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Quinta-feira, 21 de Abril de 1988 II Série - Número 7-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 5

Reunião do dia 6 de Abril de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 2. ° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 12.° a 23.º da Constituição e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, para além do presidente, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Alberto Martins (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), Jorge Lacão (PS), José Luís Ramos (PSD), Almeida Santos (PS) e Sottomayor Cárdia (PS).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, já nos debruçámos sobre os artigos 19.°, 20.° e 21.°, tendo ficado para hoje a análise do artigo 2O.°-A proposto pelo PCP. Na última reunião não analisámos, a não ser de uma forma meramente incidental e por conexão, esse artigo 20.°-A, ou seja, a proposta do PCP relativa à acção constitucional de defesa.

Se estivessem de acordo, iríamos começar por discutir essa proposta do PCP.

Pausa.

Como não há objecções, vamos então passar à discussão do artigo 20.°-A, proposto pelo PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate da proposta apresentada pelo PCP, bem como da proposta apresentada pelo Partido Socialista, no que diz respeito ao acesso ao direito e aos tribunais, já permitiu elucidar algumas das questões fundamentais, que também nos levaram a propor um enriquecimento do conjunto de meios e instrumentos de garantia dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Fizemo-lo através desta nossa proposta de aditamento de um artigo novo, o artigo 20.°-A, no qual se procura introduzir entre nós aquilo a que chamamos a acção constitucional de defesa, designação que, naturalmente, não se reivindica o privilégio de ser a única possível.

O saldo do debate que anteriormente tivemos ocasião de travar parece-me poder ser sumarizado nos termos seguintes.

Em primeiro lugar, ter-se-á concluído que talvez seja de admitir a importância da consagração constitucional de uma norma que aponte para que todas as decisões dos tribunais devam ser emitidas em tempo razoável, como direito dos cidadãos.

Em segundo lugar, ter-se-á concluído que talvez seja de admitir a preocupação de que certas decisões relativas a direitos, liberdades e garantias tenham uma especial celeridade, que permita que os interesses e direitos tutelados o sejam nos termos o mais efectivos que imaginável seja.

A terceira ideia que resultou desse debate é de que o actual sistema não se pode reclamar da virtude de complitude, para além de, como se sabe, não ser célebre. Portanto, deveríamos introduzir em Portugal um novo meio, que seria aquele que em outros direitos tem a designação de "recurso de amparo". Penso que no caso português não deveria, por várias razões, ter essa designação. Na altura própria talvez possamos dilucidar essas mesmas razões.

À semelhança daquilo que algumas constituições que prevêem esta figura estabelecem, a nossa proposta procura definir aquilo a que se chama a acção constitucional de defesa como um meio último, supremo e subsidiário. A formulação é, como todas, discutível. Neste ponto, por exemplo, a Constituição Espanhola estabelece, no n.° 2 do artigo 53.°, que qualquer cidadão poderá reclamar a tutela das liberdades e direitos reconhecidos no artigo 14.° da secção I do capítulo II da respectiva Constituição perante os tribunais ordinários, mediante um procedimento baseado nos princípios da preferência e da sumariedade e, nos casos em que isso caiba, através do recurso de amparo perante o Tribunal Constitucional. Este último recurso é aplicável à objecção de consciência reconhecida no artigo 30.° da Constituição Espanhola.

Nesta disposição, fez-se aquilo que o projecto de revisão constitucional do PCP repartiu por dois preceitos, o que não foi muito bem compreendido por alguns dos Srs. Deputados, em particular o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sou de compreensão lenta, Sr. Deputado...!

O Orador: - O Sr. Deputado António Vitorino disse que, dados os argumentos que na altura, com o vagar suficiente, pôde expender, a solução era pouco justificada.

Creio que talvez tenhamos feito mal em não condensar num único preceito os dois tipos de preocupações. Verificamos que a Constituição Espanhola é mais rigorosa neste ponto, o que talvez tenha a ver com razões históricas. Fomos ambiciosos quanto aos objectivos - tal como acontece no texto que está em vigor em Espanha - ao preocuparmo-nos com que certas liberdades e direitos tivessem uma tutela especial caracterizada pela sumariedade e celeridade. Como o fizemos em preceitos diferentes, talvez tenhamos contribuído para criar as dúvidas, de que o Sr. Deputado António Vitorino aqui se fez o principal expoente, sobre se se não estaria sendo demasiado vago quanto à generalidade das acções e, simultaneamente, pouco preciso quanto à específica acção constitucional de defesa. E uma coisa que estamos, naturalmente, a tempo de corrigir.

Quanto ao regime espanhol, que acabei de referir e que tem lugares paralelos no direito mexicano, no direito da RFA, etc., creio que ele nos aponta um caminho que não é difícil mas antes, quanto a nós, tentador percorrer. A tarefa que em sede de revisão constitucional está cometida ao legislador não é de desempenho difícil, mas já a tarefa cometida ao legislador ordinário o é. Cabe-nos instituir o quadro geral deste novo meio constitucional de defesa, ou seja, balizá-lo em termos que devem ser naturalmente económicos, como é próprio desta sede. A lei ordinária terá, naturalmente, questões espinhosas a resolver, designadamente no que diz respeito ao âmbito, à natureza, à legitimidade, aos limites e às garantias de não amálgama com o funcionamento normal dos tribunais e os outros meios ordinários ao alcance dos cidadãos, sobretudo num sistema difuso como o nosso, em que os diversos meios existem e se complementam e, portanto, a escolha de cada um deles não tolhe o uso adequado dos outros. Estas são questões melindrosas cometidas ao legislador ordinário.

Nesta sede, a opção é a de definir balizas. Que balizas são essas?

No projecto que apresentámos tivemos, em primeiro lugar, a preocupação de sublinhar que se trata de uma acção junto do Tribunal Constitucional, mas contra actos ou omissões que lesem directamente direitos, liberdades e garantias, quando não sejam susceptíveis de impugnação junto dos demais tribunais. Esta cláusula de subsidiariedade e de um último recurso, que

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presume o esgotamento das possibilidades pelos meios ordinários, parece fundamental e, de resto, é um traço típico comum desta figura que nos inspira.

Em segundo lugar, houve a preocupação de esclarecer que isto se aplica aos próprios tribunais, mas em casos muito limitados, que procurámos tipificar exprimindo a ideia de que o recurso constitucional de defesa em relação aos actos ou omissões dos tribunais se circunscreve aos actos de natureza processual, e apenas a estes. Não se visa criar uma espécie de quarto recurso ou de forma especial de revista em relação às questões substanciais, que de forma autónoma, segundo a cautela, violem direitos, liberdades e garantias e, ainda aí, desde que tenham sido esgotados os recursos ordinários competentes. É evidente que o n.° 3 nem sequer é imprescindível. Em todo o caso, a preocupação de que se sublinhe a importância da função regulamentar a cargo da lei ordinária e de que aí haja celeridade não nos pareceu descabida.

Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-me que, se completarmos, em termos económicos e sucintos, a panóplia dos meios de defesa de direitos, liberdades e garantias existentes em Portugal com este meio e soubermos combinar esta mutação, que é relevante, com algum aperfeiçoamento do regime da garantia da reacção contenciosa dos cidadãos contra actos ilegais ou inconstitucionais da Administração Pública, estaremos a dar um passo em frente muito significativo para a tutela dos direitos dos cidadãos em Portugal. É esse, naturalmente, o nosso voto e foi com essa disponibilidade que adiantámos este texto, sem outra pretensão que não fosse a de despoletar precisamente este debate.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não como presidente, mas sim como simples membro da Comissão, gostaria de formular algumas perguntas.

Gostaria de começar por dizer que me parece obviamente meritória esta iniciativa do Partido Comunista Português no que respeita ao seu objectivo e, portanto, ao intuito aparente e claro que a determinou. No entanto, tenho algumas dúvidas e dificuldades, já que se trata de uma matéria complexa, que tem algumas conexões com outras instituições e que importa tomar em devida consideração.

A primeira dúvida resulta da própria redacção do preceito, que fala em recursos "contra quaisquer actos ou omissões dos poderes públicos", o que significa, portanto, que se incluem aqui os actos legislativos. Na prática, isto equivale a admitir, embora com a restrição à ofensa directa, por acção ou omissão, dos direitos, liberdades e garantias, uma acção constitucional posta perante o Tribunal Constitucional relativamente a actos legislativos. Trata-se, portanto, de uma via completamente diversa daquela que está instituída em termos de garantia da fiscalização concreta da constitucionalidade das leis, constantes dos artigos 280.° e seguintes da Constituição. A questão que desejaria colocar é a seguinte: há realmente este propósito claro de instituir em relação aos actos legislativos uma fiscalização, que, em suma, é uma fiscalização da constitucionalidade, por esta via, de uma acção directa posta por quem tenha legitimidade para o fazer, isto é, por quem seja titular de direitos, liberdades ou garantias, directamente perante o Tribunal Constitucional?

Em relação a esta matéria, gostaria igualmente de salientar que a possibilidade de apreciar a inconstitucionalidade por omissão no que diz respeito a actos legislativos também é extremamente importante. É, digamos, uma inovação de particular relevância pelas consequências que daí poderão resultar para o funcionamento do sistema e do próprio Tribunal Constitucional.

A segunda questão que quero colocar - e coloco-a mais em termos de dúvida, porque me parece ser importante esclarecer qual é o intuito dos proponentes para, a partir daí, ter uma ideia mais clara do alcance das mutações que se pretendem introduzir no ordenamento jurídico - diz respeito ao seguinte: como é óbvio, parte dos actos que aqui estão particularmente mencionados são administrativos, já que são actos emanados do Executivo. Ora, como sabe, existe já uma disposição - o n.° 3 do artigo 268.° - que prevê a existência de um recurso, ao qual a lei ordinária chama acção para este tipo de casos. Há já uma via para o reconhecimento e a defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido, que é o n.° 3 do artigo 268.° Isto significa que, se a lei ordinária der cumprimento a este n.° 3 do artigo 268.°, com a devida amplitude, o campo de aplicação deste instrumento no domínio dos actos administrativos será relativamente reduzido. Por outro lado, nesse mesmo n.° 3 do artigo 268.° não se exige que o acto revista as características de definitividade e executoriedade para que possa ser proposto esse recurso ou essa acção para reconhecimento de um direito ou de um interesse legalmente protegido.

A citação dos exemplos sul-americanos e da Constituição Espanhola em matéria de recurso de amparo suscita-me uma outra dúvida. Como sabe, o recurso de amparo, que é uma instituição que nasceu nos países sul-americanos, tem características e objectivos em parte similares ao habeas corpus. Além-atlântico esse recurso é mais amplo e tem características processuais algo diversas, mas nos sistemas continentais europeus estes objectivos têm sido atingidos, por um lado, pelas vias simultâneas e convergentes do habeas corpus e da suspensão da eficácia dos actos administrativos. De resto, foi a própria Assembleia da República que introduziu neste instituto alguns aperfeiçoamentos extremamente significativos, e penso até que poderemos ir mais longe nesta matéria.

A terceira ordem de dúvidas diz respeito à circunstância desta acção ser proposta directa e imediatamente para o Tribunal Constitucional. Isto significa que o tribunal que está no topo da hierarquia da ordem judiciária vai poder ser objecto de uma pletora presumivelmente muito vasta de acções, porque a amplitude com que está definido o âmbito de aplicação do n.° 1 do artigo 20.° é muito largo. Ora, isto pode vir a ter efeitos perversos, efeitos justamente contrários àqueles que pretendíamos obter, ao "afogarmos" o Tribunal Constitucional. Assim sendo, teríamos de encontrar uma formulação muito diferente daquela que foi inicialmente prevista pelo legislador constituinte para o figurino do Tribunal Constitucional.

Por outro lado, também não são claras as relações entre esta matéria e o caso julgado formal (para não falar no caso julgado substancial, que, suponho, ficará intocado), as quais suscitam alguns problemas de certo melindre em determinados momentos, que conviria

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esclarecer. Isto é particularmente nítido a propósito do n.° 2, visto que se trata aí de actos ou omissões dos tribunais de natureza processual, para os quais existe um esquema, relativamente aperfeiçoado ao longo dos séculos, de recursos, inclusivamente de recursos de carácter extraordinário. Este recurso per saltum, directamente para o Tribunal Constitucional, mesmo que seja de uma decisão de um tribunal de 1.ª instância, e uma vez que haja um caso julgado formal, não deixa de suscitar algumas dificuldades.

Estes são, à primeira vista, alguns dos motivos pelos quais penso ser difícil, com esta amplitude e nestes termos, sufragar esta proposta, embora não excluindo que, naturalmente, os esclarecimentos que venham a ser dados possam afastar algumas das dificuldades ou esclarecer as dúvidas que tenham sido apresentadas.

Isto não significa - repito - que, quer a propósito do n.° 3 do artigo 268.°, quer a propósito de outras instituições destinadas a garantir a defesa dos direitos fundamentais, não se possam introduzir alguns aperfeiçoamentos, quiçá significativos, e colher vantagens resultantes desta iniciativa do PCP, que tem, pelo menos, o mérito de chamar a atenção para esta matéria.

