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0136 | I Série - Número 003 | 18 de Setembro de 2004

 

Bem cedo, a lei aprovada, em 1984, revelou-se desajustada, como na altura, em declaração de voto, dissemos.
Fruto de um vezo antifeminino, o espírito de barbárie que anima verdadeiras cruzadas contra as mulheres continua a exigir do Estado que o mesmo seja fautor de violência contra as mulheres e que as castigue para que, no dizer do actual Ministro das Finanças, "expiem as suas dificuldades morais na aceitação da lei". E vá de propor trabalho a favor da comunidade para que a estigmatização seja pública. É este o Ministro que retirou do Código do Trabalho a licença por aborto clandestino, recusando responder ao apelo das conferências do Cairo e de Beijing que apelaram a que as mulheres que recorrem ao aborto fossem tratadas com humanidade.
Temos um problema de saúde pública que não se trata com perseguições penais. A lei penal é ela mesma o suporte desse problema.
E porque é preciso acabar com a barbárie, o PCP - recordando - fez regressar ao debate na Assembleia, há uns anos, a necessidade de alterar a lei. Este percurso dos projectos então apresentados foi entretanto colhido por uma proposta referendária que subalternizou a legitimidade da Assembleia para resolver o problema e que foi uma moeda de troca. Ou seja, "dou-te um referendo e tu dás-me uns certos lugares no Tribunal Constitucional". Foi isto o que se passou!
Hoje está muito claro, mesmo para pessoas que em desespero de causa aderiram à tese referendária, que o PCP tinha razão: os direitos fundamentais das mulheres não se referendam; não se referendam direitos humanos básicos, que na área da sexualidade se chamam direitos sexuais e reprodutivos. Mas, como consta, por exemplo, do relatório apresentado, em 1999, pelo Comité de Peritos do Conselho da Europa, mais não são do que a tradução, nessa área, da sexualidade do direito à vida, do direito à privacidade e à vida familiar, sem intervenção do Estado, do direito à saúde e aos cuidados de saúde, do direito à informação, opinião e do direito à liberdade de expressão, do direito aos benefícios do progresso científico, estabelecido no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Estes direitos não são referendáveis.
Temos assistido, desde o referendo, a uma escalada repressiva contra as mulheres. Sucedem-se os julgamentos e declarações hipócritas dos movimentos antifemininos. Mas elas, as mulheres, continuam a ser investigadas, a ver exposta a sua intimidade na praça pública, continuam a ser vítimas da política criminal deste Governo que teima em manter a sua criminalização, apoiado naqueles movimentos antifemininos a quem distribui generosas verbas do orçamento da segurança social que sempre dão jeito para estas cruzadas, para fazer uns cartazes vergonhosos, para viajar até Amesterdão para propor um processo num tribunal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Este termo "cruzada" deve povoar amiudadamente os sonhos do Sr. Ministro da Defesa Nacional. Qual cavaleiro andante e errante em busca de indulgências, vê chegado o dia de combate aos infiéis - às infiéis, neste caso - e decide-se a "jogar à batalha naval, lançando corvetas contra uma casca de noz".
Mais do que o barco, o que ele quis foi sitiar as mulheres portuguesas, apontá-las como incapazes de tomar decisões responsáveis, necessitando por isso da sua tutela. Deus nos livre!
O despacho faz pasmar quanto aos seus fundamentos. "O barco punha em causa a saúde pública." - disseram.
Mas o problema de saúde pública existe aqui, dentro do País. As urgências dos hospitais falam-nos do drama das mulheres, de adolescentes, vítimas das proibições quanto à educação sexual, vítimas também das dificuldades de acesso ao planeamento familiar. Ficou a perceber-se, pelas explicações, um tanto atabalhoadas, do Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, que o problema de saúde pública resultaria do uso da pílula RU 486, aliás, comercializada em quase todos os países da União Europeia.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

A Oradora: - Sejamos sérios! O fármaco comercializado na Europa com o nome de Mifégyne, distribuído pelos laboratórios Exelgyne, foi aprovado pela Agência Europeia de avaliação dos medicamentos de uso humano. Não pode ser verdade que a União Europeia tenha uma agência que aposta em criar problemas de saúde pública nos Estados-membros. E não é verdade que esta pílula esteja proibida em Portugal, como disse o Sr. Secretário de Estado. Tanta demagogia e tanto desconhecimento! A verdade é que não foi solicitada a sua comercialização, mas pode sê-lo até ao abrigo do processo de reconhecimento mútuo, e sê-lo-á porque a introdução desta pílula corresponde ao direito aos benefícios do progresso científico, constantes do artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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