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Sexta-feira, 28 de Setembro de 2001 I Série - Número 6

VIII LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2001-2002)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE SETEMBRO DE 2001

Presidente: Ex.mo Sr. Manuel Alegre de Melo Duarte

Secretários: Ex. mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Manuel Alves de Oliveira
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de resolução n.º 153/VIII.
Foi debatido, e rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 383/VIII - Medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva (PCP), tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), José Alberto Fateixa (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Mafalda Troncho (PS), Agostinho Lopes (PCP), Gavino Paixão (PS), Rodeia Machado (PCP), Fernando Penha e João Maçãs (PSD), Fernando Rosas (BE), Rosado Fernandes (CDS-PP), Maria do Céu Ramos (PSD) e Miguel Ginestal (PS).
A Câmara aprovou o voto n.º 157/VIII - De congratulação pela forma como decorreram as eleições para a primeira Assembleia Constituinte em Timor-Leste, realizadas a 30 de Agosto (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE).
Foi aprovado o relatório e parecer, elaborado pela Comissão de trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo ao processo de urgência referente à proposta de lei n.º 98/VIII - Subsídio de inactividade para os pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira (ALRM).
A Câmara rejeitou, após se ter verificado um empate em duas votações sucessivas, conforme o artigo 107.º do Regimento, um requerimento, subscrito pelo CDS-PP, no sentido de o projecto de lei n.º 276/VIII - Faz depender da publicação de normas especiais a aplicação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, ao Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro (Regulamento da Náutica de Recreio) (CDS-PP) baixar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sem votação na generalidade. Depois de terem usado da palavra os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS-PP), Luís Marques Guedes (PSD) e Osvaldo Castro (PS), o projecto de lei n.º 276/VIII foi rejeitado, na generalidade, após se ter verificado um empate em duas votações sucessivas, conforme o artigo 107.º do Regimento.
A proposta de lei n.º 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar foi aprovada, na especialidade e em votação final global.
Por último, a Câmara aprovou três pareceres da Comissão de Ética, autorizando 2 Deputados do PSD e 1 do PS a deporem em tribunal como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Agostinho Moreira Gonçalves
Aires Manuel Jacinto de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Américo Jaime Afonso Pereira
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho
António Bento da Silva Galamba
António Fernandes da Silva Braga
António Fernando Marques Ribeiro Reis
António Fernando Menezes Rodrigues
António José Gavino Paixão
António Manuel Dias Baptista
António Manuel do Carmo Saleiro
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Bruno Renato Sutil Moreira de Almeida
Carlos Alberto
Carlos Alberto Dias dos Santos
Carlos Manuel Carvalho Cunha
Carlos Manuel Luís
Casimiro Francisco Ramos
Cláudio Ramos Monteiro
Eduardo Ribeiro Pereira
Fernando Manuel de Jesus
Fernando Pereira Serrasqueiro
Filipe Mesquita Vital
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres
Gil Tristão Cardoso de Freitas França
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho
Helena Maria Mesquita Ribeiro
Isabel Maria Batalha Vigia Polaco d'Almeida
Isabel Maria dos Santos Barata
Jamila Barbara Madeira e Madeira
João Alberto Martins Sobral
João Francisco Gomes Benavente
João Pedro da Silva Correia
João Pedro de Aleluia Gomes Sequeira
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Alberto Leal Fateixa Palmeiro
José Aurélio da Silva Barros Moura
José Carlos Correia Mota de Andrade
José Carlos da Cruz Lavrador
José Carlos Lourenço Tavares Pereira
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
José da Conceição Saraiva
José de Matos Leitão
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Ernesto Figueira dos Reis
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Pires Epifânio
José Manuel Rosa do Egipto
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Miguel Marques Boquinhas
Jovita de Fátima Romano Ladeira
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão
Luís Miguel Gomes Miranda Teixeira
Luísa Pinheiro Portugal
Mafalda Cristina Mata de Oliveira Troncho
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira
Manuel Alegre de Melo Duarte
Manuel Joaquim Barbosa Ribeiro
Manuel Maria Diogo
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Margarida Maria Santos Soares da Rocha Gariso
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custodia Barbosa Fernandes Costa
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira
Maria do Céu da Cruz Vidal Lourenço
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Luísa Silva Vasconcelos
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte
Paulo Alexandre de Carvalho Pisco
Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos
Teresa Maria Neto Venda
Victor Brito de Moura
Victor Manuel Bento Baptista
Vítor Manuel Alves Peixoto
Victor Manuel Caio Roque
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Social Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva
Álvaro dos Santos Amaro
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
Ana Maria Martins Narciso
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
António d'Orey Capucho
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Manuel da Cruz Silva
António Manuel Santana Abelha
António Paulo Martins Pereira Coelho
Armando Manuel Dinis Vieira
Arménio dos Santos
Armindo Telmo Antunes Ferreira
Artur Ryder Torres Pereira
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Carlos José das Neves Martins
Carlos Manuel de Sousa Encarnação
Carlos Parente Antunes
David Jorge Mascarenhas dos Santos
Domingos Duarte Lima

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Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares
Eugénio Fernando Sá Cerqueira Marinho
Feliciano José Barreiras Duarte
Fernando Jorge Loureiro de Reboredo Seara
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Santos Pereira
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Henrique José Monteiro Chaves
Henrique José Praia da Rocha de Freitas
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves
Hugo José Teixeira Velosa
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José da Silva Maçãs
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Martins Ferreira do Amaral
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
José António de Sousa e Silva
José David Gomes Justino
José Frederico de Lemos Salter Cid
José Luís Campos Vieira de Castro
José Luís Fazenda Arnaut Duarte
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Durão Barroso
Lucília Maria Samoreno Ferra
Luís Cirilo Amorim de Campos Carvalho
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Luís Pedro Machado Sampaio de Sousa Pimentel
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Castro de Almeida
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Joaquim Barata Frexes
Manuel Maria Moreira
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Maria do Céu Baptista Ramos
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Manuela Dias Ferreira Leite
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário da Silva Coutinho Albuquerque
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas
Nuno Miguel Marta de Oliveira da Silva Freitas
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rui Fernando da Silva Rio
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva
Sérgio André da Costa Vieira

Partido Comunista Português (PCP):
Agostinho Nuno de Azevedo Ferreira Lopes
Ana Margarida Lopes Botelho
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
João António Gonçalves do Amaral
Joaquim Manuel da Fonseca Matias
José Honório Faria Gonçalves Novo
Lino António Marques de Carvalho
Maria Luísa Raimundo Mesquita
Maria Natália Gomes Filipe
Maria Odete dos Santos
Vicente José Rosado Merendas

Partido Popular (CDS-PP):
António Herculano Gonçalves
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
José Martins Pires da Silva
José Miguel Nunes Anacoreta Correia
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró
Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona
Narana Sinai Coissoró
Raul Miguel de Oliveira Rosado Fernandes
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

Bloco de Esquerda (BE):
Fernando José Mendes Rosas
Francisco Anacleto Louçã

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de resolução n.º 153/VIII - Sobre o controlo e disciplina das zonas francas off-shore (PCP).

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, do período da ordem do dia de hoje consta a discussão, na generalidade, por agendamento potestativo, do projecto de lei n.º 383/VIII - Medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há projectos que, de tão longamente exigidos, esperados, debatidos e prometidos, acabam por se confundir com a própria realidade. É o caso de Alqueva, sinónimo de Alentejo e esperança de desenvolvimento e emprego.
Pensado nos idos do final dos anos 50 pela então Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, enquanto integrante do Plano de Rega do Alentejo, desde logo teve a oposição activa dos grandes proprietários fundiários, que se deslocaram a Lisboa para, em reunião com o ditador, lhe fazerem ver como o projecto poderia ter «consequências nocivas» para a quietude da «paz social» (e, necessariamente, dos seus interesses) e pelas questões que, inevitavelmente, colocaria ao nível fundiário. E, por isso, o projecto, durante a ditadura, foi congelado. Só depois do 25 de Abril, por resolução do Conselho de Ministros, de

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12 de Dezembro de 1975, o Governo aprova a realização do aproveitamento para fins múltiplos.
As primeiras obras, o túnel de derivação e a ensecadeira, são realizadas, mas, dois anos depois, com o PS na responsabilidade da respectiva tutela, tudo pára, por pressão do Banco Mundial, que se recusou a financiar o Portugal democrático e o Alentejo dos trabalhadores. E, por essa razão, Alqueva foi bloqueado, durante os 15 anos seguintes. Ainda nos lembramos do, então, Primeiro-Ministro Cavaco Silva afirmar, em Novembro de 1987, que Alqueva não se construiria enquanto a Reforma Agrária estivesse de pé. Só em 1993, depois dos antigos interesses fundiários estarem reconstituídos, é que o Conselho de Ministros determinou o reinício do projecto. Outra razão, aliás, pressionou então o Governo do PSD. É que o II Convénio Luso-Espanhol para utilização dos rios internacionais, celebrado em 1968, por um prazo de 25 anos, terminava a sua vigência e era necessário celebrar com a Espanha um novo convénio. O problema é que, enquanto a Espanha tinha construído todas as albufeiras que lhe competiam (seis barragens, salvo erro, com destaque para La Serena), os governos portugueses nada tinham feito do lado de cá. Com que capacidade negocial Portugal se sentaria à mesa das negociações? Pouca ou nenhuma. E, por isso, Alqueva começou, lentamente, a avançar, 20 anos depois de poder ter sido construído, o que teria evitado ou, no mínimo, atenuado seriamente o contínuo cortejo de secas sucessivas, desemprego e hemorragia humana, que o Alentejo tem sofrido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta responsabilidade histórica, de sucessivos governos - desde a AD ao PSD e ao PS -, fica para todo o sempre registada, independentemente do que foram as decisões posteriores. Apesar do atraso, a decisão de 1993, de se retomar o projecto e o reinício efectivo dos trabalhos em 1995, foi saudada por todos os alentejanos, pelo PCP e por muitos que, durante anos, reivindicaram e lutaram pelo empreendimento.

Aplausos do PCP.

Importa, neste momento, recordar alguns dados sobre as várias valias previstas para Alqueva: regularização do rio Guadiana; reserva estratégica de água com uma capacidade de armazenamento de 4150 milhões de m3; garantia de abastecimento regular de água às populações, à agricultura e á indústria; criação de uma área de rega de 110 000 ha, tranformando uma pobre e não competitiva agricultura de sequeiro extensivo e absentista - responsável pela ausência de dinâmicas empresariais, empobrecimento dos solos e falta de emprego - numa nova agricultura de regadio e alterando, assim, o modelo de especialização, não só na área directamente regada mas também em muitos outros pontos do território alentejano pelo efeito induzido da primeira; produção de energia hidroeléctrica; forte incremento nas actividades turísticas e de lazer e nos respectivos investimentos; combate à desertificação física, à erosão e empobrecimento dos solos; melhoria das condições ambientais e climáticas, com diminuição das elevadas amplitudes térmicas, e, por fim, em consequência de tudo isto, a criação de cerca de 20 000 empregos directos.
Alqueva irá criar um plano de água, com uma superfície de 250 km2, 83 km de comprimento e 1100 km de margens.
E, nesta oportunidade, queremos sublinhar, sem ambiguidades, o empenho e cuidado que tem havido, no plano ambiental, na minimização dos impactes negativos e na maximização dos impactes positivos. O realojamento dos habitantes da Aldeia da Luz e a salvaguarda e recuperação do património arqueológico, entre outros, vão ficar seguramente registados como marcos positivos nos processos de intervenção do homem sobre a natureza.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Da nossa parte, continuamos a afirmar, entretanto, que todo este trabalho e, designadamente, a limpeza dos terrenos da Fábrica Portucel, em Mourão, e a construção de uma unidade alternativa que mantenha o emprego, de acordo com os compromissos assumidos pelo Governo, bem como o levantamento e «musealização» dos vestígios de gravuras rupestres recentemente descobertas, deve prosseguir e intensificar-se para que tudo seja feito neste domínio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Face à evidente complexidade e dimensão do projecto, desde logo, alertámos que não bastaria dar corpo à obra de betão. A decisão de se avançar com o empreendimento implicava, desde cedo, uma decidida vontade política de abordar e resolver todas as vastas e delicadas questões que ficavam colocadas em cima da mesa e, em particular, a questão fundiária e o aproveitamento agrícola.
Importa dizer agora, a pouco mais de três meses do encerramento das comportas - a cumprirem-se os novos prazos oficiais -, que muito pouco está feito nessa matéria. A articulação entre as várias tutelas, em especial ao nível ministerial, tem sido praticamente inexistente. Os dois planos de ordenamento, instrumentos estratégicos para se saber onde investir e onde e como construir, ainda não entraram sequer na fase de discussão pública.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Muitas intenções de investimento jazem em cima das secretárias e outras já demandaram novas paragens, devido ao insuportável atraso registado. Entretanto, este vazio é seguramente valioso para os diferentes grupos de pressão e interesses, que querem fazer da valia turística uma fonte de especulação imobiliária não conforme com uma ocupação ordenada do território.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Mas é a vertente agrícola e, em particular, a questão fundiária que nos merecem a maior das preocupações e críticas e que o projecto de lei do PCP traz, hoje, a debate.
Neste terreno, o Governo e o seu responsável mais directo têm privilegiado as frases feitas e a propaganda. É um mau caminho. O que temos pela frente é demasiado importante para ser limitado ao marketing político, em vez de se procurar intervir seriamente sobre o muito que há para fazer e procurar estar atento e aberto às sugestões e propostas sérias que muitos especialistas e organizações têm feito, com relevo para o Partido Comunista Português.

Aplausos do PCP.

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Desde logo, a definição dos grandes sistemas culturais, respeitadores do ambiente, que devem ser privilegiados em função das capacidades de uso dos solos, da competitividade das culturas e das necessidades do País. O que foi feito pouco mais longe vai do que a limitadíssima actividade de um semiclandestino Centro Operativo e de Tecnologia do Regadio, que, por junto, fez dois seminários: um, em Abril/Junho de 2000, para dizer que é necessário «fazer surgir projectos de experimentação» e outro, em Junho de 2001, para analisar as conclusões do primeiro.

O Sr. Honório Novo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Convenhamos que é muito pouco, quando o que se imporia seria uma muito forte mobilização dos agricultores, das suas organizações e dos técnicos do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, preparando aquilo que tem de ser a maior modificação de hábitos e práticas culturais jamais realizados: a passagem de uma experiência e tradição de sequeiro extensivo para a produção de regadio em larga escala. A formação e a experimentação são, aqui, decisivos! Ligado a esta questão, coloca-se o problema da irracional política agrícola comum e dos não menos irracionais constrangimentos que pode colocar, com as quotas de produção atribuídas a Portugal.
O Governo já há muito deveria ter aberto na União Europeia um quadro negocial específico para a situação decorrente de Alqueva. Mas disto também não há notícias. A organização de um sistema de escoamento da produção, através de centros de concentração da oferta, é igualmente decisivo, sendo que de tal o Governo não pode desresponsabilizar-se, atentas as condições específicas da fragilidade e falta de dinâmica das estruturas associativas agrícolas na região. Está no ponto zero. Da atracção de investimentos na área da transformação agro-alimentar também não há notícias.
E, assim, chegamos ao objecto central e específico do projecto de lei do PCP: a questão da estrutura fundiária e da apropriação das mais-valias decorrentes de um investimento público que rondará, no seu terminus, os 350 a 400 milhões de contos.
Será, seguramente, a questão que aqui mais nos irá dividir, mas ela é fundamental e deve ser abordada de forma serena e racional, sem argumentos ultrapassados e trauliteiros, sem preconceitos nem tabus.

Aplausos do PCP.

Porquê, Srs. Deputados, a necessidade de se intervir na estrutura fundiária da área beneficiada por Alqueva?
Em primeiro lugar, porque, como diz a Comissão Diocesana de Justiça e Paz de Évora, «Alqueva vai introduzir um elemento novo - a água - nas condições naturais frequentemente evocadas em defesa da estrutura fundiária existente. Dele, por conseguinte, é legítimo esperar que contribua para a correcção de injustiças antigas, cujos efeitos nefastos chegam até aos nossos dias.». «Dele é que se deve esperar (…)», diz a mesma Comissão, «(…) um novo ordenamento fundiário.».

O Sr. Honório Novo (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Para uma região onde as explorações com mais de 100 ha, representando 9% do total das explorações, ocupam 77,4% da superfície agrícola útil, esta questão é, obviamente, central e só o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas não parece querer vê-la. Aliás, não será por acaso que, apesar de sucessivos requerimentos, o Governo se nega a divulgar os dados referentes à estrutura da propriedade e das explorações, por classes de área, abrangidas pelo futuro perímetro de rega. E não venha o Sr. Ministro, em mais uma inteligente justificação para as suas opções, afirmar que o PCP quer dividir o País. A concentração fundiária, em Alqueva e no Alentejo, com todas as suas consequências, não tem paralelo em nenhum outro perímetro de rega e, por isso, é aqui que se impõe a intervenção que propomos.

Aplausos do PCP.

Segundo, porque é necessário criar novas dinâmicas empresariais e sociais que ocupem o lugar das actuais e dêem resposta aos problemas que o próprio Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e o Ministério do Planeamento identificam no Programa Operacional da Região Alentejo, do QCA III, onde se sublinha, em relação à agricultura, que «a dimensão das explorações e a fraca dinâmica empresarial são seguramente dois aspectos que não podem deixar de ser considerados num processo que requer a adopção de alterações muito profundas e complexas».