Para terminar, gostaria também de dizer que foi uma conquista relativamente recente da doutrina administrativa portuguesa o considerar que os actos administrativos que ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental são nulos e não simplesmente anuláveis. Esta tem sido uma afirmação extremamente útil, em relação à qual, fazendo, por exemplo, o cotejo com a doutrina espanhola, já estamos muito mais avançados na defesa dos direitos fundamentais e dos interesses legítimos dos cidadãos. Por outro lado, não temos nenhum esquema processual para garantir a executoriedade dos actos administrativos. Existe em Espanha um esquema de execução dos actos administrativos autónomo e perfeitamente paralelo àquele que existe nos tribunais judiciais, o que Portugal não possui. Isso constitui um indício importante a favor da tese de que o chamado privilégio da execução prévia não é uma nota geral, característica de todos os actos administrativos. Tal circunstância diminui também a necessidade e a relevância de uma acção ou recurso de tipo amparo.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase me limitaria a dar por reproduzidos, sobre o artigo 2O.°-A, argumentos que já expendi a propósito do artigo 16.°-A, proposto pelo PCP, e do artigo 20.° Há, contudo, três questões que vale a pena colocar agora para se poder ponderar a proposta de aditamento do artigo 20.°-A, apresentada pelo PCP.

A primeira tem a ver com a definição mais criteriosa do âmbito de matérias que possam considerar-se desprotegidas de tutela específica em sede de protecção dos direitos, liberdades e garantias, as quais viriam por isso a beneficiar da instauração deste novo instituto. De facto, ninguém duvida das boas intenções que lhe estão subjacentes e da inegável simpatia que nós, juristas, temos por tudo quanto significa regulamentação, tutela, protecção de direitos. Portanto, não há nenhuma arrière pensée sob o ponto de vista filosófico, teórico e até jurídico.

A segunda questão é a de que o debate ganharia algum valor se tentássemos esmiuçar quais os factos da vida quotidiana que já hoje não têm tutela jurídica adequada e que, portanto, passariam a tê-lo por via da instauração deste sistema da acção constitucional de defesa. Isto porque partindo deste primeiro pressuposto se chega ao segundo pressuposto da consagração do instituto, ou seja, o da eficácia. Refiro-me à questão de saber se este tipo de instrumento seria eficaz para a tutela desses direitos, liberdades e garantias ou se, pelo contrário, as portas que aqui se abrem não são as que deixam entrar o rio calmo e tranquilo da protecção jurídica, mas sim aquelas que abrem uma torrente de processos (alguns até de difícil qualificação jurídica, designadamente nos termos da redacção do n.° 2 do artigo 20.°-A, proposto pelo PCP) que, de forma autónoma, violem direitos, liberdades e garantias. Trata-se, pois, de jurisprudência delicada e complexa, além de que tenho alguma dificuldade em prefigurar o que seria uma tipicidade destes actos. Ora, a eficácia do próprio mecanismo está colocada em causa pela caracterização de quais são esses factos da vida jurídica que passariam a beneficiar deste sistema de protecção e que hoje estariam desprotegidos pela sua própria natureza.

A terceira e última questão que mereceria a pena colocar respeita às consequências que advêm para a natureza do Tribunal Constitucional da consagração de um mecanismo deste género. Segundo penso, temos de ter consciência de que isto alteraria os pressupostos e os quadros metodológicos da acção do próprio Tribunal Constitucional, na medida em que, pela primeira vez, a ele poderiam aceder per saltum os particulares, pelo que se deveria edificar toda uma nova forma processual de apreciação destas acções constitucionais de defesa, além de que seria cometido ao Tribunal Constitucional uma solução que o colocaria numa relação directa com os restantes tribunais, não atendendo apenas às questões de inconstitucionalidade, em que já existe essa relação imediata. Refiro-me à faculdade, que seria conferida ao Tribunal Constitucional, de ajuizar de actos de natureza processual e cariz exclusivamente jurisdicional. Esta matéria está hoje reservada ao Supremo Tribunal de Justiça, quando se trata de apreciar a matéria de direito nos recursos interpostos das decisões dos restantes tribunais, mas que passaria a ser também atribuída ao Tribunal Constitucional, gerando uma nova relação - e não me atreveria a dizer de "dependência" -, que colocaria no âmbito da jurisdição desse Tribunal actos de natureza judicial, ou seja, aqueles que são praticados pelos tribunais comuns. Pergunto, pois, se isto não representaria uma alteração da própria natureza do Tribunal Constitucional.

Finalmente, devo dizer que estas questões que coloquei, para além das que foram formuladas pelo Sr. Deputado Rui Machete, têm apenas como objectivo o de tentarmos circunscrever melhor a incidência prática e real deste preceito, para vermos se fechando alguns dos seus alçapões não será possível consagrar algo que seja realista e tenha um efeito prático e útil, em vez de abrir portas que em alguns casos já estão abertas e noutros se abririam de mais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

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O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas deixar uma pequena nota de reflexão, que me é sugerida basicamente pelo n.° 2 do artigo 2O.°-A, na redacção da proposta de aditamento apresentada pelo PCP e se traduz no fundo, numa dúvida.

Apresenta-se esta acção constitucional de defesa como recurso possível, havendo violação, no plano processual, de direitos, liberdades e garantias. Perante isto, a questão que se pode colocar centra-se neste ponto: como sabemos, a petição de habeas corpus é um recurso extraordinária que só pode ser usado depois de esgotados todos os recursos ordinários. Deste modo, se esta acção constitucional de defesa - é uma dúvida que coloco aos proponentes deste artigo novo - funciona apenas e uma vez esgotados os recursos ordinários, e sabendo-se que é jurisprudência dominante a possibilidade de se usar o recurso de habeas corpus apenas com a natureza de extraordinário - e há alguns autores que vêem uma consagração estrita desse aspecto na lei -, pergunto se, na prática, esta solução não viria a conduzir-nos à situação de a petição de habeas corpus nunca poder ser usada, porque sempre se diria que um determinado cidadão não recorreu para o Tribunal Constitucional usando o mecanismo da acção constitucional de defesa. Esta interpretação jurisprudencial é possível, pois sempre se poderia dizer que se tratava de um recurso ordinário, o que, na prática, pela tentação conservadora dominante na nossa jurisprudência, inviabilizava o mecanismo de defesa que a Constituição consagra.

Coloco, pois, esta dúvida ao Sr. Deputado José Magalhães, porque creio - e isto vem na sequência do que me disse o meu colega António Vitorino - que este instituto, que tem virtualidades extremamente positivas, não poderá, se não for devidamente conformado, vir a fechar aquilo que pretende rigorosamente abrir, ou seja, uma melhor protecção dos direitos individuais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já muito foi dito sobre os problemas e os méritos do artigo 20.°-A, proposto pelo PCP. Porém, quero também aduzir um argumento prático, que, aliás, vem na sequência de todas as ideias práticas referidas nesta sede quer pelo Sr. Deputado Rui Machete quer pelos Srs. Deputados do PS.

Ocorreu-me agora que, por exemplo, em matéria de protecção internacional dos direitos - e estou a pensar na Comissão Europeia dos Direitos do Homem -, um dos requisitos que existe é o do esgotamento prévio dos recursos internos. De facto, sabemos já de uma certa operacionalidade possível em matéria de garantia internacional no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É, pois, um argumento forte o de se pensar nessa possibilidade a par das outras hipóteses de defesa de direitos.

Assim, perguntaria se a necessidade de esgotamento deste recurso, tal como o disseram, noutros sentidos e para outros efeitos, os Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra, não será, de facto, um ingrediente que vai comportar mais um elemento, que é o recurso para o Tribunal Constitucional.

Ora, não estou já a fazer uma leitura directa dos termos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mas tenho a certeza clara de que aí se consagra ser necessário, para efeitos de defesa junto da Comissão Europeia e do Tribunal Europeu, o esgotamento prévio de recursos internos. Não sei, pois, se não haverá neste aspecto uma dificuldade prática, em matéria de possibilidade de recurso sobre direitos, liberdades e garantias, entre o Tribunal Constitucional e a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, para além da questão de saber se isso não exigirá às pessoas que resolvem dirigir-se directamente à Comissão Europeia mais um momento que elas têm de percorrer e mais complicações processuais a que têm de fazer face. Esse poderá ser, pois, mais um argumento prático a ter em conta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de agradecer a inegável simpatia que todos demonstraram, segundo suponho, em relação à deia - e não digo "à formulação" - expressa no preceito novo que se propõe.

Creio que todos, sem exclusão, suscitaram questões que têm naturalmente de ser encaradas e, como é desejável, bem resolvidas. A figura é evidentemente polémica, e não se deve estranhar que esta tenha partido com mais vigor da parte dos administrativistas. De facto, a edificação do recurso de amparo, onde foi construído, fez-se em larga margem com sérias objecções por parte da doutrina administrativista, que não pode, naturalmente, deixar de ter uma saudável emulação, em relação a quaisquer meios que não sejam os seus próprios, de dirimir certo tipo de coisas que lhe cabe esclarecer de forma adequada.

Risos.

Em todo o caso, deve dizer-se que aquilo que tem acontecido, segundo me é dado julgar saber da experiência da instituição e aplicação deste mecanismo, é que se tem caminhado com alguma harmonia, embora naturalmente não sem dificuldade, para arquitecturas cada vez mais complexas e integradas de meios de defesa de direitos, que devem reger-se pelo princípio da articulação. Ou seja, é necessário que elas existam, formando parte de uma mesma ordem, mas com regras que impeçam sobreposições e efeitos perversos de interligação obstaculativa. Aliás, compreendemos naturalmente a importância de que assim aconteça.

No entanto, estamos muito longe daquela concepção ferrenhamente individualista e descarnada que não compreendia a importância da existência de uma política de liberdades. Isto significa, no fundo, que aquilo que se está a traçar, quando se discute esta matéria, é uma política de liberdades que equivale a tudo o que é de mais contrário às ideias das constituições do século passado, mas é, seguramente, uma ideia basilar das do nosso século. Acontece, porém, que tal exige algum esforço de triagem e de separação.

Quero com isto dizer que as observações feitas sobre a necessidade de delimitação são completamente pertinentes. Refiro-me ao facto de que num meio tão rico como o nosso, em que temos um sistema de fiscalização abstracta de diversos tipos, um sistema de fiscali-

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zação da inconstitucionalidade por omissão (embora saibamos que ele tem sido impotente e suscita melindrosas reflexões e problemas) e um contencioso administrativo com as características que resultaram, designadamente, do património da primeira revisão constitucional, neste ponto delimitado, amputado e, na sua execução, prejudicado pela forma como foi plasmada legalmente a sua regulamentação, se torna evidente que, ao estarmos a funcionar num quadro deste tipo, a delimitação do espaço próprio por uma coisa a que chamaríamos acção constitucional de defesa exige algum melindroso trabalho. Isto porque, como é evidente, a função desta acção constitucional de defesa não pode ser a do instituto da declaração de inconstitucionalidade por omissão. De facto, a sua função há-de ser outra, isto é, será aquela que não for preenchida por esse instituto e também a decorrente da projecção na minha esfera subjectiva, enquanto cidadão, qualquer que seja a veste que eu assuma, e não tutelada por outro meio. Na verdade, esse sistema tem condições de accionamento extremamente exigentes e uma operatividade prática nula ou próxima disso, como bem sabemos da nossa concreta experiência constitucional.

O mesmo se passa com a questão das acções para reconhecimento de direitos, figura esta que não pode ter essa função. Poderia fazer este tipo de raciocínios em relação a todas as questões colocadas, designadamente, pelo Sr. Presidente, mas não o vou fazer, pela simples razão de que, segundo creio, o argumento que usei liminarmente, qual seja o de esse esforço de reflexão estar sobretudo a cargo do legislador ordinário, vale de pleno.

No caso espanhol, após um debate que, segundo informa a doutrina, terá sido excessivamente sumário, os constituintes chegaram a uma fórmula seca na alínea b) do n.° 1 do artigo 161.° da Constituição Espanhola, que não refere mais do que aquilo que passo a citar:

O recurso de amparo por violação dos direitos e liberdades referidos no artigo 53.°, n.° 2, desta Constituição, nos casos e formas que a lei estabeleça.

Trata-se, pois, de uma sucinta fórmula, que ulteriormente a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional desenvolveu, depurando aí e, segundo alguns tratadistas, limitando de um modo excessivo aquilo que na Constituição não passava de uma cláusula muito geral.

