O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1639

Quarta-feira, 20 de Novembro de 1996 II Série - RC - Número 54

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 19 de Novembro de 1996

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão do n.º 3 do artigo 115.º e dos artigos 225.º a 229.º e 283.º-A dos projectos de revisão constitucional apresentados.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Luís Sá (PCP), Luís Marques Guedes (PSD), Cláudio Monteiro e Medeiros Ferreira (PS), Guilherme Silva e Barbosa de Melo (PSD), Arlindo Oliveira (PS) e Lalanda Gonçalves (PSD).
Entretanto, procedeu-se à audição dos autores de uma petição que integra propostas ou sugestões de revisão constitucional: Luís Gonzaga Martins, João Lopes, Manuel Henriques e Diogo Barceló (Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário). Intervieram, a diverso título, além do Sr. Presidente (Guilherme Silva), os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Francisco José Martins (PSD), Luís Sá (PCP) e Ferreira Ramos (CDS-PP).
O Sr. Presidente (Vital Moreira) encerrou a reunião às 17 horas e 50 minutos.

Página 1640

 

O Sr. Presidente (Vital Moreira): * Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos com o capítulo do Tribunal Constitucional, onde falta discutir as alterações ao artigo 225.º. Algumas são consequênciais, como a dos Deputados do PS António Trindade e outros, que visam, apenas, acrescentar à fiscalização preventiva do referendo o eventual referendo regional, que, obviamente, acrescentaremos aqui quando tratarmos dele no local próprio.
No entanto, há uma proposta dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros que visa eliminar, pura e simplesmente, a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade do referendo.
Visto não se encontrar presente nenhum dos proponentes, pergunto se alguém as assumes para efeitos de discussão.

Pausa.

Não havendo ninguém, passamos de imediato à proposta do Partido Socialista, que adita duas novas alíneas, as alíneas g) e h), ao n.º 2 do artigo 225.º, que são do seguinte teor: "2 - Compete também ao Tribunal Constitucional: (…)
g) Julgar a requerimento dos Deputados, nos termos da lei, os recursos de actos relativos à perda de mandato, bem como das eleições realizadas na Assembleia da República e nas assembleias legislativas regionais;
h) Julgar as acções de impugnação de eleições e deliberações recorríveis dos órgãos dos partidos políticos".
A este propósito há uma proposta do Dr. Jorge Miranda, parcialmente coincidente com a alínea g) proposta pelo PS, que é do seguinte teor: "Apreciar os recursos de titulares de qualquer órgão do Estado ou das regiões autónomas contra actos de outro órgão ou do mesmo órgão praticados no âmbito dos artigos 113.º, n.º 2, 160.º, 163.º e 199.º que afectem, por inconstitucionalidade, o exercício das suas funções".
Para apresentar e justificar a proposta, tem a palavra o Sr Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, esta coincidência de propostas não é surpreendente, bem pelo contrário, é natural, porque há nos domínios que enumerou uma reconhecida lacuna e uma omissão de um instrumento fundamental de garantia de direitos e de certificação e clarificação de situações jurídicas.
Em todos os casos, tratam-se de actos políticos relevantes, relativamente aos quais podem, sem dúvida alguma, registar-se fenómenos de desvio em relação à lei e à Constituição e cuja recorribilidade é um elemento fundamental, do ponto de vista institucional e sistémico.
É importante colmatar essa omissão, trata-se de saber com que extensão o faremos, mas creio que esta proposta - e estou a referir-me à alínea g) - é alguma coisa que pode ser uma decente base de trabalho para encontrarmos uma forma de dar resposta ao quadro actual. Este quadro é, repito, negativo, e não houve, até hoje, qualquer circunstância onde esta questão se tivesse colocado. Trata-se de concentrar no Tribunal Constitucional, quanto às demais questões, algumas das coisas que importa que estejam nessa sede e não em qualquer outra.
O proposto na alínea h) corresponde igualmente a uma preocupação de concentrar no Tribunal Constitucional algo que, hoje em dia, sem qualquer dúvida, tem vindo a considerar-se recorrível, mas cometido aos tribunais comuns. Por um lado, não parece vantajosa a apreciação dispersiva, fragmentada de base, e, por outro, o Tribunal Constitucional já tem importantes competências em relação aos partidos políticos, e esta é uma, eu diria, consequencial. O Tribunal preside à vida e à morte dos partidos, num certo sentido, e é normal que acompanhe as vicissitudes da sua vida quando estas venham a gerar deliberações recorríveis ou actos cuja legitimidade seja impugnada. É também aí uma garantia dos direitos políticos dos cidadãos, uma garantia de transparência do sistema e provavelmente também de uniformidade jurisprudencial, de tudo o que, vantajosamente, pode ser assegurado por um tribunal como o Tribunal de Contas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que já é altura para colocar à discussão uma proposta do PCP, que claramente tem a ver com esta matéria, de um artigo novo, o artigo 283.º-A, que visa, pura e simplesmente, dar ao Tribunal Constitucional competência para conhecer da inconstitucionalidade de todos os actos políticos. É uma proposta que, obviamente, consome - e de longe - as propostas quer do Professor Jorge Miranda quer do Partido Socialista.
Para apresentar esta proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos naturalmente abertos ao exame das respectivas consequências, eventualmente a burilar melhor os contornos, mas, em todo o caso, julgamos que há um problema que não está hoje em dia expressamente previsto e que diz respeito quer às questões colocadas pelo Partido Socialista, na alínea g), quer a outro tipo de actos políticos, que, de resto, a doutrina tem apontado como não sendo hoje em dia passíveis de fiscalização de constitucionalidade. Até agora, as consequências dessa matéria não têm sido, como é sabido, particularmente graves, mas o sistema não deixa de ser relativamente incoerente. O exemplo clássico, nesta matéria, é o acto de demissão do Governo fora das condições previstas na Constituição, mas há, naturalmente, há toda uma série de outros actos.
No entanto, se me permitissem, pronunciava-me, desde já, acerca da alínea h), proposta pelo Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, deixaremos isso para depois, para a discussão.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de mais, gostaria de deixar duas notas, já que tive alguma coisa a ver com a proposta do PS, nesta matéria.
Em primeiro lugar, é sabido que, salvo a decisão de convocação de referendo, os actos políticos, em si mesmos, não são susceptíveis de controlo de validade, nem pelo Tribunal Constitucional, nem por qualquer outro tribunal,

