O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1263

Terça-feira, 4 de Outubro de 1988 II Série - Número 41-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 39

Reunião do dia 5 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Finalizou-se a discussão do artigo 151.° e respectivas propostas de alteração.

Procedeu-se à discussão dos artigos 152.°, 154.°, 155.º e 158.° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Carlos Encarnação (PSD), Miguel Galvão Teles (PRD), Almeida Santos (PS), Sottomayor Cárdia (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), Vera Jardim (PS) e Sousa Lara (PSD).

Página 1264

1264 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, vamos recomeçar os nossos trabalhos. Estávamos a analisar as propostas relativas ao artigo 151.° da Constituição respeitante à composição da Assembleia da República.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra não ainda para abordar a matéria relativa ao artigo que V. Exa. referiu mas para, como tem sido usual, expender curtíssimas considerações acerca de alguns acontecimentos com projecção no trabalho que estamos a realizar.

Não o faria se não tivesse sido anunciado publicamente que a projecção desses acontecimentos seria tanta e tal que permitiria mesmo um "acordo global" entre dois partidos com assento nesta Comissão "para viabilizar - assim se disse - o desfecho da revisão constitucional". Repito: não pediria a palavra se não se tivesse verificado, nos termos que agora referi, essa declaração pública.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na passada sexta-feira, e seguramente no meio dos risos do PSD, o secretário-geral do PS anunciou, na sequência de uma reunião de trabalho, à porta fechada, com o presidente do partido governamental, os resultados dessas conversações, os quais aqui não reproduzo, mas que são públicos.

Dessas conversações desgarra-se, por uma lado, uma concepção bipolar do processo de revisão: é revelado ao País que teria sido atingido entre os dois partidos um acordo ou acordos parcelares e haveria mesmo "questões fechadas" - a expressão não é minha. Por outro lado, é revelado ainda que teria sido aprovada uma metodologia para "fechar" ainda mais questões. Finalmente que o líder do PS prevê a possibilidade de um "acordo global sobre a revisão constitucional até ao termo do mês de Julho" e que "toda esta matéria será trazida oportunamente à CERC para os devidos efeitos".

Isto traduz, Sr. Presidente, Srs. Deputados (para além daquilo que referi, isto é, uma concepção bipolar e um "fechamento" daquilo que somente pela forma própria pode ser fechado), o anúncio de prazos e datas para um acordo global com projecção nos trabalhos da revisão constitucional. A CERC "certificaria" - é o que se desgarra destas afirmações - o resultado deste conjunto de trocas de impressões e negociações.

Não se pode dizer, sequer, que estas declarações sejam o resultado da emoção provocada pelo contacto directo, o qual já não se verificava há muito tempo, entre os líderes do PS e do PSD. Sublinho, de resto, que o PSD manteve sobre o tema um prudente silêncio, que somente talvez amanhã à noite, e em directo na RTP, venha a quebrar.

Vozes: - Hoje!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, verifico pela vossa sofreguidão a extrema emoção com que aguardam a comunicação do Primeiro-Ministro, o que de resto considero compreensível, dado que o presidente do PSD guardou um prudente silêncio acerca desta matéria, outro tanto não tendo acontecido em relação ao PS.

Dizia eu que não se tratou de um conjunto de declarações feitas sob o peso da emoção. Sucede, porém, que quanto aos problemas de conteúdo o secretário-geral do PS não anunciou ao País coisa nenhuma; nada disse quanto às questões constitucionais (de resto, diga-se, em abono da verdade, que não é obrigado a fazê-lo). Mas, dado que escolheu calar-se totalmente quanto a tal ponto, não pode furtar-se às interrogações e às preocupações decorrentes desse silêncio.

Também não anunciou ao País qualquer resultado positivo do ponto de vista de normalização da situação, verdadeiramente invulgar, criada pela insistência do Governo em fazer carimbar na Assembleia da República pacotaça atrás de pacotaça. Portanto, é legítimo depreender que não decorreu dessas conversações nenhum resultado útil em termos do restabelecimento da normalidade, nomeadamente quanto ao pacote laboral, quanto ao pacote agrícola, quanto à delimitação de sectores. Bem pelo contrário, o PSD manifesta, mais uma vez e com vigor acrescido, a vontade de, até ao termo da sessão legislativa, concluir o calendário daquilo a que chama as "reformas estruturais", e que verdadeiramente são contra-reformas inconstitucionais.

Eis, pois, que o PS se cala ou anuncia ao País coisas intrigantes e misteriosas e, por tudo isso e pelo que se sabe dos trabalhos desta Comissão, preocupantes, uma vez que está em causa a posição do PS relativamente a um conjunto de matérias chave para a definição da identidade da Constituição.

Que as declarações do secretário-geral do PS não podem ser atribuídas à emoção, comprova-o, além do que já rememorei, um outro facto recente: esta manhã mesmo o Diário de Notícias trasladou declarações de um outro dirigente do PS que, acerca da mesma matéria, veio sublinhar que o encontro realizado por iniciativa do PS teria servido para "quebrar o impasse que não servia a ninguém", que "não é com recriminações mútuas mas com vontade de compromisos que se fará a revisão constitucional". Acrescento que a questão está em saber que compromissos, de que sentido e com que cedências, como é óbvio.

Segundo o mesmo dirigente, "a questão não é de calendário, mas sim de vontade política". Pelas suas palavras há pontos em relação aos quais "ainda não há acordo" (sic), o que significa que relativamente a outros pontos já há um acordo. Quais são esses pontos? Não se sabe.

Por outro lado, diz o dirigente socialista entrevistado que "Vítor Constâncio teve ocasião de propor a Cavaco Silva uma solução de compromisso razoável e equilibrada". E eu, relembrando alguns debates que aqui travámos, penso em como são irrazoáveis e desequilibradas certas soluções que o PS originariamente propôs no seu projecto e determinadas soluções que, em segunda linha, defendeu aqui nos trabalhos da Comissão de Revisão Constitucional ...

O mesmo dirigente dizia ainda: "Basta que o PSD a aceite" - referia-se ele à tal proposta de compromisso "razoável" e "equilibrada" - "... ou a discuta com o mesmo sentido de equilíbrio e razoabilidade [sic] para que nada possa entravar os trabalhos da revisão na sua sede própria, que é a Assembleia da República e a respectiva Comissão Parlamentar".

Página 1265

4 DE OUTUBRO DE 1988 1265

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A concepção que aqui está dada da CERC é uma concepção cartorial, notarial, autopsial, o que me parece bastante distante daquilo que sejam as missões próprias e adequadas da Comissão, e sobretudo dos termos do debate que se trava - que deve ser construtivo e não destrutivo - acerca das questões da revisão constitucional.

Se nos afadigamos a discutir, por vezes milimetrica-mente e com preocupações de profundidade de parte a parte, o terreno jurídico-constitucional, mesmo o enquadramento político, as macro e microprojecções das diversas soluções que aqui são apresentadas; se apelamos ao encontrar de soluções alternativas que exprimam os saldos e as conclusões do próprio debate vivo, tal e qual aqui é praticado e as actas registam, e em seguida alguém exprime publicamente aquilo que acabo de citar sem nenhuma falha de palavra ou de letra, então, Sr. Presidente, Srs. Deputados, alguma perplexidade os cidadãos poderão ter acerca do que é que andamos aqui a fazer. Por que é que nos afadigamos tanto a discutir cousas que, afinal de contas, podem ser dirimidas por um acordo de cavalheiros, com uma "lhaneza", "simplicidade", "brio" e, inclusivamente, margem de diálogo exibida?! Eis o que nos parece extremamente inquietante, dado o que está em jogo.

Por isto, não pode o PCP deixar de considerar que foi introduzido no processo de revisão constitucional, em má hora e por má forma - e não por erro de formulação, mas seguramante por erro de perspectiva - um escolho, um obstáculo, um elemento de perturbação, um elemento de clara inquinação.

Por parte do PSD sabemos qual seja o respectivo rumo e a estrela polar: escavacar a Constituição. Sabemos também qual seja o método adoptado: ultimatos e chantagens sobre o PS. Sabemos igualmente quais sejam as razões de fundo: o PSD entende que precisa de uma constituição à sua medida e, sendo o Primeiro-Ministro franzino e talhado como Deus o talhou politicamente, a Constituição para o PSD há-de ser fatalmente estreita, minimalista, alheia ao social, anti-solidária, obviamente amiga da reconstituição capitalista, seguramente nada amiga dos trabalhadores. Eis o retrato daquilo que o PSD pretende e eis aquilo que o PSD defende.

Em que condições é que o PS responde a este ultimato? Dizendo timidamente que não é com recriminações que estas coisas se fazem, que é preciso haver vontade de compromisso, ainda que isso passe, lamentavelmente, por atitudes como aquelas que o PSD abundantemente vem praticando, exercendo chantagem sobre a revisão constitucional.

Devo dizer que, pela nossa parte, Srs. Deputados, estamos inteiramente abertos ao diálogo democrático acerca de todas e quaisquer questões da revisão constitucional. Nesse sentido desencadeámos diligências, as quais de resto terão continuidade e novos desenvolvimentos, com o objectivo de tentar tanto delimitar as questões em turno das quais esse diálogo é particularmente imprescindível, como saber quais são os obstáculos e as dificuldades a que esse diálogo seja mais profíquo e quais são os métodos a adoptar para que esse diálogo conduza a resultados.

Não poderíamos deixar de assinalar que nos parece que o processo de revisão constitucional por este caminho vai por um rumo errado, e que as responsabilidades democráticas assumidas por quem o impulsiona nesse sentido são extremamente graves.

Pela nossa parte, não deixaremos de desencadear redobrados esforços e iniciativas no sentido de alertar a opinião pública para estes aspectos e no sentido também de impedir que sobre os órgãos de soberania sejam exercidas formas de pressão e de chantagem como aquelas que o PSD hoje desencadeia, designadamente junto do Presidente da República e junto do Tribunal Constitucional. Fá-lo procurando inibir o exercício livre das suas competências, forçar uma revisão constitucional fáctica, mediante pacotes, ao mesmo tempo que logra obter do PS alterações em aspectos cruciais da própria identidade constitucional.

E contra tudo isto que nos bateremos, e consideramos redobradamente necessário - insisto - que se cumpram as deliberações desta Comissão quanto às formas de participação dos cidadãos no próprio processo de revisão constitucional. Nesse âmbito, apresentaremos oportunamente novas iniciativas e novas sugestões no sentido de que este processo venha a ser suficientemente aberto, participado, transparente, e, seguramente, não resultante de operações puramente gabinetárias, assentes em pressupostos dos quais politicamente discordamos de forma frontal e aberta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Vitorino também pretende pronunciar-se sobre a quem aproveita ou não aproveita o presente impasse na revisão constitucional?

O Sr. António Vitorino (PS): - Não propriamente, Sr. Presidente. Gostaria apenas de me pronunciar acerca do que disse o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Deputado cumpriu o doloroso e, decerto para si também, gostoso dever de trazer à Comissão mais uma etapa, mais um degrau, do discurso político orquestrado pelo PCP relativo à revisão constitucional, cumprindo assim uma longa via-sacra que se impôs a si próprio, de tentar, por todos os meios e caminhos, responsabilizar o PS por uma revisão constitucional que, sob o ponto de vista político, e por razões estratégicas próprias e da sua inserção na sociedade portuguesa, o Partido Comunista, manifestamente, não deseja e não quer. Naturalmente que o PCP está no seu pleno direito de não desejar e de não querer, e quem somos nós para negar ao PCP a possibilidade de assumir essa posição política?

Disse o Sr. Deputado José Magalhães que das declarações do secretário-geral do PS se desgarravam várias coisas. Naturalmente que entre aquilo que o Dr. Vítor Constâncio disse e aquilo que o Sr. Deputado desgarrou vai a distância entre o que é a posição política do PS e aquilo que são as interpretações que estrategicamente o PCP pretende retirar das posições do Partido Socialista.

O que se passou tão-somente foi que, num encontro bilateral entre o PS e o PSD, na sequência aliás de outros realizados entre estes dois partidos, e de outros também realizados, por iniciativa do PS, com outros partidos com assento parlamentar, o secretário-geral do PS apresentou uma proposta ao presidente da comissão política do PSD no sentido de criar as condições que propiciassem um acordo político em matéria de revisão constitucional.

E fê-lo, a crer na transcrição do insuspeito Diário de Notícias, sublinhando que tudo teria de se passar durante os trabalhos da Comissão da Revisão Consti-

Página 1266

1266 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

tucional. Sublinhou, para além disso, que todos os entendimentos que vierem a ser conseguidos em contactos bilaterais extraparlamentares serão canalizados para os trabalhos da Comissão Parlamentar que engloba todos os partidos com assento na Assembleia da República. Neste âmbito, defendeu a necessidade de dialogar com todos os partidos, referindo que o PS tem seguido essa linha de pensamento e de actuação, pois não tem mantido apenas conversas bilaterais com o PSD mas também com outros partidos com assento parlamentar.

Esta é uma declaração suficientemente clara e inequívoca que afasta toda e qualquer interpretação, quer da chamada concepção bipolar da revisão da Constituição, quer da natureza meramente tabeliónica ou notarial - para utilizar a expressão do Sr. Deputado José Magalhães -, que caberia segundo as suas palavras aos deputados nesta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

O PS explicou claramente, por meu intermédio, na última sessão plenária da Assembleia, que entendia que o processo de revisão constitucional tinha por sede própria a Assembleia da República e dentro dela a própria Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o que, naturalmente, não excluía a realização de contactos bilaterais no sentido da clarificação das posições políticas dos diversos partidos sobre este processo e o seu andamento, bem como acerca dos pontos que cada um dos partidos considera mais relevantes nos seus próprios projectos de revisão.

Recordo que no plenário desta assembleia tive ocasião de dizer que não confundíamos os dois planos e que entendíamos que só é possível falar de acordos consolidados em matéria de revisão constitucional depois de submetidos à discussão desta Comissão e por ela naturalmente adoptados sob a forma legal e regimentalmente prevista.

Nesse sentido, recordava também ao Sr. Deputado José Magalhães que a declaração política, que tive oportunidade de fazer na quinta-feira passada, tomava posição clara de repúdio pela política do Governo de aprovação de pacotes inconstitucionais, de secundarização e minimização da revisão constitucional através dessa mesma actuação - considerações que foram qualificadas pelo seu colega de bancada, José Manuel Mendes, nessa mesma sessão, como judiciosas.

Concluiria dizendo que, naturalmente, para o PCP o próprio facto de haver revisão é a maior das cedências do Partido Socialista. O facto do PS entender que deve haver uma revisão da Constituição, provavelmente, será considerado pelo PCP, logo à cabeça e à partida, e sem sequer qualquer demonstração fáctica, como a cedência das cedências. Não é essa a posição do PS. O PS entende que deve haver revisão da Constituição. Por isso, tem defendido as suas posições nesta Comissão. E tem-no feito com empenhamento, com transparência, com clareza e com rigor. Tem-se pronunciado em igualdade de circunstâncias sobre todas as propostas de revisão da Constituição, venham elas de onde vierem, e, independentemente, da relevância que os seus proponentes têm para a formação de maiorias de dois terços necessárias à aprovação das alterações da Constituição. Foi o que reafirmei na declaração política que fiz na quinta-feira passada, e o Sr. Deputado José Magalhães não pode imputar aos deputados socialistas que participam nesta Comissão qualquer atitude de minimização do seu trabalho, ou qualquer fuga ao diálogo e à apreciação exaustiva das propostas apresentadas pelos diversos partidos para a revisão da Constituição.

Concluiria dizendo que não recebemos lições de apego à instituição parlamentar da parte do PCP. Entendemos que cada partido tem a sua liberdade própria de actuação, e o PS continuará empenhado em que haja uma revisão da Constituição, empenhado nos trabalhos da CERC, e empenhado, naturalmente, em contactos bilaterais com todos os partidos políticos, porque entendemos que ess.a é a forma mais correcta de rever a Constituição da República e de contribuir para o enriquecimento do próprio processo de revisão da Constituição.

