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Terça-feira, 8 de Novembro de 1988 II Série - Número 56-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 54

Reunião do dia 29 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão das propostas de artigos novos apresentadas pelo CDS - artigo 140.° -, pelo PS - artigo 112.°-A -, pelo PSD - artigo 138.°-A - e pelo PRD - artigos 276. °-A, 276. °-B, 276. °-C, 276. °-D, 279. °-A e 279. °-B -, relativas ao referendo.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Maria da Assunção Es tevês (PSD), Miguel Galvão Teles (PRD), Jorge Lacão (PS), Almeida Santos (PS), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Carlos Encarnação (PSD) e Nogueira de Brito (CDS).

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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 25 minutos.

Para o artigo 290.°, precisamos da presença do Sr. Presidente, deputado Rui Machete.

Em relação ao referendum: vamos começar por aqui? Todos conhecemos as propostas de cada um dos partidos. O que vai mais longe é o PRD, em termos de previsão concreta do que se deve consagrar. O PS diz: "Compete ao Presidente da República o direito de veto, não a decisão final." As propostas seriam formuladas pelo Governo ou por um certo número de deputados, mas teriam de ser filtradas por dois terços da Assembleia da República. O CDS comete ao Presidente da República a última decisão, por proposta do Governo ou da Assembleia, neste caso por deliberação aprovada por maioria absoluta. O PSD também comete ao Presidente a última decisão, mas, enquanto a proposta do PS é sobre actos legislativos em formação, o CDS e o PSD fazem também incidir o referendo sobre "questões de relevante interesse nacional e de transcendente importância política", na formulação do PSD. Há matérias excluídas em todas as propostas. O PRD também dá iniciativa à Assembleia da República, votada por dois terços - nisso coincide com o PS -, e a última decisão ao Presidente. Em todas as propostas o resultado é vinculativo. No caso do PRD há também referendo legislativo. Há exclusões, propõe algumas normas sobre o regime. Penso que isto é o essencial, num resumo o mais resumido possível, atendendo a que hoje é o último dia.

O CDS não está, para justificar a sua proposta. Quanto à do PS, faço eu a justificação, que é muito simples: nós entendemos que a consagração do referendo deve, nesta primeira abordagem, ser bastante cautelar, pois ainda não temos a experiência do que possa vir a ser o referendo na prática. Não queremos que ele se transforme, em primeiro lugar, num lavar de mãos por parte do Governo e da Assembleia relativamente aos mais candentes problemas nacionais - razão por que não conferimos ao Presidente da República o poder decisório. Conferimos-lhe aquilo que, no fundo, corresponde um pouco a isso, e que seria o veto absoluto. Mas, se se entender que o veto do Presidente deve ser um veto normal, aceitaremos isso, pelo preço de não ser o Presidente a ter a última palavra, o que, parece-nos, poderia chamar o Presidente a áreas que normalmente não lhe pertencem e envolvê-lo no melindre dos principais problemas nacionais. Deve, por isso, competir à Assembleia a decisão sobre o referendo. Isto porque entendemos que o referendo, sendo um acto de algum modo substitutivo do recurso a eleições, e podendo pôr em causa, em certos termos, o resultado dos actos eleitorais, deverá ser filtrado por uma maioria qualificada da Assembleia, por forma que seja o resultado de um mais alargado consenso do que qualquer lei normal. Concebemos o referendo como uma lei igual às outras, portanto só para actos legislativos; concebemos mal que se faça um referendo sobre uma lei acabada de aprovar ou mesmo já aprovada. O referendo não é concebido por nós como um instrumento corrector da actividade legislativa da Assembleia ou do Governo. O Governo deve, obviamente, ter a faculdade de propor, como entendemos que um certo número de deputados deve ter a faculdade de propor. As exclusões são de justificação fácil.

Penso, aliás, que há alguma coincidência entre todas as propostas. Mas estamos abertos, quer a ampliar as matérias excluídas, quer, de algum modo, a reduzi-las, se for caso disso e nos convencerem da conveniência em o fazer. Rodeamos de algumas cautelas a formulação concreta do referendo. Vamos ao ponto de entender que deve incidir apenas sobre uma questão de cada vez e que deve ser formulado em termos tão cautelosos que devam ser objecto de prévia fiscalização pelo Tribunal Constitucional. Isto, em resumo, é a nossa proposta. Mas estamos abertos à discussão global de todas as propostas, até porque nos parece que todas elas trazem contributos positivos. Neste aspecto, quero realçar a proposta do PRD, que é, a meu ver, de todas a mais completa. E penso que teremos de a tomar cuidadosamente em conta, embora em alguns aspectos não coincida com a nossa.

Para justificar a proposta do PSD, tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Poderei resumir o que é que justifica a nossa proposta, mas remetia antecipadamente para as considerações que fizemos no âmbito da nossa proposta de alteração ao artigo 111.° da Constituição, quando, em vez da expressão "o poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição", propusemos que se dissesse "o povo exerce o poder político através de representantes eleitos ou por meio de referendo, nos termos da Constituição e da lei". Aí fizemos um conjunto de considerações sobre o que nós entendemos que seja o papel do referendo, enxertado no respeito pelo princípio representativo, e da importância que a democracia directa pode ter, conjugada com o mesmo princípio. Tivemos ocasião de chamar a atenção para o entendimento que o PSD tem do referendo, isto é, para a não identificação dessa fórmula com esquemas plebiscitários de filosofia não democrática. O PSD entende isto num esquema de criação de uma forma nova, acrescentada ao respeito claro pelo princípio representativo, que pode ter, do ponto de vista prático e do ponto de vista da legitimidade das decisões, um papel importante e vir, em certos casos, mesmo a diluir conflitos que, na existência de algumas legislaturas, se pudessem criar a propósito de alguns temas. Portanto, remeto, como disse no princípio, para as considerações que fizemos no âmbito do artigo 111.°

O Sr. Presidente: - Para justificar a proposta do PRD, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Muito resumidamente, diria que o PRD prevê dois tipos de referendo. Um, que está na linha dos outros projectos, embora com algumas diferenças, é o referendo político, no termos do qual a submissão a referendo pertenceria ao Presidente da República, por iniciativa da Assembleia da República. Ao contrário do PS, nós seríamos bastante firmes na ideia de que a última palavra na consulta ao povo tem de pertencer ao Presidente da República; restringimos a iniciativa da Assembleia

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da República por dois terços, nesta fase, por uma razão de prudência. Ou seja: admitimos que se possa, teoricamente, aceitar que seja por iniciativa da maioria simples dos deputados, mas pareceu-nos que, sendo uma figura nova, uma experiência sem tradição em Portugal, conviria ser prudente de início.

A outra figura que prevemos, a do referendo legislativo, é substancialmente diferente e suscita alguns melindres - corresponde, na origem, a uma sugestão do Prof. Jorge Miranda. No fundo, seria um referendo a substituir o veto. Isto é: o Presidente da República, quando pode vetar, em casos particularmente melindrosos, em vez de vetar por si, consultaria o eleitorado; deixar-se-á ao Presidente da República, perante actos legislativos da Assembleia da República ou do Governo especialmente melindrosos, a possibilidade de fazer um último apelo ao povo. Reconheço que esta proposta tem alguns melindres e pode até gerar algumas situações de conflito delicadas. De resto, o nosso projecto - como o Sr. Presidente, deputado Almeida Santos, teve a amabilidade de dizer - em alguns aspectos tenta talvez ir mais longe do que os outros na regulamentação da matéria. Chamaria a atenção apenas para dois ou três pontos dessa regulamentação. Primeiro: no que respeita ao referendo político, há a previsão da aplicação, com as necessárias adaptações, do regime da inconstitucionalidade por omissão quanto às medidas de execução da decisão política. Segundo: quanto ao referendo legislativo, há um regime complicado, naturalmente, quanto à renovação do acto legislativo - mas não importa ver isso agora.

Chamaria ainda a atenção para outros dois ou três pontos.

Por um lado, introduzimos no artigo 276.°-C uma limitação ao referendo. A nossa ideia é a de que temos de avançar com prudência e que há matérias em que o referendo deve ser excluído e em que são necessárias muitas cautelas. Nas matérias que contendem com direitos fundamentais das pessoas o referendo é sempre perigoso, e, particularmente, nas matérias que contendem com as relações do Estado com outras estruturas políticas ou administrativas, designadamente com as regiões autónomas e com o poder local. O n.° 2 do artigo 276.°-C é clássico, não justifica explicações de maior.

Outro ponto que nos parece particularmente importante é a restrição do referendo ao nível nacional. O PRD proporia que, no caso de se admitir o referendo nacional, se suprimisse o referendo local. Não vale a pena esconder a razão pela qual o PRD propõe isto: é pela razão, extremamente simples, de que se houver referendo local e referendo nacional não é possível evitar que, mais cedo ou mais tarde, haja referendo nas regiões autónomas. E o PRD tem um particular receio do referendo nas regiões autónomas, porque facilmente pode ser desviado - ainda que haja garantias quanto à formulação das perguntas e quanto às matérias em causa - para criar situações graves de conflito no seio do Estado, que me parecem ser de todo em todo de evitar.

Temos também regras quanto à pergunta: mandamos aplicar ao referendo, porque também parece ter alguma importância, as regras sobre propaganda eleitoral e restringimos, obviamente, o referendo aos cidadãos recenseados em território nacional.

Finalmente, a nossa proposta contém algumas regras específicas, que interessam mais ao referendo legislativo (no caso de vir a ser admitido) do que ao referendo político - em todo o caso, abrangem ambos -, em matéria de fiscalização da constitucionalidade nos artigos 279.°-A e 279.°-B, que consistem, resumidamente, em estabelecer a fiscalização preventiva necessária em matéria de referendo que incida sobre a constitucionalidade e a legalidade do próprio processo de referendo e sobre a lealdade democrática da pergunta formulada. Isto é: deve, tanto quanto possível, evitar-se a discussão a posteriori sobre a constitucionalidade do referendo, tentando-se resolver a questão a priori, através de uma fiscalização preventiva obrigatória com toda a latitude, e excluindo-se (no caso do referendo legislativo, se for admitido) a fiscalização abastracta sucessiva, por ser particularmente melindroso fazer funcionar a fiscalização abstracta do referendo.

