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Segunda-feira, 17 de Outubro de 1988 II Série - Número 44-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 42

Reunião do dia 8 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão dos artigos 170.° a 172.º e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso titulo, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), José Luís Ramos (PSD), Rui Salvada (PSD), Carlos Encarnação (PSD) e Maria da Assunção Esteves (PSD).

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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 5 minutos

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos com a análise do artigo 170.°, em relação ao qual há uma proposta do PCP. Esta proposta apresenta um novo n.° 7, que refere que "a lei define as formas e demais condições de exercício da iniciativa legislativa pelos cidadãos em matérias que não devem ser objecto de leis com valor jurídico reforçado nem tenham carácter tributário ou internacional".

O n.° 4 da proposta do PS refere que, "no uso da sua competência legislativa, o Governo não pode aprovar decretos-leis que no essencial correspondam a projectos ou propostas de lei definitivamente rejeitados, nem revogar ou alterar o conteúdo essencial de leis que a Assembleia da República tenha aprovado, até ao termo da sessão legislativa em que tiverem ocorrido a rejeição ou a aprovação, respectivamente". Este número destina-se, pois, a pôr alguma ordem na competência legislativa concorrencial entre a Assembleia da República e o Governo e a evitar o pingue-pongue "hoje revogo eu, amanhã revogas tu".

Por lapso, não dissemos o que é que acontece aos actuais n.ºs 4, 5 e 6.

Os deputados da Madeira, que são habituais subscritores de propostas de alteração no que diz respeito às regiões autónomas, introduzem no n.° 1 o inciso "bem como, no respeitante às regiões autónomas, aos respectivos parlamentos". Hoje não se diz "parlamentos", mas sim "assembleias regionais". É, pois, uma questão de nomenclatura.

No n.° 2 também substituem a actual expressão "assembleias regionais" por "parlamentos regionais".

No n.° 4 acrescentam o inciso "excepto, quanto a este, às propostas dos parlamentos regionais". É o problema da caducidade.

No n.° 5 referem: "As propostas de lei caducam com a demissão do Governo ou, quando da iniciativa de um parlamento regional, com o termo da respectiva legislatura". Este n.° 5 também refere "parlamento regional".

O PCP quer justificar esta sua proposta de alteração?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que se trata de uma proposta importante.

A instituição de uma forma de iniciativa legislativa popular nem foi considerada no processo de formação do texto originário da Constituição da República nem na primeira revisão constitucional. Os problemas que na altura levaram a que tal instituto não viesse a ter consagração são, suponho, susceptíveis de reapreciação, à luz não só do processo de evolução da instituição parlamentar em Portugal como também daquilo que têm vindo a ser as formas de exercício do direito de petição, os problemas relacionados com a apreciação e a tramitação das representações apresentadas pelos cidadãos, individual ou colectivamente, e com próprio modo como a iniciativa legislativa corrente (tal qual é impulsionada pelos deputados, pelos grupos parlamentares, pelo Governo, pelas regiões autónomas) tem vindo a introduzir dinâmicas de produção legislativa.

Sabemos que essas dinâmicas não são susceptíveis de ser sensivelmente alteradas pelo facto de se propiciar aos cidadãos que, organizadamente, apresentem propostas legislativas. No entanto, a instituição de um mecanismo deste tipo afigura-se-nos, neste momento, redobradamente pertinente e insusceptível de ser objecto de alguns dos argumentos críticos que no passado foram invocados.

Há vários partidos que propõem a instituição de soluções referendarias e alguns mesmo soluções de tipo plebiscitário.

No caso do PCP não se trata disso, não se trata de instituir mecanismos referendados. Trata-se tão-só de permitir - em condições que a lei haverá que definir, e tomando como exemplo próximo o da Constituição espanhola - modalidades de iniciativa legislativa popular.

Ò PCP propõe, desde logo, a adopção de cautelas quanto ao objecto, excluindo certo tipo de matérias. Digo, desde já, que o elenco dessas matérias e a forma de definição que escolhemos são, evidentemente, uma base de trabalho apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP. Outras técnicas delimitativas, outras fórmulas poderão ser utilizadas.

Quanto às condições de exercício da iniciativa legislativa, é evidente que o próprio Regimento da Assembleia da República terá de estabelecer formas e garantias que definam, por um lado, as condições mínimas para que o direito não seja inteiramente esvaziado de conteúdo e, por outro lado, que confiram à Assembleia da República as prerrogativas bastantes para que possam gerir a própria articulação entre a iniciativa legislativa popular e a iniciativa das entidades que têm direito de iniciativa legislativa plena.

É evidente que não cabe à Constituição a articulação de todo este regime com os mecanismos de fiscalização de constitucionalidade das próprias iniciativas legislativas, com as garantias de recurso contra a não admissão indébita de iniciativas deste tipo, com os requisitos mínimos quanto ao número de assinaturas necessárias à propositura, etc. A resolução destas e de outras questões tem que ter assento na lei ordinária ou no próprio Regimento da Assembleia da República,

Repito: trata-se de enriquecer a panóplia de meios de participação nas instituições representativas, sem prejuízo, naturalmente, do perfil e das regras basilares de funcionamento destas. Apenas formularíamos o voto de que, estando em reapreciação pelos diversos partidos com assento nesta Comissão a problemática do entrosamento entre formas de democracia directa e democracia representativa, este enxerto da iniciativa de cidadãos no coração da instituição parlamentar possa ser olhado a outra luz, numa atitude bem distinta daquela que, em tempos pretéritos, marcou e assinalou negativamente o debate sobre essa questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, a questão sobre que versa o nosso novo n.° 4 já esteve em discussão nesta Comissão. Essa questão foi susci-

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tada por uma proposta do PCP, que, na ocasião, tive oportunidade de considerar excessivamente radical. Parece-me que a que agora apresentamos é, apesar de tudo, uma proposta que, embora vise responder ao mesmo tipo de preocupações, é mais prudente. O que, no fundo, dizemos é que resulta para o Governo uma incapacidade legislativa para aprovação de decretos-leis que correspondam, no essencial, a iniciativas legislativas definitivamente rejeitadas pela Assembleia da República até ao termo da sessão legislativa em que tenha ocorrido essa rejeição. E aí há igualmente uma inabilitação para o Governo revogar ou alterar o conteúdo essencial de leis que a Assembleia da República tenha aprovado até ao termo da sessão legislativa em que a mesma tenha ocorrido. Trata-se, no fundo, de uma medida orientadora, para evitar aquilo que o Sr. Presidente já designou por pingue-pongue legislativo, e que decorre da existência da competência concorrencial entre a Assembleia da República e o Governo. No entanto, reconheço que os critérios que o nosso próprio texto adianta deixam alguma margem de indefinição, na medida em que quando se diz que o Governo não pode aprovar decretos-leis que, no essencial, correspondam a projectos ou a propostas de lei definitivamente rejeitados, sempre se terá de remeter para uma actividade do intérprete a determinação do que será esta correspondência "no essencial". O mesmo se diga em relação às iniciativas legislativas que revoguem ou alterem o conteúdo essencial de leis que a Assembleia da República tenha aprovado.

Seja como for, o que se pretendeu aqui foi assinalar uma ordem de preocupações, uma directriz de conduta ao Governo.

As iniciativas legislativas aprovadas pela Assembleia da República em matéria de competência concorrencial devem ter um período em que possam mostrar o que valem, estando protegidas da interferência do Governo pela via da alteração ou pura e simples revogação por decreto-lei. Por outro lado, o princípio da economia processual leva a que neste mesmo artigo se consagre que .uma iniciativa legislativa que tenha sido rejeitada não possa ser rejeitada no decurso da mesma sessão legislativa. O mesmo princípio da economia processual milita no caso da proibição que passa a impender também sobre o Governo. Assim, o Governo não poderá emitir decretos-leis que correspondam, no essencial, a projectos ou a propostas de lei definitivamente rejeitados.

É esta a explicação para a proposta apresentada pelo Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Não vemos nenhuma razão para que a Assembleia da República não possa retomar até ao fim da sessão legislativa uma proposta rejeitada e no entanto o Governo, no dia a seguir, possa fazer o que o Parlamento não pode. Não tem lógica! Sobretudo se se tratar de uma assembleia onde predomina uma maioria absoluta. Como é? Rejeita aqui e vai aprovar acolá?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que o interrompa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, a primeira parte até tem algum senso, mas essa justificação não se aplica à segunda parte da proposta do PS, que visa alterar o conteúdo essencial de leis que a Assembleia da República tenha aprovado.

O Sr. Presidente: - Só até ao fim da sessão legislativa, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Qual é a rã tio? Não é a mesma?

O Sr. Presidente: - No fundo, é não criar esta situação, que vai gerar, com certeza, alguma perturbação no funcionamento dos órgãos de soberania. A Assembleia da República hoje diz "isto é vermelho", o Governo no dia a seguir diz "não, isto não é vermelho, é branco". A Assembleia da República há-de ter, com certeza, tendência para retorquir: "lá está o Governo a dizer que isto é branco, quando realmente é vermelho", e revoga no dia seguinte. Isto pode gerar situações destas! Com maioria absoluta o risco é menor, mas o contra-senso reforça-se! Mal se compreende, com efeito, que essa maioria num lado vote vermelho e no outro vote branco. Suponhamos que não há maioria absoluta, mas sim relativa, que há um governo minoritário. A corda tem de partir pelo mais fraco. Nesse caso também se compreenderia a regra recíproca de dizer "se o Governo hoje fez um decreto sobre isso, a Assembleia da República não pode fazer o contrário no dia seguinte"!...

Só até ao fim da sessão legislativa, tem senso. Pode ser, no máximo, um ano! Como é óbvio, nunca será, porque nunca é aprovado no primeiro dia da sessão legislativa. Portanto, são cerca de dez meses, no máximo, o que não é perturbante!

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de colocar uma questão relativa à sistemática.

Gostaria de saber se com o n.° 4 da proposta do PS é substituído o actual n.° 4 ou se o actual n.° 4 passa para n.° 5.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. É que há aí uma falha. Há que alterar a numeração: o n.° 4 passa a n.° 5, o n.° 5 a n.° 6, e assim sucessivamente.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Exacto, Sr. Presidente. Havia, então, uma "gralha".