Página 1641

 

e isto inclui os actos que têm a ver, por exemplo, com o mandato dos Deputados, com as imunidades ou com a perda de mandato.
Ora, esta questão foi discutida, em particular, no 10.º aniversário da Constituição, no colóquio então realizado, através de intervenções minhas e do Professor Jorge Miranda, no sentido de sem avançar para uma regra geral, como a proposta pelo PCP, parece que não estamos maduros para avançar para o controlo e validade dos actos que têm a ver, sobretudo, com o mandato dos Deputados, ou com as designações que procedem à Assembleia da República e às assembleias regionais, nomeadamente as eleições de órgãos exteriores à própria Assembleia. Hoje, estes actos não têm controlo, só têm controlo político, sendo impossível impugnar a validade desses actos. Isto é, se a Assembleia determinar a perda do mandado do Deputado, o Deputado não tem meios de reagir, salvo os meios políticos, e o mesmo acontece se a Assembleia eleger irregularmente, por exemplo, os membros do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público ou de qualquer outro órgão.
Penso que este tipo de actos, que são aqueles que o Professor Jorge Miranda e que o projecto de revisão constitucional do PS prevêem, são actos muito particulares, não são actos políticos em geral; são, antes de mais, actos vinculados, onde não há discricionariedade. São actos, em primeiro lugar, estritamente vinculados, seja pela Constituição, seja pela lei, e, em segundo lugar, que têm a ver com o exercício de direitos políticos, nomeadamente dos Deputados.
Portanto, penso que este conjunto de actos merece um tratamento especial, pois, por um lado, devem ser susceptíveis de controlo e, por outro, são claramente um sector muito delimitado dos actos propriamente políticos, dos actos não normativos.
Quanto ao controlo da legalidade dos partidos políticos, este existe hoje. Os partidos políticos são associações, qualquer acto de um partido político pode ser impugnável perante os tribunais. O problema que se coloca é o de saber se, em vez de serem os tribunais comuns, o tribunal de Fafe, o das Laje das Flores - não sei se nas Lajes há tribunal de comarca -, não deve ser o Tribunal Constitucional, que é, para todos os efeitos, o que preside à vida dos partidos políticos.
Este ponto tem sido repetidamente defendido pelo Dr. Jorge Miranda, inclusivamente em artigos de imprensa - há um célebre artigo dele no Diário de Notícias sobre esta matéria, onde, aliás, propõe-se ir muito mais longe -, mas penso que, nestes dois aspectos, a proposta do PS é moderada, contida e a evoluir no sentido de aumentar o controlo do Tribunal Constitucional sobre os actos não normativos. A meu ver, esta é uma proposta que, a meu ver, não tem a dimensão de "terramoto" da do PCP, que, esta sim, seria passar de zero para o cem, não de "oito para o oitenta", porque o oito não existe e o PCP proporia passar para cem.
Srs. Deputados, as propostas estão em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quanto à questão dos actos políticos é evidente que estamos disponíveis para apoiar uma fórmula semelhante à do PS, embora julguemos que haverá, naturalmente, outros actos políticos que continuarão a não ser sindicáveis. No entanto, é claro que esta proposta, nesta formulação exacta, ou noutra, constituiria já um avanço, e, por isso mesmo, coerentemente, julgamos que é de apoiar.
Em relação ao julgamento das acções de impugnação de eleições e deliberações recorríveis dos órgãos de partidos políticos, só nos resta uma dúvida. É evidente que os actos são recorríveis, a dúvida é saber se é de concentrar no Tribunal Constitucional todas as questões relativas aos partidos políticos. Por exemplo, em relação à questão do julgamento das contas, foi este o critério seguido, e, na altura, exprimimos a dúvida se não seria mais conveniente ser o Tribunal de Contas a fazê-lo, por razões que têm a ver com as suas características, preparação, etc. E, neste caso, não restam, para nós, completamente claras as vantagens de transferir dos tribunais comuns para o Tribunal Constitucional a competência nesta matéria.
O Tribunal Constitucional tem, como é sabido, uma génese que é largamente parlamentar e, em último caso, isto poderá significar um envolvimento, que poderá não ser frequente mas que, em todo o caso, poderá suscitar algumas dúvidas, em questões internas de partidos políticos, em questões da respectiva legalidade estatutária, da legalidade geral, etc.
Neste sentido, eu gostaria de reservar a posição nesta matéria para melhor reflexão; isto é, não manifestaria, desde já, uma indisponibilidade relativamente a esta questão, mas gostaria de ouvir mais argumentos acerca da vantagem desta transferência de competências.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à alínea h), proposta pelo Partido Socialista, gostaria de pedir um esclarecimento, e peço desculpa por o não ter feito logo na altura.
Na verdade, gostaria de pedir ao Partido Socialista que concretizasse um pouco melhor aquilo que entende por deliberações recorríveis de órgãos dos partidos políticos. Ou seja, a impugnação de eleições está perfeitamente clara, o que não está muito explícito para nós é o tipo de deliberações dos órgãos dos partidos políticos que poderão ser recorríveis, contenciosamente, porque o que aqui está em causa é o recurso para tribunal e não o de natureza política.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, há, de facto, deliberações de muita natureza e algumas afectam, claramente, direitos, liberdades e garantias, ou outros valores e direitos e interesses legalmente protegidos. Como é óbvio, não é o caso das deliberações políticas e de orientação política, nem o das moções e decisões de orientação, directrizes e outros actos situados nessa esfera.
No entanto, um desses campos será, provavelmente, o contencioso partidário atinente, por exemplo, à filiação ou à cessação de filiação, à expulsão ou a outros actos sancionatórios, como também haverá outros campos, relacionados com outros valores.

O Sr. Presidente: - Regra geral aplica-se o direito das associações! Começa-se a recorrer para o Tribunal Constitucional dos actos que normalmente são recorríveis

Página 1642

 

para os tribunais, a partir das associações. Aí não há nenhuma regra especial, por isso é que se utilizou a regra recorrida.

O Sr. José Magalhães (PS): - O paralelo é perfeito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não tenho inscrições.

Pausa.

