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Sexta-feira, 21 de Julho de 1995

II Série-B — Número 37

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

SUMARIO

Inquéritos parlamentares (n." 27/VI e 30/VI):

N.° 27/VI (Comiss3o de Inquérito Parlamentar sobre a Eventual Responsabilidade do Governo na Prestação dc Serviços pelas OCMA à Força Aérea Angolana com a Ampliação do Objecto a Que Se Refere a Resolução n.° 15/95. de 20 de Março):

Declaração de voto do Deputado do PS Eduardo Pereira relativa ao relatório elaborado pela Comissão 214

N' 30/V1 — Ao modo de funcionamento do Serviço de Informações de Segurança (SIS), em especial no que respeita às relações com a tutela, ao cumprimento da legalidade democrática e as garantias dos direitos dos cidadãos (apresentado pelo PS)........................................ 219

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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.9 27/VI

(COMISSÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR SOBRE A EVENTUAL RESPONSABILIDADE DO GOVERNO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELAS OGMA À FORÇA AÉREA ANGOLANA COM A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO A QUE SE REFERE A RESOLUÇÃO N.« 15/95, DE 20 DE 'MARÇO.)

Declaração de voto do Deputado do PS Eduardo Pereira relativa ao relatório elaborado pela Comissão.

y

I — O relatório e o mandato

No decurso da 9.' reunião desta Comissão, no dia 16 de Maio, o Sr. Deputado Vieira de Castro, em nome dos restantes Deputados do PSD, comunicou-nos que o apuramento das responsabilidades estava feito e o que o preocupava, neste momento, era «o sentido do interesse nacional». Onde é que já tínhamos ouvido isto?

A controvérsia gerada à volta destes dois casos, disse, determinou prejuízos para as OGMA, fazendo votos para que não sejam prejuízos irreversíveis.

Estas duas «reflexões» não fazem qualquer sentido e foram refutadas várias vezes pelos restantes Deputados.

Como procurarei demonstrar nesta minha declaração de voto, tudo aponta para se poder afirmar que o ex-director das OGMA, o ex-CEMFA, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso, e o ex-Ministro da Defesa Nacional, Dr. Fernando Nogueira, sabiam «mais que o suficiente» para se poder atribuir ao Governo a responsabilidade na prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana e à Força Aérea da Indonésia.

Por outro lado, quer o relatório trimestral do Conselho de Administração das OGMA quer as declarações produzidas, há bem pouco tempo, em Lisboa, pelo Sr. General João de Matos, da CEMFA angolana, apontam no sentido contrário.

O Sr. Brigadeiro Portela, ex-director das OGMA, afirmava na sua audição, a p. 157: «Portanto, a reacção imediata à saída do caso OGMA 1 pareceu-nos ser de aproximação e de melhoria.» Durante a visita dos Deputados do PSD às OGMA, o actual director, general Pelágio Castelo Branco, reafirmou a mesma realidade. Neste caso, uma ideia falsa continua falsa, apesar de o PSD a repetir inúmeras vezes.

Na última reunião da Comissão, foram fixadas as 15 horas do dia 7 para apreciação e votação deste relatório. Por razões inexplicáveis, só hoje, dia 12, isso se fará.

Este relatório tem 17 páginas e é acompanhado de cinco anexos, correspondentes a cinco súmulas que o relator e o presidente da Comissão consideram «importantes». Nego-me a ler estas súmulas das descodificações e proponho que sejam desanexadas do relatório.

Estas súmulas não têm qualquer valor jurídico, foram redigidas de uma forma e sê-lo-iam de outra se diferente fosse o seu autor e, ainda por cima, são súmulas de depoimentos que não respeitam o que está estabelecido no n.° 3 do artigo 9.° do regulamento da Comissão, por não estarem rubricados pelos depoentes nem assinados pelos secretários da Mesa.

E por que razão considerou o presidente que fosse importante juntar estas súmulas ao relatório?

Serão estas súmulas a razão da «fuga» do relatório para a imprensa?

Que tipo de transparência é esta que permite que as questões colocadas não sejam referidas e que os depoimentos prestados sejam apresentados desta forma?

As conclusões do relatório nada têm a ver com o que se passou na Comissão, com as audições ou com os documentos recebidos. As conclusões não resultam sequer dos fundamentos articulados pelo próprio relator, que são, aliás, de uma pobreza confrangedora, quando comparados com a riqueza dos depoimentos.

