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Quarta-feira, 1 de Junho de 1988 II Série - Número 14-RC

DIÁRIO da Assembleia da Republica1

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 12

Reunião do dia 5 de Maio de 1988

SUMÁRIO

Deu-se continuação à discussão do 4.° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 37.° a 47.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Macheie, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Nogueira de Brito (CDS), Herculano Pombo (PEV), Almeida Santos (PS), Sottomayor Cárdia (PS), Costa Andrade (PSD), Maria da Assunção Esteves (PSD), Carlos Encarnação (PSD), Jorge Lacão (PS), Miguel Macedo e Silva (PSD), José Luís Ramos (PSD), Raul de Castro (ID), Mário Maciel (PSD), Vera Jardim (PS) e Cardoso Ferreira (PSD).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, queria começar por registar que, às 10 horas prefixas, tínhamos um quorum relativamente reduzido, estando apenas dois Srs. Deputados na Sala. Meia hora depois estavam mais alguns e agora estão os necessários para recomeçarmos os nossos trabalhos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Incluindo o PCP.

O Sr. Presidente: - Incluindo o PCP, meia hora depois.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PCP estava presente, mais exactamente, às 10 horas e 19 minutos.

O Sr. Presidente: - Mas, às 10 horas prefixas, estavam presentes apenas dois deputados.

Uma voz: - Está a gravar?

O Sr. Presidente: - Estou a gravar porque entendo que convém que isto fique registado para eleitos futuros. É que, como as penas, espera-se que tenha efeitos dissuasores!

O Sr. António Vitorino (PS): - Ainda não chegámos ao relógio de ponto!

O Sr. Presidente: - Ainda não chegámos, mas estou, justamente, a fazer um apelo às consciências dos destinatários, não do "ponto", mas das minhas palavras. Vamos então retomar a análise do artigo 38.º

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate ontem realizado, encaminhou-se para o indiciamento de algumas conclusões, mas creio que elas estarão muito distantes daquilo que foi enunciado pela bancada do PSD. Isto é, travámos um debate sobre o êxito e o inêxito do processo de aplicação do modelo de áudio-visuais configurado constitucionalmente, fizemos uma reflexão sobre os seus fundamentos, sobre os desvios na sua aplicação e sobre o sentido e a actualidade daquilo que são os fundamentos dos imperativos constitucionais nesta área. Tornou-se clara, quanto a mim, a existência de grandes diferenças de pontos de vista, não no sentido apontado pelo PSD, mas precisamente no sentido contrário. Isto é, o próprio PSD admite a importância e o mérito da existência do sector público de comunicação social, dado o seu impacte, embora lenha exibido aqui uma óptica daquilo a que se chamou minimal state e tenha refutado uma perspectiva que considerou "intervencionista".

Verificámos que o sector público em que o PSD pensa e um sector público mínimo e amputado da componente jornalística, o que, desde logo, implica uma alteração radical - e indesejável, em nossa opinião - em relação ao modelo constitucional. Neste ponto, não me parece que se tenha caminhado para um consenso maioritário, no sentido de viabilizar uma alteração deste modelo, mas, pelo contrário, uma vez que a afirmação básica e o agrupamento supremo do PSD e o de que deveríamos caminhar para um outro modelo devido à "falência" deste. No entanto, não se demonstra que a causa da "falência" seja aquela apontada: demonstra-se, antes, mais afoitamente, que é, na prática e na viciação - premeditada, de resto - das regras do jogo, na frustração dos mecanismos de controle interno e externo, inclusivamente na denegação dos direitos dos jornalistas, na manipulação sistematizada e controlada e no estabelecimento de cadeias de controle que partem do poder político e que chegam aos próprios jornalistas, que tem estado a causa dos desvios à aplicação do modelo constitucional no que diz respeito ao sector público. E o PSD adianta ainda um outro pressuposto, qual seja o de que o modelo que propõe - o modelo de desmantelamento do sector público - seria um modelo com virtualidades excelentes, embora admita que, numa sociedade consensual, isso funcionaria melhor.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, não estamos numa "sociedade consensual" no sentido que é apontado. Pelo contrário, estamos numa sociedade em que um partido que alcançou uma maioria conjuntural no dia 19 de Julho pretende não só mante-la, como estabilizá-la num sentido perverso, isto é, defendê-la de flutuações da opinião pública e da vontade do eleitorado. Isso faz com que, na sociedade portuguesa, esteja configurado um problema político da maior gravidade, que tem expressão, no que diz respeito à questão dos áudio-visuais, numa vontade de supressão dos mecanismos de controle e de construção de um sistema em que o funcionamento do mecanismo de mercado poderia originar formas novas de controle da opinião pública, a somar aos mecanismos públicos de que o Govêrno dispõe e de que não pretende abdicar - a sua posição em relação à questão da televisão.

Não estando nós a pensar num modelo para uma "sociedade consensual" e sim numa solução adequada a uma sociedade em que as divisões e as clivagens de carácter político, social e económico são patentes e levaram a uma ruptura revolucionária em 1974, não devemos esquecer que essa ruptura se projectou num compromisso constitucional com contornos gerais e com afloramentos parciais em relação às traves mestras da Constituição, incluindo quanto à comunicação social. Entendemos que a alteração dessa trave mestra relativa ao regime dos áudio-visuais seria evidentemente pejada de consequências. Obviamente, o PSD aposta e deseja isso. No entanto, não me parece que se caminhe para a possibilidade de um trabalho produtivo e para um consenso útil se o PSD mantiver alguns dos pressupostos que aqui enunciou e outros que se recusa a admitir frontal mente, o que me parece pior ainda.

O primeiro pressuposto é o de que não e possível desligar aquilo que se passa no campo da revisão constitucional daquilo que se está a passar em relação à definição das regras de enquadramento do sector. Isto é, as actividades, nesta área da comunicação social, estão a ser objecto de reenquadramento, e esse reenquadramento está a ser feito pela e na Assembleia da República, mas também no âmbito governamental, através de medidas de vários tipos. Ora, o PSD cinde um processo do outro e arroga-se o direito de penetrar por lodo o campo, desmantelando-o inclusivamente, relativo à componente jornalística do sector público de comunicação social e de cosias voltadas para as grandes opções a traçar na revisão constitucional. Este é um primeiro aspecto em que não me parece existir um caminho para qualquer debate sério, produtivo e com a famosa bona fides aqui elogiada excessivamente em palavras.

Por outro lado, o PSD está indisponível para considerar o que é ou não estruturante, questão colocada ontem pelo Sr. Deputado António Vitorino com cópia de explicitações. Ora, se o PSD considera que não são elementos estruturamos do regime aqueles que dizem respeito a uma

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questão ião fulcral como a da opinião pública, cuja importância dispensa encarecimentos e cujas projecções, depois, na composição dos órgãos do poder, no funcionamento do sistema político, nas mutações de carácter democrático que se possam imprimir na sociedade, são evidentes; se o PSD considera não serem questões estruturantes as relacionadas - também o sabemos - com as privalizações, resolvendo avançar de acordo com a maioria que tem; se o PSD não considera que a Lei Eleitoral e um elemento estruturante, resolvendo avançar com medidas, agora no domínio do recenseamento eleitoral, daqui a pouco em relação à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, depois em relação ao Código Eleitoral, que considera um segredo guardado e apenas transmitido a alguns (o que é, já em si, uma negação do que seja um código eleitoral); se a isto pretende somar operações eleitorais nas regiões autónomas para eternizar a sua maioria, deixa-nos clara uma indisponibilidade para discutir, mas, naturalmente, uma grande preocupação em se eternizar também por esta via e disso não podemos senão dissociar-nos.

O PSD mostra-se ainda indisponível para considerar propostas que, neste momento, se oponham em concreto ao desmantelamento do sector público, à garantia plena do direito de antena, do direito de replica política e do direito de resposta, que são partes integrantes de um sistema constitucional nesta esfera e que são importantes garantias dos meios de acção política, do pluralismo de opinião, do pluralismo de intervenção política e de todos os elementos estruturamos do nosso regime democrático nesta área específica. Mais ainda: alguns destes direitos foram introduzidos na revisão constitucional de 1982. É facto que em 1982 se aperfeiçoou, burilou e aditou o regime constitucional respeitante a alguns destes elementos. Pois bem, em 1988, o PSD declara-se indisponível para considerar a introdução de aperfeiçoamentos e até de meras reestruturações nesta área. Não me parece por isso que o clima do "menos ambição, mais prudência, logo mais resultados", esteja estabelecido da parte do PSD.

Além disso, o PSD mostra-se ainda indisponível - e esta e a terceira questão relativa às propostas do PS - para a definição de um estatuto da informação. Devo dizer que consideramos secundária a questão do nome porque é indiferente se se engloba num único diploma todos os princípios estruturantes da comunicação social, se o nome é o de "estatuto da informação" ou outro qualquer, se se pode ir para a pluralidade de diplomas em vez de ir para a conjugação de um diploma único, cie. Mas, se o PSD estabelece este verdadeiro anel de ferro, traduzido em afirmar primeiro que "a Constituição não deve ser demasiado regulamentar, logo não se lhe densifique o conteúdo, nem se lhe introduzam novas regras" para, num segundo passo, declarar: "nem pensem em consagrar, por uma maioria que não seja a nossa (a do PSD), quaisquer alterações em relação aos terrenos da lei ordinária" - então, Sr. Presidente, Srs. Deputados, está gerada uma situação verdadeiramente inextricável. O PSD apenas se encontra disponível para considerar a amputação sistemática, tonsurada e aprofundada da Constituição, considerando-se inteiramente indisponível para considerar próteses sequer na lei ordinária e, menos ainda, para considerar uma lei ordinária com valor reforçado, paraconstitucional ou com a designação que se queira entender.

Em quarto lugar, na sociedade portuguesa, uma alteração como a que o PSD pretende introduzir, no quadro de um projecto de concentração de poder, seria evidentemente um golpe profundo e não apenas de liberdade de expressão. E nesse aspecto eu insisto: não apenas de liberdade de expressão...

Creio que podemos e devemos configurar qual deva ser o modelo de gestão dos áudio-visusais próprio para os próximos anos. Não creio que possamos ser surdos, mudos e cegos em Portugal, face a fenómenos como os que hoje estão a ocorrer: diminuição da leitura e da difusão dos jornais, crise da imprensa regional, um cada vez maior predomínio da capacidade económica para a fundação, edição e distribuição com êxito de jornais, difusão de fenómenos de concorrência selvagem e verdadeiramente desleal em muitos aspectos no panorama jornalístico - como talvez nunca tenha havido, ele. Nunca a situação foi tão grave, nem nunca a época de mudança teve características tão dramáticas pela conglobação de crises várias, designadamente da crise do próprio mundo do jornalismo tal qual era caracterizado e que enfrenta hoje novos desafios, incluindo os decorrentes das inovações tecnológicas e da própria percepção das mudanças que no País ocorreram ao longo destes anos - e muitas foram.

Na verdade, nunca em Portugal houve, por exemplo, uma situação de tão grande mudança em relação ao panorama da cobertura radiofónica. Todo o fenómeno a que vimos assistindo nos últimos anos, em relação às rádios locais, à sua explosão torrencial - e, quanto a nós, positiva -, ao acesso de novas camadas ao uso desse meio, à popularidade da rádio e à sua nova presença, são fenómenos que exigem, naturalmente, reflexão e disponibilidade para encontrar soluções. Nós, PCP, pela nossa parte, exprimimos essa disponibilidade.

Em quinto lugar, a internacionalização com as suas diversas dimensões, não implicando um diktat, uma sujeição, nem uma espécie de ordem acima de todas as ordens e acima, eventualmente, da Constituição, coloca desafios. Isto é, não podemos fechar os olhos e os ouvidos àquilo que nos vem do céu, embora o céu não nos comande nos termos em que alguns pretendem. Creio que todos esses problemas são relevantes e que todos eles devem ser considerados, incluindo os que decorram da experiência rica que temos das causas da desaplicação de virtual idades positivas do nosso modelo constitucional.

E, aí, a questão da prática governativa da RTP irreformada e mantida num regime centralizadíssimo, não dando resposta a questões basilares para sectores e segmentos de opinião de regiões inteiras do País, deve ser cilada como um dos factos provocados, aliás, pelos governos de direita, tendentes a propiciar um descrédito e a "fundamentar" soluções que são verdadeiramente imerecidas e injustas.

Entendemos, portanto, que, na nossa sociedade e neste grande momento de mudança, pior do que tudo seria proceder-se a amputações sistematizadas como o PSD propõe, uma vez que, nesse silêncio constitucional, se estaria gerando, seguramente, barulho para o poder dos lobbies, força para os mesmos lobbies, mas não, seguramente, força para a liberdade de opinião e para a democracia. É contra isso que, pela nossa parte, continuaremos a bater-nos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi a sua explanação sobre a atitude do PSD e gostaria que me dissesse alguma coisa sobre a atitude do PCP em relação ao n.º 7 proposto pelo PS, ou seja, sobre aquilo que o PS considerou como verdadeiramente estruturante e essencial nesta matéria, não só no que respeita ao conteúdo da lei orgânica para o CDS e paraconstitucional para o PS - que este último pretende que venha a aprovar

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o estatuto da comunicação social. Gostaria de saber qual a opinião do PCP sobre o conjunto de temas que o PS considera como essencial nesse estatuto da comunicação social - e que aponta no n.° 7 do artigo 38.º - e sobre os vários desenhos que pretende dar, nesse estatuto, a cada um desses temas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado Nogueira de Brito, o problema da proposta do PS, como todos os convites, e que, ou são respondidos, ou não o são. Isto é, a nossa apreciação sobre a evolução do modelo que está em vigor em Portugal é aquela que deixei exarada e que já tínhamos debatido ontem. O PS propõe, por um lado, que a Constituição deixe de ler a redacção peremptória que tem quanto ao monopólio público, preconizando a existência de um sector público tripartido e propondo também que toda esta matéria seja objecto de um lei "paraconstitucional" nos lermos da sua proposta consignada no artigo 166.°-A, e que adiante será discutida. A situação que está criada é esta e aquilo que o PS propõe é, quanto a nós, extremamente arriscado. Propõe a quebra do monopólio público, não a sua flexibilização, nem a sua mitigação, mas a quebra, em lermos que ficam, obviamente, no vazio, ou seja, que ficam, através de uma técnica remissiva, cometidos ao famoso e assim baptizado "estatuto da informação".

Aquilo que se propõe é uma trasfega, ou seja, e, simultaneamente, uma diminuição do conteúdo constitucional, vinculativo e perceptivo, e a sua transferência para outra sede - a sede legal (ainda que aí deva reger a mesma maioria de dois terços que define os preceitos constitucionais). E qual é o sentido dessa operação? Em geral - disse e repito - é arriscado e tem, neste caso concreto da televisão, os riscos que atrás enunciei, citando, aliás, não inocentemente, uma observação adrede produzida pelo Sr. Deputado Almeida Santos, não há demasiado tempo, e que suponho ser perfeitamente válida quanto à saudade que pode deixar o monopólio público, se quebrado, de qualquer maneira, para produzir um efeito de inundação tipo "barragem rota". Gostaria ainda de acrescentar, concretamente em relação à pergunta que me faz, que a proposta do PS está, neste momento, inteiramente pendurada, o que nos deixa numa posição extremamente "confortável". O PSD, quando se lhe pergunta se está disponível para trasfegar parte do conteúdo constitucional, quebrando o monopólio, responde que sim, mas desde que se seja "prudente" e "modesto" (perguntando ate onde se quer ir nos planos exequíveis e qual o grau de detalhe que se pretende).

Aí, naturalmente, a resposta é a de que o grau de detalhe tem que ser algum, senão a Constituição fica vazia. Não encontrámos aí nenhum calor - iodos nós somos testemunhas disso- nenhuma receptividade do PSD. O PSD gosta de amores vagos e pouco com promissórios para poder actuar no terreno da prática de acordo com a força que lenha. Isto é, quer o desmantelamento do monopólio público e mãos livres. E entre quem quer o "desmantelamento do monopólio público e mãos atadas", pelo menos formalmente, e quem quer as "mãos livres e o monopólio público quebrado", isto é, a selva, existe uma fronteira que, pela nossa parte, não esbateremos, como bem compreenderá o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Faremos ate esforços para a sublinhar devidamente, embora não possamos nem devamos sub-rogar-nos ao PS.

Creio portanto, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que estamos numa posição verdadeiramente expectante. Isto é, procurei sublinhar que encontro tais pontos de discordância e que o problema do PSD é tão grave neste ponto, o seu bloqueamento político e a sua ambição são tão lotais, deseja tanto ter a Constituição vazia e a lei ordinária cheia daquilo que entender (claro: com nenhuma baia, nenhum estribo, nenhum freio nem qualquer outra aparelhagem própria desse tipo de montadas!) que me parece que o campo de discussão está extraordinariamente reduzido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Pretendia registar com agrado que nesta discussão, estabelecida entre o PS e o PSD, não e a quebra do monopólio televisivo e radiofónico - aliás o monopólio radiofónico já não existe neste momento - ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nunca existiu.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... aquilo que mais preocupa o PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Exa. lavra num equívoco, mas durante os próximos dez minutos vai poder reconsiderar. Tenho esperança que depois dite para a acta qualquer coisa que lenha a ver com o que eu disse.

O Sr. Presidente: - De resto, o Sr. Deputado José Magalhães limitou-se a repelir o que já tinha dito ontem, não e verdade? Assim sendo, o Sr. Deputado Nogueira de Brito facilmente entenderá o que o Sr. Deputado José Magalhães pretendeu dizer.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Pretendia solicitar a V. Exa. que me situasse no debate. Estamos a pronunciar-nos sobre o n.º 7 do PS ou, em geral, sobre as alterações ao n.º 7?

O Sr. Presidente: - Estamos a pronunciar-nos em geral mas a discussão centrou-se ale agora na proposta apresentada pelo PS, mais exactamente sobre os n.ºs 6 e 7.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, espero que tenha ainda fresca a razão pela qual pedi ontem a palavra. Ontem, o Sr. Presidente, em resposta à minha intervenção, começou por dizer e reconhecer que, não obstante esta matéria não ser consensual, ela todavia, não depende da nossa vontade. E eu gostaria não só de começar por dizer que ela depende só da nossa vontade como também de continuar, dizendo que, neste momento, depende fundamentalmente da vontade do PSD. Creio que nunca foi feita uma verdadeira tentativa, salvo em dois momentos. No momento em que se fez a Lei de Imprensa, altura em que foi feito um considerável esforço para nos pormos de acordo sobre alguns princípios básicos em matéria de comunicação social. No momento em que se redigiu o texto constitucional em matéria de comunicação social que não e ião lacónico como isso. Também aí foi possível

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pormo-nos de acordo sobre questões essenciais. O que eu pretendo é que se faça um esforço igual a esses para que ultrapassemos esta situação a que atribuímos o mais alto valor na escala de Richier ao potencial risco sísmico.

A verdade é que, ate hoje, cada governo - e nenhum é totalmente isento desta crítica, embora uns a mereçam mais do que outros - tenta, quando chega ao poder, aproximar o mais possível dos seus pontos de vista e das suas conveniências a comunicação social no seu todo.

Não queria que me obrigassem a recordar que fui eu, enquanto Ministro da Comunicação Social, quem procedeu às únicas nacionalizações directas em maioria de órgãos de comunicação social. É sobretudo que não me obrigassem a recordar por que é que as fiz. Não foi por gosto. Na altura, creio que não era possível fazei)outra coisa, e a única afirmação que pretendo fazer e a de que essas nacionalizações foram feitas, com o aplauso dos que hoje as combatem, a fim de reforçar a objectividade e a independência dos órgãos de Comunicação Social. Na altura, isso foi bem entendido assim. A partir de certo momento, começou a crítica às nacionalizações neste sector - aliás foram feitas em todos os outros - como inimigas da objectividade e da independência dos órgãos de informação. Talvez fosse bom reflectirmos um pouco sobre lodo esse processo para compreendermos o porque de muitas das nossas atitudes e de muitas das nossas preocupações.

Mas repilo: ou queremos ou não queremos mobilizar a nossa vontade para que este problema seja ultrapassado de uma vez por todas. Não creio que haja outro problema ao nível de Administração Pública Portuguesa, ou ao nível da revisão constitucional que mais do que este possa dividir os partidos e, em geral, os Portugueses.

Há outros temas fundamentais. Mas este é, sem dúvida, aquele que tem o mais alto coeficiente de risco na escala de Richter. Gostava que isto ficasse bem claro. Por isso, e com toda a ênfase, peço mais uma vez ao PSD que faça esse esforço: o de sermos capazes de fazer consenso nesta matéria. Nós estamos dispostos. E não fomos lacónicos na nossa proposta, fomos muito claros. O que e que dissemos? Vamos enfim fazer o estatuto da informação, que nunca se fez. Esteve previsto na Constituição de 1976, mas depois eliminou-se essa referência porque se entendeu que era difícil. E é. Porem, mais difícil do que tentarmos fazer um estatuto da informação e continuarmos a viver na situação em que temos vivido em matéria de comunicação social. E eu diria que a circunstância de este governo ter um apoio maioritário tende a agravar esta situação na medida em que o poder absoluto complica absolutamente as coisas. A tendência para se fazer o que mais agrada e tanto maior quanto maior for a possibilidade de se fazer sem tomar em conta a opinião dos outros.

Basicamente, o que é que nós propomos? Vamos fazer, por consenso alargado, um estatuto da informação. Estamos dispostos a acabar com o monopólio televisivo. O monopólio televisivo teve algum sentido mas hoje já o não tem, salvo, talvez, quanto a mim, ao nível da emissão. Por que e que continua a ter algum sentido a este nível? Passei por estes problemas e reflecti muito sobre eles. Tenho alguma experiência. Televisão privada, por que não? Mas a televisão privada custa quanto? Quantos milhões de contos são necessários para instalar uma estação privada de emissão televisiva? Três, quatro milhões? Em Portugal não é fácil reunir este capital e, sobretudo, não e fácil rentabilizá-lo. A televisão portuguesa, que e do Estado, vive de taxas. Viveu mal e apenas começou a dar lucro este ano, apesar de cobrar laxas elevadíssimas, sempre crescentes. Mas a futura televisão privada não cobrará taxas, terá de viver da publicidade. E a nossa publicidade é a de um país pequeno, tendo que se dividir pela rádio, pelos jornais, pela televisão oficial e pela futura televisão privada. O problema que coloco é o seguinte: é assim tão fácil encontrar espaço na publicidade portuguesa para alimentar, só por si, mais uma televisão? Não há espaço para isso! Para duas não há com certeza e uma só poderá subsistir com dificuldades.

Essa televisão, dado viver só de publicidade e esta ser escassa, precisa de conquistar um espaço que não tem, terá tendência para forçar o aumento da audiência. Ora nós sabemos que, por lodo o Mundo, se força o aumento de audiência através do recurso a expedientes nem sempre recomendáveis, tais como filmes de violência, programas pornográficos, etc., isto é, através do recurso a expedientes não tão desejáveis como isso, mesmo para pessoas que não são propriamente vestais mentais, como é o meu caso. No estrangeiro, a partir da meia noite, podemos ligar várias televisões e ver os filmes pornográficos mais espantosos. A violência é também a regra. A competição nas televisões privadas constitui um espectáculo degradante. Por isso, dei por mim a afirmar - sabendo que essa opinião era impopular - que ainda iríamos ter saudades do monopólio da televisão pública. Oxalá me engane!

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Muito bem, Sr. Deputado!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tenhamos ilusões! Num país pequenino como o nosso, vamos ter saudades do monopólio televisivo. Mas já desisti. Se todos acham que isso vai salvar o mundo, venha a televisão privada! E o que e que, pessoalmente, me faz resignar? A circunstância de a evolução técnica ter feito com que nós, dentro em breve, possamos receber emissões televisivos de todo o Mundo! É só querermos ligar para o filme pornográfico italiano, o filme de violência americano, ou filme de loucura de Kadhafi, para podermos ver tudo isso. Talvez não faça muito sentido dizer-se que, em Portugal, a televisão não transmite esses programas, na medida em que temos ao nosso alcance outras televisões que o fazem.

Mas essa não e a única face do problema. O problema não se coloca apenas ao nível de recepção mas sim ao nível da emissão. É a este nível, se a emissão for em português, a partir de Portugal, e de portugueses para portugueses, os riscos que mencionei serão seguramente mais graves. Oxalá me engane! Portanto, não se julgue que este problema é fácil, que a televisão privada pode vir de qualquer maneira e a qualquer momento e que o que se faz mister é a liberalizar a lodo o custo esse meio de comunicação social. Não julguemos sobretudo, que o problema da televisão é idêntico ao da rádio. É completamente diferente. Quanto à questão da limitação do espaço radioeléctrico, penso até que o espaço radioeléctrico português dá para televisões privadas que não somos capazes de ter.

Disse aqui o Sr. Deputado Rui Macheie que, tal como o PS, o PSD era favorável a um serviço público de comunicação social. Já realcei o aspecto positivo de os dois principais partidos estarem de acordo em que se crie um serviço público de comunicação social pois é muito importante que a comunicação social do sector público seja encarada em lermos de serviço público. Eu sempre a entendi assim. A verdade, porem, é que nunca se tiraram daí as devidas ilações. Mas é, apesar de tudo positivo que o PSD, que eu saiba pela primeira vez, tenha aderido à ideia de que a comunicação social do sector público deve ser encarada como um serviço. E não apenas como um serviço vulgar

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mas como um serviço público. E bem se compreende na mal ida em que, se, pela Constituição, o Estado tem o dever de informar, de se informar, e de manter os outros informados, se quiser cumprir conscientemente esses deveres, só o poderá fazer através de meios de comunicação social próprios.

Leio O Dia, O Diabo, o Diário, os jornais de direita e de esquerda e sei perfeitamente o tipo de informação que prestam. Conheço o tipo de informação que fazem as rádios privadas e imagino a informação que hão-de fazer as televisões privadas quando existirem. Pensemos na Telescola, que e apenas o fermento do que há-de ser no futuro o papel dos meios de comunicação social no domínio na educação e, em geral, no domínio da formação de uma população que cada vez mais precisa de ser informada e formada.

Vem aí a universidade aberta, cujo ensino terá de ser ministrado fundamentalmente através da televisão. Através da televisão privada, através de convenções de que não lemos uma experiência exaltante?

É por isso que percebo mal por que e que o PSD elimina a imprensa escrita desse serviço público. Continuo a não perceber por que é que os jornais são, dele, o parente pobre. O Sr. Deputado Rui Machete tentou dar-nos uma explicação - e deu-a com a inteligência de sempre - referindo que se traia de meios de grandeza diversa. E depois? Também a rádio tem uma grandeza diversa da televisão. Mas não é só de grandeza diversa, é também de qualidade diversa! A informação da televisão e da radio é precipitada, as notícias são dadas a correr para depois nos aparecer, durante três horas, um programa de rádio chatíssimo sobre chefes de orquestra. Não há tempo para a informação consciente, estruturada, fundamentada, pedagógica. Mas há tempo para contar a história, referir a cor dos calções e a brilhantina do cabelo dos mais famosos cantores de orquestra do mundo. A própria televisão, que não tem tempo para nada, que dá um minuto aos políticos para se pronunciarem sobre questões de relevante interesse nacional, transmite depois aquelas chatices monumentais que nos arrancam bocejos!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Começo por agradecer o teor da intervenção do Sr. Deputado, que, independentemente dos diferentes pontos de vista, está a ser extremamente esclarecedora e importante. Mas leva-me a perguntar-lhe algo quanto à parte do seu discurso em que diz "serviço de televisão sim!" e "serviço de rádio sim!", mas pergunta por que é que o PSD exclui os jornais deste serviço público.

A questão que quero colocar-lhe é a seguinte: sendo certo que o serviço público tem subjacente esse sentido, com as pertinentes obrigações do Estado, e que um jornal terá, na melhor das hipóteses 100 000 leitores, o que e um serviço público de jornais? Para suprir as deficiências que a rádio e a televisão têm - e o Sr. Deputado muito bem o explicitou segundo o seu ponto de vista, que não será difícil coonestar na sua maior parte, senão na quase totalidade - para preencher essa lacuna de serviço público, como e que se monta um serviço público de jornais? Quantos serão necessários para lermos um serviço público de jornais que não privilegie nem Lisboa nem o Porto, mas seja um verdadeiro serviço público, com o dever de suprir aquilo que as condições do mercado, mesmo em relação ao jornal público, não desempenham?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Quando eu era jovem, e mesmo depois, já em idade madura, existiam jornais de cobertura nacional como O Século, que era um jornal de assinatura.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quantos leitores tinha, aproximadamente?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não se importe com isso! Vendiam-se, na altura, 60 000 ou 70000 jornais e depois chegaram a vender-se 100 000. Mas não julgue que são só 100000 pessoas a ler o jornal porque um jornal é lido por n pessoas. Não só por todos os membros de cada família mas por n famílias se o jornal circular. O que eu pretendo dizer é que o facto de ter menos impacte quantitativo não significa que se deite fora esse impacte. Basta que se responda à pergunta: e positivo ou não é positivo? Se for positivo, junte-se ao mais positivo da rádio e ao ainda mais positivo da televisão.

Mas há também a diferença qualitativa, essa a favor dos jornais. A informação televisiva é precipitada, rápida, quantas vezes imponderada e até leviana... E se bem que a da rádio o seja menos, também aí as notícias são sempre dadas a correr. O jornal, esse, reflecte, emite opinião. O papel do jornal é, nessa medida, insubstituível pelo da rádio e da televisão.