Ora, creio que a experiência de reflexão e alguma análise de direito comparado nos podem permitir ir um pouco além. Foi, aliás, isso o que fizemos. Neste ponto, teremos de responder às questões formuladas pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Não me refiro, pois, às perguntas de carácter geral nem àquilo que são conjecturas absolutamente insondáveis sobre os efeitos de um mecanismo deste tipo, mas a algumas das questões sobre o âmbito, isto é, sobre os limites da cláusula que, no nosso entendimento, deveremos criar. Digo isto porque, quanto às primeiras, creio que conjecturar é virtualmente inútil. Durante anos, e suponho que agora mesmo, a figura do recurso de amparo no direito mexicano teve contornos muitíssimo mais latos do que aqueles que agora vêm propostos e inseriu-se num sistema com características totalmente diferentes do nosso. Portanto, qualquer comparação ou é feita com rigor ou é completamente abusiva e inútil, pelo que não entraria sequer nesse campo. Referiria apenas, em relação à experiência mexicana, que o clamor sobre o carácter dilatório, complexivo e inteiramente propiciador de operações de chicana processual, etc., dos recursos de amparo (porque no plural têm de ser alegados ou referidos) é um tema obrigatório e inevitável e uma dor de cabeça, da qual, naturalmente, estamos livres.

Já no caso português creio que a questão se colocará em termos totalmente diferentes: em primeiro lugar, porque a matriz que faremos tem de ser delimitadora e funcionar num contexto totalmente diferente; em segundo lugar, porque creio que a experiência espanhola nesse ponto é extremamente positiva e promissora. Assim, as perguntas formuladas pelo Sr. Deputado António Vitorino ecoaram incessantemente no período posterior à instituição deste mecanismo. E foram feitas as advertências mais ad terrorem em relação às consequências de avalancha no respeitante ao funcionamento do jovem Tribunal Constitucional. Aliás, aquilo que se verificou foi que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, naturalmente precedendo a elaboração legal "adequadas", conduziu a uma gradual depuração de todos os aspectos considerados polémicos. Refiro-me à questão, muito polémica na altura, do perigo das autorizações administrativas genéricas e de saber como é que se combate isso através das vias próprias e sem abusar dos recursos de amparo. Isso foi, pois, amplamente discutido e ultrapassado - diz-se que com êxito. Não tenho, aliás, nenhuma razão para duvidar de que assim haja acontecido.

Sobre as dúvidas em relação à finalidade e ao objecto do recurso, isto é, à não confusão entre os direitos exactamente tutelados - e já iremos ao caso português - e os outros direitos que não têm esse meio especial de tutela, devo dizer que a clarificação operada é, segundo julgo, altamente positiva.

No respeitante à natureza jurídica e às exigências formais, devo referir a mesma coisa, ou seja, que tal aspecto ficou inteiramente clarificado. Aliás, hoje não restam dúvidas, até na prática concreta forense e judicial, de que a finalidade do recurso não é, a nenhum título, a criação de uma espécie de terceira instância, com o carácter de revisão, que aprecie os factos outra vez declarados provados nas instâncias adequadas. De facto, o recurso é somente para resoluções de uma determinada natureza, etc. O mesmo devo dizer relativamente às questões de legitimidade, à identificação dos actos lesivos,, etc.

Ora, é óbvio que houve escolhos, como, por exemplo, o famoso caso do golpe de Estado conhecido por "23-F", que originaram uma avalancha de recursos de amparo para o Tribunal Constitucional, alguns dos mais abracadabrantes, quase insuspeitáveis e inimagináveis para nós, a quem, seguramente, não passaria pela cabeça ver colocado perante o Tribunal Constitucional um recurso de amparo contra um Sr. Deputado que tivesse feito uma pergunta ao Govêrno sobre um tema qualquer ou acerca de uma situação passada, por exemplo, com algum tipo de presos em Portugal. No entanto, foram apresentados ao Tribunal Constitucional espanhol recursos desse tipo, que apreciou, julgou e, no caso concreto, até indeferiu, sem que isso tivesse originado qualquer crise da instituição. Pelo contrário, isso até terá proporcionado alguma solidificação da ins-

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tituição e uma revelação da sua capacidade de resposta perante questões que se prendem com a mais delicada das esferas de actividade e de vida dos cidadãos.

Isto conduz-me à questão relevante, que não é a da avalancha, mas sim a dos limites. A questão dos limites pode ser equacionada, precisamente, nos termos em que o fez o Sr. Deputado António Vitorino, ou seja, no sentido de saber quais são as matérias mais desprotegidas. A fórmula que usámos é, obviamente, ambiciosa e, como todas as fórmulas ambiciosas, pode conduzir, naturalmente, a dificuldades. Em Espanha afirma-se, limitadamente, que os direitos a tutelar por esta forma são os previstos no artigo 14.° e na secção I do capítulo II da respectiva Constituição, muito precisamente o direito à vida e à integridade física e moral, os direitos ideológicos, as liberdades religiosas e de culto, o direito à liberdade e à segurança, nas suas diversas expressões, o direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à imagem - e o recurso de amparo invocado para defesa destes direitos originou alguns apaixonadíssimos recursos para o Tribunal Constitucional espanhol -, o direito à liberdade de circulação e o direito ao estabelecimento livre de residência, algumas liberdades de expressão básicas, etc. Este é um elenco limitado, no qual estão, naturalmente, incluídos os direitos de associação e de manifestação e todos aqueles que constam da secção I, que referi, mas não mais.

Isto aponta, naturalmente, para uma possibilidade. Tanto quanto percebi, a ideia ou preocupação do Sr. Deputado António Vitorino e da bancada do Partido Socialista seria a de que se definisse um conjunto de direitos, em especial risco, no qual creio que, a qualquer título, se hão-de incluir sempre, face às características da nossa ordem jurídica, a liberdade de associação, a liberdade de reunião e algumas questões relacionadas com o direito à liberdade e à segurança, havendo aí alguns problemas de colisão. Para ser produtivo, o avanço nesta matéria terá, forçosamente, de ser comum ou ter alguma margem de comunidade. Suponho que a elencagem desse conjunto de "direitos SOS", em que essa providência especial se justifica, deve ser objecto de uma muito cuidadosa e alargada ponderação, de acordo com um fio condutor a um critério geral. Estamos inteiramente disponíveis para fazer esse esforço.

As questões do segundo grupo, que, na enunciação do Sr. Deputado António Vitorino, correspondem à questão "com que eficácia?", são, quanto a mim, questões a remeter para o legislador ordinário. Estou a pensar, uma vez dirimido o âmbito nos termos atrás descritos, na questão da legitimidade, na questão dos prazos, na questão da garantia da subsidiariedade em termos adequados, etc., questões cuja dificuldade está cometida ao legislador ordinário. Não creio que em sede constitucional tenhamos excessiva dificuldade em relação a isso. Estaremos abrindo portas, mas essas portas terão a exacta dimensão e abrirão na exacta medida que o legislador ordinário venha a estabelecer, com todos os provisos e cautelas. Creio que isto, que é talvez constitucionalmente simples, é constitucionalmente adequado.

Por outro lado, gostaria de me referir, casando aqui com as preocupações da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves e do Sr. Deputado Alberto Martins, às questões da colisão com outros mecanismos, que são um outro aspecto absolutamente fundamental. Devo dizer, francamente, que tenho algumas dúvidas de que a colisão se possa dar nos termos que foram figurados, embora isso requeira, naturalmente, um estudo mais apurado por parte da nossa bancada. Porquê? É que nós estamos a instituir um meio de direito interno, o que tem a ver, naturalmente, com as observações feitas pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A pergunta que coloco é a seguinte: isso não irá prejudicar o acesso aos meios de defesa previstos, por força do direito internacional e, designadamente, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem? Francamente, creio que não. É evidente que há, nos termos das normas aplicáveis, uma obrigação de esgotamento prévio dos meios de direito interno, o que é óbvio. No entanto, há também uma abissal diferença entre a capacidade e eficácia dos meios de direito interno e a dos meios próprios, designadamente da Convenção. Creio que o valor "não atrasaremos o acesso à Comissão Europeia" não pode sobrepor-se ou legitimar a não criação de um meio de direito interno, que, pela sua proximidade e pela sua inserção nos outros meios, pode ter características de eficácia e de impacte que sobrelevam de forma incomparável os meios próprios da Convenção Europeia ou os do pacto internacional das liberdades civis e políticas.

Creio, pois, que teremos de ponderar um sistema - e mais uma vez o legislador ordinário terá um papel determinante - que seja adequadamente inserido, económico e não sobrepositivo. A preocupação de não delongar o acesso aos meios de direito internacional não nos deve bloquear a reflexão sobre a criação de um novo meio de direito interno. Penso que a questão está mais no ponto equacionado pelo Sr. Deputado Alberto Martins, ou seja, na questão de saber que colisões é que poderemos estabelecer. Um dos meios seria o de suprimir os outros meios extraordinários e converter em acção constitucional de defesa esse meio já hoje existente, o qual seria rebaptizado, por forma a se tornar acção constitucional de defesa de uma liberdade em perigo contra uma forma de privação ilegal de liberdade. Isso implicaria - e suponho que é essa a razão por que não foi feito em sítio nenhum - a destruição, o rebaptismo e a redefinição de uma figura com poderosas e profundíssimas tradições, incluindo-a no nosso próprio direito. Por isso é que isso não é feito. A lei ordinária terá, evidentemente, de acautelar a não sobreposição, a não colisão. Creio que em sede de revisão constitucional isso não nos deverá preocupar, a não ser na exacta medida em que estaremos a balizar uma dificuldade que o legislador ordinário terá de enfrentar, mas não mais do que isso.

Uma última observação a fazer diz respeito à questão de saber se isto não envolverá uma alteração excessivamente profunda em relação aos pressupostos metodológicos do Tribunal Constitucional, devido ao acesso directo dos particulares a essa instância. Creio ser evidente que se cria um meio que envolve uma alteração metodológica no funcionamento do Tribunal. No entanto, já há alguns meios, designadamente por força do contencioso eleitoral que se desenvolveu, tumultuosamente, fora de alguns dos parâmetros que o legislador constituinte, nomeadamente o próprio legislador da revisão constitucional de 1982, tinha pensado, que conduziram a fórmulas de acesso dos cidadãos ao Tribu-

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nal Constitucional em condições que acabam por ser próximas daquelas que agora poderemos vir a autorizar. Isto é, quando o Tribunal Constitucional português veio a entender que a Comissão Nacional de Eleições (CNE) é uma entidade com poder supremo para superintender nos processos eleitorais e que dos seus actos cabe recurso para o Tribunal Constitucional, criou uma situação ou um quadro em que o acesso dos particulares, dos cidadãos, ao Tribunal Constitucional se faz por recurso directo. Essa é a primeira e única entidade para a qual há recurso de uma decisão do órgão administrativo que é a CNE. Suponho que isto não tinha sido bem configurado pelo legislador na revisão constitucional.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nem é pacífico, Sr. Deputado.

O Orador: - Tem sido a interpretação sustentada de forma não polémica, isto é, acatada por todos e não impugnada, até agora, por ninguém, quanto a uma questão que é melindrosa e implica uma alteração no funcionamento do Tribunal Constitucional ou, digamos, uma certa padronização diferente do seu funcionamento.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença de que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Isso não tem base legal e, além do mais, é para preencher uma omissão legislativa decorrente da existência de um órgão com poderes administrativos como a CNE, de cujas decisões não cabe, nos termos da lei, recurso para nenhum tribunal. Apesar de tudo, é um caso diferente, sendo discutível até que deva ser esse o caminho por que se deve enveredar.

O Orador: - É exacto que é diferente, Sr. Deputado. No entanto, também é exacto que o Tribunal Constitucional entendeu que existia base legal, na medida em que havia a garantia de recurso, que não podia ficar intutelada, sobretudo numa matéria tão melindrosa e tão fundamental como a do direito eleitoral.

Não era isso o que trazia à colação, mas sim o facto de no momento actual a padronização do funcionamento do Tribunal Constitucional já obedecer, em certos casos, a critérios e fórmulas que terão de ser mediados e definidos pelo legislador ordinário, mas que não envolvem, ao contrário do que muitos esperavam ou receavam, a avalancha ou a hecatombe que torna possível o funcionamento normal de um órgão como o Tribunal Constitucional.

Por outro lado, em relação a certas providências cautelares, designadamente as requeridas em matéria de liberdade de associação partidária, o Tribunal Constitucional teve um precedente altamente interessante, do ponto de vista jurídico-constitucional - e talvez, não tanto do ponto de vista político -, em que a activação dos mecanismos adequados se fez de forma particularmente célebre e sem que tenha havido qualquer perturbação ou tumulto bloqueador do funcionamento do Tribunal. Sei que a porta que agora se abre poderá vir a ser uma porta com dimensões muitíssimo mais vastas. No entanto, se, em primeiro lugar, houver consenso para estabelecer o núcleo dos direitos que mereçam essa forma especial de tutela, se, em segundo lugar, adiantarmos, ao contrário do que aconteceu no caso espanhol, em termos constitucionais, um quadro mínimo, as balizas e referências que acautelem certas perversões, e se, em terceiro lugar, formos capazes de distinguir suficientemente o funcionamento deste mecanismo do funcionamento normal das outras acções em curso nos outros tribunais, mas também atinentes a direitos, liberdades e garantias, então o êxito constitucional da consagração desta figura será de saudar e o seu impacte prático, havendo essa garantia e cautela suprema da mediação do legislador ordinário, poderá ser igualmente assinalável.