Os oito pontos propostos pelo Plenário para a Comissão averiguar foram esquecidos pelo relator, que não se refere a nenhum deles.

O inquérito do relator e o meu não são o mesmo inquérito. O meu seria feito para apurar a verdade. O dele é um inquérito que, com medo à verdade, leva à produção de um relatório que possa ilibar o Dr. Fernando Nogueira e o Dr. Durão Barroso.

Vejamos como e porquê.

II — O adiamento dos trabalhos

Este inquérito parlamentar não começou bem, não se desenvolveu da melhor maneira. Foi encerrado sem dignidade.

O Grupo Parlamentar do PS requereu em 30 de Novembro de 1994 a realização de um debate de urgência, por «não se considerar esclarecido em relação ao caso da prestação de serviços, reparação e entrega de helicópteros a Angola, por parte das OGMA».

Sendo a condução da política geral do Governo da competência do Sr. Primeiro-Ministro, o requerimento solicitava a sua participação nesse debate.

Receoso dos resultados, o PSD, na conferência de representantes dos grupos parlamentares, não apoiou o agendamento desse debate.

Preferiu, antes, o agendamento de um inquérito «sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea angolana, proposto pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP.

Negado o nosso requerimento, o Grupo Parlamentar do PS pronunciou-se favoravelmente sobre o pedido de inquérito parlamentar n.° 27/VI.

A Assembleia da República sabia que o nosso grupo parlamentar sempre votava favoravelmente os pedidos de inquérito que subiam a Plenário.

Fizemo-lo, neste caso, apesar de algumas reservas que a formulação dos fundamentos invocados nos merecia.

Em nossa opinião, deviam, no entanto, constituir matéria do inquérito as respostas falsas ou contraditórias dos membros do Governo que sobre este caso se pronunciaram.

Pretendíamos que constituíssem matéria de averiguação as declarações do Sr. Primeiro-Ministro:

Considerando que as questões levantadas pela comunicação social eram pura mentira;

Sobre a dimensão e falta de capacidade técnica das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico;

Sobre a intervenção do ex-Ministro da Defesa, Dr. Fernando Nogueira, nos estabelecimentos fabris e nas sociedades anónimas de capitais públicos que tutelava.

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Pretendíamos que constituíssem, também, matéria de averiguação as declarações do ex-Ministro da Defesa:

Sobre o seu desconhecimento da actividade das OGMA em Angola;

Sobre a classificação do equipamento militar, quando declarava não serem os Allouettes Hl uma arma.

Pretendíamos que constituíssem ainda matéria de averiguação as razões pelas quais o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso, não tinha completo conhecimento de todas as acções de cooperação militar Portugal-Angola.

Pretendíamos que o inquérito referisse o verdadeiro valor da cooperação militar, os pagamentos satisfeitos, os montantes em falta e as providências tomadas para «segurar» os fornecimentos, as vendas e os serviços prestados.

A história dos inquéritos parlamentares desta Assembleia não nos permitia acalentar esperanças sobre o seu desfecho final. A maioria do PSD tem sempre imposto a sua vontade, muitas vezes até ao arrepio das provas conseguidas.

Ainda estávamos longe, nesta data, de podermos avaliar o que este inquérito nos reservava quer em termos do comportamento do ex-Ministro da Defesa e do Ministro dos Negócios Estrangeiros, quer nas dificuldades que foram levantadas ao arranque dos trabalhos da Comissão, quer às dificuldades criadas pelos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, quer no desfecho que tinha sido preparado.

No dia 6 de Dezembro de 1994, o CDS-PP apresentou o seu pedido de inquérito parlamentar, que tomou o n.° 27/VI e subiu a Plenário no dia 14 do mesmo mês. Nesse mesmo dia foi votado, favoravelmente, o projecto de resolução n.° 133/VI, que dele resultou e que foi publicado no Diário da Assembleia da República de 16 de Dezembro.

De acordo com o n.° 2 do artigo 6.° da Lei n.° 5/93 (regime jurídico dos inquéritos parlamentares), as comissões de inquérito, uma vez constituídas, devem tomar posse até ao 15.° dia, contado a partir da publicação da sua constituição no Diário da Assembleia da República (na situação, 31 de Dezembro de 1994).