O Sr. Presidente: - Pretendia apenas fazer uma observação que é simultaneamente uma pergunta e talvez uma resposta. O Sr. Deputado Almeida Santos teve a gentileza de referir o facto de eu ter procurado explicar que a rádio e a televisão eram, em comparação com os jornais, entidades de grandeza diferente. Procurei também dizer que a diferente quantidade ou grandeza altera a qualidade: como é óbvio, tem um impacte completamente diverso. Mas, como o Sr. Deputado explicitou de forma muito clara, os jornais podem formar opinião, sendo o seu papel não apenas o de veicular as notícias mas também o de elaborar editoriais e o de explicitar pontos de vista muito mais elaborados e, se quiser, no sentido lato, ideológicos. É justamente essa uma das diferenças essenciais que penso dever existir em relação a um serviço público de rádio e televisão, isto é, o que eu considero e que o Estado, e penso que isso nos separa bastante, não é manifestamente a entidade mais vocacionada para ser proprietária de jornais e menos ainda dos que procurem conformar a opinião pública, dos chamados jornais de opinião. É verdade que, por exemplo, o Diário de Notícias é um jornal que, suponho, todos nós respeitamos e desejamos que se mantenha assim, e não é puramente noticioso. Pode ter uma ou outra tergiversação, dá opiniões com que muitas vezes não concordamos, mas, digamos, tem sido um bom exemplo de autonomia e independência. Em todo o caso, esses exemplos rareiam e é esse um dos problemas fundamentais quando se discute a propriedade pública dos jornais. O Estado passa a ter a ideologia de quem escreve nos seus jornais.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Entendo a objecção, mas de qualquer modo não creio...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Faça favor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - No fundo, qual seria o núcleo, qual seria a dimensão previsível actual? Quanto à televisão, é fácil chegarmos a acordo sobre o que será um serviço público quanto aos seus pressupostos materiais mínimos. Mas, relativamente aos jornais, o que será isso na opinião do PS?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não colocámos, através da nossa proposta, problemas de quantidade. O que desde já recuso é uma razão para exclusão dos jornais, do género. Não aceito que se excluam! O número, depois se verá! Se conseguíssemos um jornal de grande impacte nacional, esse bastaria. O Jornal de Notícias, de grande impacte no Norte, e o Diário de Notícias, no Centro e no Sul, poderiam fazer a cobertura do País. Dizer: jornais não, rádio sim - porque? Não tenho medo das opiniões, mesmo as que me são mais contrárias. O Primeiro-Ministro não aparece todos os dias, sem distinção de meios de comunicação social, a defender os pontos de vista do Governo? Por que e que o Govêrno não há-de poder continuar a defende-los nos jornais? É aí que se revela necessário um estatuto de informação que garanta a objectividade e o pluralismo de todos os meios de comunicação social.

Vejo os jornais privados, vejo as rádios privadas, e só não vejo a televisão privada porque não existe, mas vejo-a lá fora, a emitir opiniões dirigidas e unilaterais.

Estamos, portanto, de acordo em que haja um serviço público de comunicação social. Avançamos muito, porque daí decorrem importantes consequências. Mas não compreenderíamos que o PSD levasse a sua teimosia ao ponto de dizer: jornais é que não! Essa cáfila nunca! Nem um para amostra! Não compreenderíamos isso e pensamos que o PSD pode, num segundo momento, rever essa posição.

O terceiro ponto que quereria realçar e o seguinte: no n.º 7 dizemos aquilo que deveria figurar no estatuto da informação. O Sr. Presidente perguntou-me se eu considerava que o estatuto da informação era para ser feito já ou se seria para definir apenas nas suas linhas mestras.

Estamos abertos a qualquer dessas hipóteses, desde que o principal fique consignado. Isso e para nós o principal. Pode não ser feito já, desde que se definam os pontos que devem constar desse estatuto. Esses pontos deverão ser os do n.º 7, em si pouco discutíveis, mas podemos discuti-los. Mas também estamos abertos, se assim o quiserem, a fazer o esforço de ao mesmo tempo se fazer o estatuto.

Esta matéria é suficientemente séria e grave para que façamos todos os esforços no sentido de um consenso alargado.

Reagiu-se muito à ideia de um órgão independente e o Sr. Presidente perguntou -compreendo a sua objecção - como é que funcionavam os órgãos fora da Administração, fora do Governo. A verdade é que em todos os momentos em que precisámos de uma entidade com um grau acrescido de imparcialidade, tivemos de pôr de lado o Govêrno e a Assembleia, e criámos órgãos efectivamente independentes de um e outro. Criou-se assim o Tribunal Constitucional, que noutros países e um órgão administrativo. Criou-se o Conselho Superior da Magistratura para reforçar a independência dos tribunais, que retirámos da tutela do Ministério da Justiça. Quando, a dado momento, a corrupção começou a ser encarada e discutida pelo próprio Governo, e se consciencializou a sua existência, institui-se uma Alta Autoridade contra a Corrupção. A França, que não e tonta, criou uma Alta Autoridade para os Órgãos de Comunicação Social. O próprio Conselho de Comunicação Social nasceu da última revisão constitucional e não perfilho a opinião de que o Conselho de Comunicação Social não se tem comportado com independência, até porque tem conseguido desagradar a todos os governos!

Desagradou ao nosso governo, desagradou ao anterior governo e desagrada ao actual. Isso é um penhor de independência. Pode não ter satisfeito todas as nossas ambições de quando o criámos, mas tem-se comportado com objectividade e independência. O Provedor de Justiça é outra entidade que está fora da tutela administrativa. A ideia de que o reforço da seriedade nasce ou está ligado a órgãos independentes da Administração está criada. E se há domínio onde se justifica um órgão desse tipo, é precisamente este, o da comunicação social. A criar-se esse órgão independente, talvez pudéssemos concordar com a eliminação do Conselho de Comunicação Social.

Parece-me, portanto, que esta ideia de um órgão independente é uma ideia com virtualidades e por isso peço a todos um esforço no sentido de sermos capazes de nos pormos de acordo. Veja-se a discussão que se trava neste momento a propósito da lei da rádio. O que é isto senão a falta dessa autoridade independente para fazer a adjudicação? Os governos sucedem-se e a tentação é de desfazer o feito. Acabemos com isto de uma vez para sempre.

Instituindo uma alta autoridade, dependente do Parlamento ou não, eu estaria contra uma proposta como a do PCP, no sentido de que fosse o Parlamento, ele próprio, a fazer essas adjudicações. Isso não, em respeito do princípio da separação dos poderes, entre outras razões. Mas um órgão independente, isso sim! Claro que me vão dizer que não e fácil chegar à composição desse órgão. Não é fácil, é até muito difícil, mas também foi difícil arranjar uma composição para o Tribunal Constitucional e acabou por conseguir-se! Aceitaria, em última instância, que a composição fosse essa mesma: a Assembleia, por dois terços, designaria os membros desse órgão. Nesta matéria, as dificuldades não devem travar-nos.

Quais seriam os aspectos fundamentais desse estatuto? Estão aqui, mas poderíamos talvez dizer quais são os aspectos em que pomos mais ênfase: necessariamente, o direito à informação tem de estar assegurado nele; a liberdade de imprensa e a independência dos meios de comunicação social, como e óbvio; o regime de licenciamento, através de um órgão independente; a inclusão dos jornais no serviço público; a consagração, nesse estatuto, do concurso público como instrumento da adjudicação do direito à emissão radiofónica ou televisiva; a proibição de participações, acima de certa percentagem, no capital social de empresas do sector público da rádio e da televisão, a fim de evitarmos o domínio das multinacionais e multimédia. Mal começou a falar-se de televisão privada logo surgiram os Maxwells, os Berlusconi, de e tutti quanti. Por que é que veio essa gente? Porque são os únicos que podem assegurar rentabilidade a uma televisão privada em Portugal! Os grupos portugueses que têm a ambição de ter a sua televisãozinha perceberam que tem de se encostar a um potentado. E por que é que o potentado pode fazer o que o grupo português não pode, isoladamente? Porque vende publicidade para n países. Se incluir Portugal, vende-a para n + 1. A mesma publicidade, a mesma programação, não aumenta um tostão o custo, mas os contratos de publicidade abrangem mais um país, logo podem ser mais lucrativos. Por outro lado, essa gente começa a ter satélites e pode, a partir de fora, fazer televisão para dentro. E até ameaçar ou vocês me dão uma televisão em Portugal, ou faço-a a partir de Paris ou Londres! E os governos tenderão a dizer: se este pode emitir de Londres ou Paris sem nenhum controle, ao menos que o faça de Portugal.

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É aí que eu entendo que uma adequada proibição de participações no capital acima de um certo limite 6 fundamental para assegurar uma certa pulverização do capital. Tudo no respeito pelas leis de cada meio de comunicação social. Se aquele que recebe uma adjudicação não respeitar, em qualquer dos seus aspectos, a lei da rádio, a lei da televisão, a lei de imprensa, pode ficar sujeito ao cancelamento da autorização. Também as garantias de viabilidade financeira: você, que vem concorrer a uma televisão ou a uma rádio, de que meios financeiros próprios dispõe?

Aqui tem. Em resumo, digo ao PSD que ainda não desesperei de que a resposta final do vosso partido seja positiva, não no sentido de dar satisfação a todas as nossas propostas, mas no sentido de chegarmos a um ponto de convergência. À semelhança das escrituras, lembrando que o homem é pó e voltará a ser pó, também eu lembro ao PSD: memento, PSD, quia majoritas es, sed inminoritatem retornabis.

Risos.

A Sra. Maria Assunção Esteves (PSD): - Nós temos a teoria de fénix renascida, Sr. deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Gostaria de fazer uma intervenção...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe, já tinham acabado as perguntas?

O Sr. Presidente: - Não havia mais perguntas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Havia a minha, e a do Sr. Deputado Nogueira de Brito, mas eu prescindo e faço uma intervenção, depois do Sr. Deputado Carlos Encarnação. Não tenho problema nenhum nisso, ate podia ser conjunturalmente conveniente, uma vez que o Sr. Deputado Carlos Encarnação irá certamente enriquecer o debate.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que faça uma pergunta?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, posso dizer-lhe, interpretando, talvez, um sentido geral que notei nas expressões faciais das várias pessoas aqui presentes, que o ouvimos, mais uma vez encantados. Mas, porventura, ficou-me aqui uma dúvida importante: parece-me ser atitude do PS aceitar a queda do monopólio da televisão - e disso que estamos a tratar, e V. Exa. abundantemente o fez, embora depois lenha feito uma incursão pelos jornais, a propósito do PSD - mas como uma fatalidade tecnológica ...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Só ao nível da recepção, ao nível da emissão não há fatalidade tecnológica nenhuma.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto. Mas o que acontece e o seguinte: porque ao nível da recepção e uma fatalidade estarmos confrontados com o pluralismo televisivo, o PS entende que não valerá mais a pena combater o pluralismo no acesso à titularidade dos respectivos instrumentos de emissão e de produção na ordem interna. Apenas por causa disso, porque se, efectivamente, tivéssemos uma cortina radioeléctrica que nos preservasse do contacto com essas televisões estranhas, o PS continuaria a confiar principalmente nos meios públicos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Antes mesmo de lhe dar a resposta final, essa é a minha posição, não, a do meu partido - há muito tempo que o meu partido tem uma posição muito clara, de abertura à televisão privada. Esta é a minha posição, que tenho tomado pública em muitos momentos. O esclarecimento fica feito, para que não haja confusão entre os meus pontos de vista pessoais, que quase sempre coincidem com os do meu partido, mas que neste caso não coincidem.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Agradeço-lhe muito o esclarecimento, mas devo dizer que me parece natural que V. Exa. exerça grande influencia nessa matéria sobre o seu partido, porque a redacção que o PS propõe para o n.º 6 do artigo 38.° talvez espelhe mais essa sua opinião pessoal - disse-me agora que é pessoal - do que a opinião do seu partido. Na realidade, o que se diz é que o Estado assegura a existência de um sector público de órgãos de todos os meios de comunicação social, que garanta o pluralismo do direito à informação, à educação e à cultura. Esta, suponho eu, é a base da opinião do Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Neste aspecto coincide com a do meu partido.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu diria que o PS pretende impor, por exemplo no que diz respeito ao pluralismo na televisão, este ponto de vista: de que e o meio público que assegura este pluralismo, contra os vários interessados plurais, ou no pluralismo, em matéria de televisão - veja-se a posição da Igreja católica, que estaria interessada, nesta perspectiva, e que pretende fundamentalmente assegurar esse pluralismo através de um meio próprio e não de um meio público.

O Sr. Almeida Santos (PS): - É uma boa forma de assegurar o pluralismo!

Risos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que o que nos opõe nesta matéria é o seguinte: entendo que a consagração do pluralismo na titularidade, isto e, a extensão da liberdade também a este domínio, à própria possibilidade de ser titular dos meios de exercer a comunicação social, assegura ou garante mais em si a liberdade de expressão do que a titularidade desses meios pelo Estado. É essa própria circunstância que constitui maior garantia, em meu entender, da concretização dessa liberdade. Era isso que eu gostaria de ver esclarecido - se não haverá aí, na base, uma diferença de atitude, apesar de na aparência serem tão semelhantes os projectos do PS e do PSD. Acho que é essa a aparência - no fundo, ambos os textos que aqui estão se preocupam em guardar qualquer coisa para o sector público; mas não haverá uma diferença de óptica ou de base - possível de surpreender nas exposições feitas nesta Comissão pelos Srs. Deputados Almeida Santos e Rui Machete - que justifica o facto de estarmos a assistir a um confronto tão prolongado nesta matéria?

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Queria terminar com mais uma questão. Quanto aos elementos de ordem estatutária, com que o PS pretende assegurar a liberdade de comunicação, e que estilo na parte final do n.º 5 (estamos de acordo com essa via), pergunto-lhe, na sequência da pergunta que já fiz ontem, se a redacção do projecto do PS não acaba por diminuir o alcance desses elementos de segurança de que V. Exa. agora falou e explicou à Comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, estamos abertos a todos os reforços que queira propor para o estatuto da informação. Se pensa que estão cá de menos, e outros fazem cá falta, faça o favor de os propor. Estamos dispostos a considerá-los.

Quisemos apenas ser comedidos para não dificultar a aceitação da nossa proposta por pane do PSD.

Por outro lado, gostaria de dizer o seguinte: como sabe, o Estado tem obrigação de assegurar, numa base pluralista, o direito à informação, à educação e à cultura, mas tem de ter instrumentos para o fazer. Um desses instrumentos e, e será, cada vez mais, a comunicação social, nomeadamente a televisão, a rádio e os jornais. Basta dizer que hoje a Telescola já e uma das formas de assegurar o direito à educação. A universidade aberta será amanhã uma outra.

O que não compreendo muito bem e como é que o Sr. Deputado admite que nesse papel o Estado pode ser suprível por entidades privadas, como, por exemplo, a Igreja católica. A Igreja católica, pelo menos em matéria religiosa, não vai defender o protestantismo. As universidades privadas têm de fechar cada ano com um balanço positivo, o que limita o seu pluralismo ao nível do acesso. Pelo menos, não podem admitir quem não possa pagar propinas!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, se a Igreja católica não for capaz de garantir o pluralismo, assegurará, pelo menos, a pulverização dos capitais, porquanto estes virão de inúmeras caixas de esmola. Não sei se o Sr. Deputado Nogueira de Brito estará de acordo com isto. É que uma das preocupações do Sr. Deputado Almeida Santos e a da pulverização dos capitais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Almeida Santos tem estado preocupado com a dificuldade de concentrar capitais para empregar nesses meios e não com a pulverização.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, a minha convicção é a de que o pluralismo pode ser melhor assegurado pelo Estado, que tem essa obrigação e tem de estar acima dos conflitos de opinião. O Estado tem de admitir em todos os domínios as mais diversas correntes de opinião. Pelo contrário, a entidade privada tem os seus propósitos privados, as suas orientações ideológicas, as suas preocupações e as suas finalidades específicas. Sobre isso n3o tenho dúvidas. O Estado assegura melhor o pluralismo. Os meios de comunicação social podem, nessa medida, ser um instrumento desse pluralismo. Este pode conseguir-se melhor nas mãos do Estado, ou no mínimo através do concurso dos dois sectores. V. a experiência dos órgãos de comunicação social privados que temos. Será exaltante a sua objectividade? Será entusiasmante o seu pluralismo?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, tenho a certeza de que constituiu um recurso dialéctico a interpretação que o Sr. Deputado Almeida Santos deu à garantia que para o pluralismo resultaria da intervenção de uma entidade como a Igreja católica. Só falei da Igreja católica porque, como é do conhecimento público, ela se interessou por dispor de um meio televisivo. A Igreja católica não vai assegurar o pluralismo dando guarida na sua estação televisiva a todos os credos religiosos. É o seu acesso de comunicação que asseguram o pluralismo. Por isso e que digo que a forma que considero mais eficaz de assegurar o pluralismo na informação e garantir o acesso à titularidade dos meios de comunicação. É essa garantia de acesso à titularidade que, em meu entender, assegura mais facilmente o pluralismo. Admito que haja outras opiniões, estamos aqui para as discutir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, há dois tipos de pluralismo. Por um lado, temos o pluralismo ao nível da iniciativa e aí temos de considerar todas as igrejas, incluindo, claro, a Igreja católica, quer as demais entidades. Outra coisa é pluralismo dentro de cada órgão de comunicação social. Concebo mal um jornal fechado a correntes de opinião que lhe sejam contrárias. Não há pluralismo a partir do momento em que se diz "quem não é de direita não escreve neste jornal" ou "neste jornal só se veiculam opiniões de esquerda". O que a lei de imprensa diz é que os órgãos devem ser pluralistas e não apenas as iniciativas. Deve haver, o mais possível, pluralismo aos dois níveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, gostaria de fazer várias considerações sobre as observações que V. Exa. acabou de fazer.

Tenho presente a tese que o CDS apresentou em 1974-1975: caminhar para uma sociedade sem classes através da dispersão da propriedade por todos. Todos seriam proprietários, portanto a sociedade não teria classes. É este o seu pensamento, que, aliás, fundamentou a aprovação pelo CDS da expressão "sociedade sem classes" da Constituição? Salvo erro, o pensamento que acaba de nos expor o Sr. Deputado Nogueira de Brito é inteiramente consentâneo com esta premissa doutrinária do CDS. A liberdade plena, mesmo no domínio da informação, só existe com a titularidade dos meios de comunicação e, neste caso, da emissão. Por conseguinte, quando todos puderem ler igual acesso à propriedade dos meios de comunicação haverá realmente uma plena garantia da liberdade de expressão do pensamento.

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Estou de acordo com V. Exa. Não vejo é como muito provável que, a curto prazo, haja a possibilidade de disseminar, de forma conveniente, a titularidade da propriedade dos meios de comunicação social.

Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria, em primeiro lugar, de o felicitar. Não só pela qualidade da sua intervenção - o que é seu hábito - mas pela coragem da mesma, na parte que diz respeito às considerações pessoais que formulou e relativamente às quais tem, como é público, o meu inteiro apoio. Já fiz algumas intervenções no Plenário da Assembleia da República sobre esta matéria.

Tal como o Sr. Deputado Almeida Santos o referiu, também penso que vamos ter saudades do exclusivo da emissão televisiva em território nacional pelo Estado.

Vozes.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Da emissão, Sr. Deputado. É que a que vem aí ainda é pior.

Vozes.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É que, efectivamente, este é um problema relevante. Na verdade, nunca ninguém esteve satisfeito com a televisão, toda a gente tem estado contra a televisão. Não se cura agora de saber em que momentos tem havido maior justificação para estar contra. O sistema do exclusivo da televisão pública é aquele que assegura melhor que sejam menos persistentes as oposições de todos à televisão. E um mal menor! O exclusivo da emissão televisiva pelo Estado é, do ponto de vista da liberdade de expressão e do pluralismo da informação, um mal menor. Reconheço que é um mal, mas é o menor possível dos males. Não creio que, nas próximas décadas, se encontre solução menos má do que essa. Daqui a algumas décadas talvez possamos aplicar a lese do CDS, que é a de disseminar a propriedade dos meios de comunicação social, incluindo a televisão, por todos. Aí estarei inteiramente de acordo e espero viver ainda para aplaudir o CDS e para felicitar os seus dirigentes pela pertinência do êxito do seu modelo e dos seus ideais. Até lá a situação não é ainda essa!

A pergunta que gostaria de lhe formular e a seguinte: não pensa que em relação à televisão em circuito destinado a recepção privada, ou seja, à televisão por cabo, não há tantas razões para ter as apreensões que lemos relativamente à televisão nacional? Não haverá também possibilidade de dar um tratamento adequado, próprio e específico a emissões televisivas de alcance não nacional na área de 20, 30 km? Embora depois houvesse, naturalmente, que ressalvar as cidades de Lisboa e Porto. Se houvesse esses modelos, não seria mais fácil aplicar as teses do CDS? No fundo, a conservação do exclusivo do Estado no plano nacional não seria um meio de viabilizar a aplicação de modelo do CDS à escala local?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, é sabido que não sou favorável a nenhuma espécie de regionalização, embora seja defensor da descentralização administrativa. Tenho medo de todas as formas de regionalização ou descentralização territorial. Não tenho nenhuma espécie de medo da descentralização por serviços ou por actividades. Veremos mais tarde se esta preocupação se justifica ou não.

Isso seria uma espécie de regionalização da televisão. É claro que os problemas da televisão por cabo não são tão graves. Devo dizer que ainda não vivi a experiência da televisão por cabo o suficiente para poder afastar todas as minhas preocupações. Quanto menor é a nau, menor é a tormenta. No entanto, as tormentas pequenas também existem e contam. Na medida em que aí o âmbito se restringe, as minhas preocupações também se restrígem. Mas continuam a existir. As minhas apreensões não desaparecem totalmente pelo facto de se regionalizar territorialmente o fenómeno da emissão televisiva. Poderei, quanto muito, dizer que se atenuam.

Penso que a divisão do País em áreas territoriais, também para esse efeito, pode fragilizar um Estado que já de si se encontra muito fragilizado a dois níveis. Por cima, na medida em que há uma tendência para os grandes espaços supranacionais. Por baixo, na medida em que há tendência para parcelizar territorialmente os poderes do Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Almeida Santos, não estou em desacordo consigo quanto à regionalização. Uma vez que o Sr. Deputado teve há pouco a coragem de o dizer, também o digo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas é uma opinião pessoal e não do nosso partido, Sr. Deputado. O nosso partido é regionalista, regionalizador e o nosso projecto de revisão constitucional é prova disso.

Já se prometeu tanto a regionalização que não há o direito de enganar as pessoas. Então, cumpra-se e faça-se.

Vozes.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Apenas esclareci que a minha posição sobre a regionalização era próxima, semelhante ou idêntica à do Sr. Deputado Almeida Santos. Todavia, não sei se esta chamada "regionalização da televisão" tem os inconvenientes de outros tipos de regionalização.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu é que quis generalizar, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervir os seguintes Srs. Deputados: Carlos Encarnação, que se ausentou por uns momentos, eu próprio, Nogueira de Brito, Jorge Lacão, Jorge Lemos, José Magalhães...

Vozes.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, apenas me inscrevi para fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Almeida Santos. Já a fiz e obtive resposta.

O Sr. Presidente: - Ganhámos, então, uma desistência e perdemos uma intervenção.

Uma vez que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não está presente, vou, então, fazer a minha intervenção como parte.

Julgo que as intervenções desta manhã justificam dizer, sucintamente, algumas coisas sobre esta matéria, correndo, de alguma forma, o risco de num ou em outro ponto me repetir em relação àquilo que foi dito ontem.

Em primeiro lugar, compreendo que o Sr. Deputado José Magalhães tenha a necessidade de ver, reiteradamente, registadas em acta as posições que, uma e outra vez, expôs e num tem que, naturalmente, não desminta da agres-

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sividade que o PCP quer emprestar às suas intervenções em matéria de revisão constitucional. Em lodo o caso, devo dizer que isso não tem que atemorizar aqueles que têm que defender as suas posições e, sobretudo, que isso não significa que as caricaturas atinjam o alvo.

Não é por razões relacionadas com a defesa de lobbies ou com quaisquer negócios mais ou menos escuros e outras malfeitorias que estejam a ser planeadas para virem a ser perpetradas num futuro próximo que sustentei as minhas posições. Essas posições justificam-se por um entendimento acerca do papel do Estado e da sociedade, que é completamente diferente daquele que tem, naturalmente, o PCP. Se. em termos de marxismo, o PCP defende - e, se for ortodoxo, assim o deve fazer - que o Estado está ao serviço da classe dominante, então, não percebo muito bem por que é que o PCP está tão entusiasmadamente a defender um modelo que serve a classe dominante, isto e, um modelo de monopólio do Estado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Boa crítica ao marxismo!

O Sr. Presidente: - Tratam-se de questões internas do PCP, que não interessa, neste momento, estar a averiguar.

Em relação àquelas coisas que são mais atinentes às matérias que estamos a tratar e relativamente à exposição do Sr. Deputado Almeida Santos, que ouvi com toda a atenção, repito aquilo que disse ontem.

Em primeiro lugar, penso que temos o estrito dever de estarmos abertos à discussão e ao diálogo e de ver o que é que é possível avançar neste capítulo.

Não estou tão optimista como parece estar o Sr. Deputado Almeida Santos em admitir que a realidade sociológica se pode modificar pela via do Diário da República e do entendimento das forças políticas. Julgo que o problema da falta de consenso nestas matérias, como realidade sociológica, não e, tão simples e drasticamente, modificável por essa via. Admito que a lei possa ter uma função pedagógica e possa haver uma função condicionante das forças políticas nesse capítulo. Portanto, não considero dispiciendo que haja um esforço de aproximação e até de aprofundamento dos problemas de modo a saber o que nos une e divide.

Por outro lado, julgo que as perspectivas de onde partem o PSD e o PS são muito diversas e que, muito curiosamente, se encontram no problema de um serviço público de informação na rádio e na televisão. Isto é, parece-me, uma vez mais - o que foi evidenciado pela intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos -, que há aqui como que uma manifestação de um pensamento que aflorou, por exemplo, no passado em matéria de condicionamento industrial, que e a ideia da protecção da iniciativa privada contra ela própria através do papel tutelar do Estado e, por outro lado, a ideia, que foi muito significativa ao longo de todas as intervenções do PS, de que o Estado, pela simples circunstância de ser ele a faze-lo, tem uma presunção de que as coisas correm bem e de que é positivo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exacto!

O Sr. Presidente: - E isso levou, por exemplo, a considerar que marginalizaríamos os jornalistas ao retirar o serviço público de informação em matéria de imprensa. Nós não pensamos nada disso, mas sim que o Estado tem aqui uma função importante de controle ou de policiamento quanto a desregramentos e que a liberdade de imprensa é melhor assegurada pela via do pluralismo na sociedade do que pela via do pluralismo no Estado, pois este último constitui em si próprio uma verdadeira contradição. Por outro lado, tememos muito que o Estado não tenha, aqui ou alem, por via da sua própria estrutura natural de funcionamento, intuitos liberticidas ou, pelo menos, desvirtuadores da maneira como esse pluralismo deve ser exercido. E em Portugal as experiências que tem vindo a registar-se justificam esse pessimismo.

Aliás, devo sublinhar mais uma vez que não conheço, nos países de pluralismo político, nenhum serviço público de imprensa. Conheço serviços públicos em matéria de televisão e de rádio, mas não em matéria de jornais. Por alguma razão é, e foi por isso que há pouco lhe coloquei a questão. Não se trata apenas de uma questão de grandeza mas também de uma questão atinente á natureza do tipo de informação que é veiculada.

Por outro lado, foi há pouco observado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito - muito bem, a meu ver - que parece ser um pouco à contre-coeur que o PS aceita, face à evolução tecnológica, abrir mão de algumas coisas em matéria de monopólio televisivo estadual. Pode ser que não o seja, mas é essa a sensação que dá. Todavia, estamos de acordo quanto à necessidade de garantir o direito à informação, a liberdade de imprensa, a independência dos meios de comunicação social, um serviço público da radiotelevisão e de radiodifusão e, naturalmente, o exercício do direito de antena de resposta e de réplica política, direitos e princípios que, na nossa proposta continuam a ser respeitados.

Quanto às dúvidas e às necessidades que temos em proceder a um adensamento de alguns dos preceitos, referiria, em primeiro lugar, o problema do órgão independente do licenciamento. O Sr. Deputado Almeida de Santos fez uma defesa, hábil e inteligente - e nem outra coisa seria de esperar - dessas entidades. Mas, na realidade, dos exemplos que referiu alguns têm nitidamente um carácter corporativo, outros estão muito ligados a uma função judicial e pelo menos a uma concepção de aplicação da lei por subsunção em termos em que o elemento político entra pouco. O Tribunal Constitucional, esse, tem-se aceite sempre que tem uma permeabilidade maior aos valores políticos, o que constitui uma realidade insofismável, não funcionando exactamente como, por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, relativamente aos outros casos, tem sido muito mais difícil assegurar o seu conveniente funcionamento na medida em que, em Portugal, não é fácil encontrar pessoas que, digamos, tenham um comportamento suficientemente autónomo em relação a partidos ou a organizações em que se encontram integrados. Se bem que, evidentemente, existam algumas, elas não são, porém, em tão grande abundância que tenha facilitado essa tarefa. Inclusivamente, temos visto que a independência de comportamentos não é muito prezada pela generalidade das pessoas, dentro e fora dos partidos políticos. Trata-se de uma realidade que não é exclusiva de nenhum deles, embora alguns levem esses aspectos a graus muito exagerados. De modo que isto torna as coisas muito complicadas, revelando-se muito difícil encontrar um órgão que ofereça melhores garantias do que a Administração Pública, que, apesar de tudo, tem algumas vias para garantir a imparcialidade.

Não estou, neste momento, a excluir a possibilidade de existência de um órgão desse tipo, mas sim a exprimir um certo cepticismo acerca do êxito do seu funcionamento. E não creio que o Conselho de Comunicação Social possa ser apontado, sem prejuízo da coragem moral de muitas das pessoas que o integram, como um órgão que, neste

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capítulo, tem atingido um magistério de elevado grau. Tem dado umas espadeiradas à direita e à esquerda e, a meu ver, se bem que tenha acertado algumas vezes, não atingiu infelizmente, neste capítulo, grande prestígio. Apesar, repito, dos propósitos e da coragem revelados pelas pessoas que o integram. Essa é dificuldade real.

A segunda dificuldade resulta do seguinte: penso que não teremos objecções, desde já, a tentar encontrar formulações para as garantias institucionais consignadas no n.° 7 do artigo 38.° da proposta do PS, que vão mais além do que aquilo que, neste momento, se encontra explicitado na Constituição, isto é, que desenvolvam esses aspectos e fiquem consagradas na Constituição. Isto não nos parece difícil de realizar, muito embora tenhamos algumas dúvidas - sem grande importância - sobre se tudo deve ser agrupado num estatuto da informação, não existindo coisa que devam ser agrupadas, por exemplo - por que não -, num estatuto da oposição, que, de resto, já existe na legislação ordinária. Mas, trata-se de questões de somenos. Onde lemos alguma dificuldade - e, neste momento, o problema terá para nós que ficou em aberto, pelo que os convido a passarmos adiante e a reflectirmos sobre ela - é em transpormos isso para um lei ordinária, embora com uma vigência reforçada em virtude do processo mais exigente para a sua elaboração e depois, para a sua reforma. Temos essa dificuldade porque é duvidoso que esse seja o melhor esquema para o fazer e porque isso tem outras implicações de tipo político. Não estamos convencidos de que seja o único caminho parti o conseguir.

