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2279 | I Série - Número 050 | 29 de Setembro de 2005

 

Vamos deixar de lado a insólita trapalhada constitucional e regimental que determinou a possibilidade de reapresentação deste projecto. É matéria discutida e rediscutida nesta Assembleia, cuja apreciação ficará para o Tribunal Constitucional. A nossa posição sobre esse assunto é conhecida e não a vamos repetir. Importa, hoje, discutir a questão de fundo.
A questão de fundo, para o PCP, é muito clara. É tempo e mais que tempo de a Assembleia da República aprovar uma lei despenalizadora da interrupção voluntária da gravidez, que acabe, de uma vez por todas, com a perseguição penal das mulheres acusadas da prática do crime de aborto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É tempo e mais que tempo de acabar, de uma vez por todas, com o vexame das mulheres que são levadas ao banco dos réus, humilhadas na praça pública, sujeitas à devassa policial da sua intimidade, sujeitas à aplicação de penas de prisão que ninguém diz desejar, mas que continuam previstas na lei.
É tempo e mais que tempo de acabar com a hipocrisia daqueles que dizem não querer punir as mulheres e que se regozijam por não haver nenhuma mulher presa por ter abortado, mas que, entretanto, continuam a recusar alterar uma legislação em que está prevista a pena de prisão para as mulheres que tenham interrompido a gravidez e que de há muito deveria ter passado à história.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É tempo e mais que tempo de acabar com uma situação em que as mulheres que não têm dinheiro para interromper a gravidez em segurança em clínicas no estrangeiro, e apenas essas, são obrigadas a alimentar o negócio do aborto clandestino, com todos os riscos que daí possam decorrer para a sua própria saúde.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É esta a questão de fundo e é com esta questão que nos deveremos preocupar. Em vez de andar com propostas de referendo para a frente e para trás, e de trapalhada em trapalhada, a Assembleia da República deveria, agora que dispõe de uma maioria parlamentar favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG), usar as competências constitucionais de que dispõe para legislar finalmente nesse sentido.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, no entanto, prefere insistir de novo na realização de um referendo. Não que a Constituição o imponha. Está dito e redito que, ao referendo do século passado, realizado no já longínquo ano de 1998, foi conferida uma eficácia política que ele juridicamente nunca teve e que permitiu que 15% dos eleitores portugueses, que votaram "não", impusessem a sua vontade política a todos os demais e manietassem a decisão do órgão de soberania representativo de todos os cidadãos portugueses.
Acontece, porém, que a eficácia que esse referendo, sublinho, nunca teve, ameaça perdurar para a eternidade. Para os partidos da direita, para quem o referendo não passou de um instrumento destinado a enredar o PS nas suas contradições, com o objectivo de inviabilizar a despenalização da IVG, este referendo deve ser eterno na sua validade. Para o Partido Socialista, a realização do referendo passou a ser um fim em si mesmo. O problema da despenalização da IVG passou para segundo plano e a questão fundamental passou a ser fazer o referendo. Quanto a nós, esta forma de ver as coisas coloca o problema completamente ao contrário e revela uma enorme insensibilidade perante o flagelo do aborto clandestino.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista diz que o referendo foi uma promessa eleitoral e deve ser cumprida. Temos pena que esse critério não seja aplicável a todas as promessas eleitorais do PS…

Aplausos do PCP.

… e que quase todas as outras tenham sido lançadas pela borda fora sem grandes remorsos. Mas, neste caso, a promessa até foi cumprida. O PS apresentou nesta Assembleia e fez aprovar, já nesta Legislatura, um projecto de resolução para realizar um referendo sobre a IVG. Só que, como se sabe, a decisão não depende só de si. Depende de uma decisão do Presidente da República que, como se sabe, decidiu em sentido diverso.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Bem lembrado!

O Orador: - Seria de toda a lógica e teria toda a razoabilidade que o PS tivesse entendido que, cumprido o seu compromisso com os eleitores de propor um referendo, e tendo este sido inviabilizado, a resolução