O Sr. Presidente: - O n.° 4 da proposta dos Srs. Deputados da Madeira diz respeito à não caducidade dos diplomas regionais pela circunstância de se ter chegado ao termo da sessão legislativa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação ao projecto n.° 10/V, penso que as propostas mereceriam uma apreciação mais desagregada.

Quanto à última norma proposta pode suscitar-se, realmente, algum problema - aliás, historicamente já se suscitou -, não só em relação à resposta a dar à situação que aqui está equacionada como quanto a saber qual o valor jurídico das propostas apresentadas por um determinado parlamento regional quando ocorra a dissolução da Assembleia da República.

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Há que saber se estas mantêm a sua validade perante o parlamento seguinte, se carecem de ser renovadas, etc.. A questão talvez mereça alguma contemplação. Penso que é uma questão relevante, porque toca no aperfeiçoamento das relações entre as instituições, inserindo-se numa zona em que se trata apenas de discutir os efeitos da caducidade ou, então, os decorrentes da dissolução de um e outro dos órgãos.

Creio que vale a pena dedicar a isso alguma atenção. Provavelmente, os Srs. Deputados da região têm sobre a matéria alguma resenha de situações concretas de que poderíamos beneficiar...

O Sr. Presidente: - Parece-me que neste caso também se justificaria uma segunda reflexão mais aprofundada.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, tenho muitas reservas em relação ao n.° 4 do artigo 170.° proposto pelo Partido Socialista. Percebe-se que há nesta proposta um certo sentido de ordem pragmática, mas também é verdade que a questão não é bem a que o Sr. Presidente levantou, ou seja, a de que a proibição valeria apenas durante um ano. Se quisermos aprofundar estas possibilidades, todos os anos, no início da sessão legislativa, qualquer partido, desde que a Assembleia da República maioritariamente o decida, pode vetar liminarmente a possibilidade de o Governo, anualmente, aprovar tais diplomas. Numa sessão legislativa a Assembleia da República pode decidir num determinado sentido e, assim, inibir o Governo até ao fim da respectiva sessão legislativa; na sessão legislativa seguinte a Assembleia da República pode novamente tomar uma iniciativa semelhante e, portanto, inibir o Governo no segundo ano. Pode, por passos sucessivos, vetar essa possibilidade.

O Sr. Presidente: - Era preciso tomar iniciativas para as chumbar sucessivamente. É a caricatura do fenómeno!

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Por outro lado, trata-se de uma competência exclusiva do Governo...

O Sr. Presidente: - Exclusiva, não, Sr. Deputado. Só no domínio da competência concorrencial. Em relação à competência exclusiva o problema não se coloca.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sim, Sr. Presidente. No entanto, o Governo tem competência para aquela matéria.

O Sr. Presidente: - Tem também competência para aquela matéria, Sr. Deputado.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Exacto, Sr. Presidente. Há aqui um limitar de uma competência que a Constituição confere ao próprio Governo.

Tenho dúvidas sobre a bondade, em termos de eficácia, da actuação do Governo nesta matéria. É que até a própria redacção refere "que no essencial correspondam a projectos". Na segunda parte volta a referir esta terminologia: "alterar o conteúdo essencial de leis". Desde logo, a palavra "essencial" gera interpretações dúbias e, portanto, difíceis de concretizar na prática. Penso que este preceito pode criar muitas dificuldades e limitar, de algum modo, os poderes que constitucionalmente o Governo tem desde o momento em que é aprovado o seu programa, mas que através deste preceito são limitados.

O Sr. Presidente: - Repare que tinha de ter sempre...

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Isto acaba por anular os efeitos, por exemplo, da ratificação. A Assembleia pode sempre, no caso de o Governo vir a legislar sobre esta matéria, pedir a ratificação da decisão ulterior do Governo. Ou seja: a própria Assembleia acaba por poder sanar a posteriori uma decisão que este preceito acaba por querer resolver a priori.

O Sr. Presidente: - Mas o que queríamos evitar era ter de recorrer a todos esses instrumentos e ocupar os dois órgãos de soberania com matéria que é perfeitamente dispensável, porque a Constituição já hoje limita a Assembleia da República, e só por esquecimento é que não limita o Governo. O constituinte diz: "Assembleia: pronunciaste-te sobre isto, só depois de um período de reflexão é que podes dizer 'sim' onde disseste 'não', ou vice-versa." E diz ainda à Assembleia: "até ao fim da sessão legislativa não legislas de novo sobre esta matéria."

E não diz o mesmo para o Governo! Ora o que acontece é que a Assembleia não pode fazer hoje o que o Governo pode fazer no dia seguinte. Quanto à segunda parte, justifica-se alguma reserva. Quanto à primeira, não compreendo. O ilogismo é total. Quanto à referência ao essencial, tinha de ser assim, porque é evidente que se não estivesse cá seria fácil meter um artigo que a Assembleia chumbou num texto que tem dez outros artigos e pretender que a matéria é outra!

Trata-se de reduzir o risco de conflitualidade entre órgãos de soberania que têm de colaborar. E sobretudo de evitar que aquele que é fiscalizado possa corrigir o que o fiscaliza sem que este tenha a possibilidade de se corrigir a si próprio. Não tem lógica! Na segunda parte admito que possam pôr reservas, porque, aí sim, há uma restrição, há uma sobreposição do "feito" pela Assembleia relativamente ao "a fazer" pelo Governo. Na primeira parte é corrigir um ilogismo puro e simples.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - V. Exa. concordará que há um perigo muito grande da vigência desta norma em relação a governos minoritários, que a Constituição prevê e admite, pois um preceito desta natureza iria criar sérias dificuldades a um governo minoritário que numa determinada conjuntura nacional fosse o governo desejável. E quanto a um governo desse género, um preceito desta natureza pode torná-lo num governo em gestão permanente.

O Sr. Presidente: - Não estou a ver esse risco.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Queria apenas deixar registada a minha reserva em relação à eficácia desta norma.

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O Sr. Presidente: - Está registada. Mais alguém quer usar da palavra?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Cabe-me a mim tentar pronunciar-me, em nome do PSD, sobre as propostas que estão em cima da mesa, nomeadamente os projectos n.ºs 2/V e 3/V.

Quanto à proposta do PCP, o nosso entendimento é realmente desfavorável, porque entendemos que a iniciativa de lei deve competir ao que está estipulado no n.° 1 do artigo 170.° e não mais do que isso.

O Sr. Deputado proponente falou muito em democracia directa. Temos um entendimento de democracia directa que não exactamente esse. Não deve caber, em princípio, aos cidadãos a iniciativa legislativa. Podem ser atribuídos outros mecanismos que se possam conciliar com a democracia representativa, mas não até ao ponto de eles próprios elaborarem e proporem, seja a quem seja, propostas e projectos de lei. Ainda há outra questão, que é esta: não compreendo como é que o PCP, que é tão cioso da Constituição e tem tanto medo da lei ordinária, agora neste ponto, que é um ponto tão sensível, remete tudo para a lei ordinária. Ou seja, seria a lei ordinária que regulamentaria toda esta matéria. O n.° 7 da sua proposta nada diz sobre como é que essa iniciativa legislativa seria feita, apenas refere a possibilidade de uma iniciativa legislativa por parte dos cidadãos, sem ninguém saber como, apesar de falar ou estimular aí os limites dessa iniciativa legislativa. Julgo, no entanto, que isso não basta. Realmente, e apesar de não concordarmos em termos de fundo com a proposta, trata-se de uma contradição do PCP que convém realçar. A nossa posição é, de princípio, contra.

Quanto ao projecto do PS, julgo que, como já foi dito, há duas partes distintas. Se na primeira parte compreendo a ratio disso, já não consigo compreender a segunda parte da mesma, porque há como que uma competitividade que não é salutar, bem pelo contrário. Trata-se de uma restrição por parte do Governo, e depois ainda é preciso ver que acabamos por diminuir a eficiência do instituto da ratificação sem qualquer razão para isso. E, continuando a falar no conteúdo essencial, conseguiria entender isso na primeira versão, ou seja, que se dissesse que uma lei rejeitada na Assembleia da República não pode, no essencial, ser retomada, agora ao contrário, ou seja, alterar o conteúdo essencial de leis que a Assembleia da República tenha aprovado! Não consigo entender sequer quanto à expressão "alterar o conteúdo", quanto mais à que refere "alterar o conteúdo essencial"!

O Sr. Presidente: - É também o problema de não haver coincidência. O problema é o mesmo.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O problema será o mesmo, mas como não é exactamente a mesma situação, é uma situação diferente que restringe ...

O Sr. Presidente: - Se não ser exactamente a mesma situação pudesse destruir a regra, era sempre fácil meter lá mais um artiguinho e estava salva a Pátria. Fazia o contrário do que a Assembleia tinha feito, e depois metia-lhe no final mais dois ou três artigos e já não era rigorosamente igual. Tem de ser a retoma, no essencial, do que for rejeitado, ou vice-versa, compreende?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Eu compreendo, agora não estou é totalmente de acordo, bem pelo contrário...

O Sr. Presidente: - Compreendo que não estejam, nem são obrigados a estar.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - ... porque realmente são situações completamente diferentes quanto a alterar o conteúdo essencial.

O Sr. Presidente: - Também reconheci que são coisas diferentes a primeira e a segunda partes. A primeira tem por si a lógica, a segunda é uma alteração substancial na competência concorrencial entre a Assembleia e o Governo. É sobrepor durante um ano a primeira à segunda, quando exercida.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Há ainda uma outra questão. Suponhamos que a Assembleia, apesar de ter legislado num sentido, passado algum tempo todos estão de acordo em que deve ser alterado. Não pode o Governo, apesar de ser matéria concorrencial, alterá-la? Isto é, tem a Assembleia, por um mecanismo mais moroso, que alterá-la? Não se pode à partida entender que passados três ou quatro meses o que foi legislado ontem continue bem feito. Às vezes até pode ser que esteja em causa o conteúdo essencial disso mesmo, que não pode ser alterado por uma via mais expedita.