Para os efeitos do início dos trabalhos, os grupos parlamentares haviam preenchido a condição fixada na alínea a) do n.° 3 do mesmo artigo 6.°. indicando mais de metade dos seus membros no dia 25 de Janeiro. Os Verdes haviam indicado o nome do seu representante no dia 18 de Janeiro, o CDS-PP no dia 20 de Janeiro, o PS e o PSD no dia 25 de Janeiro. Eram conhecidos naquela data 21 dos 23 nomes dos elementos que iriam compor a Comissão.

O Presidente da Assembleia da República devia ter dado posse à Comissão no dia 26 de Janeiro e recomendado que os trabalhos se iniciassem imediatamente. A posse só veio a ser dada no dia 21 de Fevereiro e a Comissão teve a sua primeira reunião no dia 30 de Março, depois de duas interpelações à Mesa da Assembleia da República, nos dias 16 e 29 de Março, feitas pelos Deputados do PS, preo-l cupados pelo facto de a Comissão continuar sem se reunir.

Tinham-se perdido mais de dois meses, mas o Congresso do PSD já ficara para trás, já tinha sido eleito presidente o Dr. Fernando Nogueira, já tinha sido derrotado o Dr. Durão Barroso, as coisas tinham Ficado mais ciaras.

Ainda tivemos de esperar mais 10 dias para que os trabalhos se iniciassem.

Continuávamos longe de podermos avaliar o que este inquérito nos iria reservar.

Entretanto, o Presidente da Assembleia da República tinha fixado, nò dia 26 de Janeiro, o prazo de 90 dias para conclusão dos trabalhos.

Num inquérito desta complexidade, dos 210 dias permitidos por lei para inquérito e relatório, tinham sido concedidos 90 dias para entregar o relatório.

A Comissão reuniu nove vezes em 47 dias. Foram gastas quatro sessões na constituição da Mesa, no debate do regulamento e na preparação de uma curta lista de elementos para análise e de uma curtíssima lista de personagens a serem ouvidas.

Gostaria de referir que logo numa das primeiras reuniões se percebeu que os Deputados do PSD se iriam opor à vinda dos membros do Governo à Comissão.

Fez vencimento a ideia de se começar por ouvir primeiro os ex-directores das OGMA. , O PSD, porque tinha aquela ideia; o PS, porque entendia que as audições técnicas deviam anteceder as audições políticas.

No dia 24 de Abril foi ouvido o Sr. Brigadeiro Portela, a que se seguiram o general Mendes Dias, ex-CEMFA, o general Espadinha, ex-director das OGMA, o Sr. Ernesto Angelo, chefe da delegação das OGMA em Luanda, e o Sr. General Aurélio Trindade, inspector-geral da IGFAR.

Ill — O caso OGMA I — O apoio à Força Aérea angolana

Quando se deu a audição do Sr. Brigadeiro Adriano Portela ainda não tinham chegado os elementos de trabalho indispensáveis para a elaboração do questionário orientador da audição.

Fomos então surpreendidos pelo facto insólito de que o Sr. Presidente da Comissão tinha dirigido o pedido de elementos solicitados pelos vários Deputados e agrupados, em reunião preparatória para o efeito, ao Ministro da Defesa, um dos eventuais responsáveis políticos pelos actos praticados pelas OGMA que começavam a ser inquiridos.

Permitia-se com este processo que o Ministro da Defesa pudesse influenciar negativamente o envio dos elementos solicitados.

Na realidade, e começando pelo ofício que capeia os elementos enviados, o Sr. Ministro permitiu-se, pela pena do seu chefe de gabinete, dificultar o conhecimento dos elementos solicitados no n.° 4 da lista de pedidos referentes às acções de abate, por perda no terreno ou por oferta às forças armadas de qualquer dos movimentos angolanos ou por venda ou oferta às OGMA de material de guerra pertencente às Forças Armadas portuguesas, que deixaram de estar nos seus inventários.

Refiro-me, por exemplo, a material de transporte, carros de combate, lanchas de desembarque, helicópteros, etc.

Esta relação era fundamental para as futuras averiguações de responsabilidade política.

Por outro lado, os elementos recebidos eram acompanhados de notas, em papel das OGMA, em que quem as redigiu procurou influenciar a Comissão. Não estão assinadas e o seu aspecto é o de terem sido elaboradas para serem enviadas nesta data à Comissão e não corresponderem a notas existentes em arquivo.

Os elementos solicitados deviam vir acompanhados de um simples ofício de remessa e não revelarem juízos de valor do remetente. Mas revelavam.