O Sr. Honório Novo (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Terceiro, porque explorar e gerir uma área de sequeiro extensivo não é seguramente a mesma coisa que gerir uma área de regadio, com um sistema produtivo e de escoamento muito mais intensivo e diário. Manter propriedades e explorações com 700, 1000, 2000, 5000 e mais hectares em condições de regadio é seguramente apostar no desperdício de recursos ou, então, apostar que uma grande parte dessa área será alienada para a venda a grandes empresas e transnacionais agro-alimentares e para a especulação imobiliária. É preciso, pois, criar empresas agrícolas de dimensão técnico-económica racional e adequada a um sistema de regadio, em especial de dimensão familiar.
Em quarto lugar, por razões de evidente preocupação com o destino das mais-valias geradas por tão vultuoso investimento pago com os impostos de todos nós. As áreas beneficiadas por Alqueva vão passar - já estão a passar -, num ápice, a valer 10 ou 20 vezes mais. Aliás, os cerca de 10% da área alienada a empresas não nacionais já o foram por preços que incorporam uma parte dessas mais-valias. Será um escândalo que, em vez de o Governo criar as condições para que a apropriação dessas mais-valias seja feita por e a favor do País, elas acabem a «engordar» as contas bancárias daqueles que, sem investirem um tostão de seu, viram, de um momento para o outro, o seu património altamente valorizado. E, obviamente, não é a política fiscal - e, em particular, o nosso sistema fiscal - que dará, só por si, resposta a esta questão, tanto mais que a prometida nova legislação sobre o património foi remetida para as calendas.
Em quinto lugar, porque o Alentejo não tem, no actual quadro fundiário, activos agrícolas suficientes para preencher as necessidades que decorrem do regadio. Somente com cerca de 12% da população activa na agricultura, ainda por cima uma população envelhecida com toda a sua vida formada no sequeiro, é absolutamente necessário

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criar uma nova dinâmica social, que permita mobilizar, na região e para a região, os activos agrícolas necessários à rega de 110 000 ha. E isto só será possível de alcançar através de um processo de reestruturação fundiária, feito na área do perímetro de rega, que disponibilize terra a colocar à disposição de agricultores, designadamente jovens e pequenos e médios agricultores, assalariados rurais, que estão na região e não têm terra ou têm pouca terra e pouca motivação para se envolverem numa nova experiência agrícola, ou que, estando fora do Alentejo, para ele queiram vir ou voltar para iniciarem uma nova caminhada numa agricultura mais aliciante, cooperativas ou mesmo para agricultores estrangeiros, com novos conhecimentos, experiências e capacidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se tal não for feito, temo que, daqui a alguns anos, o que tenhamos é a venda do património, por um lado, para efeitos de especulação imobiliária e, por outro, a sua entrega a grande interesses agro-alimentares não nacionais, que explorarão a terra em regime ultra-intensivo, com graves desequilíbrios ambientais e recurso a brutais formas de exploração sobre mão-de-obra imigrante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Tal processo de reestruturação fundiária tem, necessariamente, de definir uma área-limite de referência para a propriedade e a exploração das terras beneficiadas por Alqueva, acima da qual o respectivo excedente deverá ser ou expropriado por utilidade pública, com as necessárias indemnizações, ou comprado pelo Estado, em regime de preferência. Este património disponível constituirá, então, um banco de terras, cujas áreas deverão ser entregues, em concurso público, por um prazo longo de arrendamento (25 anos renováveis, propõe o nosso projecto de lei), com direito de transmissão aos sucessores do arrendatário, de acordo com as prioridades atrás expostas. Todos os agricultores - todos os agricultores, repito, para quem leu mal - na área do perímetro de rega ficam sujeitos a níveis mínimos de aproveitamento dos solos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para além disto, o Governo definirá, em sede de impostos sobre o rendimento e sobre o património, os níveis de fiscalidade que deverão incidir sobre os prédios rústicos em causa.
Evidentemente que este processo nos conduz à definição da área de referência. Da nossa parte, avançamos com 50 ha, mas estamos completamente disponíveis para discutir e rever, se for caso disso, este valor. Porquê 50 há, como elemento de referência? Porque este é o resultado dos estudos técnicos que efectuámos (e que, aliás, Srs. Deputados, coincidem com os estudos que se afirma existirem no Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, mas que este deve ter aferrolhado a sete chaves) e que afirmam que esta dimensão, em regadio, é a dimensão óptima que permite uma racional exploração dos recursos, sem desperdícios, e assegura, simultaneamente, uma elevada taxa de rentabilidade dos capitais investidos - acima, inclusive, da remuneração média do mercado de capitais -, em função, naturalmente, dos vários sistemas culturais possíveis.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Aos que se inquietam perante uma proposta de expropriação por utilidade pública ou compra, nós só perguntamos: porquê essa inquietação? Não se fazem, todos os dias, em Portugal, expropriações por utilidade pública para os mais diversos fins? Mesmo na área de Alqueva, o Governo, este Governo, não expropriou já (e muito bem pagos, diga-se!) os milhares de hectares que vão ficar debaixo de água? Não foram expropriados, ainda há pouco tempo, em Montemor-o-Velho, umas centenas ou mais de hectares, propriedade de pequenos agricultores, para poder ser construída uma pista olímpica de remo?

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - E por que é que só quando se trata da grande propriedade fundiária há este estremecimento? Que outros valores, que não os do interesse público, é que se levantam?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Boa pergunta!

O Orador: - Esta é a nossa proposta, que tem o mérito de pôr em cima da mesa uma questão incontornável e apresentar uma solução séria, equilibrada e ponderada e que dá concretização aos próprios comandos constitucionais.

Aplausos do PCP.

O Governo e o Partido Socialista foram apanhados em contramão com a nossa proposta. Sem projecto, uma só ideia os percorre: tocar na grande propriedade, nunca, é assunto tabu! É, aliás, caso para perguntar se, afinal, quem manda no PS e no Governo são os fundamentalistas do direito divino intocável da grande propriedade fundiária, mesmo contra todas as evidências da absoluta necessidade da sua reestruturação.
Mas a verdade é que a nossa proposta teve larga repercussão pública, recolheu numerosíssimos e diversificados apoios, vindos alguns, inclusivamente, de antigos membros dos governos do Partido Socialista. O movimento de opinião que foi criado em torno das questões substanciais que o nosso projecto aborda recolheu cerca de 47 000 assinaturas. E, por isso, o Governo tinha de ensaiar uma resposta. Reuniu, com pompa e circunstância, em Alqueva, e anunciou ao País o preço futuro da água e um banquinho sem pernas, que constitui, sejamos sinceros, uma fraude.
Quanto ao preço da água, nada nos é dito sobre os critérios utilizados. Repercute o custo das infra-estruturas primárias de armazenamento e condução da água, bem como os custos das elevações primárias, que são património do Estado? Se repercute, não o deveria fazer. E qual o critério de repartição dos custos com a EDP? A verdade é que o preço proposto está muito acima dos valores médios que os agricultores pagam nos restantes perímetros de rega existentes e pode tornar as explorações não competitivas! Quanto ao «banquinho de terras», formado - ao que diz o Ministro - com cerca de 20 000 a 25 000 ha de terras na posse do Estado espalhadas por todo o País, constitui poeira para os olhos de quem não conhece a realidade. Basta dizer, em relação ao que aqui debatemos, que as poucas áreas sobrantes do processo de entrega de «reservas», que também fariam parte de tal banco, metade ou

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mais estão fora do perímetro de rega, são constituídas, na sua maioria, por pequenas parcelas, que não viabilizam uma exploração de regadio, e, finalmente, a área esta já toda ou quase toda arrendada. O que resta, então? Nada, Srs. Deputados! É uma esperteza saloia do Governo e, em especial, do seu Ministro da Agricultura, muito mal explicada, que só serviu para efeitos mediáticos, para tentar responder atabalhoadamente às propostas do PCP, para comprar o apoio dos grandes interesses fundiários e da sua organização, para enganar incautos e, finalmente, procurar aquietar aqueles muitos, incluindo dentro do próprio Partido Socialista, que partilham sinceramente das mesmas preocupações que nós.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está feita a apresentação e o enquadramento da nossa iniciativa. Apelamos a um debate sério, porque a questão é séria. Cada um terá a oportunidade de se definir e de assumir as suas responsabilidades históricas. Por nós, já assumimos as nossas, em prol de um Alqueva que seja alavanca para o desenvolvimento do Alentejo, ao serviço dos alentejanos, um projecto nacional, ao serviço do País.

Aplausos do PCP e do BE.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Alberto Fateixa, Isabel Castro e Mafalda Troncho.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Fateixa.

O Sr. José Alberto Fateixa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o PS parte para este debate querendo sinalizar alguns aspectos.
Em primeiro lugar, foi o Governo do PS que decidiu construir a barragem.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Em segundo lugar, o Governo planeou e tem em execução a obra de construção da barragem de Alqueva. Mais: há um programa integrado de utilização da barragem de Alqueva. Estão identificadas e calendarizadas obras; estão definidos modelos de gestão dos perímetros de rega; está definido o preço da água; está decidida a criação de um banco de terras para Portugal e, naturalmente, também para a região de Alqueva; estão definidos mecanismos legais de intervenção, para garantir as finalidades do projecto, e está definido um fundo de mobilização para aquisição de terras.
Para nós, PS, há uma questão vital nesta discussão: é a importância da propriedade da terra. Nós acreditamos que o fundamental é a utilização da terra e acreditamos nas pessoas, na sua capacidade empreendedora.
Quanto a este projecto de lei que os senhores apresentam, que considero genuíno e na melhor linha de pensamento do vosso partido, gostaria de colocar-lhe algumas questões.
Quanto custa a expropriação da terra que está envolvida no vosso projecto de lei?
Por que razão o projecto de lei do PCP nunca prevê a venda da terra a jovens agricultores e a cooperativas?

Protestos do PCP.

Qual é, no entendimento do PCP, o preço desejável da água?
Em que estudos, em que documentos, basearam este vosso projecto de lei?
Por fim, coloco-lhe uma pergunta que considero fundamental. Este conceito de propriedade que os senhores aplicam à terra vai ser aplicado aos empreendimentos turísticos? Vão admitir, por hipótese, que sejam de propriedade privada residenciais com 10 quartos, mas já não hotéis com uma capacidade superior a essa? Este conceito de propriedade vai ser aplicado a estabelecimentos comercias e a estabelecimentos agro-industriais?

Risos do PCP.

O Orador: - Isto é, vão ser consequentes com o princípio da propriedade, ou não?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Que disparate!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, pretendo acumular.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, Os Verdes têm a convicção, e têm isso claro, da importância social do projecto do Alqueva. Para nós, é um projecto que durante anos e anos foi uma aspiração de uma região votada ao ostracismo, de uma região que tem vindo cada vez mais a empobrecer e a ficar desertificada.
Portanto, temos claro a importância estratégica que este projecto tem, como também temos claro - e julgo que sobre essa matéria não haverá dúvidas nenhumas - que se trata de um projecto em que com maior clareza se tem a noção de que há um custo ambiental a pagar, precisamente porque se deseja uma contrapartida do ponto de vista social.
Mas a minha pergunta incide sobre algo que me parece que o Sr. Deputado aflorou na sua intervenção, isto é, sobre um dos problemas que se coloca no plano ambiental e que, do ponto de vista de Os Verdes, não está suficientemente tratado.
O Sr. Deputado falou até de um aspecto positivo que o Alqueva pode trazer: a mudança climática como parte integrante da estratégia de combate à desertificação, que é um fenómeno gravíssimo no nosso território.
O Sr. Deputado aflorou a questão da Portucel, mas gostaria que dissesse se, do ponto de vista do PCP, é ou não grave - para além do problema social que se coloca devido à inexistência de uma resposta em relação à abertura de uma nova unidade da Portucel e para além da descontaminação que aflorou - o facto de não estar a ocorrer nenhuma avaliação, nem nenhum acompanhamento, do ponto de vista do impacte ambiental, dos mais de 200 000 resíduos que estão na antiga fábrica da Portucel

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completamente ao abandono, alguns deles com um grau perigosidade muito elevado.
Gostaria ainda que me respondesse a outras questões, que passo a colocar.
É ou não grave o facto de o plano de compensação ambiental, que há muito está previsto no projecto, não estar a ser posto em prática?
É ou não grave que o plano de reflorestação, que era uma oportunidade fundamental para regenerar e valorizar habitats que são autóctones, esteja metido na gaveta?
É ou não grave, e esse era um dos objectivos estratégicos do Alqueva, que o estudo do estuário do Guadiana esteja parado?
No fundo, pergunto-lhe se é ou não grave a forma completamente irresponsável como o Governo tem gerido todo este dossier das questões ambientais, que são, de algum de modo, um preço a pagar por um projecto ao qual atribuímos importância.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mafalda Troncho.

A Sr.ª Mafalda Troncho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, falar do Alqueva é falar de terra, de água e de Homem. O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, reflecte, como o seu nome indica, todas estas vertentes. A barragem será, simultaneamente, uma reserva estratégica de água e de energia, um elemento vital para uma agricultura viável e concorrencial e um factor de desenvolvimento económico e de criação de emprego.
Este empreendimento cumpre diversas funções económicas, sociais e também simbólicas: simboliza a luta dos alentejanos e a sua vitória, e eu orgulho-me de apoiar um Governo que permitiu esta realidade!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, infelizmente, para o PCP, discutir Alqueva é apenas sinónimo de terra. O que mais preocupa o PCP não é o desenvolvimento do Alentejo, é a posse da terra. Para o PS existe um equilíbrio e a resolução do Conselho de Ministros de 3 de Setembro reflecte isso mesmo: um equilíbrio entre a função social da terra e a livre iniciativa empresarial.
Assim, Sr. Deputado Lino de Carvalho, gostaria do colocar-lhe três questões.
Primeira: Quais os critérios que levaram à definição do limite de 50 ha? O que os levou a considerar esta dimensão óptima e única?
Segunda: Não considera que o tamanho da propriedade também depende, entre outros factores, do objectivo da sua exploração? Concorda ou não que existem propriedade com menos de 50 ha que são viáveis e outras que o não são? Concorda ou não que para algumas explorações faz sentido ter propriedades com mais de 50 ha e que para outras não?
Terceira: Considera ou não, Sr. Deputado, que o mais importante é fazer de Alqueva, como disse o Sr. Ministro, uma âncora de desenvolvimento; que as decisões do Governo têm contribuído para que assim seja e que estas até dão resposta às vossas questões, sem impedir o desenvolvimento económico da região, sem abrir uma guerra, sem dividir o País e sem evitar Alqueva?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado levanta as questões, mas, como disse o meu colega José Alberto Fateixa, a poucas dá resposta.
Finalmente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, um dia alguém disse que às vezes os comunista, quando viam luz ao fundo do túnel, construíam mais um bocadinho de túnel. Às vezes, Sr. Deputado, não leve a mal, dá vontade de dar razão a quem disse isto.
Quando é que o Sr. Deputado faz uma intervenção nesta Casa a reconhecer que este Governo, nomeadamente através do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, tem contribuído para o desenvolvimento do Alentejo?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Quando isso acontecer!

A Oradora: - Para quando o seu elogio sem tantos «mas» ao empreendimento do Alqueva?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o nosso projecto incide sobre uma questão específica que, para nós, é uma condição necessária para viabilizar o empreendimento: a reorganização fundiária da área do perímetro de rega. Esta é a questão específica do nosso projecto de lei que aqui queremos ver debatido e votado.
É evidente que a discussão global do Alqueva se pode fazer a todo o momento, e estamos disponíveis para isso, mas hoje queremos centrar a discussão naquilo que é o conteúdo da iniciativa legislativa do nosso partido.
Por isso, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não vou entrar na discussão que colocou, que é uma ampla discussão, só vou dizer-lhe que, na nossa opinião, tudo deve ser feito - aquilo que ainda não está e também aquilo que já está a sê-lo - para minimizar os impactos negativos; tudo deve ser feito para valorizar os aspectos positivos; tudo deve ser feito para resolver os problemas que colocou, designadamente quanto aos resíduos decorrentes do desmantelamento da antiga fábrica da Portucel. Nesse sentido, entendemos que é preciso prosseguir esse caminho sem pôr em causa os prazos que estão definidos para o encerramento das comportas.
Há, necessariamente, muitas coisas a criticar nesse domínio, Sr.ª Deputada, mas, convenhamos - e nós somos insuspeitos nessa matéria -, também nesta matéria há muita coisa a saudar por aquilo que se fez em política ambiental no domínio do Alqueva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às questões colocadas pelos Srs. Deputados do PS, José Alberto Fateixa e Mafalda Troncho, devo dizer o seguinte: Srs. Deputados, deixemos as árvores e vamos à questão central, à floresta. E a questão central, a floresta, não é que nós só vejamos o problema

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da propriedade, os senhores é que têm um receio insuperável de tocar-lhe, sobretudo quando se trata da grande propriedade fundiária! Esta é que é a questão, Srs. Deputados!

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Aliás, o Sr. Ministro e outros respeitáveis membros do PS têm dito que o PCP tem um preconceito quanto à grande propriedade. Srs. Deputados, isto pode resolver-se com várias respostas!
Em primeiro lugar, mesmo no plano exclusivamente técnico, os senhores não sabem que existe uma coisa chamada economia de escala, que é, em matéria de investimentos económicos, uma dimensão acima da qual há desperdícios de recursos?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os senhores não sabem que, em matéria de regadio, acima de uma determinada dimensão, há desperdício de recursos, pelas formas de intensificação da produção e de gestão que uma exploração de regadio merece? Todos sabemos isso, a começar pelo Sr. Deputado Rosado Fernandes,…

Risos do PS.

… independentemente dos que nos divide em matéria de propriedade! Todos sabemos isso, Srs. Deputados! É por isso que, obviamente, qualquer pessoa de bom senso tem de definir um limite de referência! E é nisso que os senhores não querem tocar!
Os senhores pensam que a propriedade fundiária é um direito absoluto, nem sequer pensam naquilo que é uma tese da própria Igreja Católica, que é a função social da propriedade e da propriedade da terra.
Esta é uma questão essencial, portanto, vamos abordá-la, e vamos abordá-la sem preconceitos e tabus, porque se não se fizer isso como é que se distribui a terra na zona de perímetro de rega?! E como é que se mobilizam, para a região, os activos - as pessoas que não existem -, para criar uma nova dinâmica social, que crie os meios necessários ao seu aproveitamento? É com o banco de terras, com terras de Bragança? Como sabem, não é! Porque senão não se faz esse processo de reorganização fundiária!
Em último lugar, porque, obviamente, a questão central que aqui está é política! Os senhores não querem tocar na grande propriedade e, quando a organização que representa os interesses dos grandes proprietários vem saudar esta medida do Governo, é óbvio que não é preciso dizer mais! Costuma dizer-se: «diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és» e este é um caso típico a que isso poderia ser aplicado.
Mas, Srs. Deputados, têm preconceitos contra a grande propriedade aqueles cerca 50 000, entre os quais muitos socialistas, que assinaram o abaixo-assinado, onde se apela a este processo de gestão fundiária?
Têm preconceitos contra a grande propriedade os sectores ligados à Igreja Católica, que defendem a necessidade de um novo ordenamento fundiário?
Tem preconceitos contra a grande propriedade um anterior membro do vosso Governo, um anterior Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que diz: «Do meu ponto de vista, creio que o projecto tem o inegável mérito de pôr o dedo na ferida num dos mais sérios problemas que a construção da barragem pode trazer, caso não seja acompanhada de uma reestruturação fundiária, o do destino das mais-valias».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - «Pondo o acento tónico na criação de novas formas de exploração de terra, o projecto tem ainda o mérito de procurar trazer soluções para o combate à desertificação do Alentejo e para um desenvolvimento sustentável».