O Sr. Presidente: - Tudo se resolvia também de uma outra maneira. Era eliminar a regra, travão da Assembleia. Se em vez de estendermos a regra, travão ao Governo a eliminarmos para a Assembleia e deixarmos funcionar o bom senso dos dois órgãos, também serve. O que não tem lógica é a Assembleia não poder corrigir no dia seguinte o erro de um voto do dia anterior e poder o Governo fazer isso que a Assembleia não pôde. Compreende?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Mas, Sr. Presidente, isso é relativamente à primeira parte. Agora quanto à segunda! A Assembleia aprova, passados três meses a maioria da Assembleia está de acordo em que o conteúdo essencial não é o mais correcto. Tem a própria Assembleia que pronunciar-se? Poderá haver necessidade de uma alteração célere. Podem pôr-se, em termos meramente hipotéticos, situações em que até a própria Assembleia está de acordo e o Governo está completamente limitado, sem qualquer razão para que isso aconteça.

O Sr. Presidente: - Em relação à segunda?

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Exacto. Portanto, ponho as maiores reservas, e, sobretudo relativamente à segunda, não se pode fazer a equiparação, porquê falar em conteúdo essencial? Ou se, em vez de estar "conteúdo essencial", estivesse "lei da Assembleia da

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República", parecer-me-ia melhor. Tendo a expressão "conteúdo essencial" com as dificuldades de interpretação que isso levanta, julgo que seria muito perigoso.

O Sr. Presidente: - Só há duas maneiras: ou a regra se põe de parte ou não pode deixar de ser. Tem de se reportar ao "conteúdo essencial".

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sendo assim, o PSD, quanto à segunda parte tem as maiores reservas, quanto à primeira compreendemos a sua razão de ser.

O Sr. Presidente: - Mais alguém quer usar da palavra?

Pausa.

Faz favor, Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - É para me pronunciar sobre a proposta do PCP, em relação à qual espero que a Sra. Deputada Assunção Esteves não resista à tentação de fazer um novo discurso sobre pluralismo das fontes. É que as fontes têm de ter uma nascente e a iniciativa é a nascente das fontes.

Creio que o problema que está colocado pela proposta do PCP é um problema que tem paralelo em algumas constituições de países do nosso espaço geopolítico e que pode ser encarado de duas maneiras distintas. Uma é aquela por que o PCP opta, a de conferir um direito de iniciativa legislativa popular identificado como tal. Outra é a que o PS encara e que contrapõe através da proposta que fez no artigo 52.° da Constituição quanto à consagração de um direito de petição que, rodeado de especiais condições de representatividade, desse origem, obrigatoriamente, a um debate parlamentar. Entendemos que o respeito pelas instituições da democracia representativa se compagina melhor com a iniciativa do PS do que com a do PCP, na medida em que distinguimos entre a relação de um órgão de soberania (que é o Parlamento) com uma petição dotada de expressiva representatividade tendente a provocar o debate de um tema, debate de um tema que pode ou não dar origem à necessidade de adopção de iniciativas legislativas nos termos constitucionalmente consagrados, isto é, através da regra da iniciativa legislativa de deputados, e outra coisa que é a de submeter à apreciação da Assembleia da República um projecto articulado, que esteja apoiado por um conjunto de cidadãos eleitores, naturalmente com iguais condições de especial representatividade, para que pudessem ser considerados pelo Parlamento em paralelo com as petições. Inclusivamente a redacção do PCP não inculca a ideia de que o debate dessa iniciativa legislativa popular seria obrigatório na Assembleia da República, digamos que poderia acontecer a essas iniciativas legislativas o mesmo destino de adormecimento que têm tantas petições e até algumas iniciativas legislativas de órgãos externos à Assembleia da República, nos casos em que a Constituição já hoje prevê essa figura.

Penso que, em termos de respeitar os valores da democracia representativa, preferiria a solução do PS, que é a de petições, dotadas de significativa representatividade a definir na lei, darem origem, obrigatoriamente, a debates parlamentares sobre os respectivos temas. Se esses temas são suficientemente relevantes tendo em vista a necessidade de lhes responder através de actos legislativos, então seria preenchida essa lacuna através do exercício do direito de iniciativa legislativa, que cabe, desde logo, aos próprios deputados.

Quanto às observações feitas à proposta do PS, penso que o problema não pode ser resolvido recorrendo apenas ao instituto de ratificação dos decretos-leis, sobretudo quando o PSD no seu projecto lhe desfere machadadas bem mortíferas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma evidência que a proposta do PCP introduz o pluralismo de iniciativa legislativa em Portugal. A solução não conduz, porém, ao pluralismo das fontes, uma vez que na sequência da iniciativa popular se originaria uma lei como as outras, embora tendo impulso inicial diferente. Não buliríamos um milímetro sequer no quadro das fontes normativas em direito português: buliríamos tão-só no elenco dos titulares de direitos de iniciativa, que pluralizaríamos saudavelmente. Este é um aspecto que gostaria de sublinhar.

O segundo aspecto é que o PCP com esta proposta não garante mais do que a iniciativa. Não garante, como o Sr. Deputado António Vitorino argutamente sublinhou, o debate, tal como, aliás, o artigo 170.° não garante aos deputados o debate do que quer que seja. A garantia do debate tem de se fazer por outros meios. A Constituição fê-lo através da reserva de certo número de ordens do dia aos partidos, em condições determinadas, e não mais do que isso. O PCP até gostaria de reservar um maior número de sessões plenárias com vista à discussão de iniciativas legislativas dos deputados, para evitar a ocupação excessiva de ordens do dia por iniciativas exclusivamente governamentais e lograr um equilíbrio entre as iniciativas decorrentes do impulso governamental e as decorrentes dos parlamentares, o que só poderá obter-se estabelecendo alguma reserva de protecção da iniciativa legislativa parlamentar. Quanto a nós, é este um dos méritos da proposta, uma das componentes da sua flexibilidade, o que visa precisamente responder à ideia errónea de que a introdução deste instituto de alguma forma perturbaria o equilíbrio entre as fontes tradicionais de iniciativas legislativas. Parece-nos francamente abusivo (certos velhos debates deveriam estar arquivados nos armários e jazer em paz!) argumentar-se que a iniciativa legislativa popular, "embora exista nalguns países com um sistema geopolítico 'similar' ao nosso, não seria tão compatível com a democracia representativa como é o direito de petição colectiva, direito a projectar no Plenário da Assembleia da República". Creio que é uma distinção especiosa! Mais, até, creio que é uma forma menos aberta e transparente de encarar uma questão que, quanto a mim, devia ser encarada de frente. Tomemos as matrizes de sistemas que,, por exemplo, o Sr. Deputado António Vitorino inseriu no mesmo espaço "geopolítico" em que Portugal se insere. Tomemos a Constituição espanhola, para grande horror do Sr. Deputado José Luís Ramos...

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Nem sequer falei na Constituição espanhola.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não, e aliás nota-se que não a leu. A Constituição espanhola, no seu artigo 87.°, n.° 3, diz (linguagem "horrenda"): "[...] a lei orgânica [veja, Sr. Deputado José Luís Ramos, o horror!] regulará as formas de exercício e requisitos da iniciativa popular."

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O Sr. Deputado deve falar nas cousas como eu as referi.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já lá vou, Sr. Deputado, mas esse é um aspecto minudente. A questão da coerência interna é fácil de resolver. Resolvam VV. Exas. as questões da iniciativa popular, que a questão da coerência interna resolvemos nós. Já lhe explico em que é que assenta esta proposta...

O Sr. Presidente: - Sem diálogo directo, por favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - "Uma lei orgânica" - diz a Constituição espanhola - "regulará as formas de exercício e requisitos da iniciativa popular para a apresentação de propostas de lei." Serão exigidas para o efeito não menos de 500 000 assinaturas certificadas. Não é admissível iniciativa popular em matéria de leis orgânicas, tributárias ou de carácter internacional, nem no que diga respeito à prerrogativa de perdão. Eis o que dispõe a norma que citei.

Ora bem, Sr. Deputado José Luís Ramos, parece-lhe chocante o mesmo instituto desde que, por acaso, passe a fronteira de Vilar Formoso? Devo dizer que não percebo porquê. E não percebi porque V. Exa. se limitou a dizer que o PSD não concordava "em termos de fundo" e, tendo dito isto, não adiantou nenhuma razão para não concordar "em termos de fundo". Podia ter adiantado algumas (não lhe vou sugerir nenhuma, dado não ser esse o papel que me cabe), mas, em vez disso, correu rapidamente para um argumento de coerência interna: "Os senhores, que odeiam remissões legislativas, agora põem-se a fazê-las." Se V. Exa. tiver o cuidado de folhear o projecto de revisão constitucional do PCP, encontrará nesse projecto muitas remissões para a lei.

O que ocorre é que nós não optamos pela desconstitucionalização com reenvio legislativo, como faz sistematicamente o PS. Nós pronunciámo-nos aqui, sistematicamente também, contra a técnica de descarga com reenvio legislativo, não nos pronunciámos contra a técnica de carga com reenvio legislativo. V. Exa. verá, com a argúcia que não deixará de lhe ser algo peculiar nos bons momentos, que neste caso se trata precisamente de um fenómeno de carga com reenvio. A Constituição, que tem o grau zero de conteúdo nesta matéria, passa a ter o grau x de conteúdo, cabendo a densificação, o desenvolvimento e a explicitação à lei ordinária. Qualquer comparação entre isto e aquilo que motiva a nossa atitude de rejeição coerente da descarga com reenvio legislativo é, pura e simplesmente, distracção.

Por outro lado, Sr. Presidente, Srs. Deputados, gostaria de dizer que as observações do Sr. Deputado António Vitorino me sensibilizam, na medida em que consegue estabelecer uma diferença entre uma petição e a iniciativa legislativa popular - o que, a todas as luzes, se deve ter como correcto, pois uma petição é deveras uma petição e a iniciativa legislativa popular é mesmo a iniciativa legislativa popular. Excelente! É também óbvio que através de uma petição podem ser prosseguidos, em parte, objectivos de iniciativa legislativa popular. Exemplo: a população de Vizela, desejando a restauração do seu concelho, apresenta à Assembleia da República uma petição, na qual pede a criação do concelho de Vizela. No cenário ou no esquema de iniciativa legislativa popular, a população de Vizela, mediante subscrição de um número determinado de assinaturas (repare-se que no caso espanhol são 500 000, no caso português não adiantámos nenhum número prima fade), teria de mobilizar x mil assinaturas a apresentar à Assembleia da República um projecto de lei que, em nosso entender, deveria ter algumas garantias de efectiva tramitação. Recordo, aliás, que no direito espanhol há, inclusivamente, recurso de amparo contra a não admissão indébita ou infundamentada de iniciativas legislativas populares (de resto, em torno desses casos de recurso de amparo se têm travado alguns importantes debates com razoável impacte político mas com o seu significado próprio em termos de direito constitucional). Quer isto dizer que existem diferenças e semelhanças e que a opção por um ou outro esquema não se deveria fazer em termos dicotómicos: petição ou iniciativa popular? Não, petição e iniciativa popular!