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O pedido de elementos foi dirigido directamente ao Sr. Ministro, para maior tranquilidade do próprio; são, portanto, do seu conhecimento e foi deselegante que a resposta fosse do chefe de gabinete.

Como algumas destas notas poderão ser postas à disposição dos Srs. Deputados no decurso desta reunião da

Comissão, não as junto a esta declaração de voto.

Considero que é claro para todos que as questões levantadas pela comunicação social não eram falsas.

Considero provado pelas notas recebidas que são apreciáveis a dimensão e a capacidade técnica das OGMA.

Considero que não pode ser maior a intervenção dos Ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros na vida das OGMA e, portanto, a-«história» de que o Governo não intervém nas sociedades anónimas de capitais públicos não passa de uma anedota de mau gosto.

Em relação às diversas alíneas do inquérito e aos outros pontos levantados pelo PS, oferece-me dizer o seguinte:

Os objectivos estratégicos das OGMA em Angola passam, e bem, pela constituição de uma sociedade de capitais angolanos e portugueses que venha a assegurar a criação dos meios necessários às autonomias logística e técnico-operacional das aeronaves dos diversos operadores angolanos e que possa alargar a sua acção aos países vizinhos que não disponham de idêntica capacidade.

A crédito desse plano, as OGMA exibiam capacidade, técnicos e experiência de uma longa guerra.

É claro nos relatos das audiências e nos documentos recebidos:

Que as OGMA puseram ao serviço da Força Aérea angolana o mesmo tipo de apoio que deram à Força Aérea portuguesa em Angola;

Que as OGMA suportaram dívidas de Angola até ao limite máximo da sua resistência;

Que as OGMA foram em socorro das aeronaves ocidentais e das aeronaves do Leste, de transporte e de combate, salvadas as diferenças que resultam do maior e do menor conhecimento de umas e de outras, das publicações existentes e das ferramentas necessárias;

Que as OGMA,'para além do apoio às aeronaves, trabalharam em infra-estruturas, forneceram materiais e sobressalentes, montaram sistemas informáticos, formaram homens;

Que as OGMA repararam em Alverca o que não podiam reparar em Angola, reparações que duraram dois, três e mais anos; reparações que eram quase a substituição integral, daí talvez a diferença entre os que dizem que se venderam helicópteros e os que dizem que eram só arranjos;

Que puseram à disposição, com guias de marcha e sob comando angolano, qs seus técnicos que iam de Lisboa;

Que tudo ia sempre ficando igual, apesar de o con-.trato ser.de revisão anual;

Que o contrato continuava a dizer no seu n.° 1 que «o presente Acordo tem como objectivo estabelecer as condições para a realização pelas OGMA da assistência técnica às aeronaves e componentes do cliente, do fornecimento de materiais e da formação dé pessoal»; sem se perguntar às aeronaves, acrescento eu, em que país tinham nascido e se eram de transporte ou de combate.

Era assim. E era do conhecimento da delegação de Luanda, das Oficinas de Alverca, da direcção das OGMA, do adido militar em Luanda, do embaixador António Monteiro, presidente do CCPM, do embaixador de Portugal em Luanda, do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea,

A informação circulava de baixo para cima e de cima para baixo, através de notas, relatórios, programas, previsões, os mais variados estudos.

Em cima sabia-se o trabalho que se executava.

Em baixo cumpriam-se instruções que derivavam dos acordos estabelecidos entre estados-maiores.

Alguns ofícios juntos ao processo revelam mesmo que o Secretário de Estado da Defesa e o Secretário de Estado do Equipamento e Tecnologias de Defesa também sabiam alguma coisa.

Há indícios de relatórios dirigidos ao Sr. Ministro da Defesa e de reuniões em Luanda que fazem supor que também conhecia tudo.

Há indícios de reuniões com os Srs. Embaixadores António Monteiro, do CCPM, e de Portugal em Luanda que fazem supor que também o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros conhecia tudo.

Mas, que diabo, não era preciso receber notas, relatórios, programas, previsões, estudos para se saber!... Adivinhava-se!

Portanto, não posso concluir outra coisa que não seja que este caso OGMA l nunca existiu. O que existiu, isso sim, foi um caso XII Governo Cavaco Silva, também informado pelo seu representante em Angola, com enorme responsabilidade na prestação dos serviços pelas OGMA à Força Aérea angolana, tal como foram executados.

