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SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 18 de Setembro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão de propostas de alteração relativas aos artigos 40.º, 43.º, 46.º, 48.º, 49.º, 51.º, 52.º e 54.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Ruben de Carvalho (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), António Reis (PS), José Calçada (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), José Magalhães (PS), Odete Santos (PCP), Elisa Damião e Alberto Martins (PS), Luís Sá (PCP), Claúdio Monteiro (PS), Miguel Macedo e Calvão da Silva (PSD) e Strecht Ribeiro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 17 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, na reunião anterior tínhamos acabado a discussão do artigo 39.º, pelo que passamos agora ao artigo 40.º. Para o n.º 1 deste artigo existem propostas do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes.
O CDS-PP propõe a substituição da expressão "organizações representativas das actividades económicas" por "associações patronais"; o PCP estende o direito de antena a todas as organizações sociais de âmbito nacional; e Os Verdes estendem o mesmo direito às associações de defesa do ambiente e de defesa do consumidor, às associações de emigrantes, às associações de deficientes, às associações de estudantes, às associações de reformados e às organizações de mulheres.
Estas propostas de alteração estão à discussão, em conjunto.
Por ordem de apresentação dos projectos, para o caso de entenderem que não podem precindir da apresentação das propostas, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, para já, há um esclarecimento a fazer: há aqui uma gralha, aliás, a meu ver, clara, nesta formulação, que terá, eventualmente, existido logo desde início. No final do artigo, quando se fala em "tempos de antena no serviço de rádio e televisão" deve falar-se, obviamente, em "tempos de antena no serviço público de rádio e televisão". Portanto, falta cá a palavra "público" a seguir a "serviço". Isto decorre do contexto, porque, se quiséssemos introduzir esta emenda no n.º 1, obviamente, também teríamos de a introduzir no n.º 2, e não fazemos qualquer proposta nesse sentido.
Portanto, onde se lê "tempos de antena no serviço de rádio e televisão" deve ler-se "tempos de antena no serviço público de rádio e televisão".
Relativamente ao alargamento às organizações sociais de âmbito nacional, pensamos que se trata de uma medida que, de todo, se justifica e que cabe inteiramente dentro do espírito que presidiu ao estabelecimento do direito de antena. A limitação que é imposta, no sentido de assegurar esse direito de antena às organizações sociais apenas de âmbito nacional, garante, por um lado, uma representatividade que justifique esse direito de antena e, por outro, concede a possibilidade de afirmação em direito de antena, nos grandes meios de comunicação social, de interesses que, por vezes, não têm outra forma de se fazer ouvir.

O Sr. Presidente: - Salvo a proposta do CDS-PP, que, a meu ver, redunda numa limitação do direito de antena, as propostas do PCP e de Os Verdes visam ampliar o direito constitucional de antena, já que a lei sempre o pode estabelecer.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quais seriam, em concreto, os tipos de organizações que se pretendiam contemplar directamente com este alargamento da norma?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Há um conjunto grande de organizações que terão de ser consideradas, das quais sublinhávamos as organizações ligadas à família, por exemplo as organizações de pais, desde que tenham âmbito nacional, e outras organizações que, por vezes, têm situações um pouco escorregadias entre a sua representatividade económica e, depois, a representatividade de ordem social. Por exemplo, também caberiam aqui as associações de carácter ambientalista, que, muitas vezes, não são associações de carácter profissional, não são fatalmente associações de carácter político, nem associações de carácter patronal, mas que têm uma intervenção social evidente.
A nosso ver, a única limitação a pôr deve ser a sua representatividade nacional, a sua abrangência em relação a todo o território nacional.
Meramente a título de exemplo, deixava estes dois casos: as associações ambientalistas e as associações ligadas à família.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, então estariam incluídas, necessariamente, pelo menos as citadas por Os Verdes?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Não nos pareceu que a especificação, tal como faz a proposta de Os Verdes, tivesse maiores méritos do que uma formulação mais geral, como a que inclui a nossa proposta, uma vez que, parecendo, evidentemente, ser mais larga, acaba por ser mais restritiva, porque, especificando ponto por ponto quais são, obviamente que deixa de parte as que cá não estão, o que acaba por ser, pelo menos a médio ou a longo prazos, potencialmente restritiva.

O Sr. Presidente: - Parece claro!
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, percebemos a intenção subjacente a esta proposta do Partido Comunista. De qualquer modo, queria chamar a atenção para o que há de melindroso e de difícil exequibilidade em propostas deste tipo. A formulação actual do artigo 40.º já levanta, na prática, tremendas dificuldades de aplicação e sobretudo de definição objectiva, não apenas do que são, por exemplo, organizações profissionais e, às vezes, até, representativas das actividades económicas, como, sobretudo, da representatividade para efeitos, depois, de rateio no tempo de antena.
Por outro lado, sabemos que, de acordo com a lei actual, esse tempo de antena, sobretudo na televisão, é bastante reduzido. Estão previstos, anualmente, 60 minutos para as organizações sindicais e 60 minutos para as organizações profissionais e representativas das actividades económicas. Isto, na prática, leva a que os tempos de antena se reduzam, como por vezes já temos visto na pantalha, a uma mensagem de um cidadão ao longo de 10 segundos. Por vezes até é mais vasto o tempo em que se anuncia o tempo de antena e o tempo em que se anuncia o seu fecho do que propriamente o tempo utilizado por esse cidadão para debitar a sua mensagem, em representação de uma dessas organizações.
Acrescentarem-se agora organizações sociais levanta para já o problema de definição do que são essas organizações sociais. E reparem que a lei ordinária, nesse aspecto, não avançou muito na definição do que são estas

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organizações. Ela preocupou-se, sobretudo, com a definição da quantidade de tempo de antena, por um lado, e com alguns critérios muito genéricos de repartição desse tempo de antena, por outro.
Ora, isto levou a que, por exemplo, a Alta Autoridade para a Comunicação Social - e aqui está mais uma das suas funções que, com certeza, os tribunais comuns nunca poderiam exercer - tivesse de elaborar um vastíssimo parecer para tentar definir, com um mínimo de critérios objectivos, o que são estas organizações profissionais e representativas das actividades económicas, porque havia, evidentemente, reclamações de várias organizações que não eram contempladas pelo serviço público de televisão no tempo de antena.
Para mal dos meus pecados, coube-me a mim a redacção desse parecer, que tem cerca de 30 páginas, e que, felizmente, acabou por ser aceite por aqueles que, na altura, estavam em contestação ao serviço público de televisão. Mas não foi fácil, e com certeza que se agora incluíssemos organizações sociais o número de organizações que poderiam, ao abrigo dessa designação genérica, pretender o acesso ao tempo de antena poderia multiplicar-se indefenidamente.
E eu pergunto: nessa altura vamos mexer na lei do serviço público de televisão, na lei da televisão, na lei da rádio e multiplicar indefenidamente o tempo de antena que está previsto? Isto tem efeitos preversos, porque sobrecarregar o serviço público com um tempo excessivo de antena para este tipo de organizações é um verdadeiro atentado à unidade e eficácia da sua própria programação, que tem, muitas vezes, o efeito de afastar o telespectador da programação.
Creio que seria mais prudente não complicarmos muito mais um dispositivo que, na sua formulação actual, já levanta alguns problemas, porque esse tipo de organizações sociais pode ter, no fundo, a sua visibilidade pública e mediática contemplada pela via normal da cobertura das suas actividades nos serviços noticiosos. Na medida em que uma associação ambientalista ou uma associação de pais tem uma intervenção de facto importante na sociedade portuguesa na discussão de um problema qualquer que a afecta, estou convencido que o serviço público de televisão estará minimamente atento, como, aliás, vem acontecendo, e vai cobrindo as acções mais importantes desse tipo de organizações. Por isso, francamente, não vejo grande utilidade em que compliquemos ainda mais este dispositivo que, já de si, levanta alguns problemas de exequibilidade prática.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com o devido respeito, Sr. Deputado António Reis, devo confessar que, embora tendo ouvido atentamente a sua exposição, não me parece que nenhum dos seus argumentos colha quanto à questão de fundo.
O que está aqui em causa, fundamentalmente, não é nem pode ser um problema de operacionalidade, embora eu reconheça - não tanto como V. Ex.ª, com certeza, porque confesso que nunca participei activamente, como V. Ex.ª o fez, na tentativa de resolução de problemas deste tipo, mas conheço o suficiente das dificuldades que a televisão tem na gestão destas questões - que o problema existe e é complexo. Agora, o que me parece é que não é a complexidade da resolução prática deste dispositivo constitucional que deve reduzir ou diminuir a preocupação desta Comissão, no sentido de se criar uma norma que seja justa e que alcance o objectivo que deve alcançar.
De facto, com toda a franqueza, penso que todos estaremos de acordo que a actual formulação, que reduz o direito de antena aos partidos políticos e às organizações que gravitam fundamentalmente em torno da actividade económica - embora, obviamente, não queira, com isto, reduzir o papel social das organizações sindicais -, a ratio que presidiu à elaboração da actual redacção acaba por girar um pouco em torno da actividade económica, e se, eventualmente, em 1975 e na altura em que o actual texto recebeu a sua formulação definitiva, essas eram, de facto, as organizações mais representativas, hoje em dia, há um leque mais variado de preocupações a nível da sociedade que, eventualmente, até interessam mais quotidianamente o cidadão comum do que problemas de natureza sindical.
Se é verdade aquilo que o Sr. Deputado António Reis diz, ou seja, que tentar despejar muitas coisas na televisão acaba por ser contraproducente, porque a própria receptividade do cidadão-espectador à programação deste tipo de emissões acaba por diminuir, não é menos verdade que a generalidade dos cidadãos, do meu ponto de vista - e penso que todos, em maior ou menor medida, estaremos de acordo -, talvez tenha mais receptividade, hoje em dia, a este tipo de programação sobre problemas de natureza social, que digam respeito aos seus filhos, às famílias e a problemas ambientais, do que ao problema, por muito importante que ele seja, da associação dos retalhistas do comércio de um produto qualquer ou de uma coisa qualquer.
De facto, por mais que o Sr. Deputado António Reis tenha razão em termos das dificuldades práticas que podem daqui resultar, penso que, nesta sede, o problema tem de ser discutido com base nos seus princípios gerais e nos objectivos que ele preenche.
É evidente que, depois, terá de ser a lei para onde este artigo remete que, eventualmente - o Sr. Deputado António Reis levantou a "ponta do véu" em termos da gestão prática do sistema - terá de ser reajustada e pensada. A própria programação e o próprio contrato de serviço público terá de ser repensado nessa sede para que se consiga encontrar aí uma solução de compromisso, sem despejar no tal horário nobre, das 20 às 21 horas, aqueles... Como o Sr. Deputado disse, com toda a razão, às vezes é perfeitamente ridículo, aparece ali um cidadão, coitado, que, em 10 segundos, tem 20 palavras para dizer. Às vezes é até confrangedor! Concordo perfeitamente consigo! Mas não me parece é que a culpa seja do texto constitucional, com toda a franqueza.
A existirem problemas e a haver necessidade de se encontrarem novas soluções e de sermos criativos e inovadores nessas soluções, será, com certeza, ao nível da lei para onde este artigo da Constituição remete.
Portanto, do ponto de vista do PSD, na perspectiva do esclarecimento, que de resto o Sr. Deputado Ruben de Carvalho acabou por dar, de que fundamentalmente se dirige às organizações de índole social, penso que, em termos do texto constitucional, aquelas que genericamente constam do Capítulo II, Título III, onde se fala na família, na juventude, nos deficientes, na terceira idade, no ambiente, na qualidade de vida, nos consumidores...

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Penso que valia a pena pormo-nos de acordo - o PSD está perfeitamente aberto e receptivo a uma alteração desse tipo - em acrescentar às "organizações sindicais, profissionais e representativas das actividades económicas" esta vertente dos direitos de natureza social, que, à frente, constam do tal capítulo e que fundamentalmente são estes. De facto, penso que essa seria a formulação adequada e que é um ganho o direito de antena em abstracto como está concebido na nossa Constituição. Do ponto de vista do PSD, concebe-se uma formulação desse tipo para dar voz a organizações que interpretam os problemas que os cidadãos sentem no seu dia-a-dia. É inelutável que, hoje em dia - talvez não fosse assim em 1975 -, as pessoas estão, quiçá, muito mais interessadas em ouvir falar de problemas que dizem respeito às organizações de família, às organizações de pais, às organizações de ambiente ou às organizações de defesa do consumidor do que, por vezes, ouvir, sem menosprezo para essas entidades, associações sindicais ou patronais que, às vezes, se dirigem a um universo bastante mais reduzido e que não interpretam problemas comuns a todo o universo dos cidadãos.
Portanto, nesse sentido, a abertura do PSD para essa alteração fica aqui manifestada. Gostaríamos depois, se for essa também, como desejamos, a abertura do Partido Socialista, de reflectir um pouco em conjunto sobre qual a formulação mais adequada, desde logo para não criarmos equívocos e, para, em termos de texto constitucional, encontrarmos um conceito que interprete de uma forma adequada e que se integre dentro daquela que é a organização estrutural da própria Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Muito rapidamente, para dizer que há um consenso muito generalizado sobre a importância do dispositivo do direito de antena, tal como há também, seguramente, uma certa consciência dos problemas e das dificuldades que ele enfrenta.
Ora, em relação a isto, pode haver duas posições: ou recuar, face a essas dificuldades, podendo-se entrar num perigoso caminho de, a alturas tantas, retirar-se funcionalidade e operacionalidade e pôr-se em causa o próprio conceito, o que penso que nenhuma força política defende, mas podemos avançar por esse caminho e acabarmos por encontrar uma solução de facto consumado; ou, então, sem dúvida enfrentando dificuldades, entendermos que se trata de um dispositivo necessário ao nosso edifício democrático e tentar adaptá-lo, cada vez mais, às realidades, mesmo que, indiscutivelmente, isso nos coloque perante novos problemas, encontrando novas soluções na sede justa, que será a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou outra. Mas penso que este é o caminho a seguir, estando, aliás, de acordo com grande parte daquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Reconheço que existe aqui também um problema de justiça relativa. Porque é que estão aqui as organizações profissionais, por exemplo, e não estão as organizações de âmbito social? De certo modo, creio que aquilo que sobrecarrega ainda mais o tempo de antena e onde se geram maiores problemas de eficácia é no que diz respeito aos tempos de antena para as organizações profissionais. Essas é que, normalmente, se vêem reduzidas ali àqueles escassos segundos da pantalha.
Em consequência, estaria aberto à possibilidade, por exemplo - o que iria ferir direitos adquiridos, o que é sempre aborrecido -, de retirarmos as "organizações profissionais" e substituí-las por "organizações sociais". Sem dúvida que, em termos de importância, significado e dimensão das suas actividades, há organizações sociais com muito mais direito a tempo de antena do que a maior parte das organizações profissionais que, actualmente, utilizam o tempo de antena. Em bom rigor, faria mais sentido que, em vez de termos cá as "organizações profissionais", tivéssemos as "organizações sociais".
No entanto, chamo, de novo, a atenção para este ponto: é que isto pode ser sempre contraproducente e ter sempre efeitos preversos, porque, ao contrário do que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco dizia, o tempo de antena que, na prática, seria distribuído por todas as organizações sociais seria sempre extremamente escasso, de reduzidíssima eficácia, de reduzidíssima audiência, como são quase sempre os tempos de antena da maior parte destas organizações e não cumpriria aquele objectivo nem teria aquela audiência em que parecia estar a acreditar, quando, há pouco, fez a sua intervenção.
Creio que este dispositivo repartido por uma multitude de organizações é mau para essas organizações, porque não lhes dá, na prática, a visibilidade que elas pretendem, e é mau para o serviço público de rádio e televisão, mas sobretudo de televisão, cuja programação é nitidamente afectada na sua audiência por esta via.
Portanto, ou alargamos indefenidamente este tempo de antena na lei ordinária, e isso também prejudica gravemente o serviço público, e nem por isso dará muita audiência às organizações que se vejam beneficiadas por esse alargamento do tempo de antena, ou, deixando as coisas como actualmente estão na lei ordinária, isto não beneficia nem uns nem outros.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para fazer uma precisão relativamente ao que o Sr. Deputado António Reis disse.
Sr. Deputado, concordo com o que disse, mas vejo-me obrigado a precisar uma coisa: é que eu não disse que não é mau, até concordo consigo no sentido de que, de facto, o resultado pode ser confrangedor. Para nós, esse é um problema que, eventualmente, tem de ser dirimido pela lei ordinária que, depois, terá de ordenar as coisas. E se o resultado, depois, acaba por ser mais ou menos frustrante para as próprias associações, também não questiono. Concordo genericamente com todas as observações que o Sr. Deputado fez, mas o problema para nós não é de resultados, é, sim, um problema de equidade. O que faz pouco sentido, do nosso ponto de vista, é que a Constituição...
Se o Sr. Deputado me disser que o direito de antena, hoje em dia, acaba por ter um resultado preverso para as pessoas, que é ridículo, que as próprias organizações acabam por sair menorizadas deste tipo de tempo de antena...,

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então acabe-se com ele. Para nós, trata-se de um problema de equidade! O que não faz sentido é que haja determinado tipo de organizações que têm este direito constitucionalmente regulado (como o Sr. Deputado disse, têm um direito adquirido), com o qual nem o Sr. Deputado nem ninguém terá intenções de acabar, nem os próprios querem desistir dele, enquanto outras estão numa situação em que a equidade não existe nem deixa de existir.
Portanto, não se trata de um problema de resultado mas, sim, de um problema de equidade. Mas já que ele existe, temos de encontrar solução que sirva para todos.
Dava-lhe apenas um pequeno exemplo, pedindo desculpa ao Sr. Presidente, porque não vou tomar muito tempo com isto. No fundo, a questão, do nosso ponto de vista, reconduz-se um bocadinho também àquela lógica que já hoje em dia preside, penso que com aceitação e atendimento genérico de toda a gente, no Conselho Económico e Social, onde, de facto, estão estas organizações sindicais e profissionais e representativas de entidades patronais e também estão organizações relativas à família e de outro tipo. Encontrou-se aí um modelo.
Ora, se existe na Constituição um direito de antena para este tipo de realidades, penso que ele tem de ser distribuído de uma forma minimamente equitativa. É essa a questão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão relativa ao n.º 1 do artigo 40.º. As posições estão assumidas. Às objecções colocadas pelo PS foi manifestada abertura ou concordância do PSD.
Vamos passar às propostas relativas ao n.º 2 do mesmo artigo, para o qual existe uma proposta do PS no sentido de que seja aditado, no final, a expressão "a extensão dos direitos aí previstos aos partidos representados nas assembleias legislativas regionais". Esta proposta coincide ou é convergente com a proposta de aditamento do Sr. Deputado António Trindade de um novo n.º 4, que diria: "O disposto nos números anteriores aplica-se nas Regiões Autónomas nos termos da lei".
Têm a palavra os proponentes, se o desejarem, para apresentarem e justificarem as respectivas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, a nossa proposta fala por si. Trata-se de conferir aos partidos da oposição ou não representados no Governo das Regiões Autónomas exactamente os mesmos direitos que o n.º 2 do artigo 40.º confere aos partidos políticos representados na Asssembleia da República a nível nacional e que não fazem parte do Governo da Nação.
Todos sabemos que têm existido alguns conflitos a nível regional sobre esta questão e lembro que Alta Autoridade era, muitas vezes, inundada de queixas dos partidos da oposição, nomeadamente da Região Autónoma da Madeira, queixando-se, justamente, de não terem, muitas vezes, o acesso necessário à antena para contrabalançarem as posições do Governo regional local.
Creio que, com este dispositico constitucional, damos um passo em frente para melhorar a situação dos partidos da oposição nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer um pedido de esclarecimento para um entendimento mais correcto da proposta apresentada.
Se bem entendi, a proposta do Partido Socialista não é no sentido de que os partidos representados nas assembleias legislativas regionais tenham tempo de antena na emissão de âmbito nacional. Aparentemente, a sua ideia - pareceu-me depreender isso da exposição que fez - é a de que, existindo canais de transmissão regionais, os partidos regionais deverão ter, em similitude, razões...

O Sr. António Reis (PS): - Exactamente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No seguimento desta questão, colocava uma outra: se, de hoje para amanhã, houver qualquer rádio ou televisão de natureza regional ou local no Continente, do seu ponto de vista os partidos que estão na oposição nas assembleias regionais ou nas assembleias municipais também deveriam ter direito de antena para declarações políticas do executivo regional ou municipal? É que o problema pode ser idêntico!

O Sr. António Reis (PS): - A expressão "assembleias legislativas regionais" significa que se utiliza apenas no âmbito dos órgãos das Regiões Autónomas. O que aqui está em causa é a situação dos partidos que não fazem parte dos governos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso eu percebo!

O Sr. António Reis (PS): - E não está prevista, que eu saiba, a criação de qualquer nova região autónoma em Portugal! Não é esse o sentido de qualquer dos projectos de regionalização que actualmente estão a ser discutidos!
Portanto, trata-se apenas das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. É apenas isso que está aqui em causa.
Isto aplicar-se á, obviamente, aos canais regionais. Se bem que esta seja uma dúvida que se pode colocar, pelo menos em teoria, uma vez que, pelo menos, um dos canais do serviço público, vai passar a ser emitido, a partir do mês de Outubro deste ano, nas regiões autónomas, em bom rigor nada impediria que se, nesse canal de difusão nacional, que passa agora a ser também emitido nas regiões autónomas, surgisse uma declaração do Chefe do Governo Regional dos Açores ou da Madeira, os partidos políticos da oposição não tivessem também direito de resposta e de réplica política ao mesmo nível, no mesmo canal em que foi difundida essa declaração política do Presidente do Governo Regional dos Açores ou da Madeira ou de qualquer secretário regional.
O que temos de ter em conta aqui é o princípio da igualdade de circunstâncias e nada mais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, era para pedir um esclarecimento.
Parecendo haver consenso sobre a bondade da proposta e do conceito do alargamento, surgem, de facto, dúvidas a

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acertar, designadamente a que acabou de colocar, pelo que, à primeira vista, nos parece que a formulação da proposta do Sr. Deputado António Trindade acaba por, indo exactamente no mesmo sentido da proposta do PS, deixar aberta a possibilidade de, em sede própria e posteriormente, clarificar algumas dúvidas que não parece que, para já, devam sobrecarregar o texto constitucional. É evidente que o próprio âmbito, ou seja se é regional ou se não é regional ou o caso que apresentou de haver um canal nacional, e como é que isso se fará... Penso que, com vantagens, poderá ser regulamentado em termos de lei ordinária, ficando estabelecido o princípio de que, nos termos da lei, esse direito é extensível às regiões autónomas.
Portanto, pela nossa parte concordamos, em geral, com o dispositivo proposto, mas temos alguma inclinação para uma formulação final mais no sentido da proposta do Sr. Deputado António Trindade do que da do Partido Socialista pelos motivos aduzidos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Na nossa proposta para o n.º 2 já se define que é nos termos da lei que estes direitos são exercidos, tanto a nível nacional como a nível regional; na segunda linha diz-se que, nos termos da lei, aplica-se não apenas à situação actual a nível nacional mas também a nível regional. Mas é óbvio que se houver aqui consenso no sentido de aceitar a proposta do Sr. Deputado António Trindade de aplicar não apenas o disposto no n.º 2, mas também o disposto no n.º 1 e no n.º 3 às regiões autónomas, a nossa proposta cai em função da proposta do Sr. Deputado António Trindade, que tem uma aplicação mais vasta e, no fundo, abrange mais direitos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, embora com os contornos que já foram aqui discutidos, o PSD manifesta alguma abertura em relação a esta proposta, no entanto deseja reflectir com mais cuidado, sem pretender esconder muito o problema essencial. Desde logo, vemos com diferentes graus de receptividade o problema consoante ele se aplique apenas a emissões de âmbito regional ou... O Sr. Deputado António Reis acabou por explicitar que põe a hipótese de este direito de resposta e de réplica poder vir a ser exercido em emissões de âmbito nacional se elas forem difundidas na Região. Devo dizer que já entendo menos essa lógica, já não me parece que faça tanto sentido.
Portanto, há esta reflexão a fazer em termos de limitação e contornos que pode ter uma alteração deste tipo. O PSD irá reflectir sobre o assunto, manifestando uma abertura genérica ao princípio, embora com algumas reservas quanto aos seus contornos exactos, porque nos parece que, quanto às emissões regionais, é possível encontrar-se uma solução que seja adequada, mas já temos dúvidas mais sérias e já nos inclinamos mais para a não receptividade de tentar alargar isto a emissores de âmbito nacional que sejam difundidas por todo o território nacional, onde os critérios, do nosso ponto de vista, têm de ser outros. De facto, não me parece que se deva regionalizar um canal de âmbito nacional em declarações políticas que dizem respeito a um assunto da Região.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, apenas para dizer que nós também temos dúvidas sobre isso. Como é evidente, não estamos certos se se justifique o alargamento até a esse tipo de emissões a nível nacional, mas, precisamente por isso, penso que podemos deixar para a lei ordinária a regulação da efectivação desse direito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há abertura, tanto do PCP como do PSD, para considerar a extensão às regiões autónomas dos direitos específicos de antena dos partidos da oposição, bem como o dierito de resposta e réplica política, com reservas quanto à formulação concreta e sobretudo quanto ao âmbito de aplicação desse direito.
Passamos, assim, ao n.º 3 do artigo 40.º, para o qual só existe uma proposta do CDS-PP. Actualmente a Constituição diz: "Nos períodos eleitorais os concorrentes têm direito a tempos de antena, regulares e equitativos, nas estações emissoras de rádio e de televisão de âmbito nacional ou regional...".
Portanto, refere-se a todas as estações emissoras, públicas ou privadas, enquanto o CDS-PP propõe a restrição ao serviço público de televisão e de rádio.
Apesar de não se encontrarem presentes os proponentes, esta proposta, que me parece clara e simples, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente, não subscrevemos a proposta pelos argumentos que presidiram à fixação do normativo, tal como ele existe, ou seja, as estações de rádio e de televisão, independentemente do seu estatuto jurídico, de serem públicas ou privadas, funcionam comummente usufruindo um bem colectivo que é o espaço radioeléctrico, naturalmente que com responsabilidades maiores quando têm um âmbito nacional - e aqui entra o realismo do legislador de não generalizar a situação à pequena rádio local, de cobertura local. Por conseguinte, pensamos que se deve manter o dispositivo e que a proposta de alteração não é de aceitar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - A posição do Partido Socialista é também frontalmente contrária a esta proposta do CDS-PP. Nos períodos eleitorais tem de haver, de facto, uma diferença não apenas pelo apoio de distribuição equitativa dos tempos de antena pelos diferentes partidos concorrentes mas também pela possibilidade de eles alargarem o universo de audiência do País, o que não aconteceria se os tempos de antena estivessem apenas no serviço público de televisão e de rádio. A situação actual do panorama audiovisual é clara e provavelmente, neste caso, mais de metade da audiência do País não seria atingida pelos tempos de antena.