Recordo que, além da proposta do PS que o Sr. Deputado António Vitorino enunciou, existe uma proposta do PCP no artigo 52.°, n.° 3, que reza precisamente que "a lei fixa os casos em que as petições colectivas dirigidas à Assembleia da República devam ser apreciadas pelo Plenário". Partilhamos, portanto, a mesma preocupação em relação à apreciação pelo Plenário da Assembleia da República de petições colectivas. No entanto, parece-nos que há espaço para duas realidades e não apenas para uma. Compreendo que a realidade "petição" pode vir a consignar algumas das características que, saudavelmente, se projectam na nossa ideia de iniciativa legislativa popular. Só que deficientemente, só que parcelarmente. Aliás, sensibilizados por milhares de assinaturas, vários deputados, ou até um deputado, podem sempre vir a apresentar um projecto de lei que obrigue, na sede própria e com vista à criação de uma lei, à apreciação de uma pretensão justa das populações.

A nossa proposta visa uma abertura relativa do sistema, a efectuar sem prejuízo das dinâmicas normais dos poderes do Governo, do poder de autodeterminação do Parlamento, da sua própria autonomia, que em nada é ferida por uma proposta deste tipo, bem como dos poderes regulamentares. Creio que talvez fosse tempo de deixarmos de fazer uma chaveta em que se põe, de um lado, a democracia representativa (fechada) e, de outro lado, a iniciativa legislativa popular (exilada). Talvez fosse tempo de terminar com esse exílio e de fazer um enxerto de um instituto no outro, enxerto esse que o legislador ordinário determinará que grau e que fórmula deverá assumir e de que cautelas deverá ser rodeado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de salientar que o Sr. Depu-

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tado José Magalhães, ao comentar as posições do meu companheiro José Luís Ramos, fez uma ameaça velada, complicadíssima...

Vozes.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Essa ameaça consistia em não só continuar a defender, tão bravamente como o tem feito até agora, as suas posições, como também em começar a defender posições nossas contra si. De facto, quando referiu que poderia citar vários argumentos, mas que não o faria necessariamente, para defesa da posição do Sr. Deputado José Luís Ramos, fiquei assustado, porque pensei: "Bom, agora vou passar a ouvir o Sr. Deputado José Magalhães não só a defender as suas próprias posições mas também a defender as posições que os outros deveriam defender!" Ora, isso, Sr. Deputado José Magalhães, muito embora tenha muita consideração por si e o queira ouvir todos os dias o mais possível, era de mais para mim!

Relativamente à substância daquilo que estamos a tratar, creio que em àparte, que não ficou registado na acta, dizia também o Sr. Deputado António Vitorino que eu me estaria a tornar especialista (coitado de mim!) da Constituição espanhola. Não gostaria de deixar passar sem um reparo esta referência à Constituição espanhola - aliás, já tencionava fazê-lo. O que acontece é que em dois artigos próximos da Constituição espanhola, que, como é evidente, foram também proximamente discutidos, pois são matérias relativamente conexas, houve duas preocupações (uma da parte do PS e outra da parte do PCP) de verter para o articulado do nosso texto constitucional preceitos, ideias ou aflorações desta Constituição, que o Sr. Deputado Vitorino diz, e muito bem, ser uma constituição mal feita. Mas, para além de ser uma constituição mal feita, segundo o Sr. Deputado António Vitorino...

Vozes

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu depois explico, pois não me convinha ficar impossibilitado de entrar em Espanha nas próximas férias.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Com certeza. É apenas uma opinião de um constitucionalista eminente sobre uma constituição. É perfeitamente livre de a ter e só nesta medida é que eu a cito. De modo algum pretendia suscitar qualquer incidente diplomático entre os Estados português e espanhol a propósito do Sr. Deputado António Vitorino e dos seus comentários à Constituição espanhola.

Mas dizia eu que foram buscar justamente à Constituição espanhola duas ideias, uma das quais num caso que, citei ontem, ou seja, aquela que, no fundo, está na essência das leis paraconstitucionais. Todavia, o PS esqueceu-se de casar o n.° 1 do artigo 81.° com o n.° 2 do mesmo preceito, uma vez que, e de acordo com aquilo que ontem discutimos, tive oportunidade de salientar que, se havia um elenco inicialmente limitado e possivelmente expandido das leis orgânicas, tal como as definem os Espanhóis no artigo 81.°, n.° 1, o facto é que a sua aprovação, modificação, etc., poderiam ser sempre feitas por maioria absoluta do Congresso e não por maioria de dois terços. Esqueceu-se o PS deste pequeno ingrediente, quanto a nós importantíssimo, na definição das leis orgânicas...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não esquecemos; o que se passou é que não quisemos...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não quiseram... Melhor ainda!

No caso do PCP e da sua intervenção inovatória quanto à iniciativa legislativa popular, também se esqueceu o PCP de uma parte importante daquilo que vem consignado no artigo 87.°, n.° 3, da Constituição espanhola, já citado pelo Sr. Deputado José Magalhães. De facto, V. Exa. não citou a necessidade de se exigirem as 500 000 assinaturas...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Citei, citei! Li palavra a palavra o preceito espanhol. Até sublinhei que as assinaturas têm de ser certificadas, acreditadas!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Na resposta que posteriormente deu ao Sr. Deputado José Luís Ramos citou depois o número. Mas o número é essencial, e o número não está na vossa proposta...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado quer meter um número na nossa proposta? Faça favor!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado, o que eu dizia é que esse número significa, a meu ver. uma verdadeira incapacidade de. em termos hábeis, esta disposição ser exercida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado está enganadíssimo! A experiência espanhola prova o contrário!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Exa. tem todo o direito de dizer que estou enganadíssimo, e eu tenho todo o direito de dizer que estou certíssimo. Como é evidente, é nisso que estamos em posições diversas. Quanto a mim, parece-me que esta disposição não é mais do que, como V. Exa. por vezes diz, uma intenção pia que aparece na Constituição espanhola e que, com toda a certeza, terá muita dificuldade em ser exercida.

Acresce - e isto são meros comentários às duas intenções e às duas elaborações sobre estes dois artigos da Constituição espanhola que o PS e o PCP apresentaram - que nós entendemos que a democracia representativa se deve sobrepor às formas de democracia directa. Não tenho dúvidas nenhumas em dizer-lhe isto, é este o nosso princípio geral.

Como, por outro lado, entendemos que o direito de petição já pode, como V. Exa. também fez referência, consumir parte do efeito útil de um preceito como este, não consideramos de maneira nenhuma necessário que a iniciativa legislativa popular qua tale seja configurada na nossa Constituição. E nisso estamos de acordo com aquilo que acabou de referir o Sr. Deputado António Vitorino.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra A Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia apenas acrescentar algumas das nossas impressões sobre a proposta do PCP relativamente ao n.° 7.

O PSD entende que as iniciativas legislativas devem vocacionar-se a resolver o problema dos direitos e dos deveres dos cidadãos e que, a partir do momento em que o conjunto de iniciativas constitucionalmente consagrado possa cumprir esse desiderado, não haverá necessidade de criação de novas iniciativas. De facto, na sua intervenção o Sr. Deputado José Magalhães dizia que, até aqui, temos uma espécie de grau zero no que concerne à iniciativa legislativa pelos cidadãos e que passa a haver um grau x, que não atinge ainda o máximo de realização. Essa realização, diz-nos o Sr. Deputado, será devolvida para a lei, portanto alertando-nos para que o susto não deve ser assim tão grande, e que a Constituição também já não está a assumir directamente a responsabilidade de consagração da iniciativa legislativa dos cidadãos, ou então assume-a condicionalmente.

Esta nova forma de iniciativa não deve deixar de ser considerada fora do quadro das outras iniciativas e da função que desenvolvem num sistema representativo como é o nosso. A primeira questão que se deve colocar é a seguinte: a iniciativa legislativa dos deputados, dos grupos parlamentares, das assembleias regionais é ou não suficiente? A própria função desenvolvida pelos deputados e pelos grupos parlamentares em que se integram desenvolve ou não a função de levar ao órgão legislativo por excelência todos os anseios e todas as pretensões dos cidadãos, por via do mecanismo representativo?

Creio que uma pergunta que gostaria de fazer directamente ao Sr. Deputado José Magalhães poderia elucidar de certo modo aquilo que pretendo tentar esclarecer sobre qual é a nossa posição nesta minha curta intervenção. É a seguinte: entende o Sr. Deputado que, tendo em conta a redacção do n.° 7, se a lei não definir as condições de exercício de iniciativa legislativa pelos cidadãos, dentro daquele grau x a que V. Exa. se refere, estamos aqui perante uma hipótese possível de criação de condições de arguição de inconstitucionalidade por omissão? Isto é, será que os cidadãos podem dizer que não encontram outra via de realização dos seus direitos que não por via da criação de uma lei que não está criada, sendo a lei a que define as condições de exercício da iniciativa legislativa pelos cidadãos? É que esta pergunta cria-me uma resposta que, em meu entender, é também clara: não haveria aqui lugar a inconstitucionalidade por omissão, o que constituirá a prova da desnecessidade de criação de um novo tipo de iniciativa legislativa. Isto é, os cidadãos teriam satisfeitas as suas pretensões por via do esquema representativo e, designadamente, através eventualmente da intervenção dos deputados ou dos grupos parlamentares que satisfizesse a necessidade de os cidadãos verem realizada determinada pretensão em determinado sentido, esvaziando, portanto, qualquer justificação da possibilidade de arguição de uma inconstitucionalidade por omissão.