É esta, em resumo, a substância da proposta do PRD. Chamaria a atenção, em particular, para o problema do âmbito do referendo, nacional e local, e também para teor da proposta do PRD no que diz respeito aos limites do referendo, isto é, às matérias que não podem ser objecto de referendo. Penso que tivemos alguma prudência nesse capítulo.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.

O Sr. Presidente (Rui Machete): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não sei se terei percebido bem uma passagem da intervenção do Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, quando se referia, por contraste, ao modelo apresentado pelo PRD e àquele apresentado pelo PS, no que diz respeito ao papel do Presidente da República. Queria precisar que o PS confere ao Presidente da República a competência para a promulgação do referendo e, como tal, o Presidente também participaria desse processo decisório - ocorre que essa competência de promulgação por parte do Presidente seria uma competência discricionária. Como tal, ao Presidente competiria a última decisão sobre a convocação do referendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não estava a referir-me ao projecto, quando fiz esse comentário, no sentido de que o PRD considerava essencial que a última palavra pertencesse ao Presidente da República; não me referia à diferença técnica, ou seja, à diferença que consiste em o PS colocar a intervenção do Presidente no plano da promulgação do acto, enquanto nós o colocamos no plano de autor do decreto de referendo. Referia-me tão-só às palavras do Sr. Deputado Almeida Santos, que disse, na sua intervenção, que o PS não fazia questão fechada em que a última palavra pertencesse ao Presidente. Era a isso, e não à proposta do PS, que me referia!

O Sr. Presidente: - Eu proporia - a menos que a escassez dos pedidos de intervenção o não justifique - que nós tentássemos distinguir nas nossas intervenções os dois tipos de questões fundamentais que foram colocadas, e que são a questão do referendo político e a

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do referendo legislativo; visto que a matéria do referendo legislativo só foi colocada expressamente na proposta do PRD e, aliás, tem uma problemática própria, portanto, pode ser mais simples discutir esse problema separadamente.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Aliás, tal como eu disse na minha intervenção, formulei a proposta porque achei que valia a pena submetê-la a discussão. Mas reconheço que o referendo legislativo, tal como nós o apresentamos, é uma solução com melindres.

O Sr. Presidente: - Devo dizer, aliás, que li com a devida atenção a proposta do PRD, que é muito interessante, e também conheço as ideias do Dr. Jorge Miranda nesta matéria, naturalmente dignas de ponderação. No entanto, como resulta implicitamente da nossa proposta, restringimo-la claramente ao referendo político, obviamente ao referendo no exercício de poderes constituídos e relativo a questões no âmbito da Constituição e não a poderes constituintes.

O Sr. Presidente: - Será clarificado se for útil clarificar, porque não há quaisquer dúvidas' nem quaisquer hesitações. A questão foi longamente discutida no seio do PSD e prevaleceu a tese, de que, aliás, sou um dos subscritores, de que nesta fase do processo, independentemente de não prejuizar sobre qualquer evolução futura, não era oportuno nem parecia que as coisas estivessem suficientemente amadurecidas para colocar o problema do referendo em termos de exercício do poder constituinte. Aliás, mesmo algumas das limitações que classicamente se põem ao exercício do referendo são mais difíceis de aceitar para o exercício do poder constituinte do que para o exercício do poder constituído. Portanto, isso é para nós claro; se for útil uma explicitação ela será feita. Não temos nenhumas dúvidas nem nenhumas dificuldades nessa matéria.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Voltando ao problema do referendo legislativo, consideramos que, pese muito embora o mérito teórico da proposta, não é curial introduzir este tipo de referendo. Admito que na regulamentação pormenorizada que o PRD faz da sua proposta haja um ou outro ponto que, por não dizer especificamente respeito ao referendo legislativo, possa ser útil colher para efeitos de regulamentação em legislação ordinária ou, eventualmente, até a nível constitucional. Aceitamos esta possibilidade, mas a nossa posição de princípio é a de considerarmos que a matéria não está suficientemente amadurecida e que não é conveniente consagrá-la ao nível do exercício do poder legislativo, como um sucedâneo do direito de veto. Assim, pretendíamos dizer inequivocamente que não estamos disponíveis para subscrever uma posição qualquer em matéria de referendo legislativo.

Quanto aos projectos apresentados pelo CDS, pelo PS e pelo PRD em matéria de referendo político, há naturalmente uma larga zona de convergência com aquilo que nós próprios propomos. Já há pouco salientei o facto de estar claro no nosso espírito que se trata de um referendo relativo a problemas que se colocam no exercício de poderes constituídos e não de poderes constituintes, mas a nossa disponibilidade é total para o assinalarmos literalmente, se tal for considerado necessário.

O projecto do PS tem algumas diferenças não despiciendas, designadamente no que respeita à forma de convocação do referendo e à maioria qualificada necessária para que o processo referendário possa iniciar-se. A nossa fórmula é menos exigente do ponto de vista da maioria, na medida em que não requer uma maioria qualificada de dois terços, mas apenas maioria dos deputados em efectividade de funções, aliás, tal como propõe igualmente o CDS. Todavia, parece-nos que essas questões, que não são despiciendas, são passíveis de encontrar fórmulas de convergência susceptíveis de permitir encontrar o consenso necessário para introduzir esta nova figura na nossa Constituição.

O PRD fez uma observação relativa ao referendo local que também não subscrevemos. É verdade que o referendo local não tem tido aplicação, mas parece-nos que a figura não tem, apesar disso, o tempo suficiente para a excluirmos.

Em resumo, numa consideração ainda muito sumária, é este o nosso posicionamento.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Relativamente à iniciativa do Governo e da Assembleia, previstas no projecto do PSD, gostaria de saber se dependeriam da repartição de competências entre os dirigentes ou se constituiriam uma iniciativa totalmente independente do respectivo regime de repartição de competências políticas e legislativas.

O Sr. Presidente: - A questão é extremamente pertinente e a minha interpretação é de que o deve respeitar. Justamente quando discutimos o projecto, colocou-se o seguinte problema: admitir que o Governo possa directamente, sem intervenção da Assembleia da República, propor um referendo ao Presidente da República significaria provavelmente a alteração por uma via enviesada do sistema de repartição de competências, se não se subordinasse a esse sistema. Consequentemente, o nosso entendimento é o de que o Governo não pode propor questões que estejam fora da sua competência, isto é, que sejam da competência exclusiva da Assembleia da República, mas apenas questões onde haja uma competência concorrente, na medida em que neste caso tem uma competência própria. Mas, repito, o Governo não pode propor questões relativas a uma matéria reservada à Assembleia da República, seja a reserva absoluta ou relativa. Como é óbvio, isto não significa que o Governo não possa propor à Assembleia da República que a questão seja objecto de referendo. Mas, neste caso, é a Assembleia da República que aprecia uma proposta do Governo.

Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Excluída que está por parte do PSD a aceitabilidade do referendo legislativo, na fórmula proposta pelo PRD - e eu compreendo isso, pois fui o primeiro a dizer que a proposta envolvia questões melindrosas -, devo dizer que tal exclusão permite-me fugir a uma contradição que de alguma sorte havia no projecto do PRD. Na ver-

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dade, seria pouco justificável que requerêssemos dois terços dos votos na Assembleia da República para o referendo político e permitíssemos ao Presidente da República que, sozinho, utilizasse o referendo legislativo, ainda que sob a forma de veto, o que poderia abrir um conflito de poderes.

Excluindo agora o referendo legislativo, diria que a diferença essencial entre as propostas do PSD e do CDS, de um lado, e as do PS e do PRD, do outro, se traduz no seguinte: na fórmula do PRD e do PS para o referendo político, por razões de prudência, o referendo é apenas utilizado para matérias consensuais, ou seja, não no sentido de que as matérias sejam em si mesmas consensuais, mas no da existência de consenso sobre a necessidade de ouvir o povo...

O Sr. Presidente: - Se as matérias fossem consensuais, não seria necessário o referendo...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - É o consenso sobre o dissenso!

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É o consenso sobre a necessidade de consultar o povo, o consenso sobre a conveniência de o povo se pronunciar.

Nesta filosofia da exigência dos dois terços, o referendo nunca aparece como instrumento de poder, contrariamente ao que ocorre na filosofia do referendo por iniciativa do Governo ou por maioria simples da Assembleia da República, casos em que tal pode acontecer. Como é evidente, o referendo aparece muito menos como instrumento de poder neste caso do que no caso de ser apenas o Presidente da República a usar desta figura.

Pode acontecer, porém, que o referendo apareça como instrumento de poder, por exemplo, com a iniciativa do Governo: imagine-se um governo minoritário a provocar referendos com o apoio do Presidente da República. Penso que nesta primeira fase de consagração constitucional seria prudente que o referendo não fosse um instrumento de poder e que, pelo menos, nunca pudesse ser solicitado somente por um, devendo, em meu entender, exigir-se pelo menos a maioria dos deputados em efectividade de funções na Assembleia da República, exactamente para evitar o caso que referi dos governos minoritários.

O Sr. Presidente: - Mesmo de acordo com a especificação que fiz, e que, de resto, corresponde ao nosso pensamento desde o início, mesmo no que diz respeito às matérias da competência do Governo?

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mesmo assim.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Creio que já podemos registar algumas aquisições. Primeiro: referendo? Sim, em princípio. Que referendo, é o que vamos saber. Segundo: vinculativo? Creio que também ninguém levanta o problema de o referendo dever ser consultivo.

As nossas inclinações vão igualmente no sentido de exclusão do referendo legislativo, pese embora a nossa formulação, ou seja, que o referendo deve ser convocado por lei em matéria de interesse nacional. Esta formulação é fácil de acordar, mas gostaríamos de que o referendo surgisse, ao nível da Assembleia, como uma lei como outra qualquer. Estamos igualmente de acordo em que deve haver exclusões em razão da matéria, aspecto em que penso não ser difícil chegarmos a acordo. Nomeadamente, já foi aqui referida a possibilidade de aprovação da nossa proposta no sentido de que fiquem excluídas as matérias de competência reservada da Assembleia da República, as financeiras, as orçamentais...

O Sr. Presidente: - Permita-me uma precisão, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Houve pelo menos uma abertura da sua parte...

O Sr. Presidente: - A ideia não era que as matérias da exclusiva competência da Assembleia fossem excluídas do referendo, mas sim que, na nossa proposta, o Governo não poderia apresentar...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Certo, já ligo então um outro aspecto...