Em resumo, repudiamos as insinuações, as acusações feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas, naturalmente, compreendemos que elas fazem parte de uma estratégia mais global de construção de um discurso político sobre a questão da revisão da Constituição, de que o PCP carece, agora que está, finalmente, convencido de que vai haver mesmo revisão da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderia deixar de intervir, neste momento, ainda que o faça de uma forma extremamente breve, para comentar as afirmações do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Deputado José Magalhães empregou expressões, utilizou termos num discurso extenso e pormenorizado, com o qual não podemos - como é evidente - estar de acordo. V. Exa. já nos habituou a utilizar expressões de natureza popular para qualificar a destempo e destemperadamente algumas atitudes quer do Sr. Primeiro-Ministro, quer dos próprios partidos políticos. V. Exa. sabe que não é propriamente nesta Comissão que este tipo de expressões devem ter lugar, nem esse conjunto de expressões ou atitudes enobrecem de alguma maneira a linguagem que V. Exa. deveria utilizar. Longe de mim qualquer tipo de censura à linguagem que V. Exa. utiliza, mas, de qualquer das maneiras, não podia deixar de lhe dizer que a mim, particularmente - sem qualquer sensibilidade de nenúfar (expressão que V. Exa. tantas vezes emprega) -, não há dúvida nenhuma que me não agradam. E não deixam também o PSD agradado por esse tipo de referências e por esse tipo de expressões empregues. Gostaria de dizer ou comentar no essencial o seguinte, e é isso que me parece que de toda a sua extensa prosa se permite concluir: o PCP ficou desagrado pela reunião e pelo encontro feito entre o PS e o PSD. Nem V. Exa. nem o PCP têm razão alguma para ficarem desagradados com esse tipo de encontros. Nós estamos habituados a que VV. Exas. digam que, se o PSD não dialoga, o PSD é antidemocrático. Mas estamos, agora, a ouvir que, se o PSD dialoga, então é um partido perverso. Se o Primeiro-Ministro dá mostras de alguma impaciência, é um Primeiro-Ministro que atinge as raias do comportamento antidemocrático; se o Primeiro-Ministro ouve os partidos da oposição, com eles conversa sobre questões essenciais, é um Primeiro-Ministro também condenado a uma actuação ou a alguma suspeição de perversidade. E o que é um facto é isto: é

Página 1267

4 DE OUTUBRO DE 1988 1267

que V. Exa. não pode recusar que os dois maiores partidos portugueses mais representados no Parlamento, ou mais fortemente representados no Parlamento, são o PSD e o PS; partidos com os quais se faz, ou se não faz, a maioria necessária para a revisão da Constituição; partidos que estão ambos preocupados, e têm dado mostras públicas da preocupação de rever a Constituição. Não, propriamente, para, como V. Exa. disse, "escavacar" a Constituição, mas para a rever, para a adequar e para a actualizar. E estão ambos -têm dado provas disso, embora os seus pontos de divergência também sejam conhecidos em relação à substancialidade da revisão- preocupados -e legitimamente preocupados- com aqueles objectivos a conseguir. O PCP não está sensibilizado para este tipo de coisas. Está preocupado em manter a rigidez da Constituição, que se não adequa aos dias de hoje, que está ultrapassada e que constitui objecto de retrocesso, e não objecto de progresso ou de condição de progresso na nossa sociedade. O PCP tem todo o direito de se manter nesta atitude, assim como o PS e o PSD têm todo o direito de se manterem numa atitude diferente.

Por outro lado, V. Exa. sabe que são estes actos de encontro, de conversa, de evidente ou de possível concórdia entre os dois partidos que põem completamente de lado expressões e intuitos iguais àqueles que V. Exa. atribuiu ao PSD, designadamente os intuitos de efectuar "ultimatos" e "chantagens" sobre o PS. Não pode haver, nem há, ultimatos e chantagens do PSD sobre o PS, e, tanto assim não há, que o PS entendeu dever conversar com o PSD, livre e abertamente. Não é preciso - diz V. Exa. muito bem -, porque os factos demonstram que é necessário que os dois partidos se entendam e a Constituição seja revista. Esta é a grande máxima que o PCP recusa liminarmente.

Por último lugar, não queria deixar de referir ao Sr. Deputado que está fora de cogitação quer do PS quer do PSD que as peças essenciais de qualquer acordo de revisão da Constituição não deixam de vir a ser discutidas e ultimadas em redacção alternativa na CERC. É desiderato de qualquer dos partidos, já manifestado pelo PSD, que isso suceda. Portanto, V. Exa. não tem razões para estar preocupado. V. Exa., com certeza, que tem a sua própria visão de como a Constituição deveria ser, ou não ser, revista. V. Exa. está preocupado, porque a Constituição poderá vir a ser revista. Compreendemos essa situação, mas não tem razão para tecer as considerações que teceu nem muito menos tem razão para lhes emprestar essa forma.

O Sr. Presidente: - Queria lembrar aos Srs. Deputados que estamos -conforme é o nosso propósito - a rever a Constituição e não a tecer considerações de carácter mais geral sobre encontros fora da CERC. Mas, enfim, é evidente que a questão foi suscitada e teremos de acabar o debate.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que a solicitou.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu estava apenas a sublinhar que não se trata apenas de um espírito de síntese, ou de uma aspiração a um espírito de síntese. Trata-se de uma síntese que, ainda por cima, é "desgraçadissimamente" certeira num sentido bastante pérfido.

Se a CERC tem um papel verdadeiramente sudorífero de discussão de matérias, mas "não discute política", isto é, se são factores exógenos que a determinam, se, verdadeiramente, a nossa tarefa é arregaçar as mangas e correr artigos, enquanto as negociações tratam de trinchar as opções, os sinais verdes e vermelhos (e amarelos!), e estabelecer as rotas, então, verdadeiramente, é uma função menos que "bulldozeriana", porque os bulldozers pelo menos sempre limpam terreno, e aqui tratar-se-á apenas de pôr tabuletas e cruzes no mapa. Ora, esse parece-nos que não é o escopo da CERC.

Em relação às observações feitas, gostaria apenas de anotar algumas coisas que me parecem relevantes, deixando completamente de lado as questões de expressão individual ou colectiva. É uma opção que cada qual assume. Em matéria de horror a expressões de carácter popular o PSD vai tão longe que quer sanear da própria Constituição o Povo. Ora se poda, metodicamente, toda a alusão ao Povo na lei fundamental, como é que não haveria de querer podar, na língua dos deputados, o uso de expressões populares que, realmente, queimam os lábios?! É um problema que o PSD tem de resolver consigo próprio! Em matéria de requintes de linguagem não é todos os dias que temos Werfassungsbeschweude para oferecer aos deputados, até porque isso não está consagrado entre nós. E nós até queremos que seja instituído um mecanismo que seja similar a este importante instituto, que permite resolver problemas constitucionais bastante complicados. Mas não, seguramente, problemas psicanalítico-lexicais - como aqui o Sr. Deputado Carlos Encarnação tem...

Em relação à questão de fundo, o problema é este: é preciso delimitar bem o campo da acusação, sob pena de haver "conversas de surdos". O Sr. Deputado António Vitorino é um caso típico de inversão dos terrenos. Alguém lhe pede para discutir o tema A e o Sr. Deputado António Vitorino, por razões que toda a gente percebe, traz à colação os temas C, D, F e G. Evidentemente, isso pode permitir a algum observador desatento não reparar que, por acaso, não se discutiu a única coisa que o interlocutor tinha querido que discutisse.

O Sr. António Vitorino (PS): é essa coisa.

Vai agora dizer qual

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tenho outro remédio, Sr. Deputado António Vitorino. Não tenho outro remédio!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra precisamente por causa daquilo que V. Exa. acaba de sintetizar, provavelmente melhor do que eu próprio o faria. É que se se entende...

O Sr. Presidente: - Eu tenho espírito de síntese, e uso-o.

O Sr. António Vitorino (PS): - Bem, eu confio em si, até para os meus lapsos de memória. Até para esses, embora não só para esses.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não será bem função do PCP, em matéria de revisão constitucional e em matéria de processo político, de funcionar como

Página 1268

1268 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

aide mémoire do PS! Mas às vezes é necessário, porque o PS tem uma memória - como se tem visto - caracterizada por alguns campos lacunais.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas há outras coisas de que nos lembramos muito bem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente! Têm fixações obsessivas em relação a certos factos secundários.

O Sr. António Vitorino (PS): - Por acaso nos pontos que não convém ao Sr. Deputado José Magalhães.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente inexacto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, compreendo que este debate é muito enriquecedor, mas gostava que o Sr. Deputado José Magalhães terminasse a sua breve intervenção, como foi permitida; para ver se passamos aos aspectos "bulldozer", da " Verfeinerung des Gesetzes" e outras coisas.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Certamente, Sr. Presidente.

O primeiro aspecto era, pois, de saber quais são as acusações. Acusa o PCP, destemperadamente, o PS de querer um processo de revisão constitucional? Resposta total, peremptória, sincera e acima de processos de intenções: não! Não acusa! Entendemos que pode e deve ter lugar um processo de revisão constitucional dentro do quadro constitucional e segundo as regras constitucionais.

Segundo: é o facto de haver revisão constitucional "a maior das cedências"? Resposta: não é, Sr. Deputado António Vitorino, Srs. Deputados do PS. Haver uma revisão constitucional não é em si cedência nenhuma. Haver uma má revisão constitucional é, evidentemente, uma grave cedência, que o será tanto mais quanto maior for o catálogo de cedências do PS. É isso que nos preocupa.

Terceiro aspecto: os interlocutores e o seu estatuto. São livres os contactos entre os partidos? É óbvio. São livres as conversas de todas as naturezas, a todos os níveis, em todas as instâncias, com todos os interlocutores. A questão não está aí. A questão está em que este interlocutor PSD - e em particular o Primeiro-Ministro - se caracteriza por duas coisas: ouve pouco e só gosta, realmente, de ouvir uma palavra: "Sim" (e dita entusiasticamente). Portanto, quando o secretário-geral do PS, ou o dirigente do PS, António Guterres, dizem que chegaram a alguns acordos - e um acordo quer dizer "sim" (até quando a coisa é sinalagmática quer dizer dois "sins" articulados, como se sabe em geral) -, então temos razões para ter alguma preocupação. Sobretudo, quando os dois autores dos "sins" não dizem concreta e publicamente a quem é que deram o "sim". O silêncio só é meio de declaração negociai nos casos e nas condições que a lei estabelece. Em política o codex é bastante mais estrito e bastante mais vago nesta matéria; tem exigências de que o PS se esquece, sistematicamente, et pour cause. E é isso também que nos preocupa.

Em segundo lugar, sucede que o PSD está preocupado, acima de tudo, com uma discussão em que vamos entrar a seguir. O PSD quer criar a "insustentável leveza da mexicanização do poder" - como gosta de dizer o seu camarada Gomes Canotilho- e, por outro lado, "trocar a rota do caminho constitucional, desviando-o para Singapura em matéria de propriedade dos meios de produção". E o PS nessa rota e nessas descobertas -nessas novas descobertas ao avesso - tem uma posição que nos oferece as maiores reservas e críticas.

Os interlocutores preocupam-nos por isto. Não é por mais nada. Não é porque "não queremos a revisão". É porque por essa rota e com esses métodos, e com esses interlocutores, sabendo-se o que se sabe -e de nada vale o cunho melífluo adoptado pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação em relação às belas intenções do PSD-, há todas as razões para haver todas as preocupações.

Em terceiro lugar, Srs. Deputados, é evidente que o PS faz judiciosas considerações de repúdio pela política dos pacotes do Governo. É evidente que o PS faz judiciosas considerações sobre os perigos decorrentes do facto de o PSD bloquear a nomeação de novos juizes do Tribunal Constitucional. É evidente até que o PS faz judiciosas considerações, trijudiciosas considerações, sobre o facto de o Primeiro-Ministro se dirigir ao Tribunal Constitucional em termos que são inaceitáveis à luz de qualquer regra constitucional e de qualquer regra de conduta de ética política. É evidente que sim! O que os Portugueses perguntarão é da eficácia de tal coisa, e como é que isso é gerido pelo PS. E aí há razões para as maiores preocupações...

Srs. Deputados, é evidente que a questão não é haver diálogos com A ou com B. E que se o PS tem diálogos com ouvidos de tísico em relação a um interlocutor e diálogos de surdo em relação a outros interlocutores; se fecha acordos com uns e não abre sequer portas a acordos com outros, então a fecundidade desse diálogo será uma fecundidade coxa, será uma fecundidade amputada, distorcida. É essa "fecundidade" que nos preocupa, obviamente.

Em quarto lugar, Sr. Deputado António Vitorino, tiro o chapéu a V. Exa. Tinha o Sr. Deputado António Vitorino ido à tribuna da Assembleia da República para habitualmente dar uma resposta, não digo tensa, mas preocupada com todos os repúdios em relação à política chantagista do PSD. Tinha V. Exa. exigido o preenchimento das vagas do Tribunal Constitucional "como deve ser". Tinha V. Exa. apelado até à mediação do Presidente da República para isso tudo. E eis que, horas depois, dias depois, ouvimos dizer que afinal de contas já há acordos sem que ninguém saiba nada sobre os resultados dessa viril "impostação"! Já há acordos fechados, já há metodologias, já há negociações, o PS até acorda numa data! Tiro p chapéu a V. Exa. em termos de negociação política. É brilhante. É excelente! É de homem!

Em termos políticos essa postura é um desastre, a todos os títulos. Não tem ponta por onde se lhe pegue! Porque das duas uma: ou é para valer - e as pessoas têm direito de saber porquê e para quê -, ou não é para valer e VV. Exas. estão numa camisa de onze varas. É evidente que se só assim estivessem VV. Exas. eu, com toda a solidariedade democrática, não lavaria daí as mãos, mas diria: "Quem se meteu em tal sítio,

Página 1269

4 DE OUTUBRO DE 1988 1269

dele saia por seu pé, porque não é paraplégico." Mas sucede que está envolvido nisso muito mais do que "o homem que vai ao leme". Está envolvido nisso, naturalmente, todo o futuro do regime democrático, de que o PS não é proprietário, de que nenhum partido é proprietário, de que nenhuma mundividência é proprietária. Portanto, se há lições de democracia a dar e a receber, é com o mínimo da humildade democrática de parte a parte entre todos os interlocutores que o debate deve fazer-se. Não nos pomos em bicos de pés para verberar em termos de diktat quem quer que seja, mas compreenda que não podemos deixar de emitir a nossa preocupação sobre esta matéria. V. Exa. compreenderá. Devemos fazê-lo! E não se diga que se trata de "orquestrar" qualquer espécie de "campanha". Não se trata de "orquestrar" qualquer acção com intuitos malévolos. Trata-se de pôr cada partido perante as suas responsabilidades.

De contrário, aliás, poder-se-ia chegar a uma situação cartorial, notarial e tabeliónica no processo de revisão constitucional. E as palavras do Sr. Deputado Guterres, que V. Exa. curiosamente ainda não citou - mas que ainda vai citar certamente -, são inequívocas ao falar de "acordos fechados". Não tresli, não fiz nenhuma viciação, citei com rigor.

De resto, acho que não é sequer razoável que V. Exa. procure inculcar aqui a ideia de que fiz uma "viciação" das declarações do secretário-geral do PS. As declarações são públicas, estão gravadas -não as trouxe para aqui, porque não calhou, mas podia trazê-las -, podia, aliás, carregar no botão do gravador e injectá-las para a acta. Não quis fazê-lo, porque achei que não valia a pena, não era necessário ir tão longe. Digo o mesmo das declarações do outro dirigente socialista que citei com exactidão. Como poderíamos calar-nos face ao seu conteúdo?!

É evidente que vamos participar no processo de revisão constitucional como interlocutores, com todos os direitos regimentais e constitucionais e com o estatuto e o relevo decorrentes daquilo que se sabe sobre a nossa posição no regime democrático. Mas, verdadeiramente, acho que o diálogo sobre isto não deve ser inquinado por tentativas fáceis de deslocar a conversa para um terreno onde ela não se situa, para fugir ao terreno onde ela se situa e nos coloca a todos perante as nossas responsabilidades que temos, obviamente, de assumir com divergências e aproximações - é mais nas segundas que gostaríamos de estar a falar, nesta hora, mas, infelizmente, temos de falar, sobretudo, das primeiras.

O Sr. Presidente: - Essa última parte também foi uma boa síntese, Sr. Deputado José Magalhães. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sobre as notícias relativas ao acordo só queria dizer duas ou três coisas. Primeiro: o PRD, obviamente, não põe em causa a legitimidade de dois partidos se entenderem nesta matéria - estão no seu direito. Simplesmente assumem, e assumem sozinhos, a responsabilidade do que sair. E, nesse sentido, é evidente que é uma pura constatação de facto. Pode é ficar a dúvida, para os outros partidos, sobre o papel que ainda desempenham, ou deixam de desempenhar, num processo de revisão constitucional. Mas é a força da maioria, não há objecção nesse ponto. Em todo caso, queria, apesar disso, salientar uma diferença - e acho que a justiça deve ser feita - entre o PSD e o PS. Porque, enquanto o PSD, de facto, fechou o seu espaço de diálogo, procurando apenas o parceiro que tem números, o PS abriu o diálogo a todos os outros partidos - e, nesse aspecto, não posso deixar de praticar esse acto de justiça -, ainda quando, a seguir a reuniões, o seu secretário-geral produz declarações que não condizem, de todo, com o conteúdo da reunião e não são sequer - também- queria deixar isto em acta - declarações leais. Apesar disso, creio que há que distinguir, aqui, a posição do PS da posição do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Seria injusto e deselegante zurzir no Sr. Deputado José Magalhães na sua ausência.