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, tem de concluir. Terminou o seu tempo.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. Peço-lhe só 10 segundos.
Tem preconceitos contra a grande propriedade o pai do Alqueva, Eng.º Faria Ferreira, Director-Geral dos Serviços Hidráulicos, que diz só isto: «desejo que a presente proposta de lei passe no Parlamento»?
Não têm, com certeza! Têm é uma visão aberta, alargada, do que é necessário fazer para que o Alqueva seja um projecto que não fruste as expectativas do alentejanos e do País e não se transforme, a curto prazo, num benefício para alguns e num prejuízo para o País e para a comunidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, tenho o prazer de anunciar que assiste, hoje, à reunião plenária um grupo de 54 pensionistas da Casa de Idosos do Meio Rural de Faro, para o qual peço uma saudação da Câmara.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (Capoulas Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Janeiro de 1996, por proposta do então Ministro João Cravinho, o primeiro governo socialista presidido pelo Engenheiro António Guterres decidiu avançar irreversivelmente com o projecto de Alqueva com ou sem financiamento comunitário, pondo fim a décadas de indecisões, de recuos e de falsos avanços quanto a um projecto que progressivamente se foi tornando mítico para os alentejanos e distante para os restantes portugueses.
Em 1997, começaram as primeiras obras e a ser esboçados projectos, lançados concursos e assinadas adjudicações nas diferentes frentes e componentes do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva.
Eu próprio, sendo Secretário de Estado, afirmei em Ferreira do Alentejo, em 18 de Setembro de 1997, aquando do lançamento do concurso do primeiro dos nove perímetros de rega, que quando fechassem as comportas da barragem teríamos naquele perímetro os primeiros novos agricultores em condições de regar. Assim irá suceder já na próxima campanha de rega; reafirmo-o orgulhosamente, hoje, aqui, 24 horas depois da visita que fiz ao terreno para me inteirar do avanço desta frente de obra.

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Entretanto, foi reorganizada a EDIA, reforçada a sua componente agrícola, definida a estratégia de implantação do regadio, pré-definidos os blocos de rega e o seu ritmo de instalação até 2025, a par do envolvimento das organizações de agricultores, universidades, escolas superiores agrárias e empresas do ramo agrícola com o Ministério da Agricultura no sentido de concentrar esforços para dar resposta rápida e eficaz aos problemas da experimentação, da informação científica e técnica, da formação e qualificação profissional e do apoio técnico aos agricultores.
Assim, contando já com 37 entidades associadas e representando a totalidade do universos dos beneficiários do projecto, nasceu o COTR (Centro Operativo de Tecnologias de Regadios), que o Sr. Deputado Lino de Carvalho, por manifesta ignorância, disse há pouco ser uma organização clandestina.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - A ignorância é da sua parte!

O Orador: - Este centro nasceu em 16 de Março de 1999 e tem hoje concluídos, em execução e aprovados dezenas de projectos de investigação e experimentação, elaborados a partir das necessidades sentidas pelos próprios destinatários. Aliás, o Sr. Deputado Lino de Carvalho teria tido ontem uma excelente oportunidade para comprovar que isto é verdade, caso tivesse acedido ao convite que lhe fiz para me acompanhar e ver o que está a ser feito no terreno, convite esse que recusou.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais recentemente, em 3 de Setembro de 2001, em reunião especial do Conselho de Ministros de forma simbólica realizada em Alqueva, e após muitos meses de cuidada ponderação técnica e política, o Governo adoptou um pacote de decisões referentes à componente agrícola do empreendimento, que dão resposta a todas as questões pendentes, mesmo às politicamente mais sensíveis.
O Governo decidiu criar um banco de terras, que integra, desde já, todo o património fundiário do Estado. O Deputado Lino de Carvalho demonstrou há pouco não perceber nada sobre o que é um banco de terras. Que mal há em vender uma terra do Estado em Bragança para, com o respectivo dinheiro, exercer um direito de preferência no Alentejo, atribuir a terra, por arrendamento, a um jovem agricultor e, sete anos depois, vendê-la, tornando esse rendeiro num proprietário e dando assim expressão concreta à máxima «a terra a quem a trabalha»?!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo instituiu ainda o direito de preferência do Estado relativamente aos prédios existentes em todos os perímetros de rega do País; decidiu criar um Fundo de Mobilização de Terras, constituído pelas receitas provenientes da venda e do arrendamento do património fundiário do Estado integrado no banco de terras; decidiu também actualizar o regime jurídico das obras dos aproveitamentos hidroagrícolas; definiu um novo modelo de gestão para os perímetros de rega e instituiu o dever de rega e o respectivo quadro sancionatório.
Decidiu ainda o Governo a aprovação do preço da água, que o Sr. Deputado Lino de Carvalho fingiu não perceber como foi construído. Este valor de 11$/m3 é exactamente o preço praticado no perímetro de Badajoz. Convém referir que os agricultores portugueses têm a seu favor salários mais baixos, preço do gasóleo agrícola mais baixo, preço de electricidade mais baixo e terão agora, no perímetro de rega, água ao mesmo preço dos seus concorrentes espanhóis.
Este preço da água integra já o montante que há-de ser pago à EDIA, como entidade vendedora da água, a taxa de conservação, a taxa de exploração que irá ser cobrada pelos próprios agricultores que vão gerir o perímetro de rega e até - pasme-se, Sr. Deputado Lino de Carvalho! - futuras taxas que, em virtude da Directiva da Água, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território venha a aplicar em Portugal. Tudo isso já está incluído neste preço.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Tem é de explicar quantos litros são por m2!

O Orador: - Sr. Deputado, estou a ver que não faz a distinção entre o que é regar uma oliveira ou um pé de milho!

Aplausos do PS.

Risos de Deputados de todas as bancadas.

O Governo redefiniu ainda o quadro de competências da EDIA e o modelo de financiamento do Empreendimento de Fins Múltiplos, tendo decidido - vou responder a outra pergunta do Sr. Deputado Lino de Carvalho, que aparentemente fingiu não perceber esta questão - que apenas a rede primária constituirá, no futuro, activo da EDIA, sendo que a rede secundária, cujo investimento rondará os 150 milhões de contos, passará a ser património do Estado. Sendo património do Estado, fica susceptível de ser amortizado à taxa, fixada por critérios políticos, que o Governo entenda (até agora, e desde sempre, o Governo decidiu aplicar uma taxa de 0%).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ora, é precisamente neste dia - permitam-me que invoque com profundo sentimento este dia 27 de Setembro, porque faz hoje precisamente 22 anos que tombaram, num dos múltiplos conflitos que ocorreram naquele tempo em terras da reforma agrária, dois trabalhadores agrícolas - e no momento em que a obra física e o trabalho técnico e científico ligado ao regadio começa a ser visível, com indesmentível mobilização e participação dos agricultores, das organizações agrícolas, das instituições públicas e dos demais agentes económicos, que o PCP vem apressadamente apresentar a esta Câmara e ao País um projecto de lei incoerente, retrógrado, socialmente injusto e irresponsável, porquanto é economicamente desastroso para a região do Alentejo e para o País. Passo a explicar porquê.
É incoerente e retrógrado porque trata desigualmente os agricultores, as regiões do País e os contribuintes ao estabelecer regras diferenciadas para os regadios da zona de Alqueva e para todos os outros do País, esquecendo que, só até 2006, o Governo vai executar fora da zona de Alqueva quase duas vezes mais, ou seja, 46 300 ha de regadios, do que aquilo que vai fazer na zona de Alqueva, isto é, 26 200 ha de regadio. Então, o que é justo para o Alentejo não o é para as outras regiões do País, ou vice-versa?! O Sr. Deputado diz que a estrutura fundiária é diferente no Alentejo; vê-se que nunca foi sequer ao perímetro de Idanha!

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O projecto é incoerente e retrógrado ainda relativamente às posições assumidas no passado pelo próprio Partido Comunista Português. Em 1974/75, o PCP defendeu o direito de cada agricultor poder reservar para si até 50 000 pontos, traduzindo estes pontos, em área, a qualidade dos solos e das plantações por forma a que fosse estabelecida equidade entre os bons e os maus solos e a ausência, ou não, de plantações permanentes neles instaladas. Agora, com este projecto de lei, o PCP decreta a atribuição automática de 50 ha para todos, agricultores ou cooperativas, com solos pouco ou muito produtivos, com ou sem plantações, bem ou mal utilizados! É incoerente ainda porque revela uma total desorientação política e incapacidade para definir uma perspectiva clara para o sector agrícola.
Em 1974/75, o PCP defendia grandes unidades colectivas, com milhares de hectares e centenas de assalariados, um modelo puramente decalcado do sistema soviético. Os resultados desta política são hoje visíveis em Portugal através das vagas de imigrantes vindos dos países onde o modelo foi aplicado durante 50 ou 70 anos pelos processos que a História regista. Hoje, o PCP aparece a defender um modelo de agricultura individual, fazendo uma reviravolta de 180º, pretensamente igualitário, certamente gerador dos maiores aplausos por parte do Presidente Mugabe mas absolutamente inaceitável e impróprio para um país da União Europeia que aspira e trabalha para atingir os patamares médios comunitários em termos de rendimento e de competitividade.
Talvez possamos, infelizmente, observar os resultados da aplicação do modelo traduzido na proposta do PCP a curto prazo, mas no Zimbabwe.

Risos do PS.

O projecto do PCP é socialmente injusto e economicamente desastroso porque impede que aqueles que trabalham a terra e que a não herdaram ou tiveram antes posses para a comprar jamais possam aceder à posição de proprietários. O projecto de lei do PCP obriga-os, e aos seus descendentes, a serem eternamente rendeiros.
É ainda injusto porque não distingue entre boas e más empresas, entre aquelas que geram riqueza, criam postos de trabalho e até exportam e as que nada produzem ou não cumprem qualquer função social; a todas aplica cegamente a regra do desmembramento fundado no único e arbitrário critério do limite máximo de 50 ha. E a que custo? Fez o PCP as contas aos custos de tal operação e sabe se o País tem condições de a pagar? Por que não respondeu ao Deputado José Alberto Fateixa, quando há pouco lhe colocou essa pergunta?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ou pretende fazer como fez em 1975, quando previu e legislou no sentido do pagamento de indemnizações por ocupações e expropriações de terras, que pura e simplesmente não cumpriu, aliás, tal como os sucessivos governos do PSD fizeram nos períodos subsequentes?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Só o Governo do PS, 25 anos depois, está finalmente a cumprir na íntegra o Estado de direito, a custos que, com a acumulação de juros, já implicaram uma despesa do Orçamento do Estado de 30 milhões de contos e irão ultrapassar os 40 milhões de contos quando, daqui por três meses, o processo estiver encerrado.
Por fim, este projecto é absolutamente irresponsável, pois conduz a agricultura alentejana para um desastre económico. Lançar agora, antes mesmo que as indemnizações de 1975 estejam integralmente pagas, um novo ciclo de continuada instabilidade e de querela política e social em torno do uso e da posse da terra durante, provavelmente, mais 30 ou 40 anos significa condenar, de forma definitiva, a agricultura alentejana e matar à nascença a esperança trazida pelo Alqueva.
Este cenário agradaria certamente à estratégia política do PCP, mas seria totalmente incompatível com a tranquilidade e a paz social imprescindíveis para que o trabalho de parceria entre a sociedade civil e o Estado e a complementaridade entre os diversos tipos de explorações agrícolas pudessem prosseguir serenamente, tendo em vista a recuperação do ancestral atraso da nossa agricultura, tão prejudicada já com a instabilidade política e social dos anos 70 e 80.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são algumas razões objectivas mais do que suficientes para que o projecto de lei do PCP não seja aprovado por esta Câmara. Não resolve nenhum dos problemas da agricultura portuguesa e da alentejana em particular, antes os agrava drasticamente, ao contrário das soluções que o Governo preconiza, ou seja, o banco de terras, o direito de preferência, o Fundo de Mobilização de Terras de âmbito nacional, o dever de rega e o respectivo quadro sancionatório para qualquer dimensão de área (1 m2 ou 5000 ha), a assunção pelo Estado dos custos da rede secundária de rega do Alqueva e dos demais perímetros regados do País, desde o Vale da Vilariça, em Trás-os-Montes, ao Sotavento algarvio, que nos permitiram fixar preços de água competitivos para os agricultores.
As decisões que o Governo já tomou sobre esta matéria são coerentes com a política nacional que concebemos e estamos a executar: permitem intervir moderadamente no mercado da terra e garantir a sua função social e económica num quadro de serenidade política.
Ao definir a água e a floresta como pilares estratégicos desta política, que o mais ambicioso programa de novos regadios e a triplicação dos meios financeiros de apoio ao sector florestal até 2006 comprovam, e ao eleger a vinha, o olival, a fruticultura, a horticultura, a pecuária extensiva, o leite e os produtos tradicionais de qualidade como prioridades pusemos em execução, pela primeira vez em muitos anos, uma verdadeira política nacional compatível com a política agrícola comum e ajustada ao desenvolvimento das potencialidades agrícolas do País.
Ao descriminar positivamente a pequena agricultura familiar através do vasto conjunto de medidas para ela, pela primeira vez, especificamente dirigidas, designadamente nos programas AGRO, AGRIS e RURIS, estamos a dar provas, também no sector agrícola, da consciência social do Governo e a reconhecer que a diversidade dos mundos rural e agrícola portugueses exigem medidas de política diferenciadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em suma, as decisões já tomadas pelo Governo, que serão aplicáveis a todo o País e também à zona do Alqueva, inserem-se numa política agrícola clara e coerente, pelo que esta Câmara não pode adoptar medidas que a procuram subverter completamente, como aquelas que, sob o título «Medidas de

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reestruturação fundiária na área de intervenção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva» o PCP hoje aqui veio propor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Agostinho Lopes, Gavino Paixão, Rodeia Machado e Fernando Penha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por ter dúvidas sobre a capacidade de V. Ex.ª para debater democraticamente problemas nesta Câmara.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - No que diz respeito ao debate que aqui travamos, gostaria de dizer que o Sr. Ministro tem dado muitas vezes - vezes demasiadas - a ideia que o PCP tem um preconceito relativamente à quantidade de terra detida pelos proprietários; o Sr. Ministro não tem esse preconceito, pelos vistos, tem-no apenas relativamente à utilização da terra.
Sabemos ainda que o preconceito do Sr. Ministro é apenas contra a pequena propriedade e quando é necessário expropriar pequenos agricultores ou expulsar rendeiros para fazer o emparcelamento, o Sr. Ministro não esconde a sua falta de respeito pela pequena propriedade, como sabemos que o Sr. Ministro tem pouco respeito pelos pequenos produtores de leite, já que, em portaria recente, impediu os pequenos produtores de leite de acederem à quota da reserva nacional.
Mas o enorme erro do Sr. Ministro - essa é a questão grossa - é procurar eliminar qualquer ligação entre a dimensão da propriedade e a qualidade da exploração, entre a dimensão e o bom aproveitamento da terra agrícola. No pensamento do Sr. Ministro, os instrumentos de intervenção fundiária, parcelamento e emparcelamento, serão certamente peças arqueológicas, sem sentido, apesar de defendidas por especialistas de diversos quadrantes e famílias partidário-ideológicas.
Porém, mais grave ainda é que o Sr. Ministro desconhece, de facto - ou parece desconhecer -, aquilo que os especialistas do Governo dizem relativamente aos problemas da grande dimensão da propriedade e as consequências do mau aproveitamento da terra no Alentejo. Sr. Ministro, leia o documento do Plano de Desenvolvimento Regional do III Quadro Comunitário, que aqui já foi hoje referido, e leia também o Programa de Desenvolvimento Económico-Social do Alentejo, editado pela Comissão de Coordenação Regional do Alentejo, ligada ao seu colega de lista na Câmara Municipal de Évora.
Mas mais grave que tudo isto são os preconceitos do Sr. Ministro contra a Constituição da República.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Os vossos!

O Orador: - O preconceito não é do PCP, Sr. Ministro, é seu e do Governo do PS contra o texto constitucional.
A Constituição, como o Sr. Ministro sabe, refere, no n.º 1 do artigo 94.º, sobre a eliminação dos latifúndios, «O redimensionamento das unidades de exploração (…)». Sr. Ministro, como sabe, a palavra «redimensionamento» quer dizer mexer na dimensão, e a minha pergunta é simples: o Sr. Ministro, o Governo do PS e o Partido Socialista vão propor como peça arqueológica o artigo 94.º da Constituição da República Portuguesa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, se assim entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Agostinho Lopes: Devo dizer-lhe que fiquei francamente decepcionado com a sua questão. Julguei que ia rebater alguns dos pontos, difíceis de digerir para o PCP, que coloquei da tribuna, mas assim não foi.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Faça um debate sério!

O Orador: - Tentou ir por outros caminhos, acusando-me, designadamente, de estar contra os produtores de leite, quando fui eu quem, no ano passado, consegui que Portugal, dos 15 Estados-membros da União Europeia, fosse o único a não ser penalizado pela quota de leite, quando tenho tomado um conjunto de medidas nunca antes existentes em Portugal para a pequena agricultura familiar!

O Sr. Gavino Paixão (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Reconheço que essa é uma das suas bandeiras que cada vez tem mais dificuldade em erguer, porque cada vez mais os agricultores percebem quem está do seu lado.
Fico decepcionado também quando concluo ser sua convicção que quem manda no Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas são os especialistas do Governo. Sr. Deputado, quem manda no Ministério da Agricultura é o Ministro e a sua equipa política, independentemente do que pensa este ou aquele especialista do Governo, por mais especializado que seja.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - São elementos do Governo, Sr. Ministro!

O Orador: - Relativamente à Constituição, Sr. Deputado, eu não fui Deputado na Constituinte mas, disso estou certo, quando ela foi feita, defendi-a mais do que o senhor. E não preciso lembrar-lhe episódios que alguns dos que aqui estão têm bem presentes na memória…
Portanto, defendo, de certeza, muito mais do que o senhor os objectivos que estão inscritos no artigo 94.º da Constituição, que tem a ver com a justiça social e com o acesso à terra.

O Sr. Agostinho Lopes (PCP): - Vê-se!

O Orador: - Só com uma diferença: eu quero transformar os agricultores, os rendeiros e os assalariados em

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proprietários e o senhor não, quer colocá-los para toda a vida, a eles e às gerações futuras, na dependência do Estado.
Repito, eu quero fazer deles proprietários e acredito que o regadio traz inevitavelmente, no seu seio, o redimensionamento das explorações agrícolas pelos métodos que o Governo preconiza, ou seja, pela utilização do dever de rega, por um quadro sancionatório agravado, como aquele que agora criámos e que no limite, como sabe, pode ir até à própria expropriação por mau uso.
Aquilo que nos distingue, Sr. Deputado, é que eu não tenho preconceito nem relativamente à grande nem quanto à pequena dimensão e o senhor tem preconceito em relação a todos aqueles que possam singrar, e tem, aparentemente, preconceito quanto ao desenvolvimento do seu próprio país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gavino Paixão.

O Sr. Gavino Paixão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: Vou tentar, muito rapidamente, colocar-lhe duas questões, mas permita-me que, antes disso, tente esclarecer algumas das dúvidas apresentadas pelo Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Deixe estar!