Por outro lado - penso que ainda não referimos este aspecto -, deveríamos considerar exclusões em razão da oportunidade. Na norma que propormos "são excluídas a convocação ou a efectivação de referendo entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local".

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Estou inteiramente de acordo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E talvez devêssemos, inclusivamente, em matéria de oportunidade, encontrar outras regras. Depois veríamos essa questão...

O Sr. Presidente: - Isso não suscita problemas.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Creio que também podemos considerar adquirida a necessidade de algumas cautelas formais, a fiscalização prévia da formulação pela Assembleia da República - penso que aí não haverá grandes objecções -, bem como a necessidade de não acumularmos questões, de forma que a certa altura sejam tantas as perguntas que possa gerar-se confusão. A pergunta, aliás, deve reduzir-se quase a um sim ou não, não devendo estar aberta a considerações de outra ordem. Tudo isso me parece fácil de resolver.

Onde é que estão as divergências? A meu ver, estão no papel do Presidente da República. A quem cabe a iniciativa e a decisão final? As propostas do PS e do PRD coincidem na necessidade de dois terços dos deputados na fase de intervenção da Assembleia da República. Quanto ao papel do Presidente, pessoalmente, continuo vinculado à conveniência em que o Presidente não seja envolvido no fundo da questão do referendo, em que não seja co-responsabilizado pela formulação do referendo ao nível de uma deliberação final. Também não é ele que determina as eleições, mas sim a lei; neste caso, caberia à própria Constituição a determinação das condições do referendo, competindo ape-

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nas ao Presidente da República a fixação da data e a promulgação. Creio que o referendo é apenas uma forma de manifestação da vontade popular como qualquer outra, não devendo o Presidente ser envolvido na responsabilidade da resolução dos principais problemas nacionais. Não vamos imaginar que se faz um referendo a perguntar se chove, pois um referendo tem de versar sobre uma questão melindrosa, sobre uma questão em relação à qual se levante um problema grave, um problema sério. E eu não veja bem o Presidente envolvido na responsabilidade dessa pergunta.

É verdade que vamos ao ponto de conferir natureza absoluta ao veto, o que no fundo significa que o Presidente não pode dizer que há referendo, mas pode dizer que não há. Porém, estaríamos dispostos a rever esta nossa proposta no sentido de nem tão longe irmos na co-responsabilização do Presidente. Pensamos que, com mais legitimidade, tudo se passaria ao nível deliberativo da própria Assembleia. Normalmente, o referendo será, como consta da nossa formulação, convocado por lei, lei essa da Assembleia da República, que dirá se está em condições de deliberar púr da própria, de aprovar uma lei por ela própria, ou se precisa de ir ao soberano dizer: "Estou aflita, estou indecisa, diz-me aí o que é que pensas sobre isso." O povo dirá e a Assembleia ficará, naturalmente, vinculada a elaborar uma lei de acordo com a resposta.

Parece-nos que, sendo assim, não exigir os dois terços, não consagrar esta nossa exigência de dois terços seria inconveniente... O que não significa que se ponha o Governo de fora, pois, como é óbvio, o Governo propõe, tem a sua própria representatividade na Assembleia (pressupõe-se até que terá uma maioria que o apoia na Assembleia, senão não é governo), pelo que isto não tem um significado substancial muito lato, mas tem um significado formal muito grande. O Governo propõe, um certo número de deputados propõe, a Assembleia delibera. E convinha que deliberasse por maioria qualificada, por consenso alargado. Disse, muito prudentemente, o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles que o referendo não deveria ser um instrumento de poder. Digo eu: nem de conflitualidade. Porque imagino - não estou a conceber nenhum governo em concreto - que um governo qualquer, não direi na véspera, porque teremos uma regra formal que o proíba, mas na antevéspera de um acto eleitoral, conceba uma matéria que seja obviamente popular mas que não tenha a simpatia das oposições. E faz um primeiro round do acto eleitoral. Claro, dir-me-ão que isso é quase maquiavélico. Mas o maquiavelismo existe em política, e não devemos transformar o referendo em fonte de questões, de problemas e de dissenções entre nós. Pelo contrário, concebo o referendo como um instrumento de solução pacífica dos problemas mais graves. Temos graves divergências: nuclear, sim ou não, ou - suponhamos que ainda não tínhamos entrado na CEE - entramos ou não para a CEE, saímos ou permanecemos na NATO. Amanhã - é uma situação que não concebo - saímos da CEE? Estão em causa problemas desta gravidade e deste significado.

Vozes.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Entramos ou não entramos na União Europeia?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Ou a União Europeia. Concebo que em problemas dessa natureza uma consulta popular seja pacificadora, ou melhor, pelo menos mais pacificadora do que uma dissolução da Assembleia da República, do que a convocação de eleições para que se faça um acto eleitoral com um programa nessa base. Se assim é, concebo os dois terços como um instrumento de pacificação. Os Srs. Deputados sempre poderão dizer que isso dificulta o referendo. Na verdade, não sei se dificulta se simplifica.

Se o método adoptado for o da maioria simples, irá haver provavelmente poucos referendos, já que toda a gente irá ter medo dos resultados. Se for uma maioria confortável a co-responsabilizar-se pela pergunta, o resultado, qualquer que seja, não será grave para nenhum deles. Se for um partido maioritário, até por maioria simples, a fazer um referendo e se a resposta vier da sentido contrário, do Que é que acontecerá a esse governo ou a essa maioria? Fica desautorizado perante o povo? Tem de se demitir? Creio que a proposta dos dois terços é mais razoável. Pedia aos Srs. Deputados do PSD, que se manifestaram contra isso, que reflectissem sobre as vantagens de o referendo ter sempre por base um consenso alargado. Penso que isso é fundamental para que o referendo não seja um instrumento do qual se duvide, um instrumento que se receie possa ser usado como arma eleitoral na antevéspera de um acto eleitoral.

Devo dizer que não pensei muito a fundo no problema da eventual extinção do referendo local. O referendo local surgiu na Constituição como uma primeira experiência, como um primeiro ensaio relativamente ao referendo nacional. Era o referendo nacional que estava em causa. Na altura dissemos "não" ao referendo nacional, mas pensámos que seria positivo fazer uma experiência de referendo local. O referendo local nasceu morto, já que é consultivo. Se tivesse sido vinculativo tinha tido, porventura, uma vida que não teve. Se o deixarmos como consultivo continuará morto. Portanto, das duas uma: ou se transforma em vinculativo, o que pode envolver alguns riscos, ou, pura e simplesmente, extingue-se, na medida em que existe um referendo nacional, que, com todas as virtualidades, se sobrepõe ao referendo local. Como consultivo, não tem nenhuma espécie de interesse. Como vinculativo, pode ter alguns riscos. Estou também disposto a reflectir sobre a conveniência de não manter um referendo local consultivo ao lado de um referendo nacional vinculativo.

Damos o salto para o consagrar como vinculativo? Isso envolve alguns riscos e, neste momento, não estou mentalmente preparado para tal. Estou, em princípio, preparado para reconsiderar a conveniência de manter na Constituição um referendo local meramente consultivo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, estamos de acordo quanto à circunstância de o referendo não poder servir para exercitar um poder constituinte. Isso é óbvio e está arrumado!

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Na nossa perspectiva o referendo tem de ser vinculativo, sob pena de não ter sentido um referendo nacional. Aliás, politicamente seria impossível não cumprir as directrizes de um referendo não vinculativo. Embora não tenhamos considerado necessário inscrevê-lo no texto constitucional, aceitamos que são exigíveis cautelas quanto ao momento em que o referendo pode ser solicitado. Como é óbvio, ele não pode permitir confusões com actos eleitorais. Portanto, algo do tipo daquilo que se encontra referido no n.° 6 da proposta do Partido Socialista, quer seja ao nível constitucional quer seja ao nível da lei que aprove a feitura dos referendos, terá de ser consagrado. Não temos dúvidas a esse respeito! Assim, talvez seja preferível consagrar na Constituição ou na lei que venha a regular a feitura dos referendos uma cautela desse tipo. Isso impõe-se pela natureza das coisas.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Refiro-me à cautela que vem referida no n.° 6 da proposta do Partido Socialista, que evite os limites de oportunidade e a confluência temporal entre um referendo e eleições.

Existe uma questão mais delicada, que está intimamente relacionada com esta matéria e que foi colocada assim mesmo pelo Sr. Deputado Almeida Santos, que é a que diz respeito ao papel do Presidente da República e ao problema de a aprovação ser feita ou não por dois terços. Isto está também um pouco ligado à própria concepção que se tem do referendo. Devo dizer que talvez seja mais uma questão de formulação do que outra coisa. Essa ideia de o referendo não ser um instrumento de poder deixa-me relativamente frio, já que ele vai ser um instrumento político. Pode ser um instrumento político que não seja usado em determinados contextos políticos e para determinadas finalidades. Mas, se ele não é nunca um instrumento político, então não serve para nada. Portanto, é uma forma de exercício do poder. Porventura, não é num certo tipo de exercício do poder que se está a pensar. O referendo pode ser utilizado em termos de pacificação, mas o seu interesse existe quando surgem situações de conflito ou de dúvida grave em matérias relevantes. O referendo é um instrumento caro, com implicações políticas sérias, e não o podemos utilizar para coisas inúteis ou para bagatelas. Se o utilizássemos para coisas de pequena monta, seria o mesmo que empregar uma bomba atómica para matar uma mosca. Ora esta parece-me uma via pouco racional da utilização dos meios políticos, que são escassos.

O Sr. Deputado Almeida Santos relacionou - e, a meu ver, bem - o problema do papel do Presidente da República com a forma como o referendo é proposto pela Assembleia da República ou pelo Governo. Gostaria de referir, pelo menos como uma reacção inicial à questão colocada, que a nossa sensibilidade vai no sentido de que o Presidente da República possa ter um determinado papel. Não digo que ele deve ter um papel promotor, porque penso que o Presidente da República não pode ele próprio promover o referendo, não pode ele próprio formular a pergunta. Ele tem de reagir a algo que lhe é proposto por um outro órgão. Até pela ideia que temos do equilíbrio de poderes no sistema político, não gostaríamos de ver o Presidente da República numa situação de não poder recusar o referendo ou não poder fazer um juízo político sobre o referendo ou de, ao fazê-lo, entrar em conflito com a Assembleia da República. Quer dizer, gostaria que o Presidente da República tivesse liberdade de ajuizar acerca da oportunidade do referendo. Daí que seja, em princípio, contrário à ideia de formularmos um paralelismo com a lei. O referendo é utilizado não para questões legislativas, mas, sim, para matérias políticas. Assim, é extremamente importante que o poder de arbitragem do Presidente da República se possa realizar, mas não em termos tais que o obrigue a confrontar-se com uma situação perante a qual lhe seja difícil reagir.