O Sr. Presidente: - Talvez não seja injusto passarmos ao artigo 151.°

O Sr. António Vitorino (PS): - Como deve calcular, não vai ficar sem resposta.

O Sr. Presidente: - Quando o Sr. Deputado José Magalhães volver à Sala para participar activamente nos debates, naturalmente V. Exa. poderá tentar zurzi-lo.

Vamos, então, passar à continuação do artigo 151.°

Pausa.

Não, não vamos. Vamos voltar aos aspectos mais bélicos - volvemos à matéria de antes da ordem do dia, dado o Sr. Deputado José Magalhães ter volvido à Sala. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Vou ser muito sucinto. O Sr. Deputado José Magalhães entendeu que eu não tinha respondido à questão que ele tinha colocado e tinha desviado a discussão para outros terrenos. Como o Sr. Deputado José Magalhães, ele próprio, reconheceu, esta Comissão é uma comissão política - trata-se de discutir politicamente as questões. A minha interpretação é a de que o acto que o Sr. Deputado José Magalhães trouxe a esta Comissão foi simbólico. Esta é a minha interpretação política: foi um acto simbólico. É um acto que constitui um patamar de uma estratégia mais vasta, de natureza política, que se insere nos objectivos do PCP, de provar ao País que a Constituição da República foi alterada na sua identidade fundamental nesta segunda revisão, independentemente até do conteúdo final da revisão, sem que se saiba verdadeiramente quem é que define essa identidade e se o PCP, que fez uma declaração não patrimonial sobre a Constituição, não se posicionou, desde o princípio, e designadamente neste debate hoje, como o detentor da interpretação autêntica do sentido último da Constituição e, portanto, o acusador público, o procurator da alteração da Constituição. São estados de espírito, e em matérias de estado de espírito naturalmente o Sr. Deputado José Magalhães assume aqueles

Página 1270

1270 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

que quiser. Nós, pela nossa parte, dizemos que, de concreto, o que o Sr. Deputado José Magalhães acusou o PS foi de ter declarado publicamente, sem especificar, quais eram os pontos onde, no entender do PS, tinha havido um desbloqueamento da posição mútua do PS e do PSD, em matéria de revisão da Constituição. O nosso entendimento sobre a revisão da Constituição, pelo contrário, é que a revisão fica dependente de uma avaliação global do seu resultado final. É que, sempre o dissemos, a revisão passava por compromissos e cedências mútuas e, nesse mutualismo das cedências, incluímos todos os partidos com representação parlamentar. Porque, como sucessivamente afirmámos, entendemos que todos os partidos têm propostas e contributos relevantes para a revisão da Constituição, e o PS apoiará as propostas e os contributos que entende válidos para a revisão da Constituição, independentemente da sua origem e da relevância que essas propostas tenham para a obtenção da maioria de dois terços necessária à alteração da Constituição. E, portanto, todas as conclusões que o Sr. Deputado José Magalhães tentou tirar são prematuras, são desgarradas, e isso significa apenas que o PS continua no mesmo estado de espírito empenhado no trabalho, aqui na revisão da Constituição e no trabalho da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, que é o local próprio para firmar todos os acordos e determinar quais são as propostas que merecem o apoio de uma maioria qualificada de dois terços.

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Até Julho"...

O Sr. António Vitorino (PS): - Já lá vamos às datas que tanto preocupam o Sr. Deputado José Magalhães. Pelos vistos, aí, a preocupação obcessiva do Sr. Deputado José Magalhães é que não seja até Julho .- seja mais tarde. Lá terá, decerto, as suas razões profundas, razões talvez situadas no horizonte de Dezembro, nos primeiros dias de Dezembro.

Mas o que eu gostava de dizer é que: em primeiro lugar, nós continuaremos empenhados, aqui, no debate da revisão da Constituição; continuaremos, tanto quanto possível, imperturbáveis aos processos de intenções, às acusações e até à estratégia de ensanduichamento que o PCP tem vindo a desenvolver nesta matéria; continuaremos a ponderar as extensas e detalhadas intervenções do Sr. Deputado José Magalhães - sempre valiosos contributos para a revisão da Constituição - e as propostas do PCP, com a mesma abertura e o mesmo estado de espírito e, por isso, repudiámos totalmente a acusação que o Sr. Deputado José Magalhães fez de que o PS teria, com uns, um diálogo de ouvido tísico, segundo percebi, e com outros, inclusivamente, teria fechado o diálogo. Mas quem é que fechou o diálogo, senão o Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não disse isso, Sr. Deputado. Falei de "diálogo de surdos" - o que é diferente, como V. Exa. sabe.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas não há nenhum diálogo de surdos, Sr. Deputado José Magalhães. E eu peco-lhe, encarecidamente, que sempre que eu próprio, ou qualquer deputado socialista, nesta Comissão, tome atitudes de menor disponibilidade auditiva para as propostas do PCP, o Sr. Deputado José Magalhães levante a bandeirinha vermelha (pois claro) e assinale devidamente que nós estamos a comportar-nos incorrectamente nesta Comissão. Faça isso, por amor de Deus, ou por amor de quem quer que queira.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estava receoso que me pedisse para lhe oferecer uma corneta auricular...

O Sr. António Vitorino (PS): - Porque, naturalmente, nós continuamos a reafirmar a nossa disposição para ponderar todas as propostas apresentadas em cima da mesa.

Agora, em último apontamento sobre o horizonte de Julho. Nós sempre entendemos que a revisão da Constituição devia passar por uma primeira leitura, nesta Comissão, atenta e detalhada.

O Sr. Presidente: - Rápida.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não sei se é rápida ou se é lenta.

O Sr. Presidente: - Agora já sabemos.

O Sr. António Vitorino (PS): - Porque parece que quem tem o monopólio da definição do que é rápido e lento, neste país, é o secretário-geral do PSD, o Dr. Dias Loureiro. Mas como nós não sabemos que espécie de "rapidómetro" - isto é, instrumento existente para medir a rapidez - é que o PSD tem, nós, sobre essa matéria, não só não nos queremos pronunciar aqui, como, inclusivamente, na quinta-feira passada tive ocasião de explicar que o PS considera que não há atrasos na revisão constitucional e que não há atrasos no trabalho da Comissão Eventual da Revisão Constitucional. Mas sempre dissemos, desde o princípio, que entendíamos que esta primeira leitura, que permitiria uma avaliação global das propostas, devia estar concluída até Julho. Nós dissemos isso, não é novidade nenhuma. E o Sr. Deputado José Magalhães, que, pelos vistos, em matéria auditiva, não tem problema nenhum - pode ter um ouvido selectivo, mas isso é outra coisa -, não me parece que deva mostrar-se extremamente surpreendido pelo facto de Julho ter aparecido, agora de repente, pela primeira vez, o que, como acabei de referir, não é verdade, não apareceu pela primeira vez, sempre esteve em cima da mesa, porque sempre entendemos que a primeira leitura, desejavelmente, devia acabar até ao termo da sessão legislativa, até à ida para férias.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O que apareceu pela primeira vez, Sr. Deputado, foi a noção de "acordo global". Foi isso que disse o secretário-geral do PS, não se referiu à primeira leitura. Se o secretário-geral do PS tivesse falado da primeira leitura, V. Exa. ter-nos-ia aqui conversando placidamente.

O Sr. António Vitorino (PS): - Para nós é claro que a primeira leitura não foi a tal leitura rápida e apressada que o PSD queria, foi uma leitura detalhada, está a ser uma leitura detalhada, uma leitura demorada e uma leitura atenta, e que nos permite, a nós, com suficiente clareza, medir o grau de flexibilidade das propostas em cima da mesa para prefigurar um acordo glo-

Página 1271

4 DE OUTUBRO DE 1988 1271

bal. É essa primeira leitura que permite formar, na nossa convicção, quais são as zonas de convergência e de divergência entre os vários partidos aqui representados, quais são as propostas que nós apresentamos e que os outros partidos apresentam que têm a possibilidade de concitar a maioria qualificada de dois terços, e quais são aquelas que previsivelmente não conseguirão concitar essa maioria qualificada de dois terços. Portanto, a primeira leitura é, para nós, suficientemente elucidativa para formarmos uma ideia do que é o acordo global possível em matéria de revisão da Constituição. E digo-lhe mais: nós sempre nos recusámos, nesta Comissão, a colaborar em qualquer iniciativa que visasse limitar a liberdade de expressão, condicionar o aprofundamento dos debates sobre qualquer matéria, e sempre nos empenhámos, esforçadamente, em encontrar alternativas para os bloqueamentos que iam surgindo nesta própria Comissão - as actas dão abundante prova disso. E nós, portanto, não nos sentimos nem na posição de réus, nem na posição de arguidos, nem na posição de ouvidos em inquérito preliminar por qualquer tipo de objurgatória política que o Sr. Deputado José Magalhães, por razões alheias à revisão constitucional mas que se prendem com a legitimíssima estratégia partidária do PCP, entenda dever fazer nesta sede, neste momento e nesta hora, Mc et nunc.

O Sr. Presidente: - Suponho que podemos passar ao artigo 151.° da Constituição, não deixando, porém de observar que uma leitura breve, e para formular uma ideia clara acerca das divergências entre os diversos partidos políticos, não é a mesma coisa que uma leitura exaustiva com excurses em matérias que nada têm a ver com a revisão constitucional e que, por outro lado, aplicar o regimento da Assembleia da República, que tem algumas limitações temporais em relação às intervenções, suponho que não é limitar a expressão de pensamento em termos ilícitos. Mas outra foi a opção que a Comissão quis tomar e, como VV. Exas. têm vindo a verificar, apesar de, por vezes, serem feitas críticas públicas à demora no trabalho da Comissão, que parecem ter por destinatário a Mesa e o seu principal responsável, nós lá vamos seguindo com lentidão mas com muita profundidade e algumas excursões laterais...

O Sr. António Vitorino (PS): - E solidez.

O Sr. Presidente: - ... e solidez, a análise da Constituição, e assim vamos no artigo 151.°, desde sexta-feira passada.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há pouco tinha transmitido à Mesa a seguinte informação: vamos realizar, nós, Grupo Parlamentar do PCP, uma conferência de imprensa que tem, entre os seus temas, este que aqui abordámos. A direcção do meu Grupo Parlamentar entendeu que deveríamos solicitar - sem qualquer relação com o conteúdo da discussão que aqui tivemos (quero sublinhar este aspecto) - um intervalo regimental que nos permitisse organizar essa conferência.

O Sr. Presidente: - V. Exa. tinha, efectivamente, transmitido à Mesa esse pedido. Eu tinha-lhe dito que

é regimental e que será, naturalmente, deferido. V. Exa. pediu em termos de uma conferência de imprensa. Suponho que o direito que V. Exa. tem restringe-se a quinze minutos, mas, em função daquilo que efectivamente está em jogo, seria um pouco exagerado exigir que fossem rigorosamente quinze minutos, porque suponho que aquilo que V. Exa. terá para dizer, em matéria de revisão constitucional, mesmo na posição do PCP, não se reduz e quinze minutos, com certeza.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que a conferência não excederá as 17 horas e 30 minutos. Vai começar agora.

O Sr. Presidente: - São 17 horas. Proponho que retomemos os nossos trabalhos às 17 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 17 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos então passar à continuação do artigo 151.° Havia alguns dos Srs. Deputados que tinham pensado falar, mas não chegaram a inscrever-se, ou pelo menos não registei a sua inscrição, na sexta-feira. Gostaria de perguntar se há alguém que deseja usar da palavra ainda sobre o artigo 151.°

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se bem me lembro, nós tínhamos interrompido o debate no momento em que o PSD iria responder a algumas das observações feitas na primeira volta. Não?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não. Nós tínhamos interrompido no momento em que estavam inscritos os Deputados Almeida Santos, José Luís Ramos, Sousa Lara, Carlos Encarnação.

Se todos usarem da palavra, eu uso; se todos quiserem renunciar, eu dou a matéria por discutida.

O Sr. António Vitorino (PS): - Neste momento não se encontra presente nenhum dos outros Srs. Deputados que o solicitou.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Exacto. Então desisto também.

O Sr. Presidente: - Isso facilita bastante a vida, suponho. E, assim...

V. Exa. quer gerir os negócios do PSD? Faça favor, Sr. Deputado José Magalhães. Pede a palavra para?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para uma curtíssima intervenção. Não sei, Sr. Presidente, o porquê desta ausência dos Srs. Deputados do PSD. Talvez se deva, pura e simplesmente, a uma desconexão, uma vez que nós tínhamos combinado a reabertura às 18 horas e isso não foi possível. Em todo o caso, isso não nos deveria impedir de aprofundar um pouco mais o debate em torno desta matéria porque ela é realmente importante

Página 1272

1272 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

quer em si, quer no quadro das propostas que o PSD apresenta em torno das questões eleitorais - a tal "insustentável leveza do sonho mexicanizante do PSD" é suficientemente importante para isso.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já usou essa imagem três vezes, que me recorde! Isso não introduz novidade nenhuma. A questão que se põe, é esta: há argumentos novos, há aprofundamentos que justifiquem, ou não? Quanto à leveza do ser, compreendo, mas novo não é! É um bom livro! O filme, não sei!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, independentemente de V. Exa. desejar "Kunderizar" o debate, ou não, a questão que se coloca não reside na repetição dessa frase, que irrita tanto o PSD - Deus sabe porquê! A nós, não irrita nada.

O Sr. Presidente: - Não irrita nada! Eu até gosto muito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria apenas de procurar desenvolver alguns dos raciocínios que tinham sido abordados na primeira volta do debate. Fá-lo-ei rapidamente, uma vez que existe essa indisponibilidade de alargamento por parte do PSD.

A objecção básica, nesta matéria, era a que decorre do facto de a proposta do PSD não ser remédio para aquilo que diz sê-lo, e ser, pelo contrário, um elemento que pode introduzir distorções sérias na representação nacional. O PSD invocou o direito comparado - sem êxito!

O Sr. Presidente: - Mas V. Exa. já disse isso! Vai querer repeti-lo? Faça o favor!!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Evidentemente que já disse isso! Estava apenas a retomar o debate, a não ser que V. Exa. pretenda que eu entre ex abrupto no "terceiro argumento" sem evocar o primeiro e o segundo - nesse caso, Sr. Presidente, o inconveniente não será meu...

O terceiro argumento, Srs. Deputados, é este: o "sonho mexicanizante" do PSD passa também pelo facto de a redução eventual do número de deputados ser um instrumento relevante para a constitucionalização desse sonho e dos inerentes instrumentos de poder. Sendo a Constituição, para o PSD, um obstáculo à realização de determinados projectos políticos, e entendendo o PSD até, que o seu programa de governo deveria sobrepor-se à Constituição, ou que a Constituição deveria viabilizar, em todos os pontos, o programa de governo do PSD (mesmo nos aspectos em que ele transporta concepções e soluções que são um retrocesso grave em relação a aspectos fulcrais da identidade do nosso regime democrático), a redução do número de deputados é também encarada pelo PSD como um instrumento viabilizador da meta dos dois terços. Na lógica do PSD quanto mais fáceis forem as obtenções de maiorias ordinárias, melhor; quanto mais fácil for a obtenção da maioria qualificada de revisão constitucional, melhor. Isso suprimiria o "problema constitucional", seria luz verde para o "constituicídio" sonhado pelo PSD.

A grande novidade traduz-se em que, feitas contas às contas do PSD, a distribuição de círculos daria, por exemplo, num cenário correspondente à situação de recenseamento existente em 1987, para uma Assembleia com 180 deputados como o PSD propõe: não 15 deputados em Aveiro, mas 11; não 5 deputados em Beja, mas 3; não 17 deputados em Braga, mas 12; não 4 deputados em Bragança, mas 3; não 6 deputados em Castelo Branco, mas 4; não 11 deputados em Coimbra, mas 8; não 4 deputados em Évora, mas 3; não 9 deputados em Faro, mas 6; não 5 deputados na Guarda, mas 4; não 11 deputados em Leiria, mas 8...

Vozes.

Dou estas contas a benefício de correcção. Vozes.

Mas o alvoroço, causado pela leitura desta lista, já é muito interessante! Designadamente, a própria reacção da bancada do PSD!!!

Risos e vozes.