Os Srs. Deputados podem não tomar posições, é óbvio. Não é obrigatório fazê-lo já, podem reservar a posição…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, feito este esclarecimento, quero deixar a seguinte interpretação: quanto à alínea g), genericamente, a nossa posição é de receptividade. Devo dizer que, inclusive por cotejo com a proposta do Professor Jorge Miranda sobre a matéria, que o Sr. Presidente também lançou para discussão, naquilo que é significativamente diferente e que tem a ver com o artigo 199.º, parece-nos que a proposta do Professor Jorge Miranda não deve ter grande cabimento. De facto, o artigo 199.º tem a ver com a eventual suspensão de mandato dos membros do Governo que sejam acusados judicialmente, e não nos parece que qualquer decisão de suspensão da Assembleia da República numa situação destas deva ser objecto de um controlo judiciário. Parece-nos que, dependendo o Governo, como depende, sempre, politicamente da Assembleia da República para o exercício das suas funções, a Assembleia da República está bem situada para poder julgar - é apenas disto que se trata aqui - da necessidade, ou não, de suspensão das funções de um membro do Governo. Muitas vezes até tem a ver com a própria eficácia do funcionamento do órgão de soberania e Governo - matéria que se inscreve, no nosso ponto de vista, objectivamente e de uma forma inequívoca, no plano das competências da Assembleia da República.
Portanto, a delimitação mais restrita que o Partido Socialista faz nesta alínea g) parece-nos mais consentânea com a realidade.
Quanto às outras situações que, especificamente, o Professor Jorge Miranda aponta, aparentemente, todas elas, de uma forma genérica, estão numa metodologia que nos parece mais correcta, que é a de não remissão para artigos mas a de alguma delimitação do conteúdo material que está em causa.
Em suma, a nossa posição é de uma receptividade a esta proposta.
Quanto à alínea h), também genericamente, devo dizer que, na parte que se refere às eleições, não temos dúvida alguma e que, na parte que tem a ver com deliberações recorríveis de órgãos dos partidos, já temos algumas dúvidas. Após o esclarecimento do Sr. Deputado José Magalhães, já estamos esclarecidos quanto às dúvidas relativas ao conteúdo, mas as nossas dúvidas prendem-se com a lógica e a vantagem de se recorrer directamente para o Tribunal Constitucional de actos que, normalmente, são administrativos internos dos partidos.
A este propósito, recordo que, nesta Comissão, aquando da discussão da legislação eleitoral, tivemos uma discussão análoga, obviamente - não é similar a esta mas há, enfim, alguma analogia -, que tinha a ver com a hipótese de recurso directo para o Tribunal Constitucional de todas as situações verificadas no contencioso eleitoral. Na altura, o grande argumento que nos levou, nesta primeira leitura, a deixar de fora, em princípio, a eventual alteração da Constituição nessa matéria prende-se com a enorme multiplicidade de situações potenciais deste tipo que existe pelo País fora. Também a nível dos partidos nos parece existir algum tipo de deliberações, tomadas a nível de estruturas concelhias, a nível de estruturas de secção de cada partido, que pode abarcar, e abarca, com certeza, a multiplicidade de situações que daqui podem ocorrer, o que, eventualmente, nos faz pensar se haverá alguma vantagem em prever este recurso directo para o Tribunal Constitucional. De facto, se multiplicarmos o número de estruturas que cada partido tem pelo número de partidos existentes, poderemos correr aqui o risco de ver, assuntos que normalmente são menores e que não têm a ver com a instância directa da vida dos partidos (as eleições têm-no, com certeza), deliberações internas, mesmo as relativas à perda da militância de um cidadão qualquer - e não nos parece extraordinariamente gravoso que esse cidadão espere alguns meses para ver, eventualmente, reparada uma injustiça, e, se for esse o caso, recorrerá para os tribunais, seguindo o mecanismo normal, e verá feita a justiça -… Em termos de matérias relacionadas com as eleições, aqui sim, parece-nos que poderá haver de facto vantagem em que seja o próprio Tribunal Constitucional a pronunciar-se imediatamente sobre a matéria e a tomar uma decisão definitiva, uma vez que, como é evidente, matérias que se prendem com as eleições a nível de partidos políticos podem afectar, e afectam seguramente, aspectos nucleares da participação política na sociedade, por parte dos cidadãos, quando o fazem através dos partidos políticos.
Em suma, quanto à alínea h), temos esta reserva em matéria de deliberações, fundamentalmente, pela excessiva dispersão de situações a que esta proposta poderá levar e pelo indesejável "afogamento" do Tribunal Constitucional com questões que, qualitativamente, poderão, em alguns casos, ser consideradas menores.
Esta é, pois, a posição do Partido Social Democrata relativamente às propostas de alteração ao artigo 225.º.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes e Srs. Deputados do Partido Socialista - dirijo-me aos Deputados do PS porque são os autores da proposta -, sou sensível a este argumento.
Então, e se acrescentássemos "nos casos e nos termos previsto na lei"? Ou seja, se remetêssemos para a lei os casos e os termos em que os actos dos partidos são recorríveis para o Tribunal Constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Fica no ar!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, francamente, não vejo inconveniente em flexibilizar. Aumenta,

Página 1643

 

obviamente, algo imoderadamente a margem de manobra do legislador ordinário e estabelece uma distinção entre deliberações recorríveis, verdadeiramente recorríveis, e deliberações recorríveis não recorríveis.

O Sr. Presidente: - Não! Há as que são recorríveis para o Tribunal Constitucional e as que não são.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto! O que significava que as outras continuariam a ser recorríveis para os tribunais comuns.

O Sr. Presidente: - Por que não admitir sistemas mistos? Isto é, o recurso inicial para os tribunais comuns e os recursos daí para o Tribunal Constitucional, tal como acontece em matéria eleitoral?
De facto, eu, aqui, veria alguma vantagem em flexibilizar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Bom, estabelecida a dualidade e o carácter misto, vamos, obviamente, considerar. Aliás, pior do que tudo seria que esta questão continuasse, pura e simplesmente, regulada como hoje está, uma vez que aquilo que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes aparentemente teme é hoje susceptível de inundar as secretarias dos tribunais comuns.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, sou suspeito, já que sou o autor da proposta que atribui competência genérica, em matéria de contencioso eleitoral, ao Tribunal Constitucional.
De qualquer maneira, parece-me que um sistema misto pode ser pensado.
A remissão para a lei não me parece especialmente perigosa, tendo em conta que, neste caso, a lei tem de ser, forçosamente, de organização e funcionamento do Tribunal Constitucional.
Portanto, do ponto de vista do consenso necessário para a sua adopção, talvez o problema não se coloque nos mesmos termos de uma remissão tradicional para a lei ordinária. Mas penso que é possível temperar, apesar de tudo, com sistemas mistos que podem nem passar sequer pela lógica de tribunais comuns/Tribunal Constitucional, pode haver uma espécie de mecanismo de esgotamento das vias de recurso interno e só haver decisões recorríveis do órgão jurisdicional máximo de cada partido para o Tribunal Constitucional, e, porventura, isto filtra consideravelmente as situações que podem ou não chegar ao Tribunal Constitucional. Isto para evitar aquilo que, porventura, seria mais perverso até do que a minha proposta de atribuição do contencioso eleitoral ao Tribunal Constitucional, na medida em que aqui teríamos o mesmo problema multiplicado por quatro, cinco, seis, sete, consoante o número de partidos que tivessem estrutura especialmente organizada, desde a base até ao topo, o que, pelo menos, aconteceria no caso de quatro partidos.