Daí que tenha, em princípio, uma posição avessa à ideia de diminuir ou de considerar o Presidente da República condicionado àquilo que já foi votado na Assembleia da República ou pelo Governo - isto na hipótese de se admitir que o Governo pode propor referendos.

Isto leva-me a fazer uma outra consideração, que é a seguinte: não me impressiona o problema que o Sr. Deputado Almeida Santos colocou de haver uma maioria simples. As consequências políticas existem e não nos podemos esquecer que o referendo é um instrumento importante, mas grave. Recordo que quando, em certo contexto, o general De Gaulle usou a arma referendaria, em circunstâncias em que habitualmente tinha sempre ganho, e afinal perdeu, retirou daí, sem apelo nem agravo, as suas consequências. Justamente esse perigo da sanção política deve ser algo que deve fazer reflectir a Assembleia da República e o Governo, para não provocarem referendos por tudo e por nada. O referendo é um instrumento político suficientemente relevante para ser usado com as devidas cautelas e a devida ponderação. Se há forças políticas imprudentes, não me choca nada que sofram as consequências políticas desse facto.

Uma vez que esse problema vem, directa ou indirectamente, a reflectir-se na actividade futura do Presidente da República, penso que seria importante que este órgão pudesse formular um juízo que não o comprometesse de uma maneira demasiada, mas que permitisse prevenir alguns erros que considere manifestos.

Este problema tem de ser balanceado. Compreendo as razões que o Sr. Deputado Almeida Santos aduziu, mas elas não me parecem definitivas e requerem uma adequada análise. A minha impressão inicial, prima fade, vai no sentido de admitir que elas podem, efectivamente, não ser convincentes.

Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, na nossa formulação, o Presidente da República tem intervenção e responsabilidade, pode dizer "não", tem veto absoluto. Portanto, esse argumento não colhe. Ele tem sempre a possibilidade de decidir. O que não quero é que ele tenha sempre a responsabilidade de dizer "sim" ou "não". Isso é que me parece um envolvimento excessivo do Presidente da República em questões concretas da vida nacional. Hoje ele não tem interferência na actividade legislativa, a não ser através da promulgação. Só que isso já seria um grau superior de promulgação. Se ele dissesse "não", era definitivamente não. Pode-se entender que o "não" dele não deve ser definitivo e que, em vez de ter veto absoluto, deve ter um veto confirmável por uma maioria qualificada. Não é aí que está a minha preocupação fundamental!

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A minha preocupação fundamental está em que o referendo não seja um instrumento de guerrilha política, mas, sim, um instrumento de pacificação, de solução de problemas que de outro modo poderiam ser fonte de conflitualidade. Por isso mesmo vejo o Sr. Presidente Rui Machete muito resignado perante o facto de ele ser mesmo um instrumento de provocação de conflitos políticos. É claro que existem problemas políticos delicados, mas também é verdade que hoje o Presidente da República pode promulgar uma lei e o governo seguinte revogá-la. Tudo isso já existe. O que me parece é que o referendo é um instrumento tão sério que os órgãos de soberania só devem recorrer a ele quando entendam que não devem assumir a responsabilidade de decidirem por si próprios, antes devem ir à fonte, ao soberano. Imaginemos os seguintes exemplos: sim ou não ao nuclear? Sim ou não à CEE? Estes exemplos servem para justificar o que é que imagino que deve ser o referendo. Não vale a pena utilizar o referendo para coisas miúdas e tenho medo de que ele possa ser utilizado para a solução de birras políticas. Não estou a pensar em nenhum governo, em nenhum político em concreto. É necessário que o referendo não seja um instrumento de políticos birrentos, mas, sim, um instrumento de solução de problemas complexos, particularmente graves do ponto de vista do interesse nacional.

Penso que temos de reflectir conjuntamente sobre esta matéria. Já temos muita coisa adquirida. Os meus principais problemas são, portanto, os seguintes: qual o papel do Presidente, que, pessoalmente, não gostaria de ver co-responsabilizado por uma actividade legislativa fundamental acerca dos principais problemas políticos nacionais?

O segundo problema é o que diz respeito à co-responsabilizacão pelos partidos ao nível da deliberação sobre se há ou não referendo.

Penso que em relação a esta matéria a nossa proposta tem um equilíbrio cautelar.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, uma das últimas frases proferidas durante a nossa reunião pode servir de emblema a todo este debate. Ela marca bem as suas certezas e incertezas e também os perigos que estão co-envolvidos na ponderação que teremos de levar a cabo. Refiro-me ao facto de o Sr. Deputado Almeida Santos ter sentido a necessidade de exprimir o voto e a preocupação de que a consagração do referendo "não se converta em instrumento de acção, quiçá privilegiada, de políticos birrentos".

Sucede que o quadro em que nos movemos - é esse e não outro o quadro em que a questão da consagração ou não desta figura tem de ser ponderada - é fortemente marcado por um enorme ciclo de birras políticas, que, sejamos prudentes, se arrisca a estar apenas no princípio. Isso deve ser tido em boa conta...

O debate feito até agora revela, mais uma vez, que é virtualmente impossível dissipar toda a espessa teia de mitos que rodeia e envolve a figura do referendo, tornando nebulosa a perspectivação dos muito diversos problemas que ele suscita.

Em primeiro lugar, não faz sentido fazer uma discussão em abstracto. Congratulo-me com o facto de ela não ter sido feita nesses termos. A exacerbação do conflito entre o ultrademocratismo e o apego visceral às instituições representativas, o fosso cavado entre os reais e supostos defensores da vontade do povo expressa livremente e os supostos ou reais defensores do contrário é artificial.

Na nossa circunstância política abundaram, por demais, os prosélitos tardiamente reconvertidos a modalidades extremas de democratismo jacobino ao serviço de projectos políticos talassas, que se traduziam, acima de tudo, pela tentativa de destruição da Constituição. Essas artificiais dicotomias e antíteses foram, curiosamente, estabelecidas neste debate. Houve apenas um momento em que estiveram iminentes, que foi aquele em que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, quiçá com as melhores intenções, aludiu à proposta do PSD sobre o artigo 111.° Essa norma era chamada, mas talvez pouco, uma vez que o saldo do debate do artigo 111.°, tal qual o fizemos na altura própria, foi no sentido da sua exclusão, da sua reprovação, como indesejável.

A ideia de suprimir o quadro actual decorrente do artigo 111.°, que estatui que "o poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição", foi claramente excluída no processo de debate, por todas as razões que constam da acta, mas é revelador que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves tenha lançado mão desse quadro e dessa filosofia, que é a do PSD, para fundamentar as suas propostas acerca do referendo.

O Sr. Presidente: - Diga, Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - O que referi foi apenas a necessidade de chamar a atenção para os argumentos que o PSD utilizou na altura da discussão do artigo 111.° acerca das vantagens do referendo.

O problema é diferente de saber se foi reprovada, de certo modo, no entendimento das várias intervenções feitas na altura, a oportunidade de introdução do referendo no artigo 111.°, de considerar o aproveitamento que se pode fazer da justificação deste para um outro lugar da Constituição, como é o artigo 138.°-A, que estamos agora a analisar. Ele não é prejudicado pelo não consenso completo acerca da oportunidade de introdução do referendo no artigo 111.°

Assim, uma coisa é a aceitação da redacção naquele lugar e com aquela formulação no âmbito do artigo 111.°, outra coisa é aproveitar para o seu lugar as considerações que foram feitas então e fazê-las valer exactamente a propósito do referendo. É diferente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sra. Deputada, a verdade é que o PSD fundamentou na altura a sua ideia de alteração do artigo 111.° em argumentos como "a necessidade" dessa alteração para "temperar o exclusivismo do sistema representativo", a "necessidade" de um "acréscimo de legitimidade" "refrescante do sistema", substituindo a "legitimidade abstracta e fria"

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por uma outra, supostamente "quente" e "popular" e seguramente conveniente ao chefe, se possível, "a necessidade" de "manter o sistema como o meio fundamental de decisão", mas mante-lo alterado, etc., etc.

De facto, verifica-se haver da parte do PSD um resvalar para um decisionismo jurídico, há uma degeneração plebiscitaria anunciada nesta argumentação do PSD. Ela foi aqui reafirmada e depois contrariada pelo Sr. Presidente em hora de temperança e de moderação.

O segundo .aspecto que avultou neste debate foi o da grande indefinição quanto à concepção de referendo. Houve flutuações, sabemo-lo, no próprio âmbito do PS. O Sr. Deputado Almeida Santos, em estão terminante, fluente e célere, aludiu aqui ao modelo final pelo qual o PS optou. Mas, em diversas circunstâncias, foi patente e visível a hesitação na construção da figura no interior do PS. Quem ler o conjunto de artigos publicados na revista Portugal Socialista, n.° 199, de Outubro, Novembro e Dezembro de 1987, designadamente a páginas 31 e seguintes, terá conhecimento de um determinado estádio, interessante, da evolução dessa reflexão.

Quem, por exemplo, tivesse ido a Macau e assistido, num belo dia do ano de 1987, à conferência que o Sr. Deputado Almeida Santos lá teve ocasião de proferir, que tem como ponto nove "o mito do referendo", veria úteis coisas. Veria que foram ditas coisas muito sensatas. Disse-se, por exemplo, que "o tema é polémico, foi polémico e será polémico", que "polémico voltará a ser e mobilizará paixões", o que é evidente, que "não é uma inovação fácil, além de não pacífica", o que também é certo, que "falar abstractamente em referendo é pouco para que sobre isso possa emitir-se uma opinião fundamentada", o que é exacto. Foram lançadas interrogações como: "Que referendo vinculativo? Meramente consultivo? Vinculativo nuns casos e consultivo noutros?" "E com que objecto? Só actos legislativos em gestação? Também diplomas já publicados ou mesmo em vigor? Também actos políticos ou administrativos?" "Que áreas excluir além da fiscal, como é dos livros?" "E por iniciativa de quem?" "E com intervenção de que órgãos de soberania?" "E com poderes de que entidade decretante?"