O Orador: - Sr. Deputado, o Partido Socialista não tem nem nunca teve medo do debate ideológico, em momento algum da sua história. Portanto, não é hoje, aqui, que a ele vai fugir. Porém, o que o Partido Comunista Português tem de entender é que a grande diferença que o separa do Partido Socialista é a de que nós não condenamos aqueles que têm direito a possuir a sua terra, só queremos condenar aqueles que, em Alqueva e em qualquer parte do País onde exista regadio, não usam bem essa terra.
A grande diferença que existe entre o Partido Socialista e o Partido Comunista é que nós não condenamos uma propriedade como, por exemplo, aquela que já existe no perímetro de Alqueva, mais exactamente em Ferreira do Alentejo, onde um agricultor da zona centro tem um pomar com mais de 200 ha e está a utilizá-lo muito bem. Será que esse proprietário, à luz do projecto de lei do PCP, tinha de dividir a sua propriedade em quatro?
Sr. Deputado, isto nós não condenamos; nós só condenaremos aqueles que, beneficiando do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, não utilizarem bem a sua terra. Portanto, em termos ideológicos, creio que está esclarecida a posição do Partido Socialista.
Sr. Ministro, quando ficou assente que o empreendimento de Alqueva não iria recuar, que era uma determinação firme do Partido Socialista, começámos a ouvir dúvidas sobre o preço da água, sobre o modelo de gestão, etc. Foram muitas as bandeiras erguidas e o que eu quero perguntar ao Sr. Ministro - nos documentos hoje aqui apresentados, quer no projecto de lei do PCP quer no projecto de resolução do Bloco de Esquerdo, não encontrei respostas a essas dúvidas - é se algum desses partidos ou alguma associação já se pronunciou sobre o preço da água, se já deu alternativas a esse preço ou se já opinou sobre quaisquer outros temas.
Gostaria também de lhe perguntar qual tem sido a reacção dos verdadeiros interessados, ou seja, dos agricultores e das suas associações. Já houve da parte destes reacções às medidas tomadas pelo Governo?
Por fim, voltando ao que defendi no início, ou seja, que o Partido Socialista não está contra a posse da terra, está, sim, contra o mau uso da terra, gostava que me dissesse se no diploma do Governo estão previstas sanções para quem não utilizar bem a terra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Como o Sr. Ministro agora responde em conjunto, tem a palavra o Sr. Deputado Rodeia Machado, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, vou colocar duas ou três questões ao Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, começando por dizer que, em relação ao Centro Operativo de Culturas Regadas, tenho tido a oportunidade de ali ir dezenas de vezes - ele tem sede em Beja - e, efectivamente, as publicações são aquelas que o meu camarada Lino de Carvalho aqui trouxe à colação. Nada mais há do que isto! Portanto, das duas uma: ou mentiram ao Sr. Ministro ou a nós.
Em relação à intenção que aqui manifestou, a de querer transformar rendeiros em proprietários, a primeira pergunta que sobre ela lhe coloco é a seguinte: já V. Ex.ª resolveu o problema dos rendeiros da Herdade dos Machados? Ainda não, Sr. Ministro! E há quanto tempo é que o problema dos rendeiros da Herdade dos Machados subsiste? Esses nem rendeiros efectivos ainda são, quanto mais proprietários... V. Ex.ª sabe bem disso!…

Risos do Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

Não se ria, Sr. Ministro, porque o problema é sério, sobre ele devia dar uma resposta séria e não a que tem dado.
Segunda questão e muito rápida: no perímetro de rega de Ferreira do Alentejo, onde há inúmeras situações, e cito-lhe só uma, que segurança têm os rendeiros ocasionais dos grandes proprietários que ali trabalham a terra e que têm rendimentos curtos porque as rendas são demasiado elevadas e não vêem resolvido o seu problema? Já agora, diga-nos também que solução tem para isto.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gavino Paixão, o Governo fixou o preço da água, teve a coragem de fazê-lo muitos meses antes da primeira campanha da rega começar e expliquei há pouco quais são as suas componentes. Ainda ontem estive de visita ao perímetro de rega de Roxo, um dos que ficará incluídos no Alqueva, onde almocei com dezenas de agricultores e deles recebi, bem como dos seus dirigentes, inúmeras manifestações de simpatia e de concordância depois das explicações que dei, o mesmo tendo sucedido com todas as organizações,

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desde a mais importante confederação agrícola do País às associações que me têm procurado para falar sobre o assunto. Todos eles me manifestaram compreensão.
Aliás, devo dizer que alguns não escondem a agradável surpresa que isso constituiu, porque, contrariamente ao que o Sr. Deputado Lino de Carvalho disse há pouco, não é verdade que este preço seja mais alto do que a média do País. A água de Alqueva vai ser fornecida sob pressão, isto é, os agricultores, sem gastarem um tostão em energia eléctrica, vão ter água sob pressão nas suas explorações 24 horas por dia, 365 dias por ano, contrariamente ao que acontece nos perímetros tradicionais, onde a água é fornecida por gravidade, o que implica em que os agricultores tenham de comprar equipamentos e tenham custos energéticos. Por isso, nos perímetros de rega por gravidade a água anda à volta dos 5, 6 ou 7$ e nos perímetros de rega com este sistema o mais caro que se pratica em Portugal é o perímetro de rega do Benaciate, no Algarve, onde o preço é de 17$/m3.
Portanto, o preço é altamente competitivo, como disse, é igual ao praticado em Espanha, em Badajoz, sendo que temos outras vantagens em termos de custos dos factores de produção.
O Sr. Deputado questionou-me ainda sobre as sanções. Acerca disso, posso dizer-lhe que introduzimos no novo diploma um conjunto de sanções que passam pela aplicação de coimas por mau uso da terra e que, no limite, podem acabar na expropriação dessa terra com mau uso.
Portanto, o nosso critério não é o limite de área, pois se 1 m2 estiver mal explorado pode ser expropriado por mau uso e se 500 ha. estiverem bem explorados, se criarem trabalho, se criarem riqueza, serão merecedores do nosso apoio e do nosso incentivo.
O Sr. Deputado Rodeia Machado fez um conjunto de perguntas completamente laterais. Disse que vai muitas vezes ao COTR mas não sabe o que ele faz e com isto acabou de ofender, para além de três ou quatro organismos do Ministério - mas isso pouco conta! -, a Escola Superior Agrária de Beja, o Instituto Superior de Agronomia, a Universidade de Évora, a associação de agricultores do Roxo, a associação de agricultores de Campilhas, a associação do Vale do Sado, a fábrica de tomate dos agricultores do Roxo, a Associação dos Agricultores do Baixo Alentejo, a Cooperativa Agrícola Moura & Barrancos, a Associação de Criadores de Ovinos do Sul, a cooperativa de fruticultores do Alentejo, a Irricampo, a Coba, a Lagoalva,... enfim, todo um conjunto de entidades.
Quanto ao COTR, o Sr. Deputado Rodeia Machado, que lá vai muitas vezes, ainda ontem, na visita a que ele não aceitou ir comigo, apresentou um estudo de viabilidade para a introdução do algodoeiro nos sistemas culturais da área de influência do regadio; apresentou outro projecto de demonstração de sementeira directa no Alentejo; outro de avaliação e caracterização do germoplasma de plantas fibrosas e oleaginosas no regadio; outro de metodologia do melhoramento do trigo rijo e do trigo mole para regadio; outro para identificação e caracterização de sistemas de produção agrícola e, enfim, mais uma grande quantidade de projectos que o Sr. Deputado, que vai tantas vezes ao COTR, nunca viu.
Aconselho-o a fazer mais uma visita e desta vez, quando for, diga pelo menos o que é que vai visitar: se não vai visitar apenas as instalações ou se não pediu apenas para ir à casa de banho para fazer chichi...

Risos do PS.

Seguramente, se perguntasse o que é que estão a fazer, verificaria que o trabalho que está a ser feito num ano e meio é imenso.
Quanto à questão que colocou sobre a Herdade dos Machados, quando cheguei ao Governo, mais de uma centena de agricultores na Herdade dos Machados, em Moura, estavam sem nenhum vínculo. Hoje, têm todos contratos de arrendamento e têm a minha promessa de que a terra lhes será vendida.

Aplausos do PS.

Ou seja, com o Governo do Partido Socialista, aqueles 100 agricultores serão, a curto prazo, proprietários.

Vozes do PSD: - Já deviam ser!

O Orador: - Ora, os bisnetos e os trinetos daqueles agricultores, com o projecto do Partido Comunista, o mais que aspirariam era a continuar a ser rendeiros.
Sr. Deputado Rodeia Machado, creio que respondi às suas perguntas. Sendo o senhor um homem do Alentejo, devo-lhe dizer que, sobre uma questão tão importante como esta e tendo eu questionado o PCP até do ponto de vista doutrinário com algumas questões interessantes, fiquei francamente decepcionado.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Penha.

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, a questão que, em concreto, lhe quero colocar tem a ver com o custo da água para o futuro regadio do Alqueva.
Percebi que V. Ex.ª nos quis dizer que sabe distinguir a rega de uma oliveira da rega de um pé de milho. Mas o que me parece é que o Ministério de V. Ex.ª, podendo saber como é que se rega um pé de milho, não sabe com quanto é que se rega um pé de milho, e, manifestamente, o preço da água vai inviabilizar essa cultura.
Sr. Ministro, um hectare de milho consome, na zona do Ribatejo Oeste e no Litoral entre 5000 e 6000m3/ano com a rega; na zona do Alqueva consome entre 8000 a 9000m3 naquelas condições de temperatura, naquelas condições de evapo-transpiração, o que significa, pura e simplesmente, que, a 11$/m3, a cultura de milho será inviável naquela zona e que as ajudas da cultura do milho serão insuficientes só para pagar o custo da água. V. Ex.ª está a acabar com esta actividade naquela zona.
No entanto, quero perguntar-lhe se estão já feitos os estudos económicos sobre as culturas que serão viáveis a este preço da água, quais são, quanto é que custará só a componente água em cada uma dessas actividades e se para essas actividades haverá quotas garantidas.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Penha, já agora, permita-me que lhe pergunte, quando

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coloca a questão desses débitos, se está a falar em sistema de rega por sulcos, por pivô ou por alagamento?

O Sr. Fernando Penha (PSD): - Estou-lhe a falar em rega por pivô e…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas não é assim que funcionamos. É preciso pedir a palavra ao Presidente.
Queira continuar, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Deputado, para o trigo mole, para o milho, para o girassol, para a batata de conserva, para o melão ao ar livre, para a beterraba, para o pimento industrial, para o tomate para indústria, para as frutas, para os citrinos, para o olival, para a pereira, para a uva de mesa... temos as contas todas, para todos os preços e com todos os sistemas de rega. Terei muito gosto em facultar-lhe esses dados.
Portanto, posso garantir-lhe que o milho será viável, como todas estas culturas que referi, sendo algumas delas altamente rentáveis com este preço, que é um preço que os agricultores do Alqueva não esperariam.
Sr. Deputado, quanto à questão da política agrícola comum, a «desastrosa negociação que eu fiz na Agenda 2000», segundo as suas próprias palavras nessa ocasião, permitiu-nos reconverter para regadio 60 000 ha. Ora, até 2006, que é o período de vigência desta política agrícola comum, apenas vamos fazer 26 200 ha no Alqueva.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Discute-se hoje o projecto de lei n.º 383/VIII, da autoria do Partido Comunista Português, o qual aborda e propõe medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva.
Como é sabido, o Alentejo é uma vasta região do nosso país que ocupa cerca de 1/3 do território nacional e é marcado, em termos climáticos, por grandes amplitudes térmicas e por uma precipitação escassa e mal distribuída ao longo do ano.
As produtividades são baixas, a diversificação cultural é reduzida, a população activa agrícola é envelhecida e pouco instruída e os conhecimentos técnico-científicos, bem como o apoio técnico, são manifestamente insuficientes.
Se acrescentarmos uma política agrícola comum adversa e tivermos presente que é a região do País com menor percentagem de área irrigada por perímetros de rega, não será difícil, certamente, apercebermo-nos das limitações que aí ocorrem em termos agrícolas.
Poderá parecer mas não é, de facto, uma caracterização catastrófica aquela que acabo de fazer. Aliás, não passa de uma breve apreciação daquilo que eu próprio e outros Srs. Deputados nesta Câmara já aqui temos tratado e que consta, de forma muito mais completa, em vasta documentação, muita dela oficial.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Concentremo-nos, porém, na análise do conteúdo do projecto de lei em apreço, o qual preconiza medidas de reestruturação fundiária para aplicar nos 110 000 ha que constituem o perímetro de rega do Alqueva.
O perímetro de rega, integrado num empreendimento que se traduz num dos maiores investimentos do País, foi decidido pelos governos do Partido Social Democrata, está a ser levado a cabo pelos governos socialistas e tem sido acompanhado com a maior atenção por parte de todos os partidos políticos.
É visto, por uns, como a salvação do Alentejo, muito embora se circunscreva apenas a alguns concelhos, por outros, como uma obra megalómana destinada ao fracasso e, por outros ainda, como um investimento necessário que, não solucionando tudo, visa contribuir para o desenvolvimento da região e enriquecimento do País.
Trata-se, por conseguinte, de um investimento rodeado de polémica, porém de reconhecida importância e que, sem dúvida, suscita grandes responsabilidades quanto ao seu aproveitamento.
Seria criminoso, Srs. Deputados, que este investimento não cumprisse com os verdadeiros objectivos a que se destina, se, por interesses menores, incapacidade ou incompetência, redundasse numa vergonha nacional.
No que se refere ao aproveitamento da área a beneficiar com a rega, ao analisar o projecto de lei que o PCP hoje submete a esta Câmara, tenho de confessar que é possível comungarmos de algumas das suas preocupações, nomeadamente quanto à necessidade de que o investimento em causa se traduza, de facto, num factor de desenvolvimento e seja garantida uma racional ocupação do solo.
Porém, na sua essência, estamos perante o retomar de um processo que visa a expropriação, através da declaração de utilidade pública, dos prédios rústicos que integram o perímetro de rega, os quais dariam lugar a explorações constituídas por parcelas com um máximo de 50 ha. Assim, os expropriados ficariam com 50 ha de reserva em regime de propriedade, enquanto que as áreas sobrantes constituiriam um banco de terras que seriam entregues por arrendamento, sendo o Estado o proprietário.
No fundo, propõe-se um redimensionamento fundiário ao arrepio das tendências que hoje se verificam em toda a Europa. Esta é a verdade, Sr. Deputado Lino de Carvalho! Tudo isto, segundo o PCP, para ultrapassar constrangimentos, como a dimensão da propriedade ou a fraca dinâmica empresarial e em nome da democratização do acesso à terra. Tudo isto, digo eu, Srs. Deputados, resultaria num risco de maior subaproveitamento do que aquele que se pretende evitar. É que não se pode ignorar a perda continuada de rendimento que os agricultores vêm sofrendo ao longo dos últimos anos, que, a não ser rapidamente inflectida, só poderá contribuir para afastar ainda mais os jovens do sector.
Pergunta-se: não precisará mais o Alqueva de um banco de agricultores do que de um banco de terras? Só que tal apenas se consegue alterando a política agrícola que vem sendo seguida, de modo a que o nosso rendimento agrícola possa convergir e não divergir da média europeia e os jovens possam encontrar nela o seu sustento e o das suas famílias.
É isto que o Governo não tem sabido fazer, Sr. Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Diz o artigo 3.º do projecto de lei que ninguém, seja pessoa singular ou colectiva privada, pode ser proprietário ou explorar, na zona abrangida pelo perímetro de rega, área de terra que exceda os 50 ha de regadio, equivalendo a área de sequeiro a metade da de regadio, ou seja, 100 ha de sequeiro.

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O artigo 4.º menciona que ficam sujeitos a expropriação, com carácter de urgência, os prédios situados no perímetro de rega de dimensão superior à prevista no artigo 3.º, isto é, 50 ha.
No artigo 7.º consagra-se o direito de uma reserva ao proprietário expropriado até ao limite dos 50 ha de regadio ou 100 ha de sequeiro, verificando-se, porém, uma redução da área correspondente àquela que ele possa ter abandonada, por qualquer motivo, nos últimos 3 anos à data da demarcação da reserva.
No ponto 2 do artigo 1.º é criado um banco de terras resultante dos prédios expropriados, dos adquiridos pelo Estado, das áreas já pertencentes ao Estado, dos prédios rústicos doados ao Estado e das áreas que provenham da aplicação do artigo 8.º, que prevê penalizações, nomeadamente a resolução de contratos de arrendamento quando não forem atingidos os níveis mínimos de ocupação dos solos.
São estes os pontos em que concentrámos mais a nossa atenção e sobre os quais devo, desde já, ser muito claro.
O PSD, Srs. Deputados do Partido Comunista, não aceita uma política de expropriações em tudo inspirada no famigerado processo da Reforma Agrária, porque respeita a propriedade privada e não quer voltar a assistir ao retalhar de explorações agrícolas.
Do ponto de vista técnico, não entendemos como pode o Partido Comunista assegurar que explorações que podem ter área bastante inferior aos 50 ha de regadio - nada garante que venham a ter 50 ha, podem ter apenas 10 ou 20 ha - constituam garantidamente explorações adequadas ao aproveitamento racional das novas condições de produção em regadio. Temos muitas dúvidas quanto a esta «perimetroridade» toda, Srs. Deputados.
Como se pode ser tão categórico, sobretudo, quando dentro dos 110 000 ha existe uma diversidade apreciável de solos, quando se desconhece quais as culturas a introduzir? Ainda na semana passada, nesta Casa, o próprio Ministro da Agricultura revelava timidamente algumas culturas apenas como possíveis, utilizando sempre o termo «admite-se». Admite-se o olival, admite-se a horticultura, admitem-se as frutícolas, etc.
O artigo 7.º é bem revelador da intenção de atentar contra a propriedade privada, visto que preconiza uma redução na área de reserva correspondente à que possa não ter tido aproveitamento nos últimos 3 anos. Isto significa que, em alguns casos, o proprietário poderia nem ter direito a qualquer área de reserva, sendo expropriado na totalidade. Tal, é completamente inadmissível.
Nós, sociais-democratas, sempre defendemos que a terra deve ter uma função social e deve ser explorada de forma racional.
No perímetro de rega do Alqueva entendemos que o País tem de obter uma contrapartida do investimento, com base no aumento da produção agrícola nacional obtido através da prática de uma agricultura moderna e competitiva que concorra para uma dinâmica empresarial geradora de prosperidade.
Porém, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, não basta possuir terra e ter água à disposição. É necessário bastante mais e o Ministério da Agricultura tem de se capacitar disso.
Têm, desde logo, de ser ultrapassados os entraves que a União Europeia, através da PAC, nos impõe. A investigação e a experimentação têm de ser uma realidade e não uma miragem e estar junto dos agricultores. Não podemos falar de investigação e experimentação como se, de facto, tudo estivesse a ser feito e tudo estivesse a correr da melhor maneira.
Os sistemas culturais a introduzir têm de rapidamente ser definidos e conhecida a sua provável rentabilidade. Não a conhecemos. Qual o rendimento expectável obtido com a utilização da água nas diversas culturas? Que estudos existem que possam ser divulgados, de forma a proporcionarem alguma tranquilidade aos agricultores do Alqueva?
Todos sabemos que não é fácil lidar com a água e com culturas de regadio quando sempre se conviveu com o sequeiro. Pois, assim sendo, que formação efectiva está a ser ministrada aos agricultores do perímetro de rega? Se existe, onde está a ser feita, Sr. Ministro?
Peço-lhe que, de facto, não responda dizendo que é ignorância da minha parte, porque cheguei à conclusão de que todos somos ignorantes em relação a esta matéria. Ainda neste fim-de-semana, passei em alguns concelhos do Alqueva e ninguém sabe onde é que está a ser feita a investigação ou a experimentação. Esta é a verdade. Provavelmente, serão também todos ignorantes...
É preciso que não se venha, mais tarde, a culpabilizar os agricultores por faltas que ao Governo e ao Estado respeitam.
Estas é que são, a nosso ver, as questões essenciais. O PCP menciona-as no preâmbulo do projecto de lei, é um facto, mas não as aborda no articulado, relegando-as para segundo plano.
Debrucemo-nos, agora, sobre o banco de terras que o projecto de lei prevê no artigo 1.º e que, de forma diferente, o Governo criou no decreto-lei que foi aprovado no inédito Conselho de Ministros que teve lugar no Alqueva, a 3 de Setembro.
Banco de terras, muito bem! Mas com que terras?
O PCP propõe a criação de um banco de terras que, essencialmente, resulta das áreas expropriadas e das que pretende expropriar mais aquelas que resultam da resolução dos contratos de arrendamento dos rendeiros do Estado e destina-as a agricultores rendeiros.
O Governo constitui o banco de terras socorrendo-se, essencialmente, das áreas expropriadas no âmbito da Reforma Agrária e destina-as à entrega por arrendamento e, posteriormente, à venda em concurso público, seguindo, aliás, o regime previsto em legislação de 1991, do Partido Social Democrata, que continuamente o Governo tem metido na gaveta - essa é a verdade!
São sem dúvida dois modelos completamente diferentes. O primeiro, do PCP, pelas razões já expostas, não pode, de forma nenhuma, merecer o nosso acordo. Com o segundo, o do Governo, tudo seria diferente se assentasse numa base realista.
Porém, muito concretamente, Sr. Ministro, qual é a terra a que se refere o Governo quando fala no banco de terras? Onde se situam os 25 000 ha que anunciou como área destinada a constituir o banco de terras? Estes 25 000 ha estão dentro da área do Alqueva? Sr. Ministro, não venha dizer que estão em Bragança, porque uma coisa é esse raciocínio em termos de adquirir fundos para poder, eventualmente, um dia mais tarde, comprar áreas disponíveis dentro da zona do Alqueva, outra é contar, à partida, com 25 000 ha disponíveis, que não tem de facto.
Que terras se encontram disponíveis que tenham resultado do processo de expropriações no âmbito da Reforma Agrária? Estará o Sr. Ministro a pensar desalojar os

