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Quinta-feira, 13 de Fevereiro de 2003 I Série - Número 86

IX LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2002-2003)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE FEVEREIRO DE 2003

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex. mos Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Ascenso Luís Seixas Simões
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
António João Rodeia Machado

S U M Á R I O


O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 41/IX, das propostas de resolução n.os 27 a 31/IX, dos projectos de lei n.os 225 e 226/IX, dos projectos de resolução n.os 124 a 126/IX, da interpelação n.º 3/IX, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Elisa Guimarães Ferreira (PS) criticou a perda das verbas do fundo de coesão por Portugal, respondendo depois a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Guilherme Silva (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado António Filipe (PCP) falou da necessidade de se proteger a música portuguesa.
O Sr. Deputado Luís Rodrigues (PSD) teceu considerações sobre o estado de desenvolvimento do distrito de Setúbal, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Alberto Antunes (PS), Jerónimo de Sousa (PCP) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
O Sr. Deputado João Cravinho (PS) criticou o Governo por não estar a tomar as decisões necessárias à prossecução da requalificação económica e social do distrito de Aveiro. Respondeu, no fim, aos pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Luís Montenegro (PSD).

Ordem do dia. - Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/IX - Aprova o regime jurídico da concorrência. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares), os Srs. Deputados Maximiano Martins (PS), Lino de Carvalho (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Almeida Henriques (PSD), Herculano Gonçalves (CDS-PP) e Guilherme d'Oliveira Martins (PS).
O projecto de lei n.º 178/IX - Aprova a lei quadro sobre autoridades reguladoras independentes nos domínios económico e financeiro (PS) foi também discutido na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Alberto Martins (PS) e Maximiano Martins (PS) - que fez a síntese do relatório da Comissão de Economia e Finanças referente ao projecto de lei -, Graça Proença de Carvalho (PSD), Luís Fazenda (BE), Pinho Cardão (PSD), Bruno Dias (PCP) e Diogo Feio (CDS-PP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Srs. Deputados presentes à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Abílio Jorge Leite Almeida Costa
Adriana Maria Bento de Aguiar Branco
Alexandre Bernardo Macedo Lopes Simões
Ana Maria Sequeira Mendes Pires Manso
Ana Paula Rodrigues Malojo
António Alfredo Delgado da Silva Preto
António Edmundo Barbosa Montalvão Machado
António Fernando de Pina Marques
António Joaquim Almeida Henriques
António Manuel da Cruz Silva
António Paulo Martins Pereira Coelho
António Pedro Roque da Visitação Oliveira
Arménio dos Santos
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Alberto da Silva Gonçalves
Carlos Alberto Rodrigues
Carlos Manuel de Andrade Miranda
Carlos Parente Antunes
Daniel Miguel Rebelo
Diogo de Sousa Almeida da Luz
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Eugénio Fernando de Sá Cerqueira Marinho
Fernando António Esteves Charrua
Fernando Manuel Lopes Penha Pereira
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho
Fernando Santos Pereira
Francisco José Fernandes Martins
Gonçalo Dinis Quaresma Sousa Capitão
Gonçalo Miguel Lopes Breda Marques
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva
Gustavo de Sousa Duarte
Henrique José Monteiro Chaves
Hugo José Teixeira Velosa
Isménia Aurora Salgado dos Anjos Vieira Franco
João Bosco Soares Mota Amaral
João Carlos Barreiras Duarte
João Eduardo Guimarães Moura de Sá
João José Gago Horta
João Manuel Moura Rodrigues
Joaquim Carlos Vasconcelos da Ponte
Joaquim Miguel Parelho Pimenta Raimundo
Jorge José Varanda Pereira
Jorge Manuel Ferraz de Freitas Neto
Jorge Nuno Fernandes Traila Monteiro de Sá
Jorge Tadeu Correia Franco Morgado
José Agostinho Veloso da Silva
José António Bessa Guerra
José António de Sousa e Silva
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira
José Manuel Carvalho Cordeiro
José Manuel de Lemos Pavão
José Manuel de Matos Correia
José Manuel Ferreira Nunes Ribeiro
Judite Maria Jorge da Silva
Luís Álvaro Barbosa de Campos Ferreira
Luís Filipe Alexandre Rodrigues
Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves
Luís Filipe Soromenho Gomes
Luís Manuel Machado Rodrigues
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes
Manuel Alves de Oliveira
Manuel Filipe Correia de Jesus
Manuel Ricardo Dias dos Santos Fonseca de Almeida
Marco António Ribeiro dos Santos Costa
Maria Aurora Moura Vieira
Maria da Graça Ferreira Proença de Carvalho
Maria do Rosário da Silva Cardoso Águas
Maria Eduarda de Almeida Azevedo
Maria Eulália Silva Teixeira
Maria Isilda Viscaia Lourenço de Oliveira Pegado
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares
Maria Natália Guterres V. Carrascalão da Conceição Antunes
Maria Ofélia Fernandes dos Santos Moleiro
Maria Paula Barral Carloto de Castro
Maria Teresa da Silva Morais
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia
Mário Patinha Antão
Melchior Ribeiro Pereira Moreira
Miguel Fernando Alves Ramos Coleta
Paulo Jorge Frazão Batista dos Santos
Pedro Miguel de Azeredo Duarte
Rodrigo Alexandre Cristóvão Ribeiro
Rui Miguel Lopes Martins de Mendes Ribeiro
Salvador Manuel Correia Massano Cardoso
Sérgio André da Costa Vieira
Vasco Manuel Henriques Cunha
Vítor Manuel Roque Martins dos Reis

Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros
Alberto Arons Braga de Carvalho
Alberto Bernardes Costa
Alberto de Sousa Martins
Alberto Marques Antunes
Ana Catarina Veiga Santos Mendonça Mendes
Ana Maria Benavente da Silva Nuno
Antero Gaspar de Paiva Vieira
António Alves Marques Júnior
António Bento da Silva Galamba
António de Almeida Santos
António José Martins Seguro
António Ramos Preto
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Ascenso Luís Seixas Simões
Augusto Ernesto Santos Silva
Carlos Manuel Luís
Edite Fátima Santos Marreiros Estrela
Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues
Elisa Maria da Costa Guimarães Ferreira
Fausto de Sousa Correia
Fernando Manuel dos Santos Gomes
Fernando Pereira Serrasqueiro
Fernando Ribeiro Moniz
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins
Jaime José Matos da Gama
Jamila Bárbara Madeira e Madeira
João Barroso Soares
João Cardona Gomes Cravinho

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João Rui Gaspar de Almeida
Joaquim Augusto Nunes Pina Moura
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira
Jorge Lacão Costa
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro
José Alberto Sequeiros de Castro Pontes
José António Fonseca Vieira da Silva
José Apolinário Nunes Portada
José Augusto Clemente de Carvalho
José Carlos Correia Mota de Andrade
José da Conceição Saraiva
José Eduardo Vera Cruz Jardim
José Manuel de Medeiros Ferreira
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida
José Manuel Santos de Magalhães
José Miguel Abreu de Figueiredo Medeiros
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa
Júlio Francisco Miranda Calha
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal
Luís Alberto da Silva Miranda
Luís Manuel Capoulas Santos
Luiz Manuel Fagundes Duarte
Manuel Maria Ferreira Carrilho
Manuel Pedro Cunha da Silva Pereira
Maria Amélia do Carmo Mota Santos
Maria Celeste Lopes da Silva Correia
Maria Custódia Barbosa Fernandes Costa
Maria de Belém Roseira Martins Coelho Henriques de Pina
Maria do Carmo Romão Sacadura dos Santos
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta
Maria Isabel da Silva Pires de Lima
Maria Manuela de Macedo Pinho e Melo
Maximiano Alberto Rodrigues Martins
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque
Nelson da Cunha Correia
Nelson Madeira Baltazar
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro
Paulo José Fernandes Pedroso
Renato Luís de Araújo Forte Sampaio
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
Rosalina Maria Barbosa Martins
Rui António Ferreira da Cunha
Rui do Nascimento Rabaça Vieira
Teresa Maria Neto Venda
Vicente Jorge Lopes Gomes da Silva
Victor Manuel Bento Baptista
Vitalino José Ferreira Prova Canas
Vítor Manuel Sampaio Caetano Ramalho
Zelinda Margarida Carmo Marouço Oliveira Semedo

Partido Popular (CDS-PP):
Álvaro António Magalhães Ferrão de Castello-Branco
António Herculano Gonçalves
Diogo Nuno de Gouveia Torres Feio
Henrique Jorge Campos Cunha
Isabel Maria de Sousa Gonçalves dos Santos
João Guilherme Nobre Prata Fragoso Rebelo
João Maria Abrunhosa Sousa
João Nuno Lacerda Teixeira de Melo
João Rodrigo Pinho de Almeida
Manuel de Almeida Cambra
Narana Sinai Coissoró
Telmo Augusto Gomes de Noronha Correia

Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues
António João Rodeia Machado
Bernardino José Torrão Soares
Bruno Ramos Dias
Jerónimo Carvalho de Sousa
Lino António Marques de Carvalho
Maria Odete dos Santos

Bloco de Esquerda (BE):
Joana Beatriz Nunes Vicente Amaral Dias
João Miguel Trancoso Vaz Teixeira Lopes
Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda

Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia
Isabel Maria de Almeida e Castro

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n.º 41/IX - Altera a Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, que regula o Conselho Económico e Social, que baixou à 5.ª Comissão; propostas de resolução n.os 27/IX - Aprova, para ratificação o acordo entre a República Portuguesa e a República Eslovaca em matéria de cooperação no domínio da defesa, assinado em Bratislava, em 12 de Maio de 1999, que baixou à 2.ª Comissão, 28/IX - Aprova, para adesão, o Acordo de alteração ao Protocolo relativo aos privilégios e imunidades da Organização Europeia de Telecomunicações por Satélite (EUTELSAT), adoptado e confirmado pela 26.ª Assembleia de Partes daquela Organização, que teve lugar em Cardiff, de 18 a 20 de Maio de 1999, que baixou à 2.ª Comissão, 29/IX - Aprova o Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migradoras Afro-Euroasiáticas, concluído na Haia, em 15 de Agosto de 1996, que baixou à 2.ª Comissão, 30/IX - Aprova, para ratificação, o Protocolo n.º 13 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, relativo à abolição da pena de morte em quaisquer circunstâncias, aberto à assinatura em Vilnius, a 3 de Maio de 2002, que baixou à 2.ª Comissão e 31/IX - Aprova a Convenção entre a República Portuguesa e a República Islâmica do Paquistão para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e respectivo Protocolo, assinados em Lisboa, em 23 de Junho de 2000, que baixou à 2.ª Comissão; projectos de lei n.os 225/IX - Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (PCP), que baixou à Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, e 226/IX - Cria mecanismos de controlo da importação e exportação de armas (BE), que baixou à 1.ª Comissão; projectos de resolução n.os 124/IX - Debate parlamentar

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sobre as comunidades portuguesas (PS), 125/IX - Recomenda a criação de um banco de dados sobre crianças em risco e vítimas de maus tratos (PS) e 126/IX - Estatuto do Fórum dos Parlamentos dos Países de Língua Portuguesa (Presidente da AR); interpelação ao Governo n.º 3/IX - Debate de política geral centrado na crise decorrente da acção do Governo no domínio económico e social (PS)
Foram também apresentados diversos requerimentos.
Nos dias 3 e 4 de Fevereiro - Ao Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro e aos Ministérios da Justiça, Obras Públicas, Transportes e Habitação e à Câmara Municipal de Caldas da Rainha, formulados pelo Sr. Deputado António Galamba; ao Ministério da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Herculano Gonçalves e Luísa Mesquita; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Diogo Feio; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Guimarães Ferreira.

A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Portugal acaba de perder, a favor de Espanha, 168 milhões de euros de Fundo de Coesão (34 milhões de contos). Embora teoricamente recuperáveis, tudo indica que seja mínima a probabilidade de tal recuperação vir a fazer-se.
Porquê? Porque a máquina parou! Segundo os dados do próprio Governo, publicados no site do QCA, enquanto, em 2000, ano de arranque, se aprovaram, no Fundo de Coesão, 16 projectos e, em 2001, se aprovaram 23, em 2002, aprovaram-se, Sr.as e Srs. Deputados, 5 projectos!

O Sr. António Costa (PS): - Que vergonha!

O Sr. José Magalhães (PS): - Espantoso!

A Oradora: - Em termos de valor do investimento aprovado, as aprovações do ano 2000 valeram 830 000 milhões de euros e, em 2001, aprovou-se investimento no montante de 1070 000 milhões de euros. As aprovações do ano de 2002 são no valor de 153 000 milhões de euros. Em termos de utilização dos fundos disponíveis, isto significa 14% do aprovado no ano anterior e que acedemos apenas a 24% - menos de um quarto! - da quota anual a que temos direito em termos de apoio e menos do que aquilo que, em princípio, vamos perder a favor de Espanha.
Sr. Presidente, isto é grave e gostaria que providenciasse no sentido da distribuição a todas as bancadas dos gráficos contendo os dados referentes aos anos de 2000, 2001 e 2002 relativamente à quebra no investimento ligado ao Fundo de Coesão e no apoio concedido.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Isto é um escândalo! Portugal não tinha por hábito desperdiçar apoios! Quer nesta matéria (gestão de fundos comunitários) quer em matéria de ambiente, o governo do Partido Socialista deixou um legado sólido internacionalmente reconhecido!

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Está em curso o processo de alargamento da União Europeia. Portugal está em fase de pré-recessão, sacrificou erradamente o investimento público à obsessão de controlo do défice público, em parte - sublinhe-se a ironia -, precisamente para não perder o Fundo de Coesão.
Parte desse Fundo acaba, com toda a probabilidade, por se perder, tal como previmos, não por qualquer retaliação de Bruxelas, mas apenas por incúria e manifesta incompetência do Governo.

Aplausos do PS.

Num momento destes, perder verbas comunitárias atribuídas a Portugal é criminoso!
Concentremo-nos na questão mais imediata, a perda de fundos. Afirmou o Sr. Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente, em sede de comissão, que o contencioso que impediu a libertação das verbas tinha sido "herdado" e que, como tal, o Governo não tinha responsabilidade nisto.
Convém recordar que, à data da posse do XV Governo Constitucional, o problema em causa não tinha sequer passado à fase de contencioso, portanto, não é verdade o que foi dito. Mas mesmo que existisse um contencioso, como é possível evocar tal facto como atenuante ou desculpa para perder fundos comunitários?
É que o contencioso sobre projectos comunitários é uma rotina e os governos têm de preparar-se para funcionar nesse contexto.
Senão vejamos.
Não teve o governo do Partido Socialista de enfrentar contenciosos complicadíssimos, alguns deles também herdados?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Quem não se lembra, por exemplo, do contencioso sobre a Ponte Vasco da Gama, do do Alqueva, dos de quase todas as acessibilidades ferroviárias, do da alternativa à EN 10 (marginal do Tejo), do da auto-estrada para o Algarve, do da A3, no Minho, do do sistema de apoios à interioridade, dos contenciosos acerca dos aterros sanitários, do da co-incineração? Alguns foram mesmo carinhosamente apadrinhados, de forma mais ou menos visível, pela oposição. Mas alguma vez tais factos serviram para justificar perdas de financiamento? O Governo do PS preparou-se para resolver os contenciosos que havia, resolveu-os e garantiu os fundos!

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Não nos iludamos: aquilo a que acabamos de assistir é uma exibição de incompetência e incúria a que Portugal já não assistia há muitos anos!!

Aplausos do PS.

Justifico esta acusação com três argumentos simples.
Primeiro, afirma o Sr. Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente que o contencioso estará em vias de ser resolvido através da decisão de abrir à iniciativa privada a rede de abastecimento de água em

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baixa. Em resumo, o contencioso resolve-se, tal como parecia evidente desde o princípio, regressando-se à situação que vigorou antes de 1999. Como é possível ter demorado 10 meses a tomar esta decisão? Como é possível só tomar esta decisão quando o apoio da União Europeia já se perdeu?
Segundo, admitamos, por hipótese teórica, que o Governo tinha muito interesse em lutar pela salvaguarda deste objectivo. Então, haveria que organizar uma carteira de projectos de ambiente alternativos aos que estavam em contencioso, projectos esses livres de qualquer polémica, e, com eles esgotar a quota disponível para Portugal. Isso não aconteceu.
Como é possível, com tudo o que há para fazer em matéria ambiental, que esta simples atitude do mais elementar bom senso não tenha sido adoptada?

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Terceiro (e último) argumento: pelas suas características, as verbas do Fundo de Coesão podem ser aplicadas em projectos de ambiente ou de acessibilidades e transportes. Isto é: também no domínio dos transportes não foi possível reunir projectos que esgotassem a verba a que tínhamos direito?... Isto num país como Portugal?!
Esta incapacidade e esta incompetência são demasiado graves para poderem ser encobertas.
Mas a questão não é conjuntural. Infelizmente para Portugal, e tal como o Partido Socialista tem vindo a alertar, se nada de profundo e radical for feito em matéria de gestão de fundos comunitários, tudo indica que isto seja uma "bola de neve" que irá engrossando. Os dados que referi sobre as aprovações feitas em 2002 são assustadores.
Razões para esta preocupação? Citarei apenas três.
Primeira, em matéria de ambiente, uma das áreas essenciais do Fundo de Coesão, o Governo, apesar de ter anunciado a privatização do sector, não conseguiu sequer estruturar as linhas mestras do novo modelo que quer construir. O Governo gastou 10 meses e perdeu os fundos a defender um princípio que, segundo o Sr. Ministro, afinal não era de importância estratégica e que, portanto, nem sequer valia a pena ter defendido. É o que se chama caminhar às cegas!
Segunda, não há no Governo um responsável político pela gestão dos fundos comunitários. Será a Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças? O Governo deixou mesmo de prestar contas ao Parlamento sobre a execução dos apoios comunitários. Os Deputados do Partido Socialista já pediram formalmente que essas contas fossem prestadas.
Mais grave ainda, e como infelizmente ficou demonstrado, a boa gestão destes apoios, que inclui processos de negociação complexos e operações de controlo e complementaridade inter-ministeriais, exige um centro de "pilotagem" com capacidade política. Ele não existe - e dissemo-lo no debate do Programa do Governo - e a lacuna é fatal para Portugal.

Aplausos do PS.

Por último, sem orientações claras e acossados por discursos insensatos, os funcionários públicos desta máquina sofisticada começam a desmotivar-se e a abandoná-la.
Entre muitos outros, é preocupante que o especialista que, em Bruxelas (na REPER), acompanhava este assunto tenha sido chamado pelo Governo sem ter havido substituição adequada.
Neste momento, as CCR são sujeitas às maiores violências de discurso. As CCR são direcções-gerais responsáveis pela gestão de mais de 40% dos fundos do QCA e por todos os apoios comunitários às autarquias.
Na CCR Alentejo não há Presidente nomeado; o Presidente da CCR Centro demitiu-se e continua sem ser substituído; a Presidente da CCR Norte demitiu-se e não foi substituída. Por último, o Director-Geral do Desenvolvimento Regional que lidera o "coração" de toda esta máquina administrativa de gestão do Quadro Comunitário de Apoio e do Fundo de Coesão está demissionário, juntamente com toda a equipa por ele liderada.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas houve palmas…, pelo que o tempo de 8 minutos de que dispunha ficou muito encurtado…

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, quanto aos 8 minutos, é o que estipula o Regimento e já descontei o tempo gasto com os aplausos.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aquilo a que se está a assistir é dramático, perigoso e criminoso para um país como Portugal.
Que legitimidade vai ter o País para negociar apoios na fase de pós-alargamento da União Europeia quando não foi capaz de gastar o que lhe foi atribuído?
O Governo tem de prestar contas ao País relativamente à responsabilidade pelo que está a acontecer, tem de identificar os projectos (competentemente instruídos) capazes de garantir a execução de 2003 e, se possível, recuperar a quota perdida de Fundo de Coesão. O Governo tem de passar a prestar contas regulares ao Parlamento e, ainda, tem de reorganizar-se rapidamente por forma a ter um responsável político por matéria de tanta importância para o País.
A lamentável e perigosa situação económica para a qual o actual Governo encaminhou o País não se compadece com ineficácias e incompetências desta gravidade.