Dizia nessa altura o Sr. Deputado Almeida Santos, e com toda a razão: "Como se vê, são mais as interrogações do que as certezas."

O Sr. Almeida Santos (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... revelar o que é que estava no nosso espírito antes de termos apresentado uma proposta nesse sentido.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Aliás, V. Exa. teve, nessa altura, a impossibilidade de fazer essa revelação, como tem neste momento a impossibilidade de prever quais serão as próximas birras da pessoa em quem o Sr. Deputado estava a pensar quando falou dos perigos da introdução do referendo no presente quadro.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, admito que fui um pouco além do que disse na conferência, mas repare que os problemas são esses, pelo menos eram-no na altura.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida, Sr. Deputado. Aliás, eu próprio me aprestava para lançar interrogações desse tipo, e apenas estou a utilizar este formulário porque ele é tão bom como outro qualquer. Pode ser subscrito universalmente, é um formulário interrogativo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já ultrapassei a sua fase.

O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães também já ultrapassou essa fase, ele não quer é dizer.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente não ultrapassei a fase do Sr. Deputado Almeida Santos! Em todo o caso, trouxe à colação estas interrogações, não tanto pelas interrogações como pelas respostas.

Quis sublinhar que por essa altura, por exemplo, a flutuação de opiniões ia ao ponto de o Sr. Deputado Almeida Santos admitir isto: "acautelado o risco de diminuição da natureza do instituto de representação por força de consagração do referendo, e confinando o referendo aos limites de uma consulta prévia, do género: nuclear, sim ou não, regiões administrativas, sim ou não, sobretudo se não decisória (sic), o referendo pode revelar-se um instrumento útil, desde que só a título de excepção se permita o seu uso e claramente se proíba o seu abuso. E com uma outra excepção: nunca como via de revisão constitucional. É que com esse objectivo recusou-o o Salazar.".

O Sr. Almeida Santos (PS): - Há dias em que a gente não deve ir a Macau!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Relembro isto para insistir na ideia de que as flutuações de opinião e incertezas registadas na definição de concepção têm toda a razão de ser, como é óbvio.

Não vou rastrear agora isso até ao milímetro, mas é inegável que o PS ulteriormente reflectiu em torno da questão de saber qual a eficácia a atribuir ao referendo. Começou por inclinar-se para soluções do tipo consultivo, e veio a inclinar-se para a solução que consta do seu projecto de revisão constitucional, não sem dúvidas, uma vez que dúvidas se podem colocar, muitas e bastante sérias.

A questão fundamental é a que decorre do quadro em que vivemos e das perspectivas que todos temos face a ele, e que são muitas, diversas, como se sabe. É esse quadro que faz com que a posição do PSD seja particularmente inquietante.

Qual seria o seu impacto em termos do funcionamento do regime e de não distorção de regras basilares deste? Distorção imediata ou deslizante? Distorção no momento inicial ou em movimentos sucessivos em cadeia? Ou as duas coisas pela via do precedente ou da progressão etapa a etapa, fase a fase?

Por outras palavras, temos para nós que o referendo pode ser um instrumento respeitável de expressão política, se for rodeado de garantias que evitem a sua perversão plebiscitaria ou a sua utilização abusiva contra a assembleia representativa e contra o regime democrático.

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No caso concreto, sucede que está em curso em Portugal uma tentativa de aplicação de uma estratégia de transcendência de regime em que o PSD, como partido com uma posição no sistema partidário que é conhecida, vem por todos os meios revelando - por vezes de um modo não tão transparente como isso, mas de outras vezes de maneira bastante aberta e directa - a sua inconformação com os quadros do regime. Naturalmente aposta na revisão constitucional para alterar esses quadros, mas aposta também na criação de outros instrumentos adicionais que lhe permitam, através de um processo deslizante, obter, adiante, aquilo que não obtenha na revisão.

Não é por acaso que o Primeiro-Ministro exclama sempre que pode que "algo está mal no nosso sistema democrático constitucional" e que "não somos iguais" ao Luxemburgo, à Bélgica, à Itália, à França ou a outro país das Comunidades. Este efeito de desidentificação com o regime, que tem raízes fundas que não vale a pena abordar nesta sede, é extremamente perigoso. O PSD está apostado claramente numa tentativa de superação plebiscitaria, camuflada ou aberta, do regime. Se não for possível aberta então camuflada, directa ou indirecta, e se não for viável num período curto, então a médio prazo.

De qualquer das formas, o PSD encara o referendo em termos que nos resultaram hoje, aqui, substancialmente corrigidos em relação a anteriores versões. A visão que nos foi trazida, não digo pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, mas pelo Sr. Presidente, quanto ao referendo é uma visão corrigida e reduzida daquela que tem sido apresentada aos portugueses pelo Ministro Fernando Nogueira, pelo Primeiro-Ministro Cavaco Silva e pelos principais responsáveis do PSD. Note, Sr. Presidente, que, naturalmente, não o estou a colocar fora dos principais responsáveis do PSD, estou apenas a sublinhar que V. Exa. é um dos responsáveis do PSD que nesta matéria tem evidenciado uma posição corrigida...

A questão aqui é medir quais são as implicações dessa visão corrigida, porque a proposta originária do PSD não é nada corrigida e não engloba nenhuma das precisões que o Sr. Presidente aqui trouxe. A sua leitura das respostas negativas a praticamente todos os pontos do questionário do Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Não estávamos a responder ao Sr. Deputado Almeida Santos, apesar de tudo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, estavam a responder a outrem. É isso que nos preocupa.

Quanto aos antecedentes do PSD em matéria de referendo todos estamos elucidados: eles são péssimos. O referendo na lógica do PSD funcionou sempre como forma de superação do regime, encarado como baia aos vossos projectos restauracionistas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, interrompo-o apenas para tentar entender um aspecto do seu discurso: a sua ideia do regime é a do exercício do poder pelas classes trabalhadoras no sentido da transformação numa sociedade sem classes, em que o socialismo da vulgata marxista impere? É isso que identifica como regime? Se assim é, tem toda a razão. No entanto, a nossa posição é a de lutar frontalmente contra essa ideia. Estamos a fazê-lo e continuaremos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, no termo de uma "primeira leitura", com cinquenta e oito reuniões, acabar-se como V. Exa. começou não tem um mínimo de fundamento. Esse tipo de discurso seria "interessantíssimo" para o mês de Novembro de 1987...

O Sr. Presidente: - É o comentário apropriado à sua intervenção.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que soberba! Aquilo que eu estava a evocar era evidentemente o momento capitoso do processo revolucionário em 1974 em que o projecto referendário foi erguido pelo Dr. Sá Carneiro. Estava a pensar no momento capitoso do ano de 1980 em que o general Soares Carneiro adiantou a ideia do referendo como forma de superar a própria Constituição. O PSD aderiu, aplaudiu e empenhou-se, embora tenha naturalmente tido que corrigir a sua trajectória face à derrota estrondosa. Estava, também a pensar no momento que o Dr. Alberto João Jardim, no jornal "Tempo", na sua edição de 21-7-88, exclamou: "Se reconhecem a soberania popular e se por outro lado entendem que a questão constitucional não pode continuar a ser objecto de conflitos e de protesto na sociedade portuguesa, então, meus senhores, com a maioria de dois terços estabeleçam a possibilidade de referendar uma Constituição, devolvam a soberania ao povo português, não se apropriem indevidamente e de forma partidocrática do monopólio da soberania, que pertence ao povo. Este é o teste à democraticidade da nossa classe política". E por aí adiante, nos últimos anos já escreveu mais de quatrocentas linhas disto... A questão é que precisamente esse pensamento não é referendário: é, descaradamente, plebiscitário! Ele coloca como alvo primeiro a própria malha constitucional, o próprio regime constitucional tal e qual se encontra definido... Sim, com essas "odiosas" questões do "poder das classes trabalhadoras", o impulso constitucional para a frente, a ideia de que a igualdade é o objectivo a prosseguir, a ideia de que o poder de determinados partidos não é um valor supremo a incensar e a reforçar...

O Sr. Presidente: - De uns partidos não, de outros!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa ideia existe no PSD. É, digamos, aquilo que permanentemente borbulha na grande marmita, da qual, de vez em quando, afloram umas borbulhas, umas cor-de-rosa e outras claramente bolorentas, como esta que acabei de citar, mas com o mesmo fundo, suscitando o mesmo problema, veiculando o mesmo desiderato e com o mesmo chefe. Essa é a questão básica, que nos deve levar a considerar com todas as cautelas a proposta do PSD.

É que ela responde desastrosamente às perguntas do questionário do Deputado Almeida Santos, que faz nesta matéria a figura de determinadas personagens gregas que formulavam aos viandantes perguntas para as quais só havia respostas fatais.

Sim, estou a lembrar-me da esfinge...

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Às perguntas esfíngicas do Sr. Deputado Almeida Santos o PSD responde sempre mal. No seu projecto de revisão constitucional, na versão originária, as respostas são todas negativas. Exclusões não há praticamente nenhumas. O n.° 2 do artigo 138.°-A do Projecto de Revisão Constitucional do PSD é uma magra, e, de resto, mal escondida, norma instituidora do plebiscito. Nem exclui o referendo de revisão constitucional, comporta-o, nem exclui o referendo acerca de matérias da competência da Assembleia da República promovidos pelo Governo...

O Sr. Presidente: - Isso não é exacto, mas enfim...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei o que é que terá estado no espírito de alguns dos autores. Em todo o caso, o resultado é literalmente esse. Os Srs. Deputados podem reformular a proposta se pretendem dissipar todas as dúvidas e afastar qualquer suspeição. Reformulem a proposta e apresentem-na concebida em termos inequívocos, sem exclusões em relação ao momento, impossibilitando articulações perversas com actos eleitorais de toda a espécie (presidenciais, legislativos, locais, etc., etc.).