Continuemos. Não 56 deputados em Lisboa, mas 41; não 3 deputados em Portalegre, mas 2; não 39 deputados no Porto, mas 29; não 12 deputados em Santarém, mas 9; não 17 deputados em Setúbal, mas 13; não 6 deputados em Viana do Castelo, mas 4; não 6 deputados em Vila Real, mas 4; não 10 deputados em Viseu, mas 8; em vez de 5 nos Açores, seriam 4; em vez de 5 na Madeira, 4.

Vozes.

Srs. Deputados, abandonemos estas contas por agora. É apenas um cenário, é uma simulação distributória de mandatos que torna evidente o que o PSD pretende: com o mesmo volume de "massa fungível", adquirir mais mandatos. Os seus propósitos devem ser também ponderados tendo em conta este desiderato e creio que este argumento será suficientemente novo para satisfazer o Sr. Presidente, deputado Rui Machete, e os restantes Srs. Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Acha que sim?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que é preciso ter isto em conta, quando se debate esta questão.

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quero dizer, portanto, que os projectos do PSD e o seu "peso insustentável" ou a sua "leveza inaceitável" merecem, nesta parte, uma resposta de frontal não, a qualquer título.

Os argumentos do PSD são, de resto, a low profile, o que provavelmente se deve à ideia de procurar minimizar o alcance da alteração. Falam disto como quem alude a uma realidade menor, um pequeno "retoque", uma pequena diminuição de, digamos, uns 250 deputados para menos uns tantos "coisa pouca" e "ligeira". Não é! É muito significativa, em todos os planos. E creio que releva de uma atitude, razoavel-

Página 1273

4 DE OUTUBRO DE 1988 1273

mente pouco frontal, o facto de terem procurado fazer este debate escamoteando estas e as outras dimensões do problema.

Não poderia, no entanto, como o Sr. Presidente compreenderá, deixar de alertar para o facto de estar em causa neste ponto um dos pilares essenciais do regime que o PSD quer derrubar, por tão más razões como são boas as que se opõem às suas intenções.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Se bem que a matéria esteja, a meu ver, mais do que discutida e a posição do PS mais do que definida, através das intervenções do meu camarada António Vitorino, começaria por dizer que, por um lado, é, de algum modo, de duvidar da sinceridade do PSD, na medida em que já hoje é possível, e está nas suas mãos, reduzir para 240 - já o poderia ter feito, em momentos anteriores, mas nunca o fez. Não sei se é por ser uma redução pequena e não valer a pena. A verdade é que, se somos demais, já deveria ter reduzido para 240. Isto pode colocar o PSD sob a suspeita de que não quer mesmo a redução. O que quer é que nós a evitemos, fazendo ele o "bonito" de a propor. Porquê? Porque sabe que, em termos de opinião pública, a Assembleia não é o órgão mais prestigiado. Mas reconheçamos que continuaria a não o ser, se, em vez de 250, fôssemos 200 ou 180. Não me parece que o prestígio ou desprestígio estejam relacionados com o número dos deputados. Pretende-se que é um órgão pesado e caro. Mas somos os deputados mais baratos da Europa! Creio que não vale a pena atribuirmos peso significativo por demais a uma opinião pública que não toma em conta uma evidência como esta. E tal como não toma em conta esta evidência, também não toma a evidência do papel relevantíssimo que a Assembleia da República tem numa democracia moderna, aberta e pluralista como a nossa. Há outros órgãos cuja impopularidade é porventura menor do que a da Assembleia da República e nem por isso se pensa na sua redução ou mutilação.

Seria pena que se afastassem da Assembleia alguns pequenos partidos - já que seriam esses os sacrificados -, porque eles têm um papel importante. Foi aquilo a que o meu caparada António Vitorino chamou a pluralidade das opiniões. Lembro-me do papel que o deputado Cunha Leal desempenhou quando esteve sozinho no parlamento. Eu próprio não resisto a pensar nas possibilidades que se abrem a um só deputado, se ele for talentoso.

Quanto à eficácia: sinceramente, duvido muito de que melhorasse a eficácia, se reduzíssemos para 180 ou mesmo 200, do trabalho da Assembleia. Porquê? Pela distinção que já aqui foi feita pelo meu camarada António Vitorino, entre os procuradores e os questores. Provavelmente a maquia fazer-se-ia nos questores e não nos procuradores, e porventura passariam a faltar deputados de qualidade, sem que a redução da quantidade tivesse podido trazer alguma vantagem.

No direito comparado há exemplos de tudo, de quem tenha mais e de quem tenha menos do que nós. Não me parece, também, que o direito comparado imponha uma solução deste tipo, sobretudo se considerar-mos que nalguns países há uma segunda câmara, como aliás já vi defendido, no nosso país. Nesse caso, então iríamos ter muito mais representantes populares do que temos hoje.

Resumindo: não me parece que seja este um dos nossos problemas; creio que o facto de se reduzir o número de deputados poderia representar uma transigência injustificada com alguma opinião pública que, por coincidência, nem sempre é, sequer, a melhor e que, porventura, a partir dos 180 começaria a exigir que fossem 120, como na Assembleia Nacional.

E ao vermos desaparecer da Assembleia deputados que em concreto seriam sacrificados pela redução, se começássemos a olhar para cada um deles e para o seu mérito, talvez a proposta se tornasse menos tentadora do que parece à primeira vista.

É só isto. Penso que não fui tão dispendioso, em tempo, como o Sr. Presidente estaria a recear.

O Sr. Presidente: - Não, não receava que fosse dispendioso em tempo e foi, sobretudo, muito compendioso naquilo que disse. Todavia, gostaria de referir que os argumentos expendidos por posições diferentes não significa estarmos a reiterar o que dissemos na sessão passada. A única observação que gostaria de fazer é de que não pode ser vista a nossa proposta sem uma conexão com o que vamos discutir a seguir, no artigo 152.°, embora obviamente as duas coisas possam ser vistas autonomamente.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Os questores estariam no círculo nacional.

O Sr. Presidente: - Sim, isso aliás já foi observado atempadamente na reunião anterior.

Vamos passar ao artigo 152.° - "círculos eleitorais". Existem duas propostas: uma de alteração, apresentada pelo PSD, e outra de aditamento, apresentada pela ID.

A proposta apresentada pelo PSD, justifico-a sumariamente, diz respeito à possibilidade de admitir a eventualidade, que, neste momento, parece não ser permitida pela actual redacção do preceito constitucional, de, ao lado dos círculos eleitorais actualmente existentes, poder também haver um círculo eleitoral nacional - abrindo-se, assim, caminho para consignar um sistema proporcional que tenha similitudes com aquele que, neste momento, existe na RFA. Não estou a dizer que seja idêntico porque, naturalmente, os sistemas têm que ter peculiaridades adequadas à estrutura dos respectivos Estados, e no caso da RFA trata-se de um Estado federal com particularidades que são conhecidas. Basicamente, a ideia é esta: é a de encontrar fórmulas de compensar a circunstância de o sufrágio proporcional em círculos relativamente pequenos e por lista poder ser compensado pela circunstância de haver um círculo nacional único, também naturalmente submetido a sufrágio proporcional, e que, justamente, permita aos candidatos dos diversos partidos políticos com envergadura ao nível do País poderem apresentar-se e ser escolhidos, longe das correias que naturalmente existem na elaboração das listas que estão mais apegadas aos interesses regionais dos círculos, tal como hoje existem. Isto é, no fundo, há uma combinação dos dois critérios, o que permite uma representação mais adequada, por um lado; e por outro permite uma maior eficácia, em termos dos eleitos, na medida em que os

Página 1274

1274 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

partidos políticos podem, nas suas respectivas estratégias, combinar e articular devidamente os candidatos que devem concorrer ao círculo nacional e os que devem fazê-lo pelos círculos actualmente existentes.

Esta é, em síntese, a ideia. Ficam em aberto algumas questões que, facilmente, podem enumerar-se e têm soluções diversas consoante os países - por exemplo, a RFA tem algumas soluções, umas serão transponíveis, outras não; o que nós pretendíamos era abrir essa possibilidade e, simultaneamente, suscitar em sede própria (que é esta Comissão de Revisão Constitucional) um debate acerca da conveniência dessa abertura.

A ID tem um n.° 3, que acresce, visto que o actual n.° 3 passa a 4, no qual diz que, na fixação dos círculos eleitorais, a lei assegura que a dimensão mínima destes respeita o princípio da representação proporcional - suponho que é uma explicitação que já está, de algum modo, contida na ideia do próprio princípio da representação proporcional, mas que a ID entendeu que devia ser explicitada na redacção que propõe.

Passaríamos agora à discussão.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Esta é uma matéria sobre a qual há alguma discrepância no interior do nosso próprio partido - somos um partido aberto, em que a diversidade de opiniões é livre. Há quem se pronuncie favoravelmente às vantagens de um círculo nacional; há quem se oponha, e bem veementemente, à criação e às vantagens desse círculo. Isto quer dizer que, neste momento, teremos de reservar a nossa posição. Reconhecemos algumas virtualidades a esta solução; reconhecemos-lhe também substanciais defeitos. Neste momento não iríamos além desta tomada de posição; reservamo-nos para melhor altura.

Quanto à proposta da ID - compreendo que queira limitar o âmbito da discricionariedade da lei eleitoral. Mas propõe uma regra infixa, onde não se diz muito mais do que já diz a Constituição. Dizer-se, "assegurar a dimensão mínima", sem dizer qual ela é, é o que já decorre do princípio da proporcionalidade. Todos nós sabemos que o princípio da proporcionalidade implica uma dimensão mínima, e que quanto mais se aproxima da uninominalidade mais se aproxima da abolição do princípio, ou do não respeito por ele. Portanto, também não me parece que esta proposta enriqueça o actual texto da Constituição. Numa primeira abordagem, seríamos levados a considerar que o texto actual é a melhor solução. Em todo o caso, como disse há pouco, reservamos para um segundo momento uma tomada definitiva de posição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de entrar na discussão desta matéria, gostaria de fazer uma proposta, caso me seja permitido. Proponho que os artigos 152.° e 155.° e a questão da censura construtiva sejam discutidos conjuntamente, porque estas duas matérias - a lei eleitoral e a censura construtiva - é que permitem obter uma racionalização do sistema de governo. Do meu ponto de vista, é esse o objectivo essencial da revisão em que estamos a trabalhar. Mas esta consideração é agora um mero parêntesis. O que neste momento interessa é que a discussão conjunta terá o mérito de permitir que os argumentos sejam aduzidos globalmente e que a discussão se possa fazer na base de uma ideia de conjunto sobre a racionalização do sistema político português.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, percebo o sentido da sua proposta, mas, no fundo, e em casos similares, já temos procedido desta maneira. Pressupomos, de algum modo, que existem outros artigos quê devem articular-se com o que está a ser discutido. Não vejo nenhum impedimento em que naquele além se chame a atenção, justamente, para a necessidade dessa visão sistemática, mas parece-me um pouco difícil estarmos a fazer uma discussão conjunta em termos literais. Quer dizer: penso que, se V. Exa. chamar a atenção para a conexão existente entre o artigo que estamos a discutir e, pelo menos na sua perspectiva, o artigo 155.°... Qual foi o outro que citou? Peço desculpa, mas perdi-me.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Não, o que eu proponha era a discussão conjunta dos artigos 152.º e 155.°, e proponho também que estes dois artigos sejam discutidos conjuntamente à proposta do PS no sentido de introduzir a figura da censura construtiva.

O Sr. Presidente: - Penso que na sua primeira proposta são um pouco mais evidentes as conexões sistemáticas; o terceiro ponto e segunda proposta é menos evidente, salvo o devido respeito, embora seja, naturalmente, possível, porque estamos a discutir a parte política, e aí o problema do sistema eleitoral e da representação. Tudo isto representa, de algum modo, uma estrutura articulada e conexões de sentido evidentes. Simplesmente, temos que ir andando. É uma primeira leitura. Estamos a passar uma vista de olhos. Há uma multiplicidade de propostas. Se formos discutir em conjunto estas matérias, em primeiro lugar, podemos ter que abrir uma discussão sobre a admissibilidade da discussão, em conjunto, e vamos perder uma data de tempo, ou ganhar, consoante as perspectivas, mas, enfim, gastar uma série de tempo para fazer a análise da conveniência ou inconveniência dessa metodologia. Depois nada impede que outros Srs. Deputados procurem que sejam acrescentados outros artigos, e até que se discuta uma secção ou um título em comum. Julgo que é mais produtivo tomar em consideração as observações que V. Exa. faz mas não discutir. Certamente que, se quiser, quando chegarmos ao artigo 155.°, reportar-se a alguns aspectos do artigo 152.°, não verá a Mesa sustentar a tese de que está precludida essa matéria porque já foi discutida. Se quiser considerar esse ponto, pois, sê-lo-á. Depende do seu critério: se procurará, digamos, usar uma argumentação acerca do artigo 152.° no artigo 155.°, ou vice-versa. Com toda a liberdade, tomaremos em consideração essa circunstância, mas julgo preferível evitar a aglutinação da discussão porque, repito, isso pode suscitar uma questão prévia que é de saber se devemos discutir, ou não, em conjunto, e outros Srs. Deputados acrescentarem, ou quererem retirar ao bolo da discussão algum outro artigo. Portanto, a minha ideia não é limitar, obviamente, o direito que V. Exa. tem, assim como todos os outros deputados, de usarem os argumentos sistemáticos que entenderem, ou de, eventualmente, por

Página 1275

4 DE OUTUBRO DE 1988 1275

razões de necessidade, voltarem atrás. Já fizemos, aliás, noutro dia, a propósito das Regiões Autónomas, uma observação um pouco similar, porque poder-se-ia discutir se, alguns aspectos, dos artigos sobre a competência do Presidente da República, e sobre a competência da Assembleia da República, e que têm implicações com o Estatuto das Regiões Autónomas: É melhor discutir tudo em conjunto? - É melhor discutirmos na altura que discutirmos as Regiões Autónomas? - É melhor discutirmos aqui? São soluções pragmáticas que temos que seguir. Isso não envolve, desde logo, um juízo definitivo. De resto, estamos numa primeira leitura. A tal leitura que o Sr. Deputado António Vitorino, considera uma leitura suficientemente aprofundada, embora breve...

O Sr. António Vitorino (PS): - ... disse global.

O Sr. Presidente: - Se não fala ao microfone não fica registado na acta.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu depois acrescento na acta, mas, desde que sejam dois deputados a interpretar-me mal, fico tranquilo, porque se anulam mutuamente.

O Sr. Presidente: - Nestas circunstâncias, e com esta minha explicação, julgo que as suas preocupações poderão ficar satisfeitas, tanto mais que, rapidamente, chegaremos - penso eu - a discutir o artigo 155.°, visto que não há alterações para o artigo 153.° e, no que respeita ao artigo 154.°, há uma proposta de eliminação do PRD, que poderá ser discutida com celeridade.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - A proposta de eliminação do PRD não tem, pura e simplesmente, de ser discutida, salvo o devido respeito, porque é uma mera consequência daquilo que o PRD propôs para o artigo 116.°. No fundo este artigo era transferido na proposta do PRD para o artigo 116.°. Portanto, como já se discutiu o artigo 116.°, acho que não vale a pena voltar a discutir a mesma questão.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão. Então, ainda é mais fácil, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Eu só quis ajudar, como é costume, não propriamente o PSD, mas a Comissão.

O Sr. Presidente: - Fico muito grato, Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

Portanto, como V. Exa. vê, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, vamos passar de imediato, logo que seja dada por terminada a discussão breve do artigo 152.°, à discussão breve do artigo 155.°

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas, se me permite, gostaria de fazer uma breve observação.

Sr. Presidente, não discordo da solução que é proposta pelo PSD relativamente ao n.° 1 do artigo 152.°; discordo que se fixe rigidamente este sistema na Constituição. Naturalmente a Constituição é rígida, mas a minha discordância decorre do facto de que o sistema que proponho para o artigo 155.° comporta este como uma das suas possibilidades. Portanto, a minha proposta é mais abrangente que a de VV. Exas., e, nessa medida, não posso estar de acordo com esta. Em segundo lugar, também se me afigura que, se não for aprovado o artigo 155.°, ou alguma coisa do género, terei que discordar francamente desta proposta, na medida em que ela permite, por exemplo, um sistema do tipo do sistema alemão, como V. Exa. aliás disse, em que o eleitor que no círculo plurinominal vota no candidato vencedor e simultaneamente no partido a que pertence o candidato vencedor, vota duas vezes. É uma majoração. Por outro lado, também não está, ou não fica, garantido aqui o princípio da proporcionalidade; ou melhor, fica eventualmente prejudicado o princípio da proporcionalidade, porque não está dito qual é o número de deputados que vão ser eleitos pelo círculo nacional e o número de deputados que vão ser eleitos pelos círculos não nacionais. O meu desacordo é total com todas as tentativas de enfraquecer o princípio da proporcionalidade em vigor na Lei Eleitoral. Afigura-se-me, pelo contrário, que a garantia da proporcionalidade deve ser reforçada e não diluída. Por consequência, em relação ao espírito da proposta, posso manifestar a minha total discordância e oposição.