Não posso fazer mais do que um apelo a que haja uma concertação de esforços no sentido de que consigamos atingir esses três objectivos.

O Sr. Presidente: - Penso que este debate foi interessante para esclarecer de uma maneira mais detalhada alguns dos aspectos co-envolvidos na proposta. Julgo, aliás, que é interessante o convite feito pelo PCP no sentido de que seria útil ter um núcelo ou um enunciado das questões que pudéssmos considerar como sendo o âmbito de aplicação deste artigo, e não uma cláusula tão aberta que corrêssemos o risco de nos esvairmos. Aliás, falou-se no recurso de amparo, mas, provavelmente, o mandato de segurança do direito brasileiro pode também oferecer alguns exemplos interessantes nesse capítulo.

Penso também que teria interesse explicitar de uma maneira mais concreta em que termos é que estamos em condições de o fazer, ou seja, em que termos é que se verificam os pressupostos de aplicação, mesmo quando se enunciam esses casos, sobretudo em conjugação com o n.° 3 do artigo 268.°, que eliminará, presumivelmente, esse tipo de problema, a não ser que se o considere como mais um recurso.

Suponho, enfim, que o que fizemos até este momento foi útil. Clarificámos algumas questões e enunciámos outras que necessitam de uma dilucidação posterior e, porventura, até da apresentação de algumas propostas de aditamento ou de alteração, na sequência das reflexões aqui feitas. Suponho que neste momento não poderemos ir mais além do que justamente isto, visto que, presumo, o Partido Comunista não tem nenhuma proposta imediata de concretização daquilo que expendeu. O que sugeriu foi que se fizesse uma reflexão comum sobre isto...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta matéria, tal como outras, deveria originar algum esforço no sentido de se caminhar para a elaboração adequada e conjugada de um texto de substituição susceptível de ser subscrito de forma alargada. Se isso se verificasse impossível, teríamos de ver que caminhos poderiam ser percorridos. Poderia adiantar aqui uma sugestão manuscrita, o que me pareceria imprudente, na medida exacta em que é preciso alargar a reflexão colectiva no âmbito de cada partido sobre o debate que aqui travámos. Feito um esforço, interessará avançar para aquilo que seja uma proposta viável de acordo com um padrão comummente assumível. Das duas uma: ou se consegue esse padrão, ou

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então o esforço está, à partida, gorado. Nós gastaríamos que ele não se gorasse, porque a margem que me pareceu resultar do debate travado afira-se-me extremamente interessante. Aquilo que se procura é uma fórmula concisa, não duplicativa e com a mínima margem de sobreposição possível, confiando nós em dois elementos de triagem: em primeiro lugar, o legislador ordinário e, em segundo, os tribunais. Há pouco não enfatizei suficientemente esse aspecto, mas a elaboração jurisprudencial sobre essa matéria, embora naturalmente não possa ser, em qualquer sede, o cordão de segurança e a rede definitiva para a incúria legislativa, deve ser tida em conta.

Portanto, creio que há vários campos de reflexão, em relação aos quais seria preciso desenvolver trabalho. Julgo que no âmbito do meu grupo parlamentar desenvolveremos reflexões em torno, por exemplo, da questão da articulação entre um mecanismo deste tipo, entendido como resultante de uma definição muito concisa, e as acções para reconhecimento de direitos, ou seja, da conjugação entre um artigo 20.°-A deste tipo e o n.° 3 do artigo 268.°, com a redacção que tem ou com outra que venha a resultar da própria revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, uma vez feita uma primeira dilucidação, quer a propósito da fiscalização da constitucionalidade em concreto, quer a propósito do n.° 3 do artigo 268.°, e visto que há propostas que tocam nessas matérias por parte dos diversos partidos, iremos ter ocasião de retomar o problema. Entretanto, teremos tido o tempo suficiente para fazer alguma reflexão sobre estas questões.

Não gostaria de deixar qualquer equívoco nesta matéria, até por pensar que este é um problema importante. Não penso que se possa fechar por completo a porta e tentar introduzir ao nível constitucional algumas inovações ou aberturas. Julgo, todavia, que não deveremos ter uma atitude do tipo de confiar exageradamente no legislador ordinário sem ter uma antevisão clara das dificuldades que se deparam. Isto porque, por exemplo, no que diz respeito ao n.° 3 do artigo 268.°, a Constituição consagrou, com grande afoiteza, um esquema e depois o legislador ordinário teve grande dificuldade em o concretizar. Penso, francamente - e, aliás, já o manifestei por escrito -, que poderia ter ido mais além. Participei, de algum modo, na fase inicial dos trabalhos que deram origem à lei processual que desenvolveu esse n.° 3 do artigo 268.° - e não estou a referir-me ao estatuto, mas sim à lei de processo, visto que nos trabalhos desta apenas participei, de uma maneira muito liminar, na fase inicial. A verdade é que houve grandes dificuldades de concretização em termos de tipificação de hipóteses que não se traduzissem depois em atirar para os tribunais dificuldades intransponíveis.

Isto serve apenas para referir que sou da opinião de que não devemos in limine excluir qualquer reflexão sobre esta matéria. Pelo contrário, acho que devemos estar abertos a isso, mas também não gostaria de criar expectativas injustificadas acerca dos resultados a que, finalmente, cheguemos, embora haja hipóteses, designadamente por via do mandato de segurança e do recurso de amparo, em que, realmente, alguns progressos poderão ser feitos. Já me parece mais difícil - mas a reflexão permitirá aclarar melhor esta matéria - que, por exemplo, possamos chegar a esquemas generalizados em matéria de inconstitucionalidade por omissão violadora de direitos fundamentais, embora possa haver - e há, evidentemente - violações por omissão, designadamente em matéria de acção administrativa.

Penso, porém, que esse é um problema que vamos ter oportunidade de ir discutindo e que agora seria um pouco infrutífero analisar, justamente porque carecemos de uma reflexão mais aprofundada no seio dos diversos grupos parlamentares que nos permita ir mais além e, pelo menos, delinear com mais nitidez os contornos daquilo em que poderemos convergir e daquilo em que eventualmente divergimos.

Julgo, portanto, que podemos passar à discussão do artigo 22.°, relativo à responsabilidade das entidades públicas, sobre o qual o PCP apresentou uma proposta de aditamento de dois números, que seriam os n.ºs 2 e 3, passando o texto actual a ser o n.° 1.

Embora a proposta seja clara, presumo que o PCP gostaria de apresentar a respectiva justificação.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Visa-se através destes dois números, cujo aditamento é proposto, transpor para a Constituição aquilo que é, de certa forma, o caminho percorrido, em matéria de direito ordinário, no tocante a esta questão, que é relevante, da responsabilidade das entidades públicas.

O n.° 2 que o PCP propõe visa introduzir uma clarificação, embora a solução apresentada seja ela própria compromissória e dependa, quanto à sua própria efectividade, da mediação, mais uma vez, do legislador, o que é inteiramente inevitável em cláusulas deste tipo. Propomos que a responsabilidade do Estado, que abrange acções e omissões, como é próprio, origine, entre outras coisas, o direito a indemnização quando do exercício indevido dessas funções resulte uma violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias. Cria-se uma cláusula de particular gravidade, com o conteúdo e a densidade normativa usuais nessas matérias.

O n.° 3, cujo aditamento é proposto, estabelece uma forma de responsabilidade solidária, que, quanto a nós, não oferece especial novidade, e transpõe para o plano da Constituição aquilo que se encontra consagrado na lei dos crimes de responsabilidade e que foi objecto de alguma reflexão na legislatura passada, quando elaborámos o diploma em questão. Creio que é muito importante esse enriquecimento, por razões que se prendem com a própria atitude do Estado e das entidades públicas perante os cidadãos, nessa situação limite em que a sua acção, em vez de cumprir aquilo que é o quadro próprio das suas funções, acaba por vulnerabilizar e atingir os direitos, liberdades e garantias, que deveriam ser salvaguardados. Quanto à questão da responsabilidade solidária, é essa uma regra que nada tem de surpreendente, antes sendo basilar para que a responsabilidade individual e a cobertura pelo Estado daquilo que em seu nome foi feito tenham lugar.

É este o sentido básico das nossas propostas, cuja consagração, segundo cremos, representaria um razoável enriquecimento da Constituição, correspondendo a uma experiência de elaboração e reflexão que tivemos

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de ir fazendo e que foi efectivamente feita, ainda que no terreno prático, no terreno da efectivação, o Estado democrático português esteja muito longe de ter atingido um nível satisfatório de implementação de mecanismos deste tipo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quero suscitar algumas questões ao Sr. Deputado José Magalhães, na medida em que me parece um pouco difícil compreender todo o alcance desta proposta de aditamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, talvez pudéssemos, só por uma questão de facilidade, começar pelo n.° 2, que é o primeiro número proposto, a não ser que queira articular as duas coisas.

O Orador: - Era essa a minha intenção, Sr. Presidente. Dizia eu que é difícil compreender o alcance da proposta, sobretudo tendo em vista o que já está disposto no artigo 120.°. relativamente ao estatuto dos titulares de cargos políticos. É que no artigo 120.° já se determina que a lei deverá consignar o regime dos deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos e que estes responderão pelos crimes de responsabilidade que forem determinados, obviamente, pela respectiva lei. É evidente que este n.° 2 proposto pelo PCP, se alguma coisa tem de mais extenso quanto ao seu alcance, é a de que, para além dos titulares dos cargos políticos, estariam também agora abrangidos os magistrados, uma vez que, para além da função legislativa, também aqui se fala da função jurisdicional. Pergunto se é este o alcance útil que o PCP pretende com o n.° 2 que propõe.

Acrescentaria ainda uma observação sobre o n.° 3, que é a seguinte: se o n.° 3 visa definir a regra da responsabilidade solidária, ele também parece redundante, na medida em que a responsabilidade solidária já está expressa, em termos genéricos, no actual artigo 22.° Por outro lado, é estranho que se defina a regra de que o Estado responde solidariamente pelos crimes cometidos por titulares de cargos políticos. Como é que o Estado responde por tais crimes? Se o Estado não é uma pessoa física, não é um indivíduo, como é que pode ser, do ponto de vista do direito criminal, susceptível de ser solidariamente responsabilizado?

O Sr. Presidente: - É civil esta responsabilização.

O Orador: - Se se trata - porventura è esse o alcance - de consignar a responsabilidade civil, essa está prevista no corpo único do artigo 22.°, pelo que me parece, por isso mesmo, desnecessário.

São estas as dúvidas que suscito e que gostaria de ver clarificadas no decurso do debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O Sr. Deputado Jorge Lacão referiu já alguns argumentos no sentido de uma certa desnecessidade do acrescento dos n.ºs 2 e 3 propostos pelo PCP.

Não vou aqui repetir os argumentos que foram avançados. Apenas quero dizer que o artigo 22.°, na redacção que tem na Constituição, permite já uma leitura inequívoca e abrangente da responsabilidade do Estado, em matéria de responsabilidade civil, relativamente a todos os órgãos e todas as funções que lhes correspondem.

Obviamente parece-me que o n.° 2 proposto vai no sentido de uma certa atitude complicativa: trata-se da perspectivação da responsabilidade por actos que lesem ou violem direitos, liberdades e garantias, sendo exactamente esta a trilogia que o artigo 22.° refere. Porém, na perspectiva de uma pequena análise, tenho dificuldade em configurar hipóteses de violação pela função legislativa de direitos, liberdades e garantias. Não posso configurar essa violação por acção, porque a função legislativa, é por definição, aquela que elabora as leis. Sendo estas - desculpem-me a perspectiva excessivamente analítica - conjuntos de normas jurídicas que ainda não foram concretizadas, é evidente que só quando há concretização é que há violação. Creio que se coloca a questão de se pensar que poderia ser a omissão legislativa uma forma de violação dos direitos, liberdades e garantias, mas também tenho dificuldade em configurar essa hipótese, por virtude da natureza de liberdade negativa que caracteriza este tipo de direitos. Trata-se do direito à abstenção do Estado, e não de direitos sociais ou de liberdade positiva, porque não se impõem ao Estado atitudes, em regra, positivas, mas, pelo contrário, abstenções. Portanto, a violação por virtude de actos lesivos, através da função legislativa, de direitos, liberdades e garantias parece-me um tanto ou quanto difícil de configurar.

Isto não significa que seja de excluir, nessa leitura abrangente que penso já resultar inequivocamente do artigo 22.°, essa função, a par das outras, mas parece-me que esta clarificação é um tanto ou quanto impraticável, se a levarmos às últimas consequências. Julgo, contudo, que os argumentos mais razoáveis são exactamente os daqueles que vêem no artigo 22.° já uma explicitação clara, sobretudo tendo em conta a concatenação desse preceito com o artigo 120.° da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não quero de modo algum repetir o que já foi dito pelos colegas que me antecederam no uso da palavra. De facto, entendo que dos n.ºs 2 e 3 propostos resulta uma repetição, sendo eles, de algum modo, redundantes em relação ao que é disposto actualmente na Constituição.