Consequentemente, parecer-me-ia importante referir que percebemos a relevância deste problema em matéria de construção normativa do regime político e que estamos dispostos a fazer um esforço no sentido de explicitar com maior pormenor os aspectos que o PS considera importantes. Aliás, julgo que alguns desses aspectos não suscitam, no nosso lado nenhuma dificuldade em lermos de formulação. E se bem que outras questões, sejam mais difíceis, como e o caso do problema da entidade independente, isto não significa porém uma exclusão apriorística. Vamos ver quais são as soluções preconizadas e vamos mesmo tentar excogilar algumas soluções.

Do ponto de vista técnico, isto é, no que concerne à formulação em termos de saber se se deve consagrar na Constituição, na legislação ordinária pura e simples ou numa lei que esteja num posicionamento intermédio em termos de hierarquia das leis, também aqui estamos abertos mais às primeiras soluções do que à última. Não leríamos objecção se as formulações constassem da Constituição em termos um pouco mais explicitados, para que não haja equívocos quanto ao problema da regulamentação. Tenho vindo a defender que a Constituição não deve ser um regulamento e transformá-la em tal constituiria uma perversão de norma fundamental. Mas se circunstâncias concretas aconselharem a que, para o delineamento completo da garantia institucional, seja útil juntar algumas notas na Constituição, não estaremos perante um problema regulamentar, mas sim um problema próprio da matéria constitucional, pelo que estaremos abertos a fazê-lo.

Suponho que demos um passo importante. Apreciámos o comportamento que o PS quis ter ao pôr os problemas com grande franqueza e penso que avançámos um pouco. Tenho pena que, por vezes, por necessidades que extravasam da Comissão de Revisão Constitucional, alguns tenham que fazer recursos com objurgatórias políticas que não tem a ver com o objecto dos nossos trabalhos. Mas as coisas são como são. Também lenho a ideia de que, neste momento, não poderemos ir muito mais além do que agora fizemos. Numa reflexão posterior, certamente poderemos avançar mais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sem, de modo nenhum, ter a preocupação de rebater os seus argumentos, que ouvi com a maior atenção e respeito, gostaria de perguntar-lhe se não seria possível ao PSD, de cada vez que concorda com propostas nossas, refugiar-se um pouco menos em atitudes vagas, como neste caso, e ir um pouco mais ao encontro do concreto, sem prejuízo do esforço que fez nesse sentido e que eu realço. Enfim, estão de acordo em que se consagre o livre direito à informação e à liberdade de imprensa. Nós sabemos que isto não é de fácil pormenorização na Constituição.

Todas as soluções que propusemos têm defeitos. Mas terão mais defeitos do que a administração, pelos governos, dos órgãos de comunicação social, no sentido em que tem vindo a ser exercida? O Govêrno tem sido, neste domínio, o órgão mais criticado de todos. Apesar de tudo, muito mais criticado do que o Conselho de Comunicação Social. Estou de acordo em que este órgão não tem um magistério impecável. Mas que outro pode atirar-lhe a primeira pedra? O Governo, esse sim, lem sido, desde sempre, uma entidade permanentemente criticada. Não acha, portanto, que deveríamos fazer um esforço no sentido de o substituir nessa função? Porque nos órgãos de comunicação social não se trata apenas de uma questão de administração: não é só nomear o administrador e dizer-lhe para gerir bem o património da empresa. As empresas do sector público devem continuar a ser administradas de acordo com a Administração. Mas não acha que os aspectos da orientação, da programação, da informação, etc., deveriam compelir a uma entidade exterior ao próprio Governo, exactamente em resultado da experiência que temos?

Terceiro ponto: vejo com agrado que, apesar de tudo, a regra dos dois terços não o perturba, na medida em que está disposto a passar para a Constituição o essencial do que nós propusemos. Assim, não é o problema de conseguir os dois terços para a aprovação do estatuto da informação que o perturba, o que e óptimo. Mas não acha que, apesar de tudo, pode colocar-se sob a suspeita de que está a querer um ganho de laconismo, sabendo nós que na Constituição não pode descer-se a pormenorizações que serão necessariamente úteis e que poderão constar de um estatuto, mas não da Constituição? Esse ganho de laconismo não virá, no fundo, a constituir a maior das ilusões? De facto, não obstante termos dito mais alguma coisa, não teríamos dito o necessário para encontrarmos uma plataforma de solução das nossas preocupações e problemas. Quando queremos que uma criança não coma o bombom, não lhe dizemos: "o menino fica a saber que não pode comer o bombom"; tiramos-lhe o bombom. E é isto que eu sugiro relativamente aos órgãos de comunicação social, sendo "a criança" o Governo, como é óbvio.

O Sr. Presidente: - Acho que é revelador...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de formular uma pergunta ao Sr. Deputado Rui Macheie. Não sei se o Sr. Presidente entenderá dar-me a palavra depois de responder ao Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Com certeza que lhe dou a palavra, Sr. Deputado. Mas o Sr. Deputado não fez propriamente perguntas; defendeu, sim, com toda a legitimidade e

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habilidade, as suas teses, pelo que não lenho a dar-lhe outra resposta que não seja a de que as suas objecções serão objecto de reflexão e consideração.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que, nesta intervenção, foi visível, da parte do PSD, uma intenção de fazer concluir o debate por um non liquet simpático. Não posso deixar de lamentar, em nome da minha bancada, que para atingir esse objectivo tenha considerado necessário procurar estabelecer uma falsa e, de resto, bastante antipática clivagem não entre os conteúdos políticos mas aquilo que poderíamos qualificar como questões de "estilos políticos", isto é, de luvas e de punhos. É naturalmente uma questão respeitável, sempre numa óptica sibarítica, mas não me parece que a circunstância seja relevante. Creio que e preciso discutir com frontalidade o quadro que está criado e assim, penso, ninguém tem o direito de se sangrar em saúde ou desatar aos uivos e arrepios de susto, quando ouve uma crítica política frontal. Naturalmente, temos todos direito a lazer as objurgatórias que nos apeteçam, dentro das regras regimentais, e não, seguramente, fora delas ou contra cias. Isso pode provocar, em cada partido, um impacte maior ou menor, ou nenhum, o que é também uma forma de reagir. Em todo o caso, não se deve procurar, em meu entender, um escamoteamento do debate político em nome de questões de sensibilidade ou prurido, o que, segundo creio, é plenamente o caso.

E a questão que pretendia colocar é a seguinte: independentemente da agressividade ou da marca pessoal que cada um de nós queira ou seja capaz de deixar nos debates, independentemente de as caricaturas serem normalmente um mau estilo ou uma má metodologia (na medida em que permitem respostas fáceis, defesas fáceis e fugas rápidas, como creio que aconteceu um pouco), e independentemente de atingirem o alvo, penso ser impossível que o PSD faça este debate sem assumir frontalmente a realidade da comunicação social portuguesa neste momento. Há lobbies, o que não quer dizer que esta afirmação transforme o Sr. Deputado Rui Machete num serventuário dos lobbies, directo e encartado. Não foi isso que aqui se afirmou, não foi isso que aqui disse em nome do meu partido. O que disse foi que o legislador, neste caso na revisão constitucional, não pode ser insensível à necessidade de estabelecimento de determinadas cautelas.

Quanto ao mais, pode e deve travar-se um debate que tem um cunho fortemente ideológico. Não considero que se possa penalizar por excesso de "agressividade política" o facto de o Sr. Deputado Rui Macheie entender ser seu direito e dever fazer o elogio do "Estado mínimo" ou fazer uma crítica e um libelo ao Estado constitucional. Mas e legítimo e indispensável defender esse Estado constitucional! E era em relação à questão do Estado constitucional, tal qual o lemos, que gostaria, por um lado, de fazer uma observação e, por outro, de colocar uma interrogação.

Primeira observação, simples, e que, de resto, constitui a resposta que o PSD, de certa maneira, implicitamente, solicitava, não quanto à questão geral "nós, comunistas e o Estado", mas em relação ao concreto Estado democrático português e à luta que irávamos para que ele fosse edificado. É uma graça "simpática" - suponho que não passa disso - a afirmação - de que, entendendo o PCP que o Estado está ao serviço das classes dominantes, se deveria perguntar qual a razão por que defende um modelo em que o Estado terá um papel preponderante. A resposta simples, óbvia e elementar, está nos artigos 38.º e 39.º da Constituição: porque no Estado democrático português, pelo qual nos batemos, o Estado, no domínio da comunicação social, tem deveres e obrigações de garantia da objectividade, do pluralismo, do rigor, da participação e da igualdade de tratamento das diversas correntes de opinião existentes na sociedade!

Naturalmente, esse Estado não é propriedade do partido do Governo, o que, na óptica do PSD, é um grandíssimo defeito. Eu compreendo. O Estado não se identifica sequer com o Primeiro-Ministro existente numa determinada data ou com o presidente da Comissão da Revisão Constitucional ou com os membros que vão às cimeiras do PSD, e por aí adiante. Mas o Estado não é isso. É, sim, uma realidade plural, refractada, que tem em conta a própria realidade política, partidária. Suponho, portanto, que o próprio Sr. Deputado Rui Macheie não linha a aspiração de ler agora um debate aprofundado sobre "o Estado e a revolução no terceiro milénio", ou sequer sobre os últimos desenvolvimentos das concepções e elocubrações do PCP sobre a problemática do Estado e da revolução, no presente momento e na presente etapa, antes e depois do 19 de Julho. É seguramente um tema apaixonante, que nos coloca frente à questão da tomada do Estado por um partido e de uma tentativa bastante visível e escabujante de "mexicanização" do sistema. Mas, suponho que não era esse o tema que o alertava. E gostaria apenas de sinalizar que considero improfícua a tentativa de induzir fenómenos de marginalização em debate político, através do recurso a argumentos ad terrorem, como aquele que o Sr. Deputado Rui Macheie utilizou relativamente à postura do PCP nesta discussão.

Quanto à pergunta que pretendia fazer, incide concretamente sobre as virtualidades da "Constituição lacónica". O Sr. Deputado Rui Macheie disse, em meigo e em arrulhado, aquilo que o Sr. Deputado Costa Andrade linha dito sem grande jeito e aquilo que, ontem, a Sra. Deputada Assunção Esteves, bastante veementemente, mas sem argumento visível, linha adianiado. Isto e, às perguntas fulcrais: "PSD, embargas ou não embargas as tuas obras no terreno, quanto à Lei da Rádio e outras malfeitorias?" Silêncio completo. Podem alegar que não têm mandato, podem alegar que têm de ir perguntar ao Primeiro-Ministro, o que o perfeitamente lógico, pois é o chefe do PSD. Mas a questão é que este debate é inconcludente por isso e não por causa da posição em relação ao Estado ou pela questão de saber se o Estado e ou não capaz de assegurar o pluralismo ou, como há pouco dizia o Sr. Deputado Rui Machete, se o Estado tem "pulsõcs liberticidas incontroláveis". Os senhores sabem! Os senhores têm todos os dias essas pulsões liberticidas. Portanto, isso é verdadeiramente uma confissão psicodramática, mas pouco comovente.

Mas é vossa, não é nossa nem é do Estado. Imputem ao PSD a pulsão e o drama liberticida. Agora, imputar isso ao Estado como mal eterno parece-me francamente abusivo, e pode-se referi-lo com jeito e trejeito, mas certamente sem grande eficácia.

Portanto, Sr. Presidente, a opção é clara: ou a Constituição, tal qual VV. Exas. a imaginam - não a actual Constituição da República -, e a lei ordinária sairiam desta Assembleia mudas e de cera em função da vossa vontade; ou o Constituição seria, no vosso entender, alterada neste ponio, mas acompanhada simultânea, faseada e concatenadamente de uma nutrição de legislação materialmente rica e densa para a definição do estatuto dos órgãos de comunicação social. Em que ficamos? Sem a resposta a isto é evidente que V. Exa., Sr. Presidente, poderá fazer observações e intervenções extremamente doces, melífluas, mas serão completamente ineficazes e, digo mesmo, confrangedoras do ponto de vista político.

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A minha pergunta é, em suma, a seguinte: pode o PSD realmente dizer qualquer coisa em lermos de sim ou não quanto a esta maioria? Creio que vamos ter que esperar pelo próximo capítulo...

O Sr. Presidente: - Compreendo que V. Exa. lenha que - deixar registados em acta - obviamente que lhe estou a responder em relação à minha intervenção- os entendimentos que comprovem, de uma maneira inequívoca, o espírito com que o PCP participa nos trabalhos de uma revisão constitucional cujo pendor não lhe agrada. Entendo isso e julgo que e perfeitamente legítimo. Peço é que isso seja feito, se possível, apenas uma vez por reunião. Este é somente um pedido, não mais do que isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é liberticida!

O Sr. Presidente: - Não é liberticida, mas sim o respeito pela liberdade dos outros. Esta é a minha ideia, mas provavelmente não será essa a sua interpretação.

Sr. Deputado José Magalhães, tenho uma interpretação acerca do comportamento do PCP no que diz respeito à sua preocupação pelo modelo do Estado ligeiramente diferente daquela que o senhor me deu, mas talvez acabe, no fundo, por redundar na mesma coisa.

É evidente que nesta fase de transição em que nos encontramos o PCP está muito interessado em defender os aspectos da Constituição que defende, já sabemos que assim é. No terceiro milénio a situação do PCP será com certeza diferente, e então ele voltará à pureza dos princípios últimos ou dos objectivos iniciais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esperemos que não haja Estado nessa altura, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Ora bem, Sr. Deputado, isso foi outra coisa que me surpreendeu: é que a sua estatolatria está em profunda contradição com a ideia que agora expressou, que essa, sim, e radicalmente marxista.

O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. será o melhor juiz dessa questão marxista.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, gosto muito de apreciar a ortodoxia marxista das pessoas que tem, em princípio e por dever de ofício, de a defender e por vezes não o fazem.

Quanto ao problema que me apresenta, devo dizer-lhe que não entendo que seja possível colocá-lo nesses termos. Estamos a discutir um problema de revisão constitucional, e não perfilho a sua interpretação acerca das propostas que virão a vingar em termos de legislação ordinária e que hão-de ser conformes à Constituição, senão, o Tribunal Constitucional anulá-las-á.

Ora, o que estamos neste momento a fazer e a tentar estruturar uma lei constitucional que saia desta revisão e que seja adequada. É isso que estamos a fazer, foi nesse sentido que recebemos, como o Sr. Deputado disse há pouco, o mandato, e não para tergiversarmos em matérias que introduzem uma polémica eventualmente muito importante, mas que não e o objecto desta nossa Comissão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, não respondeu à pergunta.

O Sr. Presidente: - Deixando esse "chapéu" de parte, tenho inscritos para usar da palavra os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Jorge Lacão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não sei se aquilo que vou dizer se justificará, porque, não tendo estado presente na primeira parte da reunião, não sei o que entretanto foi aqui referido. Penso que apanhei algumas coisas no ar - e porventura algumas delas serão repetidas -, mas gostaria de me dirigir aos Srs. Deputados José Magalhães e Almeida Santos tecendo um comentário às posições de ambos e delas extraindo também algumas conclusões em relação à posição do PSD perante a revisão da Constituição e outras questões que foram focadas.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que as posições do PSD e do PS face à opinião do PCP são profundamente diferentes. O PCP pretende ter tudo na Constituição, pretende que esta consista num texto denso e melodramático que evite quase que a legislação ordinária tenha espaço para se exprimir. Ao fim e ao cabo, o que deseja é que a legislação ordinária repita tudo o que está expresso na Constituição, o que é uma complicação, porque sempre que quisermos elaborar alguma peça de legislação ordinária teremos de repetir passo a passo o que estiver consignado no texto constitucional. Repetir-se-iam assim frequentemente alguns artigos. É exactamente isso o que tem acontecido e, porventura, o PCP gostaria que assim continuasse a acontecer. Temos uma visão diferente do que devem ser os princípios constitucionais a inserir na Constituição e as respectivas normas de execução. E esta confusão é tão grande no espírito do PCP que o leva a cometer outros excessos, tais como, por exemplo, o de atribuir poderes executivos à Assembleia da República. É evidente que o PCP - e voltando a uma observação anterior do Sr. Deputado José Magalhães - não pode nem nunca poderá estar numa cimeira, porque as suas concepções em relação às questões fundamentais são radicalmente diferentes das nossas.

Diria que as posições do Partido Socialista são posições que tem evoluído ao longo do tempo, e de forma sensível, designadamente no respeitante ao monopólio da televisão. A posição que o Sr. Deputado Almeida Santos agora perfilha é, segundo creio, fruto de uma elaborada construção ao longo do tempo no seio do PS, que muito prezamos e que nesta altura reflecte um pensamento diferente. Foi surgindo por força das circunstâncias, dos impactes tecnológicos, da realidade do mundo, dos princípios gerais que se verificam nas outras sociedades modernas e democráticas, e certamente tudo isso e mais alguma coisa leva a que o PS tenha nesta fase uma abertura diferente para considerar de outra forma questões essenciais que há algum tempo não considerava assim. É isto que nos faz dizer que nos congratulamos com a abertura do Partido Socialista em relação a algumas questões.

Relativamente ao serviço público mínimo, ou à questão do serviço público tal como é encarada pelo PS e pelo PSD, creio que, se e porventura uma temática de dimensão, é, mais do que isso - e friso a afirmação do Sr. Deputado Almeida Santos relativamente aos jornais -, uma questão de evidencia e também uma conclusão comparativa, decorrente das nossas duas posições, entre o que se passa nos países democráticos e o que se deve passar em Portugal. O Sr. Deputado Almeida Santos certamente não conhece jornais que concretamente façam parte do serviço público em qualquer democracia ocidental. Fazem parte desse serviço meios de comunicação social que, do ponto de vista tecnológico, aconselham a que realmente o serviço público neles seja exercido, mas o Sr. Deputado não verifica que esse serviço seja exercido nos jornais, a não ser que se considere - e nós também o poderíamos considerar, apenas por graça - que o Diário da República seja um jornal que consubstancie também o exercício de um serviço público mínimo, pelo menos em relação às obrigações gerais.

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Diria, pois, que a proposta apresentada pelo PS mostra, do meu ponto de vista, alguns aspectos que devem ser considerados pelo Partido Social-Democrata. Penso que, se há áreas de entendimento que podem ser exploradas, há também áreas de excesso que não devem ser consideradas. Questiono-me em relação, por exemplo, ao problema do licenciamento, ou seja, sobre se o texto da autoria do Partido Socialista deve ou não englobar, com toda a densidade que ele inculca, as normas relativas a licenciamento. Entendo que os princípios gerais deveriam estar aí incluídos, e não o regime em si mesmo, o que, julgo, seria um manifesto excesso.

Por outro lado, gostaria de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que não há nenhuma malfeitoria nas leis que entretanto estão a ser elaboradas pelo Governo. O Executivo está a elaborar leis neste domínio que respeitam estritamente a Constituição, no uso dos seus poderes normais e naturais. Até a Constituição estar revista e o respectivo texto pronto, é evidente que alguma coisa lerá de se fazer neste país, ou seja, o Govêrno tem de governar e os problemas têm de ser resolvidos, e da melhor maneira possível - como estamos a fazer -, de acordo com a Constituição que temos.

Deste modo, pretende o PSD reconduzir aos princípios fundamentais aquilo que deve estar consignado na Constituição - e esse o nosso objectivo. Não queremos acabar com as salvaguardas, o que o Sr. Deputado de alguma maneira, e - permita-me a expressão - malevolamente, insinuou que pretenderíamos. Se V. Exa. ler o n.º 5 do artigo 39.º que o PSD propõe, deparará com tudo aquilo que o meu partido quis salvaguardar e que entendeu que o Govêrno não estaria a salvaguardar. Evidentemente que é muito mais útil a um governo colocar-se de fora de todas as questões controversas. Compreendo que assim seja e entendo que, perante um governo - segundo disse o Sr. Deputado Almeida Santos num determinado momento da sua prosa - que vai a caminho do poder total, mas que, por outro lado, poderá retornar ao pó, as vossas declarações de amabilidade em relação a situação deste executivo face às questões fundamentais sejam admissíveis e importantes.

De qualquer forma penso que nenhum governo, seja ele qual for e qualquer que seja a sua natureza, pode deixar de resolver as questões fundamentais que se lhe apresentam. E também qualquer partido, designadamente o PSD, com a responsabilidade, do ponto de vista eleitoral, que tem, não pode deixar de dar corpo àquilo que tem sido as suas propostas ao longo do tempo e que, ao fim e ao cabo, o próprio País tem provavelmente sufragado como as que são mais conformes ao seu pensamento genérico.

Creio, portanto, que também há aqui alguma legitimidade para introduzirmos, ao contrário do PCP, algumas alterações à Constituição. Se o País quisesse que a Constituição permanecesse tal como está, com certeza que não teria permitido a actual repartição de pronunciamento eleitoral que permitiu. Ou seja: se o País não aceitasse as posições que o PSD ao longo de lodo este tempo tem vindo a manter e a concretizar, certamente que a situação seria radicalmente diferente - e o Sr. Deputado José Magalhães, por mais que queira, não pode iludir nem esquecer esta realidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, pedia-lhe que tentasse concretizar quais são os citados pomos de entendimento e os pontos de excesso, talvez mais os segundos do que os primeiros. Porque, em relação ao significado dos resultados eleitorais de 19 de Julho, em relação ao espectro resultante desse acto eleitoral, em relação à noção básica do que seja uma maioria1, em relação às suas prerrogativas constitucionais, em relação aos direitos dos partidos da oposição - que o senhor não referiu, mas compreendo, porque está na óptica do partido do poder e portanto a questão não o apaixona -, em relação a todos estes aspectos os posicionamentos são mais ou menos conhecidos.

Por outro lado, gostaria de lhe perguntar se não evoluiu qualquer coisa desde o dia 19 de Julho até hoje, porque tive ocasião de ler o programa eleitoral do PS e lá "topei" a expressa menção de abertura que V. Exa. saúda com um ar de noivado, como se tivesse descoberto agora o semblante radioso do noivo. Não se trata disso, ou seja, a coisa é conhecida.

Ora, o grande problema é que entre o programa do PSD e o programa eleitoral do PS há uma pequena coisa chamada 19 de Julho. Como o PSD tem um entendimento vicioso e viciado do resultado destas últimas eleições, ao que parece pretende impor o seu programa em marchas forçadas, mesmo nas partes em que ele se contrapõe à Constituição, e não tem paciência sequer para respeitar a modalidade adequada e para ver o que é que tem de ser tirado, se for caso disso, em matéria de revisão constitucional.

De facto, V. Exa. acabou de fazer aqui um afloramento, embora tímido, da "rica teoria" expressa há dias no Plenário pelo seu colega Pacheco Pereira, ou seja, a teoria das "duas medidas e dos dois pesos", ou a teoria da "revisão constitucional resultante do PSD mais um contrapeso" (o PSD, com o seu peso, e depois ao lado o resto), o que realmente dá aos partidos da oposição, em particular ao PS, bem como aos outros que formem a maioria de revisão constitucional, um papel singular e bastante menor em todo esse processo, que não creio que tenha a ver o que quer que seja com o modelo constitucional.

Gostaria apenas de aproveitar para precisar que a nossa posição não é a de querer tudo expresso na Constituição. Não lemos é a noção de que a Constituição seja um trambolho e um empecilho.

Ás vezes, ouvindo o Sr. Deputado Carlos Encarnação - enfim, esse será um vício de marca, não pessoal seguramente -, julga-se que o PSD não votou a Constituição, ou seja, que ela consiste numa espécie de coisa construída à margem dele e contra a sua vontade violada, grilando ele que não a queria. Ora, neste ponto, a Constituição até foi construída com o voto do PSD. Acontece que entre o PSD de 1974 e de 1975 e o PSD de Cavaco Silva existem as diferenças que são visíveis, inclusive esta que V. Exa. acaba de exprimir.

Em todo o caso, a culpa não é...

Diga Sr. Deputado Costa Andrade, não consegui ouvir o que disse.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não disse nada!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Parece-me que o rumor que ouvi traduzia palavras expressas, mas estou a ver que não.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não era o sentido de ficar registado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, tanto quanto compreendi, trata-se de um àparte, mas de um aparte inaudível, o que realmente nos deixa uma curiosidade feroz

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em relação ao conteúdo dessa coisa, relativa à identidade do PSD, qualquer que ela fosse, a qual dita para a acta não pode ser registada e não era para os meus ouvidos.

Em suma, o PSD tem hoje uma concepção amputatória da Constituição e quer transformá-la numa projecção do seu programa. São coisas, Sr. Deputado Carlos Encarnação! Agora, pela nossa parte não podemos naturalmente aceitar isso e gostaria de lhe pedir que reconsiderasse a questão do anátema relativo à nossa proposta de concessão ao Parlamento de certas prerrogativas nesta matéria como um "aborto jurídico", algo absurdo e de "Fornos de Algodres".

Como V. Exa. sabe, a nossa solução coloca problemas jurídico-constitucionais quase similares aos colocados pela proposta do PS. Ainda não aflorei esse aspecto suficientemente, mas, de facto, ela coloca-os. Porque das duas uma: ou o Governo, com as suas funções próprias, teria os poderes relacionados com o licenciamento ou, dado o vosso conceito de separação de poderes, os senhores tenderão a entender que tudo o que não seja isso consiste numa expropriação e invasão da esfera de actuação própria do Executivo. Isto quer se trate da Assembleia qua tale, quer seja um órgão com uma composição decorrente de um acto de vontade desta, por hipótese uni conselho dos licenciamentos ou um conselho dos áudio-visuais em que a Assembleia da República procedesse à designação de certos membros. Sendo esse conselho uma emanação do Parlamento, em certa medida, esse órgão teria problemas de cobertura constitucional evidentes à luz do vosso entendimento do que seja a separação de poderes. No entanto, é óbvio que esses problemas se situam numa dimensão e numa graduação inferior aos colocados pela proposta apresentada pelo PCP.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso é completamente diferente!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Completamente diferente não sei como nem porque! Talvez que com esta nossa posição tenhamos conseguido o efeito de VV. Exas. entenderem que, afinal, sendo a nossa proposta tão ousada, talvez a proposta apresentada pelo PS, que os senhores rejeitam firmemente, não seja tão intragável! Seria útil que esse ponto pudesse ser clarificado...

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, gostaria de lembrar que ainda não intervim ate agora e que, se não o fizer durante o tempo que nos resta de manhã, também não o farei da parte da tarde, porque me vou ausentar. Solicitaria ao Sr. Presidente que me esclarecesse sobre isso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não queremos ser prejudicados e não ouvi a sua intervenção. De modo que se houver consentimento da parte dos Srs. Deputados que estão inscritos V. Exa. poderá intervir imediatamente a seguir a eles. Veremos essa questão após as intervenções dos Srs. Deputados inscritos.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Não pretenderia tão-pouco quebrar o ritmo e a recta final deste debate.

O Sr. Presidente: - Pode introduzir-lhe apenas algumas curvas.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, solicitaria que me permitisse fazer aquilo que já foi permitido, em circunstâncias semelhantes, ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, ou seja, que me fosse permitido intervir numa próxima reunião, embora fazendo a respectiva inscrição antecipadamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, julgo que se puder e preferível intervir já a seguir, porque naturalmente vamos terminar a reunião por volta das 13 horas e ainda haverá tempo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, responderei muito rapidamente ao Sr. Deputado José Magalhães, dizendo apenas o seguinte: é evidente que os excessos estão para além daquilo que o PSD propõe para a revisão constitucional. É simples, é fácil!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! É que se se trata disso não há discussão possível.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, e admissível que, em termos de revisão constitucional, se consiga - espero que sim - chegar a algum entendimento em relação àquilo que é excessivo e que se poderá eventualmente considerar menos excessivo. Completamente diferente é a posição do PCP, que nem sequer pode ser considerada meramente excessiva, já que é radicalmente oposta à nossa. Como é evidente, não pode ser considerada simplesmente excessiva, como aliás V. Exa. ainda há pouco acabou por confessar timidamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não confessei coisa nenhuma!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que lhe pretendo dizer é que não quero lazer aqui a afloração do princípio do dia 19 de Julho. Lembro-lhe é que o País de 1976 e o País de 1988 são completamente diferentes e que, portanto, é natural que as questões, quer do ponto de vista da actualidade, quer na óptica do conteúdo da discussão política que entretanto se tem travado, dêem produtos diferentes. É sobre esta realidade jurídica, política e social que estamos a trabalhar.

Portanto, V. Exa. tem de prestar atenção a isso e não a qualquer coisa de mutável construída em 1976 num país com as características dessa época. Tem, pois, de considerar uma realidade diferente e adequar-se a ela, pura e simplesmente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso salta pelo período de 1982, Sr. Deputado. No entanto, deixemos essa questão de fora.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. está inscrito para usar agora da palavra. Porém, pergunto-lhe se permite que o Sr. Deputado Herculano Pombo intervenha antes.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, não se traia de não querer permitir isso, mas sim de ter feito uma inscrição há algumas horas atrás, afim de produzir uma intervenção que penso que tem algum nexo com o tipo de debate e com os interlocutores que, neste momento, me antecederam. Perante isto, receio que a intervenção para a apresentação das propostas do PEV, através do Sr. Deputado Herculano Pombo, faça deslocar o sentido do debate e

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dar menos significado à minha alocução. Por isso, se o Sr. Deputado Herculano Pombo não me leva a mal, gostaria de manter a minha decisão de usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, inscrevi-me para intervir a propósito de uma afirmação produzida pelo Sr. Deputado José Magalhães aquando de um diálogo interessante com o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Deputado José Magalhães afirmou nessa altura - e passo a citar: "A proposta de alteração apresentada pelo PS está, neste momento, pendurada, o que nos deixa naturalmente ao PCPJ extremamente confortados." Julgo, pois, que esta afirmação é curiosa e deve ser meditada por aqueles que tiverem realmente uma predisposição seria em conseguir uma revisão constitucional efectiva.

Ora, salta à vista a partir das propostas do PS, em sede de revisão constitucional, que temos uma atitude crítica relativamente ao modelo constitucional adoptado nos artigos respeitantes à comunicação social. A experiência passada ajuda-nos a compreender que algumas das soluções tentadas foram, porventura, soluções logradas. Entretanto, gostaria de explicitar melhor este meu ponto de vista.