Aplausos do PS, do PCP e do BE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Ferreira, sempre que é necessário vir lançar uma nuvem de fumo para esconder as responsabilidades recentes do Partido Socialista, V. Ex.ª é destacada e temos de reconhecer-lhe alguma habilidade para essa missão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Chama-se a isso competência!

O Orador: - Sr.ª Deputada, o País conhece o estado em que o deixaram os governos socialistas em que V. Ex.ª participou.

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O País sabe que Portugal corria o risco de graves penalizações por parte da União Europeia devido à grave situação do défice em que VV. Ex.as deixaram o País.
O País sabe e não sei como é que V. Ex.ª tem a coragem de vir aqui suscitar o problema das taxas de execução, em 2002, de projectos apoiados por fundos comunitários.
V. Ex.ª bem sabe o esforço que foi necessário fazer, em Abril, para recuperar projectos atrasadíssimos relativamente aos quais se corria o risco gravíssimo…

Protestos do PS.

V. Ex.ª sabe…

Protestos do PS.

V. Ex.ª sabe porque os números são conhecidos!! V. Ex.ª conhece o risco que havia de se perderem apoios comunitários devido ao escandaloso atraso relativamente à execução dos projectos que tinham apoio comunitário.
V. Ex.ª sabe a vergonha que foi o POE (Programa Operacional da Economia). V. Ex.ª sabe o que disse o Prof. Daniel Bessa sobre o POE, quando era gerido por VV. Ex.as.
V. Ex.ª sabe bem que a situação que herdámos era gravíssima!
Felizmente, e ao contrário do que V. Ex.ª disse, foi possível restaurar a credibilidade de Portugal junto da União Europeia e foi possível impedir que nos fossem infligidas graves penalidades - essas, sim, implicariam perdas relevantes de fundos comunitários - graças à política que este Governo adoptou e que é reconhecida como sendo a adequada por economistas de todos os quadrantes. Desde o Sr. Governador do Banco de Portugal, que é militante do Partido Socialista, ao Dr. Silva Lopes, que também não é do PSD, ao Prof. Ernâni Lopes, todos foram unânimes em reconhecer que a orientação e as soluções que foram adoptadas pelo Governo do Dr. Durão Barroso são as adequadas para restaurar a credibilidade de Portugal junto da União Europeia, foram as adequadas para estancar o défice que VV. Ex.as tinham deixado como deixaram.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Nem isso é verdade!

O Orador: - Uma coisa posso garantir: não será pela mão deste Governo que irão perder-se fundos comunitários.
No entanto, V. Ex.ª compreenderá que, se alguma coisa se perdeu, foi devido à situação em que VV. Ex.as deixaram o País.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Guimarães Ferreira.

A Sr.ª Elisa Guimarães Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, muito obrigada pela componente elogiosa da sua intervenção que, infelizmente, não posso retribuir. É que penso que o Sr. Deputado não está a ver bem a questão, o que talvez seja uma segunda consequência da cegueira que tem caracterizado o PSD a propósito do défice. Na verdade, há uma cegueira relativamente ao défice que vos impede de ver a realidade.

O Sr. António Costa (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Deputado, há matérias sobre as quais todos podem opinar. O que estou a referir são números objectivos e são fornecidos pelo próprio Governo. Estes números que citei correspondem aos que estão no site do QCA.
Sr. Deputado, não estamos a discutir se Portugal vai ou não perder dinheiro.
Neste momento, 176 milhões de euros - e é mais de um terço, é 37% do total a que o País tem direito a receber, por ano, do Fundo de Coesão - já foram para Espanha e só muito dificilmente poderão voltar a ser recuperados por Portugal.
Mais do que isso, Sr. Deputado, estes dados são os tais que constam do site do QCA - e penso que não o terá visto suficientemente bem. Durante o ano de 2000, o governo do Partido Socialista conseguiu apoio no valor de 654 milhões de euros e, no ano seguinte, esse apoio foi de 760 milhões de euros. Em 2000, nós tínhamos 16 projectos e, em 2001, tínhamos 23 projectos.
Em 2002, um governo que toma posse em Abril (como aconteceu com o actual Governo) tem de investir o resto do ano a fazer aprovar os projectos correspondentes a esse ano. Porém, a queda foi de 86%.

O Sr. António Costa (PS): - 86%! É obra…!

A Oradora: - Sr. Deputado, perdeu-se dinheiro e vai continuar a perder-se dinheiro! Sabe quantos projectos de transportes há aqui? Há um projecto de transportes!! E há cinco projectos de ambiente.
Sr. Deputado, esta é a verdade e estes são os factos! Portanto, em matéria de fundos comunitários, Portugal foi o país que primeiro aprovou o QCA III, era o país que estava mais à frente, quando o anterior governo saiu e este Governo tomou posse - estava à frente de todos os países da União Europeia -, mas, neste momento, o País está a perder dinheiro e vai continuar a perder dinheiro. Quem é que responde por isto?

O Sr. António Costa (PS): - É um escândalo!

A Oradora: - Não há ninguém no vosso Governo que responda pela gestão dos fundos comunitários! Não há ninguém que, periodicamente, faça a monitorização e, inclusivamente, a gestão conjunta, metendo projectos de um tipo e tirando os de outro. Toda a estrutura administrativa, de funcionários excelentes, "de primeira água" - era invejável a máquina que estava disponível em Portugal! -, está demissionária, com discursos absolutamente absurdos, como é o discurso sobre as CCR, em que se pretende inclusivamente que os presidentes das CCR, que são directores-gerais com a legitimidade dos directores-gerais, passem a responder perante as autarquias, que são aquelas que beneficiam dos fundos que as próprias CCR gerem.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

A Oradora: - Isto diz respeito a 43% dos fundos atribuídos pelo Quadro.

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Sr. Deputado, estamos a ir por um caminho perigosíssimo, pelo que é nossa obrigação, como principal partido da oposição, que nesta matéria fez trabalho de que nos honramos, chamar a atenção do País e do Governo para a situação que estamos a viver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Subimos hoje a esta tribuna para falar da música portuguesa e, fundamentalmente, para juntar a nossa voz solidária ao amplo movimento cívico e de opinião que tem mobilizado um número muito significativo de cantores, músicos e autores portugueses em defesa da música portuguesa e, em particular, das suas difusão e promoção.
A imensa preocupação com a situação da música portuguesa levou, nos últimos tempos, à criação de uma associação cívica, a Venham Mais Cinco, que tem como objectivo lutar pela revisão da Lei da Rádio, de forma a que sejam criados os mecanismos legais necessários para o cumprimento de uma quota mínima de 40% de difusão de música portuguesa nas rádios nacionais, e levou à subscrição de um manifesto sobre o estado da música portuguesa por parte de dezenas - que serão hoje, no mínimo, centenas - de autores, compositores, cantores, músicos, produtores e divulgadores da música que se faz em Portugal, que teve eco na realização, no passado domingo (dia 9 de Fevereiro), de um programa da RTP dedicado à música portuguesa, a todos os títulos memorável e altamente dignificante para o serviço público de televisão.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Nós, que muitas vezes criticamos a RTP quando entendemos que a sua prestação de serviço público de televisão não está à altura das responsabilidades que lhe cabem, não temos dúvidas em afirmar que o programa recentemente emitido sobre a música portuguesa foi um exemplo do que pode e deve ser o serviço público de televisão, em Portugal, e fazemos votos para que não seja um acto isolado, mas o início de um trabalho persistente nas promoção e valorização da música portuguesa.

Neste momento, regista-se burburinho na Sala.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Filipe, peço-lhe desculpa por interrompê-lo, mas quero chamar a atenção da Câmara para que há demasiado ruído ambiente, demasiadas conversas laterais. Em diversas ocasiões, tenho solicitado às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados que queiram conversar o favor de o fazerem nos Passos Perdidos, onde há ambiente propício a conversas. Na Sala da Sessões, preferia que não houvesse conversas e que ouvíssemos o que os diferentes oradores têm para nos dizer.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Não é nosso propósito, com esta intervenção, retirar dividendos de uma iniciativa que pertence por inteiro aos artistas que dão corpo à música portuguesa, nem tão-pouco assacar responsabilidades e culpas pelo estado a que se chegou, embora essas responsabilidades existam e sejam determináveis. O nosso propósito não é utilizar a música portuguesa como arma de arremesso contra nada nem contra ninguém. O nosso propósito é sermos solidários com todos os que fazem música em Portugal e manifestar a nossa disponibilidade e o nosso empenho para contribuir para a valorização das suas obras, como património identitário insubstituível e inalienável do nosso povo. Esta intervenção não é contra ninguém mas é exclusivamente a favor da música portuguesa, dos seus autores, compositores, cantores, intérpretes, dos que a produzem, dos que a divulgam e dos que a editam. Esta intervenção é a favor da nossa cultura, da nossa identidade, mas também das actividades económicas que se podem e devem desenvolver em torno da música portuguesa, na produção e edição, na promoção e organização de espectáculos, na comercialização, dentro e fora de Portugal, de um produto cultural que só os portugueses possuem.
A música portuguesa é parte essencial da nossa identidade como país e como povo. É a nossa música, criada, cantada e executada por portugueses, e em português, que une o povo português nos quatro cantos do mundo. São as vozes inesquecíveis de Amália e de José Afonso - para citar apenas dois dos maiores que já não estão entre nós - que constituem referências incontornáveis da nossa cultura e da nossa história contemporânea, que exprimem os nossos sofrimentos, os nossos valores, as nossas causas e as nossas esperanças.
Mas são também os que hoje fazem música em Portugal, contra ventos fortes e marés adversas, que mantêm viva a nossa cultura e que, no quadro triturante de uma globalização ditada pelos mercados que sacrifica as identidades e as diferenças no altar do lucro mais fácil das multinacionais, insistem em levantar a voz - a nossa voz - e em difundir os sons e as palavras que nos distinguem e com que nos identificamos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como se diz no manifesto em defesa da música portuguesa, que aqui cito com a devida vénia, "Portugal cuida muito mal dos seus artistas. Camões morreu na miséria. Muitos notáveis morreram às mãos da Inquisição. Pessoa foi contabilista. Vergílio Ferreira, professor de liceu até à reforma. José Afonso contou essencialmente consigo e com os amigos na doença que o vitimou. Eduardo Lourenço, Jorge de Sena, Anabela Chaves e tantos outros tiveram de emigrar. Carlos Paredes foi - pasme-se - arquivista de radiologia do Hospital de São José. É, ao que parece, um défice de auto-estima crónico. Mas doentio e absurdo".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a música portuguesa está a "bater no fundo". A educação musical é desprezada nos currículos escolares. Os instrumentos musicais são objectos de luxo e pagam IVA a 19%. A rádio e a televisão portuguesa, salvo honrosas excepções onde se incluem os vários canais da RDP, com destaque para a Antena Um e a RDP Internacional, quase não

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passam música portuguesa. Consequentemente, a música portuguesa é pouco editada, pouco promovida, pouco vendida e promovem-se poucos espectáculos com músicos e cantores portugueses.
Será, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a música portuguesa não tem qualidade? Tem, seguramente - veja-se o reconhecimento internacional que, apesar de tudo, alguns cantores e executantes portugueses vão obtendo!
Será que os portugueses não gostam da música portuguesa? Gostam, seguramente - veja-se a enorme adesão e o entusiasmo juvenil que suscitam os espectáculos de muitos músicos portugueses!
Então, se as coisas estão como estão, é porque, parafraseando José Saramago - também ele cantado por músicos portugueses e censurado pela cegueira cultural e política de um secretário de Estado de má memória -, "alguém não está a cumprir o seu dever".

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As rádios brasileiras passam 80% de música brasileira. Em quase todos os países europeus, as rádios passam preferencialmente a sua própria música. Em Portugal, não há justificação aceitável para que a grande maioria das rádios se limite à difusão mecânica dos temas constantes de listas que lhes são impostas por conluios de natureza comercial.
Assim como não é aceitável que as televisões, que têm como finalidade, nos termos da lei que lhes permitiu obter as licenças para emitir, a promoção da Língua Portuguesa e dos valores que exprimem a identidade nacional, se caracterizem pela quase total ausência de produção e difusão de programas musicais em português.
Esta situação não pode continuar. A música portuguesa não pode definhar à vista de todos, com as leis a não serem cumpridas, com as rádios e as televisões portuguesas ocupadas quase exclusivamente por música importada e, na sua maioria, de duvidosa qualidade, e tudo isto sem que cada um assuma por inteiro as responsabilidades que lhe cabem.
É um imperativo nacional que o movimento de opinião que está hoje a mobilizar os criadores da música portuguesa seja ouvido não apenas pela opinião pública mas também pelos poderes públicos. Nesse sentido, queremos afirmar aqui a total disponibilidade do Grupo Parlamentar do PCP para debater quanto antes nesta Assembleia as soluções legais mais adequadas para a defesa da música portuguesa e anunciar que iremos propor, em próxima Conferência de Líderes, ao Sr. Presidente da Assembleia da República que se promova, no próximo mês de Março, o agendamento para Plenário de um debate mensal sobre assunto de actualidade, de relevância nacional, sobre a situação da música portuguesa.

Aplausos do PCP.

E esperamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esse debate seja um bom ponto de partida para que a Assembleia da República possa assumir as suas responsabilidades na superação de uma realidade que não pode continuar, porque é injusta para os nossos artistas, é lesiva para a nossa cultura e é indigna para Portugal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção sobre assunto de interesse político relevante, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Face à actual conjuntura internacional adversa e às limitações existentes a nível interno, o Governo tem respondido com o avanço de reformas estruturais em diversos sectores de actividade em Portugal, decidindo, ao mesmo tempo, cortar no supérfluo e concretizando o essencial.
Os erros e a não tomada de decisões de governos anteriores, que obrigam os portugueses a fazer mais e maiores sacrifícios no presente, incentivam o Governo a encontrar um novo rumo para Portugal e a definir prioridades de investimento, aproveitando as potencialidades humanas, naturais e tecnológicas.
Neste contexto de imprevisibilidade e de limitações, a agilização de toda a Administração Pública, incluindo a administração local e a administração central, é um dos factores críticos de sucesso que deve orientar os responsáveis políticos, porque, assim, permitirá, no mais curto prazo, dinamizar o investimento privado tão necessário ao crescimento da economia.
O próximo alargamento da União Europeia para 25 Estados-membros é mais um desafio que se coloca, já hoje, ao País. Definir a nossa vocação no contexto europeu, encontrar e concretizar os investimentos estruturais com efeito multiplicador na economia portuguesa são desígnios que nos devem mover no presente.
Somos pequenos à escala internacional e, por isso, as nossas alianças estratégicas, europeias e atlânticas, são fundamentais para termos uma voz activa no cenário internacional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Apesar de grandes problemas que se encontram na nossa sociedade, neste cenário cada vez menos previsível do século XXI, Portugal apresenta algumas vantagens competitivas relativamente à maior parte do mundo. Estabilidade política, equilíbrio social, condições naturais ímpares na Europa, vocação atlântica e grande ligação ao Mediterrâneo e África são condições que podem contribuir fortemente para o arranque de um novo ciclo de prosperidade em Portugal.
As diversas regiões portuguesas têm, também elas, de encontrar o seu papel neste projecto, correndo o risco de ficar para trás e, ao mesmo tempo, de não contribuírem com o melhor que têm para o desenvolvimento e afirmação de Portugal na Europa.
O distrito de Setúbal quer participar no esforço nacional e pretende atingir um patamar de excelência nos produtos a oferecer, aproveitando os recursos endógenos e potenciando-os.
No distrito de Setúbal, vivem cerca de 800 000 pessoas - 700 000, na península de Setúbal e cerca de 100 000, nos quatro concelhos do litoral alentejano. Este território divide-se em duas zonas com características geográficas, sociais e económicas bastante distintas.
A península de Setúbal, com nove concelhos marcadamente urbanos, teve um grande crescimento na década de 60, baseado na indústria pesada - estaleiros navais, siderurgia, indústria química -, começando a atrair população de outros pontos do País, nomeadamente do Alentejo

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e das Beiras. Estas actividades provocaram défices ambientais ainda não resolvidos, nomeadamente no que respeita aos resíduos industriais. O crescimento demográfico elevado levou ao aparecimento, de alguma forma descontrolado, nas décadas de 70 e 80, de grandes áreas de construção clandestina. Na década de 80, o encerramento de grandes unidades industriais agravou os problemas sociais e económicos, levando à implementação da Operação Integrada de Desenvolvimento da Península de Setúbal (OID/PS). A OID de Setúbal foi um primeiro passo para a diversificação da actividade económica e para a instalação da Autoeuropa, em Palmela, projecto estruturante a nível nacional. Sr. Presidente e Srs. Deputados, a imagem de Setúbal começou a mudar.
Cerca de três décadas após o 25 de Abril, é corrente ouvir-se que o sistema precisa de ser revisto, que o sistema precisa de reformas. Eu fui eleito por um distrito onde este problema é notório. Setúbal, passe embora a lenda de "bastião vermelho", continua a funcionar ainda como base de recrutamento para manifestações em Lisboa e sendo difícil perceber nestes movimentos outra coisa que não seja o serviço de engajamento às mais anacrónicas correntes ideológicas, encenadas por agentes do poder local.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Tenha vergonha!

O Orador: - Setúbal, que funciona em matéria de problemas laborais e de crise económica como o barómetro para o País, registando antecipadamente os ciclos de recessão e despedimentos, tem sido vítima da dominação da esquerda. Um poder autárquico instalado há vários anos no poder começa agora a dar conta de problemas orçamentais sempre desmentidos. Até para a propaganda começa a faltar dinheiro. Vivendo de expedientes e também dos grandes projectos estruturantes de iniciativa da administração central - vejam-se, por exemplo, os casos da Autoeuropa, o Eixo Ferroviário Norte/Sul e o Metro Sul do Tejo -, o poder local no distrito de Setúbal parece, por vezes, perder mais tempo a encenar movimentos contestatários do que a promover a região ou a atrair investimentos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não conhece a Constituição nem o direito de manifestação!

O Orador: - O PSD entende que esta atitude tem de mudar. O empenho dos responsáveis políticos tem de centrar-se no aproveitamento dos recursos endógenos deste distrito, virado para o Atlântico, com dois estuários magníficos, o Tejo e o Sado, com paisagens e parques naturais de elevada qualidade, com mão-de-obra qualificada e experiente, com elevado nível de escolaridade dos seus cidadãos e na qualidade que têm os seus produtos regionais, sendo os queijos e os vinhos da região produtos de excelência reconhecida.
O litoral alentejano bem como a costa atlântica e as zonas estuarinas do Tejo e do Sado são recursos que não podem ser desperdiçados, na vertente do turismo e do lazer, de qualidade, no panorama nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portos de Lisboa, Sines, Setúbal e Sesimbra podem e devem ser actores principais e motores de desenvolvimento na dinamização da economia regional e nacional. O porto de Sines, principal porto energético nacional, e o porto de Setúbal, primeiro em movimento de veículos automóveis no País, são peças-chave da nossa ligação com o resto do mundo.
Os investimentos em curso nos dois portos, destinados à movimentação de contentores, vão gerar investimentos em Setúbal e no Alentejo, criando novas áreas de actividades logísticas industriais. O escoamento de produtos de e para o interior do Alentejo e para as regiões fronteiriças de Espanha é uma das grandes apostas deste projecto de relevância nacional.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é necessário fazer ainda um esforço para realizar mais alguns investimentos públicos, estruturantes, que considero prioritários e que permitirão localizar novas actividades e rentabilizar os projectos em curso.
A reconversão da zona ribeirinha da margem sul do Tejo, onde se incluem a Margueira, em Almada, os terrenos da Siderurgia Nacional, no Seixal, e os terrenos da QUIMIPARQUE, no Barreiro, é um projecto que tem de avançar em conjunto com todos os parceiros, nomeadamente com os municípios, permitindo, desta forma, valorizar áreas altamente degradadas do território nacional, que podem e devem ser reconvertidas.
A ligação de Sines a Espanha, através do IP8, a ligação ferroviária de Sines à Estremadura espanhola, a construção da via Casas Amarelas/Mitrena, em Setúbal, a ligação da auto-estrada do Sul ao porto de pesca de Sesimbra e a construção do IC32, entre Coina e a Trafaria, são, de facto, infra-estruturas que permitirão aproveitar estes recursos, ao nível quer turístico, quer portuário, quer industrial.
Setúbal pode mudar a sua imagem. Setúbal quer contribuir fortemente para o desenvolvimento do País, para termos um Portugal melhor, para deixarmos aos nossos filhos um Portugal melhor do que aquele que encontrámos há bem pouco tempo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra, por 3 minutos, o Sr. Deputado Alberto Antunes.