Quero, porém, levantar um problema que ainda não foi aqui aflorado e que se refere ao n.° 2 proposto pelo PCP, no qual se diz que, passo a citar, "a responsabilidade do Estado abrange as acções ou omissões praticadas no exercício das funções legislativa e jurisdicional, quando desse exercício resultar violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias". Saliento a expressão "quando desse exercício resultar violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias" para notar que no actual artigo 22.° da Constituição não se fala em "violação particularmente grave", mas apenas em "violação dos direitos, liberdades e garantias". Caso esta proposta do

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PCP seja aprovada, nos precisos termos do texto que aqui se encontra em discussão, julgo que haverá uma distorção completa daquilo que se quer tutelar a mais, ao se fazer a distingue entre a "violação dos direitos, liberdades e garantias", por um lado, e a "violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias", por outro. Se apenas de pune a "violação particularmente grave", cairemos numa discricionariedade tal que haverá várias violações dos direitos, liberdades e garantias que poderão não ser graves e, por isso, não punidas. Julgo que esta expressão, com a consequente distinção, é perigosíssima, pelo que gostaria de saber quais as razões desta distinção em relação ao regime dos direitos, liberdades e garantias. Não encontro qualquer justificação para ela; vejo, sim, um perigo bastante grave - vou usar a expressão do PCP, mas ao contrário - em relação à tutela dos direitos, liberdades e garantias.

Quanto ao n.° 3 proposto, continuo a achar que é rigorosamente redundante em relação ao que se dispõe actualmente no artigo 22.° da Constituição qua tale. O n.° 3 proposto pelo PCP, além de conter a expressão "direitos, liberdades e garantias", fala em "interesses legalmente protegidos dos cidadãos", ou seja, acrescenta aquilo de que o artigo 22.° não contém a expressão: "interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Pergunto: quando o artigo 22.° da Constituição refere, in fine, "violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem", não faz também uma distinção perigosíssima, em meu entender, em sede de regime dos direitos, liberdades e garantias, ou seja, interesses legalmente protegidos dos cidadãos, por um lado, e prejuízo para outrem, por outro lado. Não será a expressão "prejuízo para outrem" mais vasta do que "interesses legalmente protegidos"? E como, depois, concatenar as distinções que são feitas em sede dos n.ºs 2 e 3 da proposta do PCP?

Para concluir, diria que não só haverá redundância, por um lado, em relação aos n.ºs 2 e 3, como também, por outro, daria lugar a uma distinção.

Compreendo que se queira, de alguma forma, pormenorizar, mas que acaba ela própria por ter um efeito - passo a expressão - de boomerang, sendo, por isso, contraproducente.

O Sr. Presidente: - Gostaria também de fazer algumas perguntas ao Sr. Deputado José Magalhães acerca do sentido útil da proposta.

No que diz respeito ao n.° 2, a minha primeira dúvida é esta: é verdade que é possível interpretar o artigo 22.° da Constituição, na sua redacção actual, como dizendo apenas respeito à função executiva ou, quando muito, abrangendo a função executiva e a governativa e, portanto, não sendo aplicável à função legislativa e à jurisdicional. Isso teria algum conforto, por exemplo, no que diz respeito à função jurisdicional, no artigo 221.°, n.° 2, embora também seja possível uma interpretação diferente. Quando se diz, no artigo 221.°, n.° 2, da Constituição, que "os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei", poderia admitir-se que esta expressão "lei" era utilizada em sentido lato e que uma das excepções resultava claramente do artigo 22.° Dir-se-á, porém, que uma certa orientação prevalecente na prática e até a maneira como o estatuto judiciário interpretou a responsabilidade dos juizes têm sido favoráveis a fórmulas restritivas de conceber o seu alcance no artigo 22.° Por consequência, uma das hipóteses possíveis da proposta do PCP seria, justamente, a de clarificar equívocos e dizer que este artigo 22.° é claramente também aplicável à função jurisdicional e à legislativa.

Por outro lado, se é verdade que, como há pouco foi referido pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, é difícil, por vezes, conceber uma ofensa por parte das leis, porque falta a interpositio do acto concreto do Executivo, também é verdade que poderíamos aqui admitir que se estariam a clarificar igualmente aspectos relacionados com leis-medida, muito embora depois, ao abrigo do artigo 268.°, haja possibilidade de interpor recurso para defesa contra quaisquer actos, independentemente da sua forma. Essa hipótese também não é de excluir quanto aos efeitos negativos ou aos efeitos laterais dos actos normativos que possam ser prejudiciais, o que acontece nos regulamentos e também nas leis. Aliás, o Dr. Gomes Canotilho, por exemplo, tem um estudo bem interessante em que aborda esse tipo de questões.

Há, porém, um aspecto que me causa alguns engulhos. É que, ao dizer-se que a responsabilidade do Estado abrange as acções ou omissões praticadas no exercício das funções legislativa e jurisdicional e ao excluir-se a solidariedade - que ainda percebo em relação à função legislativa, mas já não em relação à função jurisdicional -, isso significa que parece querer encontrar-se uma fórmula que continue a garantir a irresponsabilidade dos juizes, mesmo em caso de violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias. Isto é, esta não inclusão do inciso "solidariedade", "solidário" ou "forma solidária" pode inculcar um sentido diferente. E não sei se é esse sentido pretendido, que eu compreenderia em relação à função legislativa, sobretudo no que respeita ao parlamento, porque se torna muito difícil, obviamente, haver aí uma individualização da responsabilidade, mas já não em relação jurisdicional.

Depois, há uma outra razão, essa militando em favor do n.° 2 proposto pelo PCP. Como o Sr. Deputado José Magalhães sabe, há hoje fundadas dúvidas na doutrina acerca do carácter unitário do Estado, não no sentido do Estado unitário ou do Estado federal, mas no de as funções do Estado serem todas imputáveis à mesma pessoa colectiva, ou seja, de a função legislativa e a função jurisdicional serem imputáveis à pessoa colectiva Estado em sentido amplo. É que mesmo a doutrina clássica nunca conseguiu explicar muito bem o facto de o Estado ter relações consigo próprio - isto segundo a teoria clássica da impermeabilidade da pessoa colectiva, e tal não é admissível no caso de um processo em que de um lado está o juiz e do outro o Ministério Público. Foi sempre uma grande trapalhada. Mas, tendo isso em consideração, seria essa, porventura, uma vantagem para a aclaração dessa dificuldade.

Todavia, penso que, como o Sr. Deputado José Luís Ramos há pouco referiu, a expressão "particularmente grave", é algo que a torna pouco compreensível dentro dessa óptica, pelo que os seus termos deveriam ser justamente os do artigo 22.°, tratando-se apenas de uma extensão desse artigo. Nesse sentido, subscrevo inteiramente as considerações que o Sr. Deputado José Luís Ramos fez. É que, ainda por cima, quando se usa a expressão "violação particularmente grave", não se

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sabe se essa gravidade resulta da gravidade da culpa, da gravidade do dano ou de ambas. Convém esclarecer claramente o que se pretende.

No que diz respeito ao n.° 3, também aqui é óbvio tratar-se de matéria da responsabilidade civil - de contrário, as objecções referidas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão ganham toda a sua força. O que consta deste n.° 3 já vem, de algum modo, consignado no artigo 120.°, faltando saber o que é que aqui se acrescenta nessa matéria. Poderá dizer-se que se acrescenta a ideia de solidariedade, mas diria que essa ideia já está referida na redacção actual do artigo 22.°

No entanto, gostaria de perceber inteiramente qual é a intenção do PCP ao substituir pela expressão "interesses legalmente protegidos dos cidadãos" a expressão "prejuízo para outrem". Pode ser ou não a mesma coisa, mas, no fundo, o problema é o de que é extremamente melindroso, numa matéria que já de si é de interpretação difícil, vir introduzir uma diversidade de fórmulas que aumenta a confusão. Salvo se houver uma razão explicativa que esclareça essa dúvida, preferiria manter a fórmula que se encontra já consignada ou seja a expressão "prejuízo para outrem".

Em quaisquer dos casos, o que não me parece útil é introduzir uma diversidade de formulações. E, no caso de se chegar à conclusão de que é preferível a expressão "interesses legalmente protegidos", embora depois a expressão "dos cidadãos" possa ser restritiva, uma vez que as pessoas colectivas não são cidadãos e, obviamente, essas entidades estão abrangidas na ideia de "prejuízo para outrem", seria interessante percebermos a razão que levou o PCP a propor esta nova fórmula.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, talvez tentasse dar resposta a algumas das questões colocadas, sem prejuízo do aprofundamento de alguns aspectos que, provavelmente, só numa segunda volta poderão ser objecto de apreciação adequada.

Assim, diria que o objectivo central da nossa proposta é o de introduzir clarificação em duas direcções, a saber: o universo abrangido pelo actual texto do artigo 22.° e, em especial, a questão da responsabilidade dos titulares de cargos políticos. A boa questão é, naturalmente, a de saber se, ao se procurar dilucidar, não se confundiu. E, ouvindo os Srs. Deputados, julgar-se-ia quase irremediavelmente que sim e que, portanto, a solução radical e boa seria a de anunciar formalmente: "Meus senhores, a proposta está retirada, e muito obrigado pelo vosso auxílio!" Só que acontece não haver razão para tal, salvo melhor opinião. Sucedeu também o que considero fascinante (tudo pode realmente acontecer): fez-se aqui - não sei porquê - uma interpretação do artigo 22.° que verdadeiramente navega nele como numa auto-estrada, sucedendo, no entanto, que esse artigo tem sido um caminho bastante espinhoso pelo qual, consequentemente, não se pode meter a toda a brida, como o fez há pouco o Sr. Deputado José Luís Ramos. E, se há algum boomerang, ele atingirá o PSD, caso este use argumentos desse tipo.

É geralmente sabido que o disposto no artigo 22.°, quando se refere "o Estado e demais entidades públicas", é objecto de alguma reflexão na doutrina e que, portanto, não é pacífica a questão de saber quem sejam estes sujeitos aos quais é imputada esta carga constitucional, ao contrário do que se julgaria ouvindo o Sr. Deputado José Luís Ramos, no sentido de que aqui estejam abrangidos os legisladores, por um lado, e os juizes, por outro. É sabido também que a melhor doutrina em Portugal sustenta que assim seja - e estamos inteiramente de acordo que assim deva ser. Ou seja: como a Constituição não distingue quais os centros em que a imputação é feita deve entender-se que são todos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não me referia à função legislativa ou à função jurisdicional, mas à referência da violação dos direitos, liberdades e garantias contida na vossa proposta. Por esse facto passaria a ser o n.° 1 do artigo 22.°, correspondente ao artigo agora em vigor na Constituição, e ao facto de se passar a falar, no n.° 2, não em "violação dos direitos, liberdades e garantias", mas em "violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias". Foi esta, e não a que o Sr. Deputado está a referir, a questão que coloquei. Questionei, sim, o porquê desta distinção entre "violação particularmente grave", por um lado, e apenas "violação", por outro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se o Sr. Deputado acelerar menos, vai ver que atinge o porto mais rapidamente.

Das duas uma: ou entende que o artigo 22.°, na sua contornação actual, abrange plenamente os actos legislativos e jurisdicionais e todos os actos de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, ou não entende. Mas, pelos vistos, entende que sim. Consequentemente, para si é trigo limpo e não oferece nenhum dúvida a ideia de que a Constituição, no artigo 22.°, implica que todos os actos judiciais e legislativos violadores de direitos, liberdades e garantias originam responsabilidades. E, se é assim, o Sr. Deputado anuncia ao PSD que vai ter uma chuva de acções por actos legislativos violadores de direitos, liberdades e garantias.

A sua interpretação é um verdadeiro terramoto, porque, se entende que a função legislativa violadora de direitos, liberdades e garantias, qua tale, origina responsabilidade, então fá-lo em termos que abrangem múltiplos actos legislativos. Ora, sucede que esse entendimento não é vulgar e que é por isso que, seguindo aquilo que parece ser a melhor doutrina, se vem sustentando cautelosamente ser essa responsabilidade, quando seja por facto das leis, que deve admitir-se sempre que haja violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o cidadão derivados directamente das leis. Mas, pelos vistos, V. Exa. vai mais longe, o que me parece ser uma interpretação um pouco menos ponderada do que a que decorre da lei.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Eu não disse isso.

O Orador: - Creio que disse, Sr. Deputado, mas poderá clarificar oportunamente se o disse ou não. O que o Sr. Deputado disse foi que o PCP, ao propor o que propõe no n.° 2, restringe o que decorre do actual artigo 22.°, mas só pode sustentar essa opinião

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se V. Exa. entender que o actual artigo 22.° implica a responsabilidade do Estado pelo facto de leis abrangendo toda e qualquer violação de direitos, liberdades e garantias, com o que V. Exa. ganha uma medalha de maximalismo.

Parece-nos que sustentar essa tese pode ser demasiado, mas, se V. Exa. põe a fasquia a essa altura, não será o PCP que cai de tais alturas. No entanto, isso parece-nos muito invulgar, sobretudo, suponho, colocará a Assembleia da República e a maioria do PSD no banco dos réus com uma grande facilidade. Mas o problema é, naturalmente, vosso.