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rendeiros que estão na posse dessas terras, legitimamente, alguns deles há mais de 20 anos? O Sr. Ministro, há pouco, disse que não estaria e que até estaria na disposição de proceder, na outra fase a seguir, à venda. Se é para, de facto, os desalojar, diga-nos como vai fazê-lo. Se não é, então, gostaria que nos dissesse onde é que vai buscar os tais cerca de 20 000 ha para depois poder distribuir a novos agricultores.
Tudo isto, na verdade, é muito confuso, Sr. Ministro, e carece de esclarecimentos da sua parte. Sem que tal aconteça, ninguém se sentirá tranquilo e os agricultores do Alqueva viverão, decerto, momentos angustiantes. Não tenhamos dúvidas disso!
Uma coisa é certa: mesmo sem uma investigação que conheçamos e que traduza a resposta dos solos, por exemplo, à presença da água, desconhecendo com um mínimo de rigor quais as culturas a introduzir, sem experimentação alguma que se conheça, sem formação e, porventura, sem terra para constituir o banco de terras, o Sr. Ministro, no entanto, já definiu o tarifário relativo ao abastecimento da água para uso agrícola.
Permita, Sr. Ministro, que lhe diga que está a começar pelo fim, porquanto só nos resta distanciarmo-nos da forma como o senhor e o Governo encaram o futuro da componente agrícola do Alqueva.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Não desejo concluir esta minha intervenção sem antes repetir que o Partido Social Democrata jamais aceitará qualquer processo, revolucionário ou não, que tenha como objectivo atentar contra a propriedade privada.
O PSD é contra novas expropriações; o PSD não deixará de responsabilizar quem pretenda retirar a posse da terra a rendeiros legitimamente instalados; o PSD condenará, e denunciará veementemente, qualquer intenção ou atitude que concorra para que a instabilidade e a angústia afectem uma vez mais o povo alentejano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, apesar das esperadas divergências nesta matéria, quero sublinhar o facto de o Sr. Deputado ter referido que muitas das preocupações que temos são as vossas e ter intervindo neste debate com a serenidade que o Sr. Ministro permanentemente não tem, contrastando com o nervosismo do Sr. Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a questão concreta que lhe coloco é a seguinte: como é que o PSD encara a ausência de activos agrícolas na região, que permita dar resposta às necessidades do regadio?
O Sr. Deputado, tal como eu, decerto já deu conta que, neste momento, o Alentejo - essa zona em particular, e não vamos agora discutir as causas - sofre de um processo de «hemorragia humana», designadamente de população activa agrícola, que é uma população envelhecida.
Portanto, como é que o PSD resolve este problema? Como é que o PSD encontra uma solução de mobilização social que permita dar resposta às questões aí colocadas e aproveitar os recursos do Alqueva?
Sr. Deputado, V. Ex.ª é técnico agrário e pergunto-lhe se não reconhece que a gestão de uma área de regadio é diferente da de uma área de sequeiro e que há elementos de referência máximos, acima dos quais é uma gestão de desperdício? O Sr. Deputado, decerto, sabe isso. Então, como é que intervém nesta matéria?
Sr. Deputado, a vossa divergência é aquela área de referência? Então, vamos discuti-la! Querem 100 ha? Querem 70 ha? Querem 40 ha? Vamos discuti-la! Querem definir áreas de referências em função dos sistemas culturais? Vamos defini-las! Querem saber qual é a taxa de rentabilidade que encontrámos para a área de referência em cada sistema cultural? Posso fornecer-vos os estudos técnicos que efectuámos.
Mas, Sr. Deputado, a questão central a que não se pode fugir é a seguinte: como é que se vai resolver o problema da necessidade de criar explorações agrícolas racionais, com dimensão adequada ao regadio que, simultaneamente, com aquilo que o Sr. Deputado disse, e bem, na democratização de acesso à terra, mobilizem os recursos humanos que o Alentejo não tem?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ou estamos a pré-figurar a instalação de grandes unidades empresariais com o recurso a mão-de-obra imigrante, com todos os problemas ambientais e sociais que isso cria?
Esta, repito, é a questão central!
São contra a expropriação? Bom, então, são contra a expropriação por utilidade pública dos terrenos dos agricultores quando é preciso que nesse terreno passe uma auto-estrada. Por que é que num lado não são contra e noutro lado o são? É porque toca a grande propriedade fundiária, Sr. Deputado?
Ainda em relação ao preconceito, pergunto-lhe o seguinte: o Sr. Deputado está de acordo com um documento do próprio Ministério da Agricultura, da Direcção Regional da Agricultura do Alentejo, deste Governo, que diz que «À grande dimensão das explorações está associada uma fraca dinâmica empresarial que tem demonstrado ser muito pouco favorável à criação de uma base económica e social competitiva e sustentável na região. Estas, a dimensão das explorações e a fraca dinâmica social, são dois constrangimentos que têm de ser resolvidos»?
Está o Sr. Deputado de acordo com isto? Então, como é que vamos resolver esta questão, que é uma questão real?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, agradeço-lhe as suas questões e, em primeiro, vou procurar responder quanto aos activos agrícolas. Este é, de facto, um dos grandes constrangimentos, quer na região do Alqueva, quer em qualquer região, em qualquer distrito ou em qualquer concelho do Alentejo.
Portanto, isso é um facto, o Sr. Deputado tem toda a razão. Mas se o investimento tiver uma contrapartida como deve ser - o Sr. Ministro garantiu aqui, há pouco, que o

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aproveitamento terá penalizações se não for feito -, se assim for, acredito que a mão-de-obra apareça. Naturalmente, não aparece do Alentejo, porque não aparece de onde não existe, mas vinda de fora. Aliás, por essa ordem de ideias também posso perguntar ao Sr. Deputado, então, onde é que ia buscar os agricultores para instalar? Ao Alentejo?! Lá não há!
Portanto, se o Sr. Deputado dividir todas as áreas expropriadas em parcelas de 50 ha, não arranja com certeza agricultores para elas, a menos que coloque lá indivíduos que não têm nada que ver com a agricultura ou que os «importe» aqui da cintura industrial de Lisboa ou de outro lado qualquer. Quanto a isto, Sr. Deputado, não tenha quaisquer dúvidas!
Sr. Deputado, em relação à área de referência, deixe-me dizer-lhe o seguinte: o nosso problema não é a área de referência, não são 50 ha, nem 100, nem 80, nem 20, ou 30 ha, é uma questão de princípio. Isto é, por princípio, respeitamos a propriedade privada e não aceitamos mexer-lhe; por conseguinte, a questão é tão clara como isto: nem 50, nem 100, nem 150 há!
O Sr. Deputado perguntou-me: «Então, porque é que aceita a expropriação por utilidade pública quando é para passar um auto-estrada?». Sr. Deputado, só pode estar a brincar comigo, mas eu não levo a mal!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP:

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Comunista Português traz hoje à discussão, no âmbito do empreendimento do Alqueva, um aspecto que, independentemente de ser um aspecto importante, como até agora o debate tem evidenciado, marca diferenças de concepção das diferentes bancadas.
Esta é uma questão chave e fundamental, se se analisar a mais-valia social que o empreendimento do Alqueva tem de ter implícita, numa região que ao longo dos tempos se tem vindo a desertificar, numa região envelhecida, numa região empobrecida, sendo esta, para alguns, uma questão tabú, mas esse é um problema dos que ao longo do tempo não conseguem evoluir no pensamento.
No entanto, a verdade é que a questão fundiária não pode deixar de ser considerada na análise sociológica desta região, na medida em que é o facto de a estrutura da posse da terra ter a dimensão que tem, de se concentrar, da forma que se concentra, num número muito pequeno de proprietários que desperdiçam a terra, pois de uma forma absurda não investem nela, não a transformam e pura e simplesmente são absentistas.
Ora, é neste quadro que a discussão do Alqueva tem de ser feita e tem de ser equacionada numa das suas componentes importantes, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista ambiental, que é a questão agrícola.
Assim, é em relação a essa componente que o projecto do PCP, hoje em discussão, vem fazer uma proposta. De facto, parece-nos existirem razões óbvias - e julgo que, aí, serão óbvias para todos, independentemente de se querer assumir ou não -, que se baseiam no facto de, naquela região, haver uma média, em termos da dimensão da propriedade, que é cinco vezes a média da dimensão da propriedade no resto do País, sendo mesmo, relativamente a uma «fatia» muito substancial, de 10 vezes essa dimensão.
A tomada de consciência de que não se fixando medidas que permitam o acesso à terra àqueles que a não têm, manifestamente, não se conseguirá travar aquilo que, de algum modo, já se desenha de forma preocupante, ou seja, a especulação fundiária - e ela, a acontecer, terá como significado, a prazo, que o Alqueva não travará o abandono e o êxodo rural -, não favorecerá um desenvolvimento equilibrado e a fixação de populações, mas, porventura, servirá para grandes projectos imobiliários que não são propriamente geradores de emprego e são, aliás, do ponto de vista ambiental, francamente questionáveis.
Portanto, parece-nos que esta é uma das soluções possíveis, independentemente de considerarmos que há outros aspectos que têm de ser conjugados com esta preocupação, os quais, de algum modo, a intervenção inicial deste debate já aflorou e relativamente aos quais, também, nos parece que há atraso na definição por parte do Governo.
Quanto à formação profissional, anunciada pelo Governo, do ponto de vista prático, parece-nos que há grandes atrasos. Porque, em termos agrícolas, não é indiferente todas as possibilidades que o Alqueva pode oferecer e a diversidade de ofertas quer se trate de cereais, de hortícolas, de arroz, de horto-industriais ou de pecuária de leite; não é indiferente, repito, qual é o destino daquelas terras, não é indiferente como é que se conciliam as características dos solos e o seu estudo àquilo que melhor se ajusta àquela região, tendo em conta que os impactes ambientais são diferentes nas diversas opções que o leque possível permite e, naturalmente, que também aí se joga uma parte importante deste projecto, que, tendo uma valia social, não pode ignorar a componente ambiental.
A segunda questão que nos parece importante e sobre a qual se mantém também um atraso é a necessidade de fomentar o associativismo. Julgo que todos temos consciência que se as opções agrícolas forem num determinado sentido não é indiferente o facto de haver ou não capacidade de agir em conjunto.
Na verdade, numa zona que tem estado votada ao abandono, o associativismo é seguramente algo sobre o qual se discute muito pouco e há ideias muito pouco claras do Governo, bem como sobre as restantes questões que estão associadas a isto numa outra fase do ciclo, se falarmos na componente agrícola, na questão das embalagens dos produtos, dos mercados e, no fundo, se aquilo que se pretende é ou não uma agricultura que fomente a diversidade, que não se refugie de uma forma acrítica numa política agrícola comum, se, efectivamente, se procura caminhar diferentemente na busca daquilo que, quer as condições do solo, quer as condições do clima, permitem.
Parece-nos, portanto, que a possibilidade de se criarem bolsas, bolsas com vários critérios e bolsas de terra, é uma medida positiva e é, fundamentalmente, uma medida urgente, nos termos em que é proposta, para evitar uma especulação que poderá perverter totalmente o projecto e, no fundo, retirar-lhe a valia que supostamente estaria na origem e o justificaria.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rosas.

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O Sr. Fernando Rosas (BE): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Srs. Deputados: Pessoalmente não escondo a relativa insatisfação que este debate me provoca. Gostaria de ver discutido, a propósito de Alqueva, o conjunto, a restruturação fundiária, a reconversão cultural e a defesa ambiental.
O Governo não quis apresentar os seus diplomas aqui, à Assembleia, para termos um pretexto para discutir, e, portanto, estamos…

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (José Magalhães): - Era o que faltava!

O Orador: - Não era o que faltava! O Governo não é obrigado a isso, mas o País ganhava, Sr. Secretário de Estado, e, assim, perdeu. O Governo decretou, a Assembleia não discutiu - discute apenas uma parte e é essa parte que estamos a discutir. Repito, ganhava o País.
Estamos a discutir a reestruturação fundiária e, relativamente a isto, gostaria de colocar duas questões, e até de recordar ao Partido Socialista o que é a tradição socialista acerca da questão da rega, que está aqui a ser escandalosamente abandonada com a posição face a este projecto de lei.
A discussão central da história da questão agrícola no Alentejo foi sempre o que fazer com a água que vai regar o Alentejo. Pergunto: a rega implica e exige ou não a divisão da terra como condição de rentabilização económica e social do uso da água? Esta é uma questão histórica. É a questão que Oliveira Martins apresentou no projecto de fomento rural, no fim do século XIX; é a questão que o Eng.º Ezequiel de Campos trouxe ao debate no País nos anos 20 e 30 com a sua obra em prole da divisão da terra com a rega. Oliveira Martins tinha a divisa: «regar, dividir, colonizar». Entendia-se que a rega implicava uma reestruturação fundiária para que as novas culturas pudessem ter uma outra rentabilidade. E não era só um projecto económico, era um projecto social, do ponto de vista de criar uma nova classe média rural que fosse o suporte social dessa nova economia que a rega implicava.
Há uma longa linha, e no Estado Novo houve uma corrente de técnicos agrários que defenderam este projecto, nomeadamente o Ministro Rafael Duque, e que se traduziu na lei de hidráulica agrícola, de 1937, que, como o Sr. Ministro sabe, era uma das leis mais violentamente expropriantes. Só que no Estado Novo a retórica, chamemo-lhe neofisiocrática, não passou de retórica, ou seja, o lobby da grande propriedade fundiária foi politicamente mais forte. Ainda que o próprio Salazar fosse simpatizante das ideias de regar e dividir, porque ele tem uma componente inicial de grande simpatia pelos projectos da rega e da divisão, politicamente ele cedeu sempre ao grande lobby da agricultura. E quando o Eng.º Castro Caldas tenta a última ofensiva do princípio dos anos 50 para aplicar as normas de regar para dividir, respondeu-lhe o Eng.º Pequito Rebelo - grande agrário do Sul, integralista e doutrinário - que nessas propostas de rega se inseria um princípio de socialismo hidráulico, ou seja, que a rega ia dividir a terra e acabar com a grande propriedade fundiária. Pequito Rebelo tinha razão, porque a rega, de alguma maneira, implicava necessariamente, para a rentabilização das novas culturas que pressupunha, para o novo tipo de exploração que implicava, um princípio de divisão.
Muitos doutrinários, até aos anos 50, pensavam que a rega dividiria espontaneamente a terra - é também o ponto de vista do Sr. Ministro da Agricultura. Todavia, considero que a história da questão agrícola em Portugal demonstra que a rega não divide espontaneamente a propriedade. Pelo contrário, o plano de rega do Alentejo, que se tentou nos anos 50 e se iniciou, não teve essa função, permitiu uma certa reconversão da grande exploração do Sul e até uma certa modernização, mas não teve o impacto económico e social da divisão que a rega se propunha a ter espontaneamente. O que significa que, sendo necessário e implicando a rega a divisão, a divisão da terra não é espontânea, tem de surgir por intervenção do Estado.
Este foi o projecto de homens como Henrique de Barros, Mário de Azevedo Gomes, como os grandes doutrinadores socialistas da questão agrária que os senhores esquecem com uma grande facilidade, ao «deitarem borda fora», e até por vezes de uma forma um pouco violenta, a ideia da divisão da terra, porque também nos anos 30 e 40 à ideia da divisão da terra se opôs sempre, por parte da própria democracia-cristã, a ideia da função social da propriedade. E eu ouço aqui, estarrecido, os socialistas defenderem o carácter sagrado da propriedade! Senhores, a tradição social cristã é a defesa da função social da propriedade.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - A propriedade tem uma função social, e, portanto, não é um bem absoluto; deve ser gerido de acordo com um interesse social.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Vejo, estarrecido, a bancada socialista surgir, hoje, como defensora do princípio absoluto da defesa da propriedade. Considero isso extraordinário!

Protestos do PS.