Assim, em primeiro lugar, temos a questão do sector público. Há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos lembrou-nos de novo um conjunto de circunstâncias historicamente prementes que conduziram à existência do sector público da comunicação social, tal como ele hoje ainda se encontra. Portanto, não vou reportar-me a esse condicionalismo histórico, mas tão-só à circunstância feliz de o PS e o PSD convergirem ao menos num ponto, ou seja, o de admitirem a necessidade de um serviço público no domínio da televisão e da rádio. Basta então que esta convergência se registe para se suscitar nesta matéria um problema. De facto, quem admite um serviço público em órgãos de comunicação social com tal impacte tende a ser obrigado a garantir não só princípios de qualidade como também de efectiva objectividade e pluralismo. E digo isto desde logo porque esses órgãos têm uma cobertura noticiosa geral e, pela sua natureza, uma forte influência junto das populações, tanto mais que estas têm graus relativamente preocupantes de aculturação, na medida em que o acesso a outro tipo de órgãos de comunicação social, designadamente os escritos, como está demonstrado, é bastante débil na sociedade portuguesa, o que não ajuda à estruturação de uma opinião pública suficientemente forte e coloca-a, por consequência, na dependência desses meios de comunicação social, como são os da televisão e da rádio. Portanto, essa a razão pela qual o serviço público não pode prescindir de garantir esses princípios.

Ora, sucede que quando o PSD admite constitucionalmente consagrar o serviço público propõe simultaneamente que seja descontitucionalizado o Conselho de Comunicação Social, ou seja, que passasse a inexistir qualquer tipo de órgão que velasse pela garantia destes princípios essências. Face à inexistência de um órgão com estas atribuições, evidentemente que a única entidade com competência seria a tutela governamental, no exercício da função administrativa.

Entretanto, para o PSD, que, designadamente pela voz autorizada do Sr. Deputado Rui Macheie, entende que não deve haver uma presunção de que aquilo que o Estado faz faz bem, muito menos é forçoso que exista a presunção de que aquilo que a Administração Pública, directamente tutelada pelo Governo, faz faz bem. E a nossa experiência em matéria de comunicação social demonstra-nos que até faz bastante mal. Daí que seja inconsequente da parte do PSD, segundo penso, que, por um lado, deseje constitucionalizar o serviço público e, por outro, não cuide de garantir um órgão que salvaguarde, em condições de independência, princípios essenciais desse serviço público e deixe tudo nas mãos e na estrita dependência governamental. Se há, afinal, uma vocação estatizante no pior sentido, ela é revelada pelo próprio PSD e não, seguramente, pelo PS. Diria, portanto, que se há alguma atitude liberal que se possa reivindicar dessa qualidade cultural é a do PS e não a do PSD. Em segundo lugar, gostaria de chamar a atenção do PSD ...

O Sr. Presidente: - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que há um equívoco nas suas palavras que penso que talvez seja um pouco fruto da cunha que o PCP tentou estabelecer entre o PSD e o PS. O equívoco prende-se, de facto, com a circunstância de, na nossa ideia, esses poderes não serem reganhos pela Administração Pública em termos de ela suceder na posição que tem actualmente o Conselho de Comunicação Social. Acontece, pois, que a ideia é diversa, ou seja, esses poderes não vão ser exercidos por ninguém. E digo isto com abertura, porque admito que a posição do PSD possa ser reponderada. Refiro-me ao facto de a ideia base não se traduzir na existência de uma tutela, porque isso seria pior. E, neste aspecto, o Sr. Deputado Jorge Lacão teria então toda a razão.

Portanto, a ideia não é o deixar de existir uma tutela exercida pelo Conselho de Comunicação Social para passar a haver uma outra desempenhada pela Administração Pública. Ao invés, o que reganha liberdade é a esfera da sociedade.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Admito, Sr. Presidente, que a intenção do PSD seja essa que V. Exa. acabou de referir. No entanto, isso só me permite salientar ainda mais alguma contradição entre o que é a ideia sustentada pelo Sr. Presidente e a proposta sobre essa matéria apresentada pelo PSD.

Ora, quando discutimos o problema do direito dos jornalistas, ainda no quadro do artigo 38.º e logo nos primeiros números, o princípio restritivo do direito dos jornalistas em órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado manteve-se intocado na proposta do PSD, o que significa que se este partido deseja eliminar as atribuições do actual Conselho de Comunicação Social, mantendo o princípio da restrição de direitos aos jornalistas que trabalhem no sector público, então a pergunta é inevitável e a resposta do PSD não é consequente. Deste modo, a questão é a seguinte: quem é que nessa circunstância vela pela objectividade, pelo rigor e pelo pluralismo?

Dir-se-á que não são os jornalistas, porque têm os seus direitos restritos. Um órgão independente não o é, também, porque o PSD não o propõe e deseja, de resto, aniquilá-lo. Logo, resta só a tutela através da competência que mantém de nomear as respectivas administrações desses órgãos de comunicação social, debilitando, ainda por cima, o direito interno dos profissionais de comunicação social no âmbito desses órgãos de informação. Penso, pois, que o PSD poderá corrigir esta questão a tempo, mas desta contradição não se livra.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acontece que há duas questões distintas nesta problemática.

A primeira questão refere-se à tutela sobre o sector privado, e essa não tem sentido na nossa perspectiva, porque o Estado-Administração não se substituiu ao Conselho de Comunicação Social nos poderes que lhe estão conferidos.

A segunda questão é que num sector que o PSD vê como residual e, eventualmente, VV. Exas. encaram como expansionista, ou seja, o dos órgãos de imprensa que ainda pertencem ao Estado, aí o problema coloca-se em termos diversos. Por isso entendemos que não deve no futuro haver a garantia de que tem de existir um serviço público de imprensa e que, aliás, e para desaparecer a pouco e pouco ou, se as circunstâncias o aconselharem, pode manter-se, embora sem nenhuma garantia de ordem constitucional. Aliás, poderá ate vir a verificar-se que exista um órgão especial para esse sector residual, mas e um problema que não tem a dimensão nem a importância do outro. Portanto, não se podem confundir as duas coisas.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, permita-me que lhe diga ainda o seguinte: quando o Sr. Deputado Almeida Santos defendeu há pouco a proposta do PS quanto a um sector público tripartido e o PSD contrapôs um sector exclusivo no domínio da televisão e da rádio, verificou-se que a diferença de âmbito não era assim tão decisiva, porque pelo menos já sabemos que há convergência quanto à televisão e à rádio. Daí que o saber-se ser a visão do PS mais ampla e a do PSD mais restrita não anula a questão essencial. De facto, existindo coincidência quanto à necessidade do sector público, mantendo-se um princípio de restrição de direitos relativamente aos jornalistas - em todo o caso, não se concluiu ainda a parte do debate que deixámos em aberto para melhor ponderação - não deixa de se manter com toda a pertinência a questão de saber se esse sector público deve estar enquadrado ou não por um órgão diferente do poder político, máximo do Governo, no que concerne a algumas atribuições que velem pela independência desses órgãos de comunicação social.

Voltando ao outro problema respeitante a abertura da televisão a iniciativa privada, diria que o PS não encara essa questão como a consequência de uma fatal idade tecnológica, mas na decorrência do princípio de que a liberdade de acesso aos meios de comunicação social deve ser lambem garantida em todos os tipos de meios de comunicação social, designadamente na rádio e na televisão. Dentro desta lógica de pensamento, diria que o que nos preocupa é saber se o licenciamento como acto administrativo prévio também deve ser exclusivamente uma competência governamentalizada. Se. de facto, o for, voltamos então a uma versão que novamente coloca os potenciais agentes desses órgãos de comunicação social na dependência exclusiva de um critério de oportunidade política quanto ao licenciamento. Não terá, portanto, deste ponto de vista, total razão o Sr. Deputado Nogueira de Brito quando quis ontem circunscrever esta questão à da mera discricionariedade técnica do Governo, porque sabemos que os critérios de opção, para além de serem objectivados na lei através de um sistema de preferências clarificador - e isso já e muito mais do que uma simples opção de natureza técnica -, também em condições de aparente igualdade de acesso, e quando a escolha se tornar necessária, inevitavelmente os critérios de ponderação da vai idade dos projectos lerão de ser assumidos por quem manifestar a competência para promover esse licenciamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, devo prestar-lhe um esclarecimento que me parece neste momento importante.

De facto, o que salientei ontem foi que a margem de discricionariedade deixada à Administração Pública era de natureza técnica. Tudo o mais, como aliás resulta da nossa proposta, consta efectivamente da lei. Portanto, a Administração Pública ao proceder ao licenciamento exerce poderes vinculados. É evidente que esta questão, como chegou a colocá-la o Sr. Deputado Almeida Santos com alguma ironia, não é apenas um problema de possibilidade de ondas hertzianas ao dispor dos candidatos. Há, de facto, muitas outras questões. Entretanto, sobre cias o juízo formulado é legal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, daí talvez seja legítimo concluir que esses poderes vinculados para poderem ser devidamente salvaguardados tenham de estar constitucionalmente consagrados para que não possam ser derrogados por via de legislação ordinária e ao sabor de uma qualquer maioria conjuntural ou, então, que faça parte de uma lei de valor reforçado para garantir o mesmo desiderato. Desse modo, garantimos que esses poderes vinculados não venham a ser subvertidos por maiorias ocasionais e, então, ganharíamos o máximo consenso para este problema. Entretanto, ouvi dizer isso do Sr. Deputado Nogueira de Brito, facto pelo qual me congratulo, porque estamos a caminhar para uma convergência razoável quando constato, pelo menos, que este objectivo dever ser partilhado por todos na procura de uma solução que o realize.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente, Sr. Dcpulado. Como V. Exa. sabe, também acolhemos no nosso projecto de lei de revisão constitucional essa ideia das leis reforçadas que para o PS são paraconstitucionais e para o CDS orgânicas. Teremos, porventura, de discutir o conteúdo do estatuto que,...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sem dúvida!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... numa primeira aproximação, entendemos que é excessivamente pormenorizado na vossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado Jorge Lacão, só por azar o PSD não consegue ... as leis paraconstitucionais nesta matéria.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E só por azar, Sr. Deputado, e provável que o PCP nesta matéria tenha de ficar progressivamente desconfortado em relação ao desconforto inicial, uma vez que o PS não descansará de promover um entendimento suficiente neste ponto, na medida em que não se conforma com a configuração constitucional que a matéria da comunicação social tem neste momento. E é por isso que temos estado activamente a procurar abrir caminho para que a solução seja não só inovadora como lambem faça superar uma querela que é manifestamente negativa para a sociedade portuguesa.

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O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, permito que ainda use da palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - São só dois ou três minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): -Sr. Presidente, há um ponto importante a esclarecer, que é o seguinte: creio que ouvi, embora possa estar enganado, precisamente da boca do Sr. Deputado Jorge Lacão, que o PS estaria a pensar que a determinação dos meios técnicos que é necessário colocar à disposição dos órgãos de comunicação social, nomeadamente a televisão, deveria ficar a cargo de uma tal entidade que seria independente, ou seja, teria uma composição diferente daquela que o PSD advoga. Quero que isto fique bem esclarecido, porque julgo que esta matéria é fundamental. De facto, considero que uma coisa e dizer que o licenciamento ficará a cargo de um órgão com uma composição policromada e outra referir que, para efeitos de determinação do espectro radiocléctrico disponível para os diversos meios de comunicação social, também esse órgão e a respectiva composição devem ficar determinados. São, pois, duas coisas diferentes e com âmbitos diversos.

Ora, e obviamente importante precisar nesta sede qual é a proposta do PS em relação a esta matéria, porque isso pode condicionar algumas outras posições, nomeadamente a do PSD.

Finalmente, penso que dizer que a Administração Pública tem um poder discricionário e diferente daquilo que o PSD propõe. De facto, o meu partido defende que esta matéria passe para uma lei...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma lei ordinária?

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - ... obviamente ordinária e os poderes da Administração Pública estejam subordinados àquilo que fica determinado na lei.

No entanto, essa é uma matéria que depois teremos de discutir.

Entretanto, quero somente realçar que não advogamos a discricionariedade da Administração Pública nesta matéria, porque o seu poder de decisão estará sempre subordinado àquilo que na lei ficar precisado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, começando pela última parte das suas questões, devo dizer-lhe que penso que V. Exa. está mal colocado para advogar que tudo passasse para o domínio da lei ordinária e que, depois, poderíamos ficar descansados que ela garantiria o conjunto dos requisitos essenciais aos tais poderes vinculados de que há pouco falávamos.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - É a tal desconfiança em relação à lei!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é, de facto, assim à luz da experiência que estamos a ter na aprovação da Lei da Rádio, que não podemos ignorar porque é uma experiência em sede de processo legislativo ordinário que está a decorrer paralelamente aos trabalhos da revisão constitucional.

E esse é o exemplo mais interessante para nos demonstrar como não podemos ficar descansados em remeter esta problemática para o domínio da legislação ordinária, porque ou alguns princípios ficam agora adquiridos ou nunca mais isso acontecerá por força da proposta que o PSD insiste em sustentar nesse domínio.

Quanto ao primeiro aspecto abordado por V. Exa., salientar-lhe-ei que é simples. Há, de facto, um primeiro momento que é meramente técnico e que resulta - como já ontem o meu camarada António Vitorino salientava - ate de acordos internacionais, aos quais o Estado Português está vinculado no domínio da gestão do espectro radiocléctrico. Isso não tem nada problemático.

O Estado Português, de acordo com os seus compromissos internacionais, determina o conjunto das frequências disponíveis para o exercício da actividade tanto de radiodifusão como de radiotelevisão e esse é um primeiro momento típico da actividade da Administração Pública. Há um segundo momento, o de permitir o acesso de candidatos a essas frequências, sendo este, verdadeiramente, o momento do licenciamento, e aqui e que importa saber se essa competência é exclusiva do Govêrno como órgão superior da Administração Pública ou se é, no todo ou em parte, susceptível de ser outorgada a um órgão independente. É este o problema.

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Para mim isso é claro, Sr. Deputado. Mas a pergunta que coloco - provavelmente porque o entendi mal - é esta: o Sr. Deputado não advogou ontem que mesmo quanto à determinação desses meios técnicos, nomeadamente do aspecto radiocléctrico, deve ser a tal comissão que o PS propõe a determinar quais as frequências disponíveis, etc.?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Com certeza que não, Sr. Deputado, porque isso não e uma determinação jurídica. Essa e uma realidade técnica que e colocada como pressuposto do exercício de uma determinada competência. Por consequência, façamos a distinção da realidade e da natureza das coisas e atenhamo-nos ao essencial, que não é dar a uma comissão independente a gestão do espectro radiocléctrico, mas dar a uma comissão independente a possibilidade de participar no processo de licenciamento das estações emissoras.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Presidente, penso que todos sabemos - e já Santo António a reconheceu - a inutilidade de estar a pregar a estômagos vazios e a cérebros a abarrotar de ideias e conceitos. Consequentemente, não me vou arriscar sequer a fazer agora a apresentação do nosso projecto, pois ficaria apenas em acta e pouco mais. Assim, se o Sr. Presidente mo permitisse, embora reconhecendo que terei de o fazer em momento quiçá inoportuno, faria uma breve apresentação noutra altura que não esta.

O Sr. Presidente: - Certamente fá-lo-á com os cérebros a pensar noutros pontos, mas isso é consigo.

Srs. Deputados, recomeçaremos os nossos trabalhos às 15 horas.

Está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer uma observação, não com a pretensão de fazer o nosso balanço deste debate, porque creio que isso não será neste momento exequível, mas unicamente para, na sequência de algumas das observações feitas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, poder esclarecer dois ou três aspectos.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que nós, provavelmente, não correremos o risco de ter de trazer para aqui um "confortómetro" para podermos medir o conforto de cada um depois destes debates. No entanto, creio que o PS, ou pelo menos o Sr. Deputado Jorge Lacão, incorreu num equívoco quando interpretou, como interpretou, uma afirmação produzida por mim esta manhã. É que, quando, face a uma pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito e descrevendo aquilo que me parecia ser a súmula do debate e as suas conclusões, referi que estava numa posição "confortada" queria tão-só sublinhar que o posicionamento do PS e o do PSD nesta matéria me parecia ter não só alguns pontos de convergência como alguns pontos de divergência inextricáveis e tratei apenas de sublinhar esses pontos e de, por outro lado, lazer um reexame daquilo que me parecem ser as virtualidades do modelo de áudio-visuais contido na Constituição, alertando, simultaneamente, para alguns riscos de certas formas de mudança. Naturalmente não as anatemizei a todas, mas impressionou-me, particularmente, que o Sr. Deputado Jorge Lacão, ao fazer o balanço dos pontos de convergência e de divergência, estabelecesse alguns pontos de convergência que me parecem puramente falazes e ilusórios. Pode-se sempre dizer que temos, desta matéria, a visão do tal homem que olha para a garrafa que tem água até metade, mas, enquanto o Sr. Deputado Jorge Lacão se congratula com o lacto de ela estar ainda meio cheia, eu assinalei o facto de estar meio vazia. Não deixa de ser revelador!

Creio, no entanto, não ser só esse o problema porque os pontos de divergência que foram assinalados - e c esse o lema de reflexão com que partiremos para o exame dos artigos seguintes - são da maior gravidade e quase inextricáveis. O PS e o PSD admitem um serviço público na rádio e na televisão, mas, desde logo, o PSD não admite a existência de um serviço público no âmbito jornalístico, colocando - com um certo desconhecimento do terreno da parte de alguns dos arguintes, embora com um conhecimento razoável do mesmo, mas um tanto gulosamente ocultado por parte dos outros - questões um tanto mirabolantes sobre o que pudesse ser um serviço, cie. Tudo isto são coisas muito fáceis de dirimir quando existe vontade de cumprir a própria Constituição em termos cabais. Quanto à coincidência, é ilusória pelo menos numa parte, porque na outra parte e, quanto a nós, arriscada.

Por outro lado, o PSD quer mesmo extinguir o Conselho de Comunicação Social! Isto é, na "galáxia PSD" não há fiscalização, havendo, pura e simplesmente, o domínio do mercado numa óptica desintervencionista, desregulamentadora e liberal, e o grande drama ou o grande problema político é que, nesse modelo, também os direitos dos jornalistas são fortemente restringidos -embora no modelo aventado pelo PS esses direitos existam, segundo cremos -, não existindo controles. Ora, "o maior controle e não haver controle" e "a maior defesa para a liberdade e não haver intervenção do Estado" - suscentou o Sr. Deputado Rui Machete -, o que e clássico e não traz nenhuma novidade (e acho estranho que se considere desconstrutivo assinalar o que estou a assinalar!).

Mais ainda: acho estranho que o Sr. Deputado Jorge Lacão diga que o PCP ficará gradualmente mais desconfortado porque o PS não desistirá de mudar o modelo constitucional. É que, se mudar o modelo constitucional e fazer aquilo que o PSD pretende -c o PSD não está disponível para mais nada -, então nós poderemos ficar gradualmente desconfortados, mas VV. Exas. serão uns ricos negociadores, porque forçarão os jornalistas, desde logo, a deixarem de ter determinados direitos e aceitarão uma forma de desregulamentação ou de desconstitucionalização sem barreiras e sem cláusulas de salvaguarda, o que significa a mesma coisa que abrir uma barragem. Para provocar um desastre.

Devo dizer que o nosso objectivo fulcral é o de que não aconteça o esvaziamento das virtualidades basilares da arquitectura constitucional neste domínio, mas, perante a opção colocada, o PS respondeu de várias maneiras durante esta manhã, maneiras essas bastante plurais. Ora, seria gravíssimo o PS enveredar por qualquer dessas vias plurais, mas. sobretudo, enveredar pelo caminho que o Sr. Deputado Jorge Lacão aqui acentuou como sendo o mais favorável a pôr o desconforiómetro em níveis muito elevados para o PCP - o que, devo dizer, seria uma lamentável honra se o resultado fosse aquele que V. Exa. deixou antever, que e péssimo. Seria abrir uma barragem sem canalizar as águas para o bom leito, o que é a pretensão máxima do PSD, como aqui ficou absolutamente provado! Então esta discussão faz-se toda sob a "síndrome de Vilarinho das Furnas", isto é, inundação sem garantia, e o Sr. Deputado Jorge Lacão não faz a trasfega nem salvaguarda coisa nenhuma.

Se entendem que isto é realmente uma forma de nos desconfortar, devo dizer que não nos desconfortam em nada. Ficaríamos muito penalizados e consideraríamos muito grave essa cedência do ponto de vista democrático e do ponto de vista do funcionamento de um dos tais elementos estruturantes do Estado democrático a que o Sr. Deputado António Vitorino ontem, com tanta argúcia, aludia. Cedência sem nenhuma eficácia e sem nenhum impacte, uma vez que tudo se salda no resultado, bastante modesto - para não dizer desastroso -, que vem enunciado na intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão. E não poderão VV. Exas. reclamar-se de ter feito oposição eficaz às leis de amordaçamento da comunicação social ou de desmantelamento do sector público da mesma comunicação social, fazendo vantagem ou entrando numa espécie de competição de coerência com o PCP - ou com qualquer outro partido - em matéria de combate à ilegalidade e à inconstitucional idade.

Lamento que sejam feitas observações desse tipo e parece-me bem que o saldo deste debate é preocupante num duplo aspecto: pelo grau de exigências feitas pelo PSD, isto é, pela sua completa indisponibilidade para considerar qualquer solução que não seja o desmantelamento do sector público e, por outro lado, pela afirmação - que me parece um tanto flébil e completamente suicidaria do ponto de vista negociai - de que o PS vai até ao fim, aceitando tudo, isto é, que "não desistirá de mudar o modelo constitucional", mesmo quando o PSD insiste em fazer, no terreno, a tal "política do camartelo". Ora, face ao camartelo, não há só impotência, mas aceitação, e isso parece-me bastante mais preocupante. Pela nossa parte, vamos reflectir muito seriamente em todos estes aspectos e o PS, seguramente, também.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Esta intervenção do Sr. Deputado José Magalhães obriga-me, no máximo, a repor, com a possível precisão, alguns dos entendimentos que pude exprimir esta manhã, onde comecei por sublinhar que à posição de desconfortado - e a expressão é do deputado José Magalhães e não minha - em que o PCP...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa para lhe pedir...

O Sr. Jorge Lacão: - Sr. Deputado José Magalhães, em matéria de desconfortos e de confortos, cada um toma os que quer!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, queria apenas pedir-lhe que, em matéria de afirmações desse tipo - que valem o que valem -, apenas situe as coisas no terreno em que elas próprias foram expressas. Isto é, o Sr. Deputado Nogueira de Brito colocou a questão que V. Exa. sabe em termos...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia-lhes que os apartes se não transformassem em novas intervenções.

O Sr. José Magalhães (PCP): - De maneira nenhuma, Sr. Presidente.

O Sr. Deputado Nogueira de Brito colocou a questão de o PCP, face ao debate em curso, não ter respondido a uma pergunta, qual fosse a da nossa posição em relação às propostas do PS para o n.º 7. O que lhe respondi foi que, em relação a essa questão, não sentia desconforto nenhum, pelo contrário. Isto não tem nada a ver com a sua teoria de que nós estaríamos "gozando" morbidamente o facto de VV. Exas. não se entenderem, uma vez que achamos abertamente que esse não entendimento será positivo se impedir o desmantelamento de um sistema bom.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, um Sr. Deputado, que suponho ler sido V. Exa., afirmou, em resposta ao deputado Nogueira de Brito, que a proposta do PS, porventura neste momento, ainda está pendurada - do ponto de vista do PCP, é claro! -, o que vos deixaria extremamente confortados.

Ora, a questão é a seguinte: o PCP tem vindo a fazer, neste ponto, o esforço de tentar situar os factores de divergência - que, aliás, são patentes - na proposta originária do PSD e na do PS. Esses factores de divergência resultaram patentes deste debate, mas isso não habilitará o PCP a admitir que o resultado que o PS deixou entrever, num esforço para procurar um consenso possível nesta área, é péssimo.

Em primeiro lugar, não será péssimo porque o deputado José Magalhães não o conhece, nem tão-pouco eu próprio, na medida em que ainda não lográmos obter qualquer consenso. Depois, o esforço, em si mesmo, nunca poderá ser péssimo porque o nosso objectivo é conduzir a alteração do modelo constitucional actual e, por isso mesmo, apresentamos as propostas que apresentamos, na medida em que não consideramos algumas das actuais disposições constitucionais tão ideais como, porventura, o deputado José Magalhães considera, ou seja, enquanto ele admite existirem virtualidades no modelo constitucional sobre os áudio-visuais, eu sou mais inclinado a pensar que essas virtualidades são mais aparentes do que reais. E são-no em dois domínios significativos: no que diz respeito ao sector público do áudio-visual, porque, efectivamente, demonstrado está que não há condições institucionais suficientes para garantir o princípio de independência desses órgãos de comunicação social relativamente ao poder instituído, preocupação que, seguramente, o PCP partilhará comigo, ou não fizesse o PCP, legitimamente aliás, bastantes críticas ao modo como, em concreto, tais órgãos de comunicação social vêm a ser dirigidos, e, em segundo lugar, tratando-se de admitir a abertura ao sector privado da rádio, que já existe, e da televisão, que também admitimos - e, aí sim, há uma divergência de princípio ou de fundo relativamente à posição do PCP, que é tentado a não fazer essa abertura no que à televisão diz respeito, sublinhando essa diferença de entendimento, mas admitindo que a abertura virá a ocorrer -, o que o PS quer é garantir condições também institucionais para que esta abertura se faça, não pela manipulação de um qualquer poder político instituído, no sentido de vir a licenciar órgãos de comunicação social em função de critérios polílico-partidários próprios, mas com uma razoável posição de invenção, o que obrigará, portanto, ao esforço de encontrar um órgão cujo perfil de independência garanta, justamente, essas regras que nós defendemos. De onde que, por esta via, penso que o PCP terá dificuldades em sublinhar ou sequer em insinuar que será péssimo o esforço que o PS está a fazer nesse sentido.

Conclusão final: o PS só acordará com o PSD ou com quaisquer outros partidos que possam contribuir para a maioria de dois terços neste ponto se o resultado final do consenso a que chegarmos corresponder às preocupações que nós aqui temos defendido. É evidente que só essa conclusão será legítima.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado José Magalhães mo permitisse, não só pela consideração, pelo respeito e até pela admiração que tenho por si e pelas suas intervenções, dir-lhe-ia que me parece não ajudar à saúde e ao bom resultado dos trabalhos o facto de cada um de nós começar a antecipar o que possa ser o resultado final da liberdade com que também cada um de nós gere o direito de concordar ou não, ou de, inclusivamente, ceder relativamente às propostas dos outros. É um direito que temos de manter absoluto na disponibilidade de cada um dos outros e penso que compreende e aceita este meu reparo.

Srs. Deputados, passaríamos agora ao n.° 9 da proposta do PCP e, simultaneamente, ao n.° 9 da proposta da ID, que consiste na constitucionalização da existência de um conselho de imprensa. Talvez possamos autonomizar, pelo seu paralelismo, estes dois pontos.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, trata-se aqui de procurar enriquecer o texto constitucional com um instrumento que pode ter, no quadro desenhado pelos projectos de revisão constitucional dos diversos partidos, e que poderia, sem dúvida, mesmo no quadro que nós propusemos, ter virtualidades e uma importância que, quanto a nós, não deve ser subestimada. O Conselho de Imprensa existe - é uma criação da Lei de Imprensa e do processo através do qual a liberdade irrompeu na vida jornalística e na vida democrática portuguesa. Afirmou-se, tem uma tradição que me parece sólida, um labor que é visível, uma composição que é plural e um papel a desempenhar que me parece muito relevante.

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O que propomos é que o Conselho de Imprensa seja consagrado constitucionalmente, em lermos extremamente económicos quanto à formulação, mencionando-se apenas a sua própria designação, que nos parece dever ser a tradicional - Conselho de Imprensa e não Conselho de Comunicação Social -, e especificando-se os elementos relativos às finalidades respectivas, remetendo para a lei todos os aspectos relacionados com a sua composição e competência. Não ignoramos, naturalmente, existirem, sobre a questão do Conselho de Imprensa, concepções extremistas que entendem que o mesmo deveria ser talvez abolido, havendo também concepções nulificadoras e desregulamentadoras que entendem que a própria existência de uma lei de imprensa e, já em si, um elemento de constrangimento que tolherá a própria expressão daqueles que actuam nesse sector e nesse meio. Essa concepção não está subjacente ao texto constitucional, não havendo, portanto, nenhuma contradição entre a proposta que apresentamos e a filosofia e natureza própria desse mesmo texto, nem, naturalmente, nada de contraditório entre esta proposta e o ordenamento jurídico vigente. Pelo contrário, aqui se faria uma espécie de recepção ou uma cláusula constitucional alusiva, enquadradora e de absorção de um universo legal e com tradição democrática muito positiva entre nós.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de estabelecer a seguinte reflexão sobre esta proposta: penso que a solução apresentada seria, porventura, excessiva, enquanto constitucionalização directa do Conselho de Imprensa, mas talvez não o fosse se, na filosofia que temos vindo a seguir, ou seja, a da possibilidade de admitir a existência de um estatuto de informação, consignássemos a existência do Conselho de Imprensa. De resto, não seria uma inovação na ordem jurídica, uma vez que o Conselho de Imprensa tem já uma boa e longa tradição em Portugal e espero que essa tradição positiva se possa manter tal como tem vindo a decorrer desde a aprovação da Lei de Imprensa.

No entanto, ocorre-me - e por isso pedi a palavra - sublinhar que lambem nesta área o PSD tem tido, nos últimos tempos, algumas manifestações preocupantes. E dou disso um exemplo: a propósito da discussão da Lei da Rádio, e tratando-se nessa lei de regular, como lhe compete, o instituto do direito de resposta e sendo que esse direito é hoje susceptível de ser apreciado em recurso no âmbito do Conselho de Imprensa quando há, de facto, desentendimento entre o queixoso e o órgão de comunicação social que deu origem a essa queixa, o Conselho de Imprensa, na proposta de lei da rádio do PSD, deixará agora de ler essa competência, exclusivamente, no domínio do direito de resposta nas estações de radiodifusão. Passaremos a ler esta coisa originalíssima de um mesmo instituto ler um duplo ordenamento jurídico em Portugal: um regime para o direito de resposta, que contempla o Conselho de Imprensa, quando o direito de resposta é exercido nos meios de comunicação social de imprensa escrita e de televisão, passará a deixar de ter esse regime quando se trate de exercer o direito de resposta através da rádio. Este aspecto apenas vem a talho de foice para sublinhar que o Conselho de Imprensa não impede em nada a possibilidade de efectivação judicial do direito de resposta - isso não está em causa. Mas foi um órgão que permitiu, pela sua vocação deontológica, resolver a maior parte dos conflitos neste domínio e ter evitado, na prática, a necessidade de recurso a sede judicial para resolução dos conflitos, que entretanto foram ocorrendo.