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O Sr. Presidente: - O PSD quer tomar posição reservada?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Toma posição, embora não definitiva, em princípio favorável à proposta do Partido Popular. De facto, a realidade no quadro da qual foi redigido o actual texto do n.º 3 está alterada hoje em dia. O panorama dos audiovisuais é completamente diferente e é já prática e conhecido que existe da parte dos actuais operadores privados - e, do nosso ponto de vista, com alguma legitimidade no plano dos princípios - a reivindicação de que, no âmbito da sua liberdade de programação, deve também incluir-se a forma, por eles entendida mais adequada, para tratar nomeadamente as campanhas eleitorais e os fenómenos eleitorais, dentro, obviamente, de critérios jornalísticos que são os seus e que decorrem dos contratos de concessão a que estão obrigados. Como é evidente, isso está fora de causa, não é um problema de legitimidade que está aqui em causa.
Nesse sentido, o PSD é receptivo a este problema, que, até agora, não pôde ser resolvido exactamente por força da redacção do actual n.º 3 e, portanto, em princípio, por reconhecer esta nova realidade do panorama do audiovisual privatizado e a legitimidade na crítica de que a actual situação de algum modo choca com a sua liberdade de programação e de gerir a informação, está aberto a uma alteração na Constituição que dela apeie os obstáculos constitucionais para que se dê esse passo.
Nesse sentido, parece-nos que a proposta do Partido Popular é uma proposta que, embora os subscritores não estejam cá para a defender, pretende libertar a nova realidade privatizada do audiovisual para os critérios de programação e de liberdade de informação que eles próprios definam.
Não nos parece que seja um princípio errado, parece-nos que é um princípio adequado e, nesse sentido, o PSD está aberto a esta alteração, pensando até que ela é um passo importante. De resto - escuso de fazer perder tempo à Comissão -, todos conhecemos o que se tem passado nos últimos actos eleitorais e as reivindicações, com alguma legitimidade no plano dos princípios, não no plano da lei, porque ela é o que é até a alterarmos, mas, pelo menos no plano da lógica dos princípios e da argumentação induzida pelos canais privados.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar da abertura do PSD, não há viabilidade para a proposta. Se me é permito um comentário pessoal, direi: felizmente! Penso que, entre nós, as televisões privadas têm menos obrigações públicas do que em qualquer outro lado e, ainda por cima, nem sequer as cumprem. Portanto, espero que, apesar de se manter na Constituição esta obrigação pública das estações privadas, ela seja efectivamente cumprida e que uma estação não possa olimpicamente trocar essa obrigação pública por um minuto de publicidade para pagar as multas que, por junto, lhe cabem.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 42.º, em relação ao qual o CDS-PP propõe uma alteração que me parece puramente literária, que é juntar o n.os 1 e 2.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, ainda antes de passarmos ao artigo 42.º, no que se refere à proposta do Sr. Deputado António Trindade em relação ao artigo 40.º, ainda ninguém se pronunciou...

O Sr. Presidente: - Ela foi conglobada na proposta do Partido Socialista!

O Sr. António Reis (PS): - Mas, apesar de tudo, convinha chamar a atenção...

O Sr. Presidente: - Ainda a propósito do artigo 40.º? O âmbito é bastante maior...

O Sr. António Reis (PS): - Em todo o caso, esta proposta talvez tenha uma incorrecção formal, na medida em que o n.º 3...

O Sr. Presidente: - Já se aplica às Regiões!

O Sr. António Reis (PS): - ... já se aplica às Regiões. Portanto, o que está aqui em causa são os n.os 1 e 2.

O Sr. Presidente: - Na verdade, só se aplica ao n.º 2, porque o n.º 1 também já está!

O Sr. António Reis (PS): - Então, tudo se reconduz à proposta do Partido Socialista!

O Sr. Presidente: - Na verdade, tudo se reconduz à proposta do Partido Socialista, ou seja na formulação que o Partido Socialista propõe ou numa formulação autónoma mas limitada ao n.º 2!
Quanto ao artigo 42.º, como já havia dito, o CDS-PP apresenta uma proposta de fusão dos dois números. Os subscritores não estão cá para a defender, mas parece-me que a proposta não tem grande defesa.
Sugiro que passemos adiante. Se o CDS-PP entender dever discuti-la terá, obviamente, oportunidade para o fazer.
Passamos ao artigo 43.º, em relação ao qual foram apresentadas propostas, pelo CDS-PP e pelo PSD, de alteração ao n.º 2.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, então o artigo 42.º fica adiado?

O Sr. Presidente: - Sim!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para apresentar a proposta do seu partido, que visa substituir a expressão "O Estado não pode atribuir-se o direito de programar" por "o Estado não pode programar".

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em termos de apresentação, é apenas para fazer uma precisão, porque, no fundo, não se trata de uma alteração substantiva. O que está aqui em causa, de facto, num aspecto tão fundamental hoje em dia, como é a liberdade de aprender e de ensinar, com toda a importância que isso assume nas sociedades de hoje, e o interesse que todos os cidadãos e todas as famílias dedicam ao problema da educação, é apenas uma precisão no sentido de que o que está aqui em causa não é a proibição de o Estado se atribuir o direito de, o que está em causa é o Estado fazê-lo.
Portanto, a única intenção do PSD aqui não é uma alteração substantiva, é apenas uma precisão do texto constitucional, no sentido de deixar claro que, de facto, o Estado não deve... Não pretendemos, de forma alguma, alterar a norma, mas queremos deixar aqui uma precisão

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daquilo que verdadeiramente, hoje em dia, é o sentimento das pessoas e penso que genericamente também dos próprios partidos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, trata-se de uma precisão formal que, a meu ver, em princípio, até torna mais taxativo e mais claro este comportamento que se atribui aqui ao Estado. Portanto, não pomos qualquer objecção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras da oradora).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - É nosso entendimento que a proposta apresentada pelo PSD tem cabimento bastante, parece-nos razoavelmente sensata e não se retringe, ao contrário do que acontecia em relação ao artigo 42.º, a uma mera questão literária, pelo que é passível de aceitação.

O Sr. Presidente: - Está registado o consenso para com esta proposta de alteração do PSD, a que eu também dou o meu acordo.
Deixamos de remissa a proposta do CDS-PP para quando ele cá estiver.
Srs. Deputados, vamos agora passar ao artigo 46.º.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, ainda em relação a esta proposta do PSD, não se trata de uma operação literária. O que o texto constitucional diz é que "o Estado não se pode atribuir o direito de programar". E se ele programa sem direito?

Risos.

O Sr. Presidente: - A boa doutrina...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A doutrina não basta, é preciso um texto que seja claro!

O Sr. Presidente: - Certo! Por isso mesmo é que teve apoio!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É, no fundo, a questão que está aqui em causa! O Estado não pode é programar por qualquer meio, legítimo ou ilegítimo!

O Sr. António Reis (PS): - Todas as precauções são poucas aqui!

O Sr. Presidente: - Adquirido!
Srs. Deputados, passamos, então, ao artigo 46.º. Como as alterações ao texto actual são de aditamento, deixá-las-emos para uma segunda fase.
Em relação ao n.º 4 deste artigo, foram apresentadas propostas pelo CDS-PP, pelo PS, pelo PSD, pelo Sr. Deputado Claúdio Monteiro e por Os Verdes.
O actual texto do n.º 4 do artigo 46.º diz o seguinte: "Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares nem organizações que perfilhem a ideologia fascista".
O CDS-PP, logo na primeira parte, propõe a seguinte alteração, com um sentido que não alcanço: "Não são consentidas associações armadas de tipo militar, militarizadas ou paramilitares (...)". Parece, portanto, que deixa de fora outras associações armadas que não sejam do tipo militar, militarizadas ou paramilitares. E, quanto à expressão "nem organizações que perfilhem ideologia facista", o PP propõe a seguinte alteração: "organizações cujo objectivo ou acção atentem contra a unidade nacional ou regime democrático". Portanto, o programa normativo do preceito é alargado.
A proposta do PS alarga também o âmbito normativo às organizações de carácter racista.
O mesmo acontece em relação à proposta do PSD que, por sua vez, em vez de "organizações que perfilhem ideologia fascista", alarga para "organizações que perfilhem ideologias totalitárias", acrescentando também "organizações racistas".
Os Verdes acrescentam apenas "organizações de carácter racista".
O Sr. Deputado Claúdio Monteiro, pura e simplesmente, restringe o âmbito normativo - é o único que o faz -, eliminando a proibição de organizações que perfilhem a ideologia fascista.
Srs. Deputados, pela minha parte estão apresentadas as propostas, sem prejuízo do direito de cada proponente fazê-lo de motu próprio, a justificar a proposta.
Portanto, existe uma proposta que restringe o âmbito normativo, limitando a proibição, que é a do Sr. Deputado Claúdio Monteiro, e todas as outras, de um modo ou de outro, alargam as proibições em matéria de direito de associação.
Por ordem de apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, pouco há a acrescentar, em todo o caso queria chamar a atenção para o facto de cada vez mais, nos tempos que correm, enfrentarmos este fenómeno do alastramento de manifestações de organizações de tipo racista. As revisões constitucionais são o momento adequado para nos precavermos contra ameaças que começam a surgir no horizonte. Nada melhor, pois, do que, justamente, aproveitarmos esta revisão constitucional para introduzirmos aqui um dispositivo de carácter preventivo contra este tipo de organizações que, nos tempos que correm, têm tendência a proliferar. Antes que seja tarde, tomemos as necessárias medidas de carácter constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite a blague, o PSD entende

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que as organizações racistas não têm carácter. Não têm carácter seguramente. De facto, não nos parece bem o termo "carácter", porque as organizações são ou não são racistas. Não é um problema de carácter que está aqui em causa. Penso que o termo "carácter" só complica e pode, inclusive, dar azo a...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que não vale a pena gastar mais tempo porque o Sr. Deputado António Reis manifestou uma adesão imediata à fórmula do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já mais substantiva, e não uma mera questão de clareza, é a alteração do actual texto "organizações que perfilhem ideologia fascista" por "organizações que perfilhem ideologias totalitárias". De facto, o que está aqui e causa é o problema do totalitarismo por oposição ao próprio conceito de Estado de direito democrático que está vertido na nossa Constituição. Esta, sim, é uma alteração que não reduz, amplia, mas amplia numa faceta que nos parece fundamental e que tem a ver com a própria realidade dos tempos de hoje.
Todos conhecemos os regimes fundamentalistas que existem, hoje em dia, um pouco por todo o lado. Não é só no continente africano, mas por todos os continentes. A ameaça desses regimes fundamentalistas é real. Esse fundamentalismo nada tem a ver com ideologias fascistas, embora, na prática, em termos de linguagem, se possa fazer uma ligação, mas trata-se de questões diferentes e para questões diferentes deve haver também conceitos diferentes.
É nesse sentido que nos parece que não se trata de uma mera adequação de linguagem, existe aqui, com toda a franqueza, o intuito de alargar o âmbito do que está na Constituição. É evidente que as ideologias fascistas também cabem aqui - isto está fora de causa para todos nós -, mas, de facto, há outras realidades hoje em dia que se diferenciam claramente daquilo que é conhecido na ciência política como regimes fascistas, que são ameaças reais nos dias que correm. Por isso, a nossa Constituição, do nosso ponto de vista, deve ser alterada no sentido de deixar claro que nenhuma organização que perfilhe uma ideologia totalitária deve ser aceite pela ordem jurídica nacional. É essa a razão da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o que existe de subjacente e essencial na proposta de Os Verdes é a inclusão das organizações racistas. Aceito perfeitamente que a expressão "de carácter racista" não seja a melhor, mas essa não é a questão substantiva. Portanto, trata-se apenas de saber se esta adenda deve ou não ser feita. Em nosso entendimento, deve sê-lo. No nosso país não há sinais de racismo, há é um fenómeno que não tem sido prevenido e que deve sê-lo, e julgo que o texto constitucional deve reflectir essa necessidade.
Em relação à proposta do PSD, se o sentido é claro...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe, mas tem a palavra apenas para apresentar a sua proposta.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Então, fico inscrita para a discussão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em discussão as propostas enunciadas, as apresentadas e também aquelas cujos proponentes não se encontram cá.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, era para dizer tão-só que julgo que, se há situações diferentes do ponto de vista planetário daquilo que pode constituir um perigo e um constrangimento à liberdade de associação - e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes referiu, por exemplo, a questão do fundamentalismo -, penso que também há contextos diferentes, designadamente contextos históricos. Julgo que, no contexto histórico português, aquele que pode objectivamente ser uma limitação clara da liberdade de associação e aquele que nos é mais próximo como vivência, não é propriamente o fundamentalismo, como uma expressão de um regime totalitário, mas, sim, as organizações de carácter fascista.

O Sr. Presidente: - Também sem carácter!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Perdoe-me, mas deve ser um vício...!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, estava, obviamente, a plagiar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes!

Risos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, pela parte do PCP, há inteira concordância em relação ao alargamento às "organizações racistas". Acho que é uma questão que se justifica por si e que não carece de qualquer desenvolvimento.
Em relação à proposta do PSD, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, como sabe muito bem, as palavras não são neutras nem existem isoladamente na história real e concreta dos povos, resultam da sua aplicação, ao longo do tempo, na luta política e na luta das ideias e, depois, na sua própria vivência em termos legislativos e em termos normativos legais.
O que acontece, penso eu, é que, longe de termos um enriquecimento sobre a aplicação desta norma constitucional, que penso a nossa experiência histórica de todo aconselha, com a substituição do termo "fascista" pelo termo "totalitário", onde tínhamos um conceito preciso, conciso e útil e com inteira aplicação na nossa realidade nacional, passamos a ter um conceito polémico, difuso, complexo, de difícil aplicação e, ainda por cima, particularmente polémico na nossa realidade nacional. Ou seja: onde tínhamos um conceito operativo e eficaz, passamos a ter um conceito confuso e, eventualmente, de complexa aplicação, fazendo até correr o risco de esvaziar o anterior conceito naquilo que ele tinha de aplicável e útil à realidade portuguesa.
Portanto, manifesto a nossa concordância em relação à primeira parte da proposta do PSD, subscrevendo a reserva formal acerca do "carácter", e a nossa discordância em relação à outra substituição.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Eu percebo a objecção e o PSD também reconhece - as actas dos trabalhos desta Comissão são disso testemunho - aquele que é, em alguns aspectos - e sabêmo-lo reconhecer quando tem peso suficiente -, o património histórico que a própria Constituição também tem de encerrar.
Nesse sentido, fazia uma proposta muito singela ao Sr. Deputado. O PSD não vê qualquer problema em que conste na Constituição a expressão "que perfilhem ideologias fascistas ou totalitárias", o problema é que, hoje em dia, não são apenas as ideologias fascistas que estão aqui em causa. Compreendo e, em resposta às suas preocupações, o PSD avança, desde já, em alternativa, que se altere o texto, mantendo a expressão "que perfilhem a ideologia fascista", mas acrescentando a expressão "ou totalitária" ou qualquer outra expressão, por forma a atingir o nosso objectivo, que não tem minimamente a ver com retirar o património histórico que cá está. Nesse sentido, com toda a abertura, propomos que se mantenha o termo "fascista", mas o problema é que há outras realidades que devem ser postas claramente em cheque na Constituição, que são realidades de hoje e que não estão cobertas pelo termo "fascista".
Portanto, a nossa proposta, face às observações do Sr. Deputado, é a de que passe a constar a expressão "que perfilhem ideologias fascistas ou totalitárias".

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas continuam abertas à vossa consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, julgo que temos de ter o máximo cuidado num dispositivo desta natureza. Se não se define com precisão o âmbito das ideologias, estamos a abrir uma verdadeira "caixa de Pandora", o que poderia ter consequências graves um dia, num outro contexto histórico ou político. Portanto, devemos ter o máximo cuidado, devemos pegar com pinças neste artigo, e qualquer alteração tem de ser muitíssimo bem pensada.
Por outro lado, a expressão "ideologias totalitárias" é, a nosso ver, demasiado vaga, abstracta e poderia ter consequências perniciosas a prazo. Também a expressão "ideologias fascistas", para além de ter um conteúdo ideológico muito mais rigoroso, preciso e historicamente caracterizado, tem um significado histórico e simbólico em Portugal. De facto, foram mais de 40 anos em que estivemos sob uma variante da ideologia fascista, colonizados por uma variante da ideologia fascista.
Creio que a Constituição tem de trazer consigo sempre algum perfume histórico, e, por isso mesmo, creio ser de manter a formulação actual, que tem a ver com a nossa história e com a nossa experiência vivida.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é uma pergunta com o seu quê de provocatório, mas que, com toda a franqueza, não queria que fosse tomada de ânimo leve.
Queria perguntar ao Sr. Deputado António Reis se era capaz de nos dar algum exemplo de uma organização que perfilhe uma ideologia totalitária que seja, do seu ponto de vista, aceitável.

O Sr. António Reis (PS): - Uma ideologia totalitária?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado pôs em causa o conceito do termo "totalitária", dizendo que ele era demasiado vago e podia ser perigoso. Então, queria perguntar-lhe directamente se era capaz de me dar um exemplo de uma organização que perfilhe a ideologia totalitária e que, do seu ponto de vista, fosse aceitável nesse sentido. Era mau que ficasse abrangido por um processo deste tipo.

O Sr. António Reis (PS): - Não vou fazer um juízo de valor sobre o carácter mais ou menos totalitário das ideologias de alguns partidos que estão actualmente legalizados junto do Tribunal Constitucional, mas nada impede que, um dia, qualquer cidadão, por exemplo, considere que - não sei se ainda se chama assim - o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) seja um partido de ideologia totalitária, pela fidelidade que manifesta aos ideias de Mao-Tse-Tung.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se for esse o caso, é evidente que deve ser proibido!

O Sr. António Reis (PS): - Imagine que ficava no texto constitucional este dispositivo... Provavelmente, haveria razões para denunciar, junto do Tribunal Constitucional, o carácter totalitário de um dos partidos actualmente reconhecidos e legalizados por ele.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E não acha que devia ser, Sr. Deputado?

O Sr. António Reis (PS): - Acho que não!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era esse esclarecimento de que eu precisava.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estas propostas têm vários elementos. Quanto ao acrescento das "organizações racistas" havia convergência entre vários projectos, como é o caso dos do PS, do PSD e de Os Verdes, e, por isso, deve dar-se por adquirida; quanto à alteração da expressão "organizações que perfilhem a ideologia fascista", proposta pelo PSD e pelo CDS-PP, há a oposição do PCP e do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas tratando-se de uma questão política - e prometo não gastar muito tempo à reunião -, queria deixar uma nota política para a acta.

O Sr. Presidente: - Então, seja breve, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Penso que ficou claro neste debate que, afinal, o problema que está em causa para alguns dos partidos não é tanto o de prevenir

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determinado tipo de situações que, obviamente, o nosso património histórico demonstrou como altamente lesivas dos direitos dos cidadãos e das próprias condições de desenvolvimento do País, mas antes uma tomada de posição perfeitamente dirigida a uma determinada categoria de situações de opção dos cidadãos, porque, na prática, parece que, de uma maneira mais ou menos clara - e face às perguntas que eu fiz respondeu quem quis; como é evidente, dirigi-as ao Partido Socialista, mas os outros partidos abstiveram-se de comentar -, é aceitável para alguns partidos que existam organizações que perfilhem ideologias e regimes de opressão, desde que não sejam de uma determinada tonalidade política.
Ora, não é esse o entendimento do Partido Social Democrata e, por isso, consideramos grave que seja entendido, em 1996, por alguns partidos com representatividade e responsabilidade na sociedade portuguesa que os totalitarismos ou os regimes de opressão podem ser bons ou maus consoante venham deste ou daquele quadrante político.

O Sr. Presidente: - Está feita o ponto político do Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho. Também quer fazer um ponto político?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, era para...

O Sr. Presidente: - Não é propriamente a função desta Comissão fazer pontos políticos!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, tratando-se de um ponto político que formula, de certa forma, uma acusação, não pode, naturalmente, deixar de ser objecto de uma resposta.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o problema que se coloca - e penso que fui muito claro - não é o de qualquer hesitação, pelo menos naquilo que diz respeito ao PCP, de condenação de regimes com o perfil que teve, por exemplo, o regime fascista, o que entendemos é que a formulação "regimes totalitários" longe de suprir esse objectivo, que até poderá ser comum, introduz um elemento perigoso, confuso, polémico, que não alarga o conceito, bem pelo contrário, introduz um elemento de confusão.
Não é, pois, legítimo, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, vir dizer, pelo menos no que diz respeito ao PCP, que existe alguma hesitação na condenação de regimes que violem as normas do regime do Estado de direito. A nossa discordância reside, sim, em entendermos que a proposta do PSD não supre esse objectivo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mesmo reformulada?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Mesmo reformulada, porque se mantém um conceito que é, em si próprio - e eu prefiro a formulação, que me parece feliz, do Sr. Deputado António Reis -, uma "carta de Pandora" um pouco complicada.
O Sr. Deputado António Reis apresentou o exemplo do MRPP. Ora, eu e todos nós podíamos apresentar dezenas. O Sr. Deputado Luís Marques Guedes formulou o problema dos fundamentalismos de carácter religioso, mas devo dizer que, se fossemos agora discuti-los, seguramente teríamos grande dificuldade em chegarmos a um consenso, porque talvez uns estejam a pensar nuns fundamentalismos e outros noutros.
E se, amanhã, por exemplo, pudermos englobar nisto, como se engloba - e pensamos que é uma polémica que não enriquece (portanto, precisa de ser travada) o dispositivo constitucional -, a própria polémica da presença de organizações políticas confessionais ligadas ao judaísmo ou organizações políticas confessionais ligadas à religião muçulmana... O conceito é extraordinariamente complicado e, em nosso entender, introduzi-lo aqui não ajuda.

