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II SÉRIE-A — NÚMERO 47

A insuficiência da proposta neste domínio afigura-se-nos grave, já que a total ausência de critérios pode, como assinalou o conselheiro Luís Nunes de Almeida perante a Comissão Parlamentar de Defesa, permitir a arbitrariedade e encobrir a utilização de critérios absolutamente proibidos — v. g. baseados na raça, religião, convicções políticas ou filosóficas — ou, através dos exames psicotécnicos, numa avaliação subliminar de certas características.

Dúvidas idênticas ou talvez mais graves poderão colocar-se em sede de recrutamento excepcional. Com efeito, a proposta não esclarece como se opera o recrutamento excepcional de cidadãos na situação de reserva de recrutamento. E não prevendo;a proposta um recenseamento para efeitos militares, não existe garantia de que todos possam ser convocados, nem se sabe quais são os convocados, nem os critérios que lhe estariam subjacentes.

O artigo 22.° da proposta nada diz sobre o destino dos que não concluam com aproveitamento a instrução militar, quer no recrutamento normal, quer no recrutamento excepcional.

3.3 — A proposta de lei e o princípio da igualdade.

O princípio da igualdade, como é sabido, vem consagrado no artigo 13." da Constituição. O sentido da igualdade e a relação entre esta e a proporcionalidade estão suficientemente trabalhados na jurisprudência e na doutrina (v., por todos, Jorge Miranda, op. cit., pp. 205 e segs.).

O sentido "primário do princípio é negativo («Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever...»). Do seu sentido positivo, o que ora nos interessa é o de tratamento igual para situações iguais, de direitos .ou de deveres.

Vejamos, por exemplo, o que se passa com a dispensa de deveres militares prevista nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 29." da proposta de lei. Constitui motivo de dispensa das provas de classificação e selecção possuir habilitação para candidatura ao ensino superior ou encontrar-se em regime de aprendizagem ou a frequentar curso de formação ou estágio profissional. Como explicar este privilégio a favor dos mais instruídos? Parece, evidente, que esta solução viola o princípio da igualdade. Acresce que, conjugada com o quadro contra-ordenacional estabelecido no artigo 51.°, acaba por legitimar a conclusão de que o Governo pretende uma tropa pobre e inculta, já que ficam de fora os que têm mais habilitações literárias e capacidade económica para pagar as respectivas coimas...

Por outro lado, nesta e noutras disposições da proposta — bem como em alguns preceitos ainda em vigor da Lei de Defesa Nacional — está subjacente a ideia de que o serviço militar é um castigo, que tem carácter penoso. Ora esta visão da realidade não é compatível com a ideia de defesa da Pátria, como direito fundamental.

A alínea f) do artigo 29.° da proposta considera motivo de dispensa ser-se aluno de estabelecimento de formação eclesiástica, membro de instituto religioso e ministro de qualquer religião legalmente reconhecida. Suscita-se aqui a questão de saber o que é uma região legalmente reconhecida, quando é certo que não existe, no nosso direito, qualquer reconhecimento legal de religião.

O preceito gera, em qualquer hipótese, uma discriminação entre os membros das diferentes religiões, acolhendo, por isso, mais uma desconformidade com o artigo 13.° da Constituição.

O projecto de lei n.°634/VII, embora, incorrendo no mesmo vício de referir-se a religiões legalmente reconhecidas (cf. artigo 33.°, n.° 1, do projecto), em vez de isentar os religiosos do cumprimento de obrigações militares,

estabelece que os mesmos «devem prestar o seu serviço militar, quando necessário às Forças Armadas, no âmbito dos serviços de assistência religiosa, de saúde militar ou de conteúdo equiparável, nos termos do regulamento da presente lei, a não ser que manifestem expressamente a vontade de prestarem serviço efectivo de conteúdo idêntico ao prestado pelos demais cidadãos». Não se prevendo dispensa por este motivo, não há hipótese de violação do princípio de igualdade, além de que fica salvaguardado em

relação a eles o direito dc defesa da Pátria.

O artigo 31.° da proposta regula a situação dos cidadãos do sexo feminino perante o direito e dever de defender a Pátria.

Depois de adquirido constitucionalmente o princípio da igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, o disposto no artigo 31.° parece pôr em causa esta conquista do Estado de direito.

Do mesmo mal enferma o projecto do PSD, quando, tal como faz a proposta, apenas admite a possibilidade de as cidadãs portuguesas poderem prestar serviço militar voluntário.

Partindo-se do princípio de que as mulheres, podendo beneficiar do recrutamento normal, são titulares do direito de defesa da Pátria, como dispensá-las do dever de defender a Pátria? Não lhes são aplicáveis as normas, máxime as obrigações, decorrentes do recrutamento excepcional?

E, no caso do projecto de lei do PSD, as cidadãs portuguesas estão sujeitas às mesmas obrigações que recaem sobre os cidadãos portugueses relativamente ao recrutamento militar e ao serviço efectivo decorrente de convocação e mobilização?

Se não, quais os critérios que explicam essa diferença de tratamento em função do sexo? Não seria possível utilizar critérios objectivos, de acordo com a natureza das coisas, para esclarecer os termos em que as mulheres podem exercer o direito e ser chamadas ao cumprimento do dever?

E se, nos termos do n.° 5 do artigo 36.° da Constituição, os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e se, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 59.° da Constituição, todos os trabalhadores têm direito a «organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familian>, como podem a proposta (cf. artigo 31.°) e o projecto (cf. n.°4 do artigo 2.°) se preocuparem apenas com a função social da maternidade, esquecendo-se da função social da paternidade e excluindo manifestamente os homens desse tipo de preocupação?

3.4 — O sistema de incentivos e o princípio da proporcionalidade.

Uma das questões mais complexas suscitada pelo novo figurino da prestação do serviço militar é a que respeita ao sistema de incentivos, que ambos os projectos em análise obrigatoriamente contemplam.

O primeiro aspecto a salientar é o de que, na proposta de lei do Governo, o sistema de incentivos é estabelecido apenas em relação ao regime de contrato (cf. artigos 40.° a 47.° da proposta). Já o projecto de lei do PSD, no seu artigo 25.°, organiza o sistema de incentivos com referência aos regimes de voluntariado e de contrato. É a solução que parece razoável e supomos que a única que permite respeitar o princípio da igualdade.

Uma correcta avaliação do sistema de incentivos estabelecidos nos projectos de diploma em análise supõe uma prévia clarificação da correlação que deve estabelecer-se

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