A água não divide espontaneamente, logo deve haver uma política do Estado que apoie as potencialidades de divisão da água. Neste sentido, apoiamos o projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português.
Seguramente, pode discutir-se se a regra dos 50 ha não é demasiado rígida. Também considero que deve admitir-se um princípio de divisão maleável, de acordo com as características das explorações, da terra e dos agricultores. Provavelmente estas regras gerais poderão ser menos razoáveis, mas também já vi o próprio Partido Comunista Português a admitir o princípio da discussão desta mesma regra.
Há é um problema de princípio relativamente à utilização da água, que este projecto contempla, e que, a meu ver, devíamos discutir a partir desse princípio.
Sr. Ministro, permita-me que lhe lembre o seguinte: já houve uma outra altura histórica no nosso país - e permita-me que esteja sempre a falar na história, pois é do que sei falar; do resto nada sei - de grande leilão de terras em Portugal (está ali o Sr. Deputado David Justino a olhar para mim, e ele sabe isto), que foi a venda dos bens nacionais. Por acaso o Estado, nessa altura, não pagou quaisquer indemnizações nem aos miguelistas nem às ordens…

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O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, já esgotou o tempo regimental, peço-lhe que termine.

O Orador: - Vou só terminar o meu raciocínio, Sr. Presidente.
Toda a gente julgava que essa venda de bens nacionais ia para os mais pequenos, que ia dividir. O Sr. Ministro sabe tão bem como eu que foi nessa venda de bens nacionais que esteve o fulcro do nascimento da moderna propriedade latifundiária.
Oxalá que o leilão do seu banco de terras não origine um fenómeno semelhante na actualidade.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gavino Paixão.

O Sr. Gavino Paixão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O agendamento potestativo do projecto de lei n.º 383/VIII, do Partido Comunista Português, sobre medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, permite a esta Câmara analisar com seriedade as medidas propostas por este diploma, assim como as medidas já apresentadas, sobre a mesma temática, pelo Governo.
Encaro este debate sem qualquer «poluição» ideológica, embora reconhecendo que o tema e as matérias abordadas possam ser encaradas como linhas divisórias entre esquerda e direita.
Não receando o debate ideológico, também não procurei no passado receios, medos, angústias ou frustrações que toldassem a procura das melhores soluções para o Alentejo e para o País em geral.
Ainda que sem garantias de financiamento por parte da União Europeia, o Governo do Eng.º Guterres tomou a decisão corajosa e firme de avançar com o empreendimento, deferindo-o como prioritário e estratégico não só para a região mas também para o País.
Ficou assim claro para os portugueses que foi o Governo do Partido Socialista que decidiu, inequivocamente, avançar com o empreendimento de Alqueva. Este é e será uma marca da governação do Eng.º Guterres e do Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A partir de 1996, as obras nunca mais pararam. Malgrado as dificuldades inerentes a um empreendimento desta dimensão, a determinação e a firmeza demonstradas em todo o processo permitem-nos, hoje, estar aqui a discutir soluções para um bom aproveitamento do regadio para potenciar o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva. Sem a barragem tal não seria possível!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Também agora, volvidos cinco anos sobre a decisão inicial, o Governo encarou todas as questões controversas com enorme determinação.
Na componente hidroagrícola, uma das vertentes do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva, as questões levantadas cedo foram envolvidas em polémica. Qual deverá ser o modelo de gestão? Qual deverá ser o preço da água? Como enquadrar o uso e posse da terra? Etc., etc.
As medidas apresentadas em Conselho de Ministros, de 3 de Setembro de 2001, em Alqueva, encaram frontalmente todas as questões e apresentam soluções justas, equilibradas, não discriminatórias e inovadoras.
Mais uma vez, o Governo apresentou, em tempo útil, medidas para a resolução de todas as questões controversas, sendo de destacar: a criação de um banco de terras; o direito de preferência a favor do Estado; o fundo de mobilização de terras; o novo modelo de gestão para os perímetros de rega; o dever de rega; e o preço da água
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Como já referi anteriormente, a componente agrícola é seguramente a mais importante de todas aquelas que compõem o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva. Projecto inovador e único no seio da União Europeia, Alqueva está acompanhado por um programa específico de desenvolvimento: o PEDIZA. A preocupação não foi apenas a da construção da barragem mas a de associar acções de desenvolvimento à sua área de intervenção. Divulgar as diversas potencialidades, formar os agricultores para as novas realidades e apoiar diversas acções fazem parte dos objectivos do PEDIZA.
Em suma, o traço mais significativo que une o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva e o PEDIZA é a relação que deriva do facto do empreendimento estar na origem e constituir a «espinha dorsal» das medidas e das acções constantes no PEDIZA, este enquanto instrumento financeiro por excelência para a concretização do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA).
Os desafios são enormes, mas motivadores. O empreendimento vai beneficiar com o regadio cerca de 110 000 ha, abrangendo os distritos de Évora, Beja e Setúbal. Para além da barragem de Alqueva, vão ser construídas 17 barragens intermédias, 17 canais a céu aberto, 18 estações elevatórias principais, 6 centrais hidroeléctricas, 96 depósitos de regularização, 96 estações elevatórias, 4400 km de condutas, 10 000 hidrantes, 1000 km de rede viária para servir as parcelas e explorações agrícolas e cerca de 1000 km de rede de drenagem.
Tal empreendimento vai certamente alterar profundamente o actual modelo cultural de sequeiro, assim como apoiar decisivamente o desenvolvimento daquela região. Por acaso, ou talvez não, Ferreira do Alentejo, concelho onde já existe regadio, foi o único no distrito de Beja, pelos últimos censos, a aumentar a sua população.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Alentejo está a mudar e as mudanças sempre assustaram o PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Defensores da construção da barragem, verdade seja dita, dá, no entanto, a sensação de recearem os seus efeitos.
O Empreendimento enquadra-se, permitam-me a expressão, na «jóia da coroa» do Partido Comunista Português. Por isso, quero acreditar que as deficiências do projecto de lei apresentado se devem mais a motivos afectivos do que a motivos políticos. Senão: como compreender que as medidas previstas no actual projecto de lei apenas determinam a reestruturação fundiária no perímetro de rega do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva? E o resto do País? E os milhares de hectares regados já existentes?
Como compreender, Srs. Deputados, a posição confusa sobre a dimensão máxima dos prédios, no seu artigo 3.º, ao estabelecer o limite máximo de 50 ha, e enquadram esta área da mesma forma no concelho de Mértola ou no concelho de Beja? É evidente que 50 ha em Mértola não é o

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mesmo que 50 ha em Beja ou em Moura. As cooperativas também não se enquadram nesta limitação dos 50 ha. Qual é a sua viabilidade?
Como compreender, Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, que no seu artigo 4.º, sobre expropriação, o PCP não tenha o rigor de calcular os custos dessas expropriações? Por quanto tempo vai prolongar-se o pagamento das indemnizações? É que, volvidos mais de 20 anos, o Governo ainda hoje está a pagar indemnizações aos expropriados, no valor de mais de 30 milhões de contos.
Estas são algumas das questões que este debate já esclareceu, ou vai esclarecer. No entanto, creio poder concluir que a afectividade e a pressa foram más conselheiras neste projecto de lei do Partido Comunista Português. Ao invés das medidas estruturadas e pensadas apresentadas pelo Governo, o documento, ora analisado, encontra-se cheio de dúvidas e contradições.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quanto ao PSD e ao PP, uns mais do que outros, é verdade, estão seguramente desejosos de que o presente debate termine rapidamente. Ao passar por Alqueva, muitos dos responsáveis do Partido Social Democrata devem corar, baixar a face, envergonhados pelos erros e omissões em todo este processo.

Vozes do PSD: - Ah!…

O Orador: - O PSD nunca quis Alqueva! Infelizmente, nunca o assumiu!

Protestos do PSD.

As promessas da campanha eleitoral de 1995 foram desmentidas meses mais tarde, quando a União Europeia afirmou não existir qualquer financiamento comunitário previsto para Alqueva.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Assim, não é de estranhar a ausência de propostas sociais-democratas; estão apenas a seguir o caminho que sempre seguiram.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acredito que as medidas apresentadas pelo Governo, para além da sua oportunidade, são abrangentes e enquadram-se no modelo de desenvolvimento que o Partido Socialista preconiza para o Alentejo em particular e para o País em geral.
Em tempo útil, sem rodeios, o Governo deu resposta aos principais problemas decorrentes da realização da obra: definiu não só o preço da água, mas fê-lo com estudos sustentados na viabilidade das diversas culturas; cria um banco de terras que integra, desde já, todo o património fundiário do Estado para posterior arrendamento e venda, dando prioridade a rendeiros e a jovens agricultores; aos prédios abrangidos por investimentos públicos é instituído o direito de preferência a favor do Estado; com sensatez e responsabilidade cria um fundo de mobilização de terras para custear as despesas com o direito de preferência; institui um novo modelo de gestão para os perímetros de rega, assim com o dever de rega e respectivo quadro sancionatório; redefiniu também o quadro de competências da EDIA e o modelo de financiamento do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As medidas estruturadas e pensadas permitem dar mais um passo significativo num dos pilares do desenvolvimento daquela região. Paulatinamente, o Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva vai produzindo os seus frutos. Associações empresariais, associações de agricultores, associações de desenvolvimento rural e população em geral, todas estão cientes das dificuldades inerentes a um empreendimento desta envergadura, mas revelam enorme determinação na concretização daquilo que para muitos era apenas um sonho.
O Governo liderado por o Eng.º António Guterres tornou o sonho numa realidade. O Alentejo e o País reconhecem!

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lino de Carvalho pode acreditar que, quanto às afirmações do ex-Secretário de Estado das Finanças, nunca me passará pela cabeça organizar um projecto de lei para lhe reduzirmos o escritório a 50 m2, de maneira que já estamos entendidos quanto a isto, embora a opinião dele seja tão diversa da minha.
A verdade é que, neste momento, há uma certa unidade da esquerda mais radical quanto à já mítica questão da extensão da propriedade rural, mesmo que bem explorada, uma vez que - o Deputado Lino de Carvalho acentuou este aspecto, e não sem razão - há ou não viabilidade, conforme a extensão da propriedade. No entanto, também todos sabemos que tudo isso depende dos meios e da liquidez de que o empresário dispõe para que uma propriedade de certas dimensões possa ser bem ou mal explorada. Há, aliás, vários casos em Portugal, que se podem apresentar.
Mas a verdade é que 25 anos depois de acções militarizadas, em que se repetiu, enfim, o velho modelo leninista da ocupação da terra que lançaram o País numa revolução agrária cujas consequências ainda hoje sentimos - é um caso histórico e não tenho agruras especiais a seu respeito, limitando-me a registá-lo, como qualquer pessoa que viveu momentos difíceis, como, por exemplo, a guerra, o terrorismo ou outras situações deste tipo -, chegou o momento de a esquerda parlamentar dar mais um passo para esse imperativo, constitucional, no fundo, da eliminação dos chamados latifúndios.
Nunca ninguém disse o que é um latifúndio. Plínio, o Velho, dizia latifundia Italiam perdidere, ou seja, «os latifúndios perderam a nossa Itália», e, de facto, devido ao excesso de pastagens, eles estavam bastante inférteis.
De qualquer forma - perdoem-me a comparação histórica, mas não resisto a fazê-la -, ao contrário do processo soviético que, após pequenas hesitações, consagrou a militarização da agricultura no modelo do grande latifúndio colectivo consubstanciado nos kolkhoz, equivalentes às nossas unidades colectivas de produção (UCP), e nos sovkhoz, representados pelos antigos e actuais latifúndios estatais, sentimos que, sob o pretexto de Alqueva, se fez

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recuar esse processo ao se criar uma espécie de nova política económica (NEP), na qual Lenine nunca acreditou, mas aceitou, com a sua infinita sabedoria e o seu inteligente pragmatismo, antes de, finalmente, ordenar a descolectização, ou seja, a eliminação dos camponeses ricos, cuja mentalidade, como ele diz na correspondência, dificilmente se conformaria com as directivas do partido.
Estamos certos de que este último passo dificilmente se dará em Portugal, uma vez que, graças a Deus, estamos incluídos na União Europeia.
No entanto, de acordo com o moderno e visionário artigo 94.º da Constituição nacional, que se refere à eliminação dos latifúndios, estes devem ser expropriados desde que «(…) tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objectivos da política agrícola (…)».
Devo dizer que, dentro da política agrícola portuguesa, há pouca política agrícola definida, pelo que não sei como é que, neste momento, se excede uma política agrícola que, do ponto de vista da dimensão, não está definida e também não vejo que haja, neste momento, uma política agrícola verdadeiramente nacional, uma vez que ela está muito enformada pelas directivas da política agrícola comum.
Foi, pois, animado pelo ideário constitucional e, certamente, presume-se, pela promessa que o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas vem fazendo desde há quatro anos, no sentido de que as indemnizações da reforma agrária estarão finalmente concluídas, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português aproveitou inteligentemente esta oportunidade para, de forma mais dulcificada (propõem indemnizações - imaginem onde se chegou! Que desgraça!), abrir o caminho para a sociedade socialista.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já constavam dos decretos de 1974 e 1975!

O Orador: - Apresentou, por isso, este projecto de lei com a finalidade de promover uma reestruturação fundiária na área de intervenção de Alqueva, utilizando uma argumentação que me chocou pela tolerância pouco habitual, chegando a envergar a sotaina de púrpura eclesiástica, ao citar os ditos da Comissão Diocesana da Justiça e Paz de Évora, para, depois, justificar um conjunto de medidas que parte deste singelo e eclesiástico anátema: «ninguém, seja pessoa singular ou colectiva privada, pode ser proprietário ou explorar, na zona abrangida (…) área de terra que exceda os 50 ha de regadio». Anathema sit, diziam os antigos teólogos.
Sub-repticiamente, o que sentimos? Sentimos que, nessas zonas abrangidas, se esconde a existência de uma extensão considerável de área já regada, de gente que não esteve à espera de Alqueva para investir centenas de milhar de contos - todos o sabemos e o Deputado Lino de Carvalho também sabe, pois já conhece algumas dessas explorações de portugueses e estrangeiros.
Como tal, o PCP propõe que fiquem sujeitos à expropriação, através de declaração de utilidade pública, todos os prédios que tenham dimensão excessiva, o que, de certa maneira, também contraria o artigo 94.º da Constituição. Não vou aqui esgrimir com artigos, porque, de facto, isso é obra de juristas, que muitas vezes não conseguem resolver os problemas, mas esgrimem muito. De qualquer maneira, o PCP propõe que sejam expropriados os prédios que excedam o que é previsto pelas determinações de uma lei de política agrária.
Ficamos todos a saber que, a partir de agora, a utilidade pública depende da dimensão da propriedade, o que é uma inovação de certa maneira inconstitucional.
Mas, como a argumentação que o Partido Comunista Português sustenta na exposição de motivos deste diploma (embora alguns desses motivos me pareçam perfeitamente justificados) ultrapassa já a dialéctica do campesinato oprimido e do grande agrário explorador e a motivação da proposta já não é só de ideologia mas procura igualmente dar um teor prático à exposição, também gostaria de responder com alguns argumentos de ordem prática ligados à viabilização da agricultura alentejana perante a difícil prova a que uma disponibilidade de água a submeterá, porque a água vai, de facto, alterá-la.
Diz o Dr. Fernando Rosas, e com alguma razão, que a água, por si só, não divide; mas eu diria que água, por si só ou por outros factores, divide bastante. E digo isto porque o investimento necessário para, neste momento, se fazer 1 ha de regadio, já que, tendo em conta o preço da água, ele terá de ser extremamente aperfeiçoado, não permitindo perdas de água, é 20 ou 30 vezes superior ao necessário para qualquer investimento que se possa fazer em sequeiro. Como tal, duvido que quem tenha terras naquela zona não seja obrigado a vender…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - … e, portanto, que a dimensão da propriedade não venha a ser reduzida.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E quem compra?

O Orador: - É evidente que, neste caso, admito que se tomem medidas que regulem as transacções que possam vir a ser feitas. E daí eu também concordar que uma lei de ordenamento é extremamente importante, mas uma lei de ordenamento que, pela corrupção, não seja corrompida. E é evidente que isto vai ser extremamente difícil de defender dos «dentes aguçados» de quem quer fazer uns dinheiros à custa do betão ou da terra que cada um deseja.
Se repararem, já houve experiências de reformas agrárias, e não só no mundo comunista - o Mezzogiorno italiano sofreu uma reforma agrária radical, com Benito Mussolini, e, quando se fez o regadio de Badajoz, Franco dividiu toda aquela zona em quadriculado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Isso é verdade!

O Orador: - Agradecia que fossem a essas zonas para verem qual tem sido a evolução, e a verdade é que, pouco a pouco, se tem feito uma aglomeração de parcelas dividas no tempo de Franco, uma vez que se chegou à conclusão de que, em economia de escala, a pequena dimensão já não era rentável.
O que me impressiona é o facto de se estabelecer, para Alqueva, o anátema dos 50 ha e não se pensar no resto do País, onde as pessoas poderão dispor de áreas de regadio muito maiores. Compreendo que não o façam, por isso poder levantar o pânico e quase uma revolução numa parte importante da sociedade portuguesa, mas preocupa-me ainda mais saber que há, em Portugal, neste momento, centenas de milhar de hectares por cultivar, e não só no Alentejo.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

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O Orador: - Quem for à Beira Interior verá centenas de hectares por cultivar junto à raia, não estão florestados, não têm coutos de caça (associativos ou privados, não interessa), não têm qualquer forma de rendimento; estão abandonados. Na zona do Dão, uma parte da vinha está abandonada. Os jovens agricultores limitam-se, muitas vezes, a fazer os seus cursos, para depois irem para outras actividades que não a da agricultura. É um espectáculo assustador de um país que votou a agricultura ao abandono.
Em geral, as atenções concentram-se sobre o Alentejo, sobre os alentejanos, quando me parece que, apesar de tudo, o Alentejo está, em muitos aspectos, mais bem aproveitado do que outras zonas do País. Vão à Beira e depois digam-me qualquer coisa!

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Assim, seria fundamental assumirmos uma posição de protecção da zona agrícola. Na raia de Espanha, uma das zonas mais pobres da Península, as alfarrobeiras mesmo velhas são tratadas, os olivais antigos são regados, as terras aparecem tratadas e limpas de erva. O que é que se passa lá? Por que é que não se passa o mesmo cá? É que se estabeleceu - e é isto que é preciso saber - que o desenvolvimento de uma raia ou de uma zona pobre não se faz só com a agricultura, faz-se, sim, com a agricultura e com as pequenas e médias empresas que se ajudaram a constituir. Por isso, neste momento, a Estremadura, que era uma das zonas mais pobres da Europa, já apresenta um aspecto totalmente diferente daquele que conheci há umas décadas, quando eu era novo.
Como tal, julgo ser importante que nos preocupemos com a realidade fundiária, que tomemos algumas medidas no que respeita à protecção da economia portuguesa, que desenvolvamos indústrias agro-alimentares, mas também outras, e que evitemos, a todo o custo, que aqueles 25 000 ha de lago se tornem numa hedionda Quarteira, de que todos nos envergonharíamos!

Aplausos do CDS-PP.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Ramos.

