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15 DE JANEIRO DE 1992

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equação processual; proclamada também, e de há muito, a insuficiencia em muitos casos da legitimidade exclusiva do Ministério Público no exercício da acção penal; não sendo por mais tempo possível continuar a desconhecer a existência de sociedades intermédias e de grupos organizados ou inorganizados à espera de representação em juízo, e até de direitos sem titular, é chegado o momento de encararmos empenhadamente o princípio do fim da exclusiva concepção individualista do processo e da justiça.

Diga-se, em abono dos que já antes com isso se preocuparam, que há muito, entre nós e lá fora, se vem apertando o cerco.

Se recuarmos até à intervenção privada no exercício da acção penal, à providência do habeas corpus e aos dois casos de acção popular de há muito consagrados no Código Administrativo (artigos 369.° e 822.°), temos aí, recentes, aflorações do direito de acção popular, mais ou menos típicas, constantes da legislação eleitoral e da legislação em vigor em matéria de protecção dos consumidores, do ambiente e do parimónio cultural.

Lá fora assiste-se também a tentativas de busca. São exemplos disso, entre outros, as class actions, dos Estados Unidos da América, as «acções de grupo», da França, o «recurso colectivo», do Quebeque, e os ensaios de acção popular em tentativa no Brasil. A própria CEE encara a adopção de formas e casos de legitimação de associaçêos ou grupos intermédios.

É claro que, no plano teórico, as perplexidades são muitas. Desde logo a questão de saber a que título e em que medida (de procurador?, de substituto processual?, de gestor de negócios?, outro?) os intervenientes em processo de acção popular representam os titulares dos interesses em causa. E não menos a projecção disso no plano dos efeitos do caso julgado. Fonte de dúvidas e hesitações é também o novo papel dos cidadãos no exercício da acção penal. E a extensão dos novos poderes que necessariamente há que conferir ao julgador. E as novidades a consagrar em matéria de reparação de danos. E não menos a forma de fixar o quantum respondeatur. Ou a divisão ou o rateio entre os titulares — públicos e privados — desse quantum, uma vez fixado. Ou a quem imputar, e em que medida, a responsabilidade por custas, nomeadamente em caso de sucumbência.

Como se vê pela amostra não é fácil — nem o foi — encontrar respostas para estas e outras questões, sobretudo sem destruir, como se impõe, a rica e complexa aparelhagem conceituai do nosso sistema jurídico de base romanística.

A tudo isto, de resto, se somam outras preocupações, como essa de estabelecer o justo equilíbrio entre o estímulo a que os cidadãos assumam o papel que lhes cabe — bem incómodo por sinal — de defesa da legalidade em sectores importantes do interesse público, colectivo ou difuso, e o combate ao nascimento e à progressiva instalação de uma classe de profissionais da acção popular com outros objectivos menos nobres e transparentes do que aqueles que motivam o legislador.

3 — Dir-se-á: porquê, então, tanto empenhamento em viabilizar e incrementar este tipo de acção? Só por que a Constituição assim o quer? Não, decerto. Mas porque são preponderantes as suas vantagens e debalde se procurara opor o dique de uma recusa à tutela dos interesses que a justificam.

Não é só a necessidade de conferir aos respectivos titulares, no dizer do Dr. Mário Raposo, o direito a uma «crescente cidadania económico-social». Nem só a necessidade de confeir legitimidade processual às já referidas sociedades intermédias, colectivas, comunitárias ou associativas para defesa de interesses colectivos ou difusos. Nem só a necessidade de fazer participar cada vez mais o cidadão na iniciativa da tutela judicial dos interesses que são de todos ou de muitos. É também o reconhecimento de que as chamadas «lesões de massa» ficam em regra impunes porque são demasiado irrelevantes ao nivel individual para motivarem iniciativas judiciais isoladas e, em regra, demasiado graves para ficarem impunes só porque se não dispensa a coligação de todos ou de muitos.

É, pois, uma forma de, através de actos de participação democrática, por via judicial, proteger a parte mais fraca, em regra impondo restrições à autonomia da vontade da parte mais forte.

Para além disso, há que reconhecer o relevo de que se revestem a economia de juízes (tão necessária em face do bloqueamento dos nossos tribunais), a economia de serviços e despesas judiciais, a rapidez das soluções por multiplicação dos efeitos de uma decisão única e o acréscimo de eficácia do combate a flagelos tão preocupantes como os atropelos à saúde pública e à degradação do ambiente ou do património cultural. Este combate deixa de ser apenas do Estado e dos directamente lesados, passando a ser de todos.

Espera-se que venha a ser eficaz, porque é, desde já, democraticamente aliciante.

4 — A nossa Constituição, prudente como convinha, consagrou o direito de acção popular em casos contados, com permissão de mais como reserva de lei.

Entenderam os signatários do presente projecto que, tratando-se de algum modo de um salto no desconhecido, há, por ora, que manter a prudência da Constituição. Mas estão abertos a ir até mais além.

Por ora, limitam-se a consagrar os termos em que pode ser exercido o direito de acção popular relativamente às infracções que a própria Constituição contempla, porém de forma a abranger quer os casos de acção popular, já reconhecidos em legislação avulsa — até agora sem regulamentação que permitisse exercer o correspondente direito —, quer os que no futuro venham a sê-lo.

Com uma diferença: em relação a todos estes casos, o presente projecto de lei inclui no objecto da acção popular a tutela de interesses difusos, porém em termos que não dispensam a criação de um regime processual específico.

Já se realçou o parentesco existente entre os interesses protegidos num caso e noutro.

E esse parentesco basta para justificar que, nos casos em que a importância dos interesses em causa impõe a acção popular, o direito dos respectivos titulares se não detenha perante a natureza difusa dos mesmos interesses.

Mas impõe-se reconhecer que podem existir, e seguramente existem, interesses difusos que, pelas suas características, com destaque para a sua importância, podem justificar uma acção de grupo sem chegarem a justificar uma acção popular. Em tal caso, o univeso dos titulares do direito de acção deve restringir-se aos titulares do interesse de que se trate, desde que a todos eles.