O Sr. Presidente: - Aqueles que têm acompanhado a feitura da revisão constitucional, sabem que isto foi um remake. Ele está feito.
Passamos, agora, aos aditamentos a este artigo 46.º.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Gostaria de pedir a concordância da Comissão para o adiamento do debate da proposta do PCP de aditamento do n.º 5. A razão de ser é muito simples: quem domina inteiramente esta área é o Sr. Deputado António Filipe, que, conforme se sabe, está um pouco longe para poder participar neste debate. Portanto, se houver a concordância do Sr. Presidente e da Comissão, pedíamos que este debate fosse diferido para posterior análise.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, relembro apenas que defeni, sem oposição, que estes adiamentos valem por uma reunião.
Entretanto, lembro que Os Verdes apresentaram uma proposta de aditamento de um novo número, a que deram o n.º 4, mas que, na verdade, é um novo número, que diz o seguinte: "É garantido às organizações não governamentais o direito de participar na definição das políticas relativas à sua área de actuação".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para o caso de querer acrescentar alguma coisa ao teor da proposta.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, penso que o conteúdo da proposta é claro: insere-se no alargamento dos direitos não só de associação mas fundamentalmente de participação e está de acordo com outras propostas constantes do nosso projecto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Na verdade, a proposta é transparente, mas escapa por completo ao programa normativo deste preceito, que diz respeito à liberdade de associação e, nesse sentido, assegura liberdades de actuação, de criação, de constituição de associações, proíbe restrições de vários tipos e consagra uma grande excepção a esse grande princípio de liberdade.

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A sede própria para um preceito deste tipo, a ter cabimento, seria, seguramente, naquela parte em que a Constituição trata dos direitos de participação, quer em geral, quer caso a caso. Por exemplo, no nosso caso, propomos reforço em concreto de certos direitos de participação de certas associações nas sedes próprias. Naturalmente que uma difinição deste tipo estaria francamente no sítio errado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua em discussão.

Pausa.

O silêncio significa não adesão à proposta. A proposta, portanto, não tem acolhimento.
Srs. Deputados, há uma parte de sistematização do PSD, que visa transportar para o capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias de carácter pessoais o actual artigo 62.º sobre o direito de propriedade.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, é apenas para acrescentar um pouco àquilo que o Sr. Presidente acabou de dizer. É um pouco mais do que uma mera questão de sistematização; é uma sistematização que tem, obviamente, o seu impacto em termos substantivos. No fundo, trata-se de transplantar aquilo que actualmente está no artigo 62.º, ou seja, no âmbito dos Direitos e Deveres Económicos, para o Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias, e, portanto, atribuir um carácter de direito pessoal à propriedade privada. Não é bem atribuir um carácter, é reconhecer um carácter de direito pessoal à propriedade privada. Do ponto de vista do PSD, trata-se, de facto, de um reconhecimento e não de um aumento da dignidade daquilo que é a propriedade privada.
O PSD pensa que a razão de ser da actual sistematização da Constituição, todos a conhecemos, não vale pena tecer comentários à volta dela. Esses problemas, hoje em dia, já não se colocam. Essa visão diferenciada das coisas está bastante esbatida e penso que há um consenso já generalizado sobre essas questões.
De facto, do ponto de vista do PSD, é em sede de Direitos, Liberdades e Garantias que se tem de colocar o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte. Este é um problema de um direito pessoal dos cidadãos, bem como as garantias de indemnização no caso de expropriação ou de requisição. Sempre deveria ter sido essa a sede destes direitos. É em sede de Direitos, Liberdades e Garantias que deve estar colocado este preceito constitucional e não nos Deveres Económicos, que, manifestamente, apenas visualizam uma das partes do que está aqui em causa nestes direitos, como o próprio texto constitucional, relativamente ao qual não alteramos nem uma vírgula, dispõe, porque, de facto, a propriedade privada, a sua transmissão em vida ou por morte, a garantia de indemnização é muito mais do que um direito económico, é um direito pessoal.

O Sr. Presidente: - Está a consideração esta proposta do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é interessante que, quando se faz um "redebate" - e esta palavra diz pouco porque se trata verdadeiramente de rediscutir pela enésima vez alguma coisa que é um tema obrigatório de revisões constitucionais entre nós -, fica a interessante impressão de que a evolução da história tem uma extraordinária força e um extraordinário peso, porque, de facto, na história recente portuguesa, a esta reinserção sistemática foram atribuídos, por determinadas forças políticas, poderes quase taumatúrgicos no passado. Houve quem visse nessa reinserção uma espécie de alavanca capaz de romper limites constitucionais existentes à data em que esses debates tiveram lugar e subsistindo, em termos renovados ou remodelados, após 1989, e de despojar de qualquer sentido social o direito de propriedade privada, vestindo-lhe uma roupagem que colidiria com a filosofia, os princípios e a estrutura da Constituição, em especial da parte económica, gerada na sequência do 25 de Abril.
Verdadeiramente, vinte anos depois, estabilizou-se a hermenêutica do artigo. Nenhuma dúvida há de que, em Portugal, tanto para os cidadãos portugueses como para os cidadãos estrangeiros, dentro do respectivo estatuto próprio, é garantida a propriedade privada em termos que são conformes às convenções internacionais, ao direito comum de diversos povos, mas com o sentido próprio que flui do nosso texto constitucional com a sua feição específica, que não é hoje motivo de polémica. Aí, onde não há motivo de polémica e onde não há controvérsia na ordem jurídica corrente, por força de uma norma constitucional, dificilmente haverá razão para operar uma mudança, a não ser que se queira reescrever a história. Francamente, não vale a pena fazê-lo quando ela já se fez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer que não estamos de acordo com a proposta, que vai mexer com tudo o que vem no capítulo da Constituição económica e, por isso, isto deveria até ser debatido quando se debatessem esses artigos. Pensamos, no entanto, que transferir esta garantia do direito à propriedade privada para esta parte implica profundas alterações em várias coisas.
É de salientar que, mesmo na colocação sistemática, ficaria prioritariamente em relação à garantia do direito ao trabalho, o que, creio, demonstra uma filosofia à qual não aderimos, como é óbvio; será a do PSD. E os efeitos não seriam despiciendos. Até a própria aplicação não é por força do artigo 17.º, mas por força do artigo 18.º da Constituição da República, do regime de protecção dos direitos, liberdades e garantias, pelo que traria grandes alterações. Assim, manifestamos o nosso desacordo em relação a esta proposta.

O Sr. Presidente: - Confesso que o problema da colocação sistemática do direito de propriedade não me apaixona particularmente. Em todo o caso, há um aspecto da proposta do PSD que eu gostaria fosse clarificado. Hoje, quer a jurisprudência constitucional quer os comentaristas não têm dúvidas (aliás, nunca tiveram, creio que no primeiro caso, seguramente no segundo) quanto à ideia de que o direito de propriedade é um

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direito que goza, ao abrigo do artigo 17.º do regime dos direitos, liberdades e garantias - portanto, isso não está em causa. Acontece, porém, o seguinte: a formulação do actual artigo, tal como está, diz que "é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição". Não há qualquer abertura para as restrições legais impostas pelo interesse colectivo - estou a utilizar uma fórmula que está no artigo 47.º, n.º 1. Isto quer dizer que, segundo o artigo 18.º da Constituição, se trespassássemos para a sede dos direitos, liberdades e garantias, esta formulação, tal como está, pura e simplesmente inconstitucionalizaríamos todas as restrições legais ao direito de propriedade, já que o artigo 18.º não admite outras restrições senão as previstas na lei.
Ora bem, este resultado não pode ser querido pelo PSD, nem expressa nem implicitamente. Portanto, esta transferência só é admissível se o PSD consentisse em que a norma do artigo fosse reformulada. Por exemplo, o CDS-PP, mais avisadamente, aliás sem mexer na sistematização, propõe: "é garantido o direito à propriedade privada à sua transmissão em vida ou por morte nos termos da lei". E todas as declarações internacionais de direitos fundamentais dizem "nos termos da lei", ou "salvaguardadas as restrições derivadas ou exigidas pelo interesse colectivo", que é a fórmula que está no artigo 47.º da actual Constituição para a liberdade de profissão.
Se o PSD entender clarificar essa proposta, por mim, pessoalmente, não teria nenhuma dúvida em manifestar abertura à transferência sistemática do preceito porque, de outro modo, a única coisa que tem permitido à jurisprudência salvaguardar constitucionalmente as restrições legais do direito de propriedade é o facto de ele não estar no capítulo dos direitos, liberdades e garantias. Se estivesse, com esta formulação, qual seria a base constitucional para as disposições legais? Se há um direito que hoje, nas sociedades modernas, altamente reguladas, e felizmente minimamente solidárias, tem restrições exigidas pelo interesse da colectividade, é o direito de propriedade. Eis uma clarificação que penso que deve ser feita.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, discordo, em parte, daquilo que disse, mas posso, desde já, adiantar a conclusão de que a razão de ser de o PSD não ter alterado a parte final de "nos termos da Constituição" para "nos termos da lei" não é propriamente uma razão de ser substantiva. É apenas por o PSD ter pretendido... Até porque conhecemos os fantasmas de natureza política que ainda ensombram alguns espíritos e que, já no passado, obstaculizaram a esta alteração sistemática, que nos parece a todos, pelos vistos aparentemente, em parte, menos ao Sr. Presidente, que não compartilha a ideia dos fantasmas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isto não é um fantasma! É uma questão concreta!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, mas eu levantei uma questão concreta! E, se me permite a conclusão, é esta proposta, nos termos em que foi feita, que alimenta os fantasmas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas o Sr. Deputado Marques Guedes ainda estava a varrer os fantasmas!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, comecei por lhe dar razão ao dizer que não se tratava de uma lógica substantiva mas apenas por o PSD, para não suscitar aqui interpretações duvidosas de que pretenderíamos algo mais do que verdadeiramente pretendemos, ter optado por propor que se agarre no artigo, tal qual está lá à frente, e se passe para trás. É evidente que o PSD não deixou de sopesar (e agora vem a resposta directa à questão técnica que o Sr. Presidente coloca) se isso tem ou não tem algumas implicações jurídicas, alguns óbices jurídicos directos. A nossa interpretação, aí, diverge da do Sr. Presidente porque, de facto, nos parece que também não pode ser interpretado de ânimo leve o facto de cá estar escrito "nos termos da Constituição" porque, pura e simplesmente, podia não estar nada. E a Constituição já tem, no artigo 82.º, relativo à divisão dos sectores de propriedade dos meios de produção, onde claramente já se diferencia a necessidade de existência - com óbvios reflexos, depois, para a ordem jurídica - de um sector público cujos meios de produção e gestão apenas podem ser apropriados pelo Estado, de um sector privado e de um sector cooperativo.

O Sr. José Magalhães (PS): - E isso basta como cláusula restritiva?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, aquilo que me pareceu serem os óbices, que compreendo, avançados pela questão colocada pelo Sr. Presidente, do nosso ponto de vista acabam também por poder ser resolvidos pelo facto de o actual texto do artigo 62.º, que propomos que passe para 48.º, remeter para "nos termos da Constituição". A Constituição, ela em si, já contém normas que, claramente, dizem que há determinado tipo de sectores de propriedade cuja apropriação esta reservada para o sector público.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Guedes, mas não se trata apenas de saber dos limites à propriedade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o PSD não tem problema absolutamente nenhum, se é colocada como óbice essa questão, em que, em vez de "nos termos da Constituição", se diga "nos termos da lei", para permitir que, sem sombra de dúvida, na jurisprudência ou na interpretação que venha a fazer-se da norma, na lei de delimitação de sectores, haja diferenciações...

O Sr. José Magalhães (PS): - E não só na lei de delimitação de sectores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Em todas as outras leis. Se é esse o problema, com certeza!

O Sr. Presidente: - E no Código Civil.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, no Código Civil, no Código de Expropriações...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, óptimo, se é esse o problema do PS e de outros Srs. Deputados, o PSD, desde já aceita a alteração de "nos termos da Constituição" para "nos termos da lei".

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O Sr. Presidente: - Pela minha parte, vou já dizer que a principal objecção estaria levantada, portanto, o problema da transferência sistemática, para mim, deixa de ter grande sentido a partir desse momento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer um ligeiro comentário a este rebate - o problema tocou outra vez a rebate nas hostes da revisão da Constituição.
Da parte do PSD, é tão teimoso manter esta proposta que vem do fundo das nossas idades constitucionais, como é, da parte dos outros partidos em geral, negarem-no. Assumamos que esse rebate é comum! Somos, ambos os grupos, entêtés! Afrontamo-nos nisto!
Quando aqui se coloca "nos termos da Constituição", é evidente que esta fórmula não pode excluir as restrições ao exercício de qualquer direito fundamental. O que aqui resulta da leitura da nossa proposta é que a titularidade, essa, é garantida de tal maneira que, no n.º 2, onde se perde o direito de propriedade através das figuras da requisição e da expropriação, aí faz-se uma reserva expressa da lei. Quanto às restrições gerais ao exercício de qualquer direito fundamental, essas, é uma distinção que está feita também nalguma doutrina (nunca se pode dizer "a doutrina", porque a doutrina não existe como tal). Aquilo que são restrições ao exercício dos direitos fundamentais, não precisa propriamente de... E daí a lógica da fórmula de que só o núcleo essencial dos direitos fundamentais é que está protegido.
Mas o avanço que está feito, ao constar "nos termos da lei", creio que ser perfeitamente satisfatório e representa uma pacificação, ao nível da linguagem e ao nível dos conceitos, dizer que, no direito de propriedade, também se exprime a personalidade dos membros da sociedade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, muito simplesmente, queria dizer que nem mesmo essa alteração nós aceitamos.
Ao nível de alguns direitos fundamentais, como direitos dos trabalhadores, nomeadamente o direito à greve, é curioso fazer a interligação entre o que o PSD propõe e agora aceita para este artigo e aquilo que vem propor para o artigo 57.º, em relação ao direito à greve.

O Sr. Presidente: - Lá chegaremos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas creio que, mesmo assim, havia direitos fundamentais dos trabalhadores que ficariam restringidos de uma maneira inaceitável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, esta observação é, no fundo, um eco, um comentário às reflexões do Sr. Deputado Barbosa de Melo, feitas há pouco sobre a reedição dos rebates.
Quero dizer - aliás, em consonância com aquilo que o Sr. Presidente acabou de exprimir há pouco - que temos por boa a seguinte filosofia: onde há fogo deve haver rebate! Ainda que seja o enésimo fogo e o enésimo rebate, porque aí, onde a chama existir, deve haver o extintor. Agora, não faz sentido nenhum tocar a rebate por fogos extintos. A nossa única preocupação é que eles sejam extintos. Não vale a pena acordar polémicas do passado que não se colocam hoje nos mesmos termos, sobretudo depois da revisão constitucional de 1989, e nos termos, aliás, interessantes e positivos que dela decorrem neste ponto concreto, curiosamente. A revisão constitucional deve pacificar e, se for possível encontrar uma solução que satisfaça as nossas preocupações de criação de cláusulas que permitam aquilo que é normal em Estados civilizados e que, entre nós, tem sido pacífico. Essa pacificação constitucional será consonante com a pacificação que existe na ordem jurídica e no sentimento comum jurídico que é respirado por quase todas as famílias políticas. Portanto, isso será positivo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do PSD, nos termos em que foi reformulada, tem a abertura do PS e a oposição do PCP.
Passamos ao artigo 48.º, para o qual há uma proposta do PS de aditamento de um novo n.º 2, que é do seguinte teor: "A lei assegurará a não discriminação em função do sexo no acesso aos cargos políticos, visando um equilíbrio justo de participação entre homens e mulheres".
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, a nossa proposta visa garantir uma maior democratização do sistema político pela promoção da participação das mulheres na vida política. Consideramos que é uma medida positiva, que não colide com outros aspectos da Constituição e que deve ser consagrada - as modernas Constituições têm dado a este aspecto bastante relevo. A promoção da participação das mulheres na vida política é um indicador civilizacional importante que penso que a Constituição deveria consagrar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, primeiro, queria pedir um esclarecimento: a redacção é um bocado enviesada porque, por um lado, começa por dizer, na primeira linha, que a lei assegura a não discriminação - o que, aparentemente, não é nada, porque é evidente que a discriminação já está proíbida noutras sedes da Constituição, e é, em princípio, algo a que o legislador ordinário nunca pode acorrer, a menos que haja situações expressas que decorram do princípio da igualdade, situações de discriminação positiva ou outras; mas depois, na segunda linha, diz-se, ou parece ser essa a formulação pretendida pelos proponentes, que a lei tem de assegurar "um equilíbrio justo de participação entre homens e mulheres". Embora não se perceba muito bem o que é que isso quer dizer, a pergunta que dirijo ao PS é se, com esta proposta, pretende que fique o legislador ordinário obrigado - porque isto, colocado assim, é um comando da Constituição - a aprovar uma qualquer legislação que reedite, eventualmente, aquela promessa do Secretário Geral do PS quando estava na oposição, do estabelecimento legal de quotas na formação de listas para cargos políticos, ou coisa que o valha. De outra forma, sem uma explicitação correcta do PS de qual é que deve ser a atitude do legislador

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ordinário face a um preceito deste tipo, temos alguma dificuldade sequer em discutir a bondade ou a nossa não aceitação do princípio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, há muitos preceitos constitucionais que são princípios, que não estão, infelizmente, cumpridos na sociedade e não deixam, por isso, de ser objectivo da nossa "Magna Carta". Este é um princípio orientador, não obriga a nenhuma legislação especial, a não ser onde exista, de facto, discriminação objectiva, e está em curso a apreciação de, pelo menos, um diploma em que a lei tem sido insuficiente para garantir a discriminação no acesso ao emprego. Portanto, parece-nos que esta medida positiva, como princípio enunciador, é indispensável para uma Constituição moderna.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - A minha pergunta é muito concreta, e é a seguinte: qual é o sentido, para o PS, da expressão "justo equilíbrio de participação"? De que é que isto é sinónimo, no entendimento da Sr.ª Deputada Elisa Damião, considerando, apesar de tudo, que isto seria algo a definir em termos da lei. Depois de me responder a isto, gostaria de dizer mais algumas coisas.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Deputada, o "justo equilíbrio" está em permitir que as mulheres estejam representadas no sistema político de acordo com a sua representação na sociedade. Não me parece que haja outro tipo de justiça. É evidente que há bloqueios culturais, sociais e económicos que a Constituição já refere e que têm de ser ultrapassados. Este preceito constitucional visa enquadrar medidas para ultrapassar esses bloqueios. Se há 51% de população portuguesa feminina, é justo que ela se sinta representada no sistema político.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, de facto, a redacção é um tanto dúbia em relação àquilo que a lei deveria conter, mas devo dizer que não me parece que isto acrescente grande coisa àquilo que já está no artigo 48.º, onde já está assegurado, no n.º 1, um direito fundamental à igualdade - já nem é só o princípio da igualdade - e já está reforçado aquilo que consta do artigo 13.º da Constituição da República. Não vou entrar aqui na discussão das quotas ou não quotas - se calhar, isso ficará para outra ocasião -, mas já tive ocasião de dizer, na quinta-feira passada, que o sistema de quotas provou, nos países nórdicos, que não assegura, no trabalho e na sociedade, a igualdade das mulheres. E, pelas estatísticas que as nórdicas mostram sobre as questões do trabalho e da igualdade no trabalho, verifica-se que a discriminação existe na sociedade dos países nórdicos, apesar do sistema das quotas.
Mas, fundamentalmente, o que me parece, é que aqui seria de consagrar, novamente, o princípio da igualdade e da não discriminação em razão do sexo e que, mais do que isso, temos, no n.º 1, consagrado o direito fundamental à igualdade. Por isso, vamos pensar melhor nesta formulação, como é óbvio, mas parece-me que não irá adiantar grande coisa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, permita-me que lhe diga o seguinte: imaginando que uma maioria governamental, parlamentar, enveredasse pela solução tipo quotas mínimas de participação feminina, sem uma norma destas, essa solução não enfrentaria, desde logo, objecções de índole constitucional? Independentemente de saber se a solução é boa ou não, isto é, admitindo que uma maioria parlamentar, no futuro, esta ou outra, viesse a encarar como boa a solução de quotas mínimas de participação feminina, quotas mínimas de Deputadas, por exemplo...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E poderia ser interessante!

O Sr. Presidente: - Essa solução não enfrentaria, desde logo, objecções de constitucionalidade, a não haver uma norma desta natureza?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Penso que enfrentava objecções de inconstitucionalidade, como é óbvio. Mas nós pensamos que a igualdade não se faz através de um diploma legal ou de um princípio constitucional que aponte em direcção às quotas, pensamos que a garantia da igualdade, na representação política, está lá, o que falta, é a concretização de direitos sociais que levem a essa igualdade na representação política.

O Sr. Presidente: - Eu não sou tão definitivo sobre a questão da constitucionalidade, mas creio que é um problema que deve ser enfrentado.
Peço ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que me substitua por algum tempo na presidência desta reunião, dado que preciso de me ausentar por uns momentos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, é verdade que os problemas sociais não estão resolvidos nas sociais-democracias do Norte, mas eu gostaria de lhe perguntar se não considera que foi um avanço para o estatuto das mulheres o facto de, por exemplo, em países como a Noruega e a Suécia, o Governo ter de ser, obrigatoriamente, constituído por 50% de mulheres e se não considera que isso teve impacto, por exemplo, noutro tipo de legislação que protege a mulher.
Também outros preceitos constitucionais, como o direito à habitação, o direito à educação, o direito à saúde, não se concretizam pelo facto de estarem na Constituição. Portanto, nós encaramos esta orientação da mesma forma que os outros preceitos, como já referi.
Gostaria que a Sr.ª Deputada me dissesse se conclui que os sistemas das democracias do Norte foram maus para o estatuto da mulher ou não contribuíram para a sua melhoria.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Deputada, a resposta a essa questão é simples: o sistema das quotas trouxe repercussões altamente favoráveis para uma certa classe de mulheres nas democracias no norte, ou seja, para a classe média e para a classe média alta. Mas não trouxe em relação à generalidade das mulheres das classes economicamente menos favorecidas - isso é o que as nórdicas dizem nas estatísticas! Por exemplo e relação a acessos à chefia da função pública, têm as percentagens, mas queixam-se de que o sistema das quotas não resolveu, para a generalidade das mulheres, os problemas. Aí está aquilo que também se passa, de alguma maneira, em relação a críticas que têm sido formuladas relativamente ao movimento feminista norte-americano: é que todos os raciocínios e as defesas, até em relação ao caso da interrupção voluntária da gravidez e às posições assumidas pelo movimento feminista norte-americano, partem de concepções da classe média - da classe média branca. Por isso, a minha resposta está dada: esse sistema de quotas, e a prática revela-o, tem em atenção uma classe de mulheres, mas não as outras, que continuam desprotegidas.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Prefere a ausência do sistema?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A ausência do sistema de quotas?