O vosso texto não garante nenhuma salvaguarda em relação à concatenação com outros momentos deliberativos e outros momentos eleitorais. Não adoptam nenhuma cautela formal nem em relação à natureza das perguntas nem relativamente à fiscalização. Não adoptam nenhuma medida que preserve o equilíbrio de poderes e, pelo contrário, pretendem facultar que se imponha ao Presidente da República o referendo (uma vez que não excluem o regime normal em relação ao veto e não acautelam sequer a última palavra para o Presidente da República). É o que decorre do vosso projecto. Este último aspecto foi incrivelmente subestimado e baratinado num debate televisivo em que participou o Prof. Barbosa de Melo, mas a sua existência escandalosa é um facto inquestionável...

Por outro lado, não estabeleceu nenhuma cautela em relação à maioria necessária para a aprovação da proposta na Assembleia da República. Pretenderiam plebiscitos impulsionados pelo Governo e pela Assembleia da República contra o Presidente da República.

O Sr. Presidente diz-me que nada disso é assim e que o PSD está inteiramente disponível para considerar cautelas em relação a todos os domínios e está disposto a "apertar malhas" em todos os aspectos. Não sabemos, só vendo!

Em todo o caso, e mesmo com todas as cautelas (mesmo com cautelas formais em relação à clareza das perguntas, à sua natureza, ao seu objecto, mesmo com exclusão clara deste e daquele aspecto para acautelar a impossibilidade de superação plebiscitaria do regime), ainda haveria que suscitar uma última questão, que de resto também veio sugerida por uma interrogação suscitada pelo Sr. Deputado Almeida Santos. E esse é: "vale a pena?"

Assim, se as consultas locais foram um "primeiro ensaio" do referendo, então diga-se que esse é um ensaio falhado! Se as consultas locais pretenderam ser o teste às virtualidades da figura referendaria em Portugal, o dédalo de indefinições, de impotências e de contradições que ao longo destes anos não se conseguiu que fossem superadas é um bom exemplo das dificuldades acrescidas que se suscitariam relativamente à figura referendaria.

Por último, o Sr. Presidente fez uma observação que exprime, de qualquer modo, mesmo na sua versão adoçada, a concepção que o PSD tem do referendo. O referendo é um instrumento político...

O Sr. Presidente: - V. Exa. acha que não é?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Acto que é! Tanto assim que passei alguns bons minutos a alegar as diversas dimensões das suas implicações políticas...

O Sr. Presidente: - Então, na sua concepção adoçada, ele também é um instrumento político.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há pouco só não referi algumas das experiências concretas em que o referendo, além de ter sido um instrumento político, foi, por exemplo, instrumento de ruptura (pense-se na sagração da Constituição de 1933!) Abundam, infelizmente, outros exemplos igualmente desastrados e infelizes.

O Sr. Presidente: - Esse não foi um referendo, foi um plebiscito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente! Esse é o risco, esse é o problema, essa é a distinção a estabelecer! E essa distinção não pode ser estabelecida na lei, na letra da lei. Tem de ser estabelecida também tendo em atenção a possibilidade de actuação do instituto no terreno.

É aí que entram as questões da birra, é aí que entra a noção expressa pelo Sr. Deputado Rui Machete de que "não se deve usar uma bomba atómica para matar moscas." O grande problema é que o PSD não quer matar moscas, o PSD quer matar a Constituição! E nós não esqueceremos isso em circunstância nenhuma, não esqueceremos que esse é o objectivo encoberto e permanente, não esqueceremos que esse é o objectivo que o PSD prossegue nesta revisão e para além desta revisão!

Não queremos conceder-lhe novos meios e, pela nossa parte, não quereríamos que da instituição do referendo pudesse resultar um novo meio utilizado contra o regime democrático!

O Sr. Presidente: - Como V. Exa. compreenderá, não me parece justificado, sobretudo neste momento, reagir às declarações grandiloquentes e infundadas que V. Exa. fez quanto à interpretação das nossas intenções e do nosso texto. Portanto, não lhe darei o prazer de uma reacção desse tipo porque seria despicienda face a tudo aquilo que já ocorreu e está registado nas actas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Lamento apenas que não faça outra coisa: que não assegure que o PSD rectificará tudo o que a sua proposta comporta e é bastante monstruoso. É isso que eu lamento!

O Sr. Presidente: - Posso dar uma garantia total e completa do contrário. A não ser quando V. Exa. me

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pergunta se nós, PSD, pretendemos destruir as consequências nefastas de urna noite de delírio do 11 de Março de 1974, caso em que lhe respondo frontalmente: sim! Não tenho quaisquer dúvidas a esse respeito e continuaremos, mas pelos meios legais adequados. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas colocar uma questão muito simples ao Sr. Deputado José Magalhães. Apreciei muito a sinopse que o Sr. Deputado José Magalhães fez da evolução da posição do PS sobre as matérias referendarias, mas a minha pergunta é a seguinte: a questão do referendo é para o PCP um tema actual ou é um daqueles temas também para daqui a cinco anos, daqueles que já temos vindo aqui a seriar, e sobre os quais conversaremos daqui a cinco anos na próxima revisão a outra luz? Porque, no fundo, o que o Sr. Deputado José Magalhães fez foi uma síntese das críticas que se fazem ao instituto do referendo, coonestou no essencial as preocupações que o PS coloca neste momento ao instituto do referendo, mas não esclareceu a dúvida essencial que é esta: acha o Sr. Deputado José Magalhães e o PCP que, com as cautelas que o PS introduz ao instituto, vale a pena arriscar a sua consagração no nosso sistema político ou, pura e simplesmente, nem mesmo com as cautelas de que o PS a rodeia valerá a pena o exercício de conjecturar os contornos da sua introdução no nosso sistema político, sendo tal hipótese em si tão teórica que desde logo mais vale condená-la? Colocando, no fundo, a questão que fica de fora: com as cautelas que o PS coloca ao instituto do referendo, não acha que pode haver algumas virtualidades no referendo para o nosso sistema político?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o PS pode dar garantias da adopção de tais cautelas? Que cautelas?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, as cautelas que estão explicitadas no nosso projecto ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quais são as virtualidades? Permita-me que lhe pergunte isso eu! V. Exa. é que propõe: cabe-lhe o ónus da prova!

O Sr. António Vitorino (PS): - É essa a minha pergunta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não! V. Exa. é que é proponente! O PS, se propõe que se consagre neste momento, com a leitura que o PS dele faz, o referendo (e referi-me ao referendo com cautelas, e em que se exorcize o risco plebiscitado), fá-lo com base num juízo seguramente não sobre os efeitos nocivos, mas sobre as virtualidades da instituição da figura. Não explicita é quais são essas virtualidades! Quiçá não pode explicitá-las...

O Sr. António Vitorino (PS): - Explicita muito bem, Sr. Deputado José Magalhães. V. Exa., com a habilidade que lhe é característica e conhecida e que não tem diminuído ao longo do tempo e que, apesar de já estarmos todos muitos cansados, continua em toda a sua pujança, é que não quer responder à minha pergunta, reenviando-ma, a fim de que eu tenha o ónus

de responder a mim próprio. Mas eu respondo muito sucintamente dizendo que, na nossa óptica, as virtualidades do referendo são, por um lado, a pluralização das formas de expressão da vontade popular e, por outro lado, na lógica do que o PS propõe, o referendo constitui uma forma de reenvio para a vontade popular da decisão sobre questões relevantes que atravessam horizontalmente a sociedade portuguesa e não verticalmente e em que a lógica reducionista da partidocracia, ou das férreas disciplinas partidárias, expressa nas instâncias parlamentares pode não traduzir toda a pluralidade de sentimentos da população. Aqui tem, na minha óptica, duas vantagens. Respondi-lhe às vantagens, Sr. Deputado; agora não se esqueça de responder à minha pergunta, segundo um princípio decorrente da mera natureza sinalagmática deste debate.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Respondo-lhe com todo o gosto. Esperava que o PS travasse este debate sob o signo da demonstração da tese que o Sr. Deputado António Vitorino acabou de enunciar. Curiosamente não o fez,- curiosamente travou o debate sempre sob o signo da delimitação em concreto dos contornos do instituto. Centrou-se na questão das cautelas, abordou a questão dos contornos, que, como é óbvio, não é despicienda, mas omitiu - e talvez por isso eu tenha insistido tanto nesse ponto - a questão do juízo de prognose sobre as consequências da instituição da figura, mesmo com todas as cautelas.

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, isso é um pressuposto do próprio facto do PS, ao contrário do que fez no passado, ter acabado por propor a consagração do referendo a nível constitucional. É exactamente a decisão de propor o referendo que exprime, ela própria, este tipo de problemática e a nossa opinião sobre ela.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Referi este aspecto, Sr. Deputado António Vitorino, porque é facto indesmentível que ele não tem sido salientado na bateria de argumentos utilizados pelo PS nesta matéria.

Por exemplo, no artigo, que há pouco citei, de um autor que escrevia no Portugal Socialista, n.° 119, p. 31, refere-se: "a introdução do referendo visa, acima de tudo, completar o quadro dos mecanismos de democracia participativa que a Constituição contempla, de par com o reforço do direito de petição e do direito de acção popular. Mas o aprofundamento da democracia participativa não pode nem deve ser feito em detrimento ou em oposição aos mecanismos característicos da democracia representativa. Daí as especiais precauções que o projecto do PS consagra quanto à realização dos referendos deliberativos de âmbito nacional"...

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não teria escrito melhor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida. Aliás foi V. Exa. que escreveu esta peça de que acabei de ler um douto extracto...

O Sr. António Vitorino (PS): - Por acaso, reconheci-me.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Neste nosso debate, o que me impressionou foi que precisamente não se problematiza aquilo que o Sr. Deputado acabou de enunciar como prestação condicionante da minha resposta à sua pergunta originária sobre quais pudessem ser as virtualidades do referendo no quadro que está desenhado.

No passado, opusemo-nos sempre, nós PCP (e, aliás, o PS também - isso deve ser sublinhado), à instituição do referendo em todas as circunstâncias em que a questão foi colocada. Enumerei há pouco três. Enumerei a tentativa de usurpação de poderes em Junho de 1974, a tentativa de fazer depender do referendo a entrada da Constituição em Março/Abril de 1976, as campanhas a favor do referendo para liquidação da Constituição por parte do Dr. Sá Carneiro e da AD, o caso Soares Carneiro... Nestes quadros, o referendo foi sempre, sempre, uma arma virada contra o regime e para superações plebiscitarias do regime!