Ainda bem que o PCP adoptou esta fórmula de remissão para a lei, que, como o Sr. Deputado diz, em nada é fluida (creio que foi o termo que utilizou), mas considero também que isto nada acrescenta à Constituição em termos de cumprimento daquilo que as iniciativas legislativas têm por função levar a cabo. Portanto, congratulo-me pelo facto de esta fórmula estar aqui, na medida em que me permitiu, do meu ponto de vista pessoal, esta questão, que acaba por me resolver o problema de eu perder quaisquer dúvidas sobre a suficiência ou não suficiência das iniciativas legislativas já consagradas no texto actual. Esta questão é, pois, uma pergunta concreta: entende ou não o Sr. Deputado que haveria aqui justificação suficiente para a arguição de inconstitucionalidade por omissão, na hipótese de a lei não regular estas condições de acesso dos cidadãos?

O Sr. Presidente: - Com a franqueza com que costumo colocar as questões, perguntaria também ao Sr. Deputado José Magalhães o seguinte: não acha que uma solução deste tipo reduz o papel dos partidos e corre o risco de reforçar o caciquismo? Não pensa que esta solução pode fazer incorrer a iniciativa legislativa no risco de estar baseada em interesses de grupo e não no interesse nacional e que pode acontecer coisa semelhante ao que tem acontecido com a criação de freguesias e cidades? Não considera que se corre também o risco de o "sim" ou o "não" da Assembleia da República ser determinado pelo risco de posições mais ditadas pela preocupação de agradar aos proponentes do que a de defender o interesse nacional?

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, relativamente aos contornos da proposta, tive o cuidado de sublinhar que ela tinha - quanto aos próprios limites da iniciativa, ao regime, às condições - a maior flexibilidade imaginável. Apresentámos uma formulação, mas sobretudo apresentámos uma ideia. Estamos inteiramente disponíveis para considerar todas as formulações que materializem essa ideia. Isto é uma resposta directa ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, no que diz respeito à não fixação de uma cláusula barreira quanto ao número de signatários. Não se nos afigurou correcto adiantar um número, mas, evidentemente, não estamos indisponíveis para fixá-lo, desde que haja um mínimo de impulso colectivo para esse efeito.

Idem, aspas, em relação às delimitações do objecto. Muitas das questões colocadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos são susceptíveis de resposta similar à anterior, tendo em conta que o autor do texto constitucional neste ponto pode ele próprio estabelecer salvaguardas e cautelas, por exemplo, furtando, de entre os possíveis objectos de iniciativa legislativa popular, determinadas matérias, designadamente algumas daquelas que o Sr. Deputado invocou. Dar-se-ia, assim, resposta aos riscos que também foram enunciados.

O terceiro aspecto refere-se à "sobreposição" da democracia directa à democracia representativa. A sobreposição é nula, se o legislador for sábio. E o legislador será sábio se fizer os adequados enxertos e entrosamentos, se souber articular a pluralidade de iniciativas com a garantia da efectivação e normal tramitação das diversas iniciativas, garantido a não colisão, o não

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prejuízo em termos de trabalho legislativo, garantindo até medidas de harmonização que impeçam, por exemplo, o monopólio dos debates na Assembleia por iniciativas puramente governamentais, como hoje se verifica (as mais das vezes sob forma de autorização legislativa). Se o legislador souber fazer tudo isto, nenhum risco de colisão se verificará e acontecerá uma conjugação correcta, harmoniosa, entre a intervenção directa dos cidadãos e o funcionamento normal das instituições representativas.

Eis o que tem sido possível noutras ordens jurídicas! O Sr. Deputado Carlos Encarnação tem o dever ético de não ser um cultor apenas da dogmática jurídica e interessar-se, pelo menos vagamente, pela sociologia jurídica. Pois peça três ou quatro dados sobre a aplicação do artigo 87.° da Constituição espanhola, e verificará quais têm sido os casos em que ele tem sido aplicado, apreciará o debate, extremamente interessante, dos aspectos procedimentais nas Cortes, suscitados pela tramitação destas iniciativas, os recursos de amparo originados. É um apaixonante tema, que revela que, embora o número que citou seja um número polémico, e foi-o historicamente na experiência espanhola, a realidade espanhola não foi a de uma sepulcral não utilização do instituto. E há outros afloramentos do problema (que, pura e simplesmente, não me caberia transmitir-lhe nesta sede, porque, como bem sublinhou, não seria essa a minha função) que, com as adaptações adequadas, poderiam ser igualmente fecundos entre nós.

Em relação às questões suscitadas pela Sra. Deputada Assunção Esteves e pelo Sr. Deputado Almeida Santos, creio que fizeram ambos as interrogações clássicas nesta matéria, A primeira é a interrogação em torno da "suficiência" ou "plenitude" das iniciativas legislativas constitucionalmente consagradas. Cifra-se normalmente na interrogação: "Mas então não há já iniciativas que cheguem?" E segue assim: "Nem a Câmara tem verdadeiramente a vis necessária para dar vazão às iniciativas que há." "Os deputados vêem aglomeradas nas gavetas parlamentares as suas meritórias iniciativas legislativas". E digo eu: "As assembleias regionais, por último, até já as vêem, pura e simplesmente, não admitidas pelo Presidente da Assembleia da República, e a maioria recusa-se a fazer outra coisa que não seja confirmar esse tipo de rejeições - há, neste momento, um bloqueamento da iniciativa legislativa das regiões autónomas com indeferimentos liminares depois corroborados pela maioria parlamentar!" Srs. Deputados: a "suficiência" das iniciativas legislativas, neste momento, deve ser lida sempre com um pouco de proviso e de pimenta, uma vez que há práticas perversas em proliferação acelerada. Creio que essa interrogação é um sofisma, porque à chacun sa place: é evidente que há um lugar para a iniciativa dos deputados e há um lugar para a iniciativa do Governo - que, como se sabe, é gordo .e acentuadamente prolífico -, e deveria haver também lugar para a iniciativa legislativa popular. É essa a nossa ideia, que nos parece tanto mais fundada quanto nem sequer dizemos a dimensão da gaveta, do lugar onde a iniciativa legislativa popular deveria alojar-se. É deixada essa opção ao legislador ordinário com a sua sageza, tão incensada pelo PSD.

Coloca-se aí a segunda questão da Sra. Deputada Assunção Esteves: "Os anseios ou pretensões dos cidadãos não encontram já adequada vazão?" Srs. Deputados, esta é uma interrogação que oculta a necessidade de fazermos o teste da realidade nesta matéria. Só há verdadeiramente uma forma de se saber isso: é consagrar a norma e ver os resultados. Não me refiro às questões de produtividade do Parlamento, que motivaram ontem mais um descontrole do Sr. Primeiro-Ministro à saída de Belém, com críticas à suposta "falta de produtividade" da Assembleia e outras diatribes críticas ao funcionamento do Parlamento. Não entro sequer na reflexão sobre a medida em que a Assembleia, na sua produção legislativa, satisfaz os anseios e pretensões dos cidadãos - desconfio que os cidadãos, em particular os trabalhadores, não estão muito satisfeitos com o facto de o PSD satisfazer a pretensão patronal de liberalizar os despedimentos. Mas, mesmo entrando em linha de conta só com o facto de haver, seguramente, petições que sejam apenas iniciativas legislativas frustradas (há aí petições - até nesta Comissão de Revisão Constitucional - que são uma forma de veicular verdadeiras iniciativas legislativas - refiro-me concretamente à petição apresentada pelo MDP/CDE em matéria de revisão constitucional), porquê não fazer o teste da realidade?

Isto me conduz à última das questões da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves: "Mas, se a lei não definisse condições adequadas para a iniciativa, estaríamos perante uma inconstitucionalidade por omissão?" Depende. Isto é, nuns casos poderia haver inconstitucionalidade por omissão, noutros casos poderia ser inconstitucionalidade material, pura e simplesmente. Podem situar-se dois tipos de hipóteses: nuns casos a abstenção total de legislar, noutros casos não haveria abstenção de legislar, mas uma legislação que não daria satisfação mínima ou desarticularia ou inviabilizaria a própria efectivação do mecanismo. Creio que se nós consagrássemos uma medida destas, um tipo de iniciativa com este cunho, então haveria que se retirar disso todas as ilações, incluindo as situadas no plano da inconstitucionalidade.

Não seria, em todo o caso, possível sustentar, como aqui foi sustentado, que estão repletas e satisfeitas as possibilidades de dar resposta aos anseios e pretensões dos cidadãos pelas iniciativas legislativas "clássicas", e sustentar ao mesmo tempo que é melhor não consagrar este instituto, porque a lei poderia defraudar ou, pura e simplesmente, não acautelar, na prática, a sua efectivação, o que teria consequências. Bizarro argumento!

Em suma: Entendo que deve ser consagrado o instituto, com todos os efeitos jurídico-constitucionais.

Também as interrogações do Sr. Deputado Almeida Santos são as interrogações clássicas.

O Sr. Presidente: - Eu sou um pouco clássico!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lamento dizer que também receberá a resposta clássica nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Qual é?

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vejo que seja possível sustentar que, respeitadas as adequadas cautelas, a proposta do PCP bula no que quer que seja com o papel dos partidos.

O Sr. Presidente: - Cautelas quer dizer riscos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para que serve o direito se não para isso! Não se diga é que o PCP reforça o caciquismo ou que a proposta promove interesses de grupo.

O Sr. Presidente: - Ai não, não reforça o caciquismo! Transforma o cacique em legislador. E depois diga que não reforça!

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos está agarrado ao famoso missing link dos estudiosos da origem das espécies. O Sr. Deputado Almeida Santos dá um salto entre o elo n.° 1 e o elo n.° 10! Ou seja: está agarrado a um elo inexistente, dá um salto no vazio.

O Sr. Presidente: - Não dou, não! O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá!

O Sr. Presidente: - Não dou! Considere isto: um cacique com iniciativa legislativa é um cacique reforçadíssimo, que põe a sua proposta de lei a recolher a assinatura de todos os seus trabalhadores, todas as pessoas a quem emprestou dinheiro, todas as pessoas sobre quem tem influência, e toma uma iniciativa para defender um interesse próprio, quando muito um interesse de um pequeno grupo, que não tem nada a ver com o interesse nacional. Isto é uma evidência potencial, e a prova disso é que a iniciativa legislativa difusa é rara nas democracias. Quando se consagra, ou se exigem, 500 000 mil assinaturas, ou se lhe põem tais travões, no fundo, é querer consagrar uma coisa e, ao mesmo tempo, evitá-la. Então tenhamos a coragem de a evitar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, essa é uma argumentação deveras grandíloqua e nobre. Só que, por azar, o PS propõe no artigo 52.° uma coisa que conduz ao mesmo.