Em relação aos actos jurisdicionais, passa-se a mesmíssima coisa. É sabido - e o Sr. Presidente fez disso explanação que não carece de reforço - que a lei portuguesa, ou seja o Estatuto dos Magistrados Judiciais, com uma solução compromissória que resultou de uma proposta de Sr. Deputado Correia Afonso (e de tudo isso existe traslado nas actas respectivas da antepenúltima legislatura), é extremamente magra e contida em relação a este aspecto, que recentemente originou uma bruta polémica em Itália. Esta é, realmente, uma questão extremamente relevante, que, embora não esteja colocada neste momento em Portugal, será sempre imaginável.

Está o PSD disponível para evitar o tal boomerang imaginado pelo Sr. Deputado José Luís Ramos e entender com essa latitude o direito de indemnização, designadamente por actos jurisdicionais? Se está, isso seria surpreendente. E estamos ansiosos por conhecer que concepção revolucionária tem o PSD nessa matéria e se está ou não disposto a formalizá-la.

A nossa preocupação é a de matizar, utilizando a cláusula, como aí está, da "violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias". No entanto, pode perguntar-se - aí, sim, pertinentemente - se a expressão "particularmente grave" se deve aferir em função da culpa ou em função do dano. Devo dizer que esteve no nosso espírito - e aí há sempre a contraposição entre a letra e o espírito - a questão do efeito do dano, ou seja, da consequência. Não me parece que essa seja uma questão excessivamente relevante nesta sede, embora possa, naturalmente, ser objecto de precisões.

De tudo isto tiraria a conclusão de que esta emenda pode ter uma virtude clarificadora quanto ao facto de aqui se abranger também a responsabilidade do Estado por actos legislativos e jurisdicionais. Poderá parecer surpreendente para quem nos leia que se pressuponha ou intua um tão amplo consenso em torno da questão da existência dessa responsabilidade, mas, se esse consenso existisse, congratularmo-nos-íamos seguramente com ele ê a proposta já teria cumprido a sua função. No entanto, parecer-nos-ia bastante útil que pudéssemos ir um pouco mais além.

O segundo grupo de questões colocadas é relativo a tudo o que diz respeito à responsabilidade dos titulares de cargos políticos. O Sr. Presidente intuiu ou deduziu que haveria uma preocupação mal articulada ou, pelo menos, mal respondida de estabelecer um tratamento diferente entre os titulares de cargos políticos e os juizes e que tudo decorria da existência de uma cláusula aplicável à função jurisdicional similar à que consta do n.° 3.

O Sr. Presidente: - Do n.° 2 e do n.° 1.

O Orador: - Mas creio que aí, salvo melhor opinião, o raciocínio está feito com uma imperfeição. É que, como o PCP não propõe a eliminação do n.° 1, mas, pelo contrário, o mantém integral, aquilo que do n.° 1 consta aplica-se rigorosamente a tudo o que figura no n.° 2. E, como o que figura neste número é a responsabilidade por actos legislativos e jurisdicionais, é evidente que, nesse âmbito, se aplica rigorosamente aquilo que consta e decorre do n.° 1.

A preocupação do n.° 3 talvez seja outra, já que o n.° 3 é enfatizador da questão da responsabilidade solidária, que já decorria do n.° 1 quanto aos titulares de cargos políticos - e talvez aí decalque excessivamente a própria legislação ordinária. O n.° 3 tem a preocupação de dar desenvolvimento àquilo que é, na nossa opinião, um tratamento menos rico da questão do estatuto dos titulares de cargos políticos, na forma em que se encontra no texto em vigor da Constituição.

O Sr. Deputado Jorge Lacão adiantou algumas reflexões sobre o artigo 120.°, artigo esse que não é particularmente rico, como se sabe, e que originou não poucas dificuldades quando tivemos de elaborar a lei dos crimes de responsabilidade. Ora, esta lei, em algumas das suas cláusulas, carece neste momento de uma dilucidação constitucional que previna - e não digo que a questão não tenha a cobertura constitucional adequada e mínima - alguns aspectos em sede de revisão constitucional. Prova disso é, naturalmente, o facto de haver sete propostas adiantadas nessa sede por diversos partidos políticos, que apreciaremos oportunamente.

Quero, pois, dizer que não é inútil que se precise, quanto ao regime de responsabilidade, qual seja exactamente o estatuto da responsabilidade dos titulares de cargos políticos quando cometam crimes que violem certo tipo de direitos e interesses. E este primeiro aspecto é o da utilidade da proposta.

O segundo aspecto é o da fórmula escolhida pelo PCP, fórmula que visa utilizar uma conceptologia idêntica aquela que a Constituição utiliza na área dos direitos dos administrados. Se tiverem o cuidado de fazer o cotejo entre as formulações, verificarão que se utilizou a expressão usada pela Constituição quanto à tutela dos direitos dos administrados, expressão essa que abrange tanto os "direitos, liberdades e garantias", como os chamados "interesses legalmente protegidos". Não foi outra a nossa razão. E evidentemente que a dessintonia em relação à formulação do artigo 22.° - cuja ocasião de elaboração no quadro da génese da Constituição foi, como sabem, distinta daquela que caracterizou o título respeitante à Administração Pública - não nos parece particularmente relevante nem parece ter as consequências dramáticas que o Sr. Deputado José Luís Ramos adiantou.

Por outro lado, há que pensar, porque isso pode ter consequências praticas sérias, se se entende que a responsabilidade dos titulares de cargos políticos por crimes de responsabilidade de que resulte violação de direitos, liberdades e garantias deva abranger também aquelas situações em que estes sejam prejudiciais para outrem. Isto porque, meus senhores, actos criminosos de que resulte prejuízo para outrem, seremos todos capazes de imaginar muitos. Por conseguinte, se utilizarmos uma noção tão genérica como a de "prejuízo", em vez de utilizarmos uma expressão mais restrita, como a de "interesses legalmente protegidos", estaremos abrindo um caminho que pode ser demasiado

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vasto. Assim, as preocupações a ter são, precisamente, as contrárias daquelas que foram anunciadas pelo Sr. Deputado José Luís Ramos, salvo vício de percepção.

Quanto a nós, Sr. Presidente, esta enunciação de linhas de reflexão e de resposta às interrogações suscitadas não revela a desnecessidade de uma solução, nesta sede, sobre a matéria. Revelará, sim, a necessidade de, porventura, depurar aqui e ali os normativos em apreciação, mas no sentido de uma clarificação, porque essa clarificação, pelos vistos, pode ser de uma certa utilidade para que, precisamente em sede de normação ordinária, algumas das questões que estão em aberto possam vir a ser fechadas com uma directriz constitucional mais clara do que aquela que neste momento pode ser desenhada, com grandes esforços hermenêuticos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas precisar um ponto.

Há pouco, contrariamente ao que o Sr. Deputado José Magalhães fez crer, não estava de forma alguma a dizer que a minha opinião era esta ou aquela em relação à inclusão da função jurisdicional no que hoje está contido no artigo 22.° A questão que coloquei - e parece-me ser de concluir isso das palavras do Sr. Deputado José Magalhães - foi a de que o PCP quase se esqueceu de que o actual artigo 22.° passou para a sua proposta como n.° 1, exactamente com a mesma redacção que agora consta da Constituição. Ora, esse facto origina, com a compulsação dos n.ºs 2 e 3 propostos pelo PCP, contradições, que me parecem particularmente graves, nomeadamente quando se fala em "violação dos direitos, liberdades e garantias", "violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias", "prejuízo para outrem" e "interesses legalmente protegidos". Daqui resulta uma diferenciação de terminologia, com consequente distinção de regime, que pode originar algumas deficiências, por forma a não ser toda a proposta concatenada na resolução de um só artigo.

Se me dissessem que os n.ºs 2 e 3 iriam eles próprios substituir o actual artigo 22.°, pelo que este se conteria nesses n.ºs 2 e 3, talvez conseguisse perceber. Estas distinções, seriam, pelo menos, lógicas. Situar o artigo 22.°, tal como está e com as expressões exactas que contém, como n.° 1, para depois nos n.ºs 2 e 3 se estabelecerem expressões rigorosamente diversas e se fazerem distinções que me parecem particularmente perigosas, como já tive oportunidade de expor, sem as imagens do Sr. Deputado José Magalhães, direi que me parece que a proposta do PCP encerra algumas contradições.

Não estava de maneira nenhuma a focar neste momento - e julgo que não é esta a altura para o fazer - a questão de saber se estão ou não incluídas a função jurisdicional e mesmo a legislativa no artigo 22.° Julgo que esse debate poderá ficar para altura posterior.

As questões que lhe coloquei não eram propriamente questões derivadas da minha interpretação do que hoje resultou do artigo 22.°, mas sim questões que resultam claramente da vossa proposta. Julgo que continuei a não ficar minimamente esclarecido em relação ao alcance das mesmas e, nomeadamente, no que concerne à necessidade de fazer múltiplas distinções de regime dos direitos, liberdades e garantias. Não vejo alcance prático ou teórico nessas distinções.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, embora julgue que ainda há alguns Srs. Deputados inscritos para usar da palavra, penso que talvez a tentativa de clarificação destas questões possa ser feita de imediato, mas não sei se há alguma objecção por parte daqueles Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. E suponho que o Sr. Deputado Almeida Santos, que não está presente, não colocará objecções.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que não há contradição, mas sim, evidentemente, diferenciação, na nossa proposta. E parece-nos que se trata de uma diferenciação vantajosa, porque da amálgama total resultará muitas vezes a desprotecção total, se não se estabelecer uma regra geral, que é a do n.° 1, operando-se depois duas diferenciações. Numa dessas diferenciações estabelece-se que, quanto aos actos jurisdicionais e legislativos, a responsabilidade existe apenas quando do exercício das respectivas funções resultar violação particularmente grave dos direitos, liberdades e garantias. Esta é a primeira diferenciação que deve existir, sob pena de haver uma verdadeira enxurrada quanto às consequências. Quanto às acções dos titulares de cargos políticos nas diversas esferas - e, como sabe, isso não tem a ver apenas com o parlamento, abrangendo todas as outras categorias de titulares de cargos políticos, que muitos são -, faz-se uma qualificação e uma limitação em função do tipo de realidade em relação à qual a lesão se opera, sob pena, também aqui, de, a partir de um todo, se caminhar para um nada, pela enormidade das consequências da solução que seria instituída e da interpretação que seria feita.

Trata-se, portanto, de uma diferenciação clarificadora, que me parece extremamente necessária, até por causa das interrogações que se podem suscitar, do teor daquelas que o Sr. Deputado, qualquer que seja a sua prespectiva da interpretação do artigo 22.° e do mais que ao caso caiba, suscitou neste debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, lamento ter perdido o contributo esclarecedor de anteriores intervenções, na medida em que só ouvi a ponta final do debate. E confesso que, se existe matéria em que precisasse de ser esclarecido, era esta. Tenho mesmo a convicção de que é veleidade nossa querermos tomar uma posição em debate oral sem uma profunda reflexão no silêncio do gabinete de cada um de nós, sem nenhuma mosca a zumbir à nossa volta, na medida em que se trata de uma matéria terrivelmente difícil. Soube sempre que o era, mas apercebi-me, fundamentalmente, disso quando andei à volta do projecto relativo aos crimes de responsabilidade dos titulares de cargo políticos, que, como sabem, é exclusivamente da minha autoria. Tive esse atrevimento e paguei-o caro.

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Na altura apercebi-me de que os três artigos da Constituição que contendem com este problema, ou sejam, os artigos 22.°, 120.° e 271.°, são preceitos de muito difícil conciliação e muito imperfeita redacção e tecnicamente muito defeituosos.

Assim sendo, percebo bem que o PCP tenha sentido alguma necessidade de contribuir para endireitar esta vara torta. Não creio, porém, que o tenha feito de forma muito feliz. Eu, que acho que foi bom ter sido chamada a atenção para esta facto e que existem aqui contributos sobre os quais há que reflectir, fico, depois de ler a proposta do PCP, ainda um pouco mais confuso - o Sr. Deputado José Magalhães perdoar-me-á, mas a verdade é que fico ainda mais confuso.

Em primeiro lugar, ouvi aqui referir a expressão "interesses legalmente protegidos dos cidadãos", que é uma expressão constante do artigo 271.°, mas que não se encontra no artigo 22.° É já a Constituição que tem as duas expressões, ou seja, "prejuízo para outrem" e "violação dos interesses legalmente protegidos", o que constitui um primeiro problema.

Em segundo lugar, é evidente que a responsabilidade a que se refere o artigo 22.° - e penso que o Sr. Deputado Jorge Lacão chamou a atenção para isto - só pode ser a responsabilidade civil. No n.° 3 proposto pelo PCP diz-se - certamente por defeito de redacção, pois não tenho a menor dúvida de que o que se quer significar é isto mesmo - que "o Estado responde solidariamente com os titulares dos cargos políticos pelos crimes de responsabilidade". Ora, o Estado não responde pelos crimes; pode, quando muito, responder peias consequências dos crimes ou pelos prejuízos que os actos criminosos puderem causar a alguém, mas nunca pelos crimes de responsabilidade. Que eu saiba, não há solidariedade em crime, salvo no caso de co-autoria, etc., o que não é o caso.