O Sr. Presidente: - Não é o espírito, se V. Exa. atender depois ao artigo 155.°

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Óptimo, se assim for e aprovarem proposta equivalente à minha para o artigo 155.°

Independentemente do espírito que presumi - e congratulo-me que tenha presumido erradamente -, a proposta do PSD é dispensável, por demasiado restritiva. Mas se, finalmente, se aprovar o princípio que pretendo assegurar através do artigo 155.° e se quiser incluir esta disposição, não vejo objecção. Poderei estar de acordo com esta formulação, se esta proposta for completada por um inciso constitucional que garanta a proporcionalidade plena.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, era só para responder às preocupações do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Creio que essas preocupações resultam de uma leitura - passo a expressão - um tanto ou quanto apressada da própria letra do n.° 1 do artigo 152.°, e que, independentemente, de nos fazermos auxiliar do que se estabelece no artigo 155.° - parece-me que, com suficiência, o n.° 1 afasta esse tipo de preocupações. E por uma razão: em primeiro lugar, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia teme uma certa rigidificação no sistema que o PSD pretende instituir. Como o Sr. Deputado Rui Machete já justificou, este sistema tem vantagens que não contrariam o sistema de representação proporcional. É, aliás, um reforço do princípio do mandato livre, consagrado na Constituição. Isto é um modo de sublinhar que não há uma adstrição rigorosa dos deputados aos círculos eleitorais e que eles têm o significado nacional que é constitucionalmente recomendado, mas essa exigência está afastada pelos termos, como

Página 1276

1276 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

eu dizia, da letra do n.° 1 do artigo 152.° É que aqui não há uma imposição originariamente constitucional do círculo eleitoral. Há uma remissão para a lei, e há uma facultação operada pela constituição para que a lei possa, ou não, instituir esse círculo.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Tem razão. Uma faculdade não é uma determinação.

O Sr. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não é uma criação directa da Constituição. E esta é só a primeira razão. E há uma outra que fica também prejudicada por virtude da omissão desse mesmo pressuposto que é o problema do limite numérico, relativamente ao mesmo círculo eleitoral nacional que será também remetido para a lei, com toda a "contingência" que a própria lei, e digamos, "forçadamente" com todo o arbítrio que é cometido ao legislador ordinário no sentido de determinar primeiro a existência do círculo eleitoral, e segundo a sua definição em termos de percentagem.

O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia tinha-se também preocupado com o número, e eu digo que, pela mesma razão por que a existência do círculo é remetido para a lei, a determinação do círculo é, obviamente, remetida também.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Aqui, só posso fazer uma pergunta ao PSD: como é que conciliam a vossa proposta com o actual n.° 2?

O Sr. Presidente: - O n. ° 2 só diz respeito aos círculos territoriais actualmente existentes, visto que não tem sentido em relação ao círculo nacional. O círculo nacional abrange todos...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Portanto não conciliam. Se aprovarmos a vossa proposta temos de alterar o n.° 2.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Só se aplica aos círculos eleitorais que não o círculo nacional.

O Sr. Presidente: - Quer dizer, só se aplica àquilo que é aplicável, não é verdade?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Desculpe, o número de deputados por cada círculo do território nacional é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos. Não o seria no círculo nacional!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, é um pouco como aplicar o princípio da representatividade proporcional à eleição do Presidente da República, não é verdade?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Desculpe, mas não é exacto. Esta regra passava a ter uma excepção.

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É que vamos ter a Assembleia transformada em órgão singular, ou, pelo menos, mono...

O Sr. Presidente: - Não, não é isso. A inteligência do Sr. Deputado Miguel Galvão Teles suprirá a brevidade da fórmula que eu utilizei. Significa que está, obviamente, fora do âmbito de aplicação do princípio da proporcionalidade a eleição do Presidente da República.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não há aplicação possível.

O Sr. Presidente: - Também não há aplicação possível, se o círculo for nacional, estar a adequar um número de eleitores...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas é que eu joguei aí com duas proporcionalidades, salvo erro.

O Sr. Presidente: - V. Exa. percebeu, mas obrigou-me a explicitar, e eu explicitei.

O Sr. António Vitorino (PS): - É que de facto o problema que existe é que a única razão para se entender que hoje o legislador ordinário não pode criar um círculo nacional em cúmulo com os círculos distritais existentes é a redacção do n.° 2.

O Sr. Presidente: - É a redacção do n.° 2?!

O Sr. António Vitorino (PS): - Como não há um duplo recenseamento, isto é, não há um recenseamento para o círculo nacional e um recenseamento para os círculos regionais ou distritais, mas há um recenseamento único, oficioso e obrigatório, o que há é, na vossa proposta, o que se pressupõe ser o duplo voto. Assim, ter-se-á, forçosamente, que conciliar o n.° 2 com o n.° 1, se a vossa proposta vier a ser aprovada.

O Sr. Presidente: - É facto exacto, mas VV. Exas. compreenderão. Isso é o que eu chamo uma adequação puramente resultante...

O Sr. Almeida Santos (PS): - VV. Exas. ao fazerem uma proposta deverão adequar a ela o texto constitucional. Todos, aliás, fazemos isso. A vossa proposta não o faz!

O Sr. Presidente: - Muito bem. Então, V. Exa. quer deixar registado em acta - e não me importo de o registar- que nós não fizemos essa adequação.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E VV. Exas. não se opõem a ela?

O Sr. Presidente: - Não nos opomos a ela. Mas fazemo-lo com a humildade a...

O Sr. Almeida Santos (PS): - ... a que nos habituámos.

Risos.

O Sr. Presidente: - A que vos habituámos não. A que nos habituámos.

O Sr. António Vitorino (PS): - É que há adequações que são meramente decorrentes e há outras que têm margens de adaptabilidade.

Página 1277

4 DE OUTUBRO DE 1988 1277

O Sr. Presidente: - Perdão, mas aqui há que ver que isto não tem - e nesse sentido peço imensa desculpa - significado político. O significado político não existe neste caso, porque é óbvio que, se houver a admissibilidade de um círculo nacional, pela natureza das coisas, não pode ser aplicado o n.° 2, e, portanto, a única coisa que VV. Exas. podem dizer é isto: do ponto de vista da correcção da formulação do preceito, o preceito precisa de ser corrigido. E eu digo que é verdade, mas agora não há nenhuma dúvida - penso eu - e, por isso, há pouco referi, ironicamente, o problema da proporcionalidade aplicado à eleição do Presidente da República, pelo que, como toda a gente entendeu, esta é uma daquelas interpretações correctivas que mesmo os estudantes de Direito no 1.° ano da Faculdade o fazem.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Apesar disso, o PSD não o fez.

Risos.

O Sr. Presidente: - Só que o PSD dispensou-se de fazer essa correcção relegando para os trabalhos ulteriores a redacção final.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Presidente fez um bom esforço!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, afigura-se-me que a proposta do PSD para o n.° 1 é compatível com o n.° 2 do actual texto, desde que o número de deputados a eleger pelo círculo nacional seja metade do número de deputados à Assembleia da República. Nessa medida a proposta do PSD e o n.° 2 são compatíveis, do meu ponto de vista, se o apuramento dos resultados para a conversão em mandatos do círculo nacional for obtido pelos restos. Aí aceita-se, plenamente, o que está no n.° 1, ou seja, a faculdade.

O Sr. Presidente: - Mas não pode ser feita com os restos!

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Nesse caso há incompatibilidade.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Como já expliquei, as normas têm um âmbito de aplicação, e é evidente que, para mim, o âmbito de aplicação, a ser aprovada a nossa proposta, e a usar a lei ordinária a faculdade que é aberta pelo n.° 1 da nossa proposta, naturalmente que o n.° 2 terá que ter uma correcção.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Mas eu não proponho a correcção.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, permita-me que lhe faça ainda uma pergunta. Supondo que o lado do meu partido que é favorável à criação de um círculo nacional acabe por se impor àquele que entende que não deve ser criado, eu perguntava se o PSD estaria aberto a que o círculo nacional não possa, na lei ordinária, consumir os círculos não nacionais. Se é aceitável uma limitação desta ordem, isto é, desde que o número de deputados pelo círculo nacional não fosse, por hipótese, superior a um quarto do número total dos deputados?

O Sr. Presidente: - Não estou em condições de lhe dizer, porque isso exige uma maior reflexão, se o número não pode ser superior a um quarto ou superior a outra percentagem qualquer.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Um quarto é uma hipótese para nós.

O Sr. Presidente: - Mas estou aberto à consideração de uma garantia, em termos de Constituição, em relação ao número de deputados a ser eleitos pelo círculo nacional, isto é, o problema fundamental que V. Exa. põe, que é o de haver uma garantia que o círculo nacional não consuma, digamos assim, os deputados dos círculos distritais...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Consumir, consome sempre. Mas além de certo ponto, anula.

O Sr. Presidente: - Não consuma em termos que tornem inviável o funcionamento do sufrágio proporcional, que acabem por alterar radicalmente o sistema etc.., então digo que estamos abertos a isso, e se é esse o propósito de encontrar uma fórmula equilibrada e de por esta via não virmos a esvaziar o conteúdo dos círculos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é o propósito. Seria, se viesse a colocar-se essa questão, uma condição em nosso entender indispensável.

O Sr. Presidente: - Penso que, independentemente da discussão que terá de se fazer sobre a concretização quantitativa da garantia. Esta ideia de garantia em si é perfeitamente aceitável.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Ficaria em 50%?

O Sr. Presidente: - É um número possível, mas sobre isso não gostaria de estar a avançar uma hipótese que necessitaria de alguma reflexão. O princípio enunciado pelo Sr. Deputado Almeida Santos parece-me aceitável e razoável. Quando foi feito o projecto, eu próprio elaborei uma hipótese que assentava numa ideia de divisão cujo máximo seria 50%, mas pode ser menor.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Quanto menor for o número de deputados a eleger pelo círculo nacional mais se afecta o princípio da proporcionalidade.

O Sr. Presidente: - Mas repare, tomando por hipótese 250. O problema tem importância também, por isso há pouco referia, em relação ao número de deputados à Assembleia da República. Estes são actualmente 250, metade de 250 são 125. Num círculo nacional único, 125 deputados, ao lado dos outros círculos, chamemos-lhes distritais por comodidade, é um círculo muito vasto em que não há dúvidas quanto à propor-

Página 1278

1278 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

cionalidade do sufrágio. Mas também não penso que haja dúvidas, se em vez de 125 forem 100 ou 80, como não há dúvidas em relação aos círculos distritais em que são muito menos deputados. Por aí não vejo dificuldades. O problema que o Sr. Deputado Almeida Santos estava a opor era ao contrário. Era, pela via do aumento do número de deputados do círculo nacional, a distribuição em relação aos deputados de círculos chamemos-lhes por comodidade distritais, ser de tal modo reduzida que pusesse em causa o princípio da proporcionalidade. Mas nós já vimos que no continente há círculos que elegem 4 deputados e nem por isso se entende que é posto em causa o princípio da proporcionalidade. Evidentemente, se for um deputado, é posto em causa por aquela consideração que há pouco referi a propósito da eleição de órgãos unipessoais. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Está a utilizar dois aspectos da proporcionalidade. Está a utilizada na definição do número de deputados, isto é, na correspondência entre o número de deputados e o número de eleitores, e, por outro lado, a considerar a proporcionalidade no resultado.

Não era para isto que eu pedia a palavra. Era sim para, em primeiro lugar, dizer que pessoalmente não me oponho à existência de um círculo nacional único, embora tenha de reservar a minha posição em função de outro tipo de considerações, pois num juízo final apenas pode ser - e não estou a falar de um círculo nacional único, mas sim de um círculo nacional a acrescer - emitido no fim.

O Sr. Presidente: - Sim, um círculo nacional a acrescer aos outros.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Embora tenha de reservar as considerações finais, pois parece-me que em matéria eleitoral tudo acaba por ter de ser visto em conjunto, chamaria apenas a atenção de que, se a proposta for por diante, salvo o devido respeito, o PSD tem de rever não só a redacção do n.° 2 como a do n.° 1. Mas aí também poderemos ajudar, já que depois destes acordos todos provavelmente o que nos resta será ajudar na redacção. É evidente que não se pode dizer que os deputados são eleitos por círculos eleitorais fixados na lei, a qual pode também determinar a existência de um círculo nacional. Parece que o círculo nacional não é círculo eleitoral fixado na lei. Penso que há alguns retoques de redacção a fazer e, apesar dos acordos que o PSD fará com o PS, haverá margem para esses ajustes e teremos muito gosto em ajudar.

O Sr. Presidente: - Os acordos, os complementos escriturais serão sempre benvindos e os outros também.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Muito obrigado pelos outros.

O Sr. Presidente: - Quanto ao nome dos círculos, é necessário encontrar uma designação.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É preciso encontrar uma designação para os círculos que não são nacionais, que não são o círculo nacional.

O Sr. Presidente: - Podemos passar à discussão do artigo 155.°, que trata da mesma matéria?

Sr. Deputado José Magalhães, a sua observação é que não podemos?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não. Acompanhei intensissimamente o debate...

O Sr. Presidente: - Eu calculo!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em todo o caso como V. Exa. igualmente calculará não pretenderia manter mudez face à questão.

O Sr. Presidente: - Também imagino!

O Sr. António Vitorino (PS): - Já receava!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sucede mesmo que a mudez provisória resultou apenas de ter achado que este podia ser um bom ensejo para alcançar-mos, se este seria um dos tais pontos nos quais, como alguém dizia, há "acoruoj" fechados" com o FSD. Manifestamente, pelo que valem as indicações aqui colhidas, se valem, esta é uma matéria em que se percorre ainda terreno. Como o Sr. Deputado Almeida Santos teve ocasião de situar, há, até, diversas sensibilidades no PS, quanto a esta matéria.

Gostaria em todo o caso de exprimir alguma apreensão, não pela discussão em si (porque poderemos discutir virtualmente tudo, de todos os ângulos, poliedricamente), mas porque sucede que em regra não devemos discutir, com abstenção de antecedentes e de enquadramentos.

Ora nesta matéria os antecedentes são péssimos e os enquadramentos não são tranquilizantes. Ò PSD, como pudemos ver, tem claramente nesta matéria posições merecedoras de enorme reprovação uma vez que, por exemplo, no seu cenário, toda a questão do círculo nacional adicional, tem que ser perspectivada no quadro da diminuição do número de deputados. A não ser perspectivado no quadro da diminuição do número de deputados trata-se de uma proposta de carácter postiço, como dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, uma proposta "de cartão" para jogar naquilo que é uma ideia dissolvente da instituição parlamentar, que assenta na criação da imagem horrorosa da caterva de deputados acumulando-se encostados às paredes da casa, sem nada que fazer etc., etc. Tenho este primeiro pressuposto como absolutamente sólido para avaliar a proposta do PSD.

O Sr. Presidente: - V. Exa. dá-me licença só para o esclarecer? Há pouco quando discutimos o artigo 151.° tive oportunidade de referir, e gostaria que V. Exa. tivesse estado presente, que, efectivamente, na proposta do PSD os dois aspectos, o problema do número de deputados e do círculo eleitoral aparecem naturalmente em conexão, mas também afirmei que, mesmo independentemente do problema do número de deputados à Assembleia da República, desde que naturalmente seja possível, como é óbvio para quem propõe, como nós, a manutenção do sistema proporcional, esse sistema funcione independentemente da solução que vier a ser adoptada, isto é, quer se mantenha o actual número de deputados, quer esse número

Página 1279

4 DE OUTUBRO DE 1988 1279

diminua de acordo com a proposta que fizemos, de acordo com algum número intermédio, em qualquer das circunstâncias, existem justificações para manter a ideia de um círculo nacional ao lado dos círculos distritais e a necessária ligação de uma coisa à outra não é da nossa perspectiva uma condição e uma interpretação vinculativa da nossa proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Entendo isso! O PSD não é, de facto, dominus da revisão constitucional e não pode naturalmente apostar na exigência do máximo. A eventualidade de uma proposta é a que decorre da vida humana, das circunstâncias históricas e do facto de a maioria do PSD, além de ser conjuntural, não ser de revisão constitucional. Tinha entendido esse aspecto, mas em termos de apreciação política, em termos de leitura...

O Sr. Presidente: - V. Exa. fará a que quiser.