Desta maneira, o PSD está a contribuir, por via da legislação ordinária, para esvaziar de conteúdo um órgão que tem lido, na tradição da comunicação social portuguesa pós 25 de Abril, um papel bastante significativo no domínio da deontologia da informação. Esperemos, portanto, que esta situação também possa ser atalhada, se não em sede de inserção no Conselho de Imprensa, como órgão constitucionalizado, pelo menos na possibilidade de vir a dignificar suficientemente o Conselho de Imprensa no estatuto da informação - se lograrmos vir a aprová-lo.

O Sr. Presidente: - Passaríamos agora ao n.º 10 da proposta do PCP.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não quereria, aliás correspondendo ao apelo de V. Exa. -, constranger ninguém a que se pronuncie sobre o que quer que seja. Gostaria apenas de perguntar se vamos quebrar a regra - que também e uma regra de cortesia - de que cada um, dado a sua volta honesta e normal à mesa, se pronuncie sobre as diversas propostas existentes. Creio que e tradição razoável com a qual não perderemos muito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Penso que tem ficado clara nas intervenções que temos feito, designadamente a do Sr. Presidente Rui Macheie, a nossa posição em relação a questões semelhantes a esta, sem prejuízo de uma reflexão mais global (ideia que tem estado sempre em suspenso), de uma certa reavaliação global de todos estes actos - e, por princípio, a nossa disposição actual é para nos opormos à constitucionalização do Conselho de Imprensa, por razões que tem sido amplissimamente enunciadas por deputados do PSD. O Sr. Deputado José Magalhães, na interpretação das críticas que tem feito ao PSD, não tem deixado de dar por adquirido o sentido da nossa posição em relação a esta matéria. E tanto o tem dado por adquirido que lhe tem servido para hastear as suas críticas, particularmente consistentes, às nossas posições - do ponto de vista do PCP, obviamente - que relevam de uma boa compreensão dessas mesmas posições.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O meu comentário era para assegurar, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado José Magalhães que não tenciono desistir de comentar as suas propostas e as defesas das suas propostas, de maneira nenhuma! Porventura, foi o facto de a sua intervenção ter ocorrido logo após a minha chegada à sala que me fez não pedir a palavra imediatamente. Mas quero dizer que, em relação ao conjunto das propostas, esperava que o Sr. Deputado Jorge Lacão, no seu comentário, aflorasse esta questão da floresta orgânica que poderia nascer da aprovação de todas elas e que levaria à ineficácia de iodos estes órgãos. Bem sei que o Conselho de Imprensa, que aqui é constitucionalizado, é apenas constitucionalizado, isto é, ele já existe consagrado na lei; mas se, ao conselho de imprensa do PCP, juntarmos o órgão independente que consta da proposta do PS e mais o conselho de comunicação social do artigo 39.º...

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O Sr. António Vitorino (PS): - O "mais" está a mais. Não nos atribua...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não atribuo, até agradeço muito o zelo com que VV. Exas. vieram atalhar o meu discurso.

O Sr. António Vitorino (PS): - Foi pela consideração que V. Exa. nos merece.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muitíssimo obrigado, Sr. Deputado António Vitorino, fico satisfeito porque, na realidade, era esse tipo de comentário que gostaria de ouvir, pois começo a ficar um pouco perplexo com a desconfiança que VV. Exas. acabam por manifestar em relação à actuação pura e simples do estatuto legal, com as seguranças que VV. Exas. aceitam introduzir, e entendo que muito bem, porque nós também as aceitamos. Sobre a proposta desta serie de órgãos, muito embora a constitucionalização do Conselho de Imprensa não seja da responsabilidade do PS, o Sr. Deputado Jorge Lacão fez uma intervenção que, no fundo, era chorar um bocado sobre a diminuição de competência e a descaracterização deste órgão a que, porventura, se está a proceder ultimamente noutras sedes. Claro que entendo isto tudo, vou pronunciar-me a esse respeito quando falar sobre a nossa proposta, respeitante ao artigo 39.°, e tem a ver com a forma como cada um de nós entende que se salvaguarda melhor o exercício das liberdades fundamentais consagradas no artigo 37.c - mas lá iremos. De qualquer maneira, a vossa reacção substitui o comentário expresso que não fizeram a esta proposta de constitucionalização.

O Sr. Presidente: - Damos então por encerrado esse tema, mas, antes disso, gostaria de dizer o seguinte: chegámos a pensar em propor a constitucionalização do Conselho de Imprensa, por isso não podemos, de maneira nenhuma, considerar aberrante esta proposta. Porque? Porque e total o paralelismo entre o Conselho de Comunicação Social para o sector público de comunicação social relativamente ao Conselho de Imprensa para o sector privado. Se um está constitucionalizado, dissemos nós, não há razão para que não esteja o outro. Depois pensámos que, apesar de tudo, seria mais prudente não insistirmos na proposta de constitucionalização, exactamente porque a proliferação de órgãos constitucionalizados poderia comprometer a existência dos que já existem. Por isso, como veremos adiante, não estamos dispostos nem preparados para aceitar a extinção do Conselho de Comunicação Social. De algum modo, veríamos uma compensação para esse facto na não constitucionalização do Conselho de Imprensa.

Passamos agora, se concordarem, ao n.° 10 da proposta do PCP, ou seja, "o Estado promove e apoia a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual", que poderíamos aproximar e discutir conjuntamente com o n.º 9 da proposta do PEV: "É proibida a transmissão de programas ou mensagens que façam a apologia da violência e da intolerância." Tudo isto está na linha da defesa da qualidade dos programas. Por isso, poderíamos discutir os dois em conjunto.

Mas, antes disso, talvez pudéssemos ir ao artigo 39.°, à proposta do PRD, que está na sequência da discussão que tivemos sobre o Conselho de Imprensa e deveríamos ter discutido conjuntamente. No fundo, o que diz o artigo 39.°-A é que o PRD, "para garantir a independência, a qualidade e o pluralismo das estações de radiodifusão e de radiotelevisão", sem dizer "não pertencentes ao Estado", no fundo propõe a criação de mais uma alia autoridade para o áudio-visual. Antes de discutirmos" os n.ºs 10 e 9 que já referi, propunha que discutíssemos o artigo 39.°-A, na sequência da discussão anterior.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria sublinhar aqui um comentário que V. Exa. - fez a propósito desta matéria e que no fundo nos fez cientes de uma reflexão interna do PS sobre a mesma que terá precedido a própria redacção do projecto - é um bom estilo que, espero, se repita em relação a fases posteriores do processo, e só tenho de lhe agradecer o ter-nos feito comungar dessa reflexão do PS.

Devo dizer que, na realidade, é um pouco estranho que na constitucionalização se lenha sentido a necessidade de criar órgãos diferentes, consoante a titularidade dos meios seja pública ou privada. E esta estranheza resulta ainda mais viva com a proposta do PRD que lhe chama alia autoridade - o PRD, um pouco por semelhança ou analogia com a Alta Autoridade contra a Corrupção, vê corrupção e possibilidade de corrupção nos meios privados de transmissão de informação e não vê nos meios públicos, que têm um conselho de comunicação social. É esta atitude de desconfiança, um pouco permanente, que não queremos deixar de sublinhar e de estranhar e que, no fundo, esteve também de certo modo presente no espírito do PS quando evitou a constitucionalização do Conselho de Imprensa. Isto não faz sentido; quanto aos alentados à liberdade de informar e de ser informado, à objectividade da informação e à independência dos órgãos, já temos experiência suficiente, ao fim destes anos de regime democrático e dos outros, em que o regime não era democrático, para saber que esses alentados não vêm da titularidade privada dos meios de comunicação social - portanto, não faz muito sentido esta distinção. Estamos a defender quem contra quem, num caso e no outro, ou estamos a assegurar o quê? Não e a mesma liberdade que estamos a assegurar num caso e noutro?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não sou, naturalmente, gestor de negócios ou de interesses do PRD, mas creio que é um pouco abusivo interpretar a utilização pelo PRD da expressão "alta autoridade" como estando subjacente a isso uma preocupação de luta contra a corrupção. Lá porque o Estado criou uma Alia Autoridade contra a Corrupção não significa que iodas as outras entidades que não combatam a corrupção tenham de passar a designar-se por "baixas autoridades" ou "médias autoridades", porque altas é só para a corrupção ou afins e correlativos. O que pergunto ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e se não acha que seria mais benigno e talvez mais rigoroso dizer que o que o PRD fez, ao designar por alta autoridade para o áudio-visual, foi uma tradução à leira da instituição existente em França com o mesmo nome e o mesmo fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - A média e baixa autoridade ficarão com V. Exa. 1 e não comigo, mas no entanto concedo que o Sr. Deputado tem razão.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, já sabíamos que o CDS gostava de defender preferencialmente as grandes empresas, tudo o que é pequeno e médio e

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perturba, mas repare que me parece, apesar de tudo, de algum mau gosto essa referencia de que a baixa e a média autoridade ficam comigo - é de mau gosto!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Desculpe, não é com mau gosto nenhum da minha parte, suponho eu, que a faço, mas apenas para lhe devolver a classificação feita por V. Exa. Quanto à alia autoridade, concedo razão à sua observação, mas não posso deixar de encontrar aqui alguma referência à corrupção, embora noutro sentido, que é o da corrupção da liberdade, e aconteceria com mais frequência nestes casos do que nos outros; por isso, não pude deixar de considerar que o emprego da expressão e da designação, no fundo substituindo uma outra, que já hoje existe, teria um bocado esse sentido. Concedo a V. Exa. que não tenho nada de especial a opor a esta designação, que, porventura, será a que VV. Exas. pensam empregar para o tal órgão independente. Não é por aí que estaremos em desacordo, repito.

O Sr. Presidente: - São ilegítimas as antecipações desse género.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, senti necessidade de fazer uma intervenção na sequência da intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito para procurar situar melhor aquilo que o PS pensa na arquitectura dos vários órgãos aqui patentes, relativamente às propostas sobre comunicação social, e dizer o seguinte: em primeiro lugar, o Sr. Deputado Nogueira de Brito já compreendeu que, para aqueles partidos que defendem a existência de um sector público de comunicação social, mormente no domínio da televisão e da rádio - não vamos reeditar o debate que há pouco travámos sobre isso -, se o defendem, é porque estão convictos de que têm uma função social a desempenhar. Do ponto de vista do PS, isso está dito no n.º 6 da sua proposta ao artigo 38.g e visa garantir o pluralismo do direito à informação, à educação e à cultura. A questão está em saber se estas garantias se resolvem, se materializam ou se concretizam exclusivamente pela existência do sector público, ou se terá de haver alguma entidade que tenha como uma vocação - não digo como vocação exclusiva, mas como sua vocação-velar pelo cumprimento dessas normas de garantia. Pensa o PS que essa autoridade deve existir - presentemente, chama-se Conselho de Comunicação Social.

O problema que se põe é este: admitindo que, futuramente, a realidade ultrapassa a questão do sector público da comunicação social, uma vez que tem a ver com toda esta problemática dos licenciamentos que temos vindo a tratar, o que é que vale mais a pena? Criar um novo órgão independente, mais um, havendo já o Conselho de Imprensa, havendo o Conselho de Comunicação Social e agora uma terceira entidade, independente? Ou, pelo contrário, admitir a criação de uma nova entidade independente, que pudesse absorver algumas destas atribuições para o sector público e, simultaneamente, desenvolver algumas das outras para o sector privado? E isto que o PS admite possível, designadamente quando, esta manhã, o Sr. Deputado Almeida Santos previa a possibilidade de o futuro órgão a constituir ser substitutivo do Conselho de Comunicação Social - só e enquanto se demonstrar que esse órgão, a constituir, realiza plenamente algumas das actuais vocações do Conselho de Comunicação Social e lhe acrescenta outras. Se pudermos ir por este caminho, evitaremos seguramente a floresta de órgãos que parece preocupar o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

Mas o Sr. Deputado poderá verificar que, da parte do PS, há soluções para evitar a proliferação desses mesmos órgãos e garantir uma solução consistente no domínio da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Queria fazer uma pergunta, ou um pedido de esclarecimento, em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão. Parece-me importante este esclarecimento, especialmente para quem, como nós, entende que a defesa e a salvaguarda desta liberdade estará colocada noutro tipo de garantias, e que, portanto, eliminou estes órgãos, incluindo o Conselho de Comunicação Social no artigo 39.°, ao que irei referir-me dentro de momentos.

Mas pediria um esclarecimento suplementar ao Sr. Deputado Jorge Lacão: isso significa que o PS está disposto a englobar nas competências de um único órgão, tanto o que diz respeito porventura ao licenciamento dos órgãos de comunicação - da televisão e da rádio - como também a garantia da liberdade no que respeita à imprensa escrita e não só, ao exercício na actividade profissional dos jornalistas, à independência dos órgãos tanto públicos como privados, à sua objectividade; está disposto a englobar isso tudo num único órgão? Que, diria eu, no fundo, seria o órgão independente que, avisada e prudentemente, não intitulou aqui, no sentido de que não designou expressamente, não baptizou, sendo certo, no entanto, que nada fez no artigo 39.º para nos dar a entender que estaria disposto a eliminar o Conselho de Comunicação Social. Mas vejo agora que o esclarecimento que acaba de ser dado pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, na sequência da intervenção desta manhã do Sr. Deputado Almeida Santos, constitui um passo importante, que pretendo sublinhar. E, se o entendimento que o PS tem do esclarecimento que acaba de prestar não corresponder ao que referi, também gostaria que tal fosse comentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, terá reparado que no n.° 7 do artigo 38.° da proposta do PS falamos do licenciamento por órgão independente, mas não tomamos a iniciativa de constitucionalizar o modelo desse órgão. Significa isto que o PS também está na expectativa de saber se esse órgão independente se virá a subsumir naquilo que e hoje o Conselho de Comunicação Social - hipótese em aberto - ou se este Conselho se extingue por substituição ao órgão que entretanto virá a surgir, o que constitui outra hipótese possível. E, quando me pergunta se tudo isto visa desaguar num único órgão, gostaria de aqui precisar o seguinte: o Conselho de Imprensa tem uma vocação limitada à área da chamada imprensa escrita. E hoje os problemas do áudio-visual têm uma natureza bastante específica, exigindo um órgão com uma competência em parte similar à do Conselho de Imprensa e em parte especializada, designadamente nesta área dos licenciamentos, uma vez que no domínio da imprensa escrita esse problema não existe pela desnecessidade de qualquer habilitação administrativa previa.

Portanto, o que o PS admite é uma solução na arquitectura da qual resulte a existência do Conselho de Imprensa para o sector da imprensa escrita em geral e um conselho do áudio-visual, com este ou com outro nome, também como

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órgão independente, simétrico ao Conselho de Imprensa, para o áudio-visual. Este órgão, para além das competências tradicionais que o Conselho de Imprensa tem, deverá possuir uma competência específica para a área dos licenciamentos no domínio da televisão e da rádio. Ora esta solução é, por enquanto, ainda e só - e só assim pode ser entendida -, uma solução em maturação que consente várias alternativas possíveis. Estamos numa fase de abordagem inicial e só lhe estou a colocar estas alternativas possíveis para lhe dizer que não temos o dogma do órgão único, assim como não preferimos uma proliferação indiscriminada de órgãos. Admitimos que, vocacionalmente, nos orientássemos no sentido da existência de um órgão para a imprensa escrita e de um outro para o áudio-visual, o que se nos afiguraria uma solução equilibrada. Consequentemente, o destino do Conselho de Comunicação Social estará ligado a saber se, finalmente, conseguimos ou não articular uma solução coerente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. admite que, na arquitectura futura deste órgão, ele possa ser um órgão único, com todas essas funções, ou que possa daqui resultar a existência de dois órgãos, um para a imprensa escrita e outro para o áudio-visual. Simplesmente não haverá distinções nessa vossa perspectiva entre meios delidos pelo Estado e meios delidos pelas entidades privadas?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, leia a minha intervenção de há pouco e a resposta sintética que lhe vou dar a seguir como uma resposta dada num momento em que ainda estamos a maturar soluções possíveis. Consequentemente, a minha resposta não pode ser interpretada como uma posição definitiva.

Porém, já que me pergunta, não quero eximir-me a dizer-lhe que esse é o meu entendimento. Ou seja, penso que o conselho de imprensa para a imprensa escrita e o conselho do áudio-visual para o áudio-visual deverão abarcar um conjunto de atribuições não se discriminando órgãos em função do sector público ou do sector privado. Isto porem sem prejuízo de admitir que algumas dessas atribuições sejam especificamente dirigidas ao sector público, quando ele existir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - A primeira parte da minha intervenção destinava-se a clarificar, sem querer também ser procurador da proposta do PRD, que o artigo 39.º-A, em meu entendimento, não prevê apenas a hipótese de se dirigir a entidades não pertencentes ao Estado mas também a entidades a ele pertencentes. É a leitura que faço deste preceito. Em meu entender, penso que não deveríamos ter adiantado a discussão do artigo 39.º-A a seguir à do artigo 38.°, na medida em que, se bem leio o n.º 1 do artigo 39.º-A, aí se estabelece que "para garantir a independência, a qualidade e o pluralismo das estações de radiodifusão e radiotelevisão não pertencentes ao Estado ou outras entidades referidas no artigo precedente". Ora o artigo precedente ao artigo 39.°-A é o artigo 39.º, e gostaria que estivesse presente alguém do PRD para me esclarecer sobre o âmbito da sua proposta.

O Sr. Presidente: - É "outras entidades públicas, ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controle económico"...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Exactamente, é todo o sector público.

De qualquer forma, mesmo sendo possível questionar qual o alcance do artigo 39.º-A, a primeira questão que aqui se levanta provoca a discussão no sentido de saber quais devem ser os órgãos com capacidade e competência nesta matéria e também se devem existir vários ou só um. Mais: a existirem vários, por onde é que deve passar o traço de distinção? Será entre o sector público e o sector privado? Será entre a imprensa escrita e o áudio-visual? E assim sucessivamente. Gostaria de deixar esta questão aqui colocada, apesar de poder estar, ela própria, reservada para o artigo 39.°, quando se discutirem as respectivas propostas de alteração, nomeadamente a do PSD, que retira da Constituição o Conselho de Comunicação Social.

Obviamente, como referiu o Sr. Deputado Costa Andrade, embora não estejamos em posições fechadas, é essa a nossa posição de princípio. Se toda esta matéria está a merecer, não só por parte do PSD mas lambem por parte de outros partidos, uma reflexão que até agora não conduziu a conclusões decisivas, porquê constitucionalizar ou manter na Constituição alguns órgãos mas não outros? Estão a deixar-se dicotomias e distinções que não eram aquelas que já vigoravam anteriormente, e que poderão eventualmente ser outras. Ainda mais estranho, numa perspectiva de uniformização, é o facto de se deixarem uns órgãos na Constituição e outros fora dela. Se entendemos que nada do que aqui está prescrito em sede de comunicação social deve constar da Constituição apesar de entendermos que alguns desses órgãos devem estar prescritos na legislação ordinária, não se coloca o problema. Esta é, nomeadamente, uma das razões que me levam a questionar, cingindo-me ao objecto, a situação do artigo 39.°-A, nomeadamente a Alta Autoridade para o Áudio-Visual.

Isto deve ser equacionado em sede de lei ordinária, mas se o for em sede constitucional, em nosso entender deve sê-lo globalmente. Não podemos de maneira nenhuma fazer como até aqui, ou seja, deixar o Conselho de Comunicação Social, por exemplo, dentro da Constituição e outros órgãos fora dela. Julgo que não haverá razões, senão históricas, para que isso aconteça. Portanto, a proposta do PSD é coerente, uma vez que nenhum desses órgãos tem consagração constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que desembocámos num outro dos lugares da encruzilhada inevitáveis nestas matérias. Mas não estamos aqui para outra coisa. Só que arriscamo-nos, embora isso também não seja normal, a fazer assentar alguns dos raciocínios em equívocos ou, pelo menos, numa não clarificação de pressupostos. O primeiro equívoco ou problema é o metodológico, o de postura, e o segundo é o de escopo, de finalidade.

Quanto à postura, é evidente que estamos a discutir uma questão melindrosíssima da arquitectura institucional e, mais ainda, de transposição dessa arquitectura para a Constituição. E ao fazermos algo desse tipo, não nos movemos num terreno não edificado, isto é, não estamos numa postura um pouco à iluminista, concebendo o código ideal para o País ideal, a quem vamos outorgá-lo depois, um belo dia, com o mundo ajoelhado aos pés de sua majestade.

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Não se trata disso. Há em Portugal uma tradição, institucional até, que nos leva a não poder encarar com grande simplicidade as questões de supressão institucional. Por exemplo, não estamos perante uma questão que se discuta à ligeira, dizendo: "isto é simples, acaba-se com o Conselho de Imprensa, acaba-se simultaneamente com o Conselho de Comunicação Social, fundem-se as atribuições e competências destes dois Conselhos, adita-se uma pilada do Conselho da Rádio, copiam-se, ainda por cima, três normas da Alta Autoridade - ou da média ou da baixa - dos áudio-visuais da China, do Japão ou de outro sítio qualquer, mistura-se tudo isto e lemos uma instituição". É um caminho perigoso, se bem que nos seja sempre possível desenhar onde entendermos iodos os códigos perfeitos que nos apetecer. Só que isso não é sensato. E, sobretudo nas circunstâncias concretas portuguesas, pode ser muito perigoso porque as posições nesta maioria estão bastante extremadas.

O que me leva ao segundo ponto, ou seja, o do escopo. As posições estão bastante extremadas porque dir-se-ia que sopram ventos um tanto ensandecedores para uma determinada área ideológica e política do nosso país. A ventania neoliberal produz nos diversos seres humanos efeitos perplexizantes, sobretudo quando não tem programa nem identidade ou quando têm um problema de identidade por resolver.

No caso do PSD, como se sabe, este partido não tem um programa actualizado e válido. Tem um programa antigo no qual o PSD é tão apóstolo das virtualidades da intervenção no mercado como o são outros partidos que por aqui estão. No entanto, ao que se sabe, não são essas as suas ideias momentâneas, muito embora não estejam corporizadas em documento estrutural partidário nenhum. Tanto quanto nos e dado perceber, em maioria de comunicação social - e louvo-me agora do reconhecimento que o Sr. Deputado Costa Andrade fazia da atenção fiscal que dedicamos às posições do PSD em algumas maiorias -, o PSD exibe uma postura de recepção crítica e pura de leses neoliberais de desregulamentação completa, o que o pode até levar a ler uma postura de liquidação do Conselho de Imprensa, cujas tradições são sólidas.

Lembro-me que, quando das comemorações do aniversário da criação do Conselho de Imprensa, leve lugar um colóquio - aliás, bastante interessante - em que foram chamados elementos de outros conselhos de imprensa ou de órgãos similares existentes noutros países com afinidades culturais com o nosso, tendo-se estabelecido uma discussão bastante profícua sobre as virtualidades e as potencial idades do conselho de imprensa. Dir-se-ia que ou o PSD não tem memória ou que faz rasuras de memória, o que, sendo naturalmente um direito, constitui também uma irresponsabilidade. É nesse terreno e apenas nesse que eu me movo. Dir-se-ia que no PSD está perdida a memória, esquecidas as razões da existência de um conselho de imprensa.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Pretendia apenas referir que não estamos aqui a falar sobre extinção de órgãos, sejam eles quais forem, mas sim da recepção na Constituição de alguns órgãos já existentes, na legislação ordinária da retirada de outros, ou da inclusão de órgãos

novos, como é o caso da proposta do PRD. É disso que se trata, Sr. Deputado, e não propriamente da extinção de qualquer órgão. É somente um problema de consagração constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Deputado José Luís Ramos, agradeço-lhe a precisão e gostaria que ela me confortasse, para utilizar uma expressão cara. Só que não me pode confortar porque não podemos fazer este debate ignorando aquilo que está à nossa volta, designadamente a posição "conselho de imprensicida" que o PSD vem adoptando. Eis um facto: o PSD é "conselho de imprensicida". Ou não c? Parece que sim. Não podemos abstrair-nos desse aspecto quando estamos a discutir o que e que é retirado ou incluído na Constituição. E é essa a razão pela qual queremos incluir o Conselho de Imprensa na Constituição. Digamo-lo franca e brutalmente. Entendemos que o Conselho deve ser mantido e que não deve estar sujeito às flutuações, oscilações e incertezas de qualquer maioria como tal, na medida em que é um elemento institucional relevantíssimo para a garantia da liberdade de imprensa. É esta a questão total e abertamente colocada.

Por outro lado. o escopo. Sr. Presidente, parece-nos ser relevante e meritório. Para quem acompanhe, ou tenha acompanhado, o que foi entre nós o debate posterior à revisão constitucional de 1982, sobre a instituição do Conselho de Comunicação Social - e há actas desse debate, incluindo as votações na especialidade - alentará no interessante debate travado entre a minha bancada e a do PS, então no quadro do bloco central, e concretamente com o Sr. Deputado Jorge Lacão, a propósito da proposta originária de instituição do Conselho de Comunicação Social. Esta proposta propendia à absorção de iodas as competências relevantes do Conselho de Imprensa pelo Conselho de Comunicação Social no quadro de um projecto de extinção do próprio Conselho de Imprensa, por absorção e esvaziamento. Nessa altura, alertámos para o facto desta opção ser muito negativa. O Conselho mantinha virtualidades não só para o quadro da imprensa do sector privado, da imprensa não pública, como para o próprio quadro da imprensa em relação a determinadas vertentes. Alertámos também para a questão do direito de resposta e outras, pelo que, em conformidade, a lei final do Conselho de Comunicação Social, a Lei n.º 23/83, de 6 de Setembro, salvaguardou as competências do Conselho de Imprensa nas áreas de fronteira com o Conselho de Comunicação Social, o que, quanto a nós, foi positivo. Quer dizer, portanto, que há um vasto terreno para a acção do Conselho de Imprensa, que não só não é compatível com a existência do Conselho de Comunicação Social como nem sequer é incompatível com a desgovernamentalização nos licenciamentos, que e também uma questão central e fulcral para a qual o nosso empenhamento, no sentido da independência e da garantia da desgovernamentalização, e absolutamente inequívoco.

Estamos inteiramente disponíveis para considerar as várias soluções, sem dogmas mas com estas duas preocupações, quanto ao método e quanto ao escopo.

O Sr. Presidente: - Poderemos iniciar agora a discussão do n.º 10 do artigo 38.º da proposta do PCP, cujo teor é o seguinte: "O Estado promove e apoia a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual", bem como o n.º 9 do mesmo preceito da proposta do PEV, que estabelece: "É proibida a transmissão de programas ou mensagens que façam a apologia da violência e da intolerância."

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pronunciar-me-ia agora apenas sobre a primeira destas propostas por uma questão de simplificação.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que a Constituição passe a incluir um número que estabeleça dever o Estado apoiar e promover "a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual" constituirá sem dúvida um enriquecimento. Poderá é questionar-se se se trata de um enriquecimento necessário ou se não estará já mesmo consumido por aquilo que flui de diversas outras partes da Constituição. E sempre uma questão que se pode colocar. Neste caso, entendemos que a pôr-se nestes termos, colocar-se-ia numa visão muito imprudente e bastante indiferente a um problema que é, neste momento, fulcral.

Quando há pouco debatemos uma disposição sobre o regime de propriedade dos meios de comunicação social, o Sr. Deputado Almeida Santos, e depois o Sr. Presidente, tiveram ocasião de alertar para um dos aspectos em que as mutações podem originar necessidades de opções legislativas celebres. A mutação das fórmulas societárias, a alteração do universo dos tipos de pessoas que se podem mover no campo da personalidade colectiva em Portugal e, concretamente, no terreno societário, o impacte que pode ler a adesão às Comunidades, o facto de os fenómenos de internacionalização daí decorrentes serem, naturalmente, palpáveis e de serem uma dinâmica própria que não pode ser ignorada, não nos deve levar ao extremo da indiferença, que é o de não ponderar. Se esse impacte existe tal como 6 descrito, então também existe no sentido de criar novos desafios naqueles terrenos que procurámos situar: o da nossa identidade cultural, o da defesa da língua portuguesa e o da defesa da independência nacional.

Longe vão os tempos em que os fundadores da AD encomendaram um projecto de revisão constitucional, que dizia no n.º 4 do seu artigo 37.° que "as publicações jornalísticas não podem ser propriedade de pessoas singulares ou colectivas de nacionalidade estrangeira". Assim rezava o épico projecto dos Srs. Profs. Barbosa de Melo (pai e fundador do actual projecto do PSD), Cardoso da Costa e Vieira de Andrade, mas no quadro da orientação do "super coordenador" da AD, Dr. Lucas Pires. O projecto faz na poeira dos arquivos, mas não a memória dele relativamente a este ponto.

A atitude em relação aos problemas decorrentes da posição internacional do Estado Português deve ser ponderada numa perspectiva particularmente cautelosa face ao facto de Portugal ser membro de pleno direito das Comunidades.