A Sr.ª Maria do Céu Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitam-me que comece poeticamente: «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/Muda-se o ser, muda-se a confiança;/Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,/Diferentes em tudo da esperança;/Do mal ficam as mágoas na lembrança,/E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,/Que já coberto foi de neve fria,/E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,/Outra mudança faz de mor espanto:/Que já não se muda como soía.»
Poderão alguns dos Srs. Deputados pensar que a leitura deste conhecido, e reconhecido, soneto de Camões nada tem a ver com o debate de hoje ou até que a sua evocação é uma chamada de atenção ao Governo a propósito da pretendida alteração curricular do ensino secundário, visando reduzir a profundidade e a extensão do estudo do autor maior da poesia portuguesa. Nada disso.
Este soneto demonstra, simplesmente, que a lírica de Camões, apesar do seu universalismo, nem sempre traduz verdades universais e, por outro lado, mostra bem que Camões não conhecia o Partido Comunista Português.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sabe-se lá!

A Oradora: - Se assim fora, o soneto só poderia começar por «Mudam-se os tempos, não muda nunca a vontade,».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A iniciativa legislativa do Partido Comunista Português, que hoje discutimos, é um fruto renovado da mesma vontade que, em 1975, levou por diante um processo revolucionário a que se chamou «reforma agrária».
Apesar da mudança dos tempos, na ordem política interna e na ordem política internacional, apesar das sucessivas revisões da Constituição, apesar do longo caminho legislativo e jurídico-administrativo, percorrido a partir da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, que mereceu aos revolucionários o epíteto de «contra-reforma agrária», apesar do custo social, político e económico que o País pagou pela reforma agrária, apesar dos pesares, o Partido Comunista Português permanece igual a si mesmo e com uma única, firme e determinada vontade que remonta a esse tempo histórico.

O Sr. Honório Novo (PCP): - Isso é verdade!

A Oradora: - Gostaria de deixar claro, pela minha parte, o respeito democrático que tenho pelo PCP e o apreço pela coerência que revela nos valores e na acção.
Sem prejuízo das considerações políticas, que mantenho, sobre os enormes custos para Portugal do longo e penoso processo da reforma agrária, que ainda subsistem, considero, como o poeta, que «Do mal ficam…» apenas «… as mágoas na lembrança».
Mas a verdade é que o Partido Comunista Português, fiel a si próprio, insiste em promover uma espécie de nova reforma agrária; nova não nos princípios, nos valores ou nos objectivos mas apenas na forma, agora mais adocicada e arredondada, mais consentânea com estes novos tempos.
Há mais de 25 anos, tivemos uma reforma agrária, no terreno, um processo que, como diz o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 406-A/75, de 29 de Julho, «não pode, nem deve, brotar unilateralmente do Estado: têm de nascer, (…) em larga medida, das iniciativas e das lutas locais, da vontade das assembleias que, pelo campo fora, de aldeia em aldeia, forem assinalando o controlo do processo produtivo pelas classes trabalhadoras.»
Hoje, propõem-nos «(…) um processo de reestruturação fundiária que, promovendo o acesso à terra daqueles que dela estão despossuídos, é vital para a atracção e fixação das populações e de novos activos combatendo a desertificação e para a criação de empresas agrícolas que permitam o aproveitamento eficiente dos recursos» no perímetro de rega de Alqueva, como consta do preâmbulo do projecto de lei em apreço.

Protestos do Deputado do PCP Rodeia Machado.

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A grande diferença está em que a primeira reforma agrária foi merecidamente apodada de «tractorista», enquanto que a que hoje nos é proposta é uma reforma agrária de «colarinho branco», com todos os cuidados de imagem e de lei, por forma a que se adeqúe ao momento político e social que vivemos.
Mas a verdade é que o projecto de lei do PCP, visto mais de perto, põe em causa, hoje, como há 25 anos, o valor da propriedade privada e os direitos individuais dela decorrentes. Poderíamos mesmo dizer que, salvaguardadas as devidas distâncias, particularmente de carácter semântico, «assentaria como uma luva» no intróito deste projecto de lei do PCP o que consta da parte equivalente do famoso Decreto-Lei n.º 406-A/75, no passo em que afirma «Os dispositivos legais contidos no presente diploma constituem apenas um quadro geral de ataque à grande propriedade e à grande exploração capitalista da terra. (…) Enquanto momento estatal, deve sublinhar-se ainda o carácter deliberadamente parcelar do presente diploma, já que se limita, praticamente, a prever e regular o processo de desapossamento da grande propriedade da terra e da grande exploração capitalista (…)».
À luz da coerência e persistência comunista, é fácil de compreender este projecto de lei, mas esta compreensão torna-se ainda mais fácil se tivermos em linha de conta que o PCP joga aqui boa parte da sua sobrevivência, tentando dramaticamente recuperar «bandeiras perdidas» e reencontrar uma causa partidária que lhe dê novo fôlego e novo alento.

Protestos do Deputado do PCP Rodeia Machado.

Mas se é fácil compreender tudo isto, não é fácil aceitar. Mais: quanto melhor se compreende mais inaceitável se torna.
Para o PSD o presente projecto de lei é absolutamente inaceitável.
Não temos uma visão sacralizada da propriedade; defendemos que a terra tem uma função social e aceitamos claramente os limites de interesse e utilidade pública que lhe são apostos na lei na e Constituição. Mas não podemos aceitar que, de uma penada, talhando a direito, se expropriem milhares de hectares, sem reconhecer que o interesse público pode ser prosseguido sem sacrifício dos interesses e dos direitos individuais.
O projecto de lei do PCP, para cúmulo, usa o expediente da declaração de utilidade pública de urgência para passar por cima de algumas das garantias jurídicas e legais dos particulares, e para se assegurar de que o Estado não terá de promover, previamente, outras formas de aquisição.
Cumpre ainda dizer, que não nos opomos à ideia, por si só, da existência de um banco de terras que está, aliás, prevista na Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário, a Lei n.º 86/95, de 1 de Setembro. Não podemos é aceitar que se avance para a sua criação sem saber previamente: primeiro, qual é a área de que o Estado dispõe, efectivamente, no perímetro de Alqueva, para afectar a este banco de terras; segundo, quantos são os agricultores credenciados pela sua competência técnica, para a exploração de empresas agrícolas com níveis de produtividade e rendimento adequado, realmente interessados na aquisição de terra dentro deste perímetro; terceiro, que meios alternativos à expropriação foram efectivamente equacionados, em ordem à aquisição de terras para a criação do referido banco de terras. A responsabilidade é, nesta matéria, cometimento do Governo que revela não ter respostas nem estar preparado para encarar o problema, criando alternativas reais ao projecto de lei do Partido Comunista Português.
O debate de hoje é centrado nas medidas de reestruturação fundiária, mas a Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário prevê, a par do banco de terras, medidas como o emparcelamento. Interessaria saber se o Partido Comunista Português, sabendo - com certeza, sabe! - que cerca de 30% do perímetro de rega de Alqueva é integrado por prédios com áreas entre os 0 e os 20 ha, encara, para estes prédios, o emparcelamento, já que está de facto, como alega, apenas interessado na produtividade e na rentabilidade das explorações agrícolas, para as quais decidiu que a medida adequada seria a de 50 ha.
Interessaria igualmente saber se o Partido Comunista sabe que cerca de 60% dos 110 000 ha de área a beneficiar pelo Alqueva é composta por prédios com área superior a 50 ha. Qual será a estrutura e o custo financeiro desta operação massiva de expropriação? Srs. Deputados, 70 000 ha é muita terra! 70 000 ha é um custo financeiro muito elevado para esta operação.
Mas o Partido Comunista Português também sabe que os 70 000 ha que ficariam sujeitos à expropriação representam, divididos em explorações com a área máxima de 50 ha, a necessidade de encontrarmos 1400 novos agricultores que ali fixassem as suas explorações.
A minha maior preocupação, em relação ao Alentejo, passa pela sua desertificação. Mas será que poderemos encontrar de facto 1400 agricultores que queiram fixar-se no perímetro de rega de Alqueva?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a distância que nos separa do projecto de lei do PCP é abissal, situa-se no plano dos princípios, como no campo da prática política. Não renunciaremos, nunca, à nossa matriz de valores, em que se inscreve o respeito pela propriedade privada, como um entre outros direitos individuais. Não desistiremos, nunca, do desenvolvimento económico do País, designadamente da modernização do sector agrícola e do desenvolvimento global do Alentejo. Mas além disto, não permitiremos, nunca, que, em nome de valores superiores, em que não nos revemos, ou do desenvolvimento agrícola ou do desenvolvimento económico de uma região ou do País, alguns queiram apenas fazer um manifesto de sobrevivência política, buscando novas causas partidárias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr.ª Deputada, é sempre bom ouvir ler Camões aqui, na Assembleia da República, mas, se não me leva a mal, o último verso do soneto que leu é «Que não se muda já como soía» - o «já» estava fora de sítio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: A discussão que, em boa hora, somos hoje convocados a fazer, incide sobre um dos eixos prioritários de qualquer política agrícola nacional, em concreto, a água.
Para o PCP, a política da água para fins agrícolas em Portugal é o Alqueva. Para nós, é o Alqueva, mas não só: é todo o País.

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O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Durante muitos anos, o País não deu a este sector a prioridade devida e as consequências são, por demais, conhecidas, particularmente, em anos de grande seca, como na campanha agrícola 1999/2000.
É bom lembrar que, na última década, registaram-se seis anos de seca. O País precisa, pois, de ter capacidade de armazenagem de água, nos anos em que esta existe em abundância, para a poder distribuir em anos de elevada escassez.
A boa execução deste objectivo nacional é, pois, essencial para tornar a agricultura portuguesa mais diversificada, produtiva e competitiva no quadro da PAC, que não nos serve, mas aproveitando as novas oportunidades decorrentes da Agenda 2000.

O Sr. António Martinho (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - É neste objectivo e neste contexto enquadrador que se justifica plenamente o maior investimento hidroagrícola alguma vez efectuado no nosso País, a barragem do Alqueva.
Até 2006, a EDIA - Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas de Alqueva, S.A., prevê construir mais de 26 000 ha, os quais correspondem só a um terço do total da área agrícola de regadio que se construirá no País, em igual período. Ou seja, aos 26 000 ha do Alqueva devemos acrescentar mais de 40 000 ha de outros regadios a construir no País, no quadro de uma estratégia definida pelo Governo.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quem vem centrar toda a discussão da política da água, para fins agrícolas, apenas e só no Alqueva está a omitir, porventura por desconhecimento, os regadios, todos eles importantes, que se fizeram e se estão a fazer, e é preciso que se continue a construir, em todo o País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, e bem, do nosso ponto de vista, não podia fazer de outro modo: tem uma política de regadio para todo o País, seja no Alentejo, na Beira ou no Algarve. O bom uso da água e da terra, na procura de uma maior e melhor produtividade agrícola, não é um objectivo diferente entre as regiões, são regras claras para todas aquelas que estão definidas, para todos e para todo o País. Assim, o banco de terras é para todo o País e o dever de rega também é para todo o País - só o PCP parece que não o entende assim, porventura, por estarmos em ano de eleições autárquicas.

Risos do PCP.

O Alqueva é, para nós, inquestionavelmente «a jóia da coroa» do pilar da água da política agrícola nacional. Mas o Alqueva, sendo o maior regadio do País, representa apenas, repito, um terço do investimento global nacional em aproveitamentos hidroagrícolas. É bom dizê-lo, porque parece haver quem o desconheça!
Para o comprovar, gostaria de hoje deixar registado que, no País, estão em curso, até 2006, 40 pequenos regadios colectivos com menos de 500 ha. É preciso continuar a conclusão de grandes regadios históricos, há décadas à espera, como os do Mondego, da Cova da Beira, da Lezíria, do Barlavento Algarvio. Será que se esqueceram destas prioridades, dos nossos regadios?!

Protestos do Deputado do PCP Rodeia Machado.

É preciso construir quatro novos regadios médios, de 1500 a 1800 ha cada - Xévora, Minutos, Pinheiro Grande, Carregueira e Vale da Vilariça -, o regadio do Pisão Crato, de 3200 ha, e o Alqueva, que, com os seus cinco blocos, tem 26 200 ha. No total, é preciso construir, nestes próximos cinco anos, até 2006, mais de 70 000 ha.
Estamos perante investimentos públicos e privados, financiados através do QCA III, a uma média anual de 10 350 ha/ano. Significa isto que, se fizermos a comparação objectiva com a primeira metade da década de 1990, este Governo tem uma execução, em concreto, 10 vezes superior à do último governo do PSD.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

Protestos do PSD.

O Orador: - Depois de muitas indefinições e alguns fracassos, depois de décadas de total ineficácia, o País assiste ao avanço claro e irreversível de um conjunto vasto de obras de engenharia civil, de novos e de recuperação de velhos regadios, que contribuirá para aumentar a capacidade de armazenagem de água, potenciando a capacidade produtiva da agricultura nacional.
Então, sim, estaremos em condições de cumprir um objectivo essencial: evitar a desertificação do mundo rural, fixando os jovens, promovendo os produtos regionais e as especificidades regionais, fomentando aquilo que, hoje, aqui foi dito por todas as bancadas, que é consolidar a função social da propriedade agrícola e da agricultura nacional. E estamos em crer que, com estes investimentos que saíram da gaveta, com estas obras a que o Governo lançou mãos, com regras que são para todos e para todo o País, estamos em condições de continuar a concretizar, todos os dias, uma melhor e mais justa agricultura portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estamos na hora regimental de votações, mas vamos concluir o debate deste diploma, a que se seguirá, aliás, também, a sua votação. Portanto, a partir deste momento, vou ser muito estrito no cumprimento dos tempos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que este debate demonstrou, com toda a clareza, que não existem alternativas à política de regadios do Governo.
Ficou claramente demonstrado que o projecto de lei que foi apresentado pelo PCP, única iniciativa, aliás, que esteve aqui em discussão, é um diploma totalmente descontextualizado no espaço e no tempo e que não resolveria nenhum dos problemas da agricultura portuguesa, pelo contrário, agravá-los-ia drasticamente.

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Ficou também patente, da parte dos demais partidos da oposição, a incapacidade de apresentar qualquer proposta alternativa ou até de sugerir pistas para uma reflexão serena…

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Serena?!

O Orador: - … e aprofundada à volta deste problema, à excepção, eventualmente, do Sr. Deputado Fernando Rosas, que, com simpatia, saúdo e a quem gostaria de esclarecer um facto, aproveitando esta oportunidade. O Sr. Deputado citou Oliveira Martins, dizendo «regar, dividir, colonizar» e ele disse-o no contexto do século XIX, quando a regra era feita por gravidade e cada hectare ocupava dois trabalhadores. Hoje, não se rega assim, em Alqueva não se vai regar dessa forma e, por isso, refuto, em absoluto, a insinuação ou até a acusação que fez, manifestando estupefacção pelo facto de o PS ter aparecido aqui a defender intransigentemente o princípio absoluto da propriedade. Como pode ter produzido essa afirmação, quando apresentei, e o Governo aprovou-a em 3 de Setembro, legislação onde consta a taxa de conservação, onde está instituído o dever de rega, onde foram concebidas coimas, e coimas pesadas, para penalizar quem não der bom uso à terra, admitindo ir até à própria expropriação, e onde se institui um direito de preferência para intervir moderadamente no mercado da terra. Ora, se isto é o respeito absoluto pela propriedade, então, não sei exactamente o que isso será!

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Causou-me também alguma estranheza o Sr. Deputado Rosado Fernandes ter referido que desconhece qual é a política agrícola nacional. É que ela tem sido dita e redita até à exaustão!
Dois pilares: água e regadio e floresta. Quanto à agua, temos o mais ambicioso plano de regadios de sempre: 10 000 ha/ano, em média.
Quanto às florestas, temos um quadro comunitário de apoio que triplica o anterior: seis ou sete prioridades sectoriais - vinha, olival, horticultura, fruticultura, pecuária extensiva, produtos tradicionais de qualidade.
O que nunca ouvi foi um partido da oposição, designadamente o CDS-PP, dizer qual é a sua política agrícola nacional, se discorda destes pilares estratégicos, se discorda destas prioridades e o que é que apresenta em alternativa.
Portanto, ficou claríssimo que o Governo tem um rumo, tem uma estratégia clara, tem um conjunto de instrumentos de política, tem um envelope financeiro que permite concretizar essa política até 2006, num quadro até para além do espaço temporal do actual Governo, e que, em face deste projecto para a agricultura portuguesa, em Alqueva e fora de Alqueva, não existem alternativas políticas em Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estão inscritos dois Srs. Deputados a quem quero pedir, antecipadamente, que sejam breves, uma vez que serão os únicos a intervir. Caso contrário, interromperei as intervenções e procederemos, em primeiro lugar, às votações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, não ignorávamos que, quando trouxemos esta questão sensível, mas central, para o efectivo aproveitamento da valia agrícola de Alqueva, haveria uma linha divisória nesta Assembleia, aliás, uma linha divisória que não é coincidente com a linha de convergência que, no plano social e no plano político, se percebe e está concretizada nos milhares de assinaturas que o abaixo assinado em favor de uma reestruturação fundiária de Alqueva trouxe a esta Assembleia, mas uma linha divisória aqui, no plano político parlamentar, entre, por um lado, o CDS-PP e o bloco central, em defesa do direito absoluto da propriedade fundiária, e, por outro, a esquerda parlamentar, que vê na necessidade de reorganização fundiária um instrumento indispensável para que Alqueva não seja uma frustração para os alentejanos e para o País.
Alguns Srs. Deputados, particularmente do PS e do PSD, pelas piores razões - e, portanto, não incluo, nesse caso, a intervenção do Sr. Deputado Fernando Rosas -, decidiram convocar a História. Se calhar, não é este o momento nem o local apropriado para a discutir e para afirmar que os resultados de 1974/75 não se prolongaram no tempo, porque essa experiência, entretanto, foi destruída. Mas, já que convocaram a História, permitam-me que também a convoque, à luz dos vossos programas e dos vossos comunicados de 1974/75. É que tanto o Programa do PSD como o Programa do Partido Socialista, bem como os comunicados emitidos, nessa altura, no processo da reforma agrária, eram programas e comunicados altamente elogiosos e reivindicativos do processo de reforma agrária que, então, se fez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Srs. Deputados, quando se convoca a História, já agora, convoque-se toda, incluindo a vossa contribuição neste processo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, procurámos fazer aqui um debate sereno e não um debate que enveredasse pelo estilo agitado do Sr. Ministro, porque entendemos que a questão é de facto séria e que merece um debate sério, sem prejuízo das nossas diferenças neste terreno.
De facto, não fui a Ferreira do Alentejo acompanhar a visita mediática e nervosa, no âmbito das iniciativas que o Sr. Ministro tem feito. Não fui a Ferreira do Alentejo, Sr. Ministro, como também não o fui acompanhar no percurso pedestre…

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - … que o Sr. Ministro decidiu fazer, enquanto membro do Governo - e não sei se também enquanto candidato à Assembleia Municipal de Évora -, pelas ruas da cidade de Évora no dia sem carros. E não sei se de charrete e de burro!…

Risos e aplausos do PCP.