O Sr. Presidente: - Mais alguém quer pronunciar-se sobre esta matéria?

Pausa.

Como não há pedidos de palavra, penso, então, que é de registar a convergência para a alínea g) e, para a alínea h), as reservas do PSD quanto à segunda parte. Fica no ar a sugestão que fiz, a de acrescentar "nos casos e nos termos previstos na lei", sugestão a que o PS manifesta acolhimento e para a qual o PSD mantém a reserva, quanto mais não seja, pelo silêncio.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 226.º, para o qual foi apresentada uma proposta, do PS, ao n.º 2, visando, pura e simplesmente, remeter para a lei todo o regime das secções do Tribunal Constitucional.
Para justificar a proposta, tem a palavra o Sr. José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É manifestamente uma flexibilização que visa alargar, e alargar significativamente, as possibilidades do legislador ordinário, embora nas circunstâncias da elaboração da lei orgânica, neste domínio.
O funcionamento do Tribunal Constitucional é alguma coisa que está sujeita à necessidade de reponderação e, provavelmente, de reinvenção. Não entrarei nos pormenores da situação actual do Tribunal e menos, ainda, na análise das causas dessa situação, mas o facto é que o esforço necessário a normalizar, diria, ou a acelerar e a garantir um funcionamento mais eficaz do Tribunal passa, sem dúvida, pela reponderação do papel e das atribuições de competências das secções.
A Constituição estabeleceu, no n.º 2 deste artigo, um determinado esquema de funcionamento, que, aliás, já foi flexibilizado. Propomos, agora, que se vá mais longe, abrindo assim campo a outras soluções, distintas daquelas que têm estado em vigor, sem prejuízo naturalmente da natureza do Tribunal e do seu funcionamento colegial adequado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vou colocar-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, actualmente, a segunda parte do n.º 2, que o PS se propõe eliminar, diz duas coisas: primeiro, que as secções não serão especializadas; e, segundo, que elas podem funcionar para tudo, menos, implicitamente, para a fiscalização abstracta.
O PS quer admitir secções especializadas ou quer secções que tenham competência em matéria de fiscalização abstracta?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queríamos deixar as questões de arquitectura e de exercício das competências ao legislador ordinário, em sede de formulação de uma lei orgânica.

O Sr. Presidente: - A proposta está à discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do ponto de vista do PSD, esta proposta pode ser entendida como uma benfeitoria, porque, conforme foi explicitado pelos proponentes, não se pretende, à partida, com esta proposta de alteração, alterar necessariamente a situação existente; antes, pretende-se, sim, conferir alguma maior flexibilidade ao legislador ordinário para, a cada passo e a cada momento, poder equacionar eventuais ajustamentos na orgânica interna do Tribunal

Página 1644

 

Constitucional e, neste sentido, em abstracto, desde logo, esse tipo de flexibilização em matérias que, directamente, não têm a ver com direitos fundamentais dos cidadãos, só indirectamente, obviamente - só através da produção do Tribunal é que isso resulta assim.
Agora, o problema de organização interna do Tribunal é, de facto, uma matéria relativamente à qual o PSD (e penso que todos os partidos) admite a necessidade de determinado tipo de evoluções e de adaptações à medida que o próprio legislador ordinário, aqui e acolá, vai optando ou decidindo por cometer novas competências ao Tribunal Constitucional.
Neste sentido, a flexibilização parece-nos uma medida azada, pelo que a posição do PSD é a de receptividade a esta proposta.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, creio que a questão colocada por V. Ex.ª é um dos problemas que mais nos inquieta nesta matéria, porque parece-nos que admitir que a lei ordinária venha a estabelecer a fiscalização abstracta em secções não é efectivamente uma boa solução. Por isso, sem prejuízo de examinar questões concretas que tenham de ser resolvidas através da revisão deste n.º 2, parece-nos também que a solução proposta pelo PS implica uma abertura demasiada a soluções que podem vir a não ser convenientes.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a meu ver, independentemente da flexibilização, há algo que deveria ser afastado, que é a possibilidade de fiscalização abstracta em secção. Como tal, ouso desafiar o Partido Socialista a refrasear a sua proposta de modo a garantir que isso não venha a ser possível.
Não tenhamos ilusões, a lei dirá aquilo que o Tribunal Constitucional vier a propor que seja dito, e penso que, se não for a Constituição a estabelecer alguns limites à auto-organização do Tribunal Constitucional, teremos, a prazo, um tribunal proteico, como já são hoje os outros tribunais superiores, isto é, com multiplicação de secções e com uma total indivisibilidade, com vários tribunais dentro do mesmo tribunal, como hoje acontece no Supremo Tribunal Administrativo, que não é um tribunal mas, sim, um complexo de tribunais, onde não se sabe bem onde acaba um e começa outro.
Assim, pela minha parte, estimaria bem que esta abertura não viesse a servir inclusivamente para aquilo que, acima de tudo, considero que seria mau admitirmos, isto é, que as acções de fiscalização abstracta viessem a caber a outra instância que não o plenário do Tribunal Constitucional.
Deixo esta reserva ao Partido Socialista, e estimo bem que esta proposta venha a ser alterada.
Em suma, em relação ao artigo 226.º, o Partido Social Democrata manifestou acolhimento à proposta do PS e há reservas do PCP, bem como minhas, que, suponho, são maiores ainda.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 227.º, para o qual existe uma proposta de aditamento de um novo número, o n.º 4, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros. Visto não se encontrar presente nenhum dos proponentes da proposta, pergunto se alguém a adopta para discussão.

Pausa.

