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17 DE JUNHO DE 1995

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de dos cidadãos que não são reconduü'veis ao tipo clássico da corrupção», propôs-se então que o tráfico de influência «não permanecesse impune na sociedade portuguesa e passasse a ser expressamente criminalizado no Código Penal». «Um programa criminal à altura dos problemas das sociedades democráticas de hoje — sustentou-se nesse debate — não pode deixar de identificar e penalizar o abuso de posições fácticas de influencia, enfrentando formas de venalização que ameaçam, a vários níveis, a autonomia intencional do Estado e da Administração Pública.» {Ibidem.)

2 — Interpelado sobre a disponibilidade «para acolher e apoiar a proposta do PS de inclusão do crime de tráfico de influência no Código Penal» (p. 2742), o Ministro da Justiça defendeu então no Parlamento o ponto de vista de que «o modo como a lei actual proposta prevê a corrupção envolve aquilo que tem dignidade jurídico-penal no tráfico de influências» e afirmou acreditar «que o modo como está prevista é suficiente para a tutela jurídico-penal e para não criarmos um clima de caça às bruxas» (p. 2744). Admitiu, no entanto, que, «se assim não fosse», havia abertura da sua parte para «caminhar no sentido» preconizado pelo PS.

Na verdade, tanto o projecto da Comissão de Revisão do Código Penal (Ministério da Justiça, 1993) como a proposta de lei n.° 92/VI —conservadora na manutenção de velhas incriminações como a «mutilação para isenção de serviço militar» e ousada na criação de novas como a «perturbação da paz e do sossego» — tinham passado inexplicavelmente ao lado da gravidade e censurabilidade do fenómeno do tráfico de influência, que tanto a análise sociológica como o simples exame das legislações onde tal crime se encontra previsto mostram ser irredutível quer à figura clássica da corrupção quer mesmo à categoria dos crimes cometidos no exercício de funções públicas, em que aquela vem inserida.

3 — A insistência do PS na criminalização do tráfico de influência acabou por levar, já no âmbito da discussão na especialidade, ao abandono da inicial posição ministerial e ao reconhecimento da insuficiência do quadro proposto.

Tal viabilizou na altura uma solução compromissória que se concretizou no alargamento da extensão da autorização legislativa pedida, através do aditamento ao elenco de soluções propostas pelo Governo respeitantes à introdução de novos tipos de crime [artigos 1.°, 2.°, alínea 0, e 3.°, B, 192), da Lei n.° 35/94, de 15 de Setembro] da seguinte nova solução:

192) Definir um tipo autónomo de crime de tráfico de influência, que contemple o comportamento de quem solicite ou aceite, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial ou a sua promessa, para abusar da sua influência, real ou suposta, com o fim de obter de uma entidade pública encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções, benefícios ou outras decisões favoráveis. Estruturar uma sanção para este crime que seja proporcional às dosimetrías de outros tipos conexos, a saber, os tipos de corrupção activa e passiva, de burla e de abuso de autoridade por funcionários.

Tal solução afastava-se, em vários aspectos, da proposta inicial do PS — entretanto retirada, em benefício da fórmula de compromisso —, mas tinha o não pequeno mérito de garantir o ingresso do novo crime na economia do processo de revisão do Código Penal, donde fora injustificadamente excluído, e, com isso, na história do direito penal português.

4 — No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.° 35/94, de 15 de Setembro, viria o Governo a aprovar uma solução ainda mais defeituosa e restritiva, infringindo mesmo, desfigurando e afectando, neste ponto, o sentido e alcance da autorização concedida.

Com efeito, passa a dispor agora o artigo 335.° do Código Penal, em função do artigo 1." do Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março:

Artigo 335."

Tráfico de influência

Quem obtiver, sem que lhe seja devida, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou a sua promessa, para, abusando da sua influência, conseguir de entidade pública decisão ilegal sobre encomendas, adjudicações, contratos, empregos, subsídios, subvenções, beneficios ou outros benefícios é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

5 — De entre-os vários pontos em que esta solução se afasta da consagrada na Lei n.° 35/94, ressalta que:

Apenas se considera agora relevante a vantagem patrimonial;

Apenas se considera relevante a influência que se comprove real — e não também a meramente invocada (suposta);

Apenas se considera relevante a decisão ilegal — e não, como expressamente estabelecia a Lei n.° 35/94, qualquer «decisão favorável».

Estão em causa restrições de vulto, que comprometem significativamente a eficácia prática do programa punitivo aprovado pelo Parlamento e que não só se afastam ostensivamente da lei por este aprovada como, em maior medida ainda, se distanciam da legislação penal de outros países (cf, por todas, a lei francesa — Nouveau Code Penal, em vigor desde 1 de Março de 1994, artigos 432°, n.° 11, e 433.°, n."51 e 2).

Para sublinhar a estranheza quanto ao primeiro aspecto evidenciado, refira-se que a própria doutrina nacional, na esteira da generalidade da moderna doutrina germânica e de vários autores italianos, considerara de aplaudir, no âmbito do combate contra o aumento da corrupção no nosso país, o abandono da anterior exigência, constante do Código Penal de 1982, de que a vantagem em causa na corrupção tivesse necessariamente natureza patrimonial («quer imediatamente traduzida em dinheiro quer, de forma indirecta, convertível num valor pecuniário determinado»). Tal ocorreu logo com o Decreto--Lei n.° 371/83, de 6 de Outubro, que estendeu a incriminação por corrupção à solicitação e à aceitação de vantagens não patrimoniais, além do mais com base na «dificuldade prática de, em zonas limite, se saber se determinada vantagem tem carácter patrimonial ou não patrimonial — o que, em obediência ao princípio do in dúbio pro libértate, conduziria à exclusão da incriminação e, em larga medida, à frustração dos objectivos político-crimináis do legislador» (cf. A. M. Almeida Costa, Sobre o Crime de Corrupção, Coimbra, 1987, p. 115). É essa mesma frustração que —em caso com evidente paralelismo como é o presente — é consumada com a divergência intencional do legislador governamental em relação ao legislador parlamentar. E também aqui não se vislumbra razão para a impunidade de troca da «influência sobre a decisão pública» por benefícios não exclusivamente patrimoniais, já que uma tran-

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