Protestos do PS.

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Diz o Sr. Ministro e disseram os nossos adversários: enfim, por que é que se intervém ali e não se intervém na Idanha, não se intervém em outras zonas? É que, na Idanha, Srs. Deputados e Sr. Ministro, a área média das explorações é de 7 ha, como é de 4 ha no Norte e de 3 ha em Entre Douro e Minho. E é também por esta razão, embora não seja só por esta, Sr. Deputado Rosado Fernandes, que aí existe um problema de desertificação e de abandono dos solos. Aí, era necessário um processo de associativismo e uma reconversão de tipo diferente, com respeito pelos direitos de propriedade do pequeno agricultor. Agora, Sr. Ministro, no Alentejo, na zona do Alentejo, a área média das explorações é 8 ou 9 vezes superior.

O Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas: - Mas é de quanto?!

O Orador: - Portanto, é aí que o problema se coloca! É aí que se coloca a necessidade de uma intervenção fundiária!
Acresce que me espantou não ter visto ninguém preocupado com a apropriação das mais-valias do investimento público de 350 a 400 milhões de contos.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Como é que essas mais-valias são apropriadas? A favor de proprietários que legitimamente têm lá as suas terras, mas que vão vê-las valorizadas sem investirem um tostão seu?! Aliás, já estão a vê-las valorizadas! E o Sr. Deputado Rosado Fernandes, neste aspecto, foi muito claro: reconheceu que os actuais empresários agrícolas e proprietários no Alentejo não têm capacidade de investimento para este projecto de regadio e, portanto, a finalidade será vender. Disse o Sr. Deputado Rosado Fernandes e estou de acordo! Mas vender a quem, Sr. Deputado Rosado Fernandes? Quem compra, Sr. Deputado? Vão ser os interesses agro-alimentares espanhóis, por exemplo, e não nacionais? Vão ser outros grandes interesses financeiros?
O problema continua a subsistir: desse modo, não se faz um processo de reestruturação que mobilize, na região, e para a região, aqueles que podem vir a construir empresas, explorações agrícolas modernas, novas, que permitam aproveitar os frutos de Alqueva e fazer, de facto, do Alentejo um instrumento do desenvolvimento da agricultura. Esta é a questão, Sr. Deputado Rosado Fernandes! E, por conseguinte, podemos correr o risco de entregar esta área aos grandes interesses do agroturismo ou da agricultura, com recurso a mão-de-obra imigrante, com depredação dos solos e do ambiente. E é isto que não queremos, Sr. Deputado! Nós queremos, efectivamente, insistir na necessidade de que Alqueva seja, ele também, um instrumento de repovoamento do Alentejo!
O Sr. Ministro e o PS vêm aqui dizer que, com eles, vem o paraíso para o Alentejo. Mas, Srs. Deputados, se o paraíso é tão grande, por que é que o produto regional agrícola tem vindo a baixar?! Por que é que continua a existir uma fortíssima desertificação e hemorragia humanas e a fuga do Alentejo, designadamente da população activa agrícola?! Só isto é a demonstração que, de facto, entre as palavras, a propaganda e a realidade vai uma enorme distância!
Quanto custam as expropriações? Ó Srs. Deputados!… Então, e quanto têm custado as indemnizações que têm sido pagas?!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o tempo de que dispunha. Faça favor de concluir.

O Orador: - E o que este processo traz, em termos de desenvolvimento e de criação de emprego no Alentejo?! Aliás, a nossa solução não é substancialmente diferente…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, faça o favor de concluir.

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, para terminar, à laia de conclusão,…

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Ó Sr. Deputado…

O Orador: - … trouxemos a esta Casa um debate sério e incontornável e, obviamente, neste momento, cada um de nós, com o seu voto, irá assumir as responsabilidades históricas perante o mesmo.
Nós assumimos as nossas! Cada grupo parlamentar assuma as suas!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rosado Fernandes.

O Sr. Rosado Fernandes (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas responder ao Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, pelo que serei breve.
Entendo que as coordenadas que escolheu para a política agrícola estão certas.

O Sr. António Martinho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Apostou em alguns programas mediterrânicos, mas parece-me que falta, digamos, todo um empenho. Sei que não consegue ordenar toda a máquina administrativa do Estado e é este o ponto fraco da coisa, é este aspecto que falha. Portanto, se os institutos científicos funcionassem, se, de facto, todas aquelas zonas agrárias também funcionassem bem, esse seria um bom programa. No entanto, é a parte humana que falha e não a arquitectura da política em si.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, estando terminado o debate do projecto de lei n.º 383/VIII, o Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo do direito potestativo previsto no n.º 6 do artigo 62.º do Regimento, requereu a sua imediata votação na generalidade.
Assim sendo, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 383/VIII - Medidas de reestruturação fundiária na área de intervenção do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PCP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, temos, agora de passar à apreciação e votação do voto n.º 157/VIII - De congratulação pela

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forma como decorreram as eleições para a primeira Assembleia Constituinte em Timor-Leste, realizadas a 30 de Agosto (PS, PSD, PCP, CDS-PP, Os Verdes e BE). É-nos sugerido pelo Presidente da Comissão Eventual para Acompanhamento da situação em Timor-Leste que a votação se faça sem prévia discussão ou quaisquer declarações de voto posteriores.
Assim, se estiverem de acordo, procederemos de imediato à votação deste voto.

Pausa.

Srs. Deputados, visto não haver objecções, vamos proceder à votação do voto n.º 157/VIII.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

Voto n.º 157/VIII
De congratulação pela forma como decorreram as eleições para a primeira Assembleia Constituinte em Timor-Leste, realizadas a 30 de Agosto

A Assembleia da República de Portugal, reunida em plenário no início dos trabalhos da 3.ª Sessão Legislativa da VIII Legislatura:
1 - Congratula-se e felicita o povo de Timor-Leste pela forma exemplar de civismo, dignidade e determinação como participou na eleição da sua primeira Assembleia Constituinte, em 30 de Agosto, numa afluência às urnas que rondou os 91% de eleitores;
2 - Saúda todos os que durante 25 anos lutaram com esperança para a autodeterminação e independência de Timor-Leste e pela defesa dos Direitos do Homem no território, em especial as FALINTIL, o líder histórico Xanana Gusmão e a Igreja Católica timorense;
3 - Regozija-se com o ambiente pacífico e de sã convivência democrática como a população em geral e os membros dos vários partidos em particular viveram o processo de contagem de votos;
4 - Felicita todos os dirigentes partidários timorenses pela maturidade política que evidenciaram ao longo de todo o processo eleitoral e apela a todos para que continuem a pugnar pelo cumprimento do Pacto de Unidade Nacional;
5 - Felicita igualmente os dirigentes da FRETILIN, na pessoa do Ministro-Chefe do novo governo de transição, Dr. Mari Alkatiri, pela vitória alcançada no acto eleitoral de 30 de Agosto e exorta-os a trabalharem em conjunto com os demais partidos políticos por forma a que todos os timorenses se revejam na Constituição que há-de reger o seu futuro de homens livres e independentes;
6 - Congratula-se com o modo sereno e positivo como as restantes forças políticas reagiram ao anúncio dos resultados eleitorais, a cujos dirigentes envia cumprimentos;
7 - Saúda a nova Assembleia Constituinte, na pessoa do seu Presidente eleito, Francisco Guterres, Lu-Olo, a quem deseja os maiores êxitos na condução do laborioso trabalho de conseguir uma Constituição que sirva as legítimas aspirações do povo de Timor-Leste no quadro de um Estado de direito, livre e independente;
8 - Por último, felicita o Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Dr. Sérgio Vieira de Mello, pelo modo como presidiu a esta tão importante etapa da história da independência do povo de Timor-Leste e cumprimenta a Comissão Eleitoral Independente pelo relevante papel desempenhado no processo de sufrágio timorense.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do relatório e parecer, elaborado pela Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo ao processo de urgência referente à proposta de lei n.º 98/VIII - Subsídio de inactividade para os pescadores da frota atuneira da Região Autónoma da Madeira (ALRM).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP e de Os Verdes, votos contra do PSD e do CDS-PP e a abstenção do BE.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação de um requerimento, apresentado pelo CDS-PP, de baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação na generalidade, do projecto de lei n.º 276/VIII - Faz depender da publicação de normas especiais a aplicação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, ao Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro (Regulamento da Náutica de Recreio) (CDS-PP).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o requerimento foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, tendo sido, estranhamente, rejeitado o nosso requerimento de baixa à Comissão sem votação do projecto de lei n.º 276/VIII - o que se justificava por ainda não terem sido ouvidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira -, agora teremos de proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem toda a razão, Sr. Deputado!
Sendo assim, teremos de proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 276/VIII.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

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0183 | I Série - Número 06 | 28 de Setembro de 2001

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para clarificar o que estamos a fazer.
Portanto, gostaria de saber se vamos votar um diploma que, legalmente, exige a audição das regiões autónomas, sem que estas, no entanto, tenham sido ouvidas.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Claro! Por isso é que eu disse que o nosso requerimento foi estranhamente rejeitado!

O Orador: - É isto que nos estão a obrigar a fazer.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vamos, de facto, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 276/VIII.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, tendo-se suscitado este problema no relatório que introduziu o debate deste projecto de lei em Plenário, procedemos a iniciativas junto do CDS-PP para que este debate fosse retirado da agenda do Plenário. Como o CDS-PP insistiu na sua manutenção, procedemos ao debate.
Agora, surgiu este requerimento, que foi rejeitado, pelo que temos de votar o projecto de lei!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, de facto, temos de proceder à votação do projecto de lei n.º 276/VIII.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas chamar a sua atenção para o facto de, caso este diploma venha a ser aprovado, a Câmara estar a aprovar um diploma inconstitucional! É a isto que a rejeição do nosso requerimento nos obriga. Ora, isto não tem pés nem cabeça! Isto não tem sentido algum! V. Ex.ª desculpar-me-á, mas o requerimento pretendia precisamente impedir que esta Assembleia procedesse a um acto inconstitucional, mas, se insistem, votá-lo-emos!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 276/VIII - Faz depender da publicação de normas especiais a aplicação às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 567/99, de 23 de Dezembro, ao Decreto-Lei n.º 329/95, de 9 de Dezembro (Regulamento da Náutica de Recreio) (CDS-PP).

Submetido à votação, verificou-se um empate, tendo-se registado votos a favor do PSD, do PCP, do CDS-PP, de Os Verdes e do BE e votos contra do PS.

Srs. Deputados, dada a situação de empate, vamos proceder a uma segunda votação.

Submetido à votação, verificou-se o mesmo resultado.

Srs. Deputados, tendo-se registado novo empate, o projecto de lei foi rejeitado, ao abrigo do artigo 107.º do Regimento.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, pedia duas coisas.
Em primeiro lugar, quero pedir que votássemos em conjunto todos os artigos, à excepção do artigo 15.º. Em sede de votação na Comissão de Defesa Nacional, o PCP absteve-se em relação a alguns artigos, nomeadamente quanto aos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 8.º, 9.º e 10.º, mas fê-lo por uma razão perfeitamente formal, ou seja, por eles se limitarem a reproduzir artigos da lei anterior.
Ora, neste contexto, não vemos necessidade de proceder à votação de artigo a artigo. E, portanto, como o único artigo em relação ao qual há um sentido de votação diferente é o artigo 15.º, podemos votar, em conjunto, todos os demais artigos, exceptuando este que acabei de referir.
Em segundo lugar, quero pedir ao Sr. Presidente que submeta à votação, na especialidade, o mapa anexo a esta proposta de lei, já que é ele que contém os programas.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sendo assim, se todos estiverem de acordo, vamos começar pelo artigo 15.º e só depois os outros, em bloco.

Pausa.

Srs. Deputados, visto não houver objecções, vamos passar à votação, na especialidade, do artigo 15.º da proposta de lei n.º 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes e votos contra do BE.

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0184 | I Série - Número 06 | 28 de Setembro de 2001

 

Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 14.º-A, 16.º e 17.º da proposta de lei n.º 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PS e do CDS-PP e votos contra do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE.

Vamos, agora, votar o mapa…

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra por me ter apercebido de alguns sinais dubitativos.
Sr. Presidente, o mapa anexo tem de ser votado, porque é ele que contém os programas. Logo, se o mapa não for votado, não teremos aprovado os programas. Aliás, saliento que, teoricamente, o mapa anexo pode ter apenas metade dos programas que constam da remissão existente.
No entanto, há um problema que se põe quanto a esta votação, que é o de o mapa ser constituído por um conjunto de linhas. De maneira que me atrevo a sugerir a V. Ex.ª que a única solução para este problema passa por cada partido declarar como é que vota o mapa. Não me parece haver outra solução! A não ser, é claro, que passemos aqui meia hora a votar linha a linha!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Pergunto aos representantes dos demais grupos parlamentares se estão de acordo com este método agora sugerido pelo Sr. Deputado João Amaral.

Pausa.

Visto não haver objecções, procederei, então, a uma ronda pelos partidos, por ordem crescente, a fim de saber como é que votam, na especialidade, o mapa anexo à proposta de lei n.º 70/VIII.
Como é que vota o Bloco de Esquerda?

O Sr. Fernando Rosas (BE): - Votamos contra, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Como é que vota o Partido Ecologista «Os Verdes»?

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Votamos contra, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Como é que vota o PCP?

O Sr. João Amaral (PCP): - Seguindo essa ordem, seria agora a vez do CDS-PP, Sr. Presidente, mas não tem importância!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Peço desculpa, tem toda a razão! Dirigi-me a vós por estar a olhar para esse lado!
Como é que vota o CDS-PP?

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Votamos a favor, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Então, agora, como é que vota o PCP?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, votamos contra os programas relativos à Capacidade Submarina, à Capacidade de Defesa Aérea e TASMO, e à Capacidade ASW, ASUW, EW, C2 e AEW/ELINT e a linha em que se encontra o valor máximo para locação e abstemo-nos quanto aos programas relativos à Capacidade de Projecção de Força, ao Sistema Administrativo, Logístico e de Pessoal e à Capacidade de Stocks de Armamento.
Isto fica registado em Acta e, para quem sabe, é inteligível!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Como é que vota o PSD?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD abstém-se em relação a todos os programas constantes do mapa e vota contra a linha indicativa do valor máximo autorizado para locação. Ou seja, votamos contra essa linha final do mapa e abstemo-nos em todos os programas de aquisição.

O Sr. Presidente: - Fica registado.
Como é que vota o PS?

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Votamos a favor, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, o mapa foi aprovado, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP, nos termos enunciados pelo Sr. Deputado João Amaral, de Os Verdes e do BE e a abstenção do PSD, nos termos em que foi enunciada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 70/VIII.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do CDS-PP e votos contra do PSD, do PCP, de Os Verdes e do BE.

Srs. Deputados, temos ainda três relatórios e pareceres da Comissão de Ética para apreciar e votar.
Peço ao Sr. Secretário que proceda à sua leitura.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) a prestar depoimento, como testemunha, no Processo n.º 33/2000 que se encontra pendente neste tribunal, em audiência marcada para o próximo dia 22 de Outubro de 2001, pelas 9 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 10.ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa

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0185 | I Série - Número 06 | 28 de Setembro de 2001

 

- Processo n.º C.P. 2938/01-10.01 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer.

Pausa.

Visto não haver objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela 1.ª Secção da 6.ª Vara Criminal de Lisboa - Processo n.º 51/99 -, a Comissão de Ética decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Correia de Jesus (PSD) a prestar depoimento, por escrito, como testemunha, no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em apreciação.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, sexta-feira, às 10 horas, e será uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação,
relativa à votação final global da proposta de lei n.º 70/VIII - Aprova a Lei de Programação Militar

O PCP votou contra, em votação final global, a Lei de Programação Militar (LPM) pelas seguintes razões:
1.º) A lei não hierarquiza as prioridades de investimento em função das necessidades das Forças Armadas para prossecução do interesse nacional. Pelo contrário, os investimentos prioritários e mais caros (submarinos, melhoramento das esquadras F16 e melhoramento dos aviões P-3P), investimentos que somam 473,5 milhões de contos (43% do total da lei), justificam-se fundamentalmente para integração desses equipamentos militares em missões NATO e integração em forças NATO.
2.º) A Lei é aprovada com um conceito estratégico datado de 1994, e por isso gravemente desactualizado. Aliás, os acontecimentos do dia 11 de Setembro tornaram mais urgente ainda uma actualização de conceitos e uma nova leitura das missões das Forças Armadas, com óbvias consequências nas opções de equipamentos, que assim não são tidas em conta.
3.º) Esta pressa em aprovar agora a LPM é uma «fraude», já que se sabe que a lei, que reporta formalmente os seus efeitos a Janeiro de 2001, não vai na prática ter efeitos no presente ano, visto estarmos já muito perto do termo do ano orçamental; e sabe-se (até porque o Governo o escreve no artigo 16.º) que a LPM vai ser revista já para o ano, em 2002.
4.º) O recurso sistemático ao leasing (que representa no total 67% da LPM!) onera extraordinariamente os gastos militares, em centenas de milhões de contos, comprometendo largamente as possibilidades financeiras de, a prazo de mais 30 anos, proceder a investimentos militares que nesse período se vão tornar urgentes.
5.º) A lei, tal como foi aprovada, é ainda uma «fraude», por dar ao Ministro da Defesa Nacional larguíssimos e inusitados poderes para cancelar programas e transferir verbas, de tal forma que as opções inscritas na lei podem ser descaracterizadas.
Em conclusão:
O PCP defende a necessidade de um urgente reequipamento das Forças Armadas (reequipamento que PS e PSD vêm adiando há duas décadas), mas considera que as opções feitas nesta lei não estão fundamentadas numa necessária actualização das missões das Forças Armadas, não correspondem à concreta defesa do interesse nacional e comprometem futuros investimentos pelo muito gravoso modelo de financiamento escolhido (o leasing) pelo alto valor global e pelo dilatado período (até 2035) para o qual são assumidos compromissos.

O Deputado do PCP, João Amaral.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Luís Manuel Ferreira Parreirão Gonçalves
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge

Partido Popular (CDS-PP):
Paulo Sacadura Cabral Portas

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
António de Almeida Santos
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Ribeiro Moniz
João Cardona Gomes Cravinho
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Francisco dos Santos Valente
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Teresa de Oliveira Ferreira Coimbra
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rui Manuel Leal Marqueiro

Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral
José de Almeida Cesário
José Eduardo Rêgo Mendes Martins
José Manuel Macedo Abrantes
Pedro Manuel Cruz Roseta

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues

Partido Popular (CDS-PP):
António José Carlos Pinho
Luís José de Mello e Castro Guedes

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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0186 | I Série - Número 06 | 28 de Setembro de 2001

 

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