apresenta e decide. E também nessa exacta medida cá estamos para o ajudar, se for preciso, e ao País, a não perdermos a oportunidade, no momento em que formos mexer na Lei de Bases do Sistema Educativo, de tocar em coisas essenciais, sobre as quais, curiosamente, todos os partidos, em vésperas de eleições, nos debates públicos, acabam mais ou menos convergentes e mais ou menos concordantes, mas depois das eleições, passadas as eleições, tudo volta ao mesmo, os fantasmas teóricos do insucesso e da desintegração do sistema persistem. Esses fantasmas são, aforai, os maiores responsáveis pela verdadeira falta de integração social futura dos jovens que frequentam este sistema de ensino, que, em boa verdade e definitivamente, não os prepara para a cidadania e para a integração de corpo inteiro na sociedade portuguesa do futuro.
Não desistiremos de tentar não perder esta oportunidade, em que se vai alterar a Lei de Bases do Sistema Educativo, para introduzir algumas mudanças essenciais. Cada partido e o Governo assumirão, naturalmente, as suas responsabilidades e o desafio que aqui deixamos, para além das audiências e dos contactos que a Comissão Parlamentar de Educação já está a efectuar, no sentido de recolher opiniões sobre a proposta de lei de bases do sistema educativo, é o de que esta Assembleia assuma um papel determinante, através, se necessário, de audições públicas com todos os interessados, sobretudo os que estão no terreno, os que estão nas escolas e os que lidam dia-a-dia com as consequências perversas do sistema de ensino português.
Queremos criar condições para que a Assembleia da República mude aquilo que deve ser mudado na Lei de Bases do Sistema Educativo e comece, de facto, a preparar o futuro da juventude portuguesa e do País.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, para encerrar o debate, em nome do Governo, e por indicação do Sr. Ministro da Educação, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Educativa (Guilherme d'Oliveira Martins): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Serenidade, confiança e determinação. Eis os três pontos fundamentais que o Governo entende reforçar no termo deste debate.
O mérito da interpelação do Partido Popular foi chamar a atenção para as questões da qualidade na educação. A qualidade na educação afere-se objectivamente através do aumento da oferta educativa, da diversidade dessa mesma oferta, da abertura de vias de formação diferenciados, na qualidade dos recursos humanos, da formação e valorização profissional dos docentes, dos professores, dos educadores, mas também na humanização do espaço educativo, na qualidade das nossas escolas. Subjectivamente, a qualidade deve ser aferida através da satisfação das expectativas dos diferentes grupos sociais e do nível de confiança que os cidadãos têm no sistema.
Permitam-me que refira a importância do debate que se fez, hoje, aqui, sobre o pacto educativo, uma vez que o pacto educativo é isso mesmo, é um suscitar das convergências, das divergências, dos acordos, é o pôr o > das questões educativas.
Houve, neste debate, momentos altos e baixos e é natural que assim aconteça. Houve momentos em que chegámos à colocação clara, nítida e evidente dos problemas fundamentais; houve outros momentos em que ficámos no acessório. Felizmente que esta Assembleia tem pergaminhos, tem uma experiência, foi nesta mesma Assembleia que se gerou totalmente a Lei de Bases do Sistema Educativo. E esse ponto é fundamental, uma vez que, como