Curiosamente, chegou a ser preconizada por outros quadrantes a realização de referendos com carácter opinativo para dirimir questões, como, por exemplo, o aborto. A questão está menos lembrada ou está mais esquecida, mas chegou a ser aventada. Mais: chegou mesmo a ser aventada, pelo Presidente da República em funções à data, a abertura de uma excepção à proibição constitucional do referendo, mediante introdução de uma cláusula constitucional avulsa que autorizasse a realização de um referendo exclusivamente para a lei do aborto. Isso foi proposto ou sugerido em Abril de 1984, e nós na circunstância pronunciámo-nos contra, embora neste caso com razões diferentes, na base de um juízo de oportunidade, uma vez que isso implicaria sempre uma revisão constitucional extraordinária que introduzisse essa cláusula. Se houvesse maioria para essa revisão extraordinária, logo se veria, se não houvesse, não havia. A questão acabou por não se colocar, ficou excluída e o problema foi resolvido. E, curiosamente, o aborto era uma questão que atravessava horizontalmente a sociedade portuguesa (e atravessa, embora esteja perfeitamente convencido de que há uma larguíssima maioria favorável à legalização, aliás em termos mais amplos, da interrupção voluntária da gravidez...).

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu também, portanto não vale a pena ter medo da Virgínia Woolf.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ninguém tem "medo da Virgínia Woolf", mas ninguém deve embarcar em "naus a caminho de Alcácer Quibir", sem pelo menos pensar quatro vezes. Respondo, portanto, à pergunta do Sr. Deputado António Vitorino. Estou a falar do passado, falei do passado até agora ...

O Sr. Presidente: - Exactamente, está a falar do passado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permita-me que fale agora do presente, uma vez que estou impedido de falar do futuro.

O Sr. Presidente: - Porquê?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Porque o futuro depende daquilo que seja aprovado, daquilo que seja materializado.

Fizemos um debate em que o PSD reconheceu que a sua proposta é enorme, é inaceitável; fizemos um debate em que o PSD excluiu várias das coisas que no exterior proclama ainda neste momento. Na Região Autónoma da Madeira, o PSD diz todos os dias, por exemplo, que "isto só vai com referendo" ("isto" é o regime democrático) e vários dos seus barões e arautos, quando não mesmo o chefe supremo, inculcam que se porventura não se lograr um "acordo bom" de revisão constitucional, é preciso não deixar de usar adiante "outros meios". Isso não pode ignorado por nós.

Diz-me o Sr. Deputado António Vitorino: "mas o referendo permite pluralizar as formas de expressão política". E eu digo: "mostra-me o teu referendo e eu te direi o grau de pluralismo atingido". Afirma o PS: "o referendo reenvia para o povo a decisão de questões que atravessam horizontalmente a sociedade portuguesa e que podem não encontrar uma solução boa na lógica partidocrática". E eu respondo de novo: "mostrem-me o referendo que a partidocracia está de acordo em aceitar e logo veremos se ela é afectada ou não pela consagração da figura".

É que um referendo que seja filho da matriz "partidocrática" (filho sobretudo de um projecto de poder em que se evidenciam dois pólos, mas um fora do poder e o outro cavalgando o poder, não querendo a qualquer custo ser desmontado), a lógica, o filho dessa "partidocracia", arrisca-se a ser aleijada! Se assim for, a resposta às perguntas do Sr. Deputado António Vitorino teria de ser forçosamente negativa! Aquele que partiu como Desdémona com um lenço oferecido por alguém, em busca da verdade e da felicidade, poderia acabar como a mesma: sem pluralismos, sem reenvio positivo das questões e tendo concedido trunfos fatais a um chefe que deseja plebiscitar-se, que todos os dias através da televisão faz tentativas de criar o clima para isso, que todos os dias invoca já o próprio resultado de 19 de Julho como se tivesse sido um plesbiscito...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, quanto ao resultado do 19 de Julho ninguém teve, até agora, a coragem de sustentar que esses resultados pudessem assumir a natureza de um verdadeiro e próprio referendo! Ninguém, nem o primeiro-ministro, excepto na medida em que o invoca constantemente para legitimar o programa do Governo contra o programa constitucional e para legitimar a sua cruzada contra o Tribunal Constitucional, que é acusado de não compreender o "espírito do 19 de Julho". "O espírito" do 19 de Julho! Um espírito que deveria ser oposto à letra, ao conteúdo da Constituição, a tudo!

Ora, a Constituição assegura o que assegura, tem a redacção que tem! Aquilo que o PSD pretende é, por um lado, uma Constituição diminuída, que não diga o que diz e, por outro lado, um instrumento ágil, susceptível de ser oposto em cada momento contra o que a Constituição ainda diga. E é do somatório entre uma Constituição diminuída e um referendo que permita

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opor à Constituição aquilo que esteja e seja a vontade do chefe, mas não seja a vontade constitucionalmente plasmada, que o PSD aposta para conseguir realizar o seu sonho mexicanizante de poder que o tem movido nestes, anos... Aos que se dirigem a nós perguntando se somos a favor do pluralismo, respondemos: "Sim, somos a favor do pluralismo de expressão!" Aos que nos perguntam se achamos que a sociedade portuguesa deve ter ampla possibilidade de se exprimir quanto a questões controversas, a nossa resposta é: "Sim, deve ter ampla possibilidade de se exprimir!" Quando nos perguntam se isso deve ser conseguido através da instituição, neste momento, do referendo, respondemos: "Mostrem-nos o referendo e nós diremos nessa altura que solução ou que projecção é que fazemos das suas implicações". Não nos peçam para fazer uma avaliação abstracta de uma coisa que tem de ser avaliada, em concreto!

Creio que o debate de hoje foi clarificador pelo menos do recuo monumental do PSD, recuo que pode todavia ser enganoso, uma vez que mesmo com "catorze" cautelas, que o Sr. Deputado António Vitorino seguramente (cm Segundas núpcias!) será capaz de inventar, há riscos graves! Mesmo depois destas reflexões feitas neste sítio menos acolhedor que o gabinete do Ministro Fernando Nogueira...

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - De maneira nenhuma. Basta a sua presença simpática para tornar a CERC num sítio perfeitamente acolhedor.

Risos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Retomo e repito: mostrem-nos a figura e nós diremos qual o juízo que ele nos merece!

O Sr. António Vitorino (PS): - Já percebi: não é forçosamente um tema para daqui a cinco anos, mas é, de certeza absoluta, um tema para depois de Dezembro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E mais: digam-nos o que pensam do artigo 290.° em definitivo, para podermos medir o alcance que a revisão pode vir a ter. É que a concatenação entre a revisão imediata, a revisão em curso e as revisões próximas tem de ser feita. Só ela revelará bem e vossa leitura do futuro do regime, a maneira como o vêem em devir.

Como o PSD a vê em devir, nós sabemos: o Primeiro-Ministro chora todos os dias o facto de não ter uma Constituição como a mais incaracterística das constituições da Comunidade e lamenta, naturalmente, o facto de o 25 de Abril se ter feito como se fez, não ter havido uma "doce transição" do caetanismo para uma democracia de meias tintas. (S. Exa. estava em Londres por essa altura, portanto sente o 25 de Abril como res inter alios acta). E o PS? Todas estas questões são fundíssimas, têm a ver com o futuro do regime. O PS não lhes dá uma resposta líquida e clara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... assistimos a mais esta manifestação, magnificamente interpretada pelo Sr. Deputado José Magalhães, mas que é uma espécie de adeus lancinante que diz a um companheiro que vai embarcar num autocarro com outros parceiros e contra os quais o previne permanentemente. Previne-o porque pensa que ele embarca num autocarro que vai numa linha errada, previne-o contra o destino do autocarro, contra os companheiros, contra a qualidade do autocarro...

O Sr. José Magalhães (PCP): - E dos pneus!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... dos pneus, etc. Está tristíssimo por ficar sozinho na paragem do autocarro. Está a ficar sozinho na paragem do autocarro!

Risos.

E esta foi mais uma manifestação dessas, bem interpretada, aliás, mas, apesar de tudo, deslocada, porque o Sr. Deputado José Magalhães esteve a prevenir-nos contra malefícios do referendo que, tanto quanto me foi dado perceber, já foram afastados nas intervenções de todos os proponentes dessa figura. Todos afastaram claramente a possibilidade do referendo constitucional, sendo tal intento mais ou menos bem servido pelos textos que cada um apresenta.

O Sr. Deputado José Magalhães criticou um aspecto do projecto do PSD que é também uma crítica ao projecto do CDS - que é, com certeza, o inspirador do projecto do PSD! Basta ler ambos os projectos e acompanhar a cronologia dos acontecimentos para constatar esse facto. Diz o Sr. Deputado José Magalhães que não está acautelado que não seja permitida a iniciativa do referendo por parte do Governo para assim se ingerir na esfera de competências da Assembleia da República. Nós entendemos que a forma como está redigido este preceito inculca nitidamente a ideia de que a iniciativa se deve situar na esfera de competências de cada um destes órgãos e que o referendo se destina precisamente a preencher lacunas, a completar defeitos que esses órgãos encontrem no preenchimento das suas competências.

Também vimos aqui que todos estávamos a favor do referendo vinculativo, e falámos numa decisão sobre questões importantes. Depois temos várias divergências.

Há também uma questão importante: a que diz respeito ao facto de os projectos do PS e do PRD serem mais cautelares do que os do CDS e do PSD. As intervenções que estamos aqui a fazer revelam que estamos dispostos a discutir tais cautelas - pelos vistos, o PSD e o CDS também o estão -, que podem, porventura, ser úteis. Aceitamos, repito, discutir as cautelas introduzidas pelo PRD e pelo PS. No entanto, essas cautelas merecem-nos algumas observações. Em relação ao PS, a exclusão da intervenção do Presidente da República...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Exclusão, não! A que título é que intervém...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Com veto absoluto.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Com última palavra ou não.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Se V. Exa. acha que o veto absoluto não é intervenção, então não percebo o que é intervenção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - De qualquer forma, o papel que lhe é conferido...