O Sr. Alberto Antunes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Rodrigues, saúdo a sua intervenção, chamando a atenção para os problemas e as preocupações do distrito de Setúbal, designadamente quanto aos projectos estruturantes que aqui citou e que, como sabe, foram projectos lançados pelo anterior governo, nomeadamente o projecto de Sines e o projecto do porto de Setúbal.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Quero saudá-lo por ter referido esses projectos, mas também espero que o actual Governo os concretize e leve por diante, vencendo alguns lobbies que a eles se pretendem opor.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer forma, gostaria de perguntar-lhe como é que o Sr. Deputado encara a situação em Setúbal, onde o desemprego é um dos principais e graves factores resultantes de alguma desindustrialização, desemprego esse que, durante os governos socialistas, desceu para os 6% a 7% e que, nos últimos nove meses, já quase

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duplicou, atingindo, neste momento, segundo os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional, cerca de 11,5%. Como é o Sr. Deputado vê este facto e como é que comenta esta situação?
Por outro lado, gostaria de perguntar-lhe o que pensa o actual Governo fazer não só para resolver este problema como necessariamente para mudar o aspecto de desenvolvimento do distrito de Setúbal, designadamente os eixos estruturantes relativos ao turismo. Porquê não ter este Governo avançado com um projecto que vinha do anterior governo, que era o da construção da escola de hotelaria e turismo em Setúbal?

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Porquê o ter-se anulado a construção da pousada do Cabo Espichel? Porquê todos estes recuos, relativamente aos investimentos absolutamente necessários e imprescindíveis ao desenvolvimento e ao aproveitamento das potencialidades endógenas do distrito?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Rodrigues, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. Dispõe também de 3 minutos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Rodrigues, ao ouvir a sua intervenção colocou-se-me uma dúvida que, com certeza, o Sr. Deputado esclarecerá: deu-me a impressão, não sei se pela sua idade, que, de repente, desresponsabilizou as responsabilidades de muitos anos que o PSD, enquanto governo, teve em relação ao distrito de Setúbal.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Será por V. Ex.ª ser novo? Será por não ter a informação necessária em relação a questões estruturantes daquele distrito, a questões sociais fundamentais em que os trabalhadores daquele distrito passaram por aquilo que não desejarão passar mais alguma vez durante os governos do PSD, particularmente os do consulado cavaquista?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, admitindo que é novo e que fez uma rasura de memória, pergunto-lhe se a sua intervenção teve alguma coisa a ver com o seu comportamento, com o seu voto - se quiser, o do seu grupo parlamentar -, relativamente ao PIDDAC, em que o Grupo Parlamentar do PCP, tal como os de outros partidos da oposição, colocaram questões importantíssimas e apresentaram propostas que, tendo em conta a sua intervenção, deveriam ter tido o seu apoio, tanto no plano da saúde, como no plano do ensino, das grandes questões sociais e até, não no plano do PIDDAC mas, por exemplo, quanto a uma questão concreta, sobre a deslocação de empresas com todas as consequências sociais que estão a atingir centenas de trabalhadores daquele distrito. Alguma vez o Sr. Deputado se preocupou com isto?
Em relação à Clark, por exemplo, até admito ter havido, por parte do presidente de câmara, uma preocupação social. No entanto, nunca ouvi, nem hoje, aqui, na sua intervenção, da sua parte essa preocupação, relativamente a esta situação dramática, que hoje começa a atingir centenas de trabalhadores do distrito de Setúbal.
Portanto, foi apenas um exercício de memória.
Assim, pergunto-lhe: por que é que, no PIDDAC, votou contra propostas fundamentais que poderiam resolver muitos dos problemas que existem naquele distrito? Por que é que rasurou da memória responsabilidades que o PSD tem em alguns atrasos que se verificam no distrito de Setúbal?

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, que dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Rodrigues, creio que a questão que se levanta com a intervenção que V. Ex.ª acabou de proferir daquela tribuna é precisamente a de saber como é que o PIDDAC, que os senhores aprovaram há uns meses atrás, consegue dar resposta a algumas das questões que o Sr. Deputado aqui levantou.
Num distrito que se confronta com problemas gravíssimos ao nível da educação, para os quais a primeira resposta dos senhores foi a do encerramento de um conjunto de escolas, o que movimentou um grupo de pais para o absurdo da situação, como é que os senhores respondem a estas carências sentidas no distrito de Setúbal?
Como é que os senhores dão resposta, com o PIDDAC que aprovaram há alguns meses, às carências do distrito de Setúbal, que se confronta com problemas gravíssimos ao nível da saúde, tal como a carência de estruturas - recordar-se-á, com certeza, do famoso e tão prometido hospital do Montijo, o novo hospital do Montijo, ou de outras unidades e centros de saúde necessários - e a carência de médicos com que os utentes e os pacientes se confrontam neste distrito?
O Sr. Deputado veio aqui culpabilizar as autarquias de todos os males com que se confronta o nosso distrito neste momento, mas esqueceu-se das responsabilidades que o Governo tem nesta matéria.
Quando o ouvi falar, relativamente à questão das áreas protegidas, do aproveitamento dos recursos endógenos do distrito de Setúbal, esbocei um sorriso, pois não poderia ter tido outra reacção quanto àquilo que o Sr. Deputado referiu. O Governo retirou uma verba muito significativa das áreas protegidas do distrito - e não estamos a falar de um distrito qualquer mas, sim, do distrito de Setúbal, que encerra em si o maior conjunto de áreas protegidas deste País -, reduziu significativamente as verbas para valorizar e potenciar a acção e protecção nessas áreas protegidas, e o Sr. Deputado veio aqui falar da necessidade de valorização dessas áreas e da necessidade de potenciar alguns recursos também necessariamente ligados a essas áreas?!
Sr. Deputado, não entendi a sua intervenção… Entendi-a apenas como um discurso de retórica, um discurso teórico

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que traz aqui um conjunto de preocupações às quais os próprios senhores não conseguem dar resposta, muito pelo contrário, pois inviabilizaram muitas das respostas necessárias àquele distrito com o PIDDAC que fizeram questão de aprovar.

Vozes de Os Verdes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Rodrigues, dispondo, para o efeito, o tempo máximo de 5 minutos.

O Sr. Luís Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Alberto Antunes conhece bastante bem o distrito de Setúbal, até pelas funções que desempenhou, mas eu gostaria de fazer uma pequena nota.
Em relação ao cabo Espichel é muito interessante trazer agora essa questão e colocá-la dessa maneira, porque, como sabe, durante seis anos e meio muito pouca coisa foi feita ou quase nada. Mais: a recuperação da igreja ainda não está concluída - é apenas uma pequena nota.
Portanto, a recuperação, que deveria ter sido feita durante seis anos e meio, não foi feita. Porém, agora, passados oito ou nove meses deste Governo, o Sr. Deputado Alberto Antunes vem relembrar este assunto, e fez muito bem em relembrá-lo, mas esqueceu-se de que um governo do Partido Socialista e um governador civil, que também era do Partido Socialista, não conseguiram, de facto, recuperar um património que, também em minha opinião, é da maior relevância para o distrito e para a região.
Muito obrigado, Sr. Dr. Alberto Antunes, por ter trazido aqui esse problema.
Quanto à questão do desemprego - e aproveito para responder também ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa -, é óbvio que também nos preocupa, quer ele se verifique nesse distrito como também no país. Agora, não é verdade a taxa de desemprego referida pelo Sr. Deputado. Como sabem, dei, por estar preocupado, uma conferência de imprensa sobre a matéria do desemprego, e a taxa de desemprego registada em Setúbal é superior à do País, à média nacional, é verdade, mas é de 8,8%. De facto, Sr. Deputado, temos dados diferentes acerca do desemprego registado no distrito de Setúbal.
No que diz respeito ao facto de o presidente da Câmara de Castelo de Paiva - concelho onde aconteceu e está a acontecer esses problemas - estar ao lado dos trabalhadores, é verdade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Você e o Governo é que não estão ao lado dos trabalhadores!

O Orador: - É um presidente de câmara do PSD e é um presidente que se empenha e está ao lado dos trabalhadores que foram despedidos, razão pela qual lhe dou o meu louvor.
Em relação às responsabilidades e aos investimentos do PIDDAC para 2003, parece-me muito interessante a desfaçatez de alguns e o esquecimento de outros. Como é que foi possível comprometer de facto, apenas no papel, tantos milhões de euros para nada se fazer?! E somos nós agora que temos de concretizar todos esses compromissos, que, como sabem, estavam no papel, não podendo, como é evidente… Eu também gostaria de ter um hospital à minha porta, eu também gostaria que houvesse um centro de saúde à porta do meu vizinho… Mas, como há pouco eu disse, temos de racionalizar os investimentos, temos de priorizar, temos de encontrar aquilo que é essencial e deixarmo-nos de "flores". Não podemos continuar a gastar, também naquele distrito, em propaganda, como, por exemplo, em entradas de feiras, em boletins municipais, que, muitas vezes, são acções de pura propaganda, milhares de euros. Para este tipo de gastos não vão, com certeza, contar com o nosso apoio. No entanto, se for para o esgoto, o abastecimento de água, recuperar o património, ter-nos-ão ao vosso lado; agora, para acções de propaganda e "flores" não, não vamos por esse caminho.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho para tratamento de assunto de interesse político relevante.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento do distrito de Aveiro tem um lugar muito importante na estratégia de promoção, em Portugal, de uma nova centralidade polinucleada de dimensão europeia, o que impõe ao Governo a obrigação de tomar prontamente as decisões necessárias à sua adequada infra-estruturação e qualificação humana. A população do distrito não compreende e não aceita as indecisões a que estão sendo submetidas obras fundamentais para prosseguir a requalificação económica e social de todo o distrito. Mencionarei três situações a desbloquear imediatamente.
Espinho, é hoje um pólo turístico entre Aveiro e Porto de referência internacional. O seu desenvolvimento encontra-se dependente do rebaixamento da linha férrea. Este projecto está previsto no programa de requalificação da Linha do Norte, que a REFER vem realizando, tendo sido objecto de um protocolo assinado, em Maio de 1999, pela REFER e pela Câmara Municipal de Espinho, devidamente homologado pela tutela governamental.
No cumprimento deste protocolo, a REFER abriu concurso público internacional para a execução do rebaixamento em Junho de 2001, determinou a sua adjudicação em Maio de 2002, obteve despacho de viabilização ambiental do Sr. Secretário de Estado do Ambiente, em Setembro de 2002. Por seu lado, a Câmara Municipal de Espinho cumpriu, e reitera continuar a cumprir, as obrigações estabelecidas no citado protocolo.
Face a esta tramitação do processo, não é aceitável que a REFER venha agora adiar a execução do projecto, recorrendo ao consagrado método de constituição de grupos de trabalho para que tudo seja de novo retomado junto de várias fontes ministeriais: Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação; Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente; Ministério da Economia, entre outros. No fundo, todo o Governo. Quererá isto dizer que a REFER, pura e simplesmente, se prepara para não cumprir unilateralmente o protocolo que assinou com a Câmara Municipal de Espinho? Como esse protocolo foi homologado pelo Governo, o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação é o destinatário último desta questão.
Por isso, apelo à sua intervenção imediata no sentido de impedir uma injustiça tão clamorosa, para mais, um grosso erro político, que significaria, não só em Espinho como em todo o País, que a ordem é "parar", mesmo naqueles casos em que o comum dos portugueses entende

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que a situação não pode ficar como está, que a ordem é "fazer".

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à concessão da SCUT da Costa de Prata, gostaria também de referir a incompreensível indecisão que recaiu sobre o traçado entre Estarreja e Angeja e a transformação do IP5 em auto-estrada, na zona de Viseu. Qualquer destes projectos leva mais de seis meses de atraso, com evidente prejuízo para todo o distrito de Aveiro, para o seu porto, para a mobilidade entre o litoral e o interior, entre o norte e o sul, atravessando o distrito.
Sr. Ministro, a pior das situações é continuar a hesitar sem saber o que fazer. Neste momento, a hesitação do Governo já se traduz, certamente, em apreciações negativas junto dos meios internacionais que seguem o project-finance, com consideráveis custos para o País. Queremos que o Governo saiba continuar a obra que herdou, e basta de indecisões!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não poderia deixar de referir ainda a situação laboral que se vive no distrito de Aveiro.
Precisamente no concelho de Estarreja, onde o Sr. Ministro da Economia é Presidente da Assembleia Municipal, mas, pelos vistos, não sabe o que se passa à porta de sua casa, há 80 trabalhadores de uma empresa, a BAWO, que fazem vigília dia e noite para impedir que aquela fábrica seja esvaziada, que os seus salários nunca venham a ser pagos, que se verifique uma situação de nítida violação de direitos elementares consagrados nas nossas leis.
Se o Sr. Ministro não sabe o que se passa à porta de casa, o que fará quanto àquilo que sabe sobre o País!

Aplausos do PS.

Finalmente, gostaria de dizer ainda a todo o Governo que o discurso não basta. O País começa a estar farto de promessas vazias e ocas. A realidade é que o desemprego aumenta; o desemprego no distrito de Aveiro cresce a um ritmo muito superior ao verificado no resto do país, que, já de si, é o mais elevado registado na Europa.
Em 2000, o desemprego, em Aveiro, cresceu 16,7%, enquanto que no País cresceu 6,1%, e, se compararmos a situação de Maio de 2002, altura em que o Governo entrou em funções, com a situação de Dezembro, temos, para o distrito de Aveiro, o seguinte: a taxa de crescimento homóloga, em Maio, é de 10,7%, a taxa de crescimento homóloga, em Dezembro, é de 27,2%, com o crescimento da taxa de desemprego acima de 20%, desde Setembro de 2002. O que faz o Governo? O Governo discursa!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Montenegro.

O Sr. Luís Montenegro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Cravinho, começo por saudar V. Ex.ª por ter, finalmente, nesta Câmara, acordado para os problemas pertinentes do distrito de Aveiro, o que já não era sem tempo, dado que, desde 1999, V. Ex.ª desempenha funções nesta Câmara como eleito por esse círculo eleitoral.
Em relação à questão que coloca e que diz respeito ao projecto de enterramento da linha férrea no perímetro urbano do concelho de Espinho, quero dizer-lhe o seguinte: como V. Ex.ª bem sabe, este processo foi desencadeado em 1996, por alturas da discussão do projecto de modernização da Linha do Norte, e V. Ex.ª teve oportunidade de elencar aqui alguns momentos do desenvolvimento desse projecto, nomeadamente o protocolo assinado em Maio de 1999 e algumas decisões de 2001 e já de 2002. V. Ex.ª por certo dará conta de que, entre 1996, altura em que o processo se iniciou, em que foram tomadas deliberações nomeadamente pelos órgãos municipais, e 2002, passaram seis anos e que, entre a tomada de posse do actual Governo e o dia de hoje, passaram apenas 10 meses. Não compreendo como é que V. Ex.ª vem exigir do actual Governo uma decisão que esteve nas suas mãos durante tanto e tanto tempo!

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

Também gostaria de relembrar a V. Ex.ª que, no passado dia 6 de Dezembro - e, nessa altura, não o vi por cá -, tive oportunidade de chamar a esta Assembleia, a este Hemiciclo, o Sr. Secretário de Estado dos Transportes para o questionar relativamente a esta matéria. V. Ex.ª não estava - teve falta de comparência - e, porventura, não terá conhecimento daquilo que foi aqui dito pelo Sr. Secretário de Estado. Não é verdade que o Governo tenha desistido de fazer esta obra. A verdade, que o Sr. Secretário de Estado teve oportunidade de dizer, é que o processo não estava tão bem preparado quanto os senhores andaram a dizer pelo distrito de Aveiro e pelo concelho de Espinho. E relembro aqui a promessa do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Espinho, de que as obras se iniciariam em Janeiro de 2002.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado João Cravinho, gostava que, de uma vez por todas, ficasse consciente da vontade política do PSD e do Governo de pôr em prática esse projecto o mais rápido possível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Montenegro, começo por agradecer-lhe as palavras amáveis que me dirigiu.
Deixe-me explicar-lhe uma coisa. Diz o Sr. Deputado que eu acordei. Devo dizer-lhe que contactei pela primeira vez com este problema de Espinho, o do rebaixamento, certamente enquanto o Sr. Deputado dormia (aliás, um justo repouso) por volta das 3 ou 4 horas da manhã, quando de uma visita que fiz e que se prolongou, em debate com o presidente da câmara municipal acerca dos problemas do concelho. Portanto, como pode calcular, em matéria de acordar cedo, ainda V. Ex.ª se há-de levantar para me lembrar isso.

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Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à matéria de facto, parece-me que o Sr. Deputado votou na Câmara Municipal de Espinho, onde também é vereador, uma moção, uma resolução, uma deliberação no sentido de considerar absolutamente inaceitável o protelamento desta obra, que toda gente, em Espinho, quer - e recordo as palavras que o Sr. Deputado proferiu no dia 6 de Dezembro, dizendo que isto é uma obra de Espinho, de todos os espinhenses, sem excepção. E é em nome de todos eles, inclusivamente do Sr. Deputado que me permito trazer a esta Câmara a obrigação da REFER de cumprir o protocolo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Passamos agora à questão de saber se o projecto estava bem ou mal preparado.
Há-de o Sr. Deputado recordar-se de que, quando mais de 40 localidades no País pediam rebaixamentos pelas mais diversas razões, entendi que o caso de Espinho era diverso, quanto à justiça, à necessidade e à comparticipação que os espinhenses estavam dispostos a fazer na obra, através de grande parte do seu financiamento, o que não sucedia no resto do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, como pode calcular, não foi fácil tomar aquela decisão; e quem fez o projecto não fui eu, pois sou engenheiro civil, não sou engenheiro ferroviário, quem se encarregou disso foi a REFER, que o fez nos prazos que lhe pareceram úteis, porque tem muitas outras obras na Linha do Norte, como sabe.
Portanto, quanto a saber se o projecto estava bem ou mal preparado, devo dizer que ele estava bem preparado. Não foi finalizado por mim nem pelos meus sucessores, é verdade, porque a adjudicação só ocorreu efectivamente já em 2002. Mas, Sr. Deputado, o senhor é da escola daqueles que entendem - e deve haver, com certeza, muitos nas suas fileiras - que uma obra se faz em dias, em semanas e que tudo o resto é projecto de papel. O Sr. Deputado já foi ao Algarve num projecto de papel. Já inaugurou uma SCUT, quase inteira, em projecto de papel. Tem, neste momento, em execução mais obras, as tais de projecto de papel, em auto-estradas do que todas aquelas que foram feitas em 10 anos, de 1985 a 1995. São todas projectos de papel!

Aplausos do PS.

