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I SÉRIE — NÚMERO 10

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de trabalhar — quase sempre a mulher — para arcar com as responsabilidades que são do Estado e cuidar dos

seus filhos com deficiência 24 horas por dia.

Falar de deficiência é falar de pessoas e de famílias, mas também falar das políticas que as afetam. E falar

de políticas nesta área é constatarmos a necessidade de acabar com o assistencialismo e a institucionalização

que tanto têm prejudicado a emancipação e a inclusão social das pessoas com deficiência. Estas políticas são,

ainda hoje, herdeiras do contexto histórico e cultural de forte influência de uma moral judaico-cristã, com a

consequente associação da caridade à deficiência, mais o monopólio, ao longo de séculos, das instituições

religiosas no apoio aos indigentes, que se manteve nas várias reformas estatais ao nível da assistência pública.

É de recordar que o direito à assistência pública, reconhecido na Constituição de 1911, é retirado e

substituído pela secundarização do papel do Estado na Constituição salazarista de 1933, em que o dever do

Estado se reduzia à coordenação, estimulação e regulação das iniciativas sociais privadas. Assim, na ditadura,

as políticas sociais estruturaram-se em redor de iniciativas privadas, nomeadamente de organizações de

caridade dependentes da Igreja Católica.

O desenvolvimento do Estado-providência e o reconhecimento por parte do Estado da sua responsabilidade

face às pessoas com deficiência far-se-á apenas após a queda do regime ditatorial em 1974. No entanto, esta

responsabilidade tem sido delegada nas famílias e nas organizações não-governamentais prestadoras de

serviços.

Embora tenha existido um claro avanço, quando comparamos com as décadas anteriores, não se conseguiu

acabar com as barreiras que impedem a inclusão e a participação social das pessoas com deficiência e fomos

incapazes de quebrar o ciclo vicioso existente entre deficiência, pobreza e exclusão social.

Chegamos a 2016 e sabemos que existem 173 000 pessoas com deficiência, titulares ou beneficiários de

prestações sociais, que recebem, em média, menos de 180 € mensais, que, em 2001, a taxa de analfabetismo

das pessoas com deficiência era de 37%, face aos 26,4% da população em geral, tendo a grande maioria

unicamente o 1.º ciclo do ensino básico. A taxa de atividade das pessoas com 15 anos ou mais era, em 2011,

de 22% face a 47,5% para a população portuguesa em geral.

No conjunto das empresas com 10 ou mais trabalhadores existe uma percentagem que não chega a 0,4 %

de trabalhadores com 60% ou mais de incapacidades. No ano letivo de 2013/2014 havia 1318 estudantes com

necessidades educativas especiais no ensino superior. Uma percentagem de 0,36% da população estudantil,

neste nível de ensino.

Um estudo recente realizado em Portugal sobre os custos acrescidos para fazer face às barreiras de uma

sociedade organizada de forma não inclusiva estimou que o custo de vida adicional para os agregados familiares

com pessoas com deficiência se cifra entre os 5 100 € e os 26 300 € por ano. Esta é, em traços muito gerais, a

situação das pessoas com deficiência. Esta é a realidade que temos de alterar.

Aplausos do BE, do PAN e de Deputados do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, para alterar esta situação há que fazer

diferente do que tem sido feito até agora. Necessitamos de políticas que se baseiem numa visão diferente da

deficiência. Políticas que reconheçam que o problema não está na diversidade humana, mas, sim, numa

organização social profundamente «deficientizadora».

Não é a deficiência que nos impede de participar na vida em sociedade, mas, sim, a forma como a deficiência

é socialmente construída. São as barreiras sociais, políticas, físicas e psicológicas criadas por esta sociedade

que limitam e constrangem a nossa vida.

Se admitimos, e temos de admitir, que nós somos cidadãos e cidadãs de pleno direito, o que temos de fazer

é acabar com todas as barreiras — ambientais, culturais e psicológicas — que nos impedem a realização

pessoal, sejam estas barreiras, por exemplo, a institucionalização forçada, por falta de alternativas, ou mesmo

a escola chamada inclusiva que frequentemente retira alunos da sala de aula e os segrega em unidades de

apoio especializado.

A deficiência reside na sociedade e na forma como esta está organizada e não na pessoa.

Tem de ser este o ponto de partida de qualquer política que respeite os direitos das pessoas com deficiência

e é preciso que isto fique bem claro. Aliás, esta é a filosofia que suporta a Convenção dos Direitos das Pessoas

com Deficiência, que esta Assembleia aprovou e que está obrigada a cumprir.