Os intervenientes das OGMA deram a cara, a saúde, o sono de muitas noites, sem qualquer compreensão pelas condições em que trabalhavam, pressionados por Angola.

Quando a imprensa relatou a situação, deu-se o que se esperava: sacrificou-se o Brigadeiro Adriano Portela. Foi um episódio mais da «transparência» apregoada pelo Dr. Fernando Nogueira. Quando o inquérito estava a caminho de tudo provar, furtaram-se ambos, o ex-Ministro da Defesa, Dr. Fernando Nogueira, e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso, a depor, mercê da atitude dos Deputados do PSD na Comissão.

IV — O caso OGMA II — 0 apoio à Força Aérea da Indonésia

Em 20 de Janeiro de 1995, o ainda presidente do conselho de administração, brigadeiro Adriano Portela, nomeia o director da Divisão de Motores para a realização de um inquérito interno, preliminar, sumário e urgente para apuramento dos factos relacionados com os acontecimentos relatados no semanário O independente. Convém ter presente que o ex-Ministro da Defesa emitia, também em 20 de Janeiro, um despacho determinando que a Inspecção-Geral das Forças Armadas procedesse a um «inquérito urgente e exaustivo relativo a toda a envolvente factual ora em causa, bem como às condições de funcionamento da empresa que permitiram tal ocorrência».

Se o tempo me permitisse, não seria difícil provar que a IGFAR, competente para fazer inquéritos nas Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, não era competente para o fazer às OGMA, S. A. • '

O inquiridor do inquérito interno começa por declarar que «o apuramento exaustivo e rigoroso [...] requerer, no entanto, a recolha de maior número de dados e depoimen-

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tos [...] as conclusões a que foi possível chegar devem ser consideradas provisórias e susceptíveis de virem a ser alteradas se outros dados viessem a ser conhecidos futuramente».

Os objectivos do inquérito eram «[...] apurar se de facto teriam sido reparados nas OGMA motores da Força Aérea da Indonésia»; «[...] se existiam [...] elementos que permitissem relacioná-los com a Força Aérea da Indonésia»; «[...] saber quem teve acesso a tais elementos»; «[...] qual a reacção destas pessoas e que atitude e acções tomaram nessa altura».

Foram analisados elementos que se encontravam na Secção de Garantia de Qualidade, da Divisão de Motores, e ouvidas várias pessoas.

Da análise de vários processos técnicos de reparação de motores foram encontrados documentos que referiam a Força Aérea da Indonésia como sendo o cliente da TURBOMECA e a proveniência daqueles motores 1707 e 1951, recebidos em Abril e expedidos em Agosto de 1993.

Foram ouvidos naquele inquérito:

1) Manuel da Costa, da QRM, que se recorda de que, em 1993, nalgumas fichas figurava como cliente a Força Aérea da Indonésia;

2) António Baptista, da PCM, que recorda ter recebido caixotes com inscrições a preto, num dia em que havia visitas exteriores, e transmitiu o facto a um dos seus chefes;

3) Salvador, subchefe da PCM, que deu instruções para pintar por cima;

4) Augusto Simões, inspector de qualidade da QRM, que se recorda da embalagem que trazia documentos com a indicação da Força Aérea da Indonésia;

5) Paulo Trindade, responsável pela Secção RV, recorda-se de terem passado pela sua mão documentos que referiam a Força Aérea da Indonésia. Comentou o facto com colegas;

6) Engenheiro técnico Branca, da Secção EMT, recorda que recebeu documentação referente a motores que mencionavam a Força Aérea da Indonésia. Antes de a documentação lhe chegar às mãos já tinha ouvido dizer que havia motores da Indonésia nas OGMA. Falou no assunto ao chefe da Divisão de Motores;

7) Major engenheiro aeronáutico Ramalho, chefe da Divisão de Motores, recorda ter concordado em que a indicação fosse apagada; como devia ser exchange standard não considerou importante.

Foi ainda ouvido o chefe da Secção PCM (3) que também ouvira em conversa com colegas e, depois, por documentação que lhe chegou às mãos. Tal facto foi referido por ele numa reunião de ponto de situação do contrato com a TURBOMECA, na presença do Sr. Rogério Monteiro, chefe da Divisão de Acção Comercial (8), e contacto privilegiado com a TURBOMECA, que disse que, não havendo indicação de que voltavam para a Indonésia, não havia que levantar qualquer questão.