Orgulho-me desse projecto de papel, Sr. Deputado. Já agora, gostaria de lhe dizer: ao menos, estejam à altura do legado que herdaram, não atrasem, não hesitem, não estejam entre Cila e Caribdis, entre um presidente de câmara e outro! Têm as obras paradas entre Angeja e Estarreja, hesitam há nove meses…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Hesitam em Aveiro, hesitam em Viseu! Sr. Deputado, junte-se a mim que eu junto-me a si para que não haja qualquer hesitação em Espinho!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 5 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos os trabalhos, quero chamar à ordem as Sr.as Deputadas e os Srs. Deputados que utilizam o telemóvel na Sala das Sessões. Os Srs. Deputados sabem perfeitamente que a utilização do telemóvel está vedada, porque prejudica o funcionamento do sistema audio, para além de haver um sinal à porta da Sala a indicar que, dentro da Sala, os telemóveis devem estar desligados. Contei 11 Srs. Deputados que estavam a falar ao telemóvel nos últimos 60 minutos. À medida que o tempo vai passando, aumenta o número dos "telemóvel-falantes"!
Assim, Srs. Deputados, peço-vos o favor de não insistirem, porque isso prejudica objectivamente o funcionamento do Parlamento.
Srs. Deputados, o primeiro ponto da ordem do dia de hoje é a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/IX - Aprova o regime jurídico da concorrência.
Para proceder à apresentação da proposta de lei, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia (Carlos Tavares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A promoção da concorrência saudável é uma das principais linhas orientadoras do Programa para a Produtividade e Crescimento da Economia. Uma concorrência sã é a melhor garantia do aumento de eficiência das empresas e da defesa dos agentes económicos mais frágeis: as pequenas e médias empresas e os consumidores. É através de uma concorrência saudável que se assegura aos consumidores a escolha variada de produtos, o melhor preço e a melhor qualidade. Assim se determina o nível do bem-estar social. A concorrência efectiva traduz-se na luta permanente pela satisfação do consumidor.
Um ambiente competitivo e concorrencial é também o motor da incessante busca de novos produtos, de novos processos de produção, numa palavra, da inovação. Ela obriga as empresas instaladas a manter elevados ritmos de inovação e eficiência e permite ainda a livre entrada e saída do mercado: uma empresa eficiente e competitiva tem vantagens no acesso ao consumidor; uma empresa ineficiente é afastada do mercado.
É por estas razões que, em todo o mundo, os mercados mais concorrenciais são os que registam maiores índices de produtividade. Habituar as empresas a ter de lutar pela permanente satisfação das exigências dos consumidores nos difíceis domínios do preço, da qualidade e da variedade, tem como consequência óbvia a sua preparação para enfrentar as exigências dos difíceis mercados externos.
Infelizmente, situações existem em que a própria dinâmica da economia de mercado conduz a situações de insuficiente concorrência. Pela escassez de recursos, por características tecnológicas específicas propiciadoras de situações habitualmente descritas como de monopólio natural, ou, ainda, devido a práticas anticoncorrenciais por parte de operadores fortes e instalados, muitas vezes se vêem afastados do mercado concorrentes mais pequenos,

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mais inovadores e mais ágeis. Para todas estas situações é imprescindível a intervenção directa do Estado, como regulador, protector da concorrência e dos direitos dos consumidores e pequenos concorrentes.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o caminho para a eficiência dos mercados passa por sete requisitos fundamentais.
Primeiro, facilitar a entrada de novas empresas no mercado, o que implica actuar sobre os processos de criação e licenciamento de empresas, eliminando barreiras administrativas, burocráticas e regulamentares.
Segundo, facilitar o crescimento das empresas, reduzindo os custos monetários, de tempo e de contexto nos processos de produção, investimento, aquisição, fusão e reorganização de empresas.
Terceiro, eliminar os incentivos perversos ou que provoquem distorção de concorrência, sejam de natureza regulamentar, financeira ou fiscal.
Quarto, reduzir o peso do Estado na economia, afastando-o da presença injustificada no sector produtivo e reduzindo o peso da administração pública.
Quinto, facilitar a saída das empresas não viáveis do mercado, designadamente através de processos de recuperação e falência de empresas que não permitam a criação de verdadeiras situações de distorção de concorrência através da subsistência de empresa inviáveis e incumpridoras.
Sexto, maximizar a disseminação de informação designadamente às empresas que a ela menor acesso têm, as PME.
Sétimo, dispor de uma regulamentação que assegure a observância dos princípios da concorrência leal e saudável pelos agentes do mercado e de uma regulação independente e eficaz da concorrência.
Hoje posso dizer que actuámos profundamente nestas sete vertentes. O ambiente de negócios em Portugal sofreu, ao longo dos últimos oito meses, mudanças radicais.
Estamos a tornar mais fácil e mais simples a criação e o licenciamento de empresas com novos Centros de Formalidades de Empresas, com o novo regime de licenciamento industrial, com a privatização dos notários, com o Programa NEST. Vamos aprofundar esta linha, com novos regimes de licenciamento comercial e turístico e com a revisão dos actos administrativos necessários à criação de empresas.
Estamos a facilitar e a incentivar o crescimento das empresas com a redução generalizada da tributação, com um novo regime fiscal e emolumentar das fusões e reorganizações de empresas, com novos apoios à cooperação empresarial, com a profunda reforma do capital de risco, com os mecanismos de apoio ao reforço de capitais permanentes das PME, com a reforma institucional de apoio ao investimento, através da criação da Agência Portuguesa para o Investimento e da reestruturação do IAPMEI e do ICEP.
Estamos a dar às empresas portuguesas condições de utilização dos factores produtivos comparáveis às das suas concorrentes europeias: ao factor trabalho com o novo código em aprovação; à energia com o mercado ibérico de electricidade.
Eliminámos também incentivos perversos, ou, simplesmente, menos racionais, com a revisão do Programa Operacional de Economia, em fase de apresentação à Comissão Europeia. Com ele se privilegia o mérito em função do valor acrescentado revelado, o preenchimento de falhas de mercado, a qualificação de recursos humanos, os incentivos dirigidos à mudança estrutural do modelo de produção, afastando os subsídios a actividades de natureza corrente.
Estamos a reduzir o peso do Estado na economia com o reinício do processo de privatização de empresas e com as reformas no domínio da administração pública. Em breve, ficará mais racional o processo de saída de empresas do mercado com um novo código de falências que elimine o actual arrastamento de situações inviáveis e permita soluções rápidas e criativas de recuperação dos activos e de sustentação dos empregos das empresas que atingirem o fim da sua vida possível.
Por fim, mas não menos importante, estamos a mudar radicalmente toda a arquitectura da regulamentação e da regulação da concorrência: primeiro, adoptando um modelo de regulação independente, desgovernamentalizado e moderno, traduzido na criação da Autoridade da Concorrência e, agora, com uma nova regulamentação consubstanciada na lei que hoje está em discussão nesta Assembleia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a modernização e actualização da lei da concorrência reveste-se de uma importância fundamental: por um lado, é indispensável a criação de mecanismos capazes de prevenir e sancionar efectivamente as práticas anticoncorrenciais, pondo termo ao clima de impunidade generalizada, e, por outro, é necessário também assegurar rapidez e eficácia aos procedimentos de controlo prévio e de controlo das concentrações. Deve privilegiar-se a análise aprofundada dos casos mais complexos e reduzir os prazos de apreciação das operações que, à partida, se mostrem insusceptíveis de afectar negativamente a concorrência.
Finalmente, a descentralização de aplicação das regras comunitárias de concorrência, recentemente aprovada pelo Conselho de Ministros da União Europeia, exige um esforço de harmonização entre o Direito nacional e o Direito Comunitário.
É assim, na profunda convicção de que a reforma corporizada nesta proposta de lei constitui um instrumento indispensável à promoção de uma política de concorrência verdadeiramente eficaz, que passo a enumerar os seus traços fundamentais.
Primeiro, o alargamento das regras relativas ao controlo das concentrações ao sector financeiro, cujos processos de fusão se encontravam até aqui sujeitos exclusivamente à jurisdição das respectivas autoridades de supervisão financeira.
Segundo, todas as empresas, públicas ou privadas, incluindo aquelas que prestam serviços de interesse geral, ficam submetidas às regras da concorrência, desde que tal não constitua obstáculo à missão que lhes foi confiada.
Terceiro, clarifica-se a configuração da ilicitude dos acordos e práticas concertadas entre empresas e dos abusos de poder económico. Com esta clarificação circunscreve-se a ilicitude a práticas anticoncorrenciais que afectem significativamente a concorrência e dá-se maior segurança jurídica aos agentes económicos. Por outro lado, eliminam-se as presunções de posição dominante estabelecidas na legislação em vigor, por se entender que estas, pelo seu carácter redutor, dão sinais errados, quer ao mercado, quer aos aplicadores do direito da concorrência. Especial destaque merece ainda, neste domínio, a consagração de uma regra que expressamente qualifica como abuso de posição dominante a recusa em facultar, contra remuneração adequada,

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o acesso a uma rede ou a outra infra-estrutura essencial, caso ocorram as condições previstas na lei.
Quarto, regula-se com maior rigor o abuso de dependência económica, limitando-o aos casos que afectem o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência, ao mesmo tempo que se adiciona à enumeração de comportamentos abusivos a ruptura injustificada, total ou parcial, de uma relação comercial pré-estabelecida.
Quinto, altera-se o regime de controlo prévio das concentrações, acrescentando, designadamente, um requisito suplementar quanto ao volume de negócios da empresa adquirida, de modo a evitar que operações de concentração, sem qualquer impacto no mercado, se encontrem sujeitas a notificação prévia.
Sexto, modifica-se o regime de controlo dos auxílios de Estado, instituindo um sistema de verificação pela nova autoridade da concorrência, à qual caberá formular as recomendações que considere necessárias à eliminação dos efeitos negativos de tais auxílios sobre a concorrência.
Não menos importantes são as alterações que esta proposta de lei introduz nos aspectos processuais. E aqui gostaria, em particular, apenas de salientar a definição clara dos termos da articulação entre a Autoridade da Concorrência e as autoridades reguladoras sectoriais, o que constitui uma aposta clara nas virtualidades de uma cooperação estreita entre os dois tipos de entidades, sem que com isso se ponham em causa as suas competências próprias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta breve apresentação da proposta de lei, que hoje, em nome do Governo, trago a esta Assembleia, ficaria incompleta se não fossem mencionadas as profundas alterações que ela introduz no quadro sancionatório das infracções à lei da concorrência.
De facto, avançando para uma solução que se julga não ter precedentes no nosso país, esta proposta de lei define o montante das coimas em percentagem do volume anual de negócios das empresas envolvidas com percentagens que podem atingir os 10%, consoante a gravidade das infracções em causa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma política de concorrência eficaz é condição essencial para o eficiente funcionamento dos mercados, sendo um factor fundamental para a competitividade das nossas empresas e para a modernização da economia nacional.
Está o Governo convicto de que com a aprovação desta lei, em conjugação com o novo modelo institucional de aplicação da legislação da concorrência, estão criadas as condições para a promoção de um ambiente concorrencial em Portugal que premeie o mérito da gestão e a capacidade de inovação e penalize a ineficiência daqueles que, apenas por razões imputáveis à falta de transparência dos mercados e à adopção de comportamentos restritivos da concorrência, ainda ali permanecem, com prejuízo manifesto para os seus concorrentes, mas também, e sobretudo, para os consumidores e para a economia nacional.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, nós partilhamos dos princípios orientadores da proposta de lei ora apresentada.
Já referi - e sublinho-o - que, nesta matéria, existia já trabalho sólido e substantivo realizado pelo anterior ministro da economia, Eng.º Braga da Cruz. É certo que o Sr. Ministro tem o mérito de ter o concretizado, mérito este que não lhe pode ser retirado. De resto, as novas orientações da Comissão Europeia, em matéria de auxílios de Estado e de concorrência, iriam obrigar a alguma adaptação.
Por outro lado, esta iniciativa merece o nosso aplauso, porque damos valor positivo à continuidade das políticas públicas, isto quando, evidentemente, vão no bom sentido, mas já considero negativas as rupturas artificiais que, aliás, o Sr. Ministro da Economia, em outras áreas do seu Ministério, tem feito ao longo destes 10 meses de actuação, razão pela qual, sendo crítico em relação a algumas, aplaudo esta.
Sr. Ministro, a matéria de regulação económica deve ser acompanhada e fiscalizada pelo Parlamento, o que reforça a independência da autoridade reguladora e a sua legitimidade pública - um e outro são aspectos muito importantes. Propusemos, durante o debate anterior, que constassem dos estatutos da Autoridade da Concorrência obrigações da entidade reguladora para com a Assembleia da República. A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta do Ministro da Economia prometeu fazê-lo em sede do decreto-lei regulamentador, razão pela qual, sem termos dado o nosso voto positivo, mantivemos a expectativa de que tal aconteceria. Não tendo acontecido, este é o momento oportuno para perguntar a V. Ex.ª se o Ministro valida a posição que a sua Secretária de Estado aqui assumiu ou se volta atrás numa matéria que nos parece de grande importância, que é a da articulação - repito - entre a entidade reguladora e a Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Ministro da Economia informou a Mesa de que responderá no fim a todos os pedidos de esclarecimento.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, o Governo entendeu alterar o actual regime jurídico da concorrência, apresentando uma nova lei que, de acordo com o que tem dito, resolva o problema das fragilidades que o Decreto-Lei n.º 371/93 apresenta. É verdade que este decreto-lei está prenhe de fragilidades, de tal modo que o que tem acontecido na prática é que ele se tem revelado ineficaz, ou muito pouco eficiente, desde logo, Sr. Ministro, por não existir uma fiscalização adequada, no terreno, para o fazer cumprir.
Por outro lado, como se tem comprovado, por exemplo, com a atitude e com o comportamento das grandes superfícies nos contratos que fazem com os seus fornecedores e como se tem constatado pelo comportamento das cervejeiras em relação aos seus distribuidores, estas entidades, que têm e abusam de uma posição dominante no mercado, têm chegado à conclusão de que mais vale não cumprir a lei e pagar as coimas do que cumpri-la.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Orador: - Mais, Sr. Ministro: o diploma em vigor tem, ele próprio, mecanismos que acabam por esvaziar aspectos importantes que o consignam. E neste particular - e

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é isto que nos distancia desta proposta de lei - o Governo mantém esses mecanismos. Estou a referir-me, Sr. Ministro, ao facto de a proposta de lei, no seu artigo 4.º, proibir - e bem - um conjunto de acordos entre empresas que acabem por se traduzir, na prática e no terreno, no abuso da posição dominante dessas empresas, designadamente o de subordinar a celebração de contratos à aceitação de determinadas obrigações suplementares, que existem e que, aliás, irei exemplificar daqui a pouco. Mas, depois, no artigo seguinte, que já consta do diploma em vigor e que o Governo repete, para nossa estranheza, a proposta de lei prevê que essas práticas proibidas sejam aceites e justificadas, desde que, por exemplo, elas se traduzam num benefício para o consumidor, isto é, numa redução de preço para o consumidor.

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

O Orador: - Ora, como o Sr. Ministro sabe, nas grandes superfícies há um conjunto de práticas proibidas que a legislação actual não cobre e que ninguém consegue comprovar mas que, depois, se traduzem numa redução de preços. Ora, este é um elemento essencial desta lei da concorrência e, tal como está provado, Sr. Ministro, este artigo abre a porta para o seu esvaziamento, como acontece actualmente.
É esta a questão que queremos colocar nesta fase do debate, Sr. Presidente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, a questão que gostaríamos de colocar prende-se com o facto de o Governo apresentar hoje um diploma que tem como objectivo criar uma entidade que permita definir e balizar as regras da concorrência entre empresas.
Julgo que há uma questão que me parece omissa - gostaria que o Sr. Ministro clarificasse - e também uma outra questão cuja existência dará ou não eficácia à lei, isto é, à sua aplicabilidade.
Quanto à primeira questão - gostava de saber se foi ou não contemplado -, parece-me que uma das formas de desvirtuar e de alterar as regras de concorrência surge ao nível do desrespeito por formas de produção que permitam a fuga a um conjunto de procedimentos a que legalmente as empresas estão obrigadas, aquilo a que habitualmente se chama o dumping ambiental. Penso que esta é uma questão importante, que não vejo equacionada na proposta de lei.
No entanto, a ser considerada (e julgo que este diploma o não faz), esta regra só fará sentido, como no fundo o próprio diploma, se houver toda uma estrutura de fiscalização que lhe dê eficácia.
A minha pergunta é, pois, no sentido de saber se a questão foi ou não considerada em relação aos processos produtivos e ao cumprimento de um conjunto de normas ambientalmente impostas, que, todos sabemos, não são cumpridas e, por outro lado, se há, do ponto de vista da Administração, mudanças grandes que permitam ter uma máquina administrativa que faça prever que a lei que vier a ser aprovada vai alguma vez ter tradução prática.

O Sr. Presidente: - Para responder, dispondo de 5 minutos, tem a palavra o Sr. Ministro da Economia.

O Sr. Ministro da Economia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me permitem, começarei a responder às questões pela ordem inversa em que me foram colocadas.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, a questão que levantou, salvo melhor opinião, coloca-se no domínio das obrigações no âmbito da legislação do ambiente, e é aí que deve ser tratada. Isto é, tal como as empresas que não pagam impostos e entram numa situação de distorção de concorrência face àquelas que os pagam, que é matéria de lei fiscal e nesse âmbito também deve ser tratada. Portanto, obviamente que todos deverão cumprir as leis fiscais e as leis ambientais, mas não é a política de concorrência que tem de tratar estas matérias, salvo melhor opinião.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, voltámos à nossa convergência de opinião nalguns aspectos, designadamente quando refere as fragilidades do diploma em vigor, que permitiram situações de alguma impunidade generalizada em matéria de concorrência. Por isso, entendemos ser necessário mudar toda a arquitectura da concorrência, quer no que diz respeito à regulamentação, que estamos a fazer agora, quer no que toca à própria regulação através de uma autoridade independente.
Quanto à situação que referiu - para além de outras que foram tratadas adequadamente na lei -, de que mais vale não cumprir e pagar coimas, com este diploma deixa de ser assim, na medida em que se introduz um princípio de proporcionalidade a partir do qual a autoridade da concorrência dispõe de uma larga margem de manobra para punir, com proporcionalidade, as infracções à lei da concorrência.
Relativamente ao abuso da posição dominante, que referiu, que resulta do artigo 4.º em conjugação com o artigo 5.º, saliento que apesar de poderem ser justificadas essas práticas na medida em que os seus benefícios sejam partilhados equitativamente pelos consumidores ou pelos destinatários dos serviços, este artigo 5.º também impõe outras condições nas alíneas b) e c), designadamente não dando a essas empresas que abusam a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado de bens e serviços em causa. Portanto, creio que esse aspecto está salvaguardado.
Para terminar, Sr. Deputado Maximiano Martins, de facto, alguns trabalhos sobre a legislação da concorrência tinham sido já iniciados. Não queremos retirar o mérito de quem os iniciou.
O Sr. Deputado reconhece também que vai uma grande distância entre criar uma comissão e iniciar os trabalhos e concretizar o diploma, sobretudo quando estão em causa algumas questões tão importantes, como por exemplo submeter as empresas públicas aos princípios da lei da concorrência, como por exemplo mudar o princípio da penalização e como incluir todos os sectores da actividade económica na legislação da concorrência. Trata-se de um passo muito importante, que exige, para além naturalmente da capacidade técnica, grande coragem política.
Foi isso que fizemos com a criação da Autoridade da Concorrência, desgovernamentalizando a regulação da concorrência e elaborando uma lei que submete todas as empresas, sem excepção - sejam públicas, sejam privadas, sejam pequenas, médias ou grandes -, aos princípios da lei da concorrência. Este é um passo que, de facto, não é tão elementar e tão simples como possa parecer.