Sucede ainda que a própria lei de imprensa estabelece no n.° 2 do artigo 7.º que "só as pessoas que possuam nacionalidade portuguesa, residam em Portugal e se encontrem no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos poderão ser proprietários de publicações periódicas, com excepção das publicações de representações diplomáticas, comerciais e culturais estrangeiras". Por outro lado, "os proprietários singulares, os administradores e os gerentes terão de ser cidadãos portugueses no uso dos seus direitos civis e políticos". Isto e, a liberdade de imprensa no domínio da imprensa periódica e a situação existente na rádio colocam problemas melindrosos de equacionar e de resolver face a duas componentes: o quadro constitucional e o quadro decorrente do direito comunitário e das vinculações do Estado Português nessa matéria. Como é que isso se resolve? Não é disso que cura a nossa proposta. A nossa proposta limita-se a procurar estabelecer um sinal. Assim, nos termos da nossa proposta, o Estado deve apoiar e promover a defesa destes objectivos, que, de seguida, enunciamos, mas não especificamos os meios. Os meios devem ser os próprios do ordenamento constitucional nas outras dimensões, com o sentido e os limites decorrentes da própria Constituição, a qual, como se sabe, tem um determinado conteúdo, mas pode vir a sofrer ajustamentos, desejamos nós que não rasuras e menos ainda roturas ou cortes. A nossa proposta não deve ser apenas analisada literalmente. Apelamos a que seja lida numa perspectiva enriquecida pelo facto de sabermos que há, em diversas vertentes, problemas muito sérios de salvaguarda da nossa identidade cultural. Sabemos que há um quadro alterado em relação a alguns dos factores exógenos de que depende a defesa da nossa própria língua e da nossa identidade cultural no campo áudio-visual. Nada de absurdo decorre deste preceito que propomos. Por exemplo, a proibição de recepção via satélite seria, obviamente, inconcebível e absurda, etc. Não propomos quaisquer medidas desse tipo, que não têm, evidentemente, qualquer cabimento. Apelávamos a que a proposta fosse considerada não como um luxo, mas como um alerta e um sinal muito importante a inscrever na Constituição neste presente momento histórico. Se estamos a olhar para a frente é nisto em que devemos pensar.

O Sr. Presidente: - Por que só no campo áudio-visual, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, incluímos esta norma no campo áudio-visual como uma especificação, que nos parece particularmente importante. É que, como sabe, na babel dos áudio-visuais as questões relativas à identidade dos países e, em particular, à da expressão da identidade, que é a língua, são fortemente postas em questão.

Num país em que a televisão espanhola tem taxas de audiência enormes, em que a televisão por satélite se arrisca a vir a ter laxas de audiência crescentes e em que os outros fenómenos de internacionalização estão visíveis a todos os olhos, a inclusão deste comando em relação a este meio pareceu-nos bastante importante. Como sabe, há na Constituição outros afloramentos do dever do Estado de defendera independência nacional. É uma das suas missões, umas das suas tarefas.

Em relação à defesa da língua portuguesa temos, numa outra sede, uma proposta de aditamento a apresentar, que visa também esse objectivo. É uma preocupação que nos parece muito importante neste contexto histórico.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ler falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais da oradora.) [...] sobre o n.° 10 do artigo 38.º do projecto do PCP ou se, conjuntamente, sobre o n.° 10 do projecto do PCP e o n.º 10 do projecto do partido Os Verdes.

O Sr. Presidente: - É sobre o n.º 9 do projecto do partido Os Verdes, Sra. Deputada. Foi assim que coloquei a questão. O Sr. Deputado é que preferiu separar as duas coisas.

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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.

Relativamente ao n.º 10 do projecto do PCP, onde se refere "O Estado promove e apoia a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual", o Sr. Deputado José Magalhães disse que não se trata de um luxo. Só que lendo em conta o que já dispõe o artigo 9.° da Constituição sobre as tarefas fundamentais do Estado, quando se refere à independência nacional na alínea a) e à valorização e à protecção do património cultural na alínea c), só podemos tirar a seguinte conclusão: a benfeitoria operada pela inclusão do n.° 10 e, quanto muito, voluntária, porque desnecessária e repetitiva, e é uma disposição programática.

Quanto ao projecto do partido Os Verdes gostaria de me pronunciar com uma "intolerância", entre aspas, maior do que a que me mereceu a análise do n.º 10 do PCP e que é a seguinte: esta formulação parece-me, do ponto de vista democrático, particularmente perigosa, quanto mais não seja pela consideração do tipo de critérios subjacentes à análise do n.° 9. Esta proibição é, nem mais nem menos, uma espécie de para censura sobre o conteúdo dos programas. Não sei se isto decorre da lógica de a televisão ser ou não da exclusiva propriedade do Estado. Relativamente a esta matéria não li o resto do projecto do partido Os Verdes. Porém, seja qual for o titular do programa ou a direcção do programa em causa, esta proibição caracteriza-se, quanto muito, por um paternalismo claramente antidemocrático. Se a titularidade dos programas pertencer a um meio áudio-visual a cargo do Estado, a sociedade democrática deve confiar no próprio Estado democrático e nas linhas jurídico-constitucionais porque esse Estado se orienta. Se a titularidade for dos meios privados, a sociedade democrática deve acreditar no civismo e em todos os elementos que integram a actuação da sociedade civil. Há sempre os limites da ilicilude que acautelam a violação de direitos. Neste sentido, penso que - e para já não lhe chamar totalitária - e de excluir, por paternalista por profundamente ceplicista em relação à democracia, por ser antidemocrática, esta formulação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que água aí vai, Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves!...

Não tive ocasião de debater e não ouvi a fundamentação apresentada pelo Sr. Deputado Herculano Pombo para as propostas que apresentou. Em todo o caso, se V. Exa. dita para a acta que uma proposta deste tipo, apenas por dizer o que diz - e não estou a dizer que me pareça que e uma benfeitoria indispensável ou que a formulação possa ou deva ser esta -, é, entre outras coisas, totalitária, paracensória, paternalista, antidemocrática - e V. Exa. ainda deve ter mais adjectivos do tipo...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Já os esgotei, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não acredito que possa ler esgotado os adjectivos porque dentro desse género a parafernália de sinónimos é infindável. Face ao que a Sra. Deputada está a dizer tem o dever de daqui a um bocado ir lá abaixo, agarrar num papel, propor já a revogação do artigo 7.° da Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro, que é a Lei da Televisão, que, entre outros minos "antidemocráticos", "totalitários", "paternalistas", "paracensórios", diz esta monstruosidade: "é proibida" - repare no horror desta expressão - "a transmissão de programas ou mensagens que" - agora repare no carácter "totalitário" disto - "incitem à prática de crimes ou violem os direitos, liberdades e garantias fundamentais" - e agora repare neste aspecto "paracensório" horrível - "nomeadamente pelo seu espírito de intolerância, violência ou ódio".

O Sr. António Vitorino (PS): - A lei diz isso? É com certeza uma lei gonçalvista!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é abjecto? Esta lei é um horror. Tem a mão do Dr. Almeida Santos...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas diz só isso, Se. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Diz só isto, Sra. Deputada. Pode ficar assustada, mas é verdade.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Ainda bem, Sr. Deputado. É que assim fico mais descansada!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E ainda tem uma outra coisa horrível porque refere "que por lei sejam considerados pornográficos ou obscenos". Estes programas também são proibidos!

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, o Govêrno apresentava, na proposta de lei da rádio, uma solução curiosa, que era "o exercício da actividade de radiodifusão deve contribuir (cm primeira instância) para a consciencialização económica do povo português".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, gostaria de lhe sugerir que, antes da votação final, global da lei da rádio, tenha em atenção as disposições de conteúdo similar a estas que lá estão incrustadas e que, por contributo voluntariado pelos partidos da oposição, foram suavizadas, no sentido de não serem "totalitárias", "antidemocráticas" e "paracensórias". Isto serve apenas para moderar um pouco o ímpeto verdadeiramente implacável que V. Exa. exibia ao analisar a proposta do partido Os Verdes, que não está aqui presente.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.9 Deputada Maria da Assunção Esteves.

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A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de responder às objecções feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães.

Por um lado, a inclusão de uma proibição na Constituição, que e, nem mais nem menos, um atestado de intenção criado para todo o ordenamento jurídico e diferente da inclusão de uma proibição numa lei ordinária. A proibição que referiu tem um conteúdo material diferente. Essa proibição que leu tem a ver com as limitações da ilicitude criminal ou da violação de direitos, liberdades e garantias, o que é diferente desta disposição, que tem a ver com critérios, de certo modo, valorativos e estéticos, critérios de preferência, e que são impostos às pessoas. E são-no em nome de que? E que a proibição, na lei que citou, faz-se em nome dos limites da ilicitudc e da preservação de bens fundamentais e dos direitos, liberdades e garantias. É totalmente diferente, quer no conteúdo quer na razão de inserção formal. As objecções que fiz continuam, portanto, a ter o mesmo sentido ou até, depois da leitura dessa disposição que o Sr. Deputado acaba de fazer, ainda mais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, quer o n.º 10 do artigo 38.º proposto pelo PCP, quer o n.º 9 proposto pelo partido Os Verdes tem de ser confrontados.

A Sra. Deputada já levantou aqui o problema quanto a outras disposições constitucionais, nomeadamente o artigo 9.º Esta questão, ao ser levantada, torna ainda mais difícil a compreensão da crítica da Sra. Deputada em relação a estas disposições. É que, então, aquelas que invoca como sendo causa determinante para a exclusão destas, que seriam desnecessárias, padeceriam dos mesmos defeitos graves que a Sra. Deputada arguiu em relação a estas. De resto, e manifestamente muito difícil determinar a fronteira entre a posição clara de condenação daquilo que consta, em particular, da proposta de Os Verdes e a objecção de com isso se tomar uma atitude paternalista que a Constituição adopta em muitas disposições.

Penso que o n.º 10 proposto pelo PCP é uma disposição específica. Em relação, por exemplo, à independência nacional, há uma disposição - o artigo 7. - que estabelece que o Estado, nas relações internacionais, deverá orientar-se por vários princípios, entre os quais o da defesa da independência nacional. No artigo 9.°, que a Sr. Deputada referiu, também há recomendações internas. Simplesmente, a proposta do PCP tem um âmbito limitado e próprio, que e o relativo ao campo áudio-visual, sobre o qual não existe na Constituição nenhuma disposição expressa. Penso, por isso, que esta proposta tem a sua razão de ser.

Por outro lado, tal proposta insere-se naquilo que suponho ser um consenso de todos os Srs. Deputados e que e a condenação da apologia da violência e da intolerância. Creio que numa sociedade democrática é de pressupor esse consenso. A única dificuldade que vejo em relação ao n.º 9 da proposta do partido Os Verdes é a de haver um limite um pouco difícil de fixar em relação ao que seja fazer ou não tal apologia, o que dá origem a uma questão um pouco difícil, que e a de saber quando é que um programa faz ou não a apologia da violência. Isto porque um programa que trate da violência ou da intolerância pode fazer ou não a sua apologia. A dificuldade está em assegurar que o não faça. Embora reconhecendo esta dificuldade que a fórmula do partido Os Verdes comporta, estou inteiramente de acordo com ela. Reconheço, contudo, que é uma proposta de execução um tanto difícil.

Em relação à proposta do PCP, não vemos que se suscitem dificuldades. Ela até dá um enriquecimento em relação a outras versões constitucionais, enriquecimento esse que diz respeito à referencia à língua portuguesa, que não consta, de facto, de nenhuma disposição constitucional, nem sequer em relação aos meios áudio-visuais. Daqui poderemos extrair a seguinte consequência: não seria mau pensarmos de novo no problema da língua, que quer nesta quer noutras legislaturas tem sido abordado como uma questão fundamental para o nosso país, e no da identidade cultural. Portugal está inserido numa comunidade europeia e corre o risco de perder a sua própria identidade cultural. Esta proposta do PCP tem a ver com condições novas existentes no nosso país, que também nessa parte a justificam. Não há quem pense que a integração na CEE deva provocar a perda da identidade cultural, mas o perigo, como é evidente, existe. Portanto, vejo toda a vantagem em que, além do problema da língua, em relação ao qual a Constituição é omissa, este problema da identidade cultural seja também objecto de especial recomendação constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer umas considerações muito breves sobre as propostas do PCP e do partido Os Verdes que estamos a discutir.

Relativamente à proposta do partido Os Verdes gostaria de dizer o seguinte: a intenção e, naturalmente, das mais louváveis, mas a formulação é, porventura, das mais perigosas. É que, desde logo, pode haver a tentação de, por exemplo, confundir violência e contundência, intolerância e intransigência, etc. Onde e que termina a contundência e começa a violência? Onde é que termina a intransigência e começa a intolerância? A própria Sr.? Deputada Maria da Assunção Esteves começou a sua intervenção dizendo "agora em relação a este ponto vou ser muito mais intolerante". A Sr.? Deputada, que não é intolerante, usou essa expressão na acepção de frontal, radical, intransigente. Parece-me que e perigoso adoptar tal norma.

A proposta do PCP não apresenta, aparentemente, dificuldades análogas. Todavia, as expressões "identidade cultural" e "independência nacional" podem introduzir riscos paralelos. Pode entender-se a expressão "identidade cultural" como uma defesa do tradicionalismo e dos valores culturais da Nação Portuguesa. Com toda a indefinição do alcance desta expressão. A expressão "independência nacional", pode vir a ser entendida como um nacionalismo, não o nacionalismo que consiste na defesa do interesse nacional na ordem externa - o que é legítimo e que, porventura, é pouco praticado pela diplomacia portuguesa -, mas como o nacionalismo tradicionalista. Não o nacionalismo de Teófilo Braga, não o nacionalismo da tradição democrática portuguesa mas, porventura, o nacionalismo da tradição mais recente na nossa história política.

Eu, que defendo que a palavra "nação" deve ser introduzida na Constituição, não defendo, todavia, que se diga: "o Estado promove e apoia a defesa da independência nacional no campo áudio-visual". Afigura-se-me que o Estado promove e apoia a defesa da independência nacional em todos os campos e não apenas no áudio-visual.

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Que o Estado promova e defenda a língua portuguesa no campo áudio-visual acho bem. Corresponde ao interesse, que e tendencialmente inequívoco, de combater a adulteração linguística a que se assiste na sociedade portuguesa através dos meios de comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia começou por me surpreender e creio que agora o "confortómetro" atingiu uma posição menos preocupante do que a que eu previa, que era aquela para que se encaminhava. Digo-lhe isto porque V. Exa. aludiu, no fim da sua intervenção, a que a questão de se consagrar o dever estadual de apoiar e promover a defesa da língua não lhe provocava nenhum frémito de rejeição, nem o uso da palavra "língua" o remetia para qualquer universo conceptual ou semântico perverso. Enquanto que a palavra "independência" lhe acorda um receio de nacionalismo e a palavra "identidade" um receio de tradicionalismo, o termo "língua" só lhe acorda a ideia de língua, não lhe provocando nenhuma dúvida e parecendo-lhe uma expressão absolutamente unívoca. Como sabes não e assim, há sobre isso uma polémica bastante interessante. Para quem tenha dúvidas - como V. Exa. aqui exprimiu - sobre a polissemia das palavras "identidade" e "independência", devo dizer que a palavra "língua" é também fortemente polissemica.

Creio que V. Exa. - não tem razão - salvo melhor opinião - em algumas das suas dúvidas mais profundas. Creio que tem toda a razão quanto ao termo "língua" e, aplicando o mesmo critério, deveria ler razão, ao contrário, em relação às expressões "independência nacional" e "identidade cultural" porque o espaço semântico e conceptológico em que nos movemos e, evidentemente, o espaço constitucional e só ele. Isto e, se V. Exa. - como a Sra. Deputada Assunção Esteves doutamente fez - folhear a Constituição, começando pelo artigo 1.° e chegando ao artigo 9.°, lá encontrará o conceito de independência nacional, embora o possa encontrar também espelhado noutros artigos, e não passa pela cabeça de ninguém, face aos elementos de interpretação adequados, ler na nossa Constituição, onde se exprime independência nacional, qualquer alusão, recepção, remissão ou acolhimento de concepções de tipo nacionalista (e, menos ainda, nacionalista no sentido de qualquer modalidade do tipo daquelas que exprimiu). O mesmo acontece em relação a noção de identidade cultural. Identificar identidade cultural, tal qual se encontra proposto no nosso texto, com qualquer modalidade de tradicionalismo ou com valores culturais do passado, seguramente não nos será imputável, nem seria imputável à Constituição se isto lhe fosse incrustado, porque todo o seu universo aponta para o sentido contrário. E é até por essa razão que o PSD pretende aplicar-lhe umas amputações, precisamente nas áreas em que não existe nenhuma remissão para o tradicionalismo, para os valores recuados, para os valores culturais do passado, etc.

Assim sendo, qual e o risco, sobretudo pela parte de alguém que pretende introduzir na Constituição uma coisa que nós não pretendemos, ou seja, o conceito de nação? Não vamos regressar à introdução desse conceito na Constituição porque o risco de o fazer é enorme e não percebo como e que V. Exa. - está preocupadíssimo com um conceito constitucionalmente líquido, qual seja o da independência nacional, vê um perigo exame em se introduzir aquilo que propomos que se introduza - que é o mesmíssimo conceito - e, simultaneamente, e capaz de pretender introduzir na Constituição o conceito de nação que é, como sabe, polemicíssimo, originou na Constituinte debates extremamente vivos e origina, por parte das forças tradicionalistas e apegadas aos valores retrógrados, culturais e anticulturais do passado, espasmos de emoção, adesões empáticas e outras.

Não percebo o seu critério e a minha pergunta é precisamente a de saber qual é esse critério, porque quando se diz, como o fez a Sra. Deputada Assunção Esteves. "Façam o favor de não duplicar", eu amanhã abonar-me-ei nestas doutas considerações para extrair da Constituição tudo o que lá está com o aval da Sra. Deputada Assunção Esteves. Agora que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia diga que isto, não só não duplica - coisa que ainda podia dizer -, como subverteria o texto, e que me parece não ler fundamento nenhum. Como e que V. Exa. sai desta contradição para que possamos sair do preceito?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado, não tenho consciência da minha alegada contradição. Mas, já agora, se me permite, vou dar-lhe resposta completa e depois V. Exa. formaliza a minha contradição, para que eu possa apreciá-la.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, talvez pudesse ser ao contrário. O deputado José Magalhães formaliza primeiro a contradição e o deputado Sottomayor Cárdia responde-lhe depois. De outro modo nunca mais acabamos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A contradição do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia -se me permite - é quase um caso de heteronimia. Quer dizer, numa das suas vertentes, o Sr. Deputado tem uma preocupação dramática em relação à introdução do conceito de independência nacional e, na outra, quer introduzir o conceito de nação. Numa, tem um problema enorme em relação ao tradicionalismo e, noutra, pretende introduzir um conceito tradicional.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. presta-me uma homenagem que não mereço. Sou um cidadão com muito pouca imaginação, incapaz de heteronimias. Sou pouperrimamente um lógico. Nenhuma propensão tenho para a ficção e nenhuma capacidade para forjar heterónimos. Insisto, todavia, que a contradição não existe. Não defendo um conceito tradicionalista de nação. Defendo um conceito democrático de nação.

Afigura-se-me que a possibilidade de interpretar a expressão "identidade cultural" à luz dos valores tradicionalistas da Nação Portuguesa e em acepção passadista e uma possibilidade real. Sei muito bem que V. Exa. e o PCP não pretendem que assim se entenda, todavia sei também que, se tal ficasse na Constituição, poderia vir a ser interpretado dessa maneira.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só se a Constituição mudasse toda e as suas referências e elementos estruturantes mudassem também todos, o que me parece não estar em risco, a não ser que o PS tivesse mudado radicalmente de posição.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não é o PS. Nós estamos a rever a Constituição. A atitude básica de um

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constituinte é a de desconfiança em relação ao legislador ordinário. Se não houvesse essa desconfiança, não haveria Constituição. Ora bem, a desconfiança deve existir em relação à margem de actuação legítima do legislador ordinário e deve também existir em relação à margem de interpretação ilegítima que se possa dar a termos de alcance indeterminado. Isto, quanto à expressão "identidade cultural".

Quanto à expressão "independência nacional", devo dizer que sou a favor da independência nacional e que acho que a Constituição a deve proteger, mas com uma inserção mais genérica do que esta, de modo a que não haja equívoco sobre um eventual dirigismo cultural em matéria de televisão ou outras e que não haja a possibilidade de isto ser interpretado num sentido que não desejo e que V. Exa. tão-pouco deseja. Igualmente não desejamos essa possível interpretação. Eu sou talvez mais desconfiado do que V. Exa. e seguramente menos imaginativo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao n.° 9 da proposta do PEV, e para além da argumentação que a minha colega Assunção Esteves já expendeu, gostaria de dar também a minha opinião.

Penso que com esta proposta se introduz um elemento de subjectividade profunda e não de objectividade, o que seria o desejável para a Constituição da República. De facto, deixa um espaço em branco enorme quanto a saber como se poderá medir e calibrar a intensidade da apologia da violência. É que, se poderá considerar violência, por exemplo, o facto de se visualizar num telejornal um assassínio a frio de uma pessoa, poderá lambem ser lido como violento um anúncio inofensivo e colorido de um brinquedo robot-polícia que faz as delícias das crianças, mas que mata tudo. Poderá, por exemplo, ser uma mensagem de intolerância uma declaração política de Jean Maria Le Pen, mas poderá também ser um anúncio que, em linguagem imperativa, diga "não faças isto, faz aquilo" ou "não uses aquilo, mas isto". Poderá lambem ser violência um John Wayne a disparar balas de justiça e a matar bandidos fora-da-lei que fazem mal à ordem do Oeste, etc. Consequentemente, há muita subjectividade nesta proposta.

O Sr. Presidente: - O que está errado são os tiros dos bandidos, é claro!

Risos.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Penso haver alguma subjectividade nesta proposta, não obstante - e isso é consensual - nós rejeitarmos a violência e a intolerância crua na televisão e, neste caso, na rádio.

Em relação à ideia de independência nacional, gostaria de fazer uma pergunta simples, que certamente merecerá uma resposta simples. Quando se defende a independência nacional, sobretudo no campo linguístico, na televisão, estará o proponente a pensar que, por exemplo, os filmes estrangeiros lerão de ser dobrados na nossa língua? Este é um exemplo que poderá definir uma política de televisão em Portugal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, há, de facto, muito pouco a dizer e perguntava apenas ao Sr. Deputado José Magalhães, referindo-me à proposta do n.° 10 apresentada pelo PCP, se acha adequada a introdução deste inciso no dispositivo que trata da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, isto é, se, no contexto deste artigo, acha adequado introduzir o que não poderá deixar de ser entendido como uma limitação e se este inciso, a ser aceite, não deveria constar de um outro ponto do contexto do diploma constitucional, ou seja, se aqui não se revela, porventura, uma atitude de desconfiança em relação à liberdade que se outorgou.

Em segundo lugar, gostava de saber o que é que o PCP pensou, tendo em conta o conjunto de propostas feitas - que, em muitos casos, tem uma natureza, não apenas de definição de princípios ou até de outorga de direitos, mas que constróem os meios orgânicos para a defesa e a salvaguarda desses mesmos direitos - em matéria de concretização desta promoção da defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual. Ou o PCP contenta-se com a simples norma programática, com o voto mais ou menos piedoso que possa constar deste n.º 10, tal como ele aparece redigido?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se não se importasse, faria agora umas breves considerações e dava-lhe depois a palavra.

Quanto ao n.º 10 da proposta do PCP, devo dizer que, se eu tivesse a certeza da necessidade desta norma, desde já a aplaudia. Não se pode ser contra uma norma que prescreve que o Estado promove e apoia a defesa da identidade cultural, da língua e da independência nacional no campo áudio-visual. Parece-me, em todo o caso, que, em sede mais vasta, quer de princípios da organização do Estado, quer até em forma de deveres ou tarefas fundamentais do Estado, já está salvaguardada a defesa da independência nacional - e em princípio isto seria uma repetição - estando, também, defendida, no artigo 78.°, a identidade cultural comum. Fica apenas de fora a língua, sobre a qual não lenho a certeza de existir na Constituição qualquer norma. Caso não exista, acho bem que passe a existir. Só que lambem tenho dúvidas de que deva ser esta a sede. Alguém referiu aqui: porquê neste domínio e não em todos os outros? Se estiver aqui, e evidente que está no sítio onde a regra pode ser mais útil.

Em relação a dois dos valores em causa a defesa está feita numa sede mais apropriada. Se a Constituição não refere a defesa da língua portuguesa - mas não me lembro, repito, de nenhum artigo onde se encontre a defesa directa da língua- convém que passe a existir uma norma nesse sentido. Não sei se nas normas de carácter genérico e de tarefas fundamentais do Estado se onde a norma é mais útil, ou seja, exactamente na parte que rege os áudio-visuais.

Relativamente à proposta do PEV, devo dizer que, como e óbvio, lenho algumas das preocupações da Sra. Deputada Assunção Esteves. Termos tão vagos como a apologia da violência e da intolerância poderiam, em sede constitucional, não tanto em lei ordinária, chegar a ser perigosos. Devo dizer que sou o responsável pela norma que foi lida pelo deputado José Magalhães e que, entre muitas das minhas "culpas", está essa. Mas é evidente que eu eslava a fazer o estatuto da televisão, ou seja, o estatuto de um órgão que tem muito de pedagógico e é responsável por muito do que tem acontecido neste país nas últimas décadas. Ora, a grande mutação que se fez no mundo, em termos de hábitos, de valores e de praxes, deve-se, em grande parte, às vantagens e desvantagens pedagógicas das Constituições de todos os países mas, se é colocada uma norma destas na Constituição, não sei que coelhos é que

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sairão desse chapéu. Até porque o problema é que, se a apologia da violência é crime, no Código Penal estão previstos os casos em que essa apologia é criminosa e essas estão já incluídas na proibição.

Quanto à intolerância, é um conceito muito vago. Entendo, aliás, que a defesa da intolerância contra o apartheid é óptima. Quantos programas contra o apartheid tem sido aplaudidíssimos pelo país inteiro, e, quanto à própria violência, se esta for defensiva, e não ofensiva, entendo ser também nossa obrigação defendê-la. Por conseguinte, é preciso ter cuidado com normas demasiado genéricas.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Rui Macheie.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de me pronunciar rapidamente sobre a proposta do PEV e depois, também, relativamente às observações que tiveram a gentileza de fazer em relação à nossa própria proposta de alteração.

É evidente que partilho do ponto de vista segundo o qual os conceitos vagos e indeterminados são ou podem ser ovos de serpente, podendo sair deles coisas indesejadas, sobretudo porque, havendo de ser preenchidos pelo legislador ordinário, não nos merece esse legislador - a nós PCP - a confiança bastante para que possamos introduzir, sem grande ponderação, conceitos que não tenham a adequada densidade e que possam propiciar aplicações de tipo abusivo, designadamente na linha do tradicionalismo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia receava. Podem escorar-se em cláusulas deste tipo operações de carácter censório e de avaliação muito dúbia e perigosa, estando o PS, neste ponto, de acordo com as preocupações que o Sr. Deputado Mário Maciel produziu. Muitas dessas circunstâncias poderiam conduzir a soluções e a situações perversas. Naturalmente, não coonestaríamos qualquer solução que pudesse conduzir a isso, sem prejuízo de se ponderar se existe alguma formulação não passível deste juízo e que exprima, em termos rigorosos técnico-juridicamente, uma preocupação anti-intolerante que, tolerantemente, deveríamos procurar materializar em preceito constitucional - e é disso que estamos a tratar agora -, se para tal houver disponibilidade.

Da nossa parte, não haverá seguramente indisponibilidade e menos ainda, violência política. Estamos perfeitamente disponíveis para discutir a fórmula. Este é o primeiro aspecto.

Segundo aspecto: agradeço as observações feitas que, segundo creio, constituem uma boa contribuição para se poder situar o tratamento constitucional das questões de identidade cultural e de independência nacional. Creio que o facto de se lobrigar a existência de uma omissão constitucional em relação à língua portuguesa - o que é pôr a questão com objectividade - pode encaminhar o debate para que se veja em que inserção e com que eficácia acrescida é que a questão poderá ser ponderada e resolvida. Da nossa parte, entendemos que seria extremamente positivo, para não dizer mesmo imprescindível, no actual contexto, a introdução de uma norma desse tipo. Compreendemos evidentemente todas as objecções deduzidas ou observações quanto à sede na medida em que as questões de inserção sistemática são sempre naturalmente polémicas. Neste caso, como o Sr. Deputado Almeida Santos aliás admitiu, parece-nos que esta inserção sublinhava uma especial carência a que não são evidentemente alheios outros sectores. Por exemplo, por que não o cinema? Por que não as artes? Por que não certos domínios de investigação científica? Por que não outros campos que não apenas o do áudio-visual? A questão pode colocar-se. Somos completamente sensíveis a isso e estranho seria se não o fossemos. No entanto, também nos parece que das duas, uma: ou se encaminha o debate para a ideia de que vale a pena pesquisar este campo - e, quanto a nós, valeria a pena - por forma a encontrar uma sede óptima ou pelo menos melhor do que esta, para definir os campos a abranger e os sublinhados - porque é de sublinhados que se trata- a fazer. Ou então estaríamos, muito pouco produtivamente, a fazer exegeses inconsequentes.

Gostaria simplesmente de dizer ao Sr. Deputado Belo Maciel que quando projectamos uma cláusula deste tipo (e refiro-me à formulação originária do n.º 10 proposto pelo PCP) a limitação ou o objectivo preconizado não é tão preciso e exigente que implique a dobragem obrigatória de iodos os filmes na televisão. Mas, indubitavelmente - e com isto respondo a observações e interrogações do Sr. Deputado Nogueira de Brito - vai no sentido da existência não só da legislação, como lambem de orientações, qualquer que seja a sua fonte e sede, com o objectivo de favorecer a difusão de textos de língua portuguesa, do teatro português, da música portuguesa e de outros factores que constituem a nossa forma de expressão portuguesa contrariando, naturalmente, a ocupação dos espaços e das ondas por produtos unicamente estrangeiros ou produzidos no estrangeiro ou que veiculem qualquer coisa de matriz exclusivamente estrangeira. É apenas disso que nos reclamamos e é apenas essa a preocupação que temos. Algumas dessas coisas são hoje lei e teriam aqui plena correspondência a nível constitucional: não é excessivamente exigente mas, digamos, propositadamente coibido e autodisciplinado. Cremos que a sua consagração nesta ou noutra sede seria extremamente positiva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições quanto a este preceito, passaremos à apreciação do artigo 39.° sob a epígrafe "Órgãos de comunicação social pertencentes a entidades públicas ou delas dependentes", relativamente ao qual se registam propostas de alteração nos projectos do CDS, do PCP, do PS, do PSD, da ID e do PRD. Aliás, alguns dos aspectos deste preceito - pelo menos no que respeita ao PSD- foram já objecto de discussão, quando da apreciação do artigo 38.°

Quanto à epígrafe, o CDS apresenta uma proposta de substituição e o PSD, por razões óbvias relativas ao conteúdo do articulado, apresenta também uma proposta de substituição.