Por outro lado, no que se refere à violação de direitos ou de interesses, seria mais correcto dizer-se, não "violação de interesses", que não é correcto, mas "lesão de interesses". E tudo isto são perplexidades.

Por outro lado, reparem que no artigo 22.° se diz "acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício". Esta expressão "e por causa desse exercício" não figura no artigo 120.°, o que constitui outra perplexidade. Por que é que num artigo se exige não apenas que a acção ou omissão seja praticada no exercício das funções, mas também por causa dele, e no outro se abandona a "causa"? É nitidamente uma deficiência técnica, pois não há aqui uma diferenciação consciente. Não tenho a menor dúvida a esse respeito.

Também quanto ao artigo 22.°, penso que, quer na parte não coberta pelas imunidades parlamentares, quer na parte não coberta pela irresponsabilidade dos magistrados, já se inclui a solidariedade do Govêrno para com todos os titulares de cargos políticos, porque é evidente que eles são titulares dos seus órgãos. Podem não estar aqui todos os titulares dos cargos políticos, tal como nós os definimos na lei da responsabilidade desses titulares, mas fizemos uma qualificação, que foi aquela, mas que poderia ter sido outra. De facto, a Constituição não diz o que é um titular de cargo político nem define cargo político. Sabemos, porém, o que são os órgãos do Estado, os seus funcionários e os seus agentes. O que é que fica fora disto? Os deputados certamente não ficam, porque são titulares de um órgão, e os juizes também não, na medida em que ou são titulares de um órgão, ou agentes do Estado, ou funcionários. Mas já não sei se o governador civil é titular de um órgão ou ele próprio um órgão; se os membros, os vogais e os presidentes das câmaras municipais e os membros da Alta Autoridade o são, se tudo o que nós classificámos como titulares de cargos políticos não cabe aqui. Então, na medida em que a letra do artigo 22.° não cubra todos os titulares de cargos políticos, como entendemos que deveria cobrir, aí, sim, se justificaria algum acrescento ou mesmo algum artigo que definisse o que é um titular político. Mas tenhamos atenção a isso, porque redigidos os n.ºs 2 e 3 do artigo 22.° com esta extensão, fica uma colisão entre a irresponsabilidade dos juizes, a imunidade parlamentar dos deputados e a responsabilidade civil, quando é preciso evitar essas colisões.

Por outro lado, fala-se aqui em acções ou omissões, o que já era referido no texto do artigo 22.° A expressão "acções ou omissões" já é muito mais vasta, abrangendo os crimes que, como é óbvio, se cometem por acção ou por omissão. Portanto, já cá se encontrava o crime, se se entender que cá se deva encontrar. E isto constitui uma matéria de interpretação, se se entender que não precisa de uma clarificação.

Tudo isto para dizer que considero também um pouco arriscado e não vejo bem na prática como configurar a hipótese concreta de uma função legislativa que possa fazer incorrer em responsabilidade, quer o legislador, quer o Estado. Pediria ao Sr. Deputado José Magalhães que me referisse um caso concreto, que neste momento tenha em mente, em que um indivíduo, através de uma acto legislativo, possa lesar alguém em termos de ser responsabilizado por isso, se queremos que continue a ser irresponsável pelas suas opiniões e pelos seus votos, se queremos que continue a ser verdade que o Govêrno não é responsabilizado nem pelas suas opiniões nem pelos seus actos. É essa outra das incoerências da Constituição, dado que o Govêrno é tão legislador como o parlamento. De qualquer modo, a Constituição não o imuniza ao mesmo nível, já que, pelo menos pelas opiniões e pelos votos, não diz que ele é irresponsável.

Quanto à própria função jurisdicional, pergunto: a que fica reduzida a responsabilidade dos juizes se lhes imputarmos uma responsabilidade civil por terem julgado "assim" ou "assado"? Como é que se avalia se um juiz julgou mal, processual ou substancialmente mal, ou se deveria ter respeitado um direito e não respeitou? Como é que isto se configura na prática? Tenho perante este problema uma grande apreensão, porque acho que existe não só uma grande confusão nesta matéria, mas também um grande sentido da dificuldade que ela envolve.

Assim sendo, penso que devemos reflectir sobre isto, sobre que apports positivos trazem as propostas do PCP. Admito que tragam alguns e não tragam outros, mas trarão muito menos do que se julga, porque os n.ºs 2 e 3 propostos pelo PCP cabem muito mais nos actuais artigos 22.°, 120.° e 271.° do que parece. A minha posição quanto a esta questão é de grande humildade, e pediria que me acompanhassem nisto, pois não vale a pena julgarmos que podemos ter certezas fáceis e dialogais, já que nesta sede e neste domínio essas certezas não são fáceis.

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O Sr. Presidente: - Penso, um pouco como aconteceu quando discutimos o problema do acesso ao direito e da acção constitucional de defesa, que estamos perante matérias complexas em que existem problemas na redacção actual da Constituição. Porém, inovar não é fácil nem seguro. Existem, todavia, três pontos que podem ser enunciados como questões que vale a pena aprofundar.

A primeira questão é a do âmbito do artigo 22.°, no sentido de saber se este preceito se aplica também às funções legislativa e jurisdicional e em que termos, visto não ser claro - nem essa é uma interpretação unânime - que o actual artigo 22.° contenha também na sua previsão a função jurisdicional e a função legislativa.

Uma outra questão importante é a do problema da violação ou da lesão (como queiram) dos direitos, liberdades e garantias, no sentido de saber se aquela se deve estender aos "interesses legalmente protegidos", já que isso constitui um alargamento - digamos assim - do campo dos bens sujeitos à tutela jurídica consignada para este efeito.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já está no artigo 271.°

O Sr. Presidente: - Mas não está aqui, Sr. Deputado.

A terceira questão é a de que tal violação não é idêntica, pois, se uma coisa é olhar pelo lado das situações objectivas juridicamente tuteladas que são objecto da lesão ou violação, outra é olhar pelo lado do dano e saber se se acrescenta ou se substitui o problema do prejuízo para outrem.

Coloca-se também uma questão, que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu muito pertinentemente, que é a de no artigo 22.° se falar - trata-se de uma expressão utilizada habitualmente em matéria de responsabilidade da Administração - em "no exercício das suas funções e por causa desse exercício". É que há preceitos da Constituição em que isso não é referido, embora não se perceba por que razão. É, porém, evidente que estas matérias devem ser objecto de ponderação.

Uma outra questão importante é a da referência à "violação particularmente grave". O Sr. Deputado José Magalhães esclareceu que o pensamento do PCP se relacionava com o dano, mas, se ponderarmos questões como as class actions, poderemos perguntar se não devemos muito mais atender a que as class actions podem ter consequências danosas gravíssimas do que a apurar consequências desse tipo em relação a uma multiplicidade de pessoas e patrimónios que podem ser prejudicados.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não sei o que isso significa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - No fundo, quando estão em jogo interesses que não são individualizados em determinadas pessoas - é o caso típico da central nuclear que se pretende construir numa determinada zona - ou quando há uma pluralidade de interesses idênticos, pode admitir-se, por questões de simplificação processual e alargamento da tutela, que uma entidade constituída como pessoa colectiva ou até como entidade de facto represente esse conjunto de interesses e de pessoas. Mas uma decisão nessa matéria, se for uma decisão errada e que, portanto, preencha os referidos pressupostos, pode ter consequências, e não tanto em termos de erro, que pode ser um erro relativamente reduzido. Ou seja, a culpa do juiz por exemplo, pode ser relativamente reduzida, mas as consequências do seu acto podem ser muito graves. Não é, portanto, indiferente que privilegiemos as consequências danosas ou que a nossa atenção se focalize no problema do grau de dislate cometido pela juiz. É por isso que, para a minha sensibilidade jurídica, me parece mais grave um juiz cometer uma falta com culpa grave, significando isso uma grande e pouco desculpável violação do seu dever de diligência, do que o mesmo juiz cometer uma falta ligeira, ao passo que o problema da consequência danosa já é, normalmente, algo que não está necessariamente ligado a este problema, embora possa ter algumas conexões com ele.

Em todo o caso, penso que, embora outras questões de índole dogmática, mais ou menos complexa, se possam suscitar, será preferível deixarmos esta questão pro memoria. De resto, iremos ter ocasião de nos defrontarmos com estes problemas, quer a propósito do artigo i20.°, quer do artigo 221.°, quer ainda do artigo 271.°, altura em que poderemos voltar a discutir a questão. Aliás, ainda não estamos a arrumar definitivamente as questões, muito embora gostasse de chamar a atenção para o facto de, dada a lentidão com que estamos a marchar, estas matérias estarem a ser objecto de uma ponderação muitíssimo detalhada. Não me refiro a esta, que, pela sua natureza, envolve discussões delicadas, mas a outras, sobre as quais gastámos um tempo que, naturalmente, implicará que depois já seja fácil passar por isto e votar sem mais atrasos.

Se estivessem de acordo, a minha sugestão, atendendo a que é difícil, neste caso, irmos neste momento mais além, é a de passarmos à análise do artigo 23.°, que diz respeito ao Provedor de Justiça.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, se bem entendi, haverá uma ulterior apreciação conjunta dos artigos 22.°, 120.° e 271.°, o que acho bem.

O Sr. Presidente: - Sim, dos artigos 120.°, 221.°, 271.° e eventualmente um ou outro que venha a talhe de foice e tenha conexão com esta matéria. Mas estes são os mais importantes.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Esta discussão foi extremamente interessante, mas permito-me dar um contributo pessoalíssimo relativamente a esta questão.

Nunca tinha admitido, até hoje, que os juizes pudessem ser considerados como civilmente responsáveis. Sou, obviamente, contra a responsabilidade civil dos juizes. Quanto á criminal...

O Sr. Presidente: - É mais difícil ser contra a criminal, já que ela existe, dentro de determinadas condições, não é assim?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas sou contra a responsabilidade civil e, consequentemente, penso que este assunto poderia ser também ponderado. Obvia-

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mente que acho certa a responsabilidade civil do Estado por acções jurisdicionais, mas já a responsabilidade civil dos juizes me parece errada. Deveria, pois, haver uma disposição clara no sentido de exceptuar os juizes das entidades públicas responsáveis. Penso, porém, que isso poderá ficar para ulterior discussão ou apreciação.

O Sr. Presidente: - Mas essa disposição existe. Se o Sr. Deputado verificar, o texto do n.° 2 do artigo 221.° diz que "os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei". Essa irresponsabilidade existe, mas é evidente que pode haver casos em que o grau de culpabilidade seja de tal modo nítido e grave que, mesmo de jure condendo, não me parece sustentável essa não responsabilização. Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães fez há pouco referência à discussão havida em Itália sobre esta matéria, que foi uma discussão candente e extremamente viva, durante a qual - é óbvio - os sindicatos dos magistrados se opuseram veementemente a que certo tipo de responsabilidades fosse consignado.

Esta é, porém, uma matéria que vamos deixar em aberto, para a retomarmos na altura oportuna, já que iremos ter ocasião de nos defrontarmos com ela em várias partes da Constituição. Neste momento não podemos fazer mais do que dizer que os problemas foram suscitados e que não é possível resolvê-los já, mas que vale a pena fazermos uma reflexão sobre eles, quer no interior de cada grupo parlamentar, quer por parte de cada um de nós isoladamente, para que na altura em que este problema voltar a ser suscitado possamos, em função dessa reflexão, avançar algo mais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, o que pretendi foi apenas suscitar a dúvida nesse sentido, ou seja no de saber se se deve ou não precisar a excepção dos juizes relativamente à responsabilidade civil. Eu entendo que isso se deveria precisar.

O Sr. Presidente: - Mas neste momento isso está precisado de uma maneira claríssima no n.° 2 do artigo 221.°

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Está, mas de um modo muito restrito.

O Sr. Presidente: - E é ao legislador ordinário que compete consignar as excepções.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, esta observação do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia parece-me ter uma razão de grande sensibilidade. E gostaria de explicar aqui o que me parece resultar claro do artigo 22.°, que tornará eventualmente esta formulação menos chocante para o Sr. Deputado do que à partida lhe poderá ocorrer. É que, na medida em que se regulam, no artigo 22.°, acções ou omissões praticadas no exercício das funções legislativa e jurisdicional e por causa dela a responsabilização é sempre uma responsabilização por virtude daquilo a que, segundo creio, a doutrina francesa chama "culpa de serviço". Consequentemente, nunca será a chamada "culpa pessoal" que estará aqui a ser criticada pelo direito e à qual é imputada essa responsabilidade, ideia esta que dilui um pouco o nosso temor por esse atingir claro da pessoa do juiz.