O Sr. Presidente: - Oh, tão diferente, tão diferente! É um substitutivo razoável do valor que está aqui em causa! Democracia participativa - excelente! Mas sem destruir o princípio da representação. £ a regra das democracias: o povo escolhe os seus representantes e exerce a sua vontade através deles. Com a vossa proposta os partidos ficariam reduzidos a bem pouco e seriam confrontados com problemas gravíssimos, porque, às tantas, toda uma região defendia um ponto de vista e era depois difícil a Assembleia recusar-lhe aprovação, porque vinha com milhares de assinaturas. É claro, se queremos instituir a "bagunça", é um excelente sistema para a instituirmos; se queremos continuar a dignificar os partidos, as instituições, o princípio da representação proporcional, a querer desestimular cada vez mais o caciquismo no que tem de mau, prenso que é uma proposta arriscada. Mas, enfim, o Sr. Deputado tem opinião contrária, eu respeito-a. Não duvido da boa intenção que está na base da vossa proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! Mas não só isso. Creio que é francamente exagerado, embora possa ser frontal, investir com tanta intensidade e lhaneza contra uma proposta do tipo da do PCP com argumentos aplicáveis, pelo mesmo critério, à proposta do PS,...

O Sr. Presidente: - Normalmente não se é tão franco. Eu tenho este raro defeito!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... com argumentos que são susceptíveis de ser recanalizados provavelmente para o terreno próprio. Saberá o Sr. Deputado Almeida Santos perfeitamente que, se vamos encarar as coisas na óptica de grupos de pressão, de lobbies, de caciques, é evidente que todos os argumentos que o Sr. Deputado Almeida Santos usou em relação a esse meio prolífico que envolve actividades organizai i vás de cidadãos podem ser usados junto de deputados e através de deputados. Mais facilmente, até: um deputado é um, as assinaturas têm de ser mil!

O Sr. Presidente: - Os males inevitáveis; nós adaptamo-nos e reagimos contra eles da forma possível. Criar outros é que...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o que eu não percebo é por que é que havemos de transformar a iniciativa legislativa popular em pára-raios condensador de todos os malefícios das sociedades plurais, de toda a espécie de conflitos e de toda a espécie de elementos, patológicos ou não, que gravitam na sociedade, incluindo os grupos de pressão, os caciques dos mais diversos tipos.

O Sr. Presidente: - Porque a democracia moderna é fundamentalmente representativa e não directa. Por alguma razão passou a ser assim. Deixou de ser "assado" e passou a ser assim.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas não foi esse o argumento que o Sr. Deputado utilizou. Usou, sim, o argumento da "perturbação" do papel dos partidos no sistema político e a sua eventual ultrapassagem.

O Sr. Presidente: - Isso seriam as consequências da alteração da qualificação da democracia. Passaria a ser directa, com todas as consequências que as democracias modernas rejeitam. Podemos regressar ao adro, sentarmo-nos de novo no chão e dizermos o que é que queremos para a freguesia ou para o concelho. Podemos voltar a isso!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, permita-me que conclua. É que não é nada disso que propomos, a título nenhum...

O Sr. Presidente: - Eu sei. Mas as caricaturas são esclarecedoras.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - A nossa proposta devolveu ao legislador ordinário toda a espécie de poderes de cautela.

Finalmente, gostaria de aludir ao "elo que falta" no raciocínio do Sr. Deputado Almeida Santos: é que entre a propositura e a lei vai o espaço da decisão política tomada pelo órgão de soberania, ele próprio. E, portanto, nada na iniciativa legislativa popular vincula à lei popular.

O Sr. Presidente: - Não vincula, mas pressiona!

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio que pressiona. Serve mesmo para isso!

O Sr. Presidente: - Portanto, reconhece que esta iniciativa deve funcionar como um instrumento de pressão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio! É mais do que de pressão, de expressão de pretensões legítimas! Pretensões a aprovação de leis pelos debutados livremente, é claro!

O Sr. Presidente: - Óptimo! Acho é que um órgão legislativo deve legislar em perfeita serenidade, sem estar pressionado por nenhuma espécie de grupos ou de interesses. Eu sei com que dificuldade nesta Assembleia se tem dito "não" à proposta de criação de novas freguesias ou de novas cidades. Quase já não há vila com uns milhares de habitantes que não seja cidade, porque não há capacidade de dizer "não". É isso que receio. E não tenho nenhuma dúvida em dizer isto ao povo. Devemos defender o órgão legislativo normal da pressão que representariam 500 000 mil assinaturas, 200 000 mil assinaturas, que poderiam subscrever uma proposta desrazoável. Podiam, nós sabemos que é assim. Porque, se em regra "a voz do povo é a voz de Deus", de vez em quando é a voz do cacique.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, tudo isto talvez fosse susceptível de ser lido noutra óptica, não fora dar-se o caso de o PS ter propostas sobre o artigo 52.° e sobre a consagração do referendo. Proponho que discutamos então nessa sede toda a problemática dos caciques, lobbies e pressões...

O Sr. Presidente: - Mas quando se trata do referendo não é o povo que propõe, são os órgãos de soberania que propõem e ouvem o povo todo. Não ouvem regiões, nem ouvem grupos, nem ouvem caciques, é completamente diferente. E também se sabe que a nossa proposta de referendo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, VV. Exas. propõem CP'DS, consultas "populares democráticas"!

O Sr. Presidente: - ... está rodeada, ela própria, de cautelas múltiplas que lhe retiram a maior parte dos riscos. Aí, sim, é o órgão de soberania, são três órgãos de soberania que se pronunciam sobre ela. Vamos lá perguntar ao povo, mas ao povo todo, não a um grupo, a um cacique, mais os seus amigos e os seus empregados, os seus trabalhadores. É diferente. Mas, enfim, respeito a vossa posição e creio que estamos esclarecidos. Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Só queria dizer duas palavras. A primeira tem a ver com uma questão de forma do Sr. Deputado José Magalhães e a segunda com a matéria que estamos a tratar.

Quanto à questão de forma, o Sr. Deputado José Magalhães aproveita qualquer intervenção da parte de outros partidos que não o seu para não só os contra-atacar, mas dizer contrariamente tudo o que eles disserem e outras coisas que não foram ditas, nomeadamente atacando-me por eu não ter referido a Constituição espanhola. Mas o meu problema é muito simples: eu não era o proponente de algo similar à Constituição espanhola. Se fosse, tudo bem. E não sou obrigado a concordar com a Constituição espanhola, como o Sr. Deputado José Magalhães não é obrigado a concordar, quando não lhe convém, com a Constituição da RFA, nomeadamente, ou assim sucessivamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro, é evidente.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não estamos aqui para isso. Mas, de todas as maneiras, queria-lhe também lembrar que, quanto à Constituição espanhola, afinal nem o Sr. Deputado José Magalhães concorda com ela, como já foi visto. Portanto, não vamos por aí. Agora, em termos de forma, o que eu lhe pedia era que, quando eu dissesse uma coisa, não desdissesse de outra maneira. Não tenho qualquer reacção do género da de alguns deputados desta Comissão, e talvez do meu partido. Se estou aqui sentado, continuarei até ao fim e não me intimida minimamente a maneira e a forma como o Sr. Deputado se refere às minhas intervenções.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso está fora de questão, como é óbvio.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Se o Sr. Deputado está convencido disso, é bom que as coisas fiquem esclarecidas de uma vez para sempre.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estão esclarecidíssimas.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Ainda bem.

E também não sei até que ponto é que o Sr. Deputado tem legitimidade para saber ou julgar da justificação ou não das posições do PSD, ou mesmo das minhas quando intervenho, como também não terei o direito de o fazer em relação a si. E era esta a questão de forma.

Quanto ao mais, interrogo-me - e isto era bom que também ficasse expresso em acta - sobre até que ponto é que esta proposta da iniciativa legislativa popular, ela própria, não é contraditória de outra coisa que até agora não foi referida. Uma coisa é o referendo, outra é esta questão: acho que só faria, ou poderia fazer, sentido falar em iniciativa legislativa popular sem pôr qualquer limite - uma vez que outras constitui-

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coes estipulam a iniciativa legislativa popular. Essa iniciativa legislativa popular não é possível se se fosse mais longe nesse sentido, e aí ninguém tem coragem para o fazer, e se propusesse mesmo que haja cidadãos individualmente considerados que se possam candidatar aos órgãos de soberania. Porque das duas uma: se há iniciativa ligislativa popular, e depois é o próprio mecanismo da democracia representativa que vai analisar as proposta apresentadas pelos indivíduos individualmente considerados, a democracia directa, nesta medida, fica completamente desvirtuada. Então por que é que não propõem também - e parece que ninguém tem a coragem para o fazer, mas aí reconheço que seria coerente - que indivíduos individualmente considerados se pudessem candidatar aos órgãos de soberania?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso está proposto, Sr. Deputado. Já foi, aliás, discutido na Comissão.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Era a outra situação e deviam-na discutir em conjunto, porque assim não entendo.

O Sr. Presidente: - Vamos ao artigo seguinte, ou seja, o artigo 171.°, em relação ao qual há uma proposta do CDS que, no n.° 4, refere que "são obrigatoriamente votadas na especialidade pelo Plenário as leis orgânicas e as leis sobre matérias previstas nas alíneas a), d) e m) ao artigo 167.°". E refira-se que, em relação ao artigo 167.°, o CDS propõe a alteração de algumas das suas alíneas. Propõe também aqui um n.° 5 que é novo, segundo o qual "a aprovação e alteração das leis orgânicas exige uma votação final global por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções".

O n.° 6 também é novo e refere que "a conclusão de tratados que comportem atribuição a uma organização internacional do exercício de competências do Estado requer a aprovação da Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções", o que, aparentemente, elimina o n.° 5. Pelo menos, não refere outra coisa.

A proposta do PS altera os n.ºs 4 e 5. O n.° 4 refere o seguinte: "As leis paraconstitucionais são obrigatoriamente votadas na especialidade, no todo ou em parte, pelo Plenário, quando tal for requerido por um décimo dos deputados em efectividade de funções." O n.° 5 diz: As leis paraconstitucionais carecem de aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, na votação final global."