O Sr. Almeida Santos (PS): - É decisório para o "não", mas não é decisório para o "sim"! Na possibilidade de dizer "não", decidindo definitivamente, mas não na de dizer "sim". Não é ele quem determina o "sim". Apenas o confirma.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - De qualquer forma, essa limitação parece-nos pouco compatível com a natureza que o próprio referendo vai ter, ou seja, de instituto destinado a completar lacunas no sistema representativo e a ultrapassar dificuldades sentidas pelos órgãos representativos normais. Portanto, deve dar-se uma grande latitude de poderes ao órgão que tem essa espécie de poder moderador e também de arbitragem, que cabe ao Presidente da República, e confiar-lhe toda essa latitude de intervenção que lhe confiam os projectos do PSD e do CDS.

No caso do PRD, parece difícil conciliar a intervenção do Presidente da República com os dois terços exigidos para a aprovação da sujeição a referendo por parte da Assembleia da República, porque isso pode dar origem, afinal, a situações de conflito de uma certa gravidade. O PRD admite uma intervenção com toda a latitude do Presidente da República, acompanhada da exigência de votação por dois terços na Assembleia da República, o que me parece, de facto, uma situação difícil. Neste aspecto compreendo melhor a solução do PS. No caso do PSD, parece-me que a única cautela que exprime, a do n.° 2, é mais compatível com um referendo legislativo do que com um que o não seja, isto é, com um referendo meramente político. Esta cautela é própria para um referendo legislativo.

Finalmente, diria que nos parece importante o dualismo da nossa solução - grande latitude e iniciativa do Governo ou da Assembleia em relação à generalidade dos temas que sejam importantes - prevista no n.° 1 que propomos para o artigo 140.° O n.° 2 diz respeito ao referendo obrigatório. Trata-se, realmente, de um tema chave, de um processo que se destina a completar a aprovação dos acordos ou das convenções internacionais que confiram a órgãos supranacionais poderes do próprio Estado nacional. Quando não seja aprovado por dois terços dos deputados em efectividade de funções, o acordo em questão é obrigatoriamente submetido a referendo. Parece-nos que este dualismo de tratamento, ou, pelo menos, esta solução, embora acompanhada das cautelas propostas por outros partidos, é importante e de ponderar.

O Sr. Presidente: - Penso que esta discussão foi interessante; foi muito de caso pensado, de resto, que resisti à tentação de responder a objurgatórias que nos foram dirigidas e que não têm nenhuma fundamentação, riem nos factos desta discussão, a propósito do referendo, aqui travada na Comissão, nem nas interpretações externas. Pensamos que não devemos obscurecer os debates com estas considerações palratórias que, aqui ou além, têm vindo a ser feitas, porventura em preito a outras necessidades que não a da discussão serena dos problemas da Constituição.

Chegámos ao fim, praticamente, dos nossos trabalhos, com excepção de dois aspectos que vamos ter oportunidade de discutir quando recomeçarmos - em princípio, na primeira semana de Outubro - a nossa tarefa, e que são a matéria relativa ao artigo 290.° e, depois, as questões postas pelos onze artigos iniciais da Constituição. Apesar de todas as dificuldades, creio que a Comissão pode ir para férias com alguma tranquilidade de espírito, porque fez um trabalho sério e uma discussão aprofundada; soubemos superar mesmo algumas tendências plumitivas canoras que, aqui ou além, apareceram, e conseguimos não esquecer que o nosso objectivo essencial era a análise e a perscrutação das questões, da maneira mais detalhada que o pudéssemos fazer. Penso, por isso, que nesse aspecto, repito, estamos de consciência tranquila.

Queria prevenir-vos que, uma vez que a descodificação das gravações está um pouco atrasada, está combinado que façamos nos últimos dias de Agosto e até ao dia 2 de Setembro a correcção daquelas actas que estão neste momento a ser descodificadas e não se encontram ainda em condições de poderem ser corrigidas pelos Srs. Deputados. Não poderemos, depois, atardar-nos e remeteremos para a Imprensa Nacional, para publicação, com as correcções que existirem, essas actas a partir da semana seguinte. Em Setembro - para podermos, quando retomarmos os nossos trabalhos, em Outubro, já ter todas as actas publicadas ou, pelo menos, alguma justificação para verberar os atrasos que eventualmente (espero que isso não aconteça) venham a registar-se por parte da imprensa oficial.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que V. Exa. não referiu o dia 2 de Setembro como uma data fixa, porque é uma sexta-feira.

O Sr. Presidente: - A minha ideia era de que fosse a última semana de Agosto - quando muito, podemos aceitar a primeira semana de Setembro, até dia 9; mas isso preclude o direito que os Srs. Deputados tenham a protestar se não corrigirem as actas dentro desse prazo. Elas estarão disponíveis aqui. Quem não estiver cá, tem um núncio, tem um emissário, ou encarrega alguém de corrigir. Aliás, há actas que têm de ser cuidadosamente corrigidas, dada a maneira viva como os debates foram travados, mas que dificulta, por vezes, a identificação das intervenções e a sequência das mesmas - teremos de ter em particular atenção esse facto.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que valeria a pena fazer um comunicado da Mesa da Comissão, dizendo que reunimos cinquenta ou sessenta e não sei quantas vezes.

O Sr. Presidente: - Sim, será feito; aliás, como de costume, mas um pouco mais amplo. Talvez seja difícil dizer quantas horas de trabalho isso significa, mas é bastante bom e, em todo o caso, valerá também a pena, certamente, referir o trabalho já feito. O trabalho que falta realizar é importante, sem dúvida

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nenhuma, mas - por muito que pese ao Sr. Deputado José Magalhães - poderá fazer-se muito melhor se houver uma ideia mais clara dos consensos estabelecidos, nos quais certamente o PCP participará, em termos negativos, por forma activa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Estamos vivamente interessados em saber quais possam ser os consensos - pela nossa parte, adiantámos a disponibilidade para vários consensos, designadamente em torno de reformulações de propostas apresentadas pelo PCP e que, na sequência do debate travado, nos aprestamos a reescrever. Mas essa reescrita tem de ser dialógica, no sentido exacto de que não poderíamos recomeçar, pura e simplesmente, com a apresentação das mesmas propostas em versão n, imunes à opinião alheia - esse trabalho, ou será conjunto, ou será muito frustrante. A opção é entre fazê-lo no gabinete ou aqui. Pela nossa parte, preferíamos fazê-lo aqui, sem prejuízo de reunirmos, como é público e positivo, com outros partidos para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Aqui fizemos um trabalho dialógico longo e sem limitação de tempo, o que permitirá que não haja capital de queixa de nenhum partido por não ter tido oportunidade de expressar, ou por urna forma mais sucinta, enxuta, as suas opiniões, ou por uma forma mais detalhada e, eventualmente, com expressões de uma linguagem tersa assaz interessantes, os seus posicionamentos. Afim dessa leitura, naturalmente, haverá um período de reflexão - veremos como é que há-de ser feito; não vamos neste momento adiantar algo sobre o qual ainda não existem ideias claras, mas que certamente será objecto de uma troca de impressões oportunamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Certamente, Sr. Presidente. Não vamos fazer agora, seguramente, um "período de depois da ordem do dia" para balanço dos trabalhos. Pela minha parte, não adiantarei muito sobre essa matéria; nem adiantarei nada, sobretudo, em relação à maneira um tanto frustrante como a partir de determinado momento, em meu entender, os trabalhos de revisão constitucional sofreram aqui, na Comissão, alguma décalage, por força dos contactos bilaterais entre, o PS e o PSD sobre a matéria da revisão constitucional. A última semana foi particularmente incómoda e negativa desse ponto de vista, e não creio que os nossos trabalhos não tenham deixado de reflectir os acontecimentos que paralelamente ocorriam. Em todo o caso, não direi mais do que isto.

Gostaria apenas de sugerir que, em relação aos trabalhos de descodificação, o Sr. Presidente requeresse ao Presidente da Assembleia da República todas as providências que sejam necessárias para poder efectuar os recursos indispensáveis para que o trabalho se possa fazer mais celeremente. É impossível, com o actual volume de recursos, dar vazão adequada. Pelo menos, seria uma sobrecarga enorme de trabalho para a equipa que tem estado a fazer essa descodificação. Neste momento o Plenário não funciona, portanto é possível dispor de outra forma dos recursos da Assembleia, incluindo os serviços do Diário da Assembleia da República, e será possível, mediante as diligências adequadas, da Mesa e do Sr. Presidente, em concreto, conseguir que haja mais celeridade na descodificação. Estão descodificadas 33 actas; portanto, é bom de ver, falta quase outro tanto; e nada simples, uma vez que algumas espinhosas actas darão bastante trabalho. Para que nós possamos fazer essa revisão até ao fim da primeira semana do mês de Setembro, será necessário andar bastante depressa e bastante bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu também não direi que o Sr. Deputado José Magalhães não tem razão na apreciação que faz sobre o ritmo de trabalhos e a profundidade dos debates desta última semana. Creio que, inclusivamente, os debates que tivemos ontem e hoje são a prova de que ele não tem razão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já tinham acabado as negociações! Não me referia a ontem, referia-me a antes, Sr. Deputado António Vitorino!

O Sr. António Vitorino (PS): - Por acaso, o Sr. Deputado José Magalhães está mal informado sobre quando é que acabaram as negociações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não acabaram, pelos vistos!

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas a única coisa que eu gostaria de acrescentar é que, pela nossa parte, temos uma ideia de qual foi a receptividade às propostas que apresentámos; tencionamos, durante este período de interregno, reformular aquelas que mereceram observações que nos pareceram válidas. Esperamos estar em condições de, na reabertura dos trabalhos da Comissão, apresentar novas formulações para essas propostas que, tendo registado alguma abertura, contudo, foram objecto de observações críticas que nos merecem, a nós, reflexão; naturalmente, outras mantê-las-emos nas fórmulas iniciais, sem prejuízo de, posteriormente, elas virem a ser objecto de uma reavaliação final.

O Sr. Presidente: - É evidente. De resto, a segunda volta, ou segunda leitura, será seguida de votação, e não uma segunda leitura em branco.

Resta-me desejar-vos umas férias que permitam recuperação de forças para os embates de Outubro. Desejo a todos férias tranquilas e felizes.

Recomeçaremos na segunda semana de Outubro, em princípio.

Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 29 de Julho de 1986

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).

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Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Miguel Bento de Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles (PRD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
João Corregedor da Fonseca (ID).

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