Deste inquérito, que se iniciou e terminou no dia 20 de Janeiro de 1995, foram retiradas as seguintes conclusões:

1Tudo indica que os motores com os números de série 1707 e 1951, reparados entre Abril e Agosto de 1993, eram provenientes da Força Aérea da Indonésia, via filial TAP da TURBOMECA;

2.° Embora haja outros motores cujos processos indicam terem sido também TAP, não foi encontrado qualquer outro em que apareça explicitamente Força Aérea da Indonésia; , 3.* Na altura em que os referidos motores foram reparados nas OGMA, existiam elementos que permitiam relacioná-los com a Força Aérea da Indonésia;

4." Constata-se que ao nível técnico oficinal diversas pessoas estabeleceram essa relação e. que o facto foi levado até ao nível de chefe de divisão;

5.* Que não foram detectados quaisquer dados ou elementos que permitissem concluir que, após reparados, òs motores seguiriam de. novo para a Indonésia;

6.° Que é possível que, por mais de uma vez, tenham estado nas OGMA embalagens com inscrições exteriores relativas à Indonésia, dadas as diferen-. . . tes versões relatadas sobre este ponto;

7.* Que em. níveis superiores ao de chefe de divisão não houve qualquer conhecimento dos factos relatados;-

8.° Que as pessoas que deles tiveram conhecimento, dada a natureza do contrato com a TURBOMECA, não os acharam suficientemente relevantes para tomar qualquer atitude diferente da habitual, ••• para além de alguns comentários e de referirem o facto entre si. •

•Como resultado deste inquérito, a deliberação n.° 4/95, com exigências para evitar que a situação se repita, datada de 10 de Fevereiro, com um anexo — relação de clientes ou países abrangidos sujeitos á impedimentos legais e que são: a Indonésia, o Irão, a Libéria e a Líbia. ,.., Esta deliberação condena o Governo e responsabiliza-o, na medida em.qye, apesar de enviar notas comunicando impedimentos anteriores contra a África do Sul, contra a Líbia, contra,a Libéria, contra o Haiti, contra a Jordânia, nunca tinha o Ministério da Defesa enviado qualquer impedimento contra a Indonésia.

• Neste inquérito interno não se reduziram a auto as declarações prestadas e, portanto, não se deu aos depoentes a possibilidade de as controlarem e assinarem, pelo que se pode admitir que contenham declarações que pequem por defeito."Uma vez este relátório terminado, teve início outro inquérito, xleterrninado pelo èx-Ministro da Defesa, do qual se encarregou a Inspecção<-Geral das Forças Armadas.

Neste outro inquérito também hão foram reduzidas a auto as declarações,e nem sequer se sabe quem foi ouvido

Diz-se; nas conclusões, que o chefe da Divisão de Motores, «a quem o assunto foi informalmente presente, após a recepção dos motores, não sentiu a necessidade de interromper o decurso rotineiro dos serviços e até a considerar despiciendo expor superiormente o assunto.

É certo que, sempre que foram suscitadas dúvidas quanto à origem ou destino dos materiais, a direcção das OGMA assumiu a iniciativa de solicitar orientação específica caso a caso.

Assinala-se que, devido à reconhecida sensibilidade do pessoal adstrito à área de movimentação destas cargas, aquela inscrição foi anulada para neutralizar eventuais comentários».

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E quando tudo parecia terminado, o ex-Ministro da Defesa, fortalecido com as conclusões do inquérito, insistiu. Queria saber:,'

d) Qual a razão pela qual não foi seguido o critério\refereñciadó corrió prática do estabelecimento

fabril em questão de em caso de dúvida recolher orientação na^direcção? b) Qual alazão pela qual foi mandada eliminar,

através, de pintura, a inscrição da palavra Indonésia

no ou nos contentores referenciados?

c) Quem tomou esta última decisão e se dela foi

òu não dado conhecimento" à administração?

A comissão dé inquérito voltou ao local e apurou:

Que o material pertencia à TÚRBOMECA;^\. Estar a coberto dos regimes-pool e de livre circulação;

Encontrar-se numa zona de passagem e ter sido preferível passar tinta por cima da inscrição;

Poder-se especular sobre a inscrição;

A decisão foi tomada após ter sido obtida a concordância, do Chefe da Divisão....

Dos vários comentários que acompanham esta última "informação,-o último merece ser referido: «à data da ocorrência, já era "conhecida alguma controvérsia quanto à Indonésia, no entanto a sensibilização da opinião pública só passou a ficar exacerbada após ter havido conhecimento generalizado dos actos praticados contra a população de Timor».