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não, a ausência de qualquer orientação.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não, Sr.ª Deputada. Penso que o artigo 13.º da Constituição e variados outros direitos, nomeadamente na questão do direito ao trabalho, já consagram as garantias para que a mulher possa participar na vida política. E já que me fez essa pergunta, direi que não será, com certeza, com a lei da polivalência e da flexibilidade!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Não sei o que é que uma coisa tem a ver com outra.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, pensamos que, mais do que definir, como está no artigo 13.º da Constituição, a não discriminação em razão do sexo, importa, por aproximação, caminhar no sentido de dar conteúdo àquilo que é essa não discriminação já consagrada. Quando digo isto, digo que - e estava no nosso projecto - deve, em nosso entendimento, ser uma tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre mulheres e homens, à qual, aliás, parece-me, o Partido Socialista não foi receptivo nos termos do nosso projecto, tal como o propomos.
Pensamos que, mais do que definir um direito, importa promovê-lo. Agora, temos para nós que a promoção da igualdade entre mulheres e homens é qualquer coisa extremamente diversa, complexa e muitidisciplinar, que não se esgota, em nosso entendimento, na estrita lógica da partilha de cargos políticos.
A partilha de cargos políticos, para nós e no nosso texto constitucional, é a valorização das organizações autónomas de mulheres e a sua participação como parceiras sociais, é o seu direito de tempo de antena, porque, para nós, a participação dos cidadãos e os seus direitos não se coloca só em termos de cargos políticos, mas tem a ver também com a participação cívica, tem a ver com os direitos individuais, considerando os múltiplos aspectos.
A Sr.ª Deputada Odete Santos colocou as questões em termos do direito ao trabalho. É evidente que isso é parte integrante.
Os Verdes são um pequeno partido, mas, como sabem, Os Verdes portugueses, como os outros partidos Verdes, são partidos onde a presença das mulheres é muito forte. E nós, apesar do que alguns nossos colegas de outros países defendem, não temos o sistema das quotas. Pensamos tratar-se de uma questão artificial e digamos que é uma questão que, de algum modo, escamoteia o facto ou as razões pelas quais as mulheres não participam politicamente. Não participam, se calhar, porque a participação política não é particularmente atractiva nos moldes em que a cultura política tradicional está definida, não é uma possibilidade efectiva porque a sociedade não está assim organizada e porque há múltiplos constrangimentos que não favorecem a participação na vida cívica e, portanto, na participação política enquanto parte integrante dessa vida cívica.
Pensamos que isto é uma faca de dois gumes porque, por hipótese, o sistema das quotas pode vir a ter um objectivo perverso que é o de as pessoas não serem escolhidas em função da sua competência mas serem escolhidas em função exclusivamente do género. E, a título de exemplo, podia dizer: neste momento, Os Verdes têm duas Deputadas e pelo sistema das quotas tinham de ter obrigatoriamente um homem se a paridade fosse obrigatória.
Se calhar, na sua proposta, não é a paridade em termos de quota de 50% que está no seu horizonte porque aquilo que conheço da posição do Partido Socialista, do seu Secretário-Geral, hoje Primeiro-Ministro, era uma posição perfeitamente frouxa, pois era qualquer coisa em torno dos 25%, que, julgo, não ter sentido.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas é aberto ao diálogo!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não sei se é aberto ao diálogo. Mas também duvido que as mulheres socialistas se revejam nessa proposta. E julgo que a Sr.ª Deputada Elisa Damião, com certeza, concluirá, e se calhar partilhará da minha opinião, que se, num determinado universo de pessoas, as mulheres estiverem maioritariamente - e não tem de ser 51% porque são 51% da população - no exercício de um determinado cargo, que pode ser político ou não, no plano institucional ou outro, para o que há mais mulheres vocacionadas, não vejo porque é que elas não têm de estar maioritariamente. E podem não estar nessa proporção dos 51%-49%, pois podem estar noutra se, nesse caso, assim fizer sentido, do mesmo modo que a inversa também é válida.
Portanto, julgo que este é um artigo que devia ser visto como parte integrante de todo um conjunto de outros que deveriam estar no texto constitucional e em relação aos quais não vi abertura do Partido Socialista.

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De qualquer modo, julgo que uma formulação destas tem o perigo de poder, nalguns casos, mais do que atingir o objectivo que todos temos - e julgo que é o que está implícito na proposta do Partido Socialista -, reduzir e não estabelecer o direito de participação, sendo a igualdade para nós não um jogo de números, não a manipulação numérica, mas, sim, efectivamente, a qualificação, a capacidade, a competência que as mulheres têm. E, de acordo até com a sua vivência histórica, provavelmente têm-na em muitas situações, numa proporção que não tem directamente a ver com aquilo que é o seu peso demográfico.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Concluindo, só as mulheres de Os Verdes são competentes, as dos outros partidos não!

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Não, não é isso. E se é essa a sua leitura, então, nós estivemos a brincar com a discussão, Sr.ª Deputada. Não é isso o que eu lhe disse. A Sr.ª Deputada está a desvirtuar o sentido do debate e, então, nesse caso, escusamos de perder tempo a tentar discutir...

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Gostaria de chamar a atenção para o centro da questão que estamos a discutir.
Primeiro, estamos a falar de cargos políticos e não de outras funções sociais ou económicas.
Segundo, o que estamos aqui a discutir, no fundo, é a bondade, porque resulta já claro que a fórmula apresentada não está feliz, é uma fórmula infeliz.
O que estamos a discutir é saber se a Constituição deve autorizar a lei a seguir por um sistema de quotas, repartição entre homens e mulheres no acesso aos cargos políticos. É a discussão sobre o sistema de quotas. Aliás, os espíritos congregaram-se à volta desta ideia, que é a ideia nuclear. A fórmula esqueçamo-la.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Concordo com aquilo que o Sr. Presidente agora acabou de dizer. No entanto, chamava apenas à atenção, não com o intuito de fazer perder tempo à Comissão, permitindo-me significar que, de facto, e do meu ponto de vista, o texto que aqui está é rigorosamente o contrário - e daí o meu pedido de esclarecimento inicial - daquilo que o Partido Socialista, pelo vistos, pretende. É que o que nele consta, com toda a franqueza, é que a lei assegura que não pode haver discriminação quando aquilo que o PS pretende é precisamente que a lei assegure uma discriminação positiva.
Portanto, o que se pretende é rigorosamente o contrário daquilo que consta da proposta. Mesmo na segunda parte, onde diz "o equilíbrio justo", se é a discriminação positiva que querem têm de falar num "equilíbrio quantitativo" porque "equilíbrio justo" é aquele que decorre exactamente do facto de "ser eleito quem for escolhido" e não numa lógica quantitativa, porque essa põe de parte a lógica abstracta de justiça, é uma preocupação de resultado e não uma preocupação de justiça.
Mas, enfim, o Sr. Presidente já referiu, e bem, que, face a um esclarecimento prestado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião, a intenção do Partido Socialista não é rigorosamente a que consta da proposta.
Quanto ao resultado que o Partido Socialista pretende obter com esta proposta, queria deixar como nota que o Partido Social Democrata não concorda, como nunca concordou, com essa lógica. De facto, como já foi dito, nomeadamente pelas Sr.as Deputadas Isabel Castro e Odete Santos, o problema da discriminação das mulheres não pode nem deve minimamente ser reconduzido à questão dos cargos políticos. Diria até que, do meu ponto de vista, fazê-lo é contraproducente para os objectivos em causa, porque dá a imagem errada, profundamente negativa, de que aquilo que apenas estaria a preocupar o legislador constituinte era assegurar determinado tipo de posições e de divisão do poder às mulheres, quando não é nada disso que está em causa. E reconheço também que, seguramente, não é isso que está no espírito da Sr.ª Deputada que fez a proposta.
Todavia, haveria, de facto, esse perigo ao reduzir isso aos cargos políticos. O PSD sempre objectou ao princípio das quotas para cargos políticos como também para cargos públicos. Tal como também já aqui foi referido, embora não seja esse o contexto da proposta que está sobre a mesa, a situação dos cargos de chefia na Administração, e por aí fora.
O PSD, por princípio, é contra essas formas de discriminação positiva desse tipo que se pretendam introduzir, quer na legislação ordinária quer, por maioria de razão, na Constituição.
Portanto, da parte do PSD, não vemos com simpatia qualquer proposta neste sentido, o que não quer dizer que o PSD entenda - aliás, isso já aqui foi dito a propósito de outros artigos em discussão - que, quando o n.º 1 deste artigo diz "todos os cidadãos", como é evidente tal expressão quer significar, aqui como em todas as outras sedes em que o conceito é utilizado na Constituição, tanto os portugueses como as portuguesas.
Portanto, do nosso ponto de vista, está perfeitamente assegurado o interesse e a validade política da participação de todos os cidadãos, sejam portugueses ou portuguesas, nos cargos políticos e na vida política. Isso mesmo está fora de causa. Pensamos é que soluções que apontem para a obrigatoriedade de estabelecimento de discriminações positivas sob o ponto de vista legal são erradas, são contraprudecentes, não resolvem o fundo do problema e, do nosso ponto de vista, criam até uma visão distorcida daquela que é a questão para a qual temos todos de saber encontar soluções em termos de comunidade.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Presidente já fez uma chamada de atenção para uma coisa que é óbvia: é que nós estamos a discutir os direitos de participação política e o que está a ser apreciado é precisamente a proposta do Partido Socialista relativa aos direitos de participação política. E, a partir daqui, há uma realidade que está esgotada, e que é óbvia: a de que a Constituição consagra, no artigo 13.º e neste próprio artigo, como já foi dito, o princípio da igualdade dos cidadãos e das cidadãs perante a lei, uma igualdade jurídica que não tem limites, passe a expressão, sendo certo que mesmo os direitos fundamentais não são direitos absolutos. Mas, digamos, a igualdade jurídica plena entre homens e mulheres é inquestionável.

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O outro dado da realidade é que a igualdade real - e aqui o âmbito em que estamos a tratar é novo -, no caso da participação política, não existe. Mesmo naqueles países que foram apontados como exemplo, onde as mulheres têm uma grande participação e acção cívica e uma grande inserção na vida social e administrativa, como é o caso dos países nórdicos, onde, ao que sei, a percentagem máxima, mesmo nesses parlamentos, anda à volta de 40%, o que significa que, na vida política geral, a questão da participação política real das mulheres, a igualdade real e não a igualdade jurídica, ainda não está garantida. Porquê? Por razões civilazionais, culturais, sociais e outras.
Portanto, o propósito do Partido Socialista nesta proposta é o de um objectivo moderno, civilizacional. Hoje, a igualdade real entre homens e mulheres constitui um grande debate cultural e político e perpassa todos os aerópagos internacionais onde se discutem direitos humanos e direitos fundamentais. Não há nunhuma grande instância internacional onde o problema da igualdade real entre os sexos não se ponha. E porquê? Porque ela não existe. E em Portugal muito menos.
Portanto, neste domínio, qual é o nosso objectivo? Concordo que a redacção não é, de facto, feliz, mas o que se pretende é, efectivamente, uma discriminação positiva. E a ideia também do "justo" não me parece ser a ideia mais luminosa. Mas o que se pretende é abrir a possibilidade do Estado, da lei, assegurar algumas medidas de favor de discriminção positiva para estimular a participação das mulheres, garantir condições para que elas possam participar mais, como têm direito, mas que a realidade não vem permitindo, seja por intermédio de uma nova forma de tratamento das mulheres, ao nível dos media - um dos grandes debates modernos de hoje é sobre os media e as mulheres, a todos os níveis, não só ao nível dos costumes mas ao nível da participação política.
O problema das quotas é um aspecto apenas. Evidentemente que quando esta questão se discutiu, muitos de nós entenderam que, sem uma abertura constitucional, dificilmente as quotas podiam ser aplicadas nas diversas instâncias sem o risco de inconstitucionalidade. E não é só o problema das quotas mas também da representação. Por exemplo, discute-se hoje, nas instâncias internacionais, se não deverá ser estimulado (não participação à força) que, nos diversos órgãos colectivos, sejam sindicatos, associações políticas, associações culturais, clubes recreativos, partidos políticos, as mulheres estejam em número correspondente à percentagem que intervém nesses órgãos - há, por exemplo, uma associação constituída por 20% de mulheres e nas suas direcções não há qualquer mulher. Esta, por exemplo, devo dizer, foi uma recomendação votada por unanimidade no Conselho da Europa, que é o clube das democracias mais avançadas da Europa e porventura do mundo.
Portanto, a nossa proposta vai no sentido de que haja abertura, não de comprometimento com uma regra fixa e rígida mas de igualdade jurídica, igualdade dos cidadãos perante a lei, que está na Constituição, devendo-se abrir aqui uma porta para que o Estado e a lei permitam algumas medidas equilibradas de favor para garantir estes objectivos de igualdade ou de melhores condições de participação na vida política por parte das mulheres.
A meu ver, as críticas que foram feitas são adequadas, mas dever-se-ia abrir aqui uma porta. É um grande alerta civilizacional e cultural aquele que nós apresentamos.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, penso que, desde já, há uma advertência a fazer relativamente à forma de andamento do debate. É que não há aqui, penso eu, nenhum diferendo de opiniões sobre a necessidade de tomar pedidas que assegurem uma valorização da presença da mulher na sociedade, a eliminação de toda e qualquer discriminação, etc. Não é isso que aqui está em causa, com o que estamos todos de acordo, mas sim a maneira de o atingir, a forma de o fazer e a bondade de este dispositivo contribuir ou não para isso. Esta a primeira questão.
A segunda questão - e como o Sr. Deputado Barbosa de Melo assinalou, a nosso ver com toda a justeza - tem a ver com o facto de esta redacção ser um tanto ou quanto "ortorrômbica" não ser casual. O problema é que esta redacção serve para não dizer uma coisa que quer dizer, ou seja, como o próprio debate acabou por revelar, está aqui muito em concreto, uma possibilidade orientada e dirigida em relação a uma determinada solução, em jeito de dizer-se: "haja possibilidade constitucional de se estabalecer um sistema de quotas". A situação é tão simples quanto isto. É claro que para não dizer isto, arranja-se uma fórmula um bocado arrevezada e que acaba por ser contraditória em relação aos próprios objectivos procurados.
A nossa reserva em relação ao estabelecimento de medidas de discriminação positiva em relação aos cargos políticos, Srs. Deputados, deve-se a que tal nos parece ser como começar um edifício pelo telhado.
Não está em causa que se tomem medidas relativamente à igualdade de oportunidades em relação a homens e mulheres no todo da sociedade, mas não nos parece que a medida mais adequada e prioritária seja a de o fazer ao nível do poder político sem que isso seja sustentado por uma intervenção e uma realidade na base da sociedade e no tecido social e naquilo que é determinante e que explicite, dê suporte e sustentação a uma medida desse género. Pior, pensamos que começar por esse telhado pode acarretar o risco que sempre acontece que é o de o telhado cair em cima de nós e acabar por ser negativa uma medida que não corresponde, no fundo, a uma realidade e que é tomada como um privilégio, como o estabelecimento de uma medida de privilégio para determinadas camadas e para determinadas áreas da população e não sentidas pelo conjunto das mulheres, conforme, aliás, a minha camarada Odete Santos já frizou e é reconhecido nos próprios países onde estas medidas foram tomadas.
Pnsamos, pois, que nem na forma nem no fundo se trata de uma medida adequada a atingir um objectivo que, enquanto objectivo, naturalmente subscrevemos.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Devo dizer que a questão das quotas não é a decorrência estrita deste preceito. A título pessoal, estou contra as quotas, mas defendo a representação adequada. E este preceito corresponde ao que penso sobre esta matéria.

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Sr. Deputado Ruben de Carvalho, ouvi com surpresa a útima parte da sua intervenção, a de o "edifício começar pelo telhado", quando é certo que, ao nível das instâncias internacionais, seja a ONU, seja a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, seja a Organização de Segurança e Cooperação Europeia, seja a UEO, onde estão representados diversos países da Europa e do mundo, esta questão da participação política das mulheres é um dos debates fundamentais e decisivos da actualidade.
Penso que nenhum de nós tem a pretensão de ver os outros como errados e nós como certos na vanguarda das questões políticas que devem ser discutidas, hoje em dia, na sociedade portuguesa.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Não foi propriamente um pedido de esclarecimento, em todo o caso, o que devo dizer-lhe, Sr. Deputado, é que não me parece que haja paralelismos a fazer, com tanta simplicidade, em relação a medidas que podem ter a sua bondade em sede de Parlamento Europeu ou de uma outra instância internacional e aquelas que se aplicam na regulamentação constitucional de um país e de uma sociedade no seu conjunto.
Pode ser uma medida inteiramente legítima para ser aplicada numa organização, numa estrutura, que tenha inteiro cabimento que seja aplicada a esse nível e em sede de uma organização e de uma estrutura, mas já será completamente aberrante no caso de ser aplicada a um todo social que tem outro tipo de características que não tem uma estrutura que é finita, limitada, com dinâmicas, histórias e enquadramentos completamentos diferentes. O facto de ser uma medida (o que eu até posso subscrever) tomada, por exemplo, ao nível da UEO não passa, por isso, por ter bondade ao nível de normativos constitucionais de funcionamento de uma sociedaede. Bem pelo contrário, pode até ser inteiramente contraditória. E a nosso ver, neste caso é-o.
Ou seja, esse mesmo princípio vertido para um normativo ao nível de toda uma sociedade deixa o normativo suspenso relativamente a uma sociedade que lhe não dá sustentação, o que, como é óbvio, não acontece ao nível de uma estrutura que é limitada e que não tem de ter fatalmente o mesmo tipo de base social de sustentação, de legitimidade e de eficácia da medida tomada.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, vou referir-me a duas questões. Em primeiro lugar, penso que o Sr. Deputado Alberto Martins situou a questão como penso que ela tem de ser colocada. Esta discussão, para nós, só faz sentido enquanto parte integrante não só de um direito mas de formas de o corporizar.
E a questão que coloco, e que julgo não foi entendida pela Sr.ª Deputada do Partido Socialista que fez a apresentação do diploma, tem a ver com o facto de me parecer que aquilo que está implícito nesta formulação (que, porventura, terá de ser modificada porque não terá sido a mais feliz) pode ter efeitos perversos, designadamente quando dirigida a universos distintos, porque é evidente que, ao fazer leituras, nos termos feitos pela Sr.ª Deputada, não faz sentido.
Uma norma deste tipo poderia, por exemplo, inconstitucionalizar partidos que, de acordo com o universo específico que têm, não garantem, nesta lógica, a tal igualdade. Portanto, é essa interferência e é esse aspecto perverso que, penso, não fazer sentido, motivo por que, julgo, esta formulação teria de ser diferentemente traduzida naquilo que é, no fundo, sinónimo ou não do justo, naquilo que é ou não a tradução do pensamento que está implícito a esta proposta de uma participação em igualdade que se quer promover e que, do nosso ponto de vista, não se circunscreve ao exercício de cargos públicos ou políticos mas a um universo mais alargado como consensualmente, penso, todos concluirão ter de ser atingido.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Se bem entendi, a Sr.ª Deputada Isabel Castro admite que podem ser constitucionais partidos em que não estejam representados ambos os sexos.

A Sr.ª Isabel Castro (OsVerdes): - Entendeu mal.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Partidos só de mulheres ou partidos só de homens. Não sei se isso é constitucional.
Retomando a reflexão que o Sr. Presidentre fez há pouco, diria que esta formulação pode não ser perfeita, mas sem um indicador deste tipo não é possível estabelecerem-se medidas de acção positiva. E lembro a decisão dos juizes comunitários, a propósito dos programas, que, por acaso, se faziam para a promoção da imagem da mulher e do emprego, que foram considerados, sob o ponto de vista da legislação comunitária, impraticáveis porque feriam os princípios da igualdade.
Portanto, as medidas de acção positiva foram postas em causa no concreto, com programas concretos, nomeadamente em relação ao emprego, ao nível da construção europeia. E eu pergunto se sem uma norma destas será possível manter medidas de acção positiva, sejam elas para homens ou para mulheres.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Não há mais inscrições em relação a esta matéria, mas também já temos colhida a opinião geral.
Pessoalmente, lembraria aos circunstantes que foi a segunda vez que ouvi discutir este problema em profundidade neste Parlamento. A primeira foi aquando da realização do chamado Parlamento Paritário, onde ouvi notáveis mulheres portuguesas a oporem-se vivamente ao princípio da quotização, como VV. Ex.as se recordarão. E, em nome da dignidade da mulher, ouvi também este argumento produzido por pessoas bem ligadas a meios internacionais e com grande experiência internacional.
Não se trata, nesta matéria, obviamente, de discutir ou de limitar a tomada de medidas que promovam a participação da mulher na vida social, em toda a linha. O problema que se discute e se discutiu aqui é o problema de saber se a lei pode contingentar a participação em razão dos sexos nos órgãos políticos, nos cargos políticos.

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De qualquer maneira, a discussão fez-se e apura-se o seguinte resultado: a proposta do PS, no seu núcleo, não acolhe, pelo menos para já, a adesão das outras forças políticas. Contou com a oposição do PSD, do PCP e de Os Verdes. Mas trata-se de oposição a este tipo de medida e não ao princípio filosófico e prático de que é preciso promover, por todos os modos, um aumento da participação da mulher na vida pública, social e política portuguesa.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vital Moreira.

O Sr. Presidente : - Antes de interromper os trabalhos, convocava os representantes dos partidos, concretamente os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Alberto Martins e, na falta do Deputado Luís de Sá, quem o PCP indique, para tratar dos aspectos logísticos da reunião de amanhã com os parceiros sociais e também para se programar as reuniões da próxima semana dada a convocação do Plenário.
Está interrompida a reunião.

Eram 12 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, o PSD pediu-me, fundadamente, que a reunião termine às 17 horas e 30 minutos, pedido a que dei seguimento. Portanto, peço-vos, por maioria de razão, que demos ritmo a esta reunião para tentarmos obter, até às 17 horas e 30 minutos, aquilo que, normalmente, conseguiríamos até às 19 horas e 30 minutos.
Passamos, então, ao artigo 49.º, em relação ao qual foi apresentada uma proposta do PS para o n.º 2.
O n.º 2 diz "O exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico" e o PS propõe que ao requisito da pessoalidade se acrescente o de presencialidade e que em relação, quer a um quer a outro desses requisitos, se acrescente "salvo as situações excepcionais previstas na lei".
Na realidade, hoje, há casos de não pessoalidade de voto. É, desde logo, o caso dos cegos, que não votam pessoalmente. Portanto, é uma excepção legal à pessoalidade. E a presencialidade, que não está estabelecida na Constituição, tem também, obviamente, excepções, no caso do voto por correspondência,
Têm a palavra os proponentes, se quiserem justificar a proposta.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, trata-se também de introduzir uma zona de clarificação constitucional. Um dos pontos característicos da proposta do Partido Socialista é o de que melhor é lançar luz regulada, precisa e métrica do que deixar situações dúbias no terreno da lei ordinária...