Uma vez que não há ninguém, passamos à frente.
Há uma proposta de um artigo novo, o artigo 227.º-A, dos Deputados do PS António Trindade e outros, cuja epígrafe é "Círculo eleitoral para cidadãos não residentes", que, a meu ver, está aqui manifestamente deslocada. Assim, proponho que a discutamos aquando da discussão de uma outra proposta convergente dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, o artigo 236.º-B. Está feito o registo e a discussão da proposta do artigo 227.º-A será feita em conjunto, na altura própria.
Srs. Deputados, passamos ao artigo 228.º, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração do n.º 1 e outra de aditamento de um novo n.º 4, ambas dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, com vista à substituição da ideia de projectos de estatuto político-administrativo aprovados pela Assembleia da República pela de projectos de Constituição de Estados regionais, aprovados pelas respectivas assembleias legislativas e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República, a qual, contudo, não pode contrariar as propostas das assembleias legislativas.
Não estando presente os proponentes e não havendo quem as adopte para discussão, passaremos adiante.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, peço a palavra, não para assumir a proposta para discussão mas, sim, para colocar uma questão metodológica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, dada a composição da Comissão neste momento, e salvo evento distinto daqueles que têm havido até agora, arriscamo-nos a fazer este debate sem que um conjunto de propostas, articulado e com um fio condutor, tenha qualquer defensor.
Não gostaria de interpretar isto como um acto político de abandono das propostas, mas é relativamente melindroso fazer-se a discussão nestes termos, tanto quando percebo - e estou a colocar esta questão francamente e por razões metodológicas. Portanto, se adoptarmos o critério que adoptámos até agora, sem qualquer excepção, que é o de passar adiante as propostas que ficaram desertas…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Magalhães, lembro que a regra, que foi definida por consenso, é a de que os proponentes têm o poder de as recuperar na reunião seguinte.

O Sr. José Magalhães (PS): Exacto, Sr Presidente. Os proponentes têm o direito de as recuperar na reunião seguinte, o que significa que vamos perder tempo, porque não concebo que os proponentes as deixem, pura e simplesmente, ao abandono. Provavelmente, o avião atrasou-se… ou não estão cá por qualquer outra razão.
De qualquer modo, Sr. Presidente, não será mais prudente aguardar-se pela formação daquele "pelotão" completo para a discussão desta matéria, para poupança de equívocos? Caso contrário, corremos o risco de fazer duas discussões.
Sr. Presidente, deixo esta questão à reflexão comum e à inteligência colectiva. Talvez esta dúvida não seja pertinente, talvez seja…

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, penso que essa dúvida é extraordinariamente pertinente, mas quero chamar

Página 1645

 

a vossa atenção para o seguinte: na semana passada, alguns Deputados, nomeadamente o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, perguntaram-me se não era possível trocar, ou adiar, esta discussão, e foram feitas diligências junto dos Deputados dos diversos grupos parlamentares, incluindo os do PSD, para, hoje, não se avançar com a matéria das regiões autónomas, avançaríamos com outra matéria, exactamente para permitir aos Deputados mais interessados, nomeadamente os eleitos pelos círculos eleitorais das regiões autónomas, que participassem na discussão.
Esta diligência não teve efeito e o Deputado Medeiros Ferreira ficou impedido de ir à tomada de posse da Assembleia Regional dos Açores para estar aqui, na discussão. O Sr. Deputado Medeiros Ferreira teve de prescindir de ir aos Açores para estar aqui. E, portanto, creio que há uma discriminação violenta contra o Deputado Medeiros Ferreira…
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, é apenas para informar que tenho notícia de que o Sr. Deputado Guilherme Silva está mesmo a chegar.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, quero protestar com alguma veemência pelo facto de esta reunião ter previsível na sua ordem de trabalhos a matéria das regiões autónomas no mesmo dia em que há uma sessão solene de abertura da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, criando um dilema, que espero não seja colocado sistematicamente, aos Deputados eleitos pelo círculo eleitoral da Região Autónoma dos Açores, face à sua condição de representatividade.

O Sr. José Magalhães (PS): E em que dia, ainda por cima!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Como tal, lamento fortemente e protesto.
A minha opção de cá ficar tem a ver com a minha visão de autonomia, que é a de esta ser constitucional, embora saiba que há teses que defendem que a autonomia é constituinte. É dentro desta perspectiva que estou presente, mesmo sob forte protesto.
Penso que a posição majestática desta Comissão foi, de facto, um acto de pouco entendimento do que pode estar em jogo na discussão do capítulo relativo às regiões autónomas.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, uma vez que a questão foi colocada formalmente, quero só dar uma satisfação, da parte do Partido Social Democrata, pelo facto de as referidas diligências do Sr. Presidente não terem sido aceites pelo Partido Social Democrata, o qual tem exactamente os mesmos problemas. Antes de mais, devo acrescentar que compreendo e simpatizo pessoalmente com a crítica feita pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira e considero que ele tem toda a razão.
De qualquer forma, no Partido Social Democrata confrontámo-nos exactamente com a mesma dificuldade, como é evidente, razão pela qual dos três Deputados do nosso grupo parlamentar representantes da Região Autónoma dos Açores apenas o Dr. Lalanda Gonçalves ficou em Lisboa, o que, óbvia e manifestamente, prejudica a discussão desta matéria das regiões autónomas por parte do Grupo Parlamentar do PSD, razão pela qual o Grupo Parlamentar do PSD também se solidariza com as críticas formuladas pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
No entanto, devo dizer que a hipótese que nos foi colocada na semana passada era a de saltarmos o capítulo das regiões autónomas e passarmos para o capítulo do poder local, sendo que, por razões internas de funcionamento do Grupo Parlamentar do PSD, o problema voltava a colocar na mesma, porque seria impossível aos Srs. Deputados do PSD que irão ter um papel activo na discussão do capítulo do poder local, no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, estarem presentes hoje, terça-feira.
Assim, à diligência do Partido Socialista, no sentido de se alterar a ordem de trabalhos da reunião de hoje para a discussão da matéria relativa ao poder local, o Partido Social Democrata limitou-se a dizer que não era possível, mas aceitaríamos qualquer outra solução que não essa. Eventualmente, face à excepcionalidade da situação que ocorria hoje, a alternativa poderia ter sido a da não realização desta reunião da Comissão. Ora, não sendo isto possível, o Partido Social Democrata tentou, com dificuldades (as mesmas que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira citou), assegurar a participação de Deputados oriundos das regiões autónomas, o que acontece com a presença do Sr. Deputado Lalanda Gonçalves, exactamente da Região Autónoma dos Açores, pelas mesmas razões.
Era este o esclarecimento que queria deixar registado em acta.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, pessoalmente, não tenho qualquer interesse em que os Deputados eleitos pelos círculos eleitorais das regiões autónomas não participem inteiramente nesta discussão, o meu interesse é o de avançar com o processo de revisão constitucional.
Assim sendo, temos as seguintes alternativas: ou avançamos nos termos em que está a decorrer a reunião; ou passamos para a outra matéria e adiamos a discussão desta até amanhã ou depois de amanhã; ou suspendemos os trabalhos da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional até os Srs. Deputados se encontrarem todos presentes.
Solicito, pois, que a Comissão tome posição sobre esta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, parece-me bastante paradoxal que agora, depois de esta reunião ter sido convocada na previsão da discussão do título sobre as regiões autónomas, a suspendêssemos ou alterássemos. Já que o sacrifício está feito, vamos avançar com a matéria em discussão.
O meu protesto é um protesto político forte, porque, embora possa entender as circunstâncias casuísticas, talvez por um diálogo escasso entre os dois interlocutores, depois das explicações do Deputado Luís Marques Guedes, o que me confrange é a falta de sensibilidade para a questão, e espero que durante a discussão da matéria relativa às regiões autónomas essa falta de sensibilidade não se venha a revelar noutros aspectos.