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foi aqui recordado, constitucionalmente, a Lei de Bases do Sistema Educativo, as bases do sistema educativo são matéria indelegável da competência deste Parlamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Também, neste momento, a Assembleia está a produzir um documento que vai marcar os próximos anos, diria mesmo as próximas décadas da educação em Portugal. Refiro-me à lei-quadro da educação pré-escolar.
Apraz-nos registar que onde havia algumas dúvidas, onde havia outras perspectivas mais recuadas em relação à necessidade de implantar a educação pré-escolar, encontramos uma nova posição, uma nova determinação, que ouvimos aqui do Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Sr. Deputado Pedro Pinto. Permita-me que registe esse facto, mudaram de posição. É importante que tenham referido a determinação na educação pré-escolar, na sua consolidação e na sua expansão, pois é uma tarefa de todos.
A Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto não está presente mas permitam-me também que saliente aqui a elevação e a correcção dos termos em que a Sr.ª Deputada colocou a questão do pré-escolar, não isoladamente, mas como uma questão educativa, sócio-educativa, de justiça, de igualdade de oportunidades, mas também como uma questão ligada a uma tarefa permanente no contínuo, que é a educação, uma tarefa que tem de garantir e permitir que compreendamos o mundo que nos rodeia e que não pensemos no nivelamento por baixo mas no nivelamento exigente, que pensemos nessa tarefa fundamental que é harmonizar permanentemente o número, a quantidade, a democracia, mas também a qualidade, o rigor e a exigência!
As sociedades modernas têm de harmonizar permanentemente os dois termos: democracia faz-se com mais qualidade; exigência constrói-se, naturalmente também, com igualdade de oportunidades.
Permitam-me, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, que saliente, em relação a uma das propostas do CDS-PP, no que se refere à ligação entre educação e qualificação, educação e formação, a criação, pela primeira vez na história constitucional portuguesa, no diploma orgânico do Governo, de um Conselho de Ministros restrito para tratar, exactamente, das matérias da educação, da qualificação, da cultura e da ciência. É o princípio da necessidade de uma articulação estreita entre os temas da educação, da qualificação e do emprego, que é um tema que está na ordem do dia e quem não o sabia, naturalmente, foi porque não leu a Lei Orgânica do Governo!
Sr.ªs e Srs. Deputados, gostaria também de salientar o seguinte: o Sr. Deputado Castro Almeida invocou aqui a possibilidade - e convidou o Sr. Ministro da Educação a fazê-lo de retirarmos a proposta que fizemos, no que diz respeito à Lei de Bases do Sistema Educativo.
Sr. Deputado Castro Almeida, não espere de nós tibiezas! Não espere de nós recuos! A questão fundamental está posta, e está posta a este Parlamento, não apenas no âmbito que está referido na proposta de lei. O Parlamento terá a responsabilidade, que. assumirá, decerto, de proceder às alterações, aos ajustamentos que se tornarem necessários. E, relativamente às questões que estão neste momento sobre a mesa, na proposta de lei do Governo, recordo a esta Câmara que foram, antes de mais, governos do PSD que começaram por suscitar a necessidade de, quer em relação à autonomia das universidades, quer em relação aos graus académicos, pôr a questão e, uma vez que o mundo evolui, a realidade evolui, é indispensável que a Lei de Bases do Sistema Educativo esteja adequada à, realidade perante a qual nos encontramos.
Sr. Presidente, a terminar, gostaria de dizer que, quando ouvimos aqui, da parte de vários partidos da oposição, que estavam com a mão estendida ao Governo para darem o apoio necessário em relação a essas convergências indispensáveis para o futuro da educação, correspondemos com a disponibilidade total deste Governo e da nova maioria para fazer todas as convergências que foram necessárias, fazer todos os esforços que forem indispensáveis para garantir uma melhor educação e uma melhor educação será, naturalmente, garantia também de construirmos um Portugal democrático melhor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje. A próxima sessão plenária será no dia 5 de Dezembro, pelas 16 horas, tendo como ordem do dia a evocação do 5.º Centenário da Expulsão dos Judeus e a discussão e aprovação de um projecto de deliberação.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Manuel Costa Pereira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Alves Marques Júnior.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Manuel Luís.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
João Calvão da Silva.

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João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
José Carlos Pires Póvoas.
José Macário Custódio Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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-só, e na essência, é transformar os politécnicos em mais fábricas de licenciaturas - o que será mais um erro fatal
Página 0489:
o País precisa dele, não fazendo licenciaturas iguais às do ensino universitário mas fazendo cursos
Página 0502:
» após as licenciaturas. Ora, julgamos que não é esse o problema fundamental que hoje se coloca, antes
Página 0506:
desejamos, à possibilidade de os institutos superiores politécnicos ministrarem licenciaturas, pergunto
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dos que temos hoje têm uma salda profissional maior do que a maior parte ias licenciaturas. A licenciatura
Página 0511:
de alterações da Lei de Bases tem a ver com a questão da atribuição de licenciaturas pelos politécnicos
Página 0512:
à questão das licenciaturas pelos politécnicos, nem sequer abordei esta questão, penso que terá entendido
Página 0522:
. As universidades passam a ministrar bacharelatos, os institutos politécnicos passam a ministrar licenciaturas

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