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Luís Marques Mendes): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a outras rupturas que o Sr. Deputado refere que foram negativas, quero dizer-lhe que quando entendemos que algo está bem, continuamos a fazer bem, tentando fazer melhor, se possível, mas o que julgamos estar mal mudamos. Mal seria se o Sr. Deputado me estivesse a acusar de, neste momento, não fazer rupturas com algumas práticas do passado e com algumas políticas do passado! Por isso, entendo essa referência como um elogio à política que estamos a seguir.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, em relação à Autoridade da Concorrência, não há nada que desobrigue os órgãos da Administração Pública das suas relações com o órgão de soberania Assembleia da República, que tem todo o poder para pedir à Autoridade da Concorrência toda a informação. Esta, como entidade da Administração que é, tem as suas obrigações perante a Assembleia da República. Pareceu-nos, portanto, redundante ir para além destas obrigações. Mas de uma coisa o Sr. Deputado pode ter a certeza: é que nunca faltará informação a esta Assembleia por parte de órgãos que sejam tutelados por este Ministério e por este Governo.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, no texto da proposta de lei que o Governo nos distribuiu, vários artigos, como o 5.º, o 14.º, o 15.º, etc., fazem referência a um decreto-lei cujo número está em branco. Suponho tratar-se do Decreto-Lei n.º 10/2003, que cria a Autoridade da Concorrência, mas, em todo o caso, gostava de saber se o Governo o confirma, para não estarmos aqui a reflectir sobre um diploma em branco.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Ministro da Economia se confirma ou não este dado.

O Sr. Ministro da Economia: - Confirmo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Henriques.

O Sr. Almeida Henriques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: O objectivo de dotar Portugal de dois instrumentos modernos e adequados, que, cumprindo o Programa do Governo, visam "a promoção da concorrência, num quadro legal que permita suprir as falhas do mercado", completa-se com a apresentação desta proposta de lei, procedendo-se, assim, à reforma do direito da concorrência.
Dá-se, pois, mais um passo necessário, que se junta à recente criação da Autoridade da Concorrência, entidade única, com estatuto de independência e com funções alargadas a todos os sectores de actividade económica e financeira, que garantirá a sã concorrência, contribuindo para a modernização do ordenamento jurídico da concorrência em Portugal.
Esta Autoridade é um excelente instrumento para o controlo de uma política de concorrência inovadora e moderna, com uma regulação independente, seguindo-se a tendência europeia de confiar a entidades independentes a instrução e decisão dos processos, designadamente nas práticas anticoncorrenciais e nas concentrações de empresas.
A criação da Autoridade da Concorrência permitirá restaurar também a credibilidade da instituição responsável pela defesa da concorrência em Portugal, assegurando plenamente a integração do sistema comunitário e internacional de reguladores de concorrência, inserindo-se na rede europeia.
Com a aprovação do diploma que hoje discutimos, com a criação da Autoridade da Concorrência, com a transposição para o direito português da directiva comunitária que impõe prazos de pagamento às empresas e com a apresentação, em breve, do projecto do código das falências, completa-se o ciclo das medidas que visam a regulamentação e regulação da concorrência e do mercado.
Continua assim V. Ex.ª, Sr. Ministro da Economia, a dar cumprimento ao Programa para a Produtividade e Crescimento da Economia, aprovado em 17 de Junho em Conselho de Ministros, um programa com medidas concretas e uma calendarização precisa e arrojada.
Este procedimento é, por si só, inovador e exemplar para o tecido empresarial, que já não acreditava nas tão anunciadas reformas e na sua concretização.
Continua, assim, este Governo o seu ímpeto reformador, dotando o País dos instrumentos necessários à sua modernização, agilização e eficiência, "procurando aliviar os agentes económicos do peso administrativo e burocrático dos procedimentos e diminuir os tempos de apreciação e decisão", combatendo as redundâncias de intervenção do Estado e explorando complementaridades, cumprindo assim o seu Programa de Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Tendo em conta a maior interdependência das nações, a crescente globalização dos mercados e a crescente internacionalização das economias, exige-se uma disseminação de uma cultura de concorrência na comunidade, designadamente face aos desafios de um mercado integrado e do futuro alargamento da União Europeia, e urge também acabar com o sentimento de impunidade existente em Portugal, que não promove a boa cultura da concorrência, e que se criem mecanismos capazes de prevenir e sancionar práticas anticoncorrenciais.
Tradicionalmente, as matérias da concorrência têm a ver com três aspectos fundamentais: por um lado, as práticas individuais anticoncorrenciais, que é preciso evitar, democratizando a economia; por outro, as restrições horizontais e verticais no relacionamento ao longo da cadeia de valor, cada vez mais intrincado e complexo, com múltiplos actores, regulando no sentido de evitar vendas com prejuízo e diferentes camuflagens na venda de produtos, sendo necessário uma boa gestão das chamadas restrições verticais; por fim, as operações de concentração, que devem ser geridas com inteligência, sobretudo num país como o nosso, aplicando-se, à luz do princípio da subsidiariedade, as leis nacionais e comunitárias, sem impedir os agentes económicos

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portugueses de ganharem dimensão europeia e mundial.
Assim, o diploma que hoje apreciamos, apresenta várias características inovadoras que vêm ao encontro dos princípios mais modernos.
Por um lado, alarga o seu âmbito de aplicação a todos os sectores de actividade, incluindo a banca e seguros;
Clarifica a noção de empresa;
Introduz o princípio da submissão a este regime das empresas públicas e daquelas a que o Estado tenha concedido direitos especiais ou exclusivos, bem como às empresas encarregadas por lei da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio legal;
Clarifica e tipifica práticas proibidas, em virtude do seu carácter anticoncorrencial;
Mantém a faculdade de submeter os acordos e outras práticas de concentração à avaliação da Autoridade da Concorrência, dando mais segurança às empresas que actuam no mercado - em matéria de concentrações, há necessidade de a política de concorrência se pronunciar sobre as vantagens e desvantagens dos processos de concentração, das fusões e aquisições, balanceando os efeitos internos europeus e os internacionais da operação de concentração, procurando salvaguardar a positividade para o País, se tal for o caso, devendo a operação ser aceite;
Harmoniza-se, assim, o regime aplicável em Portugal com o regime comunitário em matéria de concentrações, consagrando-se os princípios da celeridade e simplicidade dos procedimentos requeridos pela normal actividade das empresas;
Precisam-se os regimes de abuso de posição dominante, tendo em conta múltiplos factores, deixando-se à Autoridade a tarefa de ir definindo os critérios de posição dominante, combatendo-se, assim, o perigo do controlo da cadeia de valor, que pode subverter a concorrência;
Consagra-se também a proibição de abuso no acesso a infra-estruturas de carácter essencial;
E altera-se a figura do abuso de dependência económica.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No que respeita aos aspectos adjectivos, consagram-se regras claras de articulação entre Autoridade da Concorrência e as outras autoridades sectoriais e a Alta Autoridade para a Comunicação Social;
O montante das coimas e sanções pecuniárias passa a ser fixado, à semelhança do regime comunitário, em percentagem do volume de negócios do infractor;
Existe também responsabilidade solidária das empresas associadas relativamente às infracções cometidas pelas sua associação e consagra-se a responsabilidade dos titulares dos órgãos das empresas em certas circunstâncias;
E salvaguarda-se o direito de recurso das decisões da Autoridade para o Tribunal de Comércio de Lisboa, sob reserva de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o Supremo Tribunal de Justiça.
Outro aspecto também relevante são as ajudas do Estado, como elemento distorçor da concorrência, tendo-se substituído o regime actual pelo da verificação pela nova Autoridade.
Como nota de rodapé, nesta questão das ajudas do Estado, direi que não se aplica muito a Portugal, como se poderá aplicar a outros países de maior dimensão, pelo simples facto de que passamos permanentemente pelo crivo do enquadramento comunitário por parte da Comissão, quando aprova os nossos programas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Mais do que nunca, é fundamental construir um mercado livre, aberto e leal e é preciso uma gestão de boas práticas concorrenciais num mercado cada vez mais liberalizado, mas, ao mesmo tempo que nos abrimos à Europa e ao mundo e que possibilitamos o acesso aos nossos mercados por parte de outros países, mais necessidade existe de trabalharmos na normalização, na certificação, etc., como defesa dos nossos próprios mercados e de uma concorrência leal.
E, como estas negociações são feitas cada vez mais com blocos sub-regionais, as boas práticas podem prejudicar pequenas economias como a portuguesa. É, por isso, necessário um bom peso e uma boa medida.
Com a abertura dos mercados e com a liberalização e privatização, há mercados que tendem a ser mais abertos, como a água e a energia, que eram monopólios tradicionais do Estado, por isso há que existir a garantia de que poderão deixar de ser monopólios e que estes se vão desmontar, havendo uma efectiva abertura.
Há também outra questão, que é a do modelo de regulação do mercado, que deixo aqui como nota de rodapé, isto é, se deve existir um regulador por cada área de negócio ou um grande regulador global único, com subespecializações, menos permeável ao indesejável domínio do regulador pelo regulado.
É fundamental que se reflicta sobre este assunto e se precise se não será melhor, num futuro, procurar criar um regulador com mais dimensão, evitando muitas vezes a situação que hoje acontece de se correr um pouco o risco da "captura" do regulador pelo regulado. Deixo este ponto para uma reflexão futura.
Normalmente, estamos mais atrasados que os nossos parceiros europeus, há que reconhecer: há mercados que não são concorrenciais, existe muita falta de ética em alguns sectores e existem práticas que asfixiam sectores de actividade, como, por exemplo, as elevadas taxas dos cartões de crédito praticadas com o pequeno comércio, que o penalizam. Diria que, no nosso mercado, existem muitas barreiras à entrada e muitas barreiras à saída, e, portanto, há muito a fazer, e está, efectivamente, a ser feito por este Governo.
Mas, para além da regulação, há que ganhar uma batalha, a das mentalidades (e esta pode levar gerações), tendo em vista ganhar boas práticas e alterar o comportamento dos agentes.
O novo regulamento da qualidade do serviço eléctrico, que prevê o pagamento automático de indemnizações aos clientes empresariais que sofram quebras de fornecimento ou de qualidade de serviços, é um excelente passo. Parabéns, Sr. Ministro da Economia! Esperamos, de facto, que este regime seja, brevemente, também estendido às águas.
Por fim, uma das motivações para o novo regulamento europeu tem a ver também com o alargamento, pois se, por um lado, os novos países absorveram o acervo comunitário, não quer dizer que, do ponto de vista prático, o problema esteja resolvido, pois vai dar-se o chamado choque assimétrico, passando as relações com os novos países da adesão do nível internacional para o interno, por outro lado, do ponto de vista da concorrência, os acordos multilaterais não são iguais para todos os países, por isso há que haver forte concertação comunitária, sem descurar a protecção dos interesses nacionais.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há momentos em que o País tem interesse em proteger os seus interesses estratégicos e a sua afirmação depende dessa protecção. Não é o caso. Estamos no fim de um ciclo esgotado, este é o momento do surgimento da inovação, de novas iniciativas e de libertação da livre concorrência. Precisamos de melhores condições para melhores investimentos e não garantir quotas de mercado a empresas já instaladas.
É o momento de combater os corporativismos, não um mero lavar de cara, mas o apostar numa vertente estratégica, cativando novos investimentos, em novas áreas, interesse bem percebido por este Governo, designadamente na revolução que foi a criação da Agência Portuguesa para o Investimento.
Se repararmos, as palavras inglesas que significam "competir" (compete) e "concorrência" (competition) aproximam-se em muito. Por isso, entendo que a competitividade é um processo e uma capacidade que se ganha na concorrência. Não é por nos fecharmos que nos desenvolvemos, ao contrário do que alguns advogam, nem é por nos protegermos que estamos a defender a nossa quota de mercado.
É com esta determinação que temos de seguir em frente neste diploma, que é mais uma prova da atenção do Governo aos novos tempos.
A aprovação, pois, destes dois regimes, Autoridade da Concorrência e Regime Jurídico da Concorrência, são, definitivamente, a entrada numa nova era de funcionamento e regulação da nossa economia, inserindo-a, de uma forma dinâmica e proactiva, nos sistemas mais evoluídos e exigentes, permitindo dar mais segurança aos agentes económicos e um funcionamento mais regular e eficaz dos mercados e, sobretudo, protegendo e satisfazendo os consumidores, que somos todos nós.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Será necessária uma lei que regule os processos e as práticas da concorrência entre as empresas que intervêm no mercado? É óbvio que sim! É preciso substituir a lei em vigor desde 1993? A nossa resposta é afirmativa, embora, em primeiro lugar, melhor fosse que a actual lei fosse cumprida, coisa que não acontece.
Mas a verdade é que a lei actualmente em vigor é omissa em múltiplos aspectos, que a têm tornado senão totalmente ineficiente pelo menos largamente ineficaz. Desde logo, porque não abrange os sectores financeiros, a banca e os seguros; porque não prevê, nas práticas proibidas, a imposição de várias e muitas formas de abuso de posição dominante que hoje são característica do comportamento, por exemplo, das grandes superfícies em relação aos produtores e outros seus fornecedores;…

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Muito bem!

O Orador: - … ou pela fraca densificação das normas referentes ao abuso de dependência económica; ou ainda por o valor das coimas, por tão baixo, não constituir qualquer factor de dissuasão de práticas ilegais.
É preferível, como disse há pouco, no quadro da actual lei, pagar as coimas e impor regras desleais e leoninas do que cumprir a lei, além de que grande parte das contra-ordenações têm prescrito por falta de mecanismos que agilizem a execução dos respectivos processos. O que se passou recentemente com uma parte dos processos envolvendo a cervejeira Unicer é exemplo disso.
Nestes aspectos, pode dizer-se que a proposta de lei que hoje nos é apresentada constitui um passo em frente.
Contudo, há quatro aspectos fundamentais que nos distanciam irremediavelmente da proposta.
Por um lado, a extensão de regras próprias de empresas privadas a actividades exercidas pelo sector público. E sendo verdade que o artigo 3.º condiciona a aplicação deste regime às empresas públicas e a outras empresas responsáveis pela gestão de serviços de interesse geral, na medida em que tal não afecte a prestação do serviço em causa, a verdade é que a regra geral estatuída pode levar, e levará seguramente, à proibição de práticas, por exemplo em matéria da definição de preços de um bem público, que, podendo, eventualmente, não estar conforme o sentido estrito da lei - e nesse contexto haver a acusação de concorrência desleal -, é, contudo, justificada à luz de um superior interesse público, ou está consagrada, como já veio a público, para dar resposta aos apetites dos novos conglomerados das telecomunicações e das redes de cabo.
O segundo aspecto tem a ver com o facto de o diploma, repetindo, aliás, a legislação actual sem aproveitar a oportunidade para a rectificar, excepcionar num artigo, de forma, aliás, bastante vaga, as práticas que proíbe no artigo anterior.
Concretizando: a proposta proíbe - e bem - os acordos entre empresas que impeçam ou falseiem a concorrência, que imponham práticas concertadas e que obriguem a parte mais frágil a aceitar obrigações contratuais desproporcionadas e lesivas. Mas, logo a seguir, a lei permite que estas práticas possam ser justificadas e aceites, desde que observadas condições, que, na maior parte da previsão legal contida na proposta de lei, não é possível controlar, como seja, por exemplo, a transferência para o consumidor de uma parte do benefício resultante de determinadas obrigações impostas aos fornecedores.
Exemplifiquemos com dois casos bem conhecidos: o da actuação das grandes superfícies e também o das empresas cervejeiras.
Quanto ao primeiro caso, actualmente, as grandes superfícies impõem, nos contratos estabelecidos com os seus fornecedores, uma miríade de descontos não relacionados com o cumprimento de qualquer obrigação, que esmagam os preços, como bem refere o estudo da Direcção-Geral do Comércio e da Concorrência sobre as "Relações entre fornecedores e distribuidores". São, nada mais nada menos, Srs. Deputados, do que 26 tipos diferentes de descontos, ao que foi apurado, entre os quais, estão: o "rappel incondicional", a "cooperação comercial", o "prémio de crescimento", o "investimento em marketing", os "descontos de folheto", o "destaque", os "aniversários", a "cobertura/distribuição geográfica", as "organizações promocionais", a "logística", etc., que não constam sequer das tabelas de preços dos fornecedores. Mas ainda há mais, como a "comissão de gestão", a "comissão de retalho", a "transferência bancária", o "suporte operacional", o "prémio de fidelização", etc., etc.
Tudo serve para impor descontos extras aos produtores e fornecedores, grande parte deles de pequena ou média

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dimensão, sem alternativa e sem que, na maior parte dos casos, tal se traduza em redução de custos para os fornecedores ou em quaisquer benefícios para os consumidores.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Ora, a proposta de lei que nos é presente, por um lado, não prevê nas práticas proibidas algumas destas imposições unilaterais e injustificáveis das grandes superfícies e, por outro, ao permitir a sua aceitação em condições não controláveis, mantém a porta escancarada para a continuação de práticas que colocam em dificuldade e dependência absoluta milhares de pequenos fornecedores, alguns dos quais têm mesmo ido à falência.
E o mesmo se pode dizer para os casos bem conhecidos que envolvem empresas cervejeiras, como a Centralcer e a Unicer, aliás, recentemente condenadas por práticas anticoncorrenciais, com a adopção de atitudes prepotentes e de abuso da posição dominante que têm tomado em relação aos seus distribuidores e concessionários, a maioria deles pequenas empresas unifamiliares, com exigências ilegais de contratos de distribuição exclusiva e proibição de comercialização de produtos alegadamente concorrentes, de imposição de descontos e de preços de fretes, comportamentos que têm sido facilitados pela fragilidade das normas que regulam a concorrência, normas que, ainda por cima, são arrogantemente ignoradas, mas que se repetem nesta proposta de lei.
Acresce ainda que, passando a lei a abranger as actividades financeiras, não se vislumbram no articulado quaisquer normas específicas dirigidas a este sector, que não se regula de forma idêntica à de uma empresa comercial, como, por exemplo, atacar as práticas concertadas entre as companhias de seguros em matéria da fixação dos prémios de seguros e dos seus escandalosos aumentos anuais - este ano acima dos 10% - ou, na banca, a imposição crescente de comissões desproporcionadas por qualquer operação que pratiquem - e que constituem hoje a maior fonte de lucros dos bancos - e que esta cobra como compensação por ter visto reduzir as suas margens entre as taxas de juro activas e passivas. Quem intervém aqui? Alguns dos Srs. Deputados dirão: "Mas isso é função das entidades reguladoras e de supervisão". Só que as entidades reguladoras e de supervisão também não o fazem, e a proposta de lei é omissa nestas matérias.
Finalmente, merece-nos as maiores reservas o facto de a proposta de lei abandonar as presunções constantes da actual lei, no quadro da qual se considera que se encontra em posição dominante uma empresa ou empresas que detenham no mercado nacional de determinado bem ou serviço uma quota igual ou superior a 30%, 50% ou 65%, conforme os casos. Até que ponto a eliminação desta presunção visa facilitar operações de concentração ou abrir caminho à liberalização da legislação que condiciona hoje a instalação das chamadas unidades comerciais de dimensão relevante (UCDR), vulgo grandes superfícies, é algo que fica em aberto e que o tempo se ocupará de confirmar ou não.
Bem teria sido, Sr. Ministro, que nestas matérias o Governo tivesse tido em atenção a legislação francesa e belga, bem mais exigentes e bem menos laxistas em matéria de defesa de uma concorrência saudável.
Estas são, em síntese, as razões que não nos permitem acompanhar esta proposta de lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Gonçalves.

O Sr. Herculano Gonçalves (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 40/IX, que hoje discutimos, prende-se com a política económica em geral e com as opções a tomar em matéria de políticas de desenvolvimento económico, cuja importância não é demais realçar, e traduz a procura de um modelo de desenvolvimento sustentado e sustentável, centrado em políticas públicas responsáveis, coerentes e efectivas, mas cabe à sociedade protagonizar um processo quase que pedagógico de introdução da cultura de defesa da concorrência como paradigma do modelo de desenvolvimento económico.
Não há desenvolvimento sem aumento do capital físico, humano e produtividade e sem concorrência não há produtividade. Sem concorrência, produz-se menos e a um custo maior, o que resulta em prejuízo para todos.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - É isso mesmo!