Página 1646

 

Mas, agora, vamos discutir, a sério, em sede de revisão constitucional, a matéria das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não me surpreende que comecemos a discussão sobre as regiões autónomas com dificuldades, designadamente, de organização, porque estamos um tanto habituados que esta matéria se debata sempre com dificuldades, nomeadamente na Assembleia da República.
A questão que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira colocou e a qual o meu companheiro Dr. Luís Marques Guedes já respondeu ou esclareceu, quanto à posição do PSD, entronca-se também com outras questões de funcionamento da Assembleia nesta fase, designadamente com a do Orçamento.
Pessoalmente, dei, obviamente, prioridade à discussão da matéria das regiões autónomas, em sede de revisão constitucional, mas, daqui a pouco, teremos, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em reunião conjunta com a Comissão de Economia, Finanças e Plano, o Sr. Ministro da Justiça, e grande parte dos Deputados que integram a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional integram também a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e, obviamente, não temos o dom da ubiquidade nem mesmo para discutir a gestão das regiões autónomas. Não temos o dom da ubiquidade, pura e simplesmente. De modo que não é possível estarmos simultaneamente em ambas as reuniões, pelo que iremos prejudicar a nossa intervenção numa delas, sendo que ambas são igualmente importantes. Não sei se esta questão deverá ser ou não ponderada, mas a orientação que foi tomada foi a de continuar com as reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, e, obviamente, o Grupo Parlamentar do PSD não quer obstaculizar nem atrasar os trabalhos desta Comissão.

O Sr. Presidente: - Assim, fazendo o ponto da situação, informo o Sr. Deputado Guilherme Silva que nos encontramos no artigo 228.º, tendo deixado para outra altura a discussão da vossa proposta para o n.º 4 do artigo 227.º, por não se encontrar presente nenhum dos proponentes.
No entanto, agora, gostaria de saber se o Sr. Deputado Guilherme Silva quer retomar a discussão do artigo 227.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, não vou retomar a questão dos estados regionais, que já aqui foi discutida num outro momento, quero apenas dizer que não há uma alteração de conteúdo daquilo que é hoje, constitucionalmente, designado por regiões autónomas; para nós, é somente um problema de simbologia e até de uma diferenciação maior em relação ao que serão as futuras regiões administrativas. Portanto, ocupar-me-ei do restante, do que se propõe no n.º 4 do artigo 227.º.
Há, obviamente, aqui qualquer coisa de Monsieur de la Palisse, pois, como é natural, as regiões autónomas participam no desempenho das funções do Estado nos termos da Constituição e da lei - da lei, obviamente, em decorrência daquilo que seja constitucional.
Assim, a última parte do proposto neste n.º 4 é que me parece de particular interesse na medida em que, algumas vezes, em órgãos superiores de Administração Pública, se têm levantado dúvidas sobre a representação das regiões autónomas. E por norma, como se compreenderá, estes órgãos têm funções de importância e amplitude nacional e, consequentemente, competências que abrangem também as regiões autónomas. E não é por acaso que a Constituição criou este regime específico das autonomias, que é o reconhecimento expresso das suas especificidades, e nem sempre esses órgãos têm a visão e a sensibilidade das especificidades das regiões autónomas no âmbito das suas competências.
De um modo geral, essa representação está assegurada, desde o Conselho de Estado ou Conselho Superior de Defesa Nacional a outros órgãos superiores da Administração Pública, mas, por vezes, vão-se criando, na lei, alguns órgãos relativamente aos quais é manifesta a conveniência e até a necessidade dessa representação - e, por vezes, se não há uma atenção constante das próprias regiões e dos seus órgãos próprios e dos seus representantes no âmbito da Assembleia da República, a criação de determinadas entidades passa ao largo.
Assim, este princípio constitucional pretende a introdução deste princípio na Constituição e tende, obviamente, a constituir um alerta constante para o legislador ordinário, para o funcionamento geral destes órgãos - é esta a finalidade específica e fundamental que se visa com esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o n.º 4 do artigo 227.º, proposto pelos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento tem a ver com a circunstância de se utilizar a expressão "órgãos superiores da Administração Pública", que é o termo utilizado para se qualificar um Governo, nos termos do artigo 185.º da Constituição, segundo o qual "O Governo é o órgão (…) superior da administração pública". Pergunto se isto abrange o Governo e se garante um assento por inerência, também no Governo, a um representante dos estados regionais, de acordo com a proposta e com o texto vigente da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, como sabe, até neste momento já há, indirectamente, uma figura que também tem esse recorte, que é a do Ministro da República. Já se admitiu, ou admite-se, designadamente em propostas apresentadas na Assembleia da República, em sede de revisão constitucional, que os presidentes dos governos regionais pudessem participar nas reuniões de Conselho de Ministros, onde se discutissem questões das regiões autónomas. Portanto, essa representação, mesmo a esse nível, estaria assegurado e não vejo que a questão específica que o Governo propõe, enquanto órgão superior da Administração Pública, pudesse prejudicar esta redacção, muito embora haja, da minha parte, toda a abertura para a sua melhoria e para o afastamento de quaisquer equívocos que ela possa causar. Mas, neste caso concreto do Governo, não vejo que ela colida e que

Página 1647

 

esteja fora das propostas, repito, que já trouxemos aqui, em sede de revisão constitucional, mesmo já portadoras da proposta de extinção do cargo de Ministro da República, sem prejuízo de assegurarmos, por outra via, a representação, em casos específicos, da região no âmbito do Governo da República.