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... da proposta do PSD, não podemos, naturalmente, deixar de considerar relevante que o PSD proponha o que propõe no quadro de um conjunto de metas que levam o Ministro Fernando Nogueira a considerar o projecto do PSD como "não maximalista", "equilibrado" e "flexível". É espantoso que considerem equilibrada uma redução tão brutal do número de deputados, acompanhada de possibilidades alargadas de manipular não só o número de círculos como também a dimensão dos círculos e de viciar por conjugação dos círculos locais ou regionais com é celebrado círculo nacional a representação proporcional genuína. Enfim, em matéria de maximalismos o PSD tem uma bitola tão grossa que acha que tudo isto é coisa modesta. Mas isso é uma questão com o PSD e naturalmente, com o Povo português...

Em segundo lugar, o PSD apresenta esta proposta docemente, aliás como uma solução facultativa. A Sra. Deputada Assunção Esteves teve ocasião de sublinhar, de forma sensibilizadora, que a norma "não era imperativa", "não determinava a criação de um círculo único adicional", "possibilitava a criação de um círculo nacional adicional". É evidente que se compreende a diferença entre uma faculdade e uma criação Ope constitutionis, mas o PSD tem maioria parlamentar ordinária... O problema está em que nestas matérias, dizer ao leão: "podes comer" ou "come", arrisca-se a ser extremamente problemático e a diferença entre uma coisa e outra imperceptível sobretudo para quem vier a ser ingerido. A lição é, naturalmente, válida para todos os humanos e também para o PS, para todos nós.

Invoquei esta história um pouco "acanibalada", porque sucede que o que está aqui em debate só é relevante com contas e é por isso que a pergunta do Sr. Deputado Almeida Santos, "ora diga lá o que restava do n.° 2 se o n.° 1 fosse aquilo que os senhores querem", é uma pergunta que só pode ser verdadeiramente significativa se for, por um lado densificada, ela própria, e por outro lado se for quantificada. E da soma entre a densificação e a quantificação que há-de resultar, também aqui, a luz. Nesta matéria são possíveis todas as contas. Ó Sr. Dr. António d'Orey Capucho, actual Ministro dos Assuntos Parlamentares tem, desde 1984 no seu computador e no papel, abundantes contas sobre esta matéria. A Comissão que foi nomeada para elaborar o código eleitoral, que o PSD usa às segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras e abandona nos restantes dias, também faz contas. É essencial fazê-las.

Relembro apenas que a Comissão do código eleitoral tinha imaginado neste domínio duas alternativas. A alternativa A previa a criação de um círculo eleitoral correspondente a todo o território nacional e círculos eleitorais parciais. Imaginava duas sub-hipóteses, na primeira os círculos eleitorais parciais coincidiam com os actuais círculos eleitorais do território nacional salvo quanto aos de Lisboa e Porto que eram divididos respectivamente em três e em dois círculos eleitorais; na segunda sub-hipótese e para além dessa divisão agrupavam-se alguns círculos eleitorais de dimensões mais reduzidas para, como se afirmava, se alcançar uma "maior homogeneidade".

Uma das características essenciais desta alternativa A, imaginada pela Comissão do Código Eleitoral, consistia na divisão dos círculos eleitorais parciais em tantas circunscrições de candidatura quantos os mandatos que lhe cabiam e aos quais correspondiam as áreas de autarquias locais, ou os seus ajuntamentos de modo a abranger o número de eleitores o mais aproximado possível entre si. O mapa das circunscrições seria elaborado pela C. N. E., os mandatos seriam conferidos aos candidatos segundo a ordem decrescente das percentagens sobre o número total de votos validamente expressos por eles obtidos nas respectivas circunscrições.

Quanto à alternativa B previam-se igualmente um círculo eleitoral nacional, um círculo correspondente aos eleitores residentes em Macau e no estrangeiro e 123 círculos eleitorais locais. A actualização da divisão eleitoral competia à C. N. E. Por cada círculo eleitoral seria eleito um só deputado. Por outro lado, dizia a Comissão, este sistema assemelhar-se-ia ao adoptado na RFA, visando, supostamente, realizar uma representação proporcional personalizada.

Tudo isto consta, Sr. Presidente e Srs. Deputados das páginas 16, 17 e seguintes, bem como das páginas 211 e 219 da separata do BMJ, n.° 364, que o Governo guardou ciosamente durante imenso tempo e que só a ferros lhe foi arrancado e nunca foi transmitido à Assembleia da República. Requerimento após requerimento vimos recusada a transmissão da versão integral deste projecto de código eleitoral. Percebe-se realmente porquê: o Governo e o PSD querem guardar um sigilo quase impenetrável e um segredo quase impenetrável quanto ao que sejam as suas contas eleitorais. Imaginam o seu pecúlio eleitoral sem juros e até mais minguado do que o próprio capital originário e portanto querem salvaguardá-lo contra riscos, intempéries ou outras calamidades públicas que naturalmente ocorrerão, tal é a desvão da acção governamental.

Nós encaramos com a mais veemente discordância, quanto ao fio condutor e finalidades, o sonho eleitoral do PSD. A postura que diversos dos Srs. Deputados do PS manifestaram não se traduzindo num enjeitamento das propostas que consubstanciam esse sonho, suscita-nos alguma perplexidade ou alguma inquietação, conforme os casos. Consideramos ser absolutamente imprenscindível a maior clarificação possível e a maior transparência nesta matéria.

Positivas nos parecem, ao invés as preocupações aduzidas, em relação às possibilidades da distorção da representação proporcional por força da manipulação

Página 1280

1280 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

quer do número quer da dimensão dos círculos. A Constituição neste ponto já tem um conteúdo, não é vazia de conteúdo, tem consequências no que diz respeito à dimensão do círculo ao estabelecer a regra da representação proporcional, a qual seria evidentemente esvaziada de conteúdo através da proliferação indiscriminada de círculos e através da diminuição do seu número de deputados.

A observação feita pelo PSD de que se trataria de "flexibilizar" com vista à instituição "eventual e facultativa" de outros círculos, não nos tranquiliza nada, uma vez que o PSD tem consciência da sua situação e visa potenciar a sua qualidade de detentor de uma maioria absoluta, a qual em matéria de elaboração de leis eleitorais por acréscimo, só nas condições específicas do veto político, nos termos do respectivo artigo da Constituição, é que é susceptível de ultrapassagem por maioria qualificada de 2/3.

Por outro lado, algumas das implicações de certas propostas pendentes, designadamente do PS, são relevantes para podermos emitir um juízo sobre esta matéria. Sabe-se que a proposta apresentada pelo PS em relação ao bloco das questões eleitorais implica determinadas opções em relação à maioria necessária à aprovação de legislação eleitoral. O PSD, pelo contrário, assenta o seu raciocínio e os seus cenários numa visão de acção livre da sua maioria em matéria eleitoral. É evidente que as consequências disso são mais gravosas do que as que teriam outros cenários, ou outras hipóteses, mas mesmo nesses cenários e nessas outras hipóteses aventadas pelo PS não ficam afastadas todas as preocupações que temos, uma vez que entendemos que é matéria em que se justifica um consenso alargado e mecanismos de efectiva e rigorosa garantia da representação proporcional. Essa sim, é a forma mais adequada para discutir e decidir as questões eleitorais, sem exclusões e seguramente sem parti pris e sem objectivos selectivos e discriminatórios como por vezes surgem da boca de dirigentes do PSD sem nenhum rebuço. Esta prevenção também não me parece despicienda.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice- Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Gostaria de me referir às referências do Sr. Deputado José Magalhães sobre a minha intervenção e dizer que, de facto, não há que estranhar que o PSD tenha adoptado aqui uma metodologia e uma intenção legislativa de remeter para a lei a questão do círculo eleitoral nacional.

O Sr. Deputado, que gosta muito de estatísticas, há-de reparar que se há lugares da Constituição em que as remissões para a lei são constantes, são exactamente estes que dizem respeito ao direito eleitoral. Obviamente que isto se verifica pela necessidade de não imprimir à Lei Fundamental um cariz excessivamente regulamentador, e, por outro lado, de depositar no legislador ordinário a confiança de ele próprio ponderar na realidade, e mais próximo dela, o que é conveniente e o que não é, desde que salvaguardados os princípios constitucionais.

Portanto, o que o PSD aqui fez foi obedecer a uma metodologia que já está no actual texto da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, e Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves em especial, gostaria de dizer que o PSD quer o que quer, e defende-o como pode. Creio que não vale muito a pena procurar minimizar o alcance da alteração pretendida.

Neste âmbito, sabemos que a Constituição utiliza entre as suas técnicas a remissão para o legislador ordinário. Sabemos também que em matéria eleitoral essa remissão para o legislador ordinário é temperada pelo facto de o codex eleitoral constitucional ser preciso, rigoroso, nutrido, e, de forma alguma, deixar o legislador ordinário livre para desenhar o sistema como entender.

Nesta linha, poderemos referir que desde logo as aproximações ao sistema maioritário estão proscritas, por todas as formas, directas ou indirectas. Obviamente que viciando o sistema proporcional se pode chegar a resultados típicos do maioritário, e combinando, por exemplo, o sistema da moção de censura construtiva com determinadas variantes redutoras do sistema proporcional pode chegar-se aos dois elementos de afunilamento do pluralismo, isto é, institui o freio e a espora. Os analistas dos sistemas políticos e dos sistemas eleitorais estabelecem as correlações adequadas entre os dois mecanismos e os dois sistemas. Ninguém ignora esse facto.

É isso que está vedado constitucionalmente, designadamente as aproximações ao sistema maioritário por via sinuosa, as manipulações do princípio de representação proporcional, a garantia aos partidos políticos de determinados direitos e meios de defesa...

O PSD pretende reduzir drasticamente esse tipo de garantias, reduzir a constituição material quanto a esse ponto, aumentar o número de remissões e a margem de manobra do legislador ordinário.

Mais: no que diz respeito ao regime de elaboração legislativa de todos os diplomas relativos à matéria eleitoral, o PSD revela-se extremamente renitente, pelo que pude apurar no dia em que debatemos o artigo 139.° da Constituição, em reconsiderar, ou em considerar, um reforço do sistema contido no actual artigo 139.°, n.° 3, alínea g), por forma a instituir um sistema em que o próprio processo de aprovação originária da legislação respeitante a eleições pudesse ser caracterizado por requisitos de especial qualificação de dois terços.

Nestes termos, o PSD opõe-se ao reforço das garantias de intervenção consensual e alargada na elaboração dos regimes eleitorais; e pretende até o contrário, a deliberação de garantias hoje existentes. Pode assumir isso abertamente, que ninguém aqui desata aos uivos, assustado. É, aliás, normal no PSD, embora seja gravíssimo politicamente. Faz parte dos tais projectos do PSD, inspira-se na tal filosofia que rejeitamos.

Isso deve ser assumido abertamente. Por um lado, travámos vários debates acerca disto no Plenário e noutros sítios públicos. Por outro lado, o código eleitoral

Página 1281

4 DE OUTUBRO DE 1988 1281

é conhecidíssimo agora, finalmente, e sobretudo graças à acção dos partidos da oposição. Por que é que o PSD há-de tentar fazer um ar de cordeiro numa matéria em que tem uma postura leonina?

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Se o Sr. Deputado ler as propostas apresentadas pelo PSD, há-de ver que sem essas pré-compreensões as conclusões não são aquelas a que V. Exa. chega.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Suponho que, na discussão desta proposta do PSD, há algo que importa aclarar para saber exactamente o que é que se pretende.

Do meu ponto de vista, o círculo nacional justifica-se apenas para garantir uma mais rigorosa proporcionalidade, e isso pressupõe, entre outras condições, que se diga que cada eleitor dispõe apenas de um voto.

Deste modo, no meu pensamento, ou do ponto de vista da minha vontade, enquanto 'ASO da representação nacional está excluída a possibilidade de admitir que o legislador aprove um sistema eleitoral do género do alemão. Neste sistema existe o duplo voto, o que significa uma majoração do eleitor que no círculo pequeno vota no vencedor.

O Sr. Presidente: - Para uma pequena intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Lamento, mas já levámos esta discussão longe demais.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Vou fazer uma pequena intervenção para encerrar esta discussão, penso eu, e substancialmente para dizer algo em termos de resposta às intervenções do Sr. Deputado José Magalhães.

O que acontece, quanto a nós, é apenas isto: o PCP tem acusado o PSD de pretender alterações profundas, e continua a insistir na vertente da perversidade das alterações pretendidas em relação ao regime constitucional, e até em relação à ofensa dos princípios democráticos que essas mesmas alterações corporizam.

Quanto a mim, a única coisa que gostaria de dizer em nome do PSD é o seguinte: o PSD, com o sistema que existe, conseguiu alguma coisa que é extremamente difícil e que lhe deu a possibilidade de poder pensar, com legitimidade, acerca da sua alteração. Portanto, o PSD não necessitou de alterações ao sistema eleitoral para alcançar a maioria que detém, mas é legítimo da sua parte que pense se esse sistema é o ideal ou não ou se não haverá outros sistemas, em legislação comparada, que sejam igualmente bons ou eventualmente melhores.

Assim, é nesse prisma e sob este ponto de vista que trazemos à reflexão de todos, em propostas de revisão constitucional, alterações ao sistema eleitoral. Tão-só e não mais do que isto.

Daqui decorre que, em termos democráticos, em termos de legislação comparada, as nossas propostas têm de ser encaradas com a seriedade que estes temas, em termos comparados também, têm de merecer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 154.° em relação ao qual não há nenhuma proposta de alteração. A proposta de eliminação significa, no fundo, uma proposta de substituição porque consta do artigo 116.° Quando discutimos este artigo não se encontrava presente o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles... Estava? Então, vamos passar ao artigo 155.°

Relativamente a este artigo, cuja epígrafe é "Sistema eleitoral", o PSD propõe a inclusão de um inciso, no final do texto, que diz "nos termos da lei". O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia propõe uma alteração substancial, que lhe vou pedir para justificar, mas antes daria a palavra a algum Sr. Deputado do PSD que quisesse esclarecer-nos acerca do conteúdo do referido inciso. O que quer dizer aqui a expressão "nos termos da lei", se na verdade o texto actual vai ao ponto de precisar que o método utilizado é o da média mais alta de Hondt, que é um método conhecido? O que é que pode ficar para além disto?

Não referirei, quanto a esta matéria, a proposta apresentada pela Sra. Deputada Helena Roseta, porque coincide rigorosamente com a do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Como este está presente, ele justificará certamente a proposta.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Este acrescentamento que o PSD propõe não pretende de modo nenhum relativizar a força normativa tanto do princípio de representação proporcional como do método da média mais alta de Hondt.

Estes são um princípio e um método consagrados inequivocamente na Constituição que não devem ser, de modo nenhum, distorcidos ou rodeados pela lei. O acrescentamento é nem mais nem menos do que uma forma de explicação e uma espécie de benfeitoria voluptuária, no nosso entender, de remeter para a lei o desenvolvimento e a aplicação tanto do principio da representação proporcional como do método da média mais alta de Hondt, mediante uma regulamentação adequada no sentido de os pôr em prática.

Portanto, não há aqui - e pretendemos prevenir essa interpretação - a intenção de tornar "inseguros" aquele princípio e aquele método, devolvendo ao arbítrio do legislador ordinário a decisão sobre a sua aplicação. Pelo contrário, há uma salvaguarda constitucional tanto de um como do outro, mas referindo que a lei regulará e desenvolverá aquilo que constitucionalmente está dado como assente de modo inequívoco.

Assim, a proposta consiste apenas nisso, e não quer dizer que o PSD entenda que este acrescentamento seja, de facto, altamente necessário. Entendemos, sim, que ele é conveniente, inclusivamente dentro daquela lógica que já sublinhei quando me referi às intervenções do Sr. Deputado José Magalhães de todos os artigos neste plano do direito eleitoral terem o cuidado de remeterem sempre para a lei a possibilidade de ela própria dispor de modo mais adequado e ponderado acerca dos desideratos dos próprios comandos constitucionais.

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, valendo assim tão pouco, com certeza que também não fazem um grande finca-pé neste acrescento. De modo que fica entendido que vale tão pouco que talvez não valha a pena estarmos a introduzi-lo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

Página 1282

1282 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

O Sr. Vera Jardim (PS): - Os Srs. Deputados também substituíram "sistema" por "princípio". Será isto uma benfeitoria voluptuária? Suponho que não se referiu a este aspecto.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, entendo que substituir o termo "sistema" pela palavra "princípio" é enriquecedor porque o princípio acaba por ser, até do ponto de vista da interpretação, e quer ao nível da Constituição quer ao nível da lei, conformador, enquanto que o sistema tem um sentido tecnicista com menor alcance no plano da interpretação.