O Orador: - Não pode o Estado, porém, demitir-se de procurar combater eventuais abusos do poder económico. Neste contexto, a iniciativa em apreço constitui um importante contributo.
Estamos conscientes de que a reforma institucional deve procurar a superação da fragmentação do sistema, aumentando a efectividade da sua actuação e, por consequência, a credibilidade desse mesmo sistema.
Assim, a reforma do quadro legal, além de consolidar as mudanças institucionais, deve também contribuir para tornar o sistema mais selectivo e eficaz.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Parece claro que o enquadramento legal que conforma o ambiente em que actuam os agentes económicos, investidores e empresas deve conter as normas adequadas para garantir a eficácia dos mecanismos de controlo prévio das concentrações e assegurar a certeza e segurança jurídicas necessárias ao são prosseguimento da sua actividade, além de prevenir e sancionar, de forma efectiva, as práticas concorrenciais abusivas.
A proposta em apreciação inscreve-se no esforço legislativo de revisão da legislação de enquadramento da concorrência, imprescindível à modernização da economia e à competitividade.
Alarga-se o âmbito de aplicação das normas de carácter geral a todos os sectores da actividade económica, sem excepção, incluindo os sectores bancário e dos seguros, que passam a estar sujeitos às regras gerais relativas ao controlo prévio das operações de concentração.
No que se refere às empresas públicas e às empresas às quais o Estado tenha concedido direitos especiais ou exclusivos, assim como quanto às empresas encarregadas por lei da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio legal, estabelece-se um regime delineado a partir do artigo 86.º do Tratado da Comissão Europeia, o que responde à necessidade de procurar

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o equilíbrio entre os interesses da concorrência e os do serviço público.
A solução escolhida permitirá encontrar, em nome do princípio da proporcionalidade, as soluções mais equilibradas no plano da política económica ou social, sem resvalar para intervenções dos poderes públicos, com carácter abusivo ou discriminatório.
Também reputamos vantajoso o ajustamento das regras respeitantes às práticas proibidas, em virtude do seu carácter anticoncorrencial, com o objectivo de clarificar o seu regime.
Por outro lado, registamos o avanço do processo que procede à harmonização entre o regime nacional e o regime comunitário, mormente quanto ao período-limite em que deve ter lugar a notificação obrigatória, ao controlo das empresas comuns, ao regime de suspensão das operações durante o período de apreciação e aos critérios de apreciação das operações de concentração.
Quanto aos processos por infracção e aos procedimentos aplicáveis, são estabelecidas regras de articulação entre a Autoridade da Concorrência, por um lado, e as autoridades reguladoras sectoriais e a Alta Autoridade para a Comunicação Social, por outro.
Igualmente se devem notar as alterações relativas às sanções, uma vez que se tipificam as infracções contra-ordenacionais a que corresponde cada tipo de ilícito, prevendo-se a aplicação de coimas e de sanções pecuniárias compulsórias.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Afigura-se-nos que, deste modo, o regime sancionatório se poderá tornar mais eficaz, uma vez que o montante das coimas e das sanções pecuniárias compulsórias passa a ser fixado, como sucede no regime comunitário, em percentagem do volume de negócios do infractor.
Determina-se também a responsabilidade solidária das empresas associadas relativamente às infracções cometidas pelas suas associações, no quadro das regras de imputação da responsabilidade.
De registar ainda as alterações no regime da prescrição do procedimento de contra-ordenações e das respectivas sanções, tendo em conta o regime definido no novo regulamento que se prevê vir a substituir o regulamento n.º 17/62.
Em conformidade com o estatuído no diploma que cria a Autoridade da Concorrência, atribui-se a competência para julgar os recursos das decisões da Autoridade ao Tribunal de Comércio de Lisboa, sob reserva de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa ou para o Supremo Tribunal de Justiça, segundo os casos - solução que o CDS vê como ajustada.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr.as e Srs. Deputados: Lembro que a proposta de lei que hoje debatemos vem na sequência do cumprimento do Programa deste Governo, apresentado a 15 de Abril de 2002.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - A criação da Autoridade da Concorrência constituiu um passo para a modernização do ordenamento jurídico da concorrência em Portugal, indispensável ao reforço da competitividade internacional da economia portuguesa e às exigências da sua plena adaptação a um contexto de mercado aberto e de crescente globalização.
Cremos que o aperfeiçoamento da legislação de defesa e promoção da concorrência permitirá adequar o quadro legal às novas realidades e permitirá aos agentes económicos dispor de um ordenamento concorrencial, seguro e actual, susceptível de promover o funcionamento eficiente dos mercados e a repartição eficaz dos recursos nacionais.

O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Com a aprovação desta proposta de lei, Portugal dá um passo firme na regulação da concorrência, base de uma economia aberta. Ficamos, pois, ao nível dos nossos parceiros europeus, nomeadamente dos mais evoluídos.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Consagra-se, com esta lei, o princípio do livre acesso, a preço justo, a bens e serviços essenciais à comunidade, nomeadamente em áreas como a electricidade, as telecomunicações e o gás, entre outras.

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Daí a lógica e pertinência desta iniciativa, que merece o apoio inequívoco do CDS.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Sr.as e Srs. Deputados: Permito-me começar por saudar o Sr. Ministro da Economia e por saudar também esta iniciativa.
Trata-se de uma iniciativa importante e necessária. Estamos de acordo com os princípios fundamentais que a dominam, uma vez que, já no anterior governo, designadamente nas orientações definidas pelo então Sr. Ministro da Economia e por mim próprio, tivemos oportunidade de apontar para princípios que agora o Sr. Ministro da Economia aqui traz, designadamente o princípio da tendência para a universalidade da aplicação do regime da concorrência, o reforço e o agravamento das sanções e o aumento da eficácia dos mecanismos e dos instrumentos de regulação no que toca à concorrência.
Por isso, esta iniciativa é debatida num bom dia, o dia em que iremos aqui discutir o projecto relativo à lei-quadro sobre as autoridades reguladoras independentes nos domínios económico e financeiro, que salvaguardam a articulação no que toca aos diferentes instrumentos de regulação económica.
A experiência de aplicação dos diplomas que instituíram o regime nacional de promoção e defesa da concorrência fez-se, essencialmente, com a pioneira Lei n.º 1/72,

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de 24 de Março, que "enterrou" os resquícios do condicionamento industrial, e com os Decretos-Leis n.os 422/83, de 3 de Dezembro, e 422/88, de 19 de Novembro, e, por último, o Decreto-Lei n.º 371/93, de 29 de Outubro, que procedeu à revogação dos anteriores em termos amplos e fundamentalmente adequados às nossas circunstâncias.
Mas a experiência ditou que, ao cabo de 10 anos de aplicação, era indispensável sermos mais exigentes, era indispensável adequarmo-nos à tendência geral da economia nacional, da economia comunitária e da economia mundial.
O Decreto-Lei n.º 371/93 procurou acudir às profundas alterações na estrutura e funcionamento da economia portuguesa, ditadas pela liberalização de importantes áreas da actividade económica, pela concretização da integração na comunidade europeia e pelo ressurgimento de novos protagonistas que ditaram mudanças no tecido empresarial português e modificaram as relações de mercado.
Para além das práticas restritivas da concorrência, o diploma ainda em vigor contempla as concentrações de empresas e aflora os auxílios de Estado, completando o quadro dos principais instrumentos de política comunitária da defesa da concorrência. Há, assim, uma forte complementaridade entre o diploma interno e o diploma comunitário e importa adequar permanentemente essa complementaridade.
No campo das práticas restritivas da concorrência, deve recordar-se a introdução da figura do abuso de dependência económica. No entanto, a exploração abusiva do estado de dependência económica só é considerada restritiva da concorrência se praticada por empresas que detenham uma posição dominante do mercado de determinado bem ou serviço. Tal circunstância impede o sancionamento dessa prática quando realizada por empresas com grande influência económica, mas sem posição dominante nesse mercado. Daí que seja de adoptar, como pressuposto, o facto de se afectar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência.
Aliás, o Sr. Deputado Lino de Carvalho, há pouco, ao salientar adequadamente dúvidas relativas à aplicação das figuras que presentemente estão previstas e consagradas na lei da concorrência, não terá tido, talvez, em consideração a articulação entre o abuso de dependência económica e o abuso de posição dominante, que são duas figuras que devem ser directamente aplicadas e tidas em conta. E reconheço, Sr. Deputado, que é necessário que a jurisprudência tenha cada vez mais em consideração a articulação destas duas figuras. Porquê? É que o abuso da dependência económica é uma figura original da nossa ordem jurídica.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - E é bom que seja uma figura original. Só que, como é original, muitas vezes a jurisprudência não tem sido suficientemente clara e rigorosa na articulação entre esta figura e a do abuso de posição dominante.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Neste sentido, as preocupações do Sr. Deputado Lino de Carvalho são legítimas. Trata-se, no entanto, de uma questão de aplicação e prática relativamente à autoridade da concorrência, razão pela qual é muito relevante que a questão tenha sido levantada em Plenário, a propósito deste tema, para que a jurisprudência da Autoridade da Concorrência tenha em consideração esta preocupação do Parlamento. Certamente que o Sr. Ministro da Economia também a tem em consideração.
Aliás, o debate deste tema fez-se nesta Assembleia num determinado momento, e a realidade veio confirmar não só a importância da nova figura, mas também as suas limitações. Em vigor há praticamente 10 anos, o diploma que estabelece o regime geral da defesa da concorrência, apesar da evolução que representou, em termos jurídicos, na década passada, padece reconhecidamente de carências que importava corrigir e, sobretudo, que passassem a corresponder melhor à evolução entretanto verificada, em especial no âmbito da União Europeia.
A credibilização do sistema de regulação da concorrência económica é um imperativo nacional defendido há muito pelo Partido Socialista, tendo sido, como já tive oportunidade de dizer, o anterior governo a lançar o processo. Permito-me, aliás, salientar o competente trabalho realizado pelo Dr. José Luís da Cruz Vilaça, que agora culmina no diploma em debate.
A proposta de lei do Governo, sendo uma adequada base de trabalho, apenas procede, como aqui foi referido, à revisão de aspectos substantivos e adjectivos limitados num sentido positivo. Por isso, torna-se naturalmente indispensável a análise da proposta de lei do Governo, por verificarmos ser possível ir mais além. De facto, não estamos perante mudanças extraordinariamente radicais, mas as previstas nesta proposta são questões que não podem, obviamente, deixar de merecer o nosso apoio.
Merece, contudo, destaque pela positiva, não só o maior rigor e correcção conferidos aos aspectos processual e procedimental no capítulo das sanções, que é objecto de regulamentação mais precisa, para além do regime de prescrição do procedimento de contra-ordenação e das respectivas sanções que a clarificaram.
É ainda positivo o alargamento da aplicação do regime do controlo prévio das operações de concentração às entidades bancárias e seguradoras, correspondendo a uma exigência da recente evolução dos mercados. Neste aspecto, é indispensável articular a intervenção da autoridade da concorrência com a tarefa reguladora do Instituto de Seguros de Portugal e do Banco de Portugal. E é justamente desta articulação e desta complementaridade que resultará uma aplicação mais rigorosa, mais exigente do regime jurídico que agora se cria.
Permito-me, ainda, Sr. Presidente, Sr. Ministro da Economia, Sr.as e Srs. Deputados, referir o acolhimento da doutrina das infra-estruturas essenciais em sede de figura de abuso da posição dominante. Trata-se de um sinal de bom augúrio, num momento em que a liberalização das actividades dependentes de redes com as características de monopólios naturais exige que uma empresa em posição dominante não possa recusar, contra remuneração adequada, facultar a qualquer outra empresa o acesso a uma rede ou a outras infra-estruturas essenciais que a primeira controle, desde que a falta de acesso impeça o emergir de um novo concorrente no mercado, salvo se a empresa dominante demonstrar que tal acesso é impossível em condições de razoabilidade.
Trata-se de um tema que dá os primeiros passos na ordem jurídica mundial, designadamente, no tocante às novas tecnologias - o processo da Microsoft é um processo que ilustra bem esta figura e esta preocupação - e,

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como afirma a Professora Maria Manuela Leitão Marques, impõe-se encontrar uma posição equilibrada entre os direitos legitimamente adquiridos e as vantagens de um mercado aberto à concorrência que beneficie a inovação e o bem-estar dos consumidores. Eis, naturalmente, o que está em causa!
Consideramos indispensável, em sede de especialidade, a introdução de aperfeiçoamentos e correcções em alguns domínios, como a concentração excessiva de competências na Autoridade da Concorrência, designadamente, a não previsão de uma articulação maior com as outras entidades reguladoras; a informação à Assembleia da República; o abandono do critério dos limiares de dominância presumida com base na quota de mercado (Sr. Deputado Lino de Carvalho, pensamos que este aperfeiçoamento deve introduzir-se, porque a solução anterior de presunção era, apesar de tudo, uma solução melhor).
Por outro lado, é indispensável ter em consideração que o conjunto de competências que agora são previstas devem, no fundo, ser melhor reguladas e aperfeiçoadas, de modo a tornar mais fácil a jurisprudência da própria Autoridade da Concorrência.
A presente proposta de lei assegura, pois, uma razoável revisão, actualização e modernização da legislação de enquadramento da concorrência em Portugal, mostrando-se, como tal, um relevante contributo para a valorização da economia portuguesa e para o incremento da competitividade das empresas estabelecidas ou que pretendam vir a estabelecer-se em Portugal.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se assumir, a este propósito, uma atitude construtiva e exigente que eleve a defesa da concorrência à salvaguarda da competitividade e da convergência real da nossa economia com os países europeus.
O Parlamento deverá, por isso, acompanhar em permanência a prática e o aperfeiçoamento deste novo regime, em estreita articulação com a evolução da legislação e jurisprudência comunitárias, em nome da defesa da concorrência e da sã competitividade e dos direitos dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 40/IX, que aprova o regime jurídico da concorrência.
Gostava de salientar que esta iniciativa legislativa do Governo deu entrada no dia 14 de Janeiro, teve o relatório da comissão competente no dia 30 de Janeiro, hoje foi discutida na generalidade e amanhã votá-la-emos também na generalidade. Com isto, quero assinalar que o processo legislativo está a decorrer com a necessária celeridade.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 178/IX - Aprova a lei quadro sobre autoridades reguladoras independentes nos domínios económico e financeiro, apresentado pelo Partido Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins para proceder à apresentação do projecto de lei.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que hoje apresentamos incide sobre o enquadramento das autoridades reguladoras independentes nos domínios económico e financeiro.
Este projecto de lei tem a ver com uma ideia que, hoje, é essencial, que é a da consideração de que o Estado social moderno é, basicamente, um Estado regulador. A evolução do Estado, da sua Administração e do seu enquadramento tendeu a fazer com que as funções de produtor, empresário e prestador de serviços do Estado fossem cedendo à ideia de um Estado regulador.
A ideia da regulação tem que ver, sobretudo, com o elemento constitutivo e fomentador de um mercado aberto mas tem que ver também, e sobretudo, com a ideia de protecção do interesse geral dos cidadãos utentes. A regulação, enquanto forma moderna do Estado democrático de direito, do Estado social moderno, não pode, no entanto, em qualquer circunstância, desprender-se de uma opção e de uma vocação de Estado estratégico e de Estado do bem-estar. Sendo a regulação uma mediação das funções do Estado, ela não pode deixar de compreender esta dimensão.
Por isso, numa moderna organização da Administração do Estado, temos de entender esta nova vocação atinente a uma regulação independente, como sendo capaz de organizar os mercados, combater o exercício excessivo de monopólios públicos, garantir serviços públicos básicos e, simultaneamente, uma regulação técnica eficaz, tendo como ponto de referência, naturalmente, uma concorrência estabilizada, o serviço público e os interesses dos cidadãos.
A ideia da autoridade reguladora independente, cuja tradução no nosso texto constitucional é a de entidade administrativa independente, admite a sua previsão legal no quadro constitucional mas exige, simultaneamente, a consagração de um princípio de unidade da acção governativa, isto é, a regulação independente que este processo procura apreender é, fundamentalmente, uma regulação independente, enquanto entidade, face ao Governo e aos interesses regulados.
Por isso, o grande desenho desta arquitectura institucional tem a ver, sobretudo, com o equilíbrio entre a salvaguarda das linhas gerais de política governamental, que cabem ao Governo - e da direcção política geral, naturalmente -, e a responsabilidade autónoma e independente destas entidades.
O novo papel do Estado, que se pode situar no escalão da administração directa, indirecta e independente, tem aqui um eixo específico onde a busca do equilíbrio entre o papel destas entidades e o papel do Governo é fundamental. E, por isso, quando se fala em autoridades independentes face ao Governo e às entidades, aos serviços e aos interesses regulados, quer, a um tempo, preservar-se a sua ligação ao Governo e à responsabilidade última de quem tem a condução da política do Estado e da Administração e responsabilizar pela instituição destas entidades administrativas. Daí que, no nosso projecto, que resulta de um grupo de trabalho criado no âmbito do anterior governo e cuja direcção coube ao Professor Vital Moreira, entendemos, muito especificamente, fixar e precisar o que é a superintendência e tutela e o que são as funções que cabem ao Governo. Temos, por isso, a precisão muito específica daquilo que é a independência funcional destas entidades, sendo que são elas próprias a dirigir recomendações e a adoptar as suas regras essenciais, desempenhando funções, como diz a doutrina, em grande medida normativas, executivas e parajudiciais, dado que aplicam sanções, mas consagramos, simultaneamente, garantindo embora a sua