O Sr. Presidente: - Dúbias não, problemáticas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto. E acarretadoras, por isso mesmo, de problemas que, como no tecido político-partidário se têm verificado, não são fáceis de resolver. Em vez da hipocrisia, que se cifra num pacto de silêncio e em situações legalmente dúbias, seguramente é melhor, na nossa leitura, optar por uma solução constitucionalmente clara. Esta é-o. Ou seja, estabelece que o voto é, em regra, presencial, mas permite que haja excepções. Permite que esta regra possa ser ultrapassada mas di-lo: será ou poderá ser ultrapassada, a título excepcional, com o significado que isso tem constitucionalmente, como sabem. Quer dizer, não em qualquer circunstância, não arbitrariamente, mas, aí, onde houver uma causa com justificação bastante para tal que não esvazie, por seu lado, o alcance da regra basilar, sem o que, obviamente, o alcance do preceito seria inteiramente frustrado.
Parece-nos, portanto, uma norma que tem em conta a nossa experiência eleitoral e dá uma margem de manobra ao legislador ordinário bastante, sem ser todavia excessiva.
É esta a abertura prudente que proporíamos, Srs. Deputados, certos de que o assunto merece, sem dúvida, o interesse de todas as bancadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não referiu mas penso que posso acrescentar que a proposta visa, desde logo, cobrir as actuais excepções ao princípio da pessoalidade, que está garantido, sem excepção, no actual texto constitucional, quando diz "o sufrágio é pessoal". Ora, a verdade é que existem excepções à pessoalidade que não estão cobertas com as tais situações excepcionais previstas na lei. É o caso do voto dos cegos e dos incapazes, que não votam sozinhos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Tem toda a razão, Sr. Presidente. Centrei-me na questão do voto presencial mas é verdade que a nossa cláusula se aplica a ambos os tipos de voto previstos neste preceito. Tem toda a razão e peço desculpa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que a questão está colocada, e bem colocada. Creio que o problema das excepções à pessoalidade é óbvio e não vale a pena ser escamoteado. São obrigatórios esforços hermenêuticos complexos para resolver o problema que a lei ordinária resolveu, naturalmente, colocando problemas de constitucionalidade.
A interrogação que se coloca, e nesse sentido gostaria de ouvir o PS, é a de que, sem dúvida nenhuma, importa cobrir situações excepcionais previstas na lei. Mas o problema está criado a respeito da pessoalidade. O PS vai introduzir também o princípio da presencialidade, que é inteiramente explicável mas que eventualmente não terá sido introduzido no texto original, tendo em conta a situação muito particular dos emigrantes, inclusive o facto de a rede de consulados continuar a ser muito escassa e haver muitos emigrantes a residir muito longe dos consulados e, portanto, ser impossível o voto presencial em consulados. Sem dúvida nenhuma, essa é outra situação que se coloca.

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Mas, dizia eu, há uma interrogação que se me suscita. É que na redacção do PS dispõe-se "Salvo as situações excepcionais previstas na lei". Sem dúvida que esta redacção vem dar cobertura a situações como a dos cegos ou incapazes...

O Sr. Presidente: - E à dos emigrantes!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida nenhuma. Agora, o problema que está colocado é se não se deveria tentar uma redacção mais prudente para impedir outro tipo de excepções - são tentadas muito frequentemente, mesmo abusando daquilo que está previsto na lei - como, por exemplo, a pessoa que vota em vez do pai idoso, o neto que voto em vez do avô. Isto é, se ficasse qualquer coisa como como isto "Salvo as situações excepcionais previstas na lei em que não exista essa possibilidade", isto é, em que não exista a possibilidade, designadamente a pessoalidade, creio que talvez ficasse simultaneamente alcançado o objectivo dos proponentes e também impedido que, à sombra desta alteração, existam, no futuro, alterações à lei ordinária que vão para além do que porventura foi querido com esta proposta.

O Sr. Presidente: - Continua aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr.Presidente, gostava de ouvir o que é que os Deputados do Partido Socialista têm a dizer acerca da pergunta que lhes foi feita.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados do Partido Socialista querem responder às observações feitas pelo Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que as observações são compreensíveis e o espírito da nossa proposta é precisamente aquele que enunciei e que não comporta a consagração e menos ainda o impulso a aberrações que se traduzem, aliás, em formas de viciação da vontade livre dos eleitores...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Nem fiz processos de intenções, nem disse que era essa a intenção!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é disso que se trata. Trata-se de encontrar uma fórmula adequada. Portanto, percebemos perfeitamente a contribuição do Sr. Deputado Luís Sá.
O problema de qualquer aditamento, do tipo daquele que sugeriu, é o de rigidificar e reduzir a uma única causa, e portanto com consequências óbvias em relação a todas as demais, as circunstâncias em que pode ser introduzida, pelo legislador, uma excepção. E isso, provavelmente, pode gerar dificuldades normativas porque pode haver situações - e nós temos encarado algumas situações na nossa experiência eleitoral corrente - em que não é absolutamente imprescincível comprovar a impossibilidade total. Há situações alternativas de conveniência, de flutuação, de uma certa indeterminação ou oscilação que talvez seja adequado não fechar inteiramente.

O Sr. Presidente: - E quanto à pessoalidade? A lei só prevê os casos de impossibilidade, por cegueira ou por incapacidade motora da mão!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Ou incapacidade por paralisia!

O Sr. Presidente: - Quanto à pessoalidade não prevê, e a meu ver nem deve prever, outras excepções! Quanto à presencialidade é que há o voto por correspondência dos emigrantes, dos embarcados, dos casos justificados. E é para cobrir essas situações que se inclui "salvo os casos de situações excepcionais previstos na lei".
Não sei se as obervações do Sr. Deputado Luís Sá não ficariam salvaguardadas com a redacção "salvo as situações excepcionais justificadas previstas na lei".

O Sr. José Magalhães (PS): - Em suma, Sr. Presidente, estamos abertos a uma cláusula material que densifique aquilo que é o espírito da nossa proposta e, precisamente, se cinja ao estritamente necessário, se desejar. Seria outra forma, aliás, de delimitar e de limitar a abertura de excepções deste tipo. Aliás, é isso que decorre do próprio princípio da excepcionalidade.

O Sr. Presidente: - Claro. Se há uma regra, a excepção precisa de ser justificada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto. Não temos objecção à densificação. Portanto, creio que isto satisfará também o Sr. Deputado Marques Guedes ou, pelo menos, ajudará a que se contribua para modelar uma solução que seja unânime neste ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O PSD, dada a explicação do Partido Socialista sobre o objectivo e alcance desta sua proposta, entende e tem toda a simpatia pela mesma. De facto, há aqui uma zona que, manifestamente, carece de alguma cobertura em termos constitucionais, e não nos parece - para dar alguma resposta às questões que foram suscitadas indirectamente pelo Sr. Deputado Luís Sá - que, de facto, isto coloque problemas em termos da situação actual, nomeadamente os problemas que possam acontecer com os emigrantes ou coisa que o valha. Não visualizamos aqui nenhum problema desse tipo.
Entendemos, de facto, que até haverá ganhos em termos de uma melhor consolidação e certeza de alguns institutos que na lei ordinária são já hoje tidos como adquiridos e não têm vindo a ser postos em causa em termos constitucionais, embora, na prática, o pudessem ser. Portanto, nesse sentido, somos favoráveis, registando só uma nota: quanto a esta segunda parte da discussão, sobre se eventualmente se deveria acrescentar aqui algum termo de "justificado" ou "não justificado", apesar de tudo o melhor seria colocar o mínimo de termos possíveis, penso eu.
Com efeito, temo que quanto mais coisas aqui dissermos mais podemos complicar a situação porque, de facto, parece um bocadinho evidente que, em termos de regulamentação, pela lei ordinária, da Lei Eleitoral, nestas matérias, haverá sempre - e não gostaria que saísse qualquer suspeição daqui - a necessária sensatez e bom senso do legislador em apenas consolidar situações de excepção que verdadeiramente o mereçam.

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Portanto, temo que se se avançar com muita adjectivação, na prática acabemos por não introduzir, de facto, as melhorias pretendidas. Mas a posição do PSD é de abertura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio podermos concluir haver abertura, por parte do PCP e do PSD, em relação à proposta do PS. Fica eventualmente em aberto a necessidade de tornar mais exigentes essas situações excepcionais.
Passamos ao artigo 51.º.
Em relação ao n.º 4, para além de propostas de aditamento do PS, que ficam para uma segunda fase, existem propostas de eliminação apresentadas pelo Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD, pelo Deputado Guilherme Silva e outros do PSD, pelo Deputado António Trindade e outros do PS e pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS.
De todos os proponentes destas propostas, marginais às propostas institucionais, está presente o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que tem a palavra para apresentar a sua proposta.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, as propostas são todas convergentes no sentido da eliminação do n.º 4, e não estando cá o Deputado Pedro Passos Coelho, por quem, obviamente, não posso falar, direi que a sua proposta, apesar de tudo, tem a mesma característica da que eu apresento, ao manter algum distanciamento em relação às questões das regiões autónomas, contrariamente ao que acontece com as duas outras propostas.
Queria dizer que tive pena de não ter estado presente aquando da discussão do artigo 46.º , porque há algum paralelo na fundamentação da proposta de eliminação deste n.º 4, com a proposta que, nessa sede, tinha formulado quanto à eliminação da proibição da existência de organizações de ideologia fascista, mantendo apenas a restrição quanto às de carácter militar ou paramilitar.
Ora, isto tem que ver com a circunstância de eu entender que estas cláusulas de proibição, sendo certo que visam tutelar valores constitucionais, num caso a democracia, e noutro caso o carácter unitário do Estado, neste concreto da proibição da existência de partidos regionais, julgo que só se justificam em momentos históricos determinados, sob pena de a sua vigência, sem mais, poder conduzir à ideia de que os valores constitucionais que visam tutelar não valem por si só e são fracos. Isto é, a democracia protegida só é necessária quando a democracia é fraca, tal como a defesa do carácter unitário do Estado, mediante a proibição da existência de partidos regionais, também só faz sentido se houver um justo receio de que o carácter unitário do Estado possa estar em perigo.
Concretamente, no que diz respeito aos partidos regionais, julgo não fazer sentido absolutamente nenhum, tendo em conta que a Constituição prevê que o Estado é unitário mas descentralizado e que as regiões autónomas gozam de poderes de autogoverno - embora não sejam órgãos de soberania não deixam de poder autogovernar-se - e, de certa forma, constitui até uma restrição a direitos, liberdades e garantias de participação política dos residentes nas regiões autónomas, que eles não se possam constituir em associações com fins políticos, designadamente partidos políticos, com o único intuito de intervir na vida local sem que isso os obrigue a ter preocupações de âmbito nacional e a criar, ainda que formalmente, partidos de carácter nacional. Aliás, a experiência portuguesa é muito clara nessa matéria: sempre que se justificou ou sempre que alguém entendeu justificar-se intervir especificamente na vida política regional sem se preocupar de intervir na vida política nacional, constituiu um partido formalmente nacional mas materialmente regional. É o que acontece - não estou a dizer nada especialmente grave - com o Partido Democrático do Atlântico que, de forma manifesta, é formalmente um partido de âmbito nacional e materialmente um partido de âmbito regional.
Julgo, pois, que não havendo, em 1996, após 20 anos de consolidação do Estado de direito democrátrico, justo receio de que o carácter unitário do Estado possa estar ameaçado, julgo que também deve deixar de fazer sentido manter-se uma cláusula de protecção do carácter unitário do Estado, sendo certo que essa cláusula é contraditória com o reconhecimento de poderes de autogoverno às regiões autónomas e, consequentemente, com a restrição de direitos, liberdades e garantias de participação política que isso implica para os habitantes das regiões autónomas que podem legitimamente aspirar a intervir e a participar na vida política regional sem que isso acarrete, necessariamente, uma obrigação de intervir e participar na vida política nacional.
Portanto, nesta fase da democracia portuguesa, passados 20 anos sobre a aprovação e entrada em vigor da Constituição, julgo que essa cláusula deixou de fazer sentido, admitindo que ela pudesse fazer sentido em 1975, dado que era necessário garantir e ter a certeza de que aquilo que se pretendia, que era assegurar o carácter unitário do Estado, ficasse efectivamente assegurado. Ora, hoje, julgo, esse receio não existe. Mais, a própria Constituição não permite a constituição de associações com fins contrários à lei penal e, em geral, as associações não podem ter fins contrários à lei, o que significa, obviamente, que a aceitação da existência de partidos regionais não implica a aceitação da existência de partidos regionais que tenham carácter ou pretensões separatistas, isto é, que tenham no seu objecto social qualquer menção que possa pôr em causa o carácter unitário do Estado, dado que essas associações não poderiam existir em qualquer circunstância.

O Sr. Presidente: - Está feita a apresentação da proposta, que está em discussão.
Entretanto, enquanto se não inscreve mais ninguém, direi que sou radicalmente contra a proposta.
Penso que essa proibição tem desempenhado, e continua a desempenhar, uma garantia essencial, não apenas na unidade do Estado mas também da consistência do sistema partidário em Portugal. Penso que a não ter havido a proibição de partidos regionais, alguns dos grandes partidos nacionais poderiam ter corrido o risco ou correriam ciclicamente o risco de serem ameaçados por riscos de cisões regionais, alimentados, inclusivamente, pelos partidos que beneficiariam dessas decisões e com a tentativa de formar governos de coligação à espanhola, isto é, com um partido nacional e partidos regionais, que, obviamente, teriam um prémio óbvio na cisão, podendo ser partidos de governo de uma simples penada.
Essa garantia continua, pois, a ser essencial.

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Portanto, da minha parte, sou dogmático a esse respeito. Isto é, nem pensar acabar com essa proibição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Quero dizer que comungo da posição do Sr. Presidente em relação a esta matéria. Discordo totalmente da eliminação do n.º 4 do artigo 51.º, não propriamente pelas últimas notícias, aliás preocupantes, que vêm de Itália, mas porque não estou a ver a formação de um partido que defenda uma secessão qualquer no País. Julgo que também não temos nenhuma Padânia tão claramente definida quanto aquela que existe em Itália, mas julgo que o tipo de solução que pode permitir a eliminação do n.º 4 levanta problemas muito complicados que, julgo, não estão nem na nossa tradição histórica nem na nossa tradição constitucional, e não vejo de facto que, por esta via, se possa alcançar a expressão de interesses que, obviamente, são relevantes e que devem ser expressos também em termos políticos de uma forma melhor e mais capaz pela eventual emergência de partidos com um enfoque especial ou quase exclusivo em matéria regional.
Julgo que temos de ser muito prudentes em relação a esta matéria. O meu partido não apresentou nenhuma alteração em relação a este artigo e julgo que andou bem em não o fazer. Aliás, quero aqui dizer, de forma clara, que, independentemente de qual fosse a posição do meu partido sobre esta matéria, se ela fosse diferente até eu não me coibiria de aqui dizer que sou frontalmente contra esta alteração constitucional. Queria deixar expressa esta minha posição pessoal.
Sei que o Partido Socialista também não apresentou qualquer alteração, mas penso que em relação a esta matéria coloca-se uma questão de responsabilidade até pessoal. Queria, pois, deixar expressa essa minha posição pessoal em relação ao comprometimento de que entendo dever continuar a existir na Constituição essa proibição e de que o n.º 4 do artigo 51.º se deve manter nos termos em que está. Acho que é bom que assim seja.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Nós temos tido, ao longo dos anos, uma posição contrária à admissão de partidos regionais. Partilhamos da ideia de que a probição constitucional foi perfeitamente justificada perante a necessidade de assegurar a unidade do Estado e da Nação e que desempenhou um papel importante nesse sentido.
Julgamos, de resto, que, face à realidade autonómica, esta proibição garantiu simultaneamente que no seio dos partidos houvesse uma significativa autonomia política das instituições regionais mas que, ao mesmo tempo, houvesse formas de unidade em torno de questões fundamentais que, como dizia, foram importantes como contribuição para a unidade do Estado e para a unidade nacional.
E julgamos que, mesmo na perspectiva da regionalização, que continuamos a esperar que aconteça, esta norma pode continuar a desempenhar um papel importante. E vêmo-la como importante e necessária, não apenas face à realidade autonómica, como dizia, mas também face à futura regionalização.
Pensamos que o sistema actual desempenhou este papel unificador e que, simultaneamente, se revelou suficientemente maleável para resolver as naturais diferenças que se têm revelado ao longo do tempo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Queria acrescentar alguma coisa ao que foi dito pois parece-me que esta é uma questão politicamente muito importante. E é bom que fique explícito em sede nobre, como é a da revisão constitucional, a posição política dos partidos sobre esta questão, que é uma questão importante, e que, obviamente, hoje em dia, nomeadamente com o processo de regionalização do Continente que está na ordem do dia, é uma questão que tem de ser enfrentada, tem de ser colocada, tem de ser debatida, e penso que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional é um dos fóruns por excelência onde esse debate se deve fazer, com elevação e seriedade.
Ao que já foi dito, quer pelo Sr. Deputado Miguel Macedo, quer pelo Sr. Presidente e pelo Sr. Deputado Luís Sá, queria acrescentar um argumento que ainda aqui não ouvi e que, do ponto de vista do PSD, quicá, é um dos mais importantes.
De facto, o problema não é apenas - o Sr. Presidente citou, e bem, é uma das perspectivas da equação - o do abalo que isso teria no sistema partidário existente porque esse argumento, embora válido, é um argumento que para o exterior é sempre vulnerável a uma crítica de autodefesa do sistema partidário face a invasões do exterior. Há um outro argumento que, do ponto de vista do PSD, é fundamental e que tem que ver com o próprio discurso político que daí resultaria. É que a unidade do Estado não se faz só através de estruturas de âmbito nacional e de perspectiva nacional como é o sistema partidário actualmente existente. A existência de partidos regionais a concorrer para instituições de carácter regional como as que existem, e que eventualmente se irão aprofundar na nossa Constituição, necessariamente acarretaria uma muito menor moderação e uma eventual radicalização de discursos políticos, em termos regionais, que seguramente fariam mossas terríveis no princípio basilar da unidade do Estado.
Esse é um problema que não tem que ver com autodefesa do sistema partidário existente mas sim com a defesa da própria unidade do Estado.
Seria um factor de corrosão - que ninguém tenha dúvidas -, terrível, ao nível do discurso político e do posicionamento político das populações face à defesa dos interesses que são próprios e que, obviamente, no plano de eleições de sufrágios de âmbito regional acicataria, de uma forma quase que exponencial, o discurso político, nomeadamente em defesa de princípios, acicatando contradições e, eventualmente, fazendo mossas terríveis em termos da unidade do Estado.
Essa é uma preocupação que o PSD não pode deixar de aqui vir reflectir também, que não tem que ver directamente com o sistema partidário existente mas, sim, com uma questão mais relevante ainda, e que deve ser equacionada nesta sede, que é a defesa da unidade do Estado também ao nível do discurso político e ao nível da intervenção dos cidadãos na vida política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não creio que qualquer um de nós seja capaz de prever como evoluirá a nossa circunstância política daqui a muitos decénios e, portanto, os juízos que façamos, nesta matéria, estão obvia e historicamente configurados, limitados, tanto o meu como o de todos, nesta como nas demais bancadas. Mas a verdade é que o conjunto de propostas que motivam esta discussão, teriam - e a explanação do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é inequívoca quanto a esse ponto - muito precisas consequências. Não creio que a fundamentação aduzida seja bastante e gostaria de explicar porquê, sucintamente.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem, sem dúvida, razão quando observa que esta norma constitucional, como, aliás, todas as demais, pode ser iludida, pode ser objecto de tergiversação - a experiência histórica fornece-nos casos desses -, a protecção da unidade do Estado pode, obviamente, falhar, como muitas outras coisas. Creio, de facto, que não se deve substimar as consequências da demolição constitucional.
Quanto se suprime uma cláusula limitativa como esta, inevitavelmente que essa supressão tem um significado político e dá um sinal à sociedade, dá um sinal às forças que nela existem ou àquelas que nela se podem formar. É, de facto, um acto político com consequências praticamente inevitáveis.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - E em grande medida imprevisíveis!

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto. E em grande medida imprevisíveis!
Não me surpreende que a maior parte daqueles que opinaram e continuam a opinar sobre esta matéria receiem que o sinal dado seja um sinal disfuncional ou um sinal que introduza dois tipos de situações: por um lado, impacto negativo na unidade do Estado, e, por outro, impacto negativo no sistema partidário.
É verdade - isso também foi assinalado, e creio que com muita razão - que esta norma não tem apenas um efeito negativo. Ela teve, historicamente, um efeito positivo, e nunca é demais sublinhar quão importante foi na nossa circunstância histórica. Quem olhar atentamente a realidade nacional verá que o sistema partidário português está em processo de mutação acelerada e está a findar um ciclo de existência, está em reorganização, acusa muitos dos achaques e dos problemas do ciclo anterior que viveu, daí as propostas de reforma que apresentámos, algumas das quais vão ser examinadas seguidamente. Precisa vitalmente dessas propostas de reforma para aproximar o seu conjunto de estruturas da sociedade e para se revitalizar internamente a fim de dar um sentido moderno à sua própria existência e justificá-la, sob pena de esmorecimento, estiolamento e, no fundo, inutilização.
Mas, um dos fenómenos característicos desta fase de vida é precisamente o de um certo reequilíbrio no interior dos partidos, com revalorização do papel das Regiões e dos dirigentes regionais. Creio que isso é um fenómeno que, com configurações diferentes, acontece em todos os partidos. O poder de ditar, a partir de Lisboa, ordens partidárias é hoje praticamente inimaginável em qualquer partido e aí, onde ainda é imaginável, tem um preço caríssimo e traduz-se num centralismo disfuncional e verdadeiramente doentio que, obviamente, terá consequências a médio prazo, talvez mesmo a curto prazo.
E estou a falar de um panorama em que não há regiões administrativas, mas em que há regiões políticas naturais, federações regionais, em que todos os partidos estão divididos regionalmente, têm delimitações geográficas regionais, têm dirigentes regionais, têm poderes regionais e, em função da vitalidade do centro, os poderes regionais são mais ou menos fortes, têm mais prerrogativas estatutárias ou não, há uma batalha entre o centro e as regiões que é diferente nos diversos partidos e que tem em conta também a existência de regiões autónomas.
Com a existência de regiões administrativas e com o desenvolvimento natural das autonomias regionais creio que continuaremos a assistir a mudanças significativas.
Estou inteiramente de acordo com todos aqueles que sublinharam que esta norma tem um papel de morigeração e de manutenção de partidos nacionais. Deu mais relevo às organizações regionais autonómicas dos partidos, com matizes diferentes, muito interessantes - nenhum partido escapou a isso, e ainda bem - e garantiu um aspecto que gostava de sublinhar: que sejam realmente nacionais os partidos nacionais. De facto, é relativamente simples despir as regiões autónomas da organização partidária, em certo sentido ignorá-las partidariamente, e então não haverá partidos nacionais, haverá partidos continentais e, logo, partidos amputados, sem carácter nacional. Isso seria, sem dúvida nenhuma, péssimo, péssimo. Seria um duplo empobrecimento das Regiões, por um lado, e do território nacional de Portugal, da República e dos partidos da República, como tais.
Portanto, Sr. Presidente, por estas razões, não vemos que a proposta seja meritória.
Um argumento que me parece particularmente carecido de prova é o de dizer-se que o reconhecimento de poderes de autogoverno das Regiões Autónomas exige imperativamente a consagração constitucional do fim da proibição de partidos regionais. Não me parece uma afirmação demonstrada, pelo contrário. O que nós provámos é que é possível viver harmoniosamente com autogoverno regional, dentro dos limites constitucionais, com partidos nacionais que comportem no seu seio uma dimensão regional forte, mecanismos próprios e uma dinâmica própria. Nem outra coisa é adequada num tempo em que a proximidade geográfica está cortada pela globalização e pelas telecomunicações, mas quem está ao pé das coisas deve ter a primeira palavra e, em muitos casos, a última.
Portanto, creio que conseguimos harmoniosamente isso, e com este edifício. E não vemos razão para o demolir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Rapidamente, em relação a algumas críticas que foram formuladas, a minha posição é a seguinte: julgo que há uma diferente leitura sobre os efeitos que tem a proibição ou os efeitos que teria a eliminação da proibição.
No que diz respeito ao problema da unidade do Estado, julgo que alguns dos argumentos aduzidos provam demasiado, nomeadamente as experiências estrangeiras que foram citadas provam à evidência que a unidade do Estado não se impõe, existe ou fomenta-se mediante medidas