Isto não significa que também aí seja fundamental que deixe de se manter o termo "sistema" passando a figurar o vocábulo "princípio". Entendemos que é enriquecedor e, de facto, acaba por corroborar tudo o que eu disse acerca da intangibilidade do mesmo princípio. Portanto, isto é, na nossa óptica, um modo de melhorar e não de transformar.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sra. Deputada. Valem ambas as propostas tão pouco que talvez não valha a pena perdermos muito com elas.

Para justificar a sua proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - A minha proposta tem um pressuposto: é o de que a representação nacional deve ser um espelho de vontade nacional. Há duas ideias essenciais na proposta: a primeira é a de que haverá sempre um círculo nacional de apuramento. A segunda é a de que cada eleitor dispõe de um voto. Daqui resulta uma consequência que é a seguinte: os sistemas eleitorais concretos possíveis nos termos da proposta são vários.

Assim, afigura-se-me que esta proposta tem o mérito de incluir as preocupações da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves ao distinguir princípio e sistema. Na verdade, o princípio é o da representação proporcional, aqui naturalmente reforçado, e os sistemas poderão ser vários.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PSD nesta matéria tem a seguinte posição, tal e qual conseguimos lobrigá-la no seu projecto de revisão constitucional: pretende, desde logo, suprimir o limite material de revisão constante do actual artigo 290.°, alínea h), o qual alude especificamente ao sistema de representação proporcional. Se cotejarmos a disposição correspondente do PSD, notaremos que nela nem há sistema nem princípio. O PSD é verdadeiramente voluptuário, mas na amputação! Isto é talvez iluminador do preceito que agora estamos a discutir.

Na verdade, o legislador tem uma determinada competência nesta esfera. A Constituição reserva-a à Assembleia da República e estabelece para ela um regime exigente de reapreciação em caso de a intervenção de outros órgãos de soberania vir a originar interrupção do processo. É, portanto, evidente que a alteração mais do que voluptuária é desnecessária. O PSD tem, em geral quanto às benfeitorias, um critério tão exigente que nem as necessárias encara. Nesta matéria eleitoral, porém, revela uma inclinação mórbida que não posso deixar de acentuar.

O segundo aspecto reporta-se ao facto de ser evidente que a metalinguagem do direito eleitoral tem as suas especificidades. Sabemos, face a ela e dadas as projecções conceptuais que tudo isso tem, o que seja o sistema proporcional. Aliás, sabemos também o que são os métodos eleitorais.

Acho extremamente difícil que se consiga sustentar com êxito que aquilo que decorreria da transmutação proposta pelo PSD seria um enriquecimento. E digo isto porque entre outras coisas poderia acontecer que alguém, socorrendo-se de outro aparelho conceptual que não seguramente o direito eleitoral, viesse a dizer aquilo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia referiu, ou seja, que a Constituição se limitaria a estabelecer um mero princípio, fixando posteriormente a lei ordinária, dentro do quadro dos sistemas, qual o que se iria adoptar e, dentro deste, ainda haveria que deliberar qual o método. Assim se alargaria a margem de escolha do legislador ordinário, suprimindo-se algumas baias ou elementos enauadradores que hoje decorrem da definição constitucional. Creio, Srs. Deputados, que dito isto só muito dificilmente é que poderá considerar-se a proposta do PSD inócua. E digo isto, porque das duas, uma: ou é inócua e inútil ou não é inócua e só é útil para o PSD, tendo de considerar-se nefasta na óptica de um equilibrado e defendido sistema de representação proporcional, tal qual se encontra hoje consagrado. Não podemos, pois, acolher, com simpatia, antes pelo contrário, estas propostas apresentadas pelo PSD, sobretudo porque elas podiam proporcionar leituras como as que nesta sede acabaram curiosamente por ser feitas mesmo neste processo de revisão constitucional. Não queremos que esse risco deva ser corrido numa matéria deste melindre.

O Sr. Presidente: - Visto não haver mais nenhum Sr. Deputado inscrito para intervir, vou pronunciar-me eu próprio.

Penso que nesta matéria eleitoral se justifica alguma necessidade de uma visão de conjunto. Estamos a fazer uma abordagem das várias propostas, pelo que julgo que há necessidade de termos uma visão global de todas elas. Posteriormente, faríamos uma reflexão final e a articulação do que há de valioso em cada uma.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, registo que ninguém se pronunciou contra a minha proposta. Naturalmente que isso pode ser interpretado como não tendo ela sequer o necessário peso político para ser discutida. No entanto, julgo também que pode ser interpretado como não havendo objecção essencial a que assim seja.

Afigura-se-me, todavia, que é necessário um esclarecimento da minha parte sobre os motivos pelos quais esta proposta foi elaborada.

Nesta proposta, como é evidente, está contida uma cautela relativamente a outras propostas, designadamente a proposta que aponta no sentido de a legislação eleitoral ser revista por leis paraconstitucionais ou por leis aprovadas por dois terços na Assembleia da República. A cautela decorre do meu receio de que,

Página 1283

4 DE OUTUBRO DE 1988 1283

nesta legislatura, possa ser aprovada na Assembleia da República uma lei paraconstitucional que atenue o princípio da representação proporcional. Foi por motivo deste receio que apresentei a proposta de artigo 155.° Espero que o meu receio seja de todo em todo infundamentado e espero mesmo mais que daqui a algum tempo me possam dizer que o meu receio era injusto e que ele se não concretizou nem esteve para concretizar.

O Sr. Presidente: - A minha observação final ia no sentido da prevenção desse seu receio. A prática da Comissão é que quando uma proposta não tem mérito, cai-se em cima dela como gato a bofe. O silêncio não significa normalmente o mesmo. Houve apenas um adiar de pronunciamento sobre a sua proposta. Suponha que vem a ser aprovada a nossa proposta de que o sistema eleitoral conste de uma lei paraconstitucional aprovada por dois terços. A maior parte de tudo isto deixa de ter interesse imediato e teremos de discuti-lo nessa sede. Aliás, se assim for, a discussão tem menos importância.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A observação que acaba de fazer suscita-me uma interrogação. Com todas as reservas e interrogações que aqui ficaram demonstradas ou aludidas, o PS não deixou até agora claro como é que articula essa lei paraconstitucional sobre eleições com o "código constitucional eleitoral". Haveria redução do actual espaço normativo constitucional em benefício do espaço reservado ao legislador ordinário? Haveria diminuição do conteúdo constitucional ou haveria urna relação de complementaridade entre instrumentos normativos, mantendo-se intacto o actual conteúdo constitucional e devolvendo-se ao legislador ordinário apenas o seu desenvolvimento, a regulamentação, sem alargamento ou alteração substancial da sua margem de normação? Ver respondidas estas perguntas é fundamental, a meu ver, para podermos ajuizar.

O Sr. Presidente: - Remete-o para o sistema da nossa proposta, em que não deixam de se fazer as correcções exigidas pelas propostas que formulamos. Quando nós entendemos que uma proposta exige alteração do texto constitucional, propomos essas alterações. Ora, se neste domínio não propusemos nenhuma alteração é porque queremos que a lei paraconstitucional funcione no quadro da actual Constituição. Portanto, não esteja preocupado; não é esse o nosso propósito. Se vier a existir uma lei paraconstitucional aprovada por dois terços, discutiremos isso em sede de leis paraconstitucionais. Não propusemos nada de significativo em matéria de sistema eleitoral constitucional, o que significa que essa lei seria articulada com a nossa proposta em matéria eleitoral, que é, no fundo, traduzida na ausência de propostas específicas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, agradeço-lhe a explicação.

A pergunta decorre apenas do facto de o Sr. Deputado António Vitorino, como pudemos ouvir no início desta reunião - e por isso é que estes debates são relevantes e não inúteis ou contraproducentes -, ter sublinhado que um dos aspectos fundamentais do processo de revisão constitucional é precisamente aquele que decorre do facto de os partidos dialogarem sobre as matérias que eles próprios consideram relevantes e de, através de um processo de mútuas aproximações e de engrossamento, de posições, se atingirem soluções que não são de um partido nem de outro.

Sabemos que o PSD nesta matéria se coloca num lado da ponte. Também sabemos onde está o outro lado da ponte: está na Constituição. Se se configura alguma caminhada, ou é a caminhada do PSD para o lado da ponte onde a Constituição está (o que verdadeiramente nos parece pouco, pesem embora as excelentes pernas do Sr. Deputado Carlos Encarnação) ou então é o contrário; e sendo o contrário, só pode ser por delocação das excelentes pernas do PS para o lado da ponte onde está o PSD. Foi só esta questão que enunciei...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, tive o inefável prazer de o ouvir discretear sobre esse tema durante uma hora e um quarto. Não voltemos a isso novamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto era a concretização de uma tese e a sua aplicação num ponto chave.

O Sr. Presidente: - Eu sei, e muito hábil, aliás. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Tomaria a palavra, por um instante, ainda sobre o artigo 155.° Queria dizer duas coisas muito rapidamente em relação à discussão que aqui foi estabelecida. Preferiria, tanto quanto fosse possível, que as opções essenciais em matéria de sistema eleitoral ficassem na Constituição. Isto por uma razão fundamental, que é esta: mesmo que fique consignado que a lei eleitoral pode ser aprovada por dois terços, seja uma lei paraconstitucional ou o que for, apesar de tudo isso não a faz equivaler a uma norma constitucional. A mutabilidade permanente pode criar jogos de conjuntura, pode fazer perpassar esta matéria excessivamente de interesses; daí pensar que era bom para o sistema jurídico-político português que o essencial ficasse na Constituição. Isto por um lado e apenas em observação ao que foi dito, porque por outro lado não posso deixar de dizer que penso que, mantendo a posição que exprimi há pouco, as propostas do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e da Sra. Deputada Helena Roseta merecem uma consideração mais atenta que aquela que até agora lhes foi dada. Só não desenvolverei o ponto por esta razão, que já referi, de que me parece que as coisas têm de ser vistas todas um pouco no conjunto e é preciso ver para onde é que vamos noutros sítios. Mas, até para que não se possa dizer que ninguém se pronunciou sobre a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, quero dizer que considero que é uma proposta de extremo interesse...

O Sr. Presidente: - Sem dúvida, e isso estava implícito no que disse.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - ... e merece uma análise cuidadosa.

O Sr. Presidente: - Mas, como calcula, quando propomos uma lei paraconstitucional é para o que não está na Constituição.

Página 1284

1284 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me, Sr. Presidente, que intervenha em relação a esta questão suscitada pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

V. .Ex.a deu as explicações que considero correctas em relação à metodologia que a Comissão tem aplicado e sobretudo no ponto em que sublinhou que a não alusão a uma determinada proposta não significa senão aquilo que flua da posição de cada subscritor e de cada silencioso. O silêncio pode ser uma cautela, pode ser uma crítica velada, pode ser pura e simplesmente um non liquet, pode ser um "estamos a apreciar", etc.

Por exemplo, no caso da proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia qualquer observador reparará que nela foi suprimida a alusão ao método de Hondt e reparará que foi introduzida uma inovação absoluta no direito constitucional português, qual seja uma "cláusula barreira". Sabe-se também as implicações que tem a introdução de cláusulas barreira, ainda que a 2%, e ainda que com a excepção introduzida pelo subscritor na parte final. Quanto à cautela decorrente do n.° 1, é uma cautela que só faz sentido se for adoptada a descautela maior, que é a criação do círculo nacional adicional. Só no cenário do círculo nacional adicional é que esta cautela faz sentido (só no cenário da queda ao mar é que faz sentido o recurso ao colete de salvaguarda ou de salvação).

O que quer dizer, portanto, que a complexidade da matéria e a multiplicidade de cenários e de hipóteses aconselha a uma ponderação que tenha em conta a progressão no terreno (na nossa óptica, a não progressão alteradora daquilo que são as garantias fundamentais quanto à marcha nesse terreno). Mas não somos indiferentes à análise e ponderação das implicações da proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia. Apenas deliberámos não aprofundar, nesta sede e neste momento, as implicações dessa proposta e designadamente aqueles que são os aspectos que nela podem merecer mais reservas e que, de resto, deixei em alguma medida enunciados, de forma nenhuma esgotando a análise das implicações e dos contornos da proposta.

O Sr. Presidente: - Todos nós temos consciência dos méritos da proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia e também todos temos consciência de que o voto único só é conciliável com o círculo nacional se este for um círculo de restos e não for mais nada. Veremos isso na altura própria.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Relativamente à proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, e uma vez que acabou por se desviar o decurso da discussão em relação àquilo que o Sr. Presidente tinha proposto, não quer o PSD deixar de exprimir aqui algumas apreensões que lhe deixam esta proposta, independentemente da sua óbvia intenção de melhoramento do direito eleitoral. A primeira, e nesse sentido subscrevo o que disse o Sr. Deputado José Magalhães, é a de uma omissão expressa ao método de Hondt; a segunda, e não menos importante, é o facto de o n.° 6 desta proposta, e igualmente da proposta da Sra. Deputada Helena Roseta, vir revogar o n.° 2 do actual texto da Constituição. Na verdade, o n.° 6 cria o perigo de consagrar uma espécie de desigualdade de voto, ao estabelecer claramente a chamada "cláusula barreira". Finalmente, na última parte do n.° 6, em que se diz "com excepção dos que tiverem sido eleitos em círculos uninominais, caso os haja", não pode existir assim, com este inciso, desgarrada de um outro conjunto de disposições constitucionais que não figuram propostas aqui, sobre círculos uninominais, sobre quem os define, sobre o sentido ou as condições em que se constituem, isto é, aparece como que aqui "aturada" esta observação no n.° 6, carecendo de uma inserção contextuai que não vislumbramos. É este o nosso conjunto de preocupações, sendo que as fundamentais caem sobre a eliminação da expressão "claramente" relativamente ao método de Hondt e sobre a consagração da "cláusula barreira".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Tenho que agradecer à Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves as suas palavras. O nosso entendimento é maior que eu imaginava e fico satisfeito por isso. Se a dificuldade é o n.° 6 e a cláusula barreira, estou disposto a prescindir absolutamente dessa cláusula. Não tenho nenhum amor a tal barreira. Havendo maioria contra a cláusula barreira, sai a cláusula barreira; não há dificuldade. Até fico mais satisfeito. A referência ao facto de poder haver círculos uninominais suscita o problema de saber se o legislador quer ou não círculos uninominais. É esta liberdade que quero dar ao legislador; é a liberdade de poder decidir se há ou não círculos uninominais. A lei definirá.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas onde é que diz que será o legislador?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Está implícito, mas naturalmente a proposta pode ser alongada. Se o defeito da proposta não está na concepção, mas nos termos em que se encontra redigida, estes podem ser totalmente diferentes. Não estou nada empenhado nos termos, estou sim interessado na substância, na garantia do reforço do princípio da proporcionalidade.

É um facto que desapareceu o método de Hondt, mas este pode eventualmente ser substituído por outro melhor, mesmo do ponto de vista da representação proporcional. Mas se houver círculos uninominais, aí não pode haver método de Hondt. Foi essa a razão por que suprimi a referência a esse instrumento matemático. Nem sequer foi por ele favorecer os grandes partidos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado, não pode haver método de Hondt nem nenhum outro método de representação proporcional, pois se são uninominais...

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães fez-me uma pergunta...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi uma pergunta, foi apenas uma observação sobre aquilo que me pareceu ser um equívoco no raciocínio de base que está a desenvolver.

Página 1285

4 DE OUTUBRO DE 1988 1285

O Sr. Presidente: - Também não seria conciliável com o sistema da representação proporcional.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Do meu ponto de vista é o contrário.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão é a de saber como é que o Sr. Deputado concilia os círculos uninominais com o método de Hondt.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - A minha ideia é muito simples: é possível conciliar os círculos uninominais e a representação proporcional através do círculo nacional de apuramento e através de eleições dos deputados pelo círculo nacional pelo método dos restos. É esta a minha resposta. O sistema seria mais fortemente proporcional que o actual. E se suprimirem a cláusula barreira ainda fico mais satisfeito.

O Sr. Presidente: - Uma das minhas preocupações relativamente ao círculo nacional é a da coincidência dos dois votos. Imaginemos que não coincide o voto para o círculo nacional e o voto para o próprio círculo. A não se impedir isso, vai certamente acontecer, pois dir-se-á: "esses senhores lá de Lisboa querem mandar na gente, vou votar é nos nossos e não nos de Lisboa". E uma baralhada!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Vai acontecer", disse o Sr. Deputado Almeida Santos?