Penso que esta matéria, pelo menos na parte que se refere ao n.° 5, já foi ontem e anteontem amplamente discutida.

Refere-se: "As leis paraconstitucionais são obrigatoriamente votadas na especialidade, no todo ou em parte, pelo Plenário [...]" Creio que nesta sede não vale a pena estarmos a perder muito tempo com isso.

O PSD elimina o artigo 171.°, porque pensa que ele é demasiadamente regimental. Chamo mais uma vez a atenção para aquilo que tem acontecido ao Regimento e para o risco que representaria deixarem de figurar na Constituição as reservas mínimas que a ele se referem.

O PRD exige também a aprovação por dois terços das leis previstas nas alíneas c), d), d'), f), g), h), j), m), o), q) e u) do artigo 167.°, no n.° 2 do artigo 225.° e no artigo 274.° Estas matérias carecem de dois terços para a sua aprovação.

O CDS e o PRD não estão aqui presentes para justificar a sua proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas anotar que o PCP tem também uma proposta similar à apresentada pelo CDS quanto ao n.° 6. Creio que ela foi formulada no n.° 3 do artigo 164.°

Em relação às propostas do Partido Socialista e do PRD o debate já foi consumido...

O Sr. Presidente: - Consumado, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Consumido! Suponho que ainda não foi consumado porque o debate ainda está em aberto. V. Exas. saberão isso melhor do que eu ...

Quando debatemos as leis paraconstitucionais a curiosidade estava em saber qual a reacção do PSD em relação a esta ideia da matéria ser objecto de aprovação por dois terços em todas estas fases. Como sabemos, o debate desta questão em relação à Lei de Defesa Nacional originou dificuldades interpretativas. Creio que essas dificuldades interpretativas, que estão, seguramente, na mente de muitos dos Srs. Deputados e, certamente, dos proponentes, devem ser objecto de adequada ponderação. Repito: a incógnita é tão-só a posição do PSD. O propósito, a função, as implicações, os méritos da norma são claros.

Em relação a esta matéria não posso dar o "sim" entusiástico que o Sr. Deputado Almeida Santos ontem solicitava nem, a título nenhum, o "não", uma vez que isso depende dos "sés", os quais, por sua vez, dependem da conjugação de revelações que ainda está por fazer.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nem viúvos, nem noivos!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Antes isso que mal casados, Sr. Deputado!

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, não vou, como é óbvio, discutir a questão de fundo sobre as leis paraconstitucionais - aliás, isso já foi feito...

O Sr. Presidente: - Se retomasse esse tema seria fulminado, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não o vou fazer, Sr. Presidente. De qualquer forma, há uma questão formal que gostaria de levantar e que diz respeito ao artigo 171.° da proposta do Partido Socialista. A questão que coloco é, pois, a seguinte: qual a razão de ser relativamente ao seguinte: "as leis paraconstitucionais são obrigatoriamente votadas na especialidade, no todo

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ou em parte, pelo Plenário quando tal for requerido por um décimo dos deputados em, efectividade de funções"? É que o actual n.° 3 da Constituição já estipula o que estipula. Qual a razão de ser, em termos formais, deste n.° 4?

Vozes.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Mas porquê? É uma questão de dignidade? Tal como o Orçamento, isto também deve ser estipulado assim? É esta a razão de ser?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que se pretende é não deixar isso na dependência de uma deliberação da Assembleia da República. Se for requerido, é obrigatório. É um direito que os deputados exercem, portanto não necessita de deliberação da Assembleia da República. No outro caso a Assembleia da República pode dizer "sim" ou "não". Aqui não pode dizer "não". Aliás, quando se remete para o Plenário a discussão na especialidade é em função da importância dos temas.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Isso está fora de causa, Sr. Presidente. Só lembro que, muitas vezes, pode haver mais dignidade na discussão das leis no Plenário. Porém, é mais moroso e, por vezes, nem sei até se não se torna um pouco menos dignificante. Vide o último caso da discussão do Regimento na especialidade no Plenário. Vamos ter cada uma das leis paraconstitucionais discutida na especialidade no Plenário?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Constituição tem de ser toda ela discutida na especialidade no Plenário. Como se trata de leis que estão próximas da Constituição, nós aproximámos a solução, não criando em todos os casos um regime obrigatório, mas tornando-o dependente do exercício de um direito potestativo. Não é uma coisa assim tão aberrante.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não digo que seja aberrante, Sr. Presidente. Mas o que está aqui em causa é a desconfiança.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, gostaria, mais uma vez, de fazer alusão àquilo que o Sr. Deputado José Magalhães disse há pouco.

A nossa posição em relação a todas estas matérias também é de expectativa. É que também entendemos, nomeadamente em relação à proposta do CDS, que tudo isto deve subsumir-se num conjunto mais vasto, a dirimir e a decidir em outra sede, que não apenas esta.

Não vou entrar na análise detalhada das propostas do Partido Socialista. Quanto às leis paraconstitucionais, penso que poderemos repetir aquilo que dissemos há pouco.

Apenas diria o seguinte: quando há pouco o Sr. Presidente apresentou as propostas, fez, simultaneamente, a fundamentação da nossa proposta. Na verdade, em relação a esta matéria, e por mais estranho que pareça, gostaria de lembrar, mais uma vez, a Constituição espanhola. E faço-o na tentativa de salientar o que ela diz no artigo 89.°, que refere que "a tramitação das propostas de lei se regerá pelos regimentos das câmaras", o que significa, portanto, que estas matérias são, reconhecidamente, de natureza regimental. Só uma profunda desconfiança, só um sentimento de profunda desconfiança em relação às vicissitudes próximas de alguns dos diplomas recentemente aprovados, pode justificar uma posição do Partido Socialista em sentido diverso.

O Sr. António Vitorino (PS): - A desconfiança é em relação a nós próprios e não quanto ao Sr. Deputado Silva Marques.

Quando falei em desconfiança, quando disse que há uma temática que, receio, começa a fazer escola, foi apenas para dizer que o argumento da desconfiança não é, de facto, um verdadeiro argumento, porque se trata de uma desconfiança saudável, dentro dos limites da lógica de que o próprio texto constitucional é um acto de desconfiança, e só dentro desses limites.

O argumento que o Sr. Deputado Carlos Encarnação deu é demasiado espanholado. É que no outro

Regimento está sujeito a uma maioria qualificada de dois terços e, inclusivamente, à fiscalização preventiva da constitucionalidade por parte do Conselho Constitucional. Ora a nossa proposta até é mais moderada, no sentido de que incluímos aqui algumas normas que têm incidência regimental e apenas essas. Como sabe, embora não seja essa a minha opinião, há que defender que o Regimento não é susceptível de ser objecto de juízo de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional. Enfim, esta é uma matéria que ficará a benefício da leitura global do sistema e da bondade geral das soluções.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aludindo aos trabalhos desta semana, referia um certo periódico: "Discutiram-se os artigos sobre a competência da Assembleia da República e espera-se concluir hoje mesmo esse capítulo. Sem efeito. Cá fora, os Srs. Deputados dos dois terços não decidiram sobre o assunto e a discussão lá dentro serve apenas para encher a acta. As negociações ainda não chegaram a um acordo global", disse um dos socialistas envolvidos, "posso adiantar, porém, que acordos parcelares, como o do referendo, já foram concluídos com sucesso", revelou.

Este socialista anónimo que assim se pronunciava contribuiu para gerar a ideia de que as discussões na CERC só servem para encher a acta, o que é uma coisa que, verdadeiramente, seria gravíssima se algum dia pudesse vir a revelar-se verdade. Neste momento, pesem embora as declarações do secretário-geral do Partido Socialista, dos dirigentes do Partido Socialista, e pesem embora os debates aqui tidos, não podemos emitir um juízo terminante. Em todo o caso, o Sr. Deputado Carlos Encarnação acabou há pouco de nos lançar dúvidas acrescidas sobre os riscos de que isso se possa converter em verdade. O Sr. Deputado Carlos Encarnação limitou-se a fazer mais um conjunto de soft diatribes contra algumas coisas que fazem parte da lógica do projecto do PS neste ponto, com os seus deméritos ine-

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narráveis e com as suas características cautelares, que não podem deixar de ser assinaladas. Contestou uma evidência. Se qualquer legislação há-de ser aprovada por dois terços, das duas uma: ou os dois terços envolvem uma verificação norma a norma e nos diversos momentos do processo legislativo ou, então, o grau de segurança oferecido pelo sistema é nulo, baixo, falível. Portanto, a estranheza ou a desconfiança ou é congénita, automática, isto é, de disparo não condicionado pela vontade humana, ou, então, produz-nos alguma perplexidade a posição do PSD em todo este problema, que é de enorme melindre. É evidente que aquilo que não conseguimos extrair dolorosamente no debate longo que encheu as actas de ontem é talvez excesso de optimismo admitir que o extraiamos agora, às 12 horas e 44 minutos, do Sr. Deputado Carlos Encarnação.

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema são os "sés", Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à análise do artigo 172.°

O CDS propõe para o n.° 1 do artigo 172.° o seguinte: "Os decretos-leis aprovados pelo Governo ao abrigo de autorização legislativa nos termos do artigo 168.° podem ser submetidos a apreciação da Assembleia da República, para efeitos de alteração ou de recusa de ratificação, a requerimento de dez deputados, nas primeiras dez reuniões plenárias subsequentes à publicação."

Esta proposta também é feita pelo PSD.

O CDS elimina as expressões "e no caso de serem apresentadas propostas de alteração" e "até à publicação da lei que o vier a alterar ou até à rejeição de todas aquelas propostas" no n.° 2.

O PCP propõe que se introduza um novo n.° 4, que refere que "a apreciação de decretos-leis goza de prioridade sobre a competência legislativa comum da Assembleia da República".

Portanto, a ratificação seria neste caso prioritária.

O PSD também restringe a ratificação às leis elaboradas no uso de autorização legislativa. No n.° 3 tem uma regra para limitar o tempo de suspensão decretado pela Assembleia da República: suspensão dos decretos ratificando-os. No n.° 5 tem uma norma que tende a restringir a duração do processo de ratificação.