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de carácter positivo. E nos casos em que foi imposta coactivamente, ou por normas semelhantes ou por outro tipo de instrumentos jurídicos ou políticos, mais tarde ou mais cedo revelaram-se preversas.
Em certa medida, a libertação do sistema constitucional deste tipo de proibições pode funcionar como uma válvula de escape que evite alguns fenómenos que ocorreram. Obviamente que em Portugal nunca ocorreriam com a intensidade com que ocorrem noutros países, mas ocorreram em Espanha, em Itália e noutros espaços territoriais.
Julgo que haveria aqui uma reflexão muito interessante a fazer sobre o ressurgimento dos fenómenos nacionalistas nos últimos 10, 15 ou 20 anos, e essa reflexão, provavelmente, também conduziria à percepção de que, em muitas circunstâncias, a intensidade desses fenómenos resulta em grande parte da intensidade com que eles foram reprimidos no passado. Obviamente que estamos falar de graus absolutamente diferentes em Portugal e noutros países, mas até por isso não entendo que a eliminação desta norma funcionasse como um sinal de incentivo à quebra da unidade do Estado, sobretudo porque ele seria "dado" numa situação em que ela não é posta em causa e não numa situação em que é frágil ou débil, como sucede em Espanha, em Itália ou até mesmo noutros países.
Por outro lado, confesso que não aceito algumas das críticas que foram formuladas e que têm que ver com o problema da formatação do sistema partidário, pela simples razão de que, julgo, também aí, a substância ultrapassa a forma e que, por essa razão, alguns dos efeitos perversos que são imputados à eliminação desta norma já se verificam actualmente, no actual quadro e com o actual sistema partidário.
Em Portugal, até tem sido possível verificar que o condicionamento da formatação do sistema partidário através de instrumentos de natureza jurídica e política, designadamente o sistema eleitoral, não tem funcionado; o próprio sistema eleitoral tem-se limitado a reproduzir o formato existente e tem contribuído muito pouco para a formatação e para o moldar de um determinado sistema partidário. E o mesmo, julgo, sucederá noutras áreas, designadamente na seguinte: o perigo de a regionalização administrativa poder ampliar o efeito que esta proibição visa retirar. Confesso que não o aceito, sou adepto da regionalização administrativa. Pelo contrário, julgo que é preciso dar sinais positivos de que a unidade do Estado não está posta em causa nem há-de ser posta em causa independentemente das limitações ou proibições constitucionais que existem e, por isso, não tenho qualquer receio de que a associação da eliminação do n.º 4 do artigo 51.º com o advento da regionalização administrativa possa ter qualquer efeito perverso que porventura não pudesse ocorrer em qualquer circunstância, no actual quadro do sistema partidário, no actual quadro do sistema constitucional, em que essas disfunções regionais já se verificam.
O que julgo é que a unidade do Estado existe e mesmo que ela tivesse debilidades, elas têm é de ser combatidas com medidas positivas que permitam garantir o equilíbrio regional e assegurar um ordenamento territorial no seu sentido mais vasto, condigno e conveniente e não é com imposições coactivas que tal se obtém.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, reiterada a defesa da proposta pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, verifica-se, no entanto, que ela não se mostra convincente, tendo a oposição do PS, do PSD e do PCP, pelo que, a proposta, efectivamente, não se mostra viável.
Srs. Deputados, de seguida, vamos discutir três propostas, apresentadas pelo Partido Socialista, de aditamento de n.os 5, 6 e 7 ao artigo 51.º.
Dado que entre o aditamento proposto para n.º 5 e os restantes há uma clara diferença de programa normativo, vamos discutir a proposta relativa ao n.º 5 em separado e as propostas de n.os 6 e 7 em conjunto.
Para apresentar a proposta de aditamento de um n.º 5, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta proposta, tal como as de aditamento de dois outros números, insere-se num quadro de aprofundamento do exercício democrático, o qual tem, naturalmente, novas exigências de participação política dos cidadãos - e, para isso, temos muitas propostas dispersas que abrem a participação dos cidadãos independentes no sistema político e nos diversos actos eleitorais e até iniciativas de acção política -, e de revalorização do sistema partidário, consagrando alguns princípios organizatórios fundamentais, e que, nalguns casos, como é o referente a este n.º 5, é em grande medida a transposição explícita de princípios constitucionais para a vida interna dos partidos, porque não faria sentido que algumas grandes regras constitucionais e do Estado democrático não fossem absorvidas na prática quotidiana dos partidos políticos. Tanto mais quando a Constituição, relativamente a estas matérias, no que respeita à gestão e organização democrática, já o consagra como obrigatoriedade, por exemplo no caso referente ao sindicatos (artigo 55.º), pelo que mau seria que não o fizesse relativamente aos partidos políticos.
A abertura dos partidos à sociedade, de que hoje se fala muito, tem de ter uma contraparte mais rigorosa da própria vida interna dos partidos no sentido de se criar mecanismos cada vez mais aperfeiçoados de pluralismo interno, policentrismo, transparência, organização rigorosamente democrática e o denegar de quaisquer formas segregacionistas internas ou de centralismo que não correspondam a uma ideia democrática de participação por parte dos partidos políticos.
Em grande medida, esta proposta explica-se, pois, por si mesma, nos seus grandes princípios, corresponde à explicitação de regras democráticas e, digamos, até constitucionais, que os partidos chamam como a realidade sua, na sua vida íntima, correspondendo a uma necessidade que hoje é evidente pois estamos numa nova fase da vida do sistema político maxime do sistema partidário e, por isso, a explicitação destas regras é uma necessidade que provavelmente todos acolherão como bem-vinda. É isso que esperamos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração a proposta do Partido Socialista para um novo n.º 5 do artigo 51.º nos termos acabados de explicitar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só para lembrar que há uma proposta do Sr. Prof. Jorge Miranda

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a este propósito, tão ou porventura mais ousada do que esta.

O Sr. Presidente: - É mais ousada, porque reproduz, para os partidos políticos, o actual n.º 3 do artigo 55.º da Constituição para os sindicatos.
A proposta do Prof. Jorge Miranda diz: "Os partidos políticos regem-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, com eleição periódica, por voto directo e secreto, dos titulares dos seus órgãos de direcção, a nível nacional, regional ou local".
Esta é a proposta que reproduz, no essencial, o que consta do artigo 55.º, n.º 3.
A proposta do PS é, suponho que deliberamente, menos exigente na sua formulação.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Deliberadamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção ia precisamente nesse sentido. Sem que haja, de princípio, alguma objecção do Partido Social Democrata em relação à proposta em discussão, que tem a ver com a questão da organização e da transparência da vida dos partidos políticos, quero assinalar o seguinte: este conjunto de propostas apresentadas pelo Partido Socialistasão, em grande medida, uma parte só do problema.
São conhecidas as posições de alguns constitucionalistas, de entre os quais a do Prof. Jorge Miranda, que tem manifestado uma grande preocupação em relação à forma como se deve ou não constitucionalizar alguns aspectos que são relevantes da vida interna dos partidos. Aliás, são também conhecidos alguns problemas recentes da vida interna dos patidos que suscitam, com grande acuidade, este tipo de questões. É que quando na sociedade portuguesa se põe, aliás com legitimidade jurídica, a questão de saber quem é que tem legitimidade para invocar o não procedimento democrático correcto, por exemplo, de actos eleitorais internos dos partidos políticos, cujo resultado pode concorrer, mais ou menos decisivamente, para a formulação da vontade política desses mesmos partidos, ficamos perante uma questão muito séria, tendo em conta, sobretudo, como pano de fundo, a importância que os partidos políticos têm na organização do Estado e a influência que a vontade de cada um dos partidos tem dentro da arquitectura constitucional em que estão inseridos.
Julgo, portanto, que esta é uma das matérias sobre a qual vale a pena fazer uma grande reflexão e uma grande ponderação. Julgo que as coisas como estão não estão bem, julgo que há hoje, em todos os partidos, um consenso - e, felizmente, tem havido cada vez mais uma reflexão recorrente dentro dos maiores partidos - sobre este tipo de matérias, e julgo que hoje a sociedade portuguesa entende também que, em grande medida, é urgente fazer alterações neste tipo de questões e neste tipo de situações. Contudo, parece-me que, porventura, esta proposta do Partido Socialista encara um só aspecto do problema, aspecto em relação ao qual até há algumas divergências explícitas, sobretudo no que se refere à questão do financiamento.
Julgo que é bom que esta matéria esteja sobre a mesa da revisão constitucional, mas é também bom que aproveitemos esta ocasião para debatermos todas as questões que têm sido suscitadas e sobretudo atender a alguns argumentos, que penso serem muito importantes, de alguns constitucionalistas, de entre os quais o Prof. Jorge Miranda, que sendo um deles não é o único, que têm, de facto, levantado questões muito pertinentes sobre esta questão.
O Partido Social Democrata não tem, em relação a esta matéria, nenhuma visão fechada do problema. Devo dizer que nos parece muito importante que esta questão tenha sido suscitada, contudo julgamos também que ela abarca uma perspectiva relativamente limitada das questões que aqui estão equacionadas e que da discussão que façamos nesta sede e noutras pode resultar uma melhoria do texto constitucional que permita avançarmos no sentido que todos desejamos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Para além do pedido de esclarecimento, Sr. Presidente, desejo fazer, ao mesmo tempo, uma precisão.
Hoje, as decisões dos partidos já são recorríveis. Aliás, já há casos concretos.
De qualquer forma, propomos também, no artigo 225.º ...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Tiveram algumas dúvidas iniciais?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Mas que foram dissipadas.
Como dizia, propomos também, indo ao encontro da suas preocupações, em aditamento de uma alínea h) ao artigo 225.º, que caiba ao Tribunal Constitucional "julgar as acções de impugnação de eleições e deliberações recorríveis dos órgãos de partidos políticos", o que vai ao encontro pelo menos de uma preocupação que revelou.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio ser relevante para este debate o facto de estarmos face a um Estado de partidos, a um Estado em que direitos fundamentais cabem exclusivamente aos partidos e em que, simultaneamente, o Estado tem obrigações que são conhecidas para com os partidos. E, nesse sentido, por exemplo, princípios relativos ao financiamento dos partidos, à publicidade, ao património e contas, etc., podem vir a ser consagrados na Constituição e depois, de resto, virem também a ser consagrados em lei ordinária.
Quanto aos princípios democráticos de organização partidária, parece-me evidente que eles são obrigatórios e creio que todos os partidos devem reger-se por regras de transparência de organização e gestão democrática, pelo direito de participação de todos os seus membros, etc.
A interrogação que, em todo o caso, queria colocar à Comissão, para reflexão, é a de saber quais são, mais ainda na versão que é proposta pelo Partido Socialista, as consequências concretas para o sistema partidário que resultariam

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da consagração, particularmente do novo n.º 5 que nos é proposto.
Recordo um exemplo que talvez seja relevante para reflectirmos acerca desta questão. Lemos, por exemplo, a tese do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa sobre os partidos políticos em Direito Constitucional português, lemos a análise que foi feita dos estatutos dos partidos e certamente aderimos todos - eu pessoalmente aderi - à ideia de que as disposições dos estatutos dos partidos sobre o mandato imperativo dos Deputados eram inconstitucionais. Creio que este facto é inequívoco. No entanto, a tese tem a data que tem e os estatutos dos partidos têm a data que têm e, ainda recentemente, vimos, sob a liderança do Prof. Marcelo, que defendeu esta tese como constitucionalista, ser questionado na vida interna dos partidos o mandato imperativo do partido - e podemos falar claro - a propósito da questão do "totonegócio".
Portanto, o problema que se me coloca é o seguinte: o que é que resultaria para a vida política, para a vida partidária, para o funcionamento do sistema partidário e para a vida interna dos partidos a consagração desta normas? Creio que onde não se verifiam situações de transparência, de organização, de gestão democrática e de plena garantia dos direitos de participação dos militantes, que deve ser, acima de tudo, a própria dinâmica interna a garantir, pergunto-me, sobretudo, se a consagração desta norma constitucional levaria a introduzir alterações relevantes que constituísem um suplemento adicional nesta matéria.
Por outro lado, há, naturalmente, que ponderar um aspecto: até que ponto é que o Tribunal Constitucional deve ser envolvido no contencioso interno dos partidos, por vezes e eventualmente com grande repercussão pública.

O Sr. Presidente (PSD): - Sr. Deputado Luís Sá, o problema não está em saber se deve ser envolvido, mas sim em saber se é preferível que seja o Tribunal Constitucional ou o Tribunal da Comarca de Famalicão.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente!

O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas fica a interrogação, porque parece que a questão é relevante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Desejo, muito rapidamente, dizer que julgo que esta proposta comporta um risco mas tem um mérito. Tentarei salientar o mérito para diminuir aquilo que julgo ser o risco. O risco é o de transformar-se pela positiva numa cláusula de protecção da democracia. Aliás, no projecto que subscrevo, proponho a sua eliminação, dado que, pelo reverso da medalha, o problema seria fundamentalmente o mesmo.
Mas tem um mérito que julgo fundamental salientar, que é o de tornar mais claro o regime da eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias, designadamente no que diz respeito às relações entre os militantes e as direcções partidárias. Julgo que é fundamentalmente aí que reside o mérito desta proposta, na medida em que isto permite porventura dissipar algumas dúvidas que se poderiam colocar a esse respeito, e que até se têm colocado, sendo certo que isso poderá, porventura, acarretar, como é óbvio, um outro problema, que é o da fiscalização da constitucionalidade das normas estatutárias de alguns partidos, na medida em que elas possam restringir esses direitos, liberdades e garantias ou possam constituir uma restrição a esses direitos, liberdades e garantias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, há duas ou três questões em concreto que, para ajudar a esta reflexão que temos estado a fazer, queria colocar ao Partido Socialista face a esta sua proposta.
Primeiro, relativamente ao texto que propõe para um n.º 5, gostaria que o Partido Socialista explicitasse um pouco melhor ou nos ajudasse a pensar em conjunto porquanto, confesso, da simples leitura não dissipo totalmente algumas dúvidas sobre a real intenção dos proponentes. Perguntava o que é que verdadeiramente o Partido Socialista entende por "princípio da transparência" - quanto a "da organização e da gestão democráticas", embora os contornos não sejam precisos, é suficientemente perceptível o que está em causa - e ainda porque é que, depois de falar na "da organização e da gestão democráticas", acrescenta "com o direito de participação de todos os seus membros". Ora, perguntava exactamente o que é que terá levado os proponentes a sentirem necessidade de escrever isto como escreveram.
A terceira questão tem a ver com o porquê da separação dos n.os 6 e 7.

O Sr. Presidente: - Ainda não estão em discussão, Sr. Deputado.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria situar esta nossa proposta no sentido de que são princípios organizatórios e, portanto, deles não decorre uma transposição mecânica quanto a soluções legislativas ordinárias, uma vez que estes princípios têm um suficiente grau de abertura para permitir algumas adequações.
Seguramente, uma norma como esta - a própria realidade já o impõe há muito e é exigível a alteração da lei dos partidos que, como sabe, julgo ser de 1976 ou 1977 - não tem no seu interior, digamos, sequer o cumprimento de algumas regras que hoje são exigíveis às associações em geral, reguladas pelo Código Civil ou pelo Código Comercial, que são regras de decisão democrática mínima.
Por isso, em nosso entender, e uma vez que aderimos à ideia de que os partidos não são uma simples associação privada e, sendo embora uma associação privada é uma associação privada com relevo constitucional, toda a matéria susceptível de apreciação e de ser dirimida litigiosamente decorrente da vida dos partidos ou é feita, como agora, no tribunal da comarca da secção ou da federação onde a questão pode ser suscitada ou até a nível nacional, nalguns casos, ou então é dirimida no Tribunal Constitucional. Não há duas soluções quanto a isto.
Portanto, ou damos, na leitura do papel dos partidos, uma certa carga no sentido de os colocar no campo das

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associações privadas com importância constitucional e, digamos, integrantes do sistema político, e - seguindo o pensamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira, no seu livro Constituição da República Portuguesa Anotada, onde há um caminhar para esse tertium genus - apontamos para ser o Tribunal Constitucional, até por caracteríticas de especialização, a dirimir os problemas das vida interna dos partidos, que é o artigo que vem a seguir, ou, então, como agora acontece, são dirimidos em tribunal comum, como, aliás, acontece com as associações em geral.
O que é que queremos prevenir? Queremos prevenir e garantir regras, por um lado, de democraticidade interna - esta ideia de participação de todos é de que não há nenhum centralismo democrático que possa sobrepor-se à vontade de todos os militantes, são regras de organização interna democrática. As regras de gestão democrática de transparência na vida pública são regras que decorrem de que os partidos se devem abrir à sociedade. Alguns chamaram-lhe "com paredes de vidro", nós não utilizamos essa expressão, mas achamos que são regras de transparência e que, nalguns domínios, concretizamos nos n.os 6 e 7 que propomos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, a regra de transparência é, pura e simplesmente, uma maneira de conglobar uma série de institutos que já estão previstos na lei. Isto é, o conhecimento público dos estatutos, do programa eleitoral, dos órgãos dirigentes, que, aliás, são obrigados a comunicar ao Tribunal Constitucional...

O Sr. Alberto Martins (PS): - E das contas públicas.

O Sr. Presidente: - E das contas. O princípio da transparência é assim. Já está na lei.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Há um conjunto de regras que já está estabelecido.
Por outro lado ainda, decorre disto alguma preocupação - penso ser do conhecimento de todos e daí não ter feito citações concretas, pois é um problema da democracia e não um problema do partido A ou B - no sentido de ser eliminada definitivamente a ideia ou a possibilidade de leitura da ideia de afastamento de militantes de partidos por delito de opinião.
Sabemos que há uma carga histórica, que é da democracia portuguesa em geral, em que o delito de opinião foi matéria que levou à expulsão de militantes dos partidos. De acordo com as regras constitucionais estabelecidas, se elas forem precisadas em lei ordinária, de forma adequada, que não ponha em causa um princípio que tem de ser também harmonizável com o da livre organização dos partidos, nem ponham em causa, digamos, uma possibilidade de autogoverno dos partidos, harmonizado com estas regras, creio que encontraríamos uma solução adequada, dado que - aqui são princípios organizatórios - não estamos a pensar em regras absolutas que ponham em causa uma ideia de autogoverno.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais intervenções, tem de concluir-se que, sem ser rejeitada, a proposta de aditamento de um n.º 5 ao artigo 51.º suscita reservas, mais ou menos intensas, por parte de Deputados do PS e do PSD e, portanto, fica, quando muito, em aberto.
Passamos, agora, à discussão das propostas de aditamento dos n.os 6 e 7 ao artigo 51.º, relativamente ao financiamento dos partidos políticos, que podem ser discutidas em conjunto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve na explicitação destas regras. No fundo, trata-se de transpor para o comando constitucional alguns princípios e algumas regras - passe a repetição - que constam já hoje da lei ordinária. Digamos que é uma explicitação constitucional de regras que, sem prejuíizo da sua modelação e adequação e até evolução, estão já hoje no texto constitucional. São regras de responsabilização pública dos partidos e de satisfação dos partidos à sociedade, ao encontro, num domínio e numa região específica, da ideia da transparência que deve ser um instrumento fisiológico da vida dos partidos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era só para renovar o meu pedido de esclarecimento de há pouco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pretendia saber a razão de ser da separação dos n.os 6 e 7. Não percebo bem o que preside à intenção do Partido Socialista ao remeter para a lei as regras de financimanto dos partidos políticos no n.º 6 e, depois, no n.º 7, aparentemente, dizer que haverá uma regulamentação autónoma dos requisitos e limites de financiamento público. Pergunto se no n.º 6 isso já não estava genericamente previsto e se há alguma vantagem ou algum interesse em fazer esta distinção.

O Sr. Presidente: - Acho que a distinção se deveu apenas à dificuldade em dizer isso numa única frase.

Risos.

O Sr. Alberto Martins (PS): - É exactamente isso.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, já agora, se me permite, em aditamento às dúvidas do Deputado Luís Marques Guedes e a mais alguma, diria que, sem prejuizo da necessidade de no n.º 6 ficar fixada a necessidade de os partidos darem publicidade regular ao seu património e às suas contas, o que é evidente é que com esta proposta o Partido Socialista considera que uma parte substancial, porventura maioriatária, do financiamento dos partidos deve ter por proveniência o financiamento público. E, então, não fará sentido, julgo, que não seja fixada no n.º 7 essa maior obrigação - porque obviamente o financiamento é público - em relação ao seu património e às suas contas, na medida em que estamos a tratar justamente de financiamento público, embora a exigência se mantenha em relação ao financiamento privado, mas digamos que a exigência, porventura, será

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maior no caso da proveniência ser de financiamento público.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - As minhas dúvidas não estão a ser entendidas, Sr. Presidente. Se calhar, vale a pena explicitar melhor a minha interrogação. É que, desde logo, face à forma como estão redigidos os n.os 6 e 7, fico na dúvida sobre o que é que, de facto, no n.º 7, o Partido Socialista entende por "financiamento público".

O Sr. Presidente: - É o financiamento do Estado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E a questão dos limites deve ser colocada ao financiamento público ou ao financiamento privado? É esta a separação que não percebo muito bem.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, com estas duas propostas não pretendíamos inovar nada que não estivesse já na lei ordinária.
Estes dois números tratam, de facto, do financiamento dos partidos políticos e poderiam ser juntos, como aliás o Sr. Presidente apontou, num número único. No entanto, na proposta de n.º 7, que diz "A lei regula os requisitos e limites do financiamento público dos partidos políticos", a única coisa que se exclui é que os partidos políticos sejam exclusivamente financiados pelo Estado. É o único limite.
A solução que hoje vigora é a de que há um financiamento dual, se assim se quiser, ou seja, financiamento privado e financiamento público. A única questão que se coloca nesta proposta, e que é transponível para a lei ordinária tal como ela hoje vigora, é que não há um financiamento global, total, dos partidos políticos. A ideia do partido estadualizado, sem financiamento privado, é recusada por nós.
Hoje, na Europa, ao nível dos países da Comunidade, há três soluções de financiamento dos partidos: há financiamento de partidos exclusivamente pelo Estado - creio que a solução inglesa é desse tipo; há financiamento misto, sistema no qual se inclui Portugal; e há financiamento totalmente feito só por particulares. Nós admitimos a solução do finaciamento misto, que é a que está em vigor, e pensamos que a garantia disso é a de que o financiamento totalmente feito pelo Estado não possa ser assegurado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, julgo que o limite que hoje existe na lei não tem exactamente nem a função nem o alcance que o Sr. Deputado Alberto Martins acaba de assinalar. Hoje, na lei, não existe nenhuma restrição a que um partido, se quiser, viva exclusivamente do financiamento público. A questão é essa.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Existe, existe. Há um financiamento que deriva dos resultados eleitorais que é objectivo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Exactamente. Mas o que estou a dizer é uma coisa diferente: é que não existe na lei a proibição de que o partido viva exclusivamente da sua receita pública.

O Sr. Alberto Martins (PS): - "Viver" é outra coisa. Mas isso não é o que está em causa aqui neste debate.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas aquilo que estava dizer o Sr. Deputado Alberto Martins inculcava a ideia de que um partido político teria sempre, para além do financiamento público que lhe coubesse por força dos resultados eleitorais, a necessidade de recorrer ao financiamento privado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Não estou a discutir a lei ordinária, que, aliás, já discutimos. Tivemos oportunidade de participar nessa discussão e até de elaborar o texto legal...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas fiz uma precisão em relação àquilo que disse porque ninguém fez essa ideia e julgo que não é isso que está em causa.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, não percamos tempo com aspectos que, obviamente, não cabem na proposta, que creio estar esclarecida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que, talvez dentro da ideia, à qual somos sensíveis, de incluir, por um lado, regras relativas à transparência do património e das contas dos partidos e, por outro, regras sobre o respectivo financiamento, creio que a redacção procurada deveria juntar o que é comum e separar o que é distinto, isto é juntar as partes do n.º 6 e o n.º 7 que dizem respeito ao financiamento dos partidos, e separar, num número autónomo, a regra sobre a publicidade regular do património e contas dos partidos políticos.
Temos, portanto, abertura nesse sentido, julgando que o n.º 6 poderia ser qualquer coisa como "Os partidos políticos devem dar publicidade regular ao seu património e às suas contas" e o n.º 7 qualquer coisa como "A lei estabele as regras do financiamento dos partidos, incluindo os requisitos de financiamento público e os limites do financiamento privado".