O Sr. Presidente: - Sim. A duplicidade do voto não resultará num voto unívoco no mesmo partido...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É que julguei mais normal que V. Exa. falasse no condicional, dizendo "iria acontecer". Será um lapsus linguae...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Creio que não há incompatibilidade na proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, porque a proporcionalidade de que este Sr. Deputado fala é a proporcionalidade relativamente ao total nacional de votos, isto é, a ideia do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, se bem percebi, consiste em estabelecer uma proporcionalidade relativamente ao total nacional de votos e depois fazer a repartição pelos círculos dos lugares correspondentes a cada partido ou coligação de partidos em função dos resultados apurados nestes círculos. Parece-me que a proposta precisaria talvez de um bocadinho mais de desenvolvimento nalguns pormenores, mas mesmo em relação ao método de Hondt que o Sr. Deputado referiu é evidente que, tratando-se de proporcionalidade em relação ao total nacional de votos, o tipo de método de representação proporcional perde, em boa parte, a sua importância.

O Sr. Presidente: - Não há repartição.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Pode haver necessidade de ajustamentos e problemas de restos, embora pudesse mesmo estabelecer-se para o círculo nacional que seria ponderado segundo o método de Hondt. Mas as únicas coisas que teriam de se estabelecer seriam o modo como essa repartição nacional se reflectiria nos círculos e depois uma segunda cautela: é que os círculos uninominais, se existissem, nunca poderiam ser em número tal que tornassem inviável a aplicação da proporcionalidade nacional. Diria que é uma proposta que necessitaria de ser mais trabalhada, mas mantenho que é uma proposta que merece, a meu ver, interesse, porque procura, justamente, a conjugação de um critério de proporcionalidade nacional com eleições locais, um pouco à alemã, no fundo.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Salvo que cada eleitor dispõe apenas de um voto.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Exacto. É o outro caminho para chegar à proporcionalidade.

O Sr. Presidente: - Não é um lapsus linguae. Vai acontecer, no pressuposto do resultado de que estávamos a falar. Não faça processos de intenção porque ainda é cedo!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado, só queria saber...

Risos.

O Sr. Presidente: - Quando chegar a altura falarei claro, como sempre falo.

No artigo 158.°, o PCP propõe um novo n.° 3 no sentido de que "todas as entidades públicas estão sujeitas ao dever geral de cooperação com os deputados no exercício das suas funções ou por causa delas". Quando justificar, agradecia que dissesse porquê este "por causa delas".

O PS acrescenta, no fim do n.° 1, "e ao acompanhamento e fiscalização dos actos do Governo e da Administração Pública". Parece ao PS que o único exemplo que se encontra na Constituição é o de que deve haver garantias eficazes para os deputados exercerem as suas funções, designadamente no indispensável contacto com os seus eleitores. Achamos nós que a fiscalização dos actos do Governo e da Administração não tem menor significado do que esta relação com os eleitores e, portanto, o "designadamente" deve abranger também esta hipótese.

O PSD corta o n.° 2. Dirá porquê, mas deve ter achado excessivo o cheiro regimental.

Agradecia que o PCP justificasse a sua proposta e dou por justificada a do PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesta matéria, entendemos que uma hipersensibilidade à adição de conteúdos constitucionais não tem justificação.

É evidente que a Assembleia da República tem um Regimento; é evidente que a Assembleia da República tem, até, uma Lei Orgânica - é evidente que um e outro instrumentos deveriam assegurar várias coisas, que são indispensáveis e meritórias, para que os deputados possam exercer o seu mandato. Sabemos também que a Constituição é a Constituição: a sua força normativa é suprema - eis, pois, encontrada a razão pela

Página 1286

1286 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

qual se pretende, em determinado momento, como é o caso, conferir dignidade constitucional a este ou àquele aspecto.

Lembro, aliás, que o n.° 1 do artigo 158.° rezava, na versão primitiva da Constituição, isto apenas: "os deputados não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente por virtude do desempenho do mandato". As obras feitas na primeira revisão constitucional acarretaram que o artigo 50.°, n.° 2, da Constituição passasse a absorver este conteúdo da redacção originária da Constituição e que se salvaguardasse constitucionalmente um elemento, que é uma importante garantia do livre exercício do mandato: a existência de condições, e condições adequadas ao exercício eficaz (e não qualquer exercício) das funções parlamentares. Houve claramente a preocupação de sublinhar a importância do contacto com os eleitores.

No caso, agora em debate, visa-se, por parte do PCP, alertar para uma outra situação, que já foi objecto de ponderação em sede de estatuto dos deputados e tem vindo a ser objecto de inúmeros documentos parlamentares, incluindo pareceres de comissões, sobre dificuldades que o exercício de funções parlamentares enfrenta, face ao comportamento de determinadas entidades públicas. É bom de ver que, dada a importância da Administração Pública, do sector público administrativo nas suas diversas dimensões, do próprio sector empresarial do Estado, et cetera, o facto de os deputados poderem contar, aí, com um elemento de cooperação - e não com elementos de indiferença ou, pior ainda, de obstrução - não é irrelevante. Parece-nos extremamente importante.

Quando à redacção concreta, fazemos a distinção entre a actuação dos deputados no exercício das funções ou por causa delas, A disjuntiva visa acautelar as diversas formas através das quais a acção pode ser conexionada com o parlamentar. A acção pode ser exercício directo da função, ou pode ser uma actividade instrumental que, não tendo cunho directo, imediato, não seja exercício directo e imediato do mandato. "O que é que estás aqui a fazer? Estás a exercer o teu mandato de deputado?" Perguntará a entidade interessada...

O Sr. Presidente: - Esta formulação vem da definição da responsabilidade dos titulares de cargos políticos. Aí, justifica-se o "por causa delas"; não é durante o exercício, não é a propósito do exercício, não é com uma relação vaga de conexão com o exercício. Mas não vejo muito bem esta expressão transportada para aqui.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o preceito até poderia dizer, pura e simplesmente: "todas as entidades públicas estão sujeitas ao dever geral de cooperação com os deputados". Porque, é evidente, fora do exercício das funções, a cooperação não se coloca. Quando a veste de cidadãos, ordinariamente assumidos, a questão da cooperação com os deputados igualmente não se coloca. E, se não exercem um mandato, ou não têm um mandato, a questão nem sequer existe. Portanto, é evidente que, em matéria de escorreiteza, poderíamos pôr um ponto finai onde sugere. Pela nossa parte, não temos objecção nenhuma, porque isso recobre diversas situações.

A nossa única preocupação é que, nesta matéria, a questão do aditamento não envolva nenhum argumento, esgrimido com excessivo entusiasmo sobre um alegado "regulamentarismo". Nesta matéria, das duas, uma: ou há uma clara vontade política, no sentido de enriquecer o estatuto constitucional dos deputados (o que significa, também, aperfeiçoar o estatuto constitucional da Assembleia da República, numa das vertentes em que a sua efectivação é realmente importante e, de resto, prestigiante - é o único caminho possível para o prestígio da Assembleia da República e para o dos deputados, individualmente tomados), ou não existe essa disponibilidade. Nós batemo-nos pelo objectivo de enriquecimento. Estamos, aliás, de acordo com a proposta também apresentada pelo PS, nesta matéria, adianto já isso.

Qualquer vezo em relação a um enriquecimento deste ponto da Constituição diminui a própria instituição parlamentar, desvaloriza a própria actividade dos deputados e responde mal às dificuldades verdadeiramente existentes.

Avaliando a implantação no terreno da instituição parlamentar, um dos aspectos que mais chocantemente se tem evidenciado é, precisamente, o da dificuldade de assegurar uma absorção da existência do deputado como elemento interveniente, como agente político, como sujeito de direito político. Vezes sem conta, nos contactos com o exterior, nos contactos com as mais diversas autoridades, na própria definição de regras protocolares quanto à participação de deputados em actos públicos, continuamos a encontrar sequelas, manifestações, por vezes mal assumidas, mal percebidas, de um determinado espírito desvalorizador da função, do mandato e, no fundo, eunuquizador da própria intervenção do deputado, considerado como criatura excrescente. O Governo é tudo, porque manda e dá subsídios, o deputado é nada, porque fiscaliza e faz requerimentos -eis uma dicotomia simplória, completamente errada do ponto de vista do nosso direito constitucional, mas demasiado presente em algumas práticas que conduzem ao caucionamento desse tipo de juízo e que fazem com que seja mais conhecido, em certas circunstâncias, o deputado "Conde de Abranhos" do que o deputado que procura, em cooperação com entidades públicas e, por vezes, rompendo dificuldades, exercer o mandato, colocar as questões decorrentes das suas posições, ideias e até sonhos, e exercer funções de fiscalização - coisa que se tem provado extremamente difícil.

Creio que qualquer consenso que contribua para alterar tal estado de coisas seria valorizador. Não resolveria tudo, como é óbvio, seria pouquíssimo; não seria aqui que iríamos encontrar a grande, grande alavanca de Arquimedes para resolver os problemas da instituição parlamentar em Portugal e dos deputados, singularmente tomados. A questão das condições de trabalho, por exemplo, encontra-se no estado de efectivação que todos podemos observar saindo desta sala e descendo as escadas. Mas, se não alcançamos o Céu, pelo menos não desçamos ao Purgatório - estabeleçamos alguma margem de enriquecimento. Creio que é uma boa causa!

O Sr. Presidente: - Devo concluir que eunuquizar é tornar eunuco.

Página 1287

4 DE OUTUBRO DE 1988 1287

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o contrário disso não pode ser!

O Sr. Presidente: - Castrar?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente, não é virilizar, Sr. Presidente!

Risos.

O Sr. Presidente: - Emascular?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, são bons sinónimos para tão maus tormentos...

Risos.

O Sr. Presidente: - O abuso do sufixo "izar". Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Quase lamento que o Sr. Deputado José Magalhães tenha sido tão exuberante na justificação da sua proposta, porque não me permite apoiá-lo como gostaria - tenho de ser mais modesto no meu apoio (claro que falo a título pessoal). Em todo o caso, penso que já se caminhou no bom sentido, com a amputação da parte final da proposta do PCP; mas havia uma outra questão que eu queria levantar em relação à proposta do PCP, apesar de que o princípio me parece de acolher, e que é a excessiva amplitude contida na expressão "todas as entidades públicas"; pois conheço algumas que, parece-me, manifestamente deveriam estar fora do dever geral de cooperação - até pela natureza das suas funções. Por conseguinte, talvez fosse uma solução remeter para a lei ordinária a regulamentação de quais as entidades públicas que estariam sujeitas a tal dever, ou melhor, de como umas e outras estariam sujeitas ao dever geral de cooperação. Em todo o caso, o princípio parece-me salutar e queria manifestar a minha opinião favorável a este princípio.

Em relação à proposta do PS, também me parece ser uma benfeitoria o aditamento proposto - esta é uma função nobre do parlamento, é uma função essencialmente democrática, e penso mesmo que aqui neste inciso reside muito a concretização da democracia; não que passemos a agir diferentemente do que fazemos, mas é bom que isto aqui figure. Falo em termos' pessoais, mas parece-me bem.

Quanto à proposta do PSD, a minha colega Assunção Esteves justifica-la-á.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A nossa versão oficial, do ponto de vista da aceitabilidade desta proposta, é idêntica à versão pessoal do Sr. Deputado Sousa Lara. Na verdade nada é de mais para dignificar os deputados e, através deles, dignificar a Assembleia da República, como órgão por excelência do sistema democrático; o n.° 3, nesse sentido, é bem-vindo. O PSD não se referiu a tal acrescentamento, porquanto há um artigo na Constituição, que é o artigo 159.°, a alínea d), referente aos poderes dos deputados, em que, na primeira revisão constitucional, houve já o cuidado de aditar à palavra "requerer" a palavra "obter" "do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato" - o que subentende um dever de cooperação com os deputados, por virtude do exercício do seu mandato.

Seja como for, dada até a necessidade de reafirmar a importância e a dignidade do Estatuto do Deputado e o valor que tem no quadro da democracia, e atendendo às objecções que o Sr. Presidente, deputado Almeida Santos, coloca relativamente à expressão "ou por causa delas", não achamos por demais que a Constituição aqui, de novo, refira este dever de cooperação, embora em nosso entender tenha mais de agradável do que de útil, porquanto esse dever está implícito e deduz-se facilmente da alínea d) do artigo 159.°

O Sr. Presidente: - Aqui estão propostas que mereceram consenso, menos quanto à eliminação do n.° 2. Depois de esta garantia cá ter estado, e dado que é, no fundo, o querer assegurar-se a inconstitucionalidade em caso de omissão, embora não nos batamos por isso, veríamos com bons olhos que cá continuasse.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Uma das preocupações fundamentais, quando comecei a minha intervenção, era a de referir essa questão, mas esqueci-me. A consagração expressa deste dever pode pôr o problema de qual é, de facto, a sanção que existe para a omissão da observância deste dever geral de cooperação.

O Sr. Presidente: - Se ficar a remissão, que o seu colega propôs, para a lei geral - com a qual eu concordo, porque isto não pode ser uma norma de aplicação directa, portanto teria de haver uma remissão -, a lei geral depois dirá quais são as consequências da violação. Estes deveres gerais, que aparecem muito na lei portuguesa, não se destinam a ser normas sancionatórias; são um princípio mais ético do que jurídico, mas que, no fundo, têm muito significado. Sou favorável à afirmação de alguns deveres, onde eles são justificados, mesmo que não venham a ter uma sanção muito clara. Também não estou a ver a possibilidade de concretizarmos esta sanção disciplinar, mas a única hipótese que haveria seria essa.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Nas relações jurídico-administrativas podem-se levantar alguns problemas quanto à omissão do dever de cooperação... mesmo que sejam, por ora, mais intuídos que previstos.

O Sr. Presidente: - Isso ficava para a lei.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Queria, precisamente, alertar para a margem de conformação do legislador ordinário nesta matéria, embora creia que uma das vias apontadas pelo Sr. Deputado Sousa Lara pode conduzir rapidamente a escolhos que teríamos dificuldades em ultrapassar. Se a Constituição, em vez de estabelecer um dever geral de cooperação abrangendo o universo das entidades públicas, fizesse ela própria distinções e subdistinções nesse universo para identificar os segmentos que seriam titulares desse dever, entra-

Página 1288

1288 II SÉRIE - NÚMERO 41-RC

ríamos em distinções especiosas e bastante perigosas. Mais ainda: até consagraríamos a ideia, implicitamente, de que certas entidades públicas não estariam sujeitas ao dever de cooperação com os deputados. Parece-me que há uma fórmula muito simples de se ultrapassar isso.

O Sr. Presidente: - "Todas as entidades" é igual a "as entidades". Gramaticalmente, se disser "as", é igual a dizer "todas".

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, Sr. Presidente. Mas o problema que o Sr. Deputado Sousa Lara colocou foi o de se avançar no sentido de seleccionar já, em sede constitucional, as entidades que pudessem estar sujeitas a esse dever. Creio que talvez tenha entendido mal. A afirmação é susceptível de ser interpretada noutro sentido - o de ser a lei ordinária a definir o elenco preciso dessas entidades. É evidente que se chegará a isso, mas com uma preocupação de generalidade; se se disser "as entidades" - o artigo definido, feminino, plural, é expressivo. Por outro lado, a remissão para a lei permite as adequadas distinções. Mas, aí, a fixação de excepções é susceptível de ser feita nos estritos termos que a hermenêutica constitucional faculta e tem implicações.

O Sr. Presidente: - Mas um dever genérico de cooperação não pode ser objecto de listagem. Ou é genérico, ou não é!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! Esse é também o meu entendimento.

O Sr. Presidente: - Se fizermos uma listagem, não é genérico. De qualquer modo, devo dizer que, mesmo que não se diga nada em matéria de sanção, sempre a violação de um dever destes, quando grave, há-de caber na margem residual da responsabilidade disciplinar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio; isso foi colocado, aliás, pela Sra. Deputada Assunção Esteves.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Só para dizer, como de costume brevemente, que em geral, em princípio, estou de acordo - portanto, dou o meu apoio tanto à proposta do PCP como à do PS, porque creio que são positivas, independentemente da formulação exacta que venha a adoptar-se. Julgo que o Sr. Deputado Sousa Lara, quando fez reservas quanto a algumas entidades, estaria a pensar nos tribunais. Talvez se encontre uma fórmula para isso: de acordo com a natureza das suas próprias funções, ou qualquer coisa desse género. Quanto à proposta do PSD, relativa ao n.° 2, compreendo a razão para retirar daqui o n.° 2, porque carrega, de facto, um pouco a Constituição; mas também não deixo de ser sensível à argumentação do Sr. Presidente, deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Dado que já são 20 horas, proponho que retomemos os trabalhos às 15 horas e 30 minutos de amanhã.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 20 horas.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 5 de Julho de 1988

Relação das presenças dos senhores deputados

Rui Manuel P. Chancerele de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles (PRD).

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×