Penso que este comentário se refere aos acontecimentos do Cemitério-« de -Santa Cruz. O genocídio dos 200 000 timorenses não chegou para impressionar a administração das OGMA e -a. comissão de inquérito da IGFAR.

Assim se percebe que um acordo com a firma da Indonésia,'.?. T. Jembatan*Emas Búana, para representação das OGMA; era regime de exclusividade, em 25 de Setembro de 1985";fósse apenas cancelado, em 13 de Julho de 1989, sem tér impressionado o governo

A comissão de inquérito da IGFAR, nã devia ter desconhecido a existência em arquivo dás- fichas de todos os motores reparados nas OGMA;-algumas com anotações de niais dè 30 anos de vida;'qiie podiam ter revelado toda a verdade sobre estes dois motores em averiguação, mas também sobre outros. •Para além de motores da Força Aérea da Indonésia, recebidos da TURBQMÉCA,..vja TAP, de,Singapura, seria interessante averiguar a origem dos motores enviados rjelà'TTJRBOMEGA,.via Schreiner, da Holanda, tipo Turismo IVC è Artonste III BI.

A comissão de inquérito dá .IGFAR referiu, e bem, a revisão feita a um-motor CI30 da Força Aérea da Indonésia, remetido, através de um cliente de Singapura.

Depois

Quando a imprensa relatou a situação, voltou a dar-se o que se esperava: sacrifica-se o major Ramalho!

Volto a referir que não havia nas OGMA qualquer embargo à Indonésia! Este despacho do Ministro da Defesa revela outra face da «transparência».

V — A «transparência» do Governo

A esta Comissão de Inquérito, para satisfação do seu mandato, faltou ouvir o adido militar em Luanda, o embaixador António Monteiro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso, e o ex-Ministro da Defesa, Dr. Fernando Nogueira.

Várias das declarações prestadas à comunicação social no decurso deste processo pelos dois membros do Governo não correspondem à verdade dos factos apurados, como se pode concluir quer dos depoimentos quer dos documentes analisados. Ouvidos sob juramento, teria sido possível apurar a sua responsabilidade política nestes dois lamentáveis casos. Refugiados atrás da atitude tomada pelos Deputados do PSD, conseguiram que este inquérito ficasse amputado daquilo que era o seu essencial — o apuramento total da sua responsabilidade política. O País retirará desta opção as evidentes conclusões.

VI — O funcionamento em democracia da Assembleia da República

Esta Comissão foi empossada pelo Presidente da Assembleia da República para proceder a um inquérito, votado, favoravelmente, pelo Plenário da Assembleia da República.

Esta Comissão não cumpre o seu mandato, por uma votação, nesse sentido, dos Deputados do PSD. O apuramento da responsabilidade política de dois membros do Governo não é levado às últimas consequências porque os Deputados do PSD se opõem a que sejam ouvidos.

O presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista deu, do facto, conhecimento ao Presidente, da Assembleia da República, chamando a sua atenção para a gravidade deste assunto e para as suas responsabilidades como garante da normalidade do funcionamento institucional em democracia da Assembleia da República.

Até agora o Presidente da Assembleia da República ainda não respondeu a este ofício, datado de 18 de Maio.

Continuamos à espera de mais actos de «transparência».

De acordo com o estabelecido no artigo 21.° do regime jurídico dos inquéritos parlamentares, até 30 dias após a publicação do relatório o Presidente da Assembleia da República inclui a sua apreciação na ordem do dia.

Vamos ficar à espera da marcação desta apreciação.

Para já, vou votar contra o relatório que me foi apresentado porque falseia o que foi dito nas audições e o que, de forma ciara, era afirmado nos documentos que recebemos.

Este meu voto contra é também uma tomada de posição contra a «transparência» de um Parlamento amordaçado, no qual sou impedido, pelos votos da força, de procurar a verdade, contra a falta de transparência de dois membros do Governo que se aproveitam da atitude tomada pelos Deputados do PSD nesta Comissão.

Palácio de São Bento, 12 de Junho de 1995. — O Deputado do PS, Eduardo Pereira.

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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.9 30/VI

AO MODO DE FUNCIONAMENTO DO SERVIÇO DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA (SIS), EM ESPECIAL NO QUE RESPEITA ÀS RELAÇÕES COM A TUTELA, AO CUMPRIMENTO DA LEGALIDADE DEMOCRÁTICA E ÀS GARANTIAS DOS DIREITOS DOS CIDADÃOS.