O Sr. Presidente: - Parece-me uma proposta razoável.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Julgo que estas redacções, no fim de contas, correspondem à intenção dos proponentes e talvez sejam as mais adequadas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Luís Sá?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O Partido Comunista, um tanto inesperadamente, não faz aqui finca-pé na proibição de financiamento por parte de entidade privadas colectivas, designadamente empresas, que tem sido uma posição histórica do partido.

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O Sr. Luís Sá (PCP): - "Entidades privadas" pode ser, como bem sabe, pessoas individuais ou pessoas colectivas privadas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Eu sei, eu sei!

O Sr. Presidente: - De resto, há uma proposta dos peticionários do GEOTA que propõe constitucionalizar uma proibição de finaciamento por empresas.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto. Nós não adiantamos essa proposta embora mantenhamos a posição de que, em sede de legislação ordinária, a proibição devia ser feita. O Sr. Deputado Miguel Macedo fez o favor de lembrar aquilo que eu tinha achado escusado lembrar, mas para não fazer perder tempo à CERC não relembrei aqui uma posição que, obviamente, não teria qualquer viabilidade, o que não significa, de forma alguma, que não entendamos - e ainda bem que fez a pergunta - que a redacção que está adiantada pelo PS e esta versão de redacção que adiantei não abrisse caminho, quer à admissão do financiamento por entidades privadas colectivas ou individuais quer à proibição de financiamento por empresas.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Deputado, era só para saber se o PCP tinha mudado de posição sobre esta matéria.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não. E agora, com o apoio do GEOTA, que, como sabe, é da sua família política, mais estamos firmes da nossa posição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, esta sugestão de redacção...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, parece-me razoável. Depois procederemos a ajustamentos últimos numa segunda leitura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aceitam como boa esta proposta de reformulação do Sr. Deputado Luís Sá?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto à proposta de n.os 6 e 7, esta redacção reformulada, parece-nos, de facto, mais feliz e, do nosso ponto de vista, um passo no sentido certo. O PSD tem, claramente, uma posição de receptividade quanto à introdução no texto constitucional de uma disposição deste tipo.
Ficaremos, portanto, a aguardar para, numa segunda fase, se tentar uma formulação que vá ao encontro das preocupações agora manifestadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas que acabámos de discutir têm abertura e receptividade por parte do PCP e do PSD. Ficam pendentes de formulação exacta.
Passamos ao artigo 52.º.
Em relação ao n.º 1, foi apresentada uma proposta pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que é convergente com a proposta do PCP para um novo n.º 2 e com a proposta de Os Verdes para um novo n.º 3. A ideia é a de consagrar um dever das autoridades ou um direito dos cidadãos a serem informados, por escrito e em tempo útil, sobre os resultados da apreciação das petições que hajam apresentado.
A formulação não é idêntica, mas o objectivo é convergente, seja a título de dever seja a título de direito, pelo que a ideia mantém-se.
Se os autores julgarem necessário, poderão proceder à apresentação destas propostas, ou, se prescindirem de tal, passar-se-á desde já à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que todos tivemos, neste aspecto, uma experiência recente que foi, exactamente, a de cidadãos que fizeram uso do direito de petição serem chamados à Assembleia da República para serem ouvidos sobre a matéria. Pudemos constatar a alegria e a satisfação cívica com que viram esta possibilidade de, de algum modo, serem ouvidos e de serem informados sobre o seguimento dado às questões que colocaram.
Naturalmente que o direito de petição não envolve o direito de ver satisfeita a respectiva petição, mas julgamos que a consagração de um direito a ser informado ou de um dever da administração de informar constituiria um desenvolvimento útil do direito de petição que não nos parece despiciendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, proponente de uma das propostas que enunciei.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, pensamos que a proposta que apresentamos não só estimula a participação dos cidadãos como credibiliza o instituto da petição. Julgo, portanto, que é uma proposta que, de algum modo, outros partidos têm considerado importante, como sequência da existência do direito de petição e do seu exercício.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à consideração. Peço-lhes que se têm posição já formulada a explicitem, sobretudo que digam se há receptividade, reserva ou rejeição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, as obras a fazer, em sede de edifício jurídico, para reforçar e revigorar o direito de petição, passam por medidas no terreno das práticas dos órgãos de poder e, em muitos aspectos, no terreno do próprio travejamento legal. E o colóquio que recentemente teve lugar na Assembleia da República sobre esta matéria revelou até que ponto é que essas medidas e obras são necessárias.
A proposta que aqui é apresentada visa, enfim, introduzir um elemento de densificação do regime constitucional do direito de petição quanto a dois aspectos que não são polémicos entre nós e que a lei, de resto, consagra com abundância de pormenores e com prazos concretos e em diversas dimensões, tanto a lei de petição, como tal, como outro instrumento no quadro do procedimento administrativo e mútiplos instrumentos de valor infralegal, tais como obrigação de informação e

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resposta em tempo útil sobre os resultados da apreciação, o que significa que se consagra, implicitamente, uma espécie de direito à resposta: explicita-se melhor a consagração do direito à resposta (não à resposta positiva, mas a uma resposta), ou seja o direito ao não silêncio nessa matéria.
Talvez a fórmula utilizada seja demasiado nutrida e prolixa, talvez ela valesse melhor como um aditamento ao próprio n.º 1 directamente. Percebe-se que esta norma foi pedagogicamente colocada como um n.º 2 para permitir a sua leitura e para facilitar a sua percepção, mas talvez seja possível compactá-la, torná-la mais económica e aditá-la ao n.º 1. A resposta em tempo útil e o direito a informação tem, de facto, uma dimensão muito importante.
Pela nossa parte, contribuiremos, sem dúvida nenhuma, para esta obra, mas temos consciência absoluta de que os problemas graves de credibilidade do direito de petição e de reforço da credibilidade do seu exercício pelos cidadãos e a esperança que isso suscita dependem de medidas muito outras e de uma mudança de atitude que, pela nossa parte, teve um momento alto a partir da tomada de posse dos órgãos de poder que resultaram das eleições de 1 de Outubro.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Isso é uma picardia!

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, o PSD ignora a parte final da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães encara a possibilidade de dar por não escrita esta parte.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A bem do bom andamento dos trabalhos desta Comissão, para onde, de facto, até ao momento - pela nossa parte, agradecemos a condução que o Sr Presidente tem feito dos trabalhos, honra lhe seja feita -, este tipo de situações não têm sido trazidas, esperamos que assim continue.
Diria que o direito de petição e o direito de acção popular é um instituto que tem vindo a beneficiar - e, do nosso ponto de vista, deverá continuar a beneficiar - de algum aperfeiçoamento em sede de Constituição. A proposta que nos é apresentada - pelo menos nós assim o entendemos - é a tentativa de encontar uma redacção que venha acrescentar algo a esta construção e consolidação do instituto de acção popular e de petição na nossa Constituição, tentando obviar ou acrescentar alguma solução a um dos problemas com que todos nos temos deparado nesta sede. Nesse sentido, o PSD encara com receptividade a proposta.
Gostaríamos, de facto, de refletir quer sobre o tipo de formulação exacta a introduzir no texto quer até, em termos de sistematização, sobre o local ideal para constar. Mas, na perspectiva de tentar consolidar e delinear melhor os contornos de eficácia deste instituto, o PSD encara, de uma forma positiva, esta proposta e irá reflectir um pouco sobre a melhor maneira de lhe dar expressão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, estou a reler a proposta que o Partido Socialista apresenta em relação ao n.º 3 do artigo 52.º e a questão que me suscita...

O Sr. Presidente: - Ainda não chegámos lá, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Peço imensa desculpa. Pensei que já estávamos a tratar desta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão a tirar em relação às propostas que estavam em discussão relativas ao direito dos peticionários a uma resposta é a de que encontrou abertura por parte do PS e do PSD, ressalvando que a inserção possa ser no n.º l ou em número àparte e que a sua formulação seja exacta.
Vamos, agora, passar às propostas relativas ao n.º 3 do artigo 52.º, relativamente ao qual foi apresentada uma proposta do PS e outra do PCP. O PS propõe que o direito de acção popular constitucionalmente estatuído passe a abranger também os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e os direitos fundamentais constitucionalmente protegidos - pergunto-me se, francamente, não vai além da intenção dos proponentes quanto a esta última parte - e o PCP propõe que a primeira parte sofra uma alteração, nomeadamente pela eliminação da expressão, que hoje consta da Constituição, "de acção popular nos casos e termos previstos na lei".
Os proponentes têm o direito de apresentar as respectivas propostas, a começar pelo Partido Socialista, para o que tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a proposta que apresentamos autoexplica-se, ou seja, há duas densificações precisas e uma que representa, evidentemente, o alargamento do território a todo o vasto território dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. Sabemos quais sejam, um a um: o estatuto que essa protecção tem, numa interpretação mais lata, abrange todos; numa intervenção menos lata, abrange os que têm protecção directa. Estamos, como é óbvio, inteiramente disponíveis para, porventura, matizar e apertar ou limitar o alcance da proposta que, numa determinada interpretação, como depreendi do tom de voz do Sr. Presidente, poderia ser, quiçá, excessivamente abrangente.
É este o nosso intuito. Tem sido uma praxe das revisões constitucionais alargar o âmbito desta norma. A verdade é que, finalmente, quebrou-se a maldição e aprovamos por consenso uma lei de acção popular e, portanto, não estamos aqui a fazer aditamentos para suprir uma omissão insconstitucional ou para suprir ausência de lei ordinária. Não é esse o fito, podemos trabalhar pois num outro clima e encontrar com equilíbrio uma norma que nunca poderá ser uma espécie de compensação pela abulia do legislador ordinário. Trata-se de um enriquecimento em relação ao qual estamos disponíveis para considerar que seja matizado e moderado em relação à proposta, de facto de escopo muito ambicioso, que apresentámos na revisão constitucional anterior e que reapresentamos, sem alterações, nesta.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, em todo o caso, queria chamar a atenção para um ponto.
Creio que, ao acrescentar "ou contra direitos fundamentais constitucionalmente protegidos", o PS tivesse em conta as associações de defesa de direitos. Mas o direito à acção popular não é só o direito à acção popular das organizações, é também o direito de acção popular individual. Não lhe parece claramente excessivo dar o direito de acção popular individual em relação a todos os direitos fundamentais? Quer dizer, eu, quidem, tenho direito à acção popular em relação a todos os direitos fundamentais?! Isso não parece excessivo? Não vai além da intenção dos proponentes?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, na minha intervenção procurei, talvez com prudência excessiva, manifestar que temos também, tudo lido e tudo ouvido, disponibilidade para limitar o alcance da norma que poderia, de facto, numa determinada leitura, ser excessiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá para apresentar a proposta do PCP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que, neste momento, o direito à acção popular está já consagrado, em termos amplos, na legislação ordinária, na decorrência, de resto, do artigo 52.º.
Julgamos, entretanto, que pode haver vantagem em garantir uma densificação que, no espírito da nossa proposta, assenta fundamentalmente nesta ideia: a defesa de direitos que são direitos de conjuntos de cidadãos, isto é, estão em causa os consumidores - e é sabido que, muito frequentemente, os direitos dos consumidores são parte do direito ao ambiente, que já está consagrado, mas tratava-se de uma clarificação e de um alargamento em situações que assim não é -, os direitos fundamentais dos trabalhadores, os direitos perante o sistema de segurança social, que dizem respeito a colectivos muito amplos de cidadãos, em que normalmente quando um intervém é a defender interesses de conjuntos muito relevantes de cidadãos, o direito ao ensino - e estamos naturalmente a pensar em lutas concretas que se desenvolveram na sociedade portuguesa nesta matéria -, a ideia da propriedade social porque também aí se trata de defender interesses de colectivos e igualmente a ideia de que o domínio público e demais património do Estado, autarquias locais e o sector público, também pode haver interesse que seja defendido por inciativa popular, em casos em que eventualmente se entenda que se verifica incúria.
Naturalmente que estamos abertos ao exame desta proposta no sentido de ouvir todas as contribuições e verificar se existe consenso em relação a alguma delas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, porque é que na vossa proposta se elimina o inciso "nos casos e termos previstos na lei"? Quanto aos "casos" está coberto por "nomeadamente", mas porque é que eliminaram a expressão "termos" da actual proposta?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Provavelmente, porque queríamos salvaguardar os termos da lei actual ou, então, foi lapso. De momento, não sei, tenho de reflectir melhor.

O Sr. Presidente: - Para além destas propostas, recordo a proposta do Prof. Jorge Miranda que propõe o seguinte: "É garantido o direito à acção popular, designadamente para defesa do cumprimento do estatuto dos titulares de cargos políticos e do património do Estado e demais entidades públicas". Nesta segunda parte é coincidente com a proposta do PCP que, de resto, pessoalmente também faria minha.
Suponho que se há alguma coisa que qualquer cidadão tem direito a levar a tribunal é a defesa do património público, que é de todos nós. Aliás, isso está consagrado, pelo menos em sede de autarquias locais, e suponho que se deve generalizar ao domínio público do Estado.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não é possível, neste momento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quanto ao património das autarquias locais é.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Há muitas dúvidas. Ainda recentemente participei numa acção dessas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Depois da entrada em vigor da Lei de Acção Popular?

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Não. Para esse efeito tive de recorrer a uma acção normal de posse do domínio público.

O Sr. Presidente: - Mas, já agora, espero que também não deixem de considerar esta "provocação" do Prof. Jorge Miranda: "acção popular para cumprimento do estatuto de titulares de cargos políticos".

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, em termos de sermos expeditos, não era melhor esperar pela nova proposta do Partido Socialista para este número? O embaraço com que o Sr. Deputado José Magalhães apresentou esta proposta...

O Sr. Presidente: - Se o Partido Socialista quiser reformular a sua proposta, reformula-a. Não vamos aguardar nada.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Aliás, houve um evidente lapso do Sr. Deputado José Magalhães, quando disse "esta proposta autojustifica-se". Eu pensei que ele ia dizer "esta proposta autodestrói-se".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Macedo, até agora, na sua ausência, os trabalhos da Comissão tinham prescindido de pequenas picardias.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, não quero ser a origem de todos os males!
Isso também depende um bocado do estilo pessoal!

O Sr. Presidente: - É claro que depende, mas peço que modere o seu estilo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

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O Sr. José Magalhães (PS): - Obviamente que a proposta do PCP é mais curta, mais limitada e aponta para alvos que são para nós, também, da mais alta importância, designadamente a protecção de determinados bens públicos. Nenhuma dúvida há quanto a esse aspecto. É, portanto, "um menos" em relação em relação ao porventura "demasiado mais" que consta da nossa proposta. E se nós propomos "o tudo" naturalmente que propomos "o menos que tudo" e aderimos completamente a esse enriquecimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há duas propostas de alargamento do âmbito constitucionalmente obrigatório de direito de acção popular. É óbvio que a lei pode alargá-lo em relação ao previsto na Constituição. Aliás, já hoje assim acontece. Do que se trata é de saber se a Constituição, ela mesma, deverá, à partida, garantir o direito de acção popular em relação a determinados bens ou valores constitucionalmente protegidos. O PCP propõe um certo alargamento; o PS propõe um alargamento maior, tendencialmente universal em relação a todos os direitos constitucionalmente protegidos.
Trata-se de tomar opção por uma, por outra ou por nenhuma das propostas.
Srs. Deputados, continua à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no fundo, a posição do PSD, em termos genéricos, é a seguinte: como o Sr. Presidente acabou de referir, e bem, o texto constitucional não faz uma descrição taxativa das situações onde poderá haver lugar ao direito de petição ou ao direito de acção popular. Pelo contrário, como o Sr. Presidente disse - e é esse também o entendimento do Partido Social Democrata -, nada inibe que a lei, como já o faz actualmente - e por isso é que se utiliza aqui o termo "nomeadamente" -, acrescente àquele que é o elenco de situações que vem previsto expressamente neste n.º 3 algumas outras situações. Portanto, nesse sentido, dir-se-ia, no limite, que a discussão que estamos aqui a ter é uma discussão que, no fundo, não traz alteração substantiva ao quadro legal que actualmente já existe, e nesse sentido a discussão podia ser um bocado inútil.
Em qualquer circunstância, o PSD entende que há algumas situações que podem - e desde já referia a questão relativa ao direito dos consumidores -, com alguma vantagem, do nosso ponto de vista e em termos práticos, merecer nesta revisão constitucional um especial enfoque e serem eleitas - passe a expressão - para virem a passar a constar expressamente deste n.º 3 da Constituição.
Há aqui, como o Sr. Presidente disse, um leque alargado de propostas. É evidente que a expressão, com carácter quase que residual e universal nesse sentido, do Partido Socialista não a subscrevemos, mas reflectiremos sobre algumas das propostas que aqui nos são colocadas. Desde já manifestamos a nossa adesão quanto à introdução dos "direitos dos consumidores". Também nos parece positiva, embora seja uma questão já mais de redacção, a retirada do termo "a degradação" que resulta das propostas, muito embora o Sr. Presidente não tenha referido isso expressamente, porque, de facto, até nos parece que, como está, está mal escrito. Essa é uma melhoria que não é substantiva mas é uma melhoria que não deixa de ser notada.

O Sr. Presidente: - Se vamos mexer, mexemos também aí, corrigindo a formulação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Se vamos mexer, vale a pena corrigir porque está mal feita.
Portanto, o PSD, genericamente, tem essa posição, Sr. Presidente. É favorável não a uma proposta universal como aquela que resulta da parte final do texto do Partido Socialista mas aberta à inclusão nesta listagem, passe a expressão, de alguns direitos que o devam merecer.
Desde já, damos a nossa adesão aos direitos dos consumidores. Ponderaremos adequadamente a questão relativa ao domínio público e património do Estado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, chamo-lhe a atenção para a questão do património das entidades públicas. É que, na verdade, aí não há ninguém directamente prejudicado. Se houver inércia da própria entidade pública, o que temos é o locupletamento de um privado à custa do património público. E, se não dermos direito à acção popular, continua a acontecer o que infelizmente acontece com frequência demasiada. É por inércia ou negligência dos órgãos de entidades públicas que nós vemos o locopletamente de privados à custa do património que é de todos nós.
Penso que se alguma coisa justifica a acção popular - aliás, ela, nas autarquias locais, começou por aí, pelo património municipal... De resto, vem também na proposta do Prof. Jorge Miranda e, penso, que por maioria de razão devemos considerá-la. Aliás, se vale para os direitos dos consumidores, deve, por maioria de razão, valer para o património que é de todos nós, porque é das entidades públicas, e como não há ninguém prejudicado se nós não damos, a qualquer um de nós ou a qualquer organização de defesa dos interesses colectivos, o direito de impugnar ou de reivindicar o património público, eventualmente lesado por privados, creio que estamos a hierarquizar verdadeiramente os valores que o direito de acção popular, historicamente aliás, serviu para proteger.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, uma vez que a sua interpelação me é dirigida, já tinha genericamente manifestado a abertura da parte do PSD, especificamente também na parte que diz respeito a isso. Confesso-lhe, também com toda a abertura, porque é que não situava esta fase exactamente no mesmo plano em que coloco o direito dos consumidores.
Visto apenas na vertente que o Sr. Presidente acaba de explicitar, o PSD não tem dúvida nenhuma em, desde já, dar a sua adesão. Mas isso também pode ser visto noutra perspectiva: as infracções contra o património do Estado praticadas por alguns cidadãos..., também pode ser interpretado que as privatizações são isso mesmo. E, portanto, nós queremos reflectir sobre o assunto, porque não queremos que resulte de uma inserção no texto constitucional de uma medida menos pensada e menos reflectida um embaraço ou uma janela..., que obviamente não era isso

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que o Sr. Presidente estava a explicitar. Mas nós queremos reflectir.

O Sr. Presidente: - Seguramente que não!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Gostariamos de reflectir porque não queremos que de um texto apressado que aqui coloquemos possa subsistir uma interpretação diria malévola, no sentido em que não era a pretendida por quem cá a pôs. E é nesse sentido que o PSD, se quanto aos direitos dos consumidores, para já, não tem dúvidas em dar adesão, quanto à questão do património do Estado, por causa destas e doutras questões que agora situei abertamente, uma vez que o Sr. Presidente não se ocupou ou tomou pouca nota...

O Sr. Presidente: - Creio que não há esse risco! Penso que é um excesso de cautela do Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas acho que vale a pena pensarmos sobre isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro acaba de fazer uma sugestão que me parece de todo em todo pertinente. O actual texto da Constituição, que aliás é originário nessa parte, tem um ar de concessão: "confere a todos o direito" e não segue a regra tabeliónica da Constituição, isto é, a de "todos terem o direito". O Sr. Deputado propõe que, já que se vai mexer na norma, se diga "todos têm o direito de acção popular, etc., etc.".
Fica registada esta sugestão. A questão da redacção ficou para reserva e, portanto...
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Em relação ao problema da acção popular temos de concordar que o que está em causa são certos interesses que sendo de todos não são de ninguém. É esta a ideia e, portanto, há certa titularidade que está obnubilada e, como tal, é preciso que alguém que acorde possa usar esse direito em nome de todos e para bem de todos.
É essa a ideia de titularidade pouco definida, que não é de ninguém e é de todos, que me leva a estar contra, na esteira do que disse o Sr. Deputado Marques Guedes em relação à proposta de n.º 3 do Partido Socialista, os direitos fundamentais especialmente protegidos. Cada um tem os seus direitos fundamentais, estão bem protegidos; cada um tem o seu direito...

O Sr. José Magalhães (PS): - Esse "comboio", Sr. Deputado...

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Já está passado?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não atravessou sequer o Douro!