Quanto ao n.° 1, o PRD apresenta uma proposta de substituição (seu n.º 1) cuja redacção visa no essencial a garantia de independência, "designadamente editorial".

Mas, uma vez que alguns números já foram discutidos em função da sistemática das propostas apresentadas por alguns dos partidos, penso que seria preferível pedirmos aos proponentes, pela ordem dos projectos, para os apresentarem. Assim, perguntaria ao CDS se quer apresentar a motivação sucinta dos pontos que constituem novidade em relação àquilo que já discutimos e precisar, rapidamente, o seu ponto de vista. Depois, por ordem, os restantes partidos fariam o mesmo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sendo certo que a justificação da redacção que propomos para o artigo 39.°

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- e trataria da epígrafe no fim, embora possa não parecer muito lógico- resulta já de várias intervenções que fizemos a propósito do artigo 38.º, recordaria portanto o essencial da nossa posição face a esta matéria.

O CDS entende que o acesso à titularidade dos meios de comunicação social é essencial à definição de liberdade instrumental, de que trata o artigo 38.° Com essa extensão, no entender do CDS, esta liberdade deverá ser alargada a todos os meios de comunicação social e não apenas à imprensa, como acontece actualmente. Em nosso entender, será mesmo com a pluralidade daí resultante que melhor se assegurará a liberdade de expressão e de informação que, definida no artigo 37.°, ao fim e ao cabo se visa atingir. Em conformidade com este entendimento, a garantia de tal liberdade não passa pela preservação de um serviço público em relação aos vários meios de comunicação social, pelo que essa preservação não deve ter guarida constitucional. Assim sendo, não faz sentido manter e constitucionalizar o Conselho de Comunicação Social. Só quem entende que a manutenção de um serviço público, pelo menos nos meios áudio-visuais, é necessária e que constitui um meio indispensável à defesa da liberdade de expressão e de informação, é que sente a necessidade de, posteriormente, assegurar através deste Conselho de Comunicação Social a independência e a objectividade desse mesmo serviço público. É o que resulta das propostas que estão perante nós. Pelos vistos, no entender daqueles que se mantêm fiéis à necessidade de um serviço público nesta matéria, não é suficiente a sua existência, sendo também necessário um órgão que promova a independência e objectividade. Nem todos, evidentemente. Mas porventura isso talvez dependa da extensão com que prevêem esse mesmo serviço.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Parece-me que a lógica do Sr. Deputado prova demais. A sua ideia de que quem defende um serviço público de comunicação social e, portanto, um serviço mínimo por parte do Estado está logicamente vinculado à consagração constitucional do Conselho de Comunicação Social não se me afigura procedente. A ser procedente, ou seja, no caso de a existência de meios de comunicação social públicos passar necessariamente por um Conselho de Comunicação Social, então o CDS, que não tem esta lógica, mas que diz que "há-de havê-los, por enquanto" - pelo menos a proposta do CDS parte do princípio de que os há -, teria de dizer, se a sua argumentação tem lógica, que enquanto eles existirem lerá de haver um Conselho de Comunicação Social.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Deputado. A minha argumentação eslava fundamentalmente assente numa constatação na comparação dos vários projectos. Quer dizer, o PSD, apesar de tudo, considera fundamental preservar um serviço público nos meios de comunicação áudio-visuais. Mas já não considera necessário defender ou preservar neste serviço público, a objectividade e a independência face, designadamente, ao Governo. Entende-se um pouco porque... Trata-se de uma atitude do PSD que eu diria conjuntural.

Pelo que ouvimos esta manhã, o PS admite, talvez com uma extensão diferente, a necessidade de preservar um serviço público. Quer dizer, a atitude perante a coexistência

de um serviço público e de um serviço privado é porventura diferente. Se bem que o admita com uma extensão diferente - e também se percebe porquê - não é suficiente, para o PS, a existência desse serviço público como garantia da utilização independente e objectiva do respectivo meio de comunicação social explorado, pelo que introduz o Conselho de Comunicação Social. E o mesmo se dirá dos partidos que nem admitem que se abra, por exemplo, a televisão à iniciativa privada.

Mas a lógica do CDS é outra. Na lógica do CDS, é a própria abertura da titularidade dos meios de comunicação social do áudio-visual à iniciativa privada que vai garantir a independência e objectividade da informação, objectivo primeiro que pretendemos salvaguardar.

É esta, Sr. Deputado Costa Andrade, a razão de ser da nossa proposta.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Embora compreenda a proposta do CDS, parece-me, no entanto, que o Sr. Deputado labora num certo equívoco quanto à interpretação das nossas propostas. Mas não sei o que será melhor: se dizer que o equívoco é voluntário se dizer que é involuntário. Não penso que o Sr. Deputado tenha a mínima razão para dizer que o PSD não quer que os meios de comunicação social pertencentes ao Estado sejam independentes em relação ao Govêrno e à Administração Pública. Nós referimos essa independência expressamente no n.º 5 do artigo 39.° E a nossa proposta para o artigo 39.°, no que toca aos meios de comunicação pertencentes ao Estado, é igual à do CDS com ligeiras alterações.

Penso, portanto, Sr. Deputado, que deve retirar a parte da sua argumentação que refere que o PSD não deseja que os meios de comunicação social pertencentes ao Estado sejam independentes em relação ao Governo. Basta ler o n.° 5 da nossa proposta relativa ao artigo 39.° para se constatar o contrário.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, não disse que o PSD não queria, mas sim que não estava preocupado, que não tinha o mesmo grau de preocupação. Eu li a vossa proposta! Repilo: disse, sim, que o PSD não tinha o mesmo grau de preocupação em defender essa objectividade e competência...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Fiquei com a ideia de que lerá dito uma coisa ligeiramente diferente. Mas, se assim foi...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E é essa ausência de preocupação que eu considero conjuntural.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dou como boa essa explicação, embora me pareça ter dito algo ligeiramente diferente.

O Sr. Presidente: - O essencial dos aditamentos, quer do PCP quer do PS, referem-se a aspectos de novas competências constitucionalizadas do Conselho de Comunicação Social. Se o PCP quiser justificar a sua proposta de aditamento, daria agora a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, procurámos neste ponto, como aliás ocorreu com outros partidos e com outras forças - refiro-me concretamente ao PS e a ID - dar resposta a um problema em aberto entre nós, embora compreendamos que a distância que separa esta

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proposta das iniciativas e alterações desejadas pelo PSD seja imensa. Isto é, está cada uma delas de um dos lados do Atlântico e não do mesmo. Porque enquanto o PSD pretende, através do n.° 5 do artigo 39.° na redacção que propõe, desmantelar, do ponto de vista institucional, o esquema de controle e fiscalização do sector público da comunicação social, do qual tem a visão que é sabida, estas propostas, em que a nossa pode e deve ser inserida, encontram-se nos antípodas.

A reflexão que fazemos sobre o processo de nomeação de gestores e também de directores e das realidades que se movem na esfera do sector público de comunicação social desemboca em resultados preocupantes. Os processos de governamentalização nas mais diversas conjunturas, os processos de dependência política de gestores e directores, a intervenção dos órgãos de controle, no esquema previsto na Constituição na redacção decorrente da revisão constitucional de 1982 cuja debilidade é patente, aconselham, em nosso entender, uma remodelação no sentido de um reforço dos poderes de intervenção do órgão que, neste campo, limita os poderes do Governo. E só constitucionalmente é possível operar esse efeito. Quando debatemos a Lei do Conselho de Comunicação Social, tivemos ocasião de ponderar aturadamente este aspecto. Na altura, empenhado na defesa da proposta de lei respectiva, do governo do bloco central, o PS ditou para a acta abundantes considerações fundamentadoras desse ponto de vista. Cremos portanto que a sede constitucional e a adequada para que se confiram ao Conselho de Comunicação Social poderes acrescidos de intervenção em relação a este aspecto, evidentemente sensível e fulcral. Se se excluírem soluções que não consagrem a independência e idoneidade dos gestores das empresas de comunicação social e que não encerrem o entendimento adequado do estatuto dessas empresas quando sejam públicas ou detidas pelo Estado a qualquer título; se se puser fim às confusões entre o que deva ser uma empresa de comunicação social e uma fábrica de sabões, ainda que pública, cujo modelo de gestão em nossa opinião também não deve evidentemente ser governamentalizado; se se excluírem soluções que não clarifiquem que quanto aos directores dos órgãos de alguma forma ligados às empresas deve também primar uma preocupação geral de não governamentalização, de não escolha na base do facto de pertencerem ao partido que tenha maioria absoluta, ou não absoluta mas no poder e àqueles que esse partido entenda associar a uma governação bipolar; se se excluírem esses caminhos e essas soluções e antes se optar por critério de garantia de independência estar-se-á a contribuir para que o sector público de comunicação social tenha o cariz que constitucionalmente deve ter, isto e, um espaço em que deve ser assegurada a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e em que haja a garantia do pluralismo, do rigor da informação, da objectividade, etc....

Sr. Presidente, é esse o sentido da nossa proposta mas parece-nos, como se pôde ver esta manhã e mesmo esta tarde, que os campos estão muito extremados dada a posição do PSD. Em todo o caso, o PSD exprimirá seguramente a sua avaliação actual - neste momento, às 18 horas - sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Relativamente à alteração que o PS propõe, não há muito que explicar. Significa apenas a constitucionalização de uma norma já constante da lei ordinária, ou seja, o carácter vinculativo do parecer do Conselho de Comunicação Social sobre a nomeação e a exoneração apenas dos directores dos órgãos e não também dos gestores das empresas, como propõe o PCP. O PCP propõe os gestores e os directores. A proposta da ID apenas se refere aos gestores. Não vejo necessidade de estar a fundamentar isto. Na realidade, votámos favoravelmente a constitucionalização do que consta da lei ordinária que está em vigor. Como tal, pareceu-nos que se justificava que num artigo relativo ao Conselho de Comunicação Social, cuja permanência na Constituição defendemos, deveria estar este carácter vinculativo. E porquê? É que, quer quanto à persistência ou permanência do Conselho de Comunicação Social quer quanto à constitucionalização do seu carácter vinculativo, o Estado mantém constitucionalizada uma figura que, em certo momento da história da contestação dos governos e da Administração em geral, se entendeu necessária para o heterocontrole da seriedade da gestão dos órgãos de comunicação social. Como sabem, é constante a crítica relativamente à forma como os diversos governos gerem e administram os órgãos de comunicação social do sector público. Quer o PSD quer o PS defendem a existência de um serviço público de comunicação social, independentemente de saber qual seja a extensão do mesmo. Se tirássemos agora esta norna isso poderia significar que a Administração Pública, os órgãos políticos em geral queriam voltar à situação anterior à consagração da mesma, ou seja, à inexistência de um órgão exterior à própria Administração de controle da seriedade sobre a maneira como os vários governos - não este, mas todos - administram as empresas do sector público de comunicação social e podem ou não influir na direcção dos seus órgãos.

Há pouco o Sr. Deputado José Luís Ramos disse: "Se cá não está o Conselho de Imprensa por que é que há-de estar o Conselho de Comunicação Social?" Esta objecção vale tanto como a contrária: se está cá o Conselho de Comunicação Social por que e que não há-de passar a estar o Conselho de Imprensa, como, aliás, propôs o PCP? Há uma diferenciação entre as duas situações. É que o Conselho de Imprensa aplica-se aos órgãos privados de imprensa, que é algo diferente do Estado reforçar a sua credibilidade ética ou aceitar um controle exterior a si próprio sobre a maneira como administra e dirige os órgãos de comunicação social do sector público.

Penso que as críticas não diminuíram de governo para governo. Antes pelo contrário! Se não são as mesmas, penso que cada vez mais se agravam. Portanto, as razões que levaram o Estado a dar esta prova de seriedade perante a opinião pública, esta prova de isenção, independência e objectividade, face à informação produzida pelo sector público de comunicação social, mantêm-se. As razões que justificaram a constitucionalização deste órgão - e, na altura, todos estivemos de acordo sobre isso - mantêm-sem de algum modo, reforçadas. A circunstância de este governo ser maioritário reforça o seu dever ético de continuar a aceitar uma norma deste tipo. Nós não só não propomos a extinção do Conselho de Comunicação Social, como também não estamos, em princípio, preparados para aceitar esta extinção. Só poderemos concebê-la no quadro da integração destas funções num outro órgão, que poderá ser ou não único. Seria o caso, por hipótese, do tal órgão que propomos, o tal órgão independente, que, nesse caso, passaria a ter também este tipo de funções.

Não somos favoráveis a nenhuma floresta de órgãos deste género. Entendemos que os órgãos não estão cá por acaso, não estão cá contra a nossa própria vontade. A razão que determinou a sua aprovação persiste, reforçada por críticas cada vez mais cerradas e por divergências cada vez

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mais profundas. Creio que aí todos poderíamos ser acusados de querer pactuar ou querer voltar a uma situação de total liberdade de nomearmos quem queremos, de nomearmos os directores e de lhes darmos as directrizes que quisermos, sem nenhuma espécie de controle estranho ao próprio Estado. Foi por esta razão que propusemos o que propusemos. Foi por esta razão que não propusemos a extinção do Conselho de Comunicação Social. Não estamos, em princípio, dispostos a pacutar com ela.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não teria grande sentido estar a repetir a argumentação que já foi expendida quanto à nossa proposta. Porem, gostaria de fazer duas ou três observações.

A primeira diz respeito ao seguinte: como resulta da própria epígrafe e do conteúdo do articulado que é proposto, nós não pensamos que seja útil dar relevância a uma realidade que não é para durar eternamente em relação aos órgãos de comunicação social pertencentes a entidades públicas. Isto é, a visão do sector público, em termos de informação, não nos parece dever ter esta fixação constitucional. Daí resulta que o esquema estruturado para garantir o pluralismo no seio desses órgãos de comunicação social públicos também não tem justificação. Portanto, não estamos em consonância com as propostas apresentadas pelos partidos que mantêm o Conselho de Comunicação Social.

Diria mesmo que seria, porventura, mais admissível - e em relação a um problema que teremos oportunidade de reflectir ao longo dos trabalhos- termos algo de mais próximo daquilo que foi sugerido pelo PS a propósito do artigo 38.e do que com a manutenção deste Conselho de Comunicação Social. É que aí há uma justificação de uma outra ordem. Não estamos a advogar a manipulação dos órgãos de comunicação social pela via governamental ou através dos directores-gerais ou outra autoridade administrativa. Portanto, outra fórmula mais próxima e mais eficaz, como aquela que parece deduzir-se da proposta para o n.° 7 do artigo 38.° do PS, poderia, porventura, merecer um acolhimento, e ponderaríamos a nossa ideia de rejeição total do artigo 39.º Enfim, é uma matéria sobre a qual, neste momento, não gostaria de me pronunciar. É apenas para que, pro memoria, possamos, eventualmente, vir a discutir mais tarde.

Há um outro ponto que gostaria ainda de referir: os diversos partidos que mantêm a redacção do artigo 39.°, designadamente do n.° 1, não explicitam uma questão, que tem alguma importância, a de saber o que é que significa isto "das entidades indirectamente sujeitas ao seu controle económico". O problema coloca-se, sobretudo, porque nós sabemos que algumas entidades dependem das subvenções do Estado para poderem subsistir. A questão aí e a de apurar se não e razoável considerar que essas entidades estão sujeitas, em última análise, ao controle económico do Estado. E como, por outro lado, muito curiosamente, num propósito intervencionista, o PS admite que haja necessidade de o Estado dar mais alguns passos em termos de intervenção, este problema não é tão despiciendo como à primeira vista poderia parecer nem uma simples dúvida de jurista.

Ainda há um outro ponto que gostaria de referir e que diz respeito a um comentário que foi feito há pouco pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. É que, efectivamente, o n.º 5 da nossa proposta, quando refere "de modo a garantir a independência perante a Administração, a lei regula a organização e a fiscalização dos meios de comunicação social pertencentes ao Estado ou qualquer outra entidade pública" - que é aquilo que existe e que há-de existir durante muito tempo - "ou entidades directamente ou indirectamente sujeitas ao seu controle económico" - e aqui já está abrangido o serviço público, que com o âmbito com que o concebemos aceitamos que não seja uma entidade residual -, não é de forma nenhuma dubitativa a forma como expressamos que deve ser garantida a sua independência perante a Administração e os demais poderes públicos e a efectividade do acesso a esses meios das diversas correntes de opinião. Não vemos nenhuma diferença em relação aquilo que está proposto pelo CDS para o artigo 39.°

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, como vou ter de me ausentar agora, gostaria de saber se amanhã há reunião da CERC.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, dada a necessidade que temos de acelerar os nossos trabalhos, o que proponho à Comissão é que na próxima semana se faça o seguinte: poderíamos reunir na terça-feira à tarde a partir das 15 horas, na quarta-feira à tarde e na quinta-feira de manhã e de tarde. Eventualmente, poderíamos também reservar a manhã de sexta-feira.

Vozes.

Gostaria de esclarecer que houve um acordo com o Sr. Presidente da 1.ª Comissão no sentido de tentar evitar que houvesse reuniões contemporâneas. Ele terá oportunidade de na sua comissão fazer as devidas referencias. Uma vez que há muitos deputados que pertencem a ambas as comissões, a ideia é a de que a Comissão possa, de acordo com os planos estabelecidos pela respectiva mesa, ter reuniões na segunda-feira à tarde e na quarta-feira de manhã.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, essa reunião não pode ser terça-feira de manhã?

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

Vozes.

O Sr. Presidente: - Penso que vamos acabar por eliminar estes pruridos.

Vozes.

Em relação a sexta-feira ainda vamos ponderar. Se nas reuniões anteriores conseguirmos fazer um sucolento avanço talvez isso não seja necessário.

Vozes.

Portanto, para a semana temos as seguintes reuniões: terça-feira às 15 horas, quarta-feira às 15 horas e quinta-feira às 10 horas e às 15 horas. Em relação a sexta-feira logo veremos.

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Se não acelerarmos as reuniões depois iremos ler de trabalhar de manhã, à tarde e à noite. Gostaria de evitar isso!

O Sr. José Magalhães (PCP): - E aos fins-de-semana, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado. Vozes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, não é difícil verificar que entre as propostas de alteração apresentadas há uma linha divisória, que coloca de um lado os projectos do PSD e do CDS e do outro todas as outras propostas de alteração. No fundo, o que está em causa é saber se se deve ou não manter - e entendemos que sim - o Conselho de Comunicação Social, actualmente previsto na Constituição. Há que saber se se deve ou não manter, além de meras declarações de princípios, algo que faça mais do que meras declarações; seriam meios de garantir o seu cumprimento.

Como declarações de princípios, temos a situação típica do projecto do PSD, que lhe retira meios de cumprimento. Os outros projectos, ou seja, os do PCP, do PS, da ID e do PRD, mantêm o Conselho de Comunicação Social como um meio de garantir esses princípios constitucionais, mas acrescentam alguma coisa.

O projecto da ID é, em parte, coincidente com o do PCP. Refere a precedência de parecer favorável do Conselho de Comunicação Social na nomeação dos gestores das empresas, o que também consta da proposta do PCP. O parecer favorável em relação a nomeação de directores também é incluído nas propostas do PS e do PCP. Concordamos inteiramente com isto. O Sr. Deputado Almeida Santos disse há pouco que na lei ordinária já existe este parecer vinculativo quanto à nomeação de directores. Não tenho ideia disso! De qualquer forma, a sua consagração constitucional tem a nossa concordância, porquanto nos parece ser mais uma medida complementar para assegurar que estes princípios constitucionais, consagrados para salvaguarda do pluralismo e da expressão das diferentes correntes de opinião, tenham na Constituição a institucionalização de garantias efectivas de cumprimento. O Conselho de Comunicação Social representa também uma forma de cumprimento e a proposta da ID não deixa ficar apenas pelas piedosas intenções ou declarações de princípios aquilo que outras forças, nomeadamente o PSD, propõem nos seus projectos. Por isso, esta proposta da ID é idêntica à do PCP.

Quero apenas acrescentar que damos a nossa concordância àquilo que consta das propostas do PCP e do PS, porque nos parece conterem uma medida correcta, que e a da nomeação de directores precedida de parecer com carácter vinculativo.

O Sr. Presidente: - Não está presente o PRD, portanto penso que, no que reporta ao esclarecimento das propostas, salvo se houver mais algum pedido de intervenção, esta matéria está dilucidada. Sendo esse o caso, uma vez que já vimos a proposta sobre o artigo 39.º-A, vamos passar ao artigo 40.º - direito de antena. Em matéria deste artigo, registam-se propostas de alteração do CDS, do PS, do PSD, do PEV e do Sr. Deputado Carlos Lélis e outros deputados da Madeira. Quanto à epígrafe, o CDS apresenta uma proposta de substituição e o PS uma de aditamento. Quanto ao n.° 1, o CDS apresenta uma proposta de substituição, o PS também e o PSD igualmente. Quanto ao n.° 2 são apresentadas propostas de substituição por parte do CDS, do PS e do PSD. Quanto ao n.° 3, há uma proposta de aditamento, apresentados pelo PEV, no seu n.° 4, e o projecto do Sr. Deputado Carlos Lélis, que também propõe no seu n.° 4 um aditamento.

Começaríamos pelo PS. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Em relação ao n.° 1, o projecto do PS tem como objectivo fundamental alargar o âmbito das entidades a quem a Constituição da República reconhece o direito de antena e também o direito de espaço - daí a alteração da epígrafe do artigo, na medida em que já, hoje em dia, se deve entender que no tratamento desta matéria presidem critérios da identidade de razões, quer se trate de meios áudio-visuais, quer se trate de meios de comunicação social escritos.

Hoje em dia, a Constituição prevê que tenham direito de antena os partidos políticos, as organizações sindicais e profissionais - o PS acrescenta confissões religiosas e organizações representativas das actividades económicas. Na realidade, em relação às confissões religiosas, trata-se de um afloramento do próprio princípio da separação do Estado e das igrejas, e do tratamento equitativo das diversas confissões religiosas - reconhece-se que os valores veiculados pelas confissões religiosas devem merecer a atenção da sociedade e ter a sua correspondente no reconhecimento de um direito de antena. As associações representativas das actividades económicas estão aqui aditadas por identidade de razões, em relação às organizações sindicais e profissionais - entende-se que, de acordo com as concepções do moderno Estado de direito e dos princípios da consertação social, deve ser dada às associações representativas de interesses das actividades económicas idêntica projecção neste plano àquela já conferida às organizações sindicais e profissionais.

O PS adita ainda o inciso "segundo critérios objectivos a determinar por lei" porque entendemos que não tem de se obedecer só ao critério da representatividade das próprias organizações, mas também aos de natureza objectiva - hoje a Constituição fala apenas em "critérios a definir pela lei". Entendemos que estes devem ter natureza objectiva e não subjectiva, e sabemos que algumas das aplicações do actual dispositivo constitucional tem dado origem a tratamentos discriminatórios, segundo critérios menos claros e não objectivos. Daí a referencia a "critérios objectivos a determinar pela lei".

Mantemos a referência à representatividade, naturalmente, e estabelece-se aqui um critério adicional quanto à frequência e duração compatíveis com o conteúdo essencial do direito. Todos nós sabemos que o direito de antena, designadamente na televisão, tem revestido aspectos verdadeiramente caricatos, pois algumas das mensagens, transmitidas ao abrigo do direito de antena de algumas associações, são totalmente imperceptíveis por parte dos destinatários; ditas "a correr" (qualquer dia utilizam uma frequência de gravação diferente, em 33 rotações, ou em 78, ou em 45 rotações), na realidade, essas mensagens resultam completamente imperceptíveis. Entendemos que esses afloramentos são susceptíveis de pôr em causa o próprio conteúdo do direito, em si mesmo. Estabelece-se, portanto, um critério de duração mínima desse direito de antena, compatível com o conteúdo essencial do direito. O que não significa, forçosamente, uma ampliação do tempo global do exercício do direito de antena, mas significa, isso sim, que deve haver apelos à utilização conjunta, por exemplo, de tempos de

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antena, de forma a permitir a transmissão de mensagens compatíveis com a lógica deste direito e não da forma sincopada e, às vezes, ridícula como hoje são transmitidas. Esta é a justificação que temos para o n.° 1 do artigo 40.°, em matéria de direito de antena.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Quero colocar ao Sr. Deputado António Vitorino a seguinte questão: refere o texto da proposta do PS "segundo critérios objectivos", mas acrescenta "a determinar por lei, de acordo com a sua representatividade" e ainda "de frequência e duração compatíveis com o conteúdo essencial do direito". Como há aqui uma qualificação dos tempos do direito de antena a atribuir em função destes requisitos, pergunto a V. Exa. qual é o sentido da palavra "objectivos", em função do que se acrescenta no fim deste número proposto pelo PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - A questão que está aqui, subjacente a esta preocupação, e que nos critérios utilizados para aplicação do direito de antena, se tem recorrido a considerações de natureza subjectiva sobre a relevância das diferentes entidades com acesso a este direito - dou apenas um exemplo concreto: as associações sindicais são mais importantes do que as associações de defesa do consumidor, portanto, devem ter mais tempo de antena do que as associações de defesa do consumir. Nem sequer quero aqui discutir a justeza deste critério, mas convenhamos que isto é um critério subjectivo - até poderíamos argumentar que as associações sindicais representam 4 milhões de cidadãos, que são os trabalhadores activos, e as associações de defesa do consumidor podem representar 10 milhões, porque consumidores somos todos nós. O que se pretende aqui introduzir e este conceito de objectividade na definição dos critérios a utilizar na lei - o que não impede, naturalmente, a existência de diferenciação de tratamento, em função da sua representatividade, já que têm de haver, obviamente, critérios de representatividade. Mas uma coisa não é incompatível com a outra - a representatividade é para a atribuição dos tempos de antena a cada entidade susceptível de beneficiar deste direito; os critérios objectivos a determinar pela lei têm a ver com o reconhecimento dos grandes blocos de tempos de antena, destinados às entidades referidas no n.° 1 do artigo 40.° da Constituição - partidos políticos, confissões religiosas, organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas.

Há certas associações profissionais que tem tempos de antena, em meu entender, completamente injustificados e imperceptíveis, até pela curta duração que caracteriza a transmissão da mensagem. O tempo global das associações profissionais, por exemplo, é inferior ao tempo global das associações sindicais ou das actividades económicas - quando a soma das várias associações profissionais existentes no País representa, ou pode representar, um larguíssimo número de cidadãos. Mas isso é uma discussão que não cabe em sede constitucional, claro. O que se pretende é que esses critérios de distribuição sejam de natureza objectiva e não subjectivos, uniformemente aplicados por cada uma das entidades chamadas a arbitrar este direito de antena.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de me pronunciar sobre as propostas pendentes em relação ao artigo 40.º

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, nós estávamos ainda a fazer a apresentação, o PS falou, o CDS pediu para intervir em último, agora seria o PSD e a seguir o CDS, se entretanto o Sr. Deputado Nogueira de Brito tiver voltado, senão iremos caminhando na discussão. No que diz respeito à proposta do PSD, é simples de justificar - há, por um lado, um alargamento em relação aos titulares do direito de antena ou, pelo menos, há uma explicitação, visto que na prática já se tem entendido, na legislação ordinária, que são titulares desse direito de antena respeitante às organizações empresariais; estas não estão mencionadas no actual texto da Constituição, embora na realidade tenham vindo a ser incluídas.

A segunda nota importante é que, enquanto actualmente, partindo de uma realidade que é a de a televisão ser apenas pública, mas já considerando que a rádio é simultaneamente pública e privada, o direito de antena obriga, em termos de espaço, a ser concedido tanto a entidades públicas como privadas; na proposta do PSD essa obrigatoriedade está apenas dirigida ao serviço público de rádio e de televisão. Depois, quanto aos critérios que devem dar conteúdo aos direitos, mantém-se os referidos na Constituição, isto é, de acordo com a sua representatividade.

Já agora, aproveitava para mencionar que não temos óbice em considerar aquilo que o PS refere quanto ao conteúdo do direito - efectivamente, temos vindo a assistir a algumas manifestações do direito de antena que são ridículas e até de algum modo desprestigiamos da instituição, por exemplo, no caso de um flash: leva mais tempo a aparecer o título da entidade que vai usar do direito de antena, do que depois a mensagem; aliás, tem vindo a fazer-se alguns comentários cómicos em revistas e em alguns programas televisivos, justamente porque esse é um aspecto flagrante. Isto é, em termos muito simples, o que se me oferece dizer sobre a nossa proposta de alteração.

Talvez pudéssemos ganhar tempo, passando ao n.º 2 e, quando fosse oportuno, regressaríamos à justificação do n.º 1, ou então como VV. Exas. preferirem. Mas talvez seja melhor fazermos a apresentação do n.° 2, depois voltaremos a discutir em conjunto - quer dizer, cada um na sua vez - a seguir à apresentação feita pelo CDS, admitindo que o CDS esteja representado em tempo útil.

Assim, pediria de novo ao Sr. Deputado António Vitorino que fizesse a apresentação do n.º 2 da proposta do PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Efectivamente, Sr. Presidente, tenho necessidade de me ausentar. Mas, dado que estão tão poucos deputados presentes, a suspensão dos trabalhos tem mais essa razão justificativa. Esta reunião está neste momento a registar muito poucas presenças, sendo de admitir que depois de suspensa estejam cá mais alguns deputados, sob pena de não haver eficiência...

O Sr. Presidente: - V. Exa. pede uma suspensão por quantos minutos?

O Sr. Raul Castro (ID): - Pelo período de tempo que o regulamento prevê, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Está suspensa a reunião por quinze minutos. Recomeçaremos às 18 horas e 35 minutos.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Está reaberta a reunião.

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Eram 18 horas e 45 minutos.

Uma vez que não temos o CDS presente, iria pedir ao PS para fazer a apresentação da sua proposta para o n.° 2 do artigo 40.°

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Em relação ao n.° 2 a alteração que se propõe 6 quase só de mera redacção.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Como é que se passou ao n.° 2, sem se discutir o n.º 1? Ou está a fazer-se as apresentações todas?