As notícias insistentemente vindas a público relativas a possíveis investigações por parte de agentes do SIS a personalidades públicas e a partidos políticos, com desvio das suas atribuições legais;

O conhecimento havido de práticas de destruição periódica de ficheiros e a necessidade de uma clarificação quanto à razão de ser de tais procedimentos e à natureza das informações recolhidas e processadas pelo SIS;

A imprescindível clarificação do âmbito de actuação dos serviços de informações, designadamente à luz das recentes alterações da lei quadro do sistema;

As ambiguidades decorrentes da ausência de directivas formais e convenientemente registadas da tutela aos serviços de informações;

A persistente e insustentável obstrução do PSD e do Governo ao exercício dos poderes de fiscalização da Assembleia da República como, patentemente, ocorreu com a recente recusa de uma audição parlamentar ao director do SIS e como já havia acontecido com a anterior recusa de dois inquéritos parlamentares da iniciativa do PS;

A ausência de um sistema eficaz de fiscalização dos serviços de informações;

Tudo exige uma decisão responsável, enérgica e determinada no sentido de que sejam apreciados, em sede de legítima e adequada sindicabilidade democrática, os processos de funcionamento dos serviços de informações, à luz dos princípios e das regras do Estado de direito.

Para o efeito, em face do progressivo agravamento do clima de confiança dos cidadãos perante os serviços de informações; em face da incapacidade governamental para conduzir de forma responsável uma orientação consequente com as exigências da sociedade democrática; em face da obstrução de outras vias institucionais possíveis de clarificação, e em nome de uma ideia de Estado e de sociedade apta a garantir a compatibilização da liberdade — e das liberdades públicas — com a segurança do Estado e a protecção dos indivíduos, os Deputados abaixo assinados apresentam o seguinte projecto de resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do artigo 169.°, n.° 5, e 181.° da Constituição, da Lei n.° 5/93, de 1 de Março, e dos artigos 255.° e seguintes do Regimento, constituir uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar o modo de funcionamento efectivo do Servi-

ço de Informações de,Segurança,(SIS), particularmente no que respeita ás relações com a. tutela, ao cumprimento'da legalidade democrática e às garantias dos direitos dos cidadãos. A comissão^ de inquérito terá um mandato de 30 dias; ouvirá, além de outras entidades que tiver por convenientes, os responsáveis governamentais, actuais e pretéritos, do SIS, os directores do1 Serviço de Informações de Segurança e membros da comissão técnica e dos Órgãos de fiscalização, ps.respojnsáveis pelos restantes serviços e forças de segurança e.os responsáveis políticos e cidadãos que manifestem interesse na sua audição.

A comissão de inquérito -procurará-, designadamente, averiguar e avaliar.:

a) Dos termos em que' se processam as actividades. de recolha, tratamento, è-circulação desinformações no domínio.da segurança interna, à luz do cumprimento dos. princípios e regras decorrentes da Lei Quadro "do Sistema dê" Informações da República Portuguesa;

ti) Do âmbito efectivo de ..intervenção do SIS, dos. métodos de acção e dos recursos- técnicos de actuação;

c) Da natureza 'cias instruções destínadas-a salvaguardar os riscos de ameaça aos ..direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente quanto à reserva da sua vida privada;

d) Do cumprimento das disposições que proíbem a ingerência .ilegal nas telecomunicações e na vida privada dos cidadãos; ....

e) Do cumprimento das disposições constitucionais e legais relativas ao tratamento de dados pessoais e de ficheiros de informação e formas, de inter-conexão desses ficheiros, no âmbito dos serviços de informações e "dos serviços e forças de segurança;

f) Do registo dos despachos, directivas e instruções da tutela aos serviços;

g) Das práticas de processamento e eliminação de dados,- natureza dos elementos registáveis e procedimentos de,.controlo-sobre a sua utilização;

h) Dos critérios de recrutamento, do estatuto funcional e. das regras de actuação e de dependência dos agentes do'SISv

Palácio de São Bento, 20 de Julho -de 1995. — Os Deputados do PS: Jaime Gama — Jorge Lacão -j- Alberto Cosia'— Ferro Rodrigues —José Magalhães — Arons de Carvalho — Miranda Calha.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

Página 220

D I Á R I O

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