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independência funcional, uma aprovação ministerial das suas funções, sobretudo no que diz respeito ao seu plano de actividades e orçamento, às suas contas e, em casos extremos, a actos que ponham em causa a neutralidade, a isenção e a prossecução do bem e do serviço público.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Questão essencial destas entidades e da sua independência - e é bom que este ponto seja firmado pela sua importância - é a que tem a ver com as receitas próprias e com a sua autonomia administrativa e financeira. Sem receitas próprias, nomeadamente, as taxas cobradas pelos serviços prestados, a totalidade ou uma parte significativa das coimas aplicadas, as contribuições impostas aos operadores sujeitos à sua jurisdição e as dotações, apenas supletivamente, do Orçamento do Estado, as entidades reguladoras independentes não o poderiam ser, não podendo cumprir, digamos, as suas funções essenciais, que têm a ver com a natureza de autoridades não governamentais.
Por outro lado, estas entidades são independentes do Governo, e essa é uma questão essencial, razão pela qual, de acordo com o nosso projecto, a sua propositura legal cabe à Assembleia da República e o controlo da sua actividade regular cabe a comissão parlamentar especializada. Isto, naturalmente, sem prejuízo das funções tutelares, diferidas, que, em última análise, cabem ao Governo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que este projecto de lei vem dar resposta a uma carência existente neste como noutros domínios no desenho arquitectural e institucional da Administração Pública. A arquitectura institucional da Administração Pública carece de uma lei de enquadramento que, sem pôr em causa a heterogeneidade das situações dos serviços e a sua especialização e natureza particular, deve ter uma padronização do essencial, no sentido de haver princípios-regra, princípios de vocação universal que, ao mesmo tempo, não ponham em causa uma necessária flexibilidade.
Esta lei quadro das entidades administrativas independentes, na parte que respeita às autoridades reguladoras independentes, será um contributo significativo para uma melhor regulação da relação essencial do Estado moderno, que é a regulação do Estado com o exterior, garantindo, simultaneamente, o serviço público, a qualidade desse serviço e um controlo eficaz da sua prossecução e objectivo.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, termino, dizendo que um Estado social moderno é um Estado regulador. Nós queremos dar o nosso contributo para essa boa regulação, indo ao encontro das disposições constitucionais que estão hoje firmadas na Constituição da República vigente, sobretudo a partir da última revisão constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, seguidamente, de acordo com o que dispõe o Regimento da Assembleia da República, vou dar a palavra ao relator da Comissão de Economia e Finanças para apresentar as conclusões do relatório, dispondo, para esse efeito, de 5 minutos.
Entretanto, informo que há pedidos de esclarecimentos dirigidos ao Sr. Deputado Alberto Martins, mas, de acordo com o Regimento, serão formulados posteriormente.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins, para apresentar as conclusões do relatório, elaborado em sede de Comissão de Economia e Finanças, referente ao projecto de lei n.º 178/IX.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, serei breve, dado que a apresentação do parecer não é comportável em 5 minutos e, nessa medida, farei apenas algumas referências.
Começo pela questão da importância das actividades de regulação nos domínios económico e financeiro, que são não só essenciais ao Estado social moderno mas também marcam decisivamente o funcionamento das suas economias, das economias modernas, compatibilizando uma lógica determinante de mercado com exigências de eficiência, de concorrência e livre escolha, de qualidade de serviços, de propensão para a inovação, de equidade e distribuição dos ganhos, de defesa dos consumidores-cidadãos mas também dos clientes intermédios e dos produtores intermédios.
Nalguns casos mesmo, nas economias menos constrangidas pela intervenção estatal, como nos Estados Unidos da América, estas actividades de regulação, em particular de natureza sectorial, existem há mais de um século. Em Portugal, estas preocupações são mais recentes e tiveram, evidentemente, expressão, em virtude da participação de Portugal num espaço económico, político e social dinâmico, moderno e progressivo, como o da União Europeia. A participação neste espaço obrigou a uma adaptação das políticas públicas, visando a modernização empresarial, mas também ao enquadramento de certas actividades ligadas à oferta de bens e serviços, como o sistema financeiro, as bolsas, a energia, a água e as telecomunicações, obrigando a uma intervenção estatal menos directa mas garantística e eficiente, na linha, de resto, do acervo comunitário.
Mas este espaço colocou também todos os actores dos processos económicos e sociais perante imperativos estratégicos decorrentes da sua participação em economia aberta e crescentemente globalizada, levando ao reequacionamento das suas estratégias comerciais, de inovação, de organização do trabalho e dos processos produtivos, de modelo social, de atitude face ao ambiente, de ecoeficiência e de sustentabilidade.
Insere-se nesta linha modernizadora o desenvolvimento, em Portugal, das actividades de regulação no domínio económico e financeiro. Aqui, como na restante União, a maior parte das actuais entidades reguladoras com jurisdição sectorial foram criadas com o fim explícito de promover e ordenar a liberalização e a concorrência nos sectores caracterizados no passado recente por monopólios públicos.
A regulação, porém, não se esgota nesta fase de transição de um Estado interventor para um Estado regulador. Se assim não fosse, não se compreenderia que continuem a cumprir um papel importante autoridades reguladoras independentes em sectores fortemente concorrenciais, como o sistema financeiro e de telecomunicações. Isto significa que as autoridades reguladoras independentes cumprem funções outras que vão para além da construção do mercado.
Daí a importância desta iniciativa legislativa, em que reforçaria, a concluir, dois ou três aspectos.
Em primeiro lugar, o projecto de lei abrange um conjunto amplo de actividades, que vão do crédito aos seguros,

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aos valores mobiliários, às actividades económicas propriamente ditas, ao sector da saúde e à defesa da concorrência.
Em segundo lugar, realço o facto de esta iniciativa inserir o desempenho das funções destas autoridades no quadro da lei e das orientações estratégicas definidas pela Assembleia da República e pelo Governo, o que significa aderir a um princípio muito importante já hoje aqui referido. Perante a Assembleia da República, estas autoridades ficam obrigadas a elaborar e a enviar anualmente um relatório sobre a respectiva actividade reguladora e, sempre que seja solicitado, os presidentes dos conselhos de administração das autoridades devem apresentar-se perante a comissão parlamentar competente para prestar esclarecimentos sobre a respectiva actividade reguladora ou dar conta da actividade do organismo.
Eis, pois, uma iniciativa legislativa pertinente e oportuna.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vou, agora, dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Alberto Martins, sendo que este já informou a Mesa de que responderá em conjunto a todos os pedidos.
Tem, então, a palavra, em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Graça Proença de Carvalho, dispondo de 3 minutos.

A Sr.ª Graça Proença de Carvalho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, no campo dos princípios, estou de acordo com o que relevaram quanto à independência e, no fundo, à actividade de regulação, que é algo novo em alguns países, havendo, inclusivamente, alguns que não estão tão avançados nesta questão da regulação quanto Portugal.
A questão que quero colocar prende-se um pouco com um aspecto que não foi referido, quer na sua intervenção quer na síntese do relatório que o Sr. Deputado Maximiano Martins fez: a da homogeneidade deste tipo de entidades.
Penso que, neste momento, e também um pouco fruto da globalização, vivemos num espaço alargado onde há determinados sectores em que pode fazer sentido haver a regulação através apenas de uma entidade a nível europeu - e dou como exemplo a que já está em estudo e que tem a ver com o Céu Único, ou seja, com a regulação de um espaço aéreo único na União Europeia - e por isso, de certa forma, a existência, até à data, de regimes diferentes por sectores de actividade diferenciada em que não faz sentido que os modelos de organização sejam comuns, porque há sectores que têm especificidades e em que é muito importante que esse modelo de organização esteja muito adequado. Dou o exemplo da ERSE - Entidade Reguladora do Sector Energético, que foi escolhida como o regulador exemplo, a nível da União Europeia, neste sector, quando há países com outras empresas de regulação há muito tempo, como o Reino Unido, mas cuja regulação não está num estado tão avançado como a nossa.
Penso que esse modelo de funcionamento é exemplar, porque é completamente diferenciado do outro tipo de reguladores que conhecemos do passado, que vêm do mundo anglo-saxónico e que, no fundo, de certa forma, eram algo "standardizados" e não tinha grandes diferenças.
Por isso, o que pretendo saber é se haverá pertinência na homogeneidade que este projecto de lei confere e que pode criar alguns obstáculos, especialmente quando ainda estamos numa fase embrionária do estabelecimento do que é a regulação em diversos sectores. Aliás, ainda hoje, se falou aqui na Autoridade da Concorrência.
Assim, como podem ainda ser dados passos importantes ao nível de especificidades de cada um dos sectores, penso que não faz sentido nesta fase procurar uma homogeneidade que pode trazer obstáculos à eficácia dessa regulação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, discordaremos, talvez, do enquadramento conceptual acerca das autoridades reguladoras independentes quando diz que elas são um atributo de um Estado moderno. Penso que é um estado de necessidade do estado actual, em que o Estado se foi retirando das suas funções de promotor e de prestador de serviços.
Por isso, é agora absolutamente necessário, para prosseguir fins de interesse público, para defender os consumidores, para que as autoridades públicas não se demitam do escrutínio das actividades económicas, que existam autoridades reguladoras independentes. Aliás, acompanhamos, em larga medida, a filosofia do projecto que apresenta e aquilo que alguns poderão achar um reparo nós achamos uma vantagem.
Na verdade, a unidade de medida que é introduzida num sistema que está tão retalhado parece-nos claramente uma vantagem para os cidadãos, para os agentes económicos, para as pessoas em geral e para todas as actividades. A nós, essa homogeneização - e a palavra será talvez excessiva - parece uma vantagem.
Em todo o caso, tenho duas questões para colocar ao Sr. Deputado, o que passo a fazer muito directamente.
Primeira, parece-lhe que, no âmbito do projecto que o Partido Socialista aqui apresenta, os interesses dos consumidores estão suficientemente salvaguardados na relação com as autoridades reguladoras independentes? Pensa que o conselho consultivo previsto, onde os representantes dos consumidores estão a par, e de uma forma muito diminuída, dos agentes económicos, previsivelmente regulados de técnicos, de representantes do Governo, de representantes de outras autoridades públicas, salvaguarda a capacidade de expressão, de escrutínio, de controlo, de debate democrático dos consumidores em relação à autoridade reguladora independente? A nós, esta participação parece muito diminuída e pouco relevante na arquitectura institucional encontrada.
Segunda questão, parece-lhe suficiente o tipo de prevenções que são articuladas no projecto de diploma em relação à transparência das decisões regulamentares dos procedimentos administrativos das autoridades reguladoras? É que aí reside um dos maiores problemas, aliás, já hoje aqui identificado, o da chamada "captura" dos regulados em relação à autoridade reguladora. A transparência das decisões, a sua equidistância em relação a todos os interesses é, de facto, um pilar fundamental para a credibilidade dessas decisões. Entende o Sr. Deputado que estão reunidas, desse modo, as condições suficientes e necessárias? Nós cremos que esse ponto não está efectivamente satisfeito.

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Sr. Deputado, nós, que acompanhamos trabalhos como os que o Professor Vital Moreira adiantou, os do Centro de Estudos de Direito Público e Regulação, de Coimbra, que a Declaração de Condeixa tem vulgarizado, reconhecemos ser importante este esforço e a existência desta necessidade e encontramos como importante no vosso projecto o facto de as administrações das entidades reguladoras não serem amovíveis nos círculos eleitorais e políticos, o reforço de garantias de independência particularmente em relação ao Governo, mas que não de demissão em relação ao Estado. Estes são aspectos positivos que acompanhamos. No entanto, temos apreensões em relação aos pontos referidos.

O Sr. João Teixeira Lopes (BE): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Graça Proença de Carvalho e Sr. Deputado Luís Fazenda, começo por agradecer as questões que colocaram, as quais têm algum ponto de encontro.
Eu diria que a ideia de um Estado regulador é a ideia de um Estado social moderno, que não apaga a sua função de Estado produtor ou de Estado proprietário, residual embora, e a sua função de Estado prestador de serviços. E não desconheço também, como a Sr.ª Deputada referiu, a questão do risco da fixação de princípios-regras de vocação geral quando se está a tentar elaborar uma lei quadro. O risco é sempre o de ver quais os princípios que são adequados para não contrariar uma lógica de especialização, de flexibilidade, de autonomia, que tem uma dimensão criativa, como todos conhecemos, e essa sua prevenção tem todo o sentido.
Por isso, indo ao encontro dessa preocupação, me parece este projecto, no essencial, muito equilibrado, porque aquilo a que ele se prende e aquilo a ele fixa em termos legais e em termos do enquadramento é, basicamente, em regras de transparência, em regras de definição das competências das entidades reguladoras ou das entidades administrativas independentes, em regras que têm a ver com a natureza e as incompatibilidades dos seus dirigentes, em algumas medidas de carácter sancionatório e, sobretudo, na definição precisa da ideia de independência, e essa é matricial, face ao Governo e face aos regulados e aos seus interesses.
Por isso, diria que o temor da Sr.ª Deputada está respondido pela flexibilidade de abertura deste diploma, que não pretende aprisionar a expressão das especificidades da regulação nos diversos sectores onde ela é necessária.
Ao Sr. Deputado Luís Fazenda direi que a questão dos consumidores, que o preocupa, e a nós também, é essencial. A latitude da participação dos consumidores não está rigidificada neste processo, sendo certo que pode ser alargada e sendo certo, ainda, que o instrumento essencial de fiscalização destas entidades, em termos da sua competência funcional, vai estar na Assembleia da República. E como a Assembleia da República é, por sua natureza, identidade e dimensão, uma representante dos interesses gerais dos portugueses, estará, seguramente, muito atenta ao serviço público e aos interesses dos cidadãos.
De qualquer forma, Sr. Deputado Luís Fazenda, se entende que os princípios que referiu carecem de aprofundamento, lembro que este projecto é um ponto de partida para um debate e para o encontrar de uma lei em que temos todo o interesse - e o Estado português teria vantagem! - em que fosse o mais participada e consensualizada possível.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Partido Socialista não deu grande importância ao projecto de lei que ele próprio apresentou à Assembleia da República e que visa estabelecer uma lei quadro sobre autoridades reguladoras independentes.
Foi descuidado na forma, rápido e fugidio na "Exposição de motivos", ligeiro na substância.
Foi descuidado na forma, e o descuido é tanto mais criticável quanto o mesmo sustenta um projecto de lei que é apresentado na Assembleia da República.
Um mero exemplo está na seguinte frase, integrante da "Exposição de motivos": "O projecto de lei que agora se apresenta tem a concepção deste projecto de lei que tem como referência o ante-projecto de lei-quadro sobre autoridades reguladoras independentes (...)".
Mas outras "pérolas" lá continuam, como a que resulta de um texto rebuscado e que leva a escrever: "(…) o estudo das entidades reguladoras em Portugal (…) não pode deixar de nos impressionar com alguns traços impressivos: (…)".

O Sr. Miguel Paiva (CDS-PP): - Que grande confusão!

O Sr. José Magalhães (PS): - É um verdadeiro caça-gralhas!…

O Orador: - Isto é, não pode deixar de nos impressionar impressivamente!…
Se a legislação das entidades reguladoras impressiona assim o Partido Socialista, é porque as emoções andam verdadeiramente à solta neste partido!
O texto evidencia também alguma erudição na língua inglesa, mas, porventura, limitado conhecimento da portuguesa, quando, inopinadamente, na frase, se acrescentam expressões inglesas de forma inútil e gratuita, traduzidas imediatamente do português, sem que digam, nem mais, nem melhor, do que a expressão portuguesa objecto de explicitação!… Não é exemplo, certamente, de boa utilização da nossa língua!…

Protestos do PS.

Na "Exposição de motivos", o discurso fecha-se em si mesmo, quando se refere que há "muitos organismos reguladores" e é "notória a falta de homogeneidade das soluções institucionais", para, a seguir, se dizer que, apesar dessa falta de homogeneidade, isto é, "heterogeneidade", se observa uma tendência para a homogeneidade e concluir-se, em perfeito círculo vicioso, que dessa tendência não resulta homogeneidade de soluções, havendo, pois, heterogeneidade!…
E voltamos ao princípio do círculo!…
Pelos vistos, a nova lei visará regular um fenómeno pós-heterogéneo ou pré-homogéneo, como se entender, num

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contínuo devir e num contínuo movimento!… É a dialéctica aplicada às entidades reguladoras!…
A celeridade da "Exposição de motivos" levou a perder uma excelente oportunidade para fazer referência às experiências e tendências europeias de autoridades reguladoras, ainda caracterizadas por estruturas jurídicas e organizativas muito diversas e que poderiam servir de boa lição, como também levou a que não fosse comprovada a razão de ser da lei face às necessidades efectivamente sentidas, limitando-se os proponentes a justificá-la por mera via dedutiva, porventura com base em determinada estética legislativa.
Mas se sairmos destas questões formais e abordarmos o projecto de lei na sua vertente substancial, conclui-se que as disposições nele contidas nada resolvem.
Ultrapassando a questão de não se ver por que motivo a matéria em causa tenha que revestir a forma de lei, já que a mesma se inscreve na competência organizativa do Governo, poderemos analisar alguns objectivos do projecto de lei, que aparecem elencados na "Exposição de motivos".
O primeiro objectivo consiste, e cito, em "Delimitar as áreas em que se justifica a adopção das ARI (…)" - autoridades reguladoras independentes.
Acontece, todavia, que nem no artigo 1.º, onde se define o objecto da lei, nem em nenhuma parte do projecto de lei aparecem delimitadas essas áreas.
Com efeito, naquele artigo apenas se mencionam as áreas onde já existe organismo regulador; acrescenta-se uma área, a da saúde; referem-se como objecto de regulação especial, as "(…) demais actividades encarregadas de serviços de interesse geral".
Assim, a delimitação de áreas não é acolhida no texto do projecto de lei.
Isto é: faz-se uma lei para delimitar áreas e, depois, diz-se que abrange, para além das que já estão delimitadas, as "(…) demais actividades (...)", sendo estas as que era suposto delimitar!…

Risos do PSD e do CDS-PP.

Sob este aspecto, a lei é verdadeiramente uma lei para nada!…
Outro objectivo é o de "Estabelecer um padrão básico quanto ao regime jurídico das ARI".
Ultrapassando, também aqui, a questão de serem objecto de regulação especial todas as actividades já sujeitas a regulação, bem como outras, as tais "(…) demais actividades encarregadas de serviço de interesse económico geral", haverá que notar que, adicionalmente, ficam imediatamente previstas derrogações ao disposto na lei quadro. É o que acontece ao estabelecer-se para o Banco de Portugal um regime especial. Admite-se que outras áreas, como a seguradora, tenham que ser abrangidas por derrogação semelhante, o que, a acontecer, restringe e retira força ao "padrão básico" visado.
Também ambiguidades internas à própria lei limitam esse "padrão básico".
Um exemplo está na equiparação do presidente e dos vogais das autoridades reguladoras a director-geral e a subdirector-geral (artigo 25.º), quando, por outro lado, a mesma lei refere que as ARI são equiparadas a entes públicos empresariais.
Para além de a ambiguidade não favorecer, obviamente, um entendimento claro da matéria, temos mais um objectivo não conseguido.
A necessidade de intervenção da Assembleia da República é obsessiva em todo o articulado.
A Assembleia da República está sempre presente na vida e funcionamento da ARI, desde a sua criação, à nomeação dos responsáveis, à definição de orientações estratégicas!…, à aprovação de estatutos, à aprovação da estrutura orgânica, à consulta e à verificação da sua actividade!…
Com tanta tutela, parece não sobrar independência e não se vê como é que a Assembleia da República não possa ser também directamente responsabilizada pela actividade das entidades reguladoras.
Mas a lei quadro, que falha os seus objectivos globais, esmera-se em regular minúcias deslocadas, tais como: estabelece o número de vezes em que o conselho de administração se reúne por ano…; estabelece que a acta das reuniões deve ser assinada por todos os membros presentes…; estabelece que, nos termos dos estatutos, o conselho de administração pode nomear um director dos serviços e de gestão administrativa e financeira!… Um e só um!…; estabelece que os quadros de pessoal são fixados nos estatutos de cada ARI, o que poderá levar a que os estatutos sejam alterados a todo o tempo e a todo o tempo sujeitos a aprovação e reaprovação pela Assembleia da República, como resulta do artigo 7.º.
Trata-se de um verdadeiro exemplo de extensão do Princípio de Peter à legislação portuguesa. Como não é capaz de regular o que lhe competiria, aparece a gerir o que a outrem compete!…

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei quadro revela-se uma verdadeira maravilha.
Estabelece que a remuneração dos membros do conselho de fiscalização consta de diploma próprio, nos termos do artigo 25.º, n.º 2. Acontece que no artigo 25.º não se fala em qualquer diploma próprio e o artigo refere-se a matéria diversa!…
Poderá concluir-se que, não havendo diploma, não há remuneração!!!
Contudo, e a terminar, focarei ainda mais três pontos.
Ponto um: as funções reguladoras são desempenhadas, nos termos do n.º 2 do artigo 2,º "no quadro da lei e das orientações estratégicas definidas pela Assembleia da República e pelo Governo, através dos instrumentos próprios, nomeadamente o Programa do Governo e o respectivo plano anual."
Não parece claro se este plano anual é o previsto no artigo 54.º, isto é, o plano de actividades das ARI, ou se será um plano de actividades anual do Governo, como parece retirar-se directamente da construção da frase.
Ponto dois: não são previstas outras orientações estratégicas do Governo, para além das incluídas no respectivo Programa, não se acolhendo como tal compromissos formalmente tomados por aquele órgão de soberania, nomeadamente antes da constituição de uma ARI.
A experiência, aliás, já mostrou que este aspecto não deve ser ignorado!…
Ponto três: o perfil dos membros a nomear para o conselho de administração é baseado em "pessoas de reconhecido saber, experiência e competência na área em causa."