O Sr. Presidente: - O CDS tinha solicitado fazer a apresentação no fim, esperamos que venha entretanto. Por isso, depois da apresentação do n.8 1, pedimos aos partidos presentes que fizessem a apresentação das suas propostas relativas ao n.° 2 - ainda não discutimos, a não ser quem quis fazer considerações sobre as propostas, para além da apresentação das suas próprias.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - A única alteração que relevo é de novo a referencia à introdução de critérios objectivos na lei, na atribuição deste direito de espaço, e a consideração de que esse direito deve ter limites de execução prática, compatíveis com o conteúdo essencial da sua outorga. Portanto e no fundo, as razões que militam a favor desta alteração do n.º 2 são as mesmíssimas invocadas em relação ao n.° 1, ou seja, recurso a critérios objectivos definidos na lei, por um lado, e por outro lado, considerando como limite mínimo do reconhecimento do direito de espaço aos partidos políticos que não façam parte do Govêrno e em resposta às declarações do Governo, limites mínimos que se possam considerar compatíveis com o conteúdo essencial desse mesmo direito. São estas as duas alterações que, aliás, já estão presentes também nas propostas para o n.º 1.

O Sr. Presidente: - Temos a seguir o PSD.

Quanto à proposta de alteração do n.º 2 do artigo 40.º, apresentada pelo PSD, também neste articulado a explicação pode ser sucinta, na medida em que a parte relativa ao direito de antena na rádio e na televisão dos partidos políticos já se encontra disciplinada no n.º 1 e, portanto, não tem sentido estarmos a falar nessa questão relativa aos partidos políticos, e ainda por cima restringida, neste caso, aos da oposição. De facto, qualquer deles tem direito a tempo de antena nos lermos do n.° 1 do artigo 40.º da Constituição.

Assim sendo, o que nos pareceu importante foi regular o problema do direito de resposta da oposição. Desse modo, refere-se que os partidos políticos representados na Assembleia da República, e que não façam parte do Governo, têm direito de resposta às declarações políticas do Govêrno e esse direito de resposta também é feito naturalmente no serviço público da rádio e da televisão, de acordo com a sua representatividade e segundo critérios a definir por lei.

Entretanto, penso que é a altura de o Sr. Deputado José Magalhães usar da palavra. Creio que com isto estou a cuidar dos interesses do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a tocante observação que me acaba de fazer é verdadeiramente envenenada, como aliás e justo sublinhar.

O Sr. Presidente: - Faça, então, favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, de facto, vou intervir para me pronunciar sobre os diversos artigos deste preceito, sem prejuízo de o Sr. Deputado Guilherme da Silva, que é, segundo penso, um dos autores do projecto de lei n.º 10/V, poder expor e apresentar a sua proposta de alteração respeitante ao n.8 4 do artigo 40.° Creio, pois, que V. Exa. 8 aguardará pela apresentação desta proposta depois de feita a ronda pelos n.ºs 1 e 2, se acaso bem percebi.

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que as propostas de alteração apresentadas quanto a este preceito são também abissalmente diferentes. E têm essa natureza em relação a tudo, ou seja, aos quatro grupos de questões que se colocam nesta matéria e aos diversos tipos de leitura a que podemos submeter este artigo.

Há oposição desde logo em relação aos beneficiários constitucionais do direito de antena. Nesse ponto, a opção e entre restringir ou alargar. Acontece que neste caso concreto o CDS restringe drasticamente, o que num partido de oposição é verdadeiramente uma curiosa forma de acção e traduz um interesse tocante em relação às coisas sociais. De facto, o CDS suprime pura e simplesmente o direito de antena das organizações sindicais e profissionais. O CDS pensa este sistema em termos de partidos políticos, com preterição da projecção nas ondas de tudo o que diga respeito a outras realidades da nossa vida e da nossa sociedade. Portanto, preconiza organizações profissionais e sindicais sem tempos de antena. É, no fundo, uma opção reveladora...

O PSD está, por sua vez, preocupado em alargar os tempos de antena. Sublinhe-se, aliás, que o PSD pretende fazer uma prótese com uma marca inequívoca, ou seja, dirigida ao patronato. De facto, o que preocupa o PSD não é a criação de um silencio constitucional, mas o contrário. Ele defende, pois, que a Constituição não deve ser curta, mas sim devidamente preenchida com uma cláusula que lá não está. Isto é tocante e revelador dos duplos critérios do PSD e da sua disponibilidade "discriminatória" para os enriquecimentos constitucionais.

O PEV propõe realmente um substancial alargamento do elenco constitucional dos titulares do tempo de antena, prevendo que este venha abranger, como de resto já hoje acontece em relação a algumas das entidades referidas, as associações de ambiente, juvenis, de deficientes, femininas e as confederações e federações cooperativas. É evidente que o facto de a Constituição não consagrar este elenco tal não impede que a lei o faça. Aliás, isso já se verificou como tive o cuidado de sublinhar.

Entretanto, coloca-se a questão de saber se a projecção constitucional desta matéria, que em parte é já uma realidade, não será uma razoável benfeitoria e de manifesta utilidade. Quanto a nós pensamos que sim, ou seja, entendemos que se alguma coisa há a fazer é não restringir o elenco dos titulares do direito de antena nos lermos constitucionais mas sim o de enriquecê-lo e de, aqui ou além, introduzir as clarificações que seja pertinente incluir.

Devo dizer que o PS se insere nessa posição e postura de alargamento e resolve inserir as confissões religiosas entre os beneficiários constitucionais do direito de antena. Esta questão exigiria, porém, uma maior precisão, segundo o meu entendimento. Este aspecto não foi abordado pelo

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Sr. Deputado António Vitorino. Sucede que a Constituição nesta matéria tem, relativamente às confissões religiosas, disposições que devem ser tidas em conta, designadamente o que o n.° 5 do artigo 41.° dispõe. Ela não pode ser omitida, mas sim ponderada.

De facto, a Constituição prevê que as confissões religiosas tem o direito à utilização de meios de comunicação" social próprios para o prosseguimento das suas actividades. É bom de ver que se trata neste ponto não da utilização de meios próprios, mas da existência do direito de antena em estações de carácter público, e não só, como também de cariz privado, uma vez que o PS, na sua proposta de alteração, refere a expressão "tempos de antena na rádio e na televisão", sem estabelecer discrepância ou discriminação entre as estações públicas e privadas, o que se aceite a lógica de alargamento parece, aliás, correcto. É, contudo, uma questão a aclarar.

O segundo bloco de interrogações em que há também opções diametralmente diferentes e opostas é o do elenco dos próprios direitos, porquanto o PSD numa perspectiva malthusiana e minimalista, e, neste caso, até amputadora, resolve reescrever o n.º 2 do actual artigo 40.° e arrumar de vez com uma realidade conceptual cujos contornos padeceram sempre de alguma falta de espessura. Refiro-me ao facto de o n.º 1 do artigo 40.° do PSD ao estabelecer que "os partidos políticos têm direito de antena": é bom de ver que o direito de antena a que se refere o n.° 2 da Constituição há-de ser específico dos partidos de oposição. Não se tratará certamente da mesma realidade. No entanto, sabemos das aventuras e desventuras da hermenêutica constitucional nesta matéria quando se chegou à questão da regulamentação em sede de lei ordinária. Essas desventuras foram tais e tantas que as leis ordinárias acabaram por projectar - quanto a nós bastante mal - isto que era um adquirido da revisão constitucional de 1982.

Assim sendo, o PSD resolve transpor a lei ordinária para a Constituição, mas num sentido perverso, isto é, decide não manter este dispositivo constitucional que terá de ser cumprido em sede de lei ordinária, acabando por suprimi-lo. O Sr. Presidente confundiu curiosamente na sua exposição os dois direitos e não distingue entre o direito de antena específico dos partidos da oposição (o que é aliás fruto de uma questão de filosofia) e um direito de antena em sentido geral na acepção do n.º 1 do artigo 40.° da Constituição.

Portanto, o PSD elimina pura e simplesmente esse elemento próprio do estatuto dos partidos de oposição, o que também fez parte daquela famosa panóplia de medidas antioposição constantes do projecto de lei de revisão constitucional (e da vida, como desgraçadamente se vê todos os dias!).

Isso não acontece, porém, relativamente a outros partidos. De facto, o PS mantém essa solução e esse âmbito. O CDS, tal como o PSD, adopta nesta matéria uma postura de auto-amputação, o que é realmente curioso e uma originalidade talvez relacionada com a maneira como o projecto de lei foi elaborado. Aliás, este é claramente prefreitista, não é "perfeito", mas sim "prefreito"! Nesse sentido, percebo a dificuldade do Sr. Deputado Nogueira de Brito. E aqui está outra das características da forma sui generis de o CDS fazer oposição, embora na questão do Regimento e da Lei Orgânica da Assembleia da República não tenha sido assim.

O terceiro bloco de questões é respeitante à densidade do preceito constitucional. De facto, a Constituição na sua redacção actual define critérios no que concerne à atribuição dos direitos de antena e de réplica política. O PSD com o mesmo desvelo em relação às oposições pretende suprimir a definição material de critérios. E onde a Constituição (artigo 40.°, n.° 2) estabelece que os direitos previstos, bem como todos os outros aspectos (o articulado refere "e em tudo mais"), devem ter a dimensão e duração iguais aos concedidos ao Governo, o PSD trata de suprimir essa estatuição em nome daquilo a que o Sr. Deputado Costa Andrade e o Sr. Presidente se habituaram a referir como o "laconismo". Porém, há obviamente laconismos significativos, pelo que quando o laconismo se traduz na amputação de direitos da oposição ele tem evidentemente uma natureza liberticida. Este tema deve ser também abordado numa outra óptica, porque o liberticismo para o PSD tem duas bitolas e duas medidas, ou seja, há liberticismos bons e maus.

O CDS funciona também, e pelas mesmas razões que atrás enunciei, como amputador dos direitos e prerrogativas constitucionais da oposição. É óbvio que todos estamos livres de retirar a todo o momento as nossas propostas, é um direito que sempre podemos exercer. Aguardo, por isso, com expectativa, a postura do CDS e a sua atitude em relação à manutenção desta sua proposta de alteração Kamikaze, suicidaria. Gostaria de dizer que nos parece extremamente negativo que o PSD tenha avançado para esta matéria com o espírito que esta análise, que acabei de fazer e é objectiva, traduz.

Na verdade, qualquer de nós examinando à puridade os preceitos propostos verá que é rigorosamente assim. O que foi nesta sede dito que é amputado é, de facto, mesmo amputado. Isso tem um significado político muito grave, pelo que não nos venham dizer por favor que se trata de aligeirar a Constituição, torná-la mais própria para a estação em que vamos entrar de modo a vesti-la com trajes mais leves, como menos carga, mais fagueira. Creio que não é isso, pois aquilo que se está a fazer nesta sede é um golpe profundo nos direitos dos partidos da oposição. Isso é realmente muito mau, ou seja, uma perversão que associada à dos números anteriores - recordo a famosa "galáxia PSD" de jornalistas sem direitos, a comunicação sem controle, o sector público de comunicação social esvaziado, a ausência de garantias de fiscalização - cria um quadro extremamente negro e preocupante contra o qual continuaremos naturalmente a opor-nos por todos os meios constitucionais.

Permita-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que sublinhe que o P£D pretende ainda restringir o âmbito do exercício deste direito àquilo a que chama o serviço público, isentando as estações privadas do direito de antena, que quer ver alargadas e a proliferarem, incluindo as estações de TV. Sendo certo que actualmente a televisão privada é proibida ou não é admitida, com o quadro alargado que o PSD almeja não só deixaria de ter de haver direito de antena nas estações de rádio privadas, como nunca chegaria a haver em estações privadas futuras de televisão. É, de facto, uma malfeitoria que também não gostaríamos deixar de assinalar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado que apresentou o nosso projecto de lei sublinhou esses aspectos devidamente. Porém, V. Exa. não terá provavelmente ouvido isso na altura. Pela minha parte, dir-lhe-ei que isso não é uma malfeitoria, mas uma benfeitoria.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo muito rapidamente responder às duas observações que o Sr. Deputado José Magalhães produziu quanto ao projecto de lei apresentado pelo PS.

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Na verdade, estamos em crer que o aditamento da referencia às confissões religiosas no n.° 2 do artigo 40.° não altera rigorosamente em nada a lógica subjacente ao n.° 5 do artigo 40.° da Constituição. Eles s3o campos completamente distintos e, naturalmente, quando se trata de escolher entre as entidades a que constitucionalmente se deve consagrar um mínimo de direito de antena há uma dose substancial de subjectivismo. Por isso, o PEV espraia neste articulado uma serie de associações, como sejam, as de ambiente, juvenis, de dificientes, organizações femininas, confederações e federações cooperativas, etc.

Entretanto, devo referir que o que pretendemos somente sublinhar era que nos parecia que dentro das entidades a que a Constituição faz referencia logo no n.° 2 do artigo 40.°, também as confissões religiosas deviam estar consagradas expressamente, o que não impede que a lei ordinária consagre, direitos de antena a outras entidades para além daquelas a que a Lei Fundamental faz expressa referencia. A estas que a Constituição menciona e que a lei ordinária não pode retirar o direito de antena e, portanto, pareceu-nos que nessa garantia mínima as confissões religiosas deviam ombrear com as associações sindicais e profissionais e com as associações representativas das actividades económicas, cujo aditamento também propomos agora e que e em termos, aliás, mais amplos do que o faz o PSD, pois só refere as associações empresariais quando em nosso entender também se deveria incluir as confissões religiosas.

Quanto ao facto de mantermos o âmbito de aplicação do artigo para a rádio e para a televisão sem destrinça em função da titularidade, ou seja, entre o sector público e o privado, gostaria apenas de dizer que temos consciência que a forma de tradução em sede de legislação ordinária deste direito pode ser distinta consoante estejamos perante estações de rádio, de televisão ou de jornais públicos e, ao invés, privados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Na medida, na duração e na extensão, Sr. Deputado?

O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto, Sr. Deputado. Pode haver aí uma vasta panóplia de soluções que o legislador ordinário venha a adoptar. Contudo, uma coisa e essa diversidade, esse caleidoscópio de soluções possíveis em matéria de lei ordinária, outra coisa é, a partida, dizer que só umas e que estão vinculadas a este direito de antena. No caso do PSD só estariam as estacões de rádio e televisão públicas.

Pensamos, pois, que e preferível deixar ao legislador ordinário o encargo de aquilatar com rigor quais são as diversas modalidades que o direito de antena pode revestir em função da tilularidade das unidades vinculadas a esse mesmo direito de antena. E mais uma vez está presente uma questão, que foi já discutida hoje abundantemente e que não vou reproduzir, ou seja, o problema do acesso em igualdade de circunstâncias aos meios de comunicação sociais independentemente da titularidade.

Não há, porém, convergência de opiniões sobre esta matéria, mas continuamos a pensar que, independentemente da imaginação de que em sede de legislação ordinária se possa fazer prova, o princípio constitucional subjacente do artigo 40.º é justo e correcto, pelo que se deve manter.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que lhe formule uma questão. De facto, percebi as explicações que V. Exa. quis dar sobre a sua proposta, mas fiquei com uma dúvida acerca do alcance do alargamento das entidades titulares dos direitos de antena às confissões religiosas.

E digo isto pelo seguinte: o direito de antena é, no fundo, uma garantia constitucional mais do que um direito, que prolonga a acção no campo político ou de influência política da entidade garantida.

Quando V. Exa. ou o PS inclui as confissões religiosas do direito de antena para que é que elas o vão usar? Será que é para fazerem apostolado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio!

O Sr. Vera Jardim (PS): - Por exemplo!

O Sr. Presidente: - Isso é uma concepção extremamente interessante do direito de antena e da separação entre as igrejas e o Estado. Gostaria, por isso, de perceber um pouco mais pronfundamente a razão de ser desta extensão legislativa, que está colocada de maneira relativamente acidental na economia do projecto socialista.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, começo por questionar se todos deveremos estar constrangidos na análise deste artigo 40.º à grelha que V. Exa. 1 traçou à partida, ou seja, de que o direito de antena tem fins políticos e tão-somente fins políticos.

Não e essa a questão em causa, desde logo, porque temos de reconhecer que as associações profissionais, por exemplo, que tem, nos termos da Constituição, direito de antena, não o têm forçosamente para exercerem uma actividade de natureza política. Trata-se de um tempo de antena reconhecido a associações profissionais na promoção dos seus interesses enquanto associações profissionais. Por exemplo, a Ordem dos Advogados - para citar uma entidade que se torna imediatamente suspeita, conivente e cúmplice da maioria dos membros que estão à volta desta mesa - tem direito de antena, mas não precisa de o utilizar para zurzir no Ministro da Justiça por causa das custas judiciais. E se o fizesse, em meu entender, faria muito bem! Mas não é esse forçosamente o objectivo do direito de antena conferido à Ordem dos Advogados. O direito de antena é-lhe atribuído, por exemplo, para que possa transmitir ao País, através dos meios de comunicação social, aspectos relevantes da promoção da sua própria actividade enquanto associação, pública neste caso. Mas a Ordem dos Advogados só tem direito de antena por estar aqui consignado o princípio das associações profissionais. Não sendo um partido político, não sendo uma confissão religiosa, não sendo uma organização sindical nem uma associação representativa de actividades económicas, a Ordem dos Advogados só pode ter direito de antena neste contexto. Trata-se indubitavelmente de uma associação de cariz profissional e não é uma associação que, através do tempo de antena, faça actividade política.

Portanto, o critério da politicidade do direito de antena não e universal e não se aplica às associações profissionais, como não se aplica, por exemplo, às confissões religiosas.

O Sr. Presidente: - É um salto muito grande!

O Sr. António Vitorino (PS): - Graças a Deus! A diferença e evidente. Mas onde é que entra a questão que há pouco referi da separação das igrejas e do Estado, eventualmente ate em lermos contraditórios? Parece-me que ao conceder o direito de antena às confissões religiosas estamos a reconhecer que não só o Estado mas também o conjunto da sociedade devem encarar o fenómeno religioso em condições de igualdade entre as várias confissões religiosas. Refiro-me a igualdade de acesso e não a igualdade de repre-

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sentatividade, porque, como se sabe, as diferentes confissões religiosas tem diferente representatividade em Portugal, embora os critérios pelos quais se afere essa diferença não sejam, eventualmente até na nossa sociedade, critérios isentos de controvérsia e de diferente interpretação.

Mas o que nos parece relevante é que onde se abre o direito de antena a, por exemplo, associações profissionais, a partidos políticos, a associações representativas de interesses económicos, a associações sindicais, se consagre também como relevante, para efeitos de comunicação social, o fenómeno religioso e portanto os seus protagonistas, ou seja, as confissões religiosas. Parece-me que não existe contradição entre esta preocupação de conceder às confissões religiosas como tal direito de antena e o princípio da separação das igrejas e do Estado, que é, naturalmente, um princípio formador de todo o ordenamento jurídico. Sublinho mais uma vez que esta preocupação não preclude, como é evidente, o facto de as confissões religiosas poderem ser titulares de meios de comunicação social próprios. Não preclude essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - Sujeitas ao direito de antena...

O Sr. António Vitorino (PS): - O Sol quando nasce é para todos.

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu supunha que quando o Sol nascia era para todos...

O Sr. Presidente: - São direitos de antena cruzados...

Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Se bem percebi, Sr. Deputado António Vitorino, a sua interpertação justificativa da proposta do PS, V. Exa. dizia que a modulação no exercício do direito de antena por parte de meios de comunicação social privados deveria competir ao legislador ordinário. Deu-nos, inclusivamente, alguns exemplos dessa modulação, a convite do Sr. Deputado José Magalhães, mas não nos deu a fundamentação dessa ideia.

Gostaria, pois, que fundamentasse e explicasse a razão da modulação e da existência de uma diferença e o que é que, ao fim e ao cabo, se pretende que o legislador ordinário tenha como matriz.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, creio que a sociedade portuguesa vive, lamentavelmente em excesso e talvez um pouco fora de moda, este drama entre o que é público e o que é privado, a titularidade do sector público e do sector privado. Como hoje durante todo o dia assistimos, quase que existe a tentação de esgotar nesta nuance, que não é tão pequena como isso mas enfim, nesta diferença, tudo o que diga respeito ao tratamento dos meios de comunicação social. Ora eu não partilho essa concepção. Penso que quando falo em modulação do legislador ordinário quanto ao exercício do direito de antena tenho em linha de conta não só a questão público/privado, não só a questão da titularidade, mas também, por exemplo, a questão de âmbito em que esses mesmos meios de comunicação social exercem a sua actividade. Logicamente, os critérios de direito de antena numa estação emissora de rádio, para utilizar o exemplo mais asséptico, que transmite 24 horas sobre 24 são distintos dos critérios do tempo de direito de antena numa estação emissora de rádio local que transmite num raio de 10 km durante duas horas por dia. Inclusivamente, não me repugna que não haja direito de antena neste último caso, e que a lei ordinária estabeleça mínimos que os meios de comunicação social têm de atingir para serem relevantes do ponto de vista da sociedade e estarem vinculados ao direito de antena.

Existe, portanto, uma vasta panóplia de critérios que podem ser utilizados, sendo o critério da titularidade um e apenas um e do âmbito de emissão (nacional, regional e local) outro não menos atendível. São critérios completamente distintos, e, como vimos através da recente discussão da Lei da Rádio, há diversas possibilidades de expressão pública desses meios de comunicação. Penso que o legislador ordinário pode e deve adequar o direito de antena a esses critérios. Não sou um garantista à outrance e portanto não penso que o direito de antena quando nasce seja igual para todos os meios de comunicação social, devendo ser imposto até ao absurdo de se chegar ao ponto de uma estação de rádio que transmite quatro horas por dia venha, em virtude da lei do direito de antena, a transmitir apenas direito de antena, não lhe sobrando tempo para a sua programação normal.

E nestes vários critérios que penso que o legislador constituinte não deve avançar mais do que já está hoje na Constituição, devendo deixar-se ao legislador ordinário a liberdade de estabelecer os critérios que devem presidir ao reconhecimento em concreto do direito de antena.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado António Vitorino, foram colocadas por V. Exa. e pelo Sr. Presidente questões interessantes que abordarei dentro em pouco.

Porém, permita-me que lhe diga que, na resposta ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, V. Exa. e se refugiou num critério quantitativo. Isto é, quando o Sr. Deputado Cardoso Ferreira lhe pergunta como é que vai ser modulada a atribuição do direito de antena, V. Exa. s deu como exemplo e construiu a sua resposta toda à volta de uma rádio local e de uma rádio nacional, utilizando um critério puramente quantitativo.

Com a introdução das confissões religiosas no elenco do artigo 40.°, n.° 1 - e quando fizer a intervenção sobre a proposta do CDS nessa matéria veremos que é difícil estabelecer aqui uma fronteira quando se vai além do pluralismo político -, como é que V. Exa. pensa tratar o problema numa rádio ou numa televisão pertencente a uma confissão religiosa em relação às outras confissões religiosas? Quer dizer, V. Exa. tenciona impor à Rádio Renascença a transmissão de programas sobre a comunidade muçulmana de Lisboa ou do País?

Vozes.

Está bem, é uma resposta. Mas V. Exa. vai impor a essa rádio um grau de ecumenismo que ela pode não perfilhar. Era porventura nesse campo que gostaria que V. Exa. s desse também algum esclarecimento e não apenas na questão dos 5, 10, 20 ou 30 minutos, que foi um pouco aquilo que me pareceu constar fundamentalmente da sua resposta. Isto é, nem todos deveriam suportar a mesma carga nessa matéria em função da sua própria importância e do espaço territorial abrangido.

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432 II SÉRIE - NÚMERO 14-RC

O Sr. António Vitorino (PS): - A pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito é interessante e permite esclarecer desde logo que não tinha em linha de conta apenas critérios quantitativos. Quando falei em caleidoscópio e em panóplia referia-me naturalmente a um conjunto vasto de critérios que a imaginação criadora do legislador ordinário não deixará certamente de ter em conta quando se tratar de verter este princípio aqui consignado em sede de lei comum. Porém, não estou, neste momento a afirmar que a Constituição deva impor o que quer que seja a quem quer que seja e, para tranquilizar o Sr. Deputado Nogueira de Brito que está hoje de serviço na defesa dos meios de comunicação social ligados à Igreja católica, muito menos à Rádio Renascença.

Seja como for, mesmo que eventualmente tal acontecesse, apenas estaríamos a convergir para as preocupações que, recentemente, foram com grande evidência sublinhadas pelo Papa João Paulo II no sentido de reforçar o diálogo entre igrejas e a aproximação de todos os homens, independentemente da sua convicção religiosa.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Sr. Presidente, pretendia fazer uma pergunta que ainda tive a esperança quase ecuménica de ser dispensado de colocar ao ouvir a questão formulada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. Porém, a resposta não me faculta esse silencio e espero que o Sr. Deputado António Vitorino não me veja aqui imbuído das mesmas vestes que atribuiu ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. António Vitorino (PS): - Para o Sr. Deputado José Magalhães citarei o Gorbachov, claro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. Espero que cite a separação entre as igrejas e o Estado, bem como a disposição constitucional competente e aplicável.

Sr. Deputado António Vitorino, V. Exa. está a definir o elenco dos beneficiários do direito de antena e dos correspondentes sujeitos passivos. Ora, se estabelece, tal como a Constituição o faz, na sua proposta de alteração o princípio de que quem é sujeito activo do direito de emissão é sujeito passivo do direito de antena - é isso que faz no projecto -, todos aqueles que emitem terão de conceder o direito de antena, isto é, ninguém emite sem o conceder. A regra é: "para emitir, concederás direito de antena". E esta regra não é quebrada pelo PS. Das duas uma: ou o Sr. Deputado António Vitorino, ponderando este caleidoscópio de situações e de hipóteses férteis que aqui estamos a considerar, introduz uma cláusula que defina um regime próprio para isto que agora estabelece inovadoramente, ou então o pobre legislador ordinário, por mais voltas que dê à panóplia, fica caleidoscopicamcnte perturbado. Porque a Constituição o obriga a vincular a entidade emissora a conceder direito de antena sem excepções - na sua redacção, que naturalmente pode ser aperfeiçoada -, então o famoso cenário a que chamaríamos CNB (cenário Nogueira de Brito) seria perfeitamente obrigatório. De facto, neste caso o legislador não teria fuga possível e teria de fazer as chamadas ondas cruzadas em que a estação xintoísta daria tempo de antena à estação budista, a estação budista à estação católica, enfim, todas umas às outras. Isto, na lógica do vosso projecto...

Admito que esta questão não tivesse sido ponderada quando o PS adiantou esta hipótese e por isso curei de aprofundar as perguntas. Creio que não têm saída fácil pela estrada lateral do enjeitamento de responsabilidades para o legislador ordinário. Ou então teríamos de estabelecer uma cláusula que exceptuasse esses meios de comunicação social usados pelas igrejas da obrigação de conceder direito de antena. E se estes meios de comunicação fossem isentados, aconteceria que, por um lado, possuiriam meios de comunicação social para a prossecução de finalidades próprias - teríamos depois de discutir em que é que consistem, porque não se trata propriamente de fazer publicidade à "Cota Cota" ou à "Puca Puca" ou a outra marca qualquer, devendo existir, sim, para apostolar - e, por outro lado, teriam direito a tempo de antena para o múnus apostólico nas estações públicas ou privadas desde que não pertencentes a confissões religiosas, sob pena da mistura, ecuménica mas provavelmente perturbadora. É a isto que a proposta do PS conduz. Não lhe parece que estes raciocínios vão a um dos pontos que é preciso ultrapassar, no caso de se enveredar pelo caminho que o PS pretende abrir?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, começaria por dizer que não foi imponderadamente que apresentámos esta proposta. Posso garantir-lhe isso. Em segundo lugar, se outro mérito a proposta não tivesse, teve pelo menos o mérito - que nos dá um indescritível prazer interior - de ver a irmandade de argumentação entre o PCP e o CDS, facto que, só por si, justifica a proposta.

Em terceiro lugar, talvez o Sr. Deputado possa ver a nossa redacção como draconiana, ilegitimando todas as destrinças do legislador ordinário, mas não estou de acordo consigo. Em meu entender, aquilo que aqui se estabelece permite que se chegue lá por via da legislação ordinária, isto é, que através dos critérios a definir por lei, através das condições legais de exercício do direito, se possa estabelecer destrinças não de natureza meramente quantitativa mas também de natureza verdadeiramente qualitativa.

Por último, diria que a proposta vale o que vale e fico sempre reconfortado quando contra as propostas que apresento me replicam com base em argumentos ad terrorem. O facto de os xintoístas e" os budistas, os muçulmanos e os católicos, protestantes, ete, terem de entrecruzadamente, dar tempo de antena nos seus próprios meios de comunicação social à propaganda do apostolado de outras confissões religiosas, configura um cenário excessivamente abraçadabrante, utilizando uma expressão de um autor consagrado desta Comissão, para constituir verdadeiramente uma base sólida para a discussão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria de dizer que, em relação às questões de formulação, temos a mais flexível das atitudes e, como tal, não entendo que tenhamos de os amarrar à decisão inicial, e menos ainda à formulação inicial, sobretudo quando os debates provam que essa formulação suscita problemas. Gostaria apenas que considerasse este aspecto.

É evidente que vemos na redacção do n.º 1 proposto pelo PS a alusão a critérios objectivos a determinar por lei. Certo! Mas o Sr. Deputado António Vitorino reconhecerá claramente que uma coisa é a normação vinculativa da utilização de critérios objectivos constante deste segmento

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da norma proposta e outra coisa, totalmente diferente, é o segmento primeiro em que se define o elenco dos sujeitos passivos. Pois se eu, legislador, estou constitucionalmente obrigado a impor o direito de antena a todas estas entidades em que V. Exa. - aqui enumera como é que eu, com base na invocação do segmento referente aos critérios determinantes pela lei, posso furtar-me a esse dever? É isso que eu não vejo e é essa a razão que me leva a dizer que VV. Exas. o querem fazer, terão então de seguir por um outro caminho, muito mais preciso e muito mais rigoroso, que não permita esta confusão sequer.

O Sr. António Vitorino (PS): - Percebo a sua observação, ou seja, a de que os critérios objectivos não devem servir apenas para a primeira parte mas também para a segunda parte, não apenas para a determinação dos beneficiários mas também para a determinação do universo dos transmissores. Percebo perfeitamente e estou de acordo consigo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teremos votações dentro em breve. Assim, quando retomarmos os nossos trabalhos na próxima terça-feira, dia 10, pelas 15 horas, digamos que estarão com a palavra reservada o Sr. Deputado Nogueira de Brito e eu próprio.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 15 de Maio de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).
António Albuquerque de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Luís Filipe Pais de Sousa (PSD).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Herculano da Silva Pombo Sequeira (PEV).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).

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