Não sei se era isso o que o Sr. Deputado pretendia dizer, mas parece-me haver aqui desnecessidade de grande preocupação, na medida em que só pode ser a culpa de serviço o que aqui está em causa.

O Sr. Presidente: - Sim, mas o problema é o de saber se há ou não direito de regresso e responsabilidade solidária ou não.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, os mecanismos de responsabilidade são exactamente os mesmos, como se se tratasse de uma culpa pessoal. A razão filosófica por que se há-de imputar às pessoas a responsabilidade é que acaba por se diluir um pouco na culpa de serviço.

O Sr. Presidente: - De acordo, mas a questão que se coloca em matéria de responsabilidade dos juizes é a de saber se, para além da responsabilidade do Estado, que é a tal faute de service, que há pouco referiu, da doutrina administrativista francesa, também existe uma responsabilidade do magistrado em concreto, como do funcionário, que pode, portanto, justificar, inclusivamente, o direito de regresso do Estado sobre o magistrado ou o accionamento directo - porque há várias modalidades possíveis - do prejudicado em relação ao magistrado, tendo este a possibilidade de chamar à demanda o Estado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, a necessidade de recorrer à doutrina, designadamente estrangeira, seja ela a francesa ou outra, adensa no meu espírito a ideia do perigo desta norma. Se é necessário recorrer a pressupostos que são certamente contestáveis do ponto de vista da interpretação - porque, sendo doutrina, não são, portanto, legais, dado que são de ciência jurídica -, afigura-se-me que isso nos deve aconselhar a pensar rigorosamente sobre se queremos ou não permitir, estabelecer ou proibir a responsabilidade dos juizes. Que se possa não proibir, admito; que se possa estabelecer, acho mal.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, vamos tentar ser claros para aqueles que não têm formação jurídica, mas que têm todo o direito de exprimir as suas dúvidas.

A situação é esta: no caso dos tribunais, como no caso do exercício de uma qualquer função em que há um órgão ou uma entidade que exerce um determinado cargo, o problema que se coloca é o de haver uma responsabilidade da entidade a favor de quem o serviço é prestado e em seu nome. Neste caso, a função judicial é exercida pelo Estado. Trata-se de um certo tipo de responsabilidade, sendo nesse âmbito que se colocam os problemas de faute de service, etc., que, aliás, estão nacionalizados na doutrina portuguesa, não sendo, portanto, necessário recorrer directamente à doutrina francesa.

Há, porém, uma outra questão a colocar, que é a seguinte: como o Estado é uma pessoa colectiva, ele não tem existência física, pelo que é necessário saber

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162 II SÉRIE - NÚMERO 7-RC

como é que, do ponto de vista psicológico, as coisas ocorreram com a pessoa que exerceu concretamente as funções em nome do Estado, ou seja se essa pessoa propriamente dita é também responsável. Ora, o artigo 221.°, quando diz que "os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei", não está a pensar na função judicial nem no Estado, mas nos magistrados em concreto que exercem essas funções. Assim, o problema que se coloca é o de saber se eles são, e em que medida, responsáveis.

No entanto, há uma solução para isto, que é o n.° 2 do artigo 221.°, e poderia haver uma outra, que é aquela que consta do n.° 2 do artigo 22.° da proposta do PCP. É por essa razão que se fala aqui no problema da responsabilidade solidária. Esta expressão "responsabilidade solidária" significa que quem é prejudicado pode, independentemente de outros meios, dirigir-se contra o Estado ou, no caso da função judicial, contra o magistrado pedindo uma indemnização. Ulteriormente, há uma outra hipótese, pois o Estado tem aquilo a que se chama tecnicamente direito de regresso, ou seja, pede e Estado, depois de ter pago, actuar contra o magistrado para se recobrar daquilo que pagou, se o magistrado tiver tido responsabilidade.

Este é um esquema relativamente simples, mas depois as coisas complicam-se. Quero apenas que VV. Exas. entendam o que estamos a discutir. Assim, o problema que se colocará quando discutirmos o artigo 221.°, como, aliás, se colocará antes, aquando da discussão do artigo 120.°, a propósito dos crimes de responsabilidade, e do artigo 271.°, quanto aos funcionários, é o de saber as circunstâncias em que o Estado é responsável e em que há uma acção que lhe é imputável, havendo depois a suscitar um problema de responsabilidade que tem um certo conjunto de pressupostos. Colocar-se-á também a questão concreta de saber em que termos o funcionário, o magistrado ou o titular de um cargo político, como é o caso do governador civil, são responsabilizados. E aqui vêm a propósito os problemas que o Sr. Deputado Almeida Santos há pouco colocou acerca de certas entidades que não se sabe bem se exercem ou não funções políticas.

No entanto, penso que neste momento não poderemos ir muito mais além, mas que seria importante clarificar este problema, sendo certo que, por vezes, nos empenhamos em tecnicismos jurídicos exagerados. Ora, a revisão constitucional não é exclusivamente uma questão para juristas. Daí eu ter-me permitido esta explanação, que, provavelmente, maçou os juristas conhecedores destas matérias, mas que gostaria que fosse útil para quem tem todo o direito de compreender o que é que está em discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, efectivamente apreendi muito bem a exposição de V. Exa., mas, sem ter reflectido em termos técnicos, tinha já a intuição de que era assim. Sou é contra a ideia de que os juizes sejam pessoalmente responsáveis.

O Sr. Presidente: - Também já tínhamos percebido isso, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - É claro que nunca me passaria pela cabeça ir responsabilizar um juiz que desse uma sentença por peita, suborno ou corrupção. Isso está fora de causa e não precisamos de que a Constituição o diga, pois nesse caso o juiz não estaria a actuar como tal, mas como criminoso.

No entanto, quero apenas lembrar - e creio que todos concordam com isso - que as constituições existentes a nível internacional são, de um modo geral, muito lacónicas nesta matéria, o que não acontece por acaso, mas sim porque os respectivos legisladores têm também as mesmas dificuldades que nós temos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a propósito da questão do laconismo, gostaria de dizer que o importante está em se saber a exacta medida em que esse mesmo laconismo não se transforma em pecado a partir do momento em que as dificuldades enunciadas são do tomo das que agora avultaram. E só por isso a discussão teria, naturalmente, valido a pena.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença, de que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quando se aborda o laconismo como uma razão fundamentada, só se vê que se acertou quando se pretende sair dela. Não se esqueça disso, Sr. Deputado.

O Orador: - Foi precisamente por termos tido essa dificuldade que apresentámos esta proposta, que originou o que acaba de originar.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quod erat demonstrandum!

O Orador: - Em todo o caso, Sr. Presidente, saio deste debate com uma impressão que não gostaria de deixar de registar.

É que julgo ser necessária uma clarificação, ou seja, um quantum de precisão, que seria absolutamente imperdoável não fosse operado, averbadas que estão as dúvidas que ficaram por todas as bancadas, incluindo as relativas a algumas questões que parecem não imediatas nem de impacte relevante no fluir do funcionamento das nossas deduções, mas que podem vir a sê-lo. E não me refiro a distinções, algumas de certo melindre técnico-jurídico, mas de uma certa simplicidade, como a da responsabilidade do Estado e do direito de regresso que este tem em relação aos seus servidores, qualquer que seja o seu estatuto. Refiro-me, sim, a uma outra questão que avultou aqui, que é a seguinte: a Constituição no artigo 22.°, fala da responsabilidade por toda a espécie de actos, incluindo também os lícitos, ou seja, admite também a existência de responsabilidade pelo risco. Ora, se se admite que no universo dos abrangidos estão os actos jurisdicionais e legislativos e se, como é verdadeiro, a responsabilidade existe também por actos lícitos, as consequências disso seriam totalmente desmedidas, e suponho que não estão na cabeça de ninguém. Isto é: quando se cogitar

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sobre a questão da responsabilidade do Estado por actos jurisdicionais ou legislativos, dada a amplitude do que se entende por "responsabilidade", ter-se-á de ser muito preciso na definição de que situações é que são abrangidas. E daí a nossa preocupação de que fossem abrangidas aquelas de especial gravidade, qualquer que seja, naturalmente, a debilidade de uma cláusula deste tipo.

Não é por acaso que a doutrina tem vindo a entender que se exige um dano especial e grave qualificado por estes dois elementos. Mas, se são os mais diversos os danos decorrentes do facto de as opções do legislador e as sentenças serem umas e não outras, direi que "a vida é dura, mas é a vida". Isso faz parte de fenómenos que a sociologia nos explicará, mas parece que não pode implicar a responsabilidade - e seríamos um Estado verdadeiramente original se o fizéssemos. Consequentemente, esta é uma primeira clarificação absolutamente imprescindível.

Por outro lado, o Sr. Deputado Almeida Santos introduziu, para além de todas as questões que são naturalmente relevantes, uma questão extremamente importante, que é a de saber, quanto à questão da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, o que é que se entende pelo próprio conceito, que se agiganta, usa e repete, de "titular de cargos políticos", sendo certo que a legislação ordinária, desse ponto de vista, chegou ao ponto de introduzir em titulares de cargos políticos certos juizes e não outros, opção curiosíssima que origina, naturalmente, grandes dificuldades.

Finalmente, em relação à celebrada questão dos juizes, gostaria de dizer que esse é um aspecto em relação ao qual a proposta do PCP não adianta coisa nenhuma, como o procurei e pude demonstrar, aliás sem grande felicidade. E as interrogações do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia podem ter a sua justificação, porque é evidente que, se a Constituição, no n.° 2 do artigo 221.°, é perfeitamente circunspecta e lacónica, já a margem do legislador ordinário é imensa, não havendo nenhuma limitação. Ou seja: a Constituição estabelece um princípio geral e a seguir, com uma vírgula, estabelece também a possibilidade de excepções, que não estão delimitadas, pois refere "salvas as excepções consignadas na lei", a não ser, naturalmente, os princípios que decorram do disposto no n.° 1 do artigo 221.°, etc. Esta responsabilização não pode ser tal que a excepção conduza à liquidação pura e simples daquilo que é a garantia fundamental da independência do juiz, abrindo-se uma cláusula que o legislador ordinário poderia aproveitar num sentido muitíssimo mais ambicioso do que aquele que acabou, por exemplo, por ser objecto de grande polémica em Itália. Isso não aconteceu entre nós e não vou, naturalmente, reeditar esse debate. No entanto, sublinharia que teremos de regressar a esse debate, na pausa de reflexão que agora se cria, e retomá-lo inteiramente para chegarmos a uma conclusão que possa eventualmente ter uma projecção mínima em sede constitucional. Nesse sentido, as interrogações do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia são inteiramente pertinentes, são, provavelmente, como ponto de chegada - porque uma fórmula como aquela que adiantou poderia ser excessiva -, mas como preocupação que nos leve a reponderar as soluções legalmente consagradas e a própria ratio legis, a fim de chegarmos a uma solução constitucional razoável.

Assim, Sr. Presidente, estamos completamente disponíveis para esse "trabalho de casa", mas também aqui consideramos que alguma caminhada resultará da consideração integrada dos dispositivos legais que foram citados e que dispensam referências repetidas e, mais do que isso, de uma reconsideração da própria lei dos crimes de responsabilidade e daquilo que é o regime legal da efectivação de responsabilidades pela prática de actos juridiscionais em determinadas condições, regime esse que, ele próprio, tem alguns defeitos em termos de lei ordinária muito assinaláveis, os quais, infelizmente, não conduzem entre nós a grande polémica e grande debate, mas são, em nosso entender, de alguma gravidade.

Gostaria ainda de me defender de uma acusação que nos foi feita quanto a uma questão básica. É evidente que quando se fala da responsabilidade dos titulares de cargos políticos pelos crimes de responsabilidade se está a pensar naquela parte em que os ditos titulares possam ser objecto de alguma solidariedade do Estado. Seguramente, por enquanto, a cadeia não é partilhável com o Estado, pelo que não estávamos a pensar nisso, embora, naturalmente, a expressão possa ser corrigida. Sabemos também que alguma das sanções existentes no nosso direito criminal atingem duramente a fazenda dos ditos cujos prevaricadores - e como todos terão compreendido, era seguramente mais nisso que pensávamos, embora talvez possamos ter merecido a zurzidela aplicada. No entanto, creio que valeu a pena termos arriscado para podermos ter travado o debate que aqui teve lugar.

Sr. Presidente gostaria de o alertar para o facto de termos de fazer votações. Consequentemente, o debate do artigo seguinte poderia talvez ter lugar, com frescura, à hora que V. Exa. indicar amanhã.

O Sr. Presidente: - Com frescura sem dúvida, mas ligeiramente tardio em relação ao calendário previsto. Efectivamente, parece-me difícil esgotarmos num quarto de hora a matéria da Provedoria de Justiça, tanto mais que, para além do Provedor de Justiça, temos também um promotor ecológico.

Retomaríamos então as nossas actividades amanhã, às 10 horas, prosseguindo - não direi non stop, porque haverá uma interrupção simpática para o almoço - até à hora vespertina conveniente.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 6 de Abril de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD)
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Álvaro Pacheco Pereira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PCP).
António Marques Júnior (PRD).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (PEV).

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