O Sr. Presidente: - Para voltar a pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber qual é o ênfase das duas propostas, que, no fundo, estão implícitas no n.º 4.º do artigo 227.º. Penso que o facto de o Sr. Deputado Guilherme Silva ter misturado, a meu ver, o Conselho de Estado Regional com uma maior preocupação com a representatividade das autoridades regionais nos órgãos superiores da Administração Pública prejudica o seu objectivo. E os estados regionais, em princípio - dir-me-á se é este o seu entendimento -, são feitos para juntar parcelas que até aí estão divididas, é este o processo normal do federalismo. Assim, quando essas parcelas não estão divididas, o que é que se entende por uma via federal? Gostaria de perceber isto, uma vez que só conheço o caso da Bélgica em termos da acentuação federal, depois de uma unidade política. Mas gostaria que o Sr. Deputado Guilherme Silva me ilustrasse o seu entendimento sobre esse federalismo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, creio que não vale a pena voltar à questão dos estados regionais, uma vez que foi discutida a propósito dos artigos 6.º e 136.º, pelo que não vou referir nada que já tenha dito, pois só iria, creio eu, prejudicar o andamento dos trabalhos.
Sr. Deputado, uma primeira questão tem a ver com o problema de se pretender que os ditos estados regionais tenham assento nos órgãos superiores da Administração Pública, mas há uma segunda questão, e gostaria de ouvir o Sr. Deputado sobre ela, que é saber o que se pretende exactamente com a participação no exercício das funções do Estado. Isto é, há funções de Estado que são transferidas para as regiões autónomas e que são integralmente exercidas por elas e há outras funções do Estado que até seria inconstitucional transferi-las na medida em que têm a ver com as funções típicas da soberania, como a defesa, a segurança interna, etc.
Assim, Sr. Deputado, pergunto-lhe o que se pretende com esta participação, porque, por exemplo, participar no Conselho Superior de Defesa Nacional é, a meu ver, algo bastante diferente de participar no exercício de funções do Estado. Ou seja, uma coisa é participar num órgão com uma determinada estrutura, uma determinada natureza e que não tem propriamente um papel de exercer funções de Estado e outra coisa é a proposta de participação no exercício das funções de Estado. Quais são os contornos exactos da proposta neste plano?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, em primeiro lugar, gostaria de dizer que, aquando do debate da designação de estados regionais em substituição da actual designação "regiões autónomas", já tive oportunidade de explicar que esta designação não se identificava com o recorte que tradicionalmente a ciência política atribuía à realidade Estado e consequentemente aos modelos federais ou federativos. Trata-se exclusivamente de um nomem juris, que tem um sentido e uma simbologia evolutiva e de atribuição de uma dinâmica às autonomias regionais, e não mais do que isso. E isto não é surpreendente. Todos sabem, e é até apontado já em estudos de direito comparado, que a nossa estrutura de autonomia de política regional é um modelo sui generis, que não se insere nos modelos clássicos e tradicionais, designadamente nos estados federais, embora tenha, em alguns aspectos, poderes até superiores aos estados federais. Portanto, não identifico esta designação com o recorte que o Sr. Deputado apresentou.
Sr. Deputado Luís Sá, relativamente às questões que colocou, devo dizer-lhe que há aqui duas questões completamente diferentes: uma coisa é a participação num desempenho das funções do Estado e outra coisa é o assento nos órgãos superiores da Administração Pública. Não é para participar no desempenho das funções do Estado que há esse assento nos órgãos superiores da Administração Pública, são coisas distintas. É óbvio...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Isso justifica a minha pergunta, Sr. Deputado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … que as regiões autónomas não participam no desempenho das funções do Estado inerentes à ideia de soberania, de representação externa, de defesa nacional, etc. Portanto, estas estão fora de causa e nunca poderiam deixar de estar pela simples circunstância de que se diz na proposta que "Os Estados Regionais participam no desempenho das funções do Estado, nos termos da Constituição e da lei, (…)", é óbvio que a lei tem de estar subordinada à Constituição.
Logo, esse perigo, ou receio, que o Sr. Deputado manifesta, de, nesta proposta, poder estar a invadir-se, ou a querer reportar às regiões autónomas, o exercício de funções específicas da soberania, as quais não são transferidas nem compatíveis com a ideia de unidade nacional, que convive entre a autonomia regional e a estrutura política do Estado, como é evidente, está excluído, está fora de causa, nem está nos propósitos, nem de perto nem de longe, dos proponentes desta redacção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que esta proposta nos merece total objecção. As confusões, os equívocos e, em alguns casos, as interpretações abusivas a que se abriria caminho com ela parecem-me bastante patentes, aliás, desde logo, nas definições dadas pelos proponentes que incluem, como agora se vê, em órgãos superiores da Administração Pública - entidades tão distintas como o Conselho Superior de Defesa Nacional, o Conselho de Estado, e neste último ela está assegurada em absoluto e claramente, e outras em que a sua natureza é bem própria - a representação das regiões autónomas.
Ou seja, aquilo que é importante assegurar está assegurado; aquilo que aqui se abre não importa assegurar e

Página 1648

 

menos ainda importa que se abra caminho a dúvidas como as que poderiam ser suscitadas por este tipo de propostas. Regista-se também a redução da expressão de "estados regionais" a uma dimensão semântica, simbólica e, digamos, puramente demagógica.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é nova, Sr. Deputado. Já aqui a sustentei e defendi.