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Ainda bem, ainda bem!
Quanto a "do domínio público e demais património do Estado" penso que não há grandes riscos de acolhermos esta fórmula proposta pelo Partido Comunista porque, de facto, muitas vezes, o Estado adormece e a sua inércia levará a que não se actue se alguém individualmente não possa, em nome dos interesses colectivos ou mesmo difusos, actuar. Portanto, é provável que essa parte não suporte sequer os riscos levantados pelo Sr. Deputado Marques Guedes e, nessa medida, julgo que não haverá grandes dificuldades, em última instância, de o virmos a aprovar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão a tirar é a de que há abertura consensual para alargar o reconhecimento constitucional do direito de acção popular a outros valores além dos que já estão consagrados. Em concreto, foram mencionados direitos dos consumidores e eventualmente o património das entidades públicas. Fica para segunda oportunidade a delimitação rigorosa desse alargamento e fica também adquirido um aperfeiçoamento de redacção, nomeadamente a substituição de "degradação do património" por "próprio valor do património".
Srs. Deputados, em relação ao artigo 53.º , há uma proposta do CDS-PP. Suponho que fazemos bem em adiar a respectiva discussão enquanto ninguém do PP estiver disponível para a apresentar.
Passamos, portanto, ao artigo 54.º, relativamente ao qual há propostas para o n.º 1 apresentadas pelo CDS-PP, pelo PSD, pelo Deputado do PS Cláudio Monteiro e pelo Deputado do PSD Arménio Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A proposta do PSD, desde logo, vem enformada de uma alteração que não é meramente literária; a sua natureza e o seu carácter políticos têm que ver com a própria denominação deste instituto que vem previsto na Constituição.
De facto, parece-nos que a valência real à qual pretendemos dar cobertura constitucional tem que ver com o direito de os trabalhadores em, internamente, dentro das empresas, se organizarem numa perspectiva de se constituírem como um polo da concertação que deve ter lugar tanto em sede de empresa como em sedes mais alargadas, onde já vêm, de resto, constitucionalmente consagradas, de forma genérica, nomeadamente através do instituto do Conselho Económico e Social.
É nessa perspectiva também que, depois, no decurso de todo o artigo, o PSD promove uma reformulação no sentido de retirar do artigo exactamente as valências deste instituto em tudo o que não tenha que ver com a perspectiva da concertação dentro da empresa. E é nesse sentido que, no n.º 4, em cotejo com o actual n.º 5 do texto constitucional, o PSD pretende reconduzir os direitos destes órgãos àquelas que são as funções que, do nosso ponto de vista, têm pertinência, no contexto da salvaguarda dos direitos dos trabalhadores a se organizarem para se defenderem, numa perspectiva que diria moderna e naquela que é a visão que é trabalhada já hoje

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em sede do Conselho Económico e Social pelas representações dos trabalhadores.
Portanto, no fundo, e genericamente, nesta primeira apresentação, diria que o intuito do PSD de reformulação deste artigo 54.º foi o de reconduzir esta figura da comissão de trabalhadores a um órgão de organização perfeitamente unilateral e livre por parte dos trabalhadores, no sentido de prover à defesa dos seus interesses dentro da empresa e fundamentalmente da concertação, que, em termos dos seus direitos, devem fazer em conjunto com as entidades patronais, quer dentro da empresa quer, indirectamente, através de organizações sindicais.
E, nesta primeira apresentação, não vou alongar-me mais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - No que diz respeito à fundamentação, a proposta é muito simples e limita-se a actualizar a redacção, tirando da actual redacção do n.º 1 a expressão "democrática", que introduz, no meu entender, uma carga política no funcionamento interno das empresas que, julgo, não se justifica.
Portanto, trata-se fundamentalmente de uma diminuição da intensidade política do estatuto da comissão de trabalhadores. Julgo que não faz sentido falar-se hoje em intervenção democrática na vida das empresas não só porque as empresas não se regem propriamente por sistemas de funcionamento democrático, no sentido de sistema político ou no sentido político do termo, como, para além do mais, também julgo que há aqui um resquício de outros tempos e de outras discussões que hoje talvez não faça sentido.
Sem que isso implique nenhuma diminuição do direito ou nenhuma restrição do conteúdo do direito, julgo que essa expressão hoje podia ser dispensada e conduzir os termos da questão àquilo que verdadeiramente interessa e que tem a ver com as relações laborais e não com as relações políticas que, porventura, se projectem dentro das empresas.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão as propostas já apresentadas bem como as do CDS-PP e do Deputado Arménio Santos atinentes ao mesmo número.
Srs. Deputados, em todo o caso, em relação às propostas pendentes, há duas de âmbito completamente distinto: a do PSD é, nessa parte, convergente com a do Deputado Arménio Santos, que é de substituição do conceito da dogmática constitucional de "comissões dos trabalhadores" por "conselhos de concertação de empresa"; e a proposta apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro, que é comum à do CDS-PP e, nessa parte, à do PSD, que quer substituir a expressão "intervenção democrática" ou pela expressão "participação" tout court - caso da do CDS-PP e da do Deputado Cláudio Monteiro - ou pela expressão "participação democrática", no caso da do PSD e da do Deputado Arménio dos Santos.
Estão, pois, em discussão estas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Claro que, neste caso, o PS não está aberto à proposta do PSD, por uma razão simples: é que, no fundo, há uma alteração substancial do texto constitucional, porque é evidente - explicitou bem - que um conselho de concertação traduz-se, e só, na possibilidade de agir neste exacto termo, ou seja, visando a concertação, enquanto que as comissões de trabalhadores podem e devem, na nossa óptica, poder defender direitos dos trabalhadores, no âmbito da empresa, que não tem necessariamente de ser no quadro da concertação. É evidente que, na hipótese de atropelos aos direitos dos trabalhadores, a comissão de trabalhadores tem um papel específico e, portanto, não pode, de modo nenhum, confinar-se só a essa ideia de concertação. Portanto, essa proposta não parece atendível.
Quanto ao problema da eliminação da palavra "democrática", é evidente que esta palavra aqui não tem, nem teria que ter, um sentido político, no sentido lato, como avançou o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Tem a ver é com a possibilidade de criar fenómenos de democratização da vida da empresa e, portanto, no fundo, da gestão da empresa, ou de retirar um pouco aquilo que é tradicional nas empresas, que é o poder autocrático. Na Igreja, na tropa e nas empresas sabe-se que não há vida democrática,...

Risos.

...o que não quer dizer que não haja, em absoluto, "democratizantes". Portanto, não há razão para retirar a expressão "democrática" do texto, uma vez que não há confusão possível entre aquilo que é o sentido político, o sentido lato, com a possibilidade de algum controlo democrático da gestão. Donde, não há, da parte do PS, acolhimento para aderir às alterações propostas pelos proponentes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para pedir um esclarecimento.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado Strecht Ribeiro foi muito linear, diria quase que liminar, no afastamento da proposta do PSD. Em termos de conteúdo, o Sr. Deputado, pela sua intervenção, percebeu claramente qual é a intenção do PSD, pelo que não está em causa falta de compeensão. Porém, o Sr. Deputado utilizou um argumento relativamente ao qual gostaria de alguma clarificação: afastou liminarmente a nossa proposta por entender que a mesma não salvaguarda determinado tipo de competências e de funções das comissões de trabalhadores de defesa genérica ou abstracta dos direitos dos trabalhadores que, do seu ponto de vista, fazem falta.
Ora, isso não entendo muito bem, porque em termos deste número - e citei os outros números por uma questão óbvia, pois acho que não vale a pena acertar coisas quanto ao n.º 1 quando, na proposta do PSD, o que está em causa é todo o instituto, como eu, com frontalidade, procurei desde já transmitir -, é evidente que fica claro - e já no actual texto o PSD não mexe - que estes órgãos, chamem-se comissões ou conselhos (para a economia do n.º 1 não interessa), têm por função a defesa dos interesses e a participação dos trabalhadores na vida da empresa.

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Portanto, não percebo a que título é que o Sr. Deputado utilizou o argumento de que os conselhos têm outras competências, que nós, com a nossa proposta, estaríamos a afastar, e que essa era a razão da vossa não aceitação liminar. Se isso não é apenas no plano do discurso político, pedia que o Sr. Deputado concretizasse melhor quais são essas outras funções que vê pertencerem naturalmente às comissões de trabalhadores no texto constitucional e que sairiam tão gravemente prejudicadas com a proposta do PSD.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Como sabe, o espírito da alteração foi inciado por si.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - E é bem entendido...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O controlo de gestão?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Desde logo retira o exercício do controlo de gestão nas empresas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso não são direitos abstractos!

O Sr. Strecht Monteiro (PS): - De acordo. Mas a adequação das palavras não é arbitrária, não é aleatória. Por que é que propôs "concertação"? Por que é que não deixa ficar "comissão de trabalhadores"? Então, nessa altura, sou eu que lhe faço a pergunta... Ou introduz a palavra "concertação" para limitar o âmbito...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é o essencial da proposta do PSD.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Mas se não é, não vale a pena. Se o texto é adequado, porque é que há-de haver alterações? Ou a alteração é cega e não tem sentido - e, então, deixe estar o texto como está -, ou tem algum sentido, e, nessa altura, é bom explicitá-lo. E se é equívoco, é bom que o rejeitemos.
Portanto, entendemos que não há limite e se, quando propõem "concertação" é para dizer que é nesse âmbito que se exercem as funções das comissões - ou dos conselhos, como lhe queira chamar (a questão do "conselho" era o menos) -, é evidente que nós não aceitamos...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para nós também é o menos!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - É evidente que, na economia da vossa proposta, há, embora de uma forma subtil, a retirada de algumas competências, nomeadamente, como disse e muito bem...

O Sr. Presidente: - Já lá vamos, Sr. Deputado. Para já só estamos no n.º 1.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, só queria chamar a atenção do PSD para uma contradição que julgo ser manifesta na sua proposta. É que uma coisa é, substancialmente, fazer apelo à ideia de que a intervenção ou participação dos trabalhadores na vida da empresa rege-se por um princípio de concertação. Outra, é chamar às comissões de trabalhadores conselhos de concertação. É que a concertação pressupõe duas ou mais partes e não faz sentido que uma delas tenho o direito unilateral de criar uma comissão na qual a outra não está representada. Ou seja, a comissão de trabalhadores pode ter por função particpar num processo de concertação, não pode é ela própria ser unilateralmente o processo de concertação isoladamente.
E a contradição, aliás, resulta - com o devido respeito, porque até tenho alguma ideia da origem académica de algumas das propostas do PSD nessa matéria - da importação de expressões utilizadas no Direito alemão, onde vigora um princípio de cogestão, razão pela qual, julgo eu, a importação pura e simples dessa expressão - não sei se a expressão é exactamente essa até porque não domino o Direito do Trabalho e muito menos a língua alemã - é bastante infeliz, ainda que, do ponto de vista da substância, ela possa, eventualmente, revelar um espírito com o qual, porventura, até estarei muito mais próximo do que está o Sr. Deputado Strecht Ribeiro, o que aliás resulta das propostas que faço, nomeadamente para o n.º 4.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A primeira observação que iria fazer à terminologia proposta à introdução do conceito de "conselho de concertação de empresa"...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A terminologia é o menos!

O Sr. Luís Sá (PCP): - A terminologia não deixa de ser significativa do ponto de vista do que revela de concepções.

O Sr. Presidente: - É claramente um lapso!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é um lapso.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A primeira observação que iria fazer é exactamente no sentido da que acaba de fazer o Sr. Deputado Cláudio Monteiro. Creio que tem inteira razão de ser e creio que esta terminologia, para além de manifesto lapso,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é um lapso.

O Sr. Luís Sá (PCP): - ... releva, em primeiro lugar, de uma concepção do tipo neocorporativo - se me permitem - e, em segundo lugar, de um aspecto que creio não ser menor neste contexto. É que as comissões de trabalhadores existiram na vida das empresas portuguesas, até antes do 25 de Abril, antes de existirem na Constituição.
É uma realidade sociologicamente entranhada e que a Constituição se limitou a consagrar, delimitando contornos jurídicos e direitos fundamentais para o exercício da respectiva

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actividade. E é sabido que esta existência, como realidade sociológica, chocar-se-ia, naturalmente, com a consagração na Constituição de uma figura e de um conceito que apareceria, de algum modo, como uma violência em relação àquilo que, ao longo de decénios, foi existindo na vida das empresas.
E isto tem a ver com um outro termo que, creio, não ser de todo menor, que é a proposta de eliminar a expressão "intervenção democrática", porque esta intervenção democrática creio que corresponde à concepção de que a vida da empresa não deve ser autocrática. O Sr. Deputado Strecht Ribeiro lembrou aqui, num saudável regresso a um espírito republicano e laico, o carácter não democrático da Igreja, das Forças Armadas, das empresas...

Risos.

Bom, trata-se de evitar, exactamente, que a vida das empresas seja autocrática e garantir que a intervenção democrática dos trabalhadores possa contribuir nesse mesmo sentido.
De resto, creio que esta proposta, isto é, o n.º 1 e o próprio conceito de concertação de empresa, que é inseparável - sem querer introduzir já a discussão - dos outros números e designadamente da fortíssima redução dos direitos dos conselhos de concertação de empresa em confronto com as comissões de trabalhadores. E que não é apenas o controlo de gestão. Lá chegaremos. Mas é substancialmente mais do que o controlo de gestão.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É os que interessam!

O Sr. Luís Sá (PCP): - É os que interessam, na opinião do PSD e não na opinião das comissões de trabalhadores!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação à proposta de alteração do n.º 1, de substituição da expressão "comissões de trabalhadores" por "conselhos de concertação de empresa" não há claramente acolhimento por parte do PS e do PCP, e o mesmo parece suceder em relação à questão da expressão "intervenção democrática", embora nesse caso, porventura com algumas nuances... Pelo menos da parte do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, até porque apresenta uma proposta que também não merece acolhimento nem do PS nem do PCP.
Vamos, portanto, passar ao n.º 2 do artigo 54.º, em relação ao qual há propostas do CDS-PP, do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro.
O actual n.º 2 do artigo 54.º diz: "Os plenários de trabalhadores deliberam a constituição, aprovam os estatutos e elegem, por voto directo e secreto, os membros das comissões de trabalhadores".
O CDS-PP propõe: "Os membros das comissões de trabalhadores são eleitos...", portanto, o sujeito da oração altera-se.
O projecto do PSD propõe também uma alteração que não tem apenas a ver com a substituição da expressão "comissões de trabalhadores" por "conselhos de concertação de empresa": o sujeito passa a ser "os trabalhadores" em vez de "os plenários de trabalhadores". E o mesmo acontece na proposta do Deputado Cláudio Monteiro.
Uma vez que estão apontadas as alterações propostas, se prescindirem da respectiva apresentação, entramos directamente na discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, só não prescindo da apresentação porque penso que a questão, de facto, não é despicienda. Penso até que a fórmula que o Sr. Presidente encontrou para explicitar o que está escrito é elucidativo daquilo que pretendemos: o sujeito é "os trabalhadores" e não o "plenário".
De facto, do nosso ponto de vista, é algo que está incorrectamente formulado na Constituição, pois o sujeito desta norma deve ser "os trabalhadores" e não "os plenários dos trabalhadores", que, enfim, é uma realidade com uma geometria variável - para utilizar um termo muito em voga -, demasiado variável do nosso ponto de vista, para o que está aqui em causa.
Portanto, os trabalhadores da empresa é que são os sujeitos deste comando. É, pois, esse o sentido da nossa proposta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro apresentou uma proposta convergente. Quer também apresentá-la explicitamente?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Só desejo reforçar o sentido da proposta.
Em primeiro lugar, trata-se de uma questão técnico-jurídica. O sujeito do direito são os trabalhadores e não o plenário. Mas, para além do mais, e sem prejuízo de também admitir que a carga ideológica da expressão "plenário" possa não ter a mesma força hoje que tinha há 20 anos,...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É de geometria variável!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - ... há uma circunstância que é inquestionável: se o voto é secreto, não me parece que a eleição se faça em plenário no sentido que se atribui normalmente à expressão, dado que ela tem de ser feita necessariamente em urna. É uma expressão, julgo, contraditória.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as propostas estão apresentadas. Requeiro tomadas de posição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Strecht Ribeiro.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - A posição do Partido Socialista nesta matéria é simples: mais uma vez, eliminar.
É evidente que os sujeitos são os trabalhadores, mas também é evidente que os plenários dos trabalhadores são os trabalhadores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é evidente!

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Tal não concita nenhum tipo de dúvidas.Nem a legislação ordinária sobre esta matéria concita nenhum tipo de dúvidas. Isto é, o trabalhador quando delibera fá-lo nos exactos termos do texto estatuído na Constituição.

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O problema que se coloca é o de saber se a palavra "plenário" tem ou não alguma carga ideológica, e se sim tem algum interesse prático. E pode ter, porque é verdade que há deliberações que não são necessariamente secretas, etc., etc.
Portanto, pode haver uma situação de assembleia plenária...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não pode!

O Sr. Strecht Ribeiro (PSD): - Pode, pode.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Para estes casos?

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Também.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas, Sr. Deputado, neste caso são situações concretas! É o estatuto e são as eleições!

O Sr. Strecht Ribeiro (PSD): - Sim, mas os trabalhadores reunem em plenário não só para este caso mas também para outros casos e, neste caso concreto, fazem-no através do voto directo e secreto
Do meu ponto de vista, esta alteração também não tem qualquer sentido prático. Ou, novamente, é uma questão puramente semântica e, se for, é irrelevante a alteração, ou não é.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se o Partido Socialista não não concorda, não concorda, mas que não seja por escamotear o cerne da questão ou lançar para a acta uma interpretação diferente da do conteúdo real e do alcance da proposta.

O Sr. Strecht Ribeiro (PS): - Sr. Deputado, faço-lhe a seguinte pergunta concreta: no vosso entendimento, com a nova formulação, os trabalhadores podem votar por corresponência?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Na nossa proposta são os trabalhadores os únicos titulares do direito. Mas o problema real, Sr. Deputado, situa-se em algumas empresas grandes que funcionam por turnos, 24 horas por dia, em que há grupos de trabalhadores que têm horários perfeitamente diferenciados e que, por exemplo, quando reunem plenários em empresas de dois mil trabalhadores e estão lá trezentos ou seiscentos trabalhadores e, na prática, por força da mecânica das coisas - e a realidade está aí no dia-a-dia -, não fica claro que os outros trabalhadores, que por circunstâncias várias não são chamados a tomar a decisão e só podem tomá-la se forem ao plenário, isso, do nosso ponto de vista, é errado porque a titularidade do direito é deles. A única coisa que está neste n.º 2 é a aprovação dos estatutos e a eleição dos órgãos dirigentes da comissão ou do conselho.
É, portanto, nosso entendimento que, numa perspectiva de regra transparente do jogo democrático do que aqui está em causa, os titulares deste direito de aprovação dos estatutos das comissões e da eleição dos seus corpos são todos os trabalhadores, pelo que introduzir aqui figuras intermédias de plenário ou de reunião aos sábados ou ao fim da tarde joga contra a transparência e a universalidade do direito que está em causa.
Isso é o que propõe a nossa proposta. Não é mais do que isso nem menos do que isso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Creio que estamos com alguns fantasmas históricos na cabeça quando discutimos esta questão. Porém, julgo poder desdramatizá-la perguntando ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, desde já, se admite que o conselho de administração de uma empresa seja eleito pela assembleia dos accionistas e que a mesma assembleia de accionistas da empresa delibere sobre os estatutos da mesma.
Creio que devemos interpretar esta referência aos "plenários dos trabalhadores" em analogia com o direito associativo em geral. O que se pretende dizer é que a assembleia de trabalhadores da empresa pode deliberar a constituição, aprovar os estatutos e eleger por voto directo e secreto os membros das comissões de trabalhadores. O "plenário" é uma designação histórica daquilo que funciona, na prática, como a assembleia de trabalhadores, que pode ser convocada para o efeito, do mesmo modo que a assembleia de accionistas da empresa também é convocada para o efeito.
Temos de fazer esta analogia para melhor entender o sentido efectivo desta expressão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Creio que o problema que está aqui colocado é fundamentalmente o seguinte: os plenários de trabalhadores têm o direito, que é um direito que fazem valer perante o empresário, de deliberar a constituição, aprovar os estatutos e eleger por voto directo e secreto os membros das comissões de trabalhadores. Direito que, naturalmente, fazem valer em plenário. Há situações de laboração contínua, de trabalho por turnos, e é corrente o entendimento de que o plenário de trabalhadores também é por turnos, isto é, o plenário tem em conta as próprias condições de laboração da empresa.
Em primeiro lugar, é aqui consagrado um direito de auto-organização dos trabalhadores e, em segundo lugar, um direito de auto-organização a fazer valer perante o empresário. Naturalmente que é um direito adaptado às condições da empresa.
Quanto ao problema de o voto secreto não ser em plenário, creio que, também aqui, tem de se entender que quando os trabalhadores, entre a hora tal e a hora tal, exercem o direito de eleger por voto secreto, isto tecnicamente pode ser concebido como se de um plenário se tratasse.
Creio que estas questões respondem aos problemas levantados pelo PSD que, no caso de ver aceite a sua redacção, poderia introduzir uma possibilidade que - se isto passou pelo espírito de alguém -, de todo em todo, para nós é inaceitável, que é a ideia de substituir o debate colectivo e a reunião colectiva de todos os trabalhadores, o direito de auto-organização dos trabalhadores por uma

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segmentação em que deixasse de funcionar, no fim de contas, a formação de uma vontade de conjunto através da reunião plenária de trabalhadores e através do tal direito de auto-organização colectiva que referi.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a hermenêutica estabelecida deste artigo não conduz, tudo espremido e analisado, a que ele tenha alcance diferente daquele que é expresso na redacção do PSD, na redacção do Deputado Cláudio Monteiro, na redacção de quem quer que seja que não veja no preceito mais do que aquilo que ele dá, além, naturalmente, do perfume histórico que dele ressuma.
E sendo nós fiéis ao perfume histórico, somos sobretudo fiéis a nenhuma crispação semântica e, portanto, nesta matéria, sendo certo que o preceito diz o que diz, nem mais nem menos, e não é possível fazer fluir, sobretudo tendo em atenção que a hermenêutica teve em conta que as empresas têm uma organização descentralizada, que não é possível em muitos casos concentrar os trabalhadores todos num plenário gigantesco e presencial, que as grandes catedrais operárias com a concentração humana e pessoal e com a densidade que disso resultava, nas condições modernas de produção laboral, são substituídas pela repartição dos trabalhadores, em locais fragmentados, onde, portanto, os trabalhadores, em plenário ou em outras formas de agregação têm formas de expressão colectiva, as quais se devem traduzir sempre na expressão da vontade livre, por voto secreto e, eventualmente, por voto por correspondência porque a Constituição não diz voto presencial, e todas as outras modalidades... Sendo nós fiéis a tudo isso e ao mais que ressuma da norma, não faremos nenhuma guerra santa pela defesa das exactas expressões e, portanto, não temos qualquer crispação semântica.
Era isto que gostava deixar porque é essa a nossa opinião comum. Aliás, não faremos - e o PSD que não tenha nisso preocupação - nenhuma guerra santa em torno dessa matéria, desde que nos entendamos todos, naturalmente, quanto às soluções perceptivas, normativas e materiais. Portanto, não é do perfume que tratamos aqui.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conclusão a retirar é a de que a proposta do PSD levanta objecções do PCP e tem, para já, reserva ou um "não, mas" do Partido Socialista.
Srs. Deputados, passamos ao n.º 3 do artigo 54.º, que é eliminado, implicitamente, em todas as propostas: do CDS-PP, do PSD, do Deputado Cláudio Monteiro e do Deputado Arménio Santos.
Está, portanto, em discussão a proposta de eliminação do n.º 3 do actual artigo 54.º da Constituição, que diz: "Podem ser criadas comissões coordenadoras para melhor intervenção na reestruturação económica e por forma a garantir os interesses dos trabalhadores".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para não fazer perder muito tempo à Comissão, reconduzia a justificação da nossa proposta de eliminação à noção de visão diferenciada que temos daquilo que é a realidade "empresa", que foi genericamente explicitada quando, colocado à discussão pelo Sr. Presidente o n.º 1, eu aproveitei para, numa panorâmica geral, traçar a lógica do entendimento do PSD quanto a este artigo e que radica fundamentalmente, de facto, numa concepção diferente da realidade de empresa.
E é neste sentido, de facto, que o actual n.º 3, do nosso ponto de vista, extravasa para realidades que nada têm que ver com a realidade "empresa" mas, sim, com formas de organização supra-empresariais que, do ponto de vista do PSD, são acauteladas - e devem ser acauteladas, e bem - ao nível da lógica das associações sindicais e dos próprios sindicatos. São realidades que, para nós, são diferentes da lógica de organização dos trabalhadores dentro de cada empresa. É nesse sentido que propomos a eliminação deste n.º 3.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Apenas para, muito rapidamente, dizer que a proposta de eliminação que apresento assenta na ideia de que a participação dos trabalhadores na vida da empresa não implica o direito de intervenção unilateral ou de cogestão que não seja legitimado pelos meios próprios de titularidade, isto é, os que geralmente dizem respeito às empresas privadas e salvaguardando a excepção relativa às empresas públicas que o próprio artigo, aliás, consagra.
Portanto, nessa medida, quanto ao mais o preceito é relativamente inútil porque a auto-organização é um direito dos trabalhadores em qualquer circunstância e, portanto. não é necessário a Constituição dizer que as comissões de trabalhadores podem coordenar-se entre si para que elas possam coordenar-se entre si, nem vejo que pudesse existir qualquer limitação a essa respeito.
Portanto, julgo que é inútil, nessa parte, o n.º 3.

O Sr. Presidente: - Portanto, não é relativamente inútil, é absolutamente inútil.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sem tomar muito tempo, deixava só mais uma nota para dizer que na parte que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu e que diz respeito à reestruturação da empresa, o PSD deixa cair este n.º 3 mas retoma essa competência de participação a nível da alínea c) do nº 4.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dado haver um pedido fundado do PSD para que esta reunião termine à 17 horas e 30, hora que já foi atingida, encerramos aqui os nossos trabalhos, que retomaremos amanhã às 10 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 35 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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