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II SÉRIE-A — NÚMERO 33

e, entre nós, durante o Estado Novo. Em condições extremas de insegurança e de insatisfação popular, em que as instituições da democracia representativa se revelam inoperantes, o referendo pode assumir aspectos de plebiscito. A recíproca, porém, também é verdadeira: regimes totalitários ou, mais simplesmente, um poder pessoal em busca de legitimação, caíram já por via do referendo, como, por exemplo, a transição democrática aprovada em Espanha pelo referendo de 1976, a queda de Pinochet no Chile ou o afastamento do general DeGaulle, em consequência de um referendo que, por vontade própria, pretendeu transformar em plebiscito (Fernanda Lima Lopes Cardoso, em Referendo, Uma Questão Actual, p. 20).

Durante o Absolutismo as instituições de participação dos cidadãos na vida pública assumiram formas relativamente afastadas da área da decisão política ou conservaram-se apenas em casos pontuais pouco representativos. Na verdade, são os pensadores franceses da Revolução que estabelecem os fundamentos da grande polémica —democracia directa versus democracia representativa— que atravessa toda a história dos regimes democráticps e do conceito de Estadp. Montesquieu contra Rousseau, ou seja, o povo «admirável para escolher aqueles a quem deve confiar uma parte da sua autoridade» (Montesquieu) contra o «povo soberano, que não pode ser representado senão por si próprio e [cuja] soberania não pode jamais ser alienada» (Rousseau) (idem. p. 16). São, aliás, as suas posições divergentes que moldam as tendências antagónicas que se mantêm em muitos dos actuais textos constitucionais.

Na esteira do pensamento de Rousseau e de Montesquieu, Condorcet e Sieiyès prosseguiram a conceptualização da democracia e do Estado constitucional, sempre balizados pelos dois extremos:

A Constituição, lei suprema e intocável, testemunho e guardião do Estado de direito e expressão por delegação da vontade popular (Sieiyès); ou

A Constituição, emanação da vontade popular, e por esta ratificada através do referendo.

Através da associação do povo à decisão política, pelo referendo e ratificação popular da Constituição e das leis, Condorcet introduzia um factor de correcção à democracia representativa e prenunciava o que pode ser considerado como o conjunto das características essenciais de um regime democrático (idem, p. 18, citando Rosângela de Bellis, em Rivista trimestrale di diritto pubblico):

A investidura/legitimação dos representantes do povo;

A consagração de mecanismos de controlo dos representantes pelos representados (o referendo, nesta sua forma de instrumento de controlo, acabou por ser consagrado na Constituição jacobina de 1793. Porém, o referendo legislativo revogatório é suprimido das Constituições de 1795 e de 1799, sem que estas tenham deixado de ser referendadas);

A possibilidade de retirar aos representantes o poder que lhes foi conferido.

Conciliando a «soberania jurídica» da Constituição, símbolo do Estado, com a «soberania política» do povo, o referendo aparece como um compromisso entre a democracia representativa e a'democracia directa.

As Constituições francesas de 1793 e 1795 e, posteriormente, as de 1799, 1802 e 1804, seriam todas aprovadas por referendo ou plebiscito, o que contribuiu para o facto

de, por reacção contrária, nos países influenciados pelo constitucionalismo francês, durante muitas décadas, o sistema fosse estritamente representativo. Por motivos diferentes, ligados ao bom funcionamento das suas instituições, algo de semelhante ocorreria nos países pertencentes às famílias constitucionais britânica e norte-americana.

Após a vitória efémera das constituições referendárias, as constituições francesas liberais abandonaram as «formas correctoras da democracia representativa» e a soberania passa do povo para a nação, entidade despersonalizada. A «soberania nacional» é exercida pelos «representantes do povo» e o «governo representativo» recai sobre o voto censitário, o que salvaguarda a estrutura hierárquica da sociedade.

Com a industrialização e a emergência de novas classes detentoras de interesses e poderes diferentes dos das antigas oligarquias, acentua-se a crise do «Estado liberal». Começa a reivindicação generalizada do sufrágio universal e da participação directa dos cidadãos. No século XIX recorre-se a votações populares e a plebiscitos, não tanto em nome do princípio democrático quanto em nome do princípio das nacionalidades, para a formalização de alterações territoriais, como, por exemplo, no caso da anexação das ilhas Jónicas pela Grécia, a do Eslésvigo do Norte pela Prússia e alguns momentos da unificação italiana.

Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial surgem novas fórmulas constitucionais, que reflectem essas aspirações populares através de mecanismos correctores, em particular no que diz respeito à dissolução das câmaras, seja por referendo convocado pelo chefe do Estado, seja por iniciativa popular. Saliente-se o caso da Constituição de Weimar, que, não consagrando o referendo constitucional obrigatório, desenvolve toda uma série de instrumentos referendários como o referendo legislativo de ratificação, o referendo de arbitragem, o referendo de destituição do Presidente, o referendo local ou regional e o referendo de autodeterminação. Os resultados não se oferecem, porém, muito satisfatórios no contexto da época, e não são poucos os casos de manipulação plebiscitária.

No segundo pós-guerra, o instituto do referendo continua, apesar de tudo, a difundir-se. Contemplam-no, por exemplo, a Constituição Italiana de 1947, a Alemã Ocidental de 1947, a Francesa de 1958, a Sueca de 1974 e a Espanhola de 1978. Já antes constava das leis fundamentais do general Franco, em Espanha (desde 1945), bem como na Constituição Portuguesa de 1933; após a revisão de 1935.

Na actualidade, o referendo está consagrado também noutras formas de governo: a de Cabo Verde de 1981, a°da Turquia de 1982 e a da Guiné-Bissau de 1984.

O Prof. Jorge Miranda elabora um apanhado dos mais importantes actos referendários dos últimos 40 anos:

a) Em 1945, em França, sobre a atribuição de poderes constituintes à Assembleia a eleger;

b) De Abril a Outubro de 1946, em França, sobre a Constituição da IV República;

c) Em 1958, sobre a Constituição da V República e sobre a Comunidade Francesa;

d) Em 1946, em Itália, e 1974, na Grécia, sobre a opção entre monarquia e república;

e) Em 1950, na Bélgica, sobre a crise dinástica;

f) Em 1972, na Noruega, e 1975, na Grã-Bretanha, sobre a integração na Comunidade Económica Europeia, rejeitada na primeira e aprovada na última;

g) Em 1976 e 1978, em Espanha, sobre a transição do regime autoritário para o novo regime constitucional democrático;

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