Os Srs. Deputados da Madeira apresentam a seguinte proposta para o n.° 2: "As leis regionais no uso de autorizações legislativas ao abrigo do artigo 164.°, alínea e), podem ser submetidas a ratificação da Assembleia da República nos mesmos termos que os decretos-leis." Isto pressupõe que se consagre a concessão de autorizações legislativas às assembleias regionais, problema que terá de ser dilucidado em outra sede.

O n.° 4 que propõem é idêntico ao actual n.° 3, portanto não é mais que uma alteração sistemática.

O CDS não está aqui presente para justificar a sua proposta.

Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de procurar assegurar uma correcção de trajectória em relação à prática que o instituto tem vindo

a registar entre nós. Devolvo para o debate travado sobre o Regimento da Assembleia da República a explicitação dos meandros, pormenores, peripécias da longa travessia das ratificações no direito constitucional e na prática parlamentar portuguesa, mesmo após a primeira revisão constitucional.

Nesta sede sublinho apenas que a primeira revisão do Regimento, ocorrida em Março de 1985, e a segunda, que teve lugar há poucos dias, vieram introduzir uma significativa distorção na lógica do instituto da ratificação, conduzindo a que a apreciação de decretos-leis sujeitos a este tipo de fiscalização seja praticamente inviabilizada. O número de diplomas agendados e fiscalizados é diminuto.

Como é evidente, o funcionamento do instituto é diferente na constância de governos minoritários ou de maiorias parlamentares, e o destino, o desfecho dos processos é também diverso. Em todo o caso, aquilo que temos verificado neste ponto é uma degradação sucessiva, deslizante e, quase diria, imparável da efectividade, do impacte real do mecanismo.

Trata-se, pois, de restaurar o grau de prioridade que deveria corresponder a este mecanismo. Esse grau foi perturbado na primeira revisão do Regimento. É evidente que o levantamento dos processos respeitantes às ratificações revelará o longo conflito e a marcha penosa do instituto na nossa prática parlamentar antes e depois de 1985. Há uma linha de tendência declinante, que sofreu na legislatura passada algumas evoluções com intensificação, designadamente com um acentuado uso do instituto da suspensão (suponho que, de resto, é a resposta a isso que, um tanto retaliativamente, caracteriza a proposta do PSD).

No nosso caso trata-se de tão-só - e reservo para outro momento a apreciação das propostas do PSD nas suas diversas componentes - de procurar dar resposta a um dos problemas, qual seja o da prioridade. Em sede de Regimento, seria necessário dar resposta a muitas outras questões. Designadamente, no projecto de revisão do Regimento que o PCP apresentou estavam configuradas algumas das soluções que temos por desejáveis.

Num certo texto subscrito pelo Sr. Deputado António Vitorino chegou a ser aventada a hipótese de uma determinada interpretação da Constituição, na sequência da primeira revisão constitucional, que conduziria a um processo bastante célere de apreciação dos decretos-leis sujeitos a ratificação. Essa interpretação não colheu infelizmente qualquer êxito no resto da doutrina e menos ainda na prática parlamentar. Hélas! Teremos, pois, de encontrar por outros meios a solução para o problema que está criado. O nosso contributo é aquele que se oferece agora à atenção e ao estudo dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Em relação à proposta apresentada pelo PCP, devo dizer que é um problema de ponderação melindrosa, na medida em que o problema da prioridade conferida a esta competência de fiscalização sobre a competência legislativa comum da Assembleia da República levanta a questão

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de saber o que é a competência legislativa comum, quais são os limites e os contornos desta última e em que é que se traduziria, em termos de fórmulas regimentais, esta prevalência constitucional.

Na verdade, uma coisa é aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães referiu sobre a prioridade regimental que existia até 1985, outra coisa é a Constituição consagrar uma norma deste género. São coisas substancialmente distintas. Pergunto-me, então, se aquilo que se designa por competência legislativa comum abrange ou não o Orçamento do Estado e o Plano. Penso que abrange, embora seja feito segundo um processo especial...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas a resposta é que não abrange.

O Sr. António Vitoríno (PS): - Mas, Sr. Deputado, a resposta só pode ser afirmativa, porque se trata de competência legislativa comum, embora segundo um processo especial. Não se trata de uma competência legislativa excepcional. De facto, o termo "comum" contrapõe-se a "excepcional" e as competências legislativas comuns...

O Sr. José Magalhães (PCP): - ... contrapõem-se às especiais!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas segundo o critério da forma de processo, o que não é claro seja o critério usado neste âmbito de discussão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Se não é claro, V. Exa. pode clarificar! Aliás, Sr. Deputado, o debate desta matéria far-se-á melhor se tivermos presentes as prioridades estabelecidas no Regimento da Assembleia da República, mesmo na redacção em vigor. Nesse texto reparar-se-á que há uma preocupação de salvaguardar regimes como, por exemplo, o da declaração do estado de sítio e de emergência, de autorização para fazer a guerra ou declarar a paz ou relativamente aos debates relacionados com o Orçamento e o Plano, com interpelações ao Governo, moções de censura, de confiança, etc..

O Sr. António Vitoríno (PS): - Isso não é competência legislativa!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Portanto, ao fixar-se a competência legislativa salvaguarda-se tudo o que diz respeito aos mecanismos de responsabilidade política, como sejam as interpelações, as moções, etc..; ao referir "competência legislativa comum" o nosso projecto procura estabelecer uma diferença e uma contraposição em relação a certos processos especiais, designadamente o do Orçamento e do Plano. E óbvio que isto pode ser expresso com mais felicidade e com menos equivocidade. Estamos completamente disponíveis para tal...

O Sr. António Vitorino (PS): - Já percebi, Sr. Deputado. Tenho, entretanto, dúvidas de que a Constituição deva consagrar uma prevalência deste género, porque se trataria da única prioridade que a lei fundamental reconheceria, deixando fora dela instrumentos relevantíssimos que merecem igual ponderação de prioridade. Aliás,

a minha posição pessoal sobre o artigo 172.° é a de que o declínio a que se tem vindo a assistir do instituto da ratificação dos decretos-leis resulta do facto de haver uma banalização do recurso a este último, banalização irresponsabilizadora do seu próprio sentido e significado políticos.

Ora a revisão da Constituição, em 1982, clarificou que a ratificação podia ser pedida para recusa ou para introdução de emendas. E todos temos consciência que a esmagadora maioria dos pedidos de ratificação que têm sido feitos na Assembleia da República, desde logo, à partida, fogem ao esclarecimento desta questão magna e interlocutória que poderia justificar a adopção de distintos mecanismos de celeridade processual. Todos estamos cientes de que a proposta de ratificação tem de ser feita num curto espaço de tempo depois da emissão do decreto-lei no caso do n.° 1 do artigo 172.°, a requerimento de dez deputados nas primeiras dez reuniões plenárias subsequentes, o que pode explicar que não seja totalmente fácil apresentar propostas de alteração em toda a sua extensão nesse curto espaço de tempo. Contudo, para todos os efeitos, mesmo a não apresentação das propostas de alteração juntamente ao pedido de ratificação não deveria dispensar os deputados que suscitam a ratificação de esclarecerem, logo à cabeça, qual era a finalidade que se propunham alcançar com o seu pedido. Podia-se até prever no Regimento um período de junção das propostas de alteração em concreto, tendo em linha de conta a necessidade de clarificar os fins últimos do pedido de ratificação. Todos temos também consciência de que já hoje o desiderato fundamental do instituto da ratificação pode ser alcançado através de iniciativas legislativas avulsas, como sejam os projectos de lei de alteração, de revogação e de suspensão da vigência dos decretos-leis entretanto publicados. Portanto, os objectivos alcançáveis através do instituto da ratificação também o são através de projectos de lei avulsos. Assim, para mim, o problema da prioridade regimental é uma questão que tem pouca relevância, na medida em que, de uma maneira ou de outra, se chega aos mesmos resultados. E se os projectos de lei, fruto de tal competência legislativa comum da Assembleia da República, têm prioridade sobre a ratificação dos decretos-leis isso só constitui a demonstração de que os deputados, em vez de suscitarem a ratificação dos decretos-leis, podem-se servir de projectos de lei avulsos para alcançarem, com maior celeridade processual e regimental, os mesmíssimos objectivos. No entanto, e repito, esta é a minha posição estritamente pessoal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou muito rapidamente apresentar a razão de ser da nossa proposta.

De facto, o mecanismo da ratificação existe e não queremos, de maneira nenhuma, restringi-lo. Entretanto, o que não podemos consentir é que a ratificação sirva para poder deixar em suspenso ad eternum.

Assim, propúnhamos que se tentasse regulamentar, sem que com isso se queira dizer mais do que isso, situações que poderiam de alguma forma causar prejuízo para o andamento de matérias que, elas próprias, possam ser importantes. Se, entretanto, a Assembleia da República requerer a ratificação e, mesmo, a suspensão dos

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decretos-leis, deve decidir então sobre essas matérias nos devidos prazos, sob pena de perder o efeito dessa decisão.

O Sr. Presidente: - Verifico que sobre a proposta do PCP já o Sr. Deputado António Vitorino se pronunciou. Quanto ao resto pronunciar-se-á também, se assim o entender.

No entanto, o PS, embora com alguma abertura relativamente à necessidade de contenção na duração do período de suspensão e até do próprio processo de ratificação, estaria completamente fechado no que respeita à restrição do n.° 2 do artigo 172.° proposto pelo PSD, ou seja, o de só haver instituto de ratificação no respeitante às leis que forem objecto de autorização legislativa. De facto, o instituto ou se justifica como um todo e em relação a todas as leis ou, então, também não se justificaria só em relação a essas que acabei de referir.

Relativamente ao aspecto temporal da caducidade da suspensão da vigência do decreto-lei alvo de apreciação, prevista na proposta de alteração do n.° 3 do artigo 172.° apresentada pelo PSD, tem alguma abertura da nossa parte, mas resta saber em que termos. Não sei se o Sr. Deputado António Vitorino concorda com isto, mas penso que sim.

Srs. Deputados, visto que estão feitas as apresentações das diversas propostas sobre o artigo 172.°, finalizaríamos por agora os nosso trabalhos, que retomaríamos na próxima terça-feira, pelas 15 horas e 30 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas.

Comissão eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 8 de Julho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles. (PRD).

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