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Pensa-se que no texto está manifestamente a mais a "área em causa", pois o que deve interessar é recrutar pessoas de reconhecido saber, experiência e competência, e bom senso, tanto mais que daquela restrição, sobretudo se for conjugada com o regime das incompatibilidades, resultam dificuldades óbvias e que se expressam na diminuição dos campos de recrutamento de pessoas com as características pretendidas.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É recente a regulação em Portugal, e mesmo na Europa, através de organismos independentes.
Eles, naturalmente, nasceram com soluções organizativas diferentes, indo ao encontro de necessidades sentidas de forma diversa.
Despontam, neste momento, em Portugal, outras áreas onde a regulamentação se tornará indispensável, como a da saúde.
Havendo um largo caminho a percorrer, poderá não ser ajustado estar a espartilhar desde já novas soluções organizadoras em esquemas pré-definidos, mais rígidos e, finalmente, menos eficazes.
Especialmente a regulação das novas áreas há-de resultar da evolução económica, do maior ou menor ritmo das privatizações e da especial natureza dos mercados envolvidos, avaliáveis, situação a situação, pelos governos - e não digo "pelo Governo" mas "pelos governos".
É o tempo que virá a dizer como se fará essa regulação, e tempo ainda não passou para cimentar experiências e possibilitar conclusões.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Da aprovação do projecto de lei do Partido Socialista não viria mal insanável para o País, mas também não viria bem substancial.
Seria mais uma lei para alterar a curto prazo, porque não é oportuna, como referido e outras experiências comprovam e porque falha os seus próprios objectivos, como ficou demonstrado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Ademais, o Partido Socialista não se entusiasmou na sua apresentação, não aprofundou o seu conteúdo, não fez esforço adequado para motivar alguém para a sua aprovação.
Só disso se poderá queixar!…

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins, que beneficia de cedência de tempo da parte do Grupo Parlamentar do Partido Ecologista "Os Verdes".

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pinho Cardão, devo confessar que estou decepcionado com a sua intervenção - e tenho boas razões para isso.
O Sr. Deputado não leu um estudo volumosíssimo realizado pelo grupo do Professor Vital Moreira sobre esta matéria, encomendado pelo anterior governo. Não o estudou com a devida atenção e não deu, sequer, atenção… ou melhor, deu atenção a uma gralha e exaltou-a! Penso que isto é lamentável, não é sério no debate político.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, vamos às questões essenciais.
Todos escrevemos muito bem o português - o Sr. Deputado, eu próprio, o Professor Vital Moreira… Não há questões a esse nível.
O problema é de fundo: existe, ou não, necessidade de haver entidades reguladoras em Portugal? Existe! A Constituição di-lo.
Há ou não entidades reguladoras em Portugal? Há e estão a aumentar.
O que é este diploma legal que apresentamos? Este diploma legal é, no fundo, um ponto de encontro e de convergência do que existe. Se V. Ex.ª tivesse lido com atenção o texto do Professor Vital Moreira, veria isso na síntese que ele nos mostrou. Aliás, eu próprio, enquanto membro do governo, dei uma conferência de imprensa com o Professor Vital Moreira a dar nota pública do texto. Foi difundidíssimo!
Agora, o que se traz aqui, uma vez que esperámos estes 10 meses e o Governo nada fez, é este mesmo diploma, que está muito difundido, apreciado e discutido aos mais diversos níveis da sociedade civil.
A questão que lhe coloco é a seguinte: há, ou não, necessidade de definir um conjunto de regras essenciais que modelem a natureza das entidades reguladoras independentes? V. Ex.ª não respondeu a isso. Ficou-se por um qualificativo de baixa estirpe, como é impróprio… Aliás, o problema não é da propriedade ou impropriedade. O problema é que há necessidade de avançar na organização política do Estado democrático.
É esta questão que se coloca e que a Constituição, inexoravelmente, abre.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pinho Cardão, que beneficia de tempo cedido pelo CDS-PP. Peço-lhe que seja sintético.

O Sr. Pinho Cardão (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que tive todo o cuidado em ler este estudo e o projecto de lei-quadro, do Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, sobre autoridades reguladoras independentes. Tive oportunidade de o ler, tive oportunidade de o estudar e dei-lhe a devida atenção. Queria descansá-lo quanto a essa matéria
Em segundo lugar, não confundo as autoridades reguladoras independentes ou uma lei-quadro sobre as autoridades reguladoras independentes com o projecto de lei que o Partido Socialista apresentou. São coisas completamente diferentes. Uma coisa é a necessidade de autoridades reguladoras independentes, outra coisa será a necessidade de uma lei-quadro e outra coisa, ainda, será o projecto de legislação que se apresenta sobre a lei-quadro.
E o projecto de legislação que se apresentou sobre a lei-quadro parece-me, de facto, mau, porque julgo que não partiu totalmente dos pressupostos que estão neste estudo. Se tivesse analisado bem os pressupostos que estão neste estudo, nomeadamente no que se refere às experiências europeias, não concluiria pela necessidade de uma lei-quadro. Até o próprio Prof. Vital Moreira - e quero ser rigoroso - diz que, na Europa, as autoridades independentes

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não integram uma figura unitária, antes se caracterizam pelo seu polimorfismo.
Portanto, ainda não existe, na Europa, nenhuma lei-quadro para entidades reguladoras independentes, pelo que, nesta matéria, seríamos pioneiros. No entanto, não existe porquê? Como referi na minha intervenção - e é o que penso -, a preocupação do PS foi mais de estética legislativa. Não se preocuparam em saber, por via indutiva, por que é que seria necessária essa lei-quadro.
Julgo que, neste momento, em que a evolução dos mercados é grande, as privatizações não estão ainda terminadas, não se conhecem quais os novos sectores que precisarão de regulação, não podemos estar a definir regras que vão abranger sectores que, porventura, poderão não se conformar totalmente com essas mesmas regras, de facto, com esse grande "guarda-chuva".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, penso que devemos deixar passar algum tempo - aqui o tempo é que traz a experiência - para depois se poder regular e fazer algo que seja permanente, que tenha alguma consistência e que não tenha de vir a ser alterado a curto prazo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu tempo esgotou-se. Peço-lhe para concluir.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Quanto às questões formais, as empresas têm de primar por uma qualidade total. Julgo que o projecto de lei apresentado na Assembleia da República tem de ter qualidade e este, apresentado pelo PS, tem demasiadas gralhas, que poderiam ter sido evitadas com alguma facilidade.

Aplausos do PSD e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Bruno Dias.

O Sr. Bruno Dias (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As opções políticas dos sucessivos governos têm sido, em matéria de economia e do sector empresarial do Estado, subordinadas a um supremo objectivo: privatizar. Assim se tem vindo a entregar aos interesses privados sectores fundamentais para o País, como as telecomunicações, a energia eléctrica, os transportes, os combustíveis, a água ou a gestão de resíduos.
Aquilo a que, ao longo de anos, temos vindo a assistir - e, pela nossa parte, a denunciar - é a degradação da qualidade do serviço público, é o aumento dos preços, são as populações penalizadas a favor da busca do lucro máximo.
É este o quadro que tem vindo a colocar-se perante nós, quando o Estado se demite da sua responsabilidade, privatiza sectores estratégicos e nem sequer intervém na efectiva fiscalização e controlo da prestação dos serviços públicos. Aliás, é a própria lógica de serviço público que tem vindo a dar lugar à lógica do máximo lucro privado, quando a suposta livre concorrência entre serviço público e interesses privados assenta em pontos de partida e objectivos intrinsecamente contraditórios.
É justamente neste quadro de opções liberalizadoras e privatizadoras - e não noutro - que se coloca a questão da regulação dos mercados. É a regulação como componente, como meio, para a liberalização. No fundo, trata-se de liberalizar com mais eficácia.
Ora, para o PCP, a questão de fundo é a de serem estas opções políticas pela privatização da economia a raiz mais profunda do problema maior do ataque ao serviço público. Enquanto não questionarmos a raiz do problema, não será certamente pela via da regulação que a questão estrutural terá resposta.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Entretanto, temos agora em discussão um projecto de lei-quadro sobre autoridades reguladoras independentes, apresentado pelo Partido Socialista - o mesmo Partido Socialista, diga-se, que pede meças à direita no seu currículo de privatizações!

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Estamos perante um diploma que, no essencial, consagra as linhas orientadoras para a criação e intervenção destas autoridades, procurando, no fundo, reunir numa lei-quadro as bases do que hoje se encontra em legislação específica, como é o caso da que criou entidades reguladoras como a Autoridade Nacional de Comunicações ou a Entidade Reguladora do Sistema Energético, entre outras.
Quanto a este aspecto, e como questão prévia, é de lamentar que esta produção legislativa em matéria de regulação, por exemplo no sector da distribuição de energia eléctrica, não se tenha traduzido na efectiva defesa dos direitos e interesses da população.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que fica a dúvida quanto à real eficácia de se legislar mais sobre esta matéria, se depois, na prática, a mantemos isolada ou descontextualizada.

O Sr. Rodeia Machado (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, surgem, desde logo, três interrogações na discussão deste diploma: quanto à independência, quanto à representatividade e quanto às atribuições destas entidades.
Em primeiro lugar, os principais defensores deste modelo de regulação, no âmbito deste enquadramento económico, apontam como uma das grandes preocupações um afastamento formal, institucional e de funcionamento face ao Estado e ao poder político. Veja-se, a esse propósito, a declaração resultante do fórum de Condeixa, no passado mês de Outubro.
Esta preocupação, e a forma como ela surge, é reveladora da consideração em que se baseia: de que o Estado é um empresário que é preciso arredar da intervenção no mercado pela via política.
Aliás, a este propósito, veja-se a recente polémica que envolveu a EDP, a ERSE e o Governo: quando a entidade reguladora procurou travar os propósitos da EDP, de aumentar de forma pouco razoável os preços da electricidade, o interesse accionista acabou por prevalecer, com o

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Governo a pressionar a ERSE para que os preços acabassem por subir.

Vozes do PCP: - Exactamente! Bem lembrado!

O Orador: - O que este diploma do PS nos vem propor (aliás, na senda do que, na prática, tem vindo a acontecer) é que o Governo designe as pessoas que vão dirigir estas autoridades e depois se afaste, formalmente, da fiscalização e do controlo dos serviços públicos em causa.
Mas, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a questão de fundo que colocamos, e que não é cabalmente respondida neste projecto, tem a ver com a independência real e efectiva destas entidades reguladoras face ao poder económico e aos interesses privados.
O que a actual situação nos demonstra é que essa indispensável independência não é garantida efectivamente. E levantam-se legítimas preocupações quanto à transparência e à defesa do interesse público quando, por exemplo, o presidente do organismo de supervisão que fiscaliza a actividade das seguradoras e dos fundos de pensões é, simultaneamente, o presidente de uma associação que defende os interesses económicos das seguradoras e dos bancos!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É tendo em conta situações como esta que consideramos naturalmente importante a definição e o cumprimento de um regime de incompatibilidades, que inclusivamente se prolongue para além do estrito exercício de funções.
Contudo, não é menos importante definir e verificar quem fiscaliza, que limitações estão subjacentes, qual é a eficácia e as consequências da determinação de incompatibilidades. Um intervalo de dois anos entre a actividade de regulador e de regulado, só por si, acaba por não resolver o problema essencial.
Em segundo lugar, uma autoridade reguladora tem de ter uma estrutura participada e representativa e não pode deixar de contar, designadamente, com a participação das organizações dos utentes e dos trabalhadores. Ora, se o projecto do PS prevê a representação dos consumidores, já quanto aos trabalhadores nem uma palavra é dita. Mantém-se a porta já hoje fechada à sua participação.
Não existe uma referência explícita, aliás, à própria questão da proporcionalidade na composição dos conselhos consultivos, pelo que fica a dúvida quanto às maiorias que se possam formar nos processos de decisão naquele órgão.
Terceira e última questão: sendo a fixação de preços e tarifas uma importantíssima atribuição destas entidades reguladoras, como será desenvolvido este processo? Qual será o órgão competente para se pronunciar sobre esta matéria? Não existindo um conselho tarifário, não estando esta competência especificamente atribuída a qualquer dos órgãos das autoridades reguladoras, subsiste a dúvida sobre quem irá ter a última palavra na definição dos tarifários.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Para o PCP, é fundamental concretizar uma rigorosa fiscalização no controlo e regulação dos serviços públicos actualmente geridos ou concessionados a entidades privadas. E estes mecanismos de regulação têm de garantir independência face aos poderes económicos das empresas.
Só assim se poderá propiciar uma adequada fiscalização, assegurar uma gestão transparente, de acordo com as necessidades dos utentes e das populações, e assegurar o respeito pelos direitos dos trabalhadores, as suas carreiras profissionais, a sua formação, as suas condições de trabalho.
Esta é, para o PCP, uma questão essencial, mas, repito, não podemos ignorar o problema de fundo, que é o das consequências das opções políticas pela privatização dos sectores estratégicos fundamentais do nosso país.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Enquanto se mantiver essa linha de rumo, Portugal continuará a remeter para segundo plano o interesse público e a subordinar-se ao poder económico. E aí não há regulação que nos valha.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: As autoridades reguladoras independentes são pessoas colectivas de carácter institucional, com especialização técnica e autonomia normativa, capazes de direccionar as novas actividades sociais na senda do interesse público juridicamente definido.
Têm, devido quer as suas características quer às suas atribuições, um papel fundamental. Atribuímos, por isso, a maior relevância à matéria que aqui está em causa.
Acredita o CDS-PP, firmemente, nas virtualidades destas entidades quanto a uma regulação independente que permita aos agentes económicos, tanto do lado da oferta como do lado da procura, a recepção de sinais correctos dos custos em que podem incorrer na sua actividade.
De igual modo, está fora de qualquer dúvida o papel que desempenham as autoridades de regulação na defesa dos interesses dos consumidores, no quadro dos objectivos de política económica. Servem, assim, estas entidades quer os agentes produtivos quer os seus destinatários.
A importância que hoje assumem estas entidades é, aliás, comprovada pela nova autoridade da concorrência que o Governo decidiu criar, e muito bem. O aparecimento desse regulador independente contribuirá, em primeira linha, para assegurar o respeito pelas regras da concorrência por parte dos operadores económicos e outras entidades, assim como para criar uma verdadeira cultura de concorrência.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem1

O Orador: - Tudo o que já afirmei não resulta em qualquer modificação quanto ao modo como idealizamos a regulação por parte do Estado. Esta assenta na defesa de uma intervenção moderada mas firme em relação à actividade económica.
Na nossa perspectiva, a implantação em concreto de um novo paradigma de Administração exige, para além da descentralização, procedimentos racionais e regulamentações meramente gerais, um processo decisório neutro, equitativo e transparente, sem que se esqueça, em certas áreas, a necessidade de criar autoridades reguladoras. Defendemos que o papel mais importante do Estado na economia

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é esse mesmo, o de regular. Poderão, então, estas entidades constituir um instrumento adequado para alcançar o objectivo de um melhor funcionamento do mercado.
Defende o CDS esta opção porque acredita firmemente, ao contrário de outros que tenho à minha frente, numa economia centralizada na iniciativa privada - reparem: "numa economia centralizada na iniciativa privada"!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Vemos, por isso, com agrado a preocupação que o Partido Socialista manifesta ao apresentar uma iniciativa nesta matéria. No entanto, o nosso acordo não pode ultrapassar este plano, o das intenções, pois o projecto em apreciação não irá merecer o nosso acolhimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - É fantástico!

O Orador: - Não pode merecer o nosso acolhimento, desde logo, porque se suscitam algumas reservas quanto ao seu conteúdo. Estas radicam, sobretudo, na irracionalidade do que é proposto face ao objecto de aplicação. Por outras palavras, parece-nos que, neste momento, é inadequada a imposição de um quadro regulador único para âmbitos que são claramente distintos.
Não se pode tratar agora, de modo igual, mesmo que num plano meramente genérico, realidades tão diversas como a regulação da Bolsa, a das telecomunicações ou a do gás e da electricidade. Há matérias em que ainda é muito difícil encontrar pontos em comum. Diria até que nem o voluntarismo do proponente, o Partido Socialista, o conseguiria.
Por outro lado, não pode deixar de se notar a manifesta inoportunidade deste projecto. Efectivamente, a sua aprovação iria determinar um aumento de encargos indesejáveis no actual contexto das nossas contas públicas, considerando que o prazo estabelecido para a conformação das entidades já existentes é muito curto e reclamaria um esforço desproporcionado relativamente às eventuais vantagens que da sua adopção poderiam advir.
Para além das objecções de fundo atrás referidas, deve também notar-se alguns elementos de detalhe que são relevantes. Por exemplo, a natureza e o regime jurídico previstos no artigo 3.º , assim como o regime de autonomia orçamental e financeira estabelecido no artigo 37.º introduzem algumas discrepâncias relativamente a aspectos específicos de algumas entidades reguladoras já existentes.
Por outro lado, o grau de pormenor que o projecto introduz relativamente à estrutura orgânica, obrigatória, das autoridades reguladoras parece constituir um excesso.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No nosso país, a experiência neste domínio não se encontra ainda consolidada, pelo que seria prematuro pretender definir desde já um quadro normativo geral. É necessário consolidar a nossa experiência, até porque, como já aqui disse, a regulação não se justifica por si mesma, tem como principal objectivo a protecção de consumidores e, por muito que custe a alguns, está ao serviço da economia, da confiança nos mercados e nas empresas.
Conclui-se, assim, que o projecto vertente, ao determinar, neste momento, um enquadramento homogéneo para as autoridades reguladoras independentes, parece não salvaguardar as necessárias particularidades de cada uma destas autoridades, imprescindíveis à sua adequada e positiva actuação no respectivo sector.

Aplausos do CDS-PP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.as e Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que está encerrado o debate do projecto de lei n.º 178/IX.
A próxima sessão plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia, seguido de período da ordem do dia que constará do debate, na generalidade, do projecto de lei n.º 181/IX - Estabelece o direito dos trabalhadores a um número mínimo anual de horas de formação profissional certificada (PS) e da discussão conjunta dos projectos de deliberação n.os 7/IX - Adopta medidas tendentes à melhoria do funcionamento da Assembleia da República e à sua credibilização (Os Verdes) e 10/IX - Define o novo regime de publicação exclusivamente electrónica do Diário da Assembleia da República e cria condições para o teletrabalho parlamentar (PS), havendo, ainda, lugar a votações à hora regimental.
A seguir ao final da sessão de hoje realizar-se-á uma reunião da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político.
Nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto
António Henriques de Pinho Cardão
António Maria Almeida Braga Pinheiro Torres
Bruno Jorge Viegas Vitorino
Joaquim Virgílio Leite Almeida da Costa
José Manuel Pereira da Costa
Manuel Joaquim Dias Loureiro
Maria Assunção Andrade Esteves
Pedro do Ó Barradas de Oliveira Ramos
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva

Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa
Luísa Pinheiro Portugal
Ricardo Manuel Ferreira Gonçalves
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos

Partido Popular (CDS-PP):
Manuel Miguel Pinheiro Paiva

Partido Comunista Português (PCP):
José Honório Faria Gonçalves Novo
Maria Luísa Raimundo Mesquita

Srs. Deputados não presentes à sessão por se encontrarem em missões internacionais:

Partido Social Democrata (PSD):
António da Silva Pinto de Nazaré Pereira
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira

Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga

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Partido Popular (CDS-PP):
José Miguel Nunes Anacoreta Correia

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Jorge Martins Pereira
Eduardo Artur Neves Moreira
Maria Clara de Sá Morais Rodrigues Carneiro Veríssimo
Maria Elisa Rogado Contente Domingues
Maria Goreti Sá Maia da Costa Machado
Pedro Filipe dos Santos Alves

Partido Socialista (PS):
Fernando dos Santos Cabral
Francisco José Pereira de Assis Miranda
Luís Manuel Carvalho Carito
Manuel Alegre de Melo Duarte
Maria Cristina Vicente Pires Granada
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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