O Sr. José Magalhães (PS): - De qualquer modo, não deixa de ser demagogia!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria que o Sr. Deputado José Magalhães, ao invés da sua posição radical de rejeição e com o engenho e arte que lhe são reconhecidos em matéria de redacção constitucional, propusesse redacções alternativas e de aperfeiçoamento. De qualquer forma, registo a posição do Partido Socialista de rejeição desta proposta.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, há pouco, fiz um pedido de esclarecimento, mas não respondi à resposta a esse meu pedido de esclarecimento.
Devo dizer que fiquei, aliás, impressionado por o Sr. Deputado Guilherme Silva, em resposta à minha pergunta, ter invocado o exemplo do Ministro da República, pois esqueceu-se de que o Ministro da República é o representante da soberania junto das regiões autónomas e, aqui, do que se tratava era do representante das regiões autónomas junto da soberania, o que, apesar de tudo, me parece ser uma realidade um pouco diferente e com um alcance bem distinto daquele que tem a figura do Ministro da República.
A resposta do Sr. Deputado foi a propósito da questão de saber se isso implicava ou não uma representação directa por inerência no próprio Governo enquanto principal órgão superior da Administração Pública, para além de outros, o que, a meu ver, é, aliás, a principal dificuldade que esta proposta suscita.
O Sr. Deputado diz que a expressão "estado regional" é um mero nomen juris, e, portanto, retira-lhe ou esvazia-lhe o conteúdo, reduzindo-o à mera qualificação. O que é facto é que não é verdade, e tanto não é verdade que aparece esta proposta, onde, claramente, entre outras coisas, o que se pretende é assegurar que a formação do poder político, em alguma medida, também emane das regiões autónomas, no sentido de que há uma representação directa das regiões nos órgãos superiores do Estado - e penso que a expressão "órgãos do Estado" seria mais feliz do que "órgãos superiores da Administração Pública", porque, tendo em conta os exemplos que deu, tratavam-se mais de órgãos do Estado do que da Administração Pública propriamente dita, designadamente o Conselho de Estado, que não é seguramente órgão da Administração Pública mas, sim, do Estado.
Há, portanto, aqui subjacente a ideia de representação das regiões autónomas junto do poder central e de formação do poder central de baixo para cima, e não de cima para baixo, como, porventura, se verifica hoje nos termos da Constituição actual, e daí a diferença que há pouco referi relativamente ao problema da representação da soberania junto das regiões, que é coisa bem diversa do problema da representação das regiões junto da soberania, que é, em minha opinião, o que está subjacente a esta proposta.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Sr. Presidente, não me fiz entender em relação à questão da presença do Ministro da República no Conselho de Ministros. O que eu disse é que, hoje, a Constituição garante a presença do Ministro da República nas reuniões do Conselho de Ministros que tratem de assuntos que digam respeito à região. Obviamente que ele não o faz como representante da região, porque não é essa a incumbência constitucional que tem; a incumbência que ele tem, como o Sr. Deputado disse, e bem, ou mal, é a da representação da soberania. O que eu quis dizer foi que essa função pode perfeitamente ser substituída por outra que tenha a representação da região autónoma e que faça veicular para o Governo, em cada situação concreta, a sensibilidade e as preocupações próprias que a região tenha nos assuntos que são tratados no Conselho de Ministros e que lhe digam respeito.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, há aqui duas questões distintas.
A primeira tem a ver com os estados regionais, e, sobre esta matéria, já tivemos oportunidade de, em sede desta Comissão, realizar alguma discussão, e o Sr. Deputado Guilherme Silva, enquanto proponente (o que, de resto, repetiu agora na apresentação desta sua proposta), teve também a oportunidade de explicitar que o que estava aqui em causa era, acima de tudo, mais uma questão de denominação do que de alteração radical do conteúdo daquilo que é actualmente o tratamento que a Constituição da República dá às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Neste sentido, penso que não vale a pena acrescentar muito mais. O PSD já manifestou que, embora com esta explicitação por parte dos proponentes, em sua opinião, a consagração do termo "Estados" seria sempre fonte de alguns equívocos e até o objectivo final dos proponentes, não sendo uma alteração radical do conteúdo, sairia prejudicado por uma alteração com um impacto tão significativo ao nível daquela que é a linguagem política comum. Assim, a posição do PSD é a de que não vê vantagens, pelo contrário, vê alguns inconvenientes na assumpção desta alteração ao texto constitucional.
Quanto à segunda questão, o PSD não tem uma visão de entrever qualquer tipo de riscos ou de perigos para o funcionamento da democracia com a aceitação do princípio de que as regiões autónomas devem ter, através dos seus órgãos próprios, uma participação activa e eventualmente assento em órgãos que, a nível nacional, velem por funções da Administração, as quais são, obviamente, exercidas em todo o território nacional, e, portanto, também nas regiões autónomas, como é evidente.

Página 1649

 

Neste sentido, não compartilhamos da posição de que isto seria uma qualquer aberração; entendemos, de resto, até com bastante à vontade, que, na generalidade dos casos, isto já assim é - é assim relativamente ao Conselho Superior de Defesa, ao Conselho de Segurança, ao Plano, ao Conselho Económico e Social. Sempre que existam órgãos que tenham por função, atribuições e competências, matérias que se espalham por todo o território nacional, é evidente, para nós, que é necessário e fundamental a participação dos órgãos próprios das regiões autónomas. Para nós, isto é um dado adquirido e não concebemos de outra maneira. É evidente que não está aqui em causa o Conselho de Estado, como disse o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, e, do meu ponto de vista, bem, porque o Conselho de Estado não é um órgão superior da Administração manifestamente. Portanto, não é este o exemplo que está em causa, mas há muitos outros, face à explicitação dada pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que se inscrevem nesta lógica.
Ora, não temos qualquer dúvida em dar a nossa adesão total, que fique claro, ao princípio. É evidente que não faz sentido absolutamente nenhum haver um órgão de cúpula a nível nacional em matérias que tenham a ver com o funcionamento da Administração, seja ela qual for, onde não haja a participação dos representantes, legitimamente eleitos, das regiões autónomas. Para nós, isto é um dado perfeitamente adquirido.
Agora, compartilho a dificuldade da formulação, que, de resto, o Sr. Deputado Guilherme Silva, numa das suas respostas a alguns dos Srs. Deputados, expressou, porque o termo "órgãos superiores da Administração Pública" não será feliz, é susceptível de alguns equívocos, como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro referiu, e a dificuldade também acresce por, do meu ponto de vista, não existir nenhuma terminologia adequada para classificar exactamente toda esta panóplia de situações, onde o que está em causa é funcionamento de entidades com uma função de cúpula relativamente a decisões que afectam o todo nacional. É evidente, para nós, que as regiões autónomas têm de estar aí representadas, o que não vejo bem é a terminologia correcta a adoptar.
O que o actual texto constitucional faz é não tomar uma posição directa, não tem uma norma expressa como esta; tem, sim, normas várias ao longo da Constituição, onde comete uma tal relevância democrática e política aos órgãos próprios da regiões autónomas que se torna evidente - e felizmente tem sido esta a prática da nossa democracia nos últimos 20 anos - que o legislador ordinário, relativamente a cada um destes órgãos de cúpula com funções que impendem sobre o todo nacional, tem tido sempre a responsabilidade de incluir, necessariamente, representantes das regiões autónomas nesses mesmos órgãos colegiais. Não estou a visualizar nenhuma situação em concreto onde, na prática, haja algum défice deste princípio. Do meu ponto de vista, o princípio está observado actualmente e, mais, decorre de uma obrigação constitucional. Da leitura integrada da Constituição sobre aquilo que é o papel das instituições, que neste momento se chamam regiões autónomas - poderiam ter outro nome, mas não é isto que está ou que deve estar em discussão, como já vimos, pois mudar-lhes o nome seria, a nosso ver, desvantajoso relativamente à proposta que nos é apresentada -, verificamos que o texto constitucional é, do nosso ponto de vista, perfeitamente imperativo, no sentido de obrigar necessariamente a que haja o assento, a participação activa, em todas as matérias que tenham a ver com questões que se apliquem ao todo nacional. É esta a filosofia que decorre da Constituição. Temos algumas dúvidas que seja possível - vantajoso sê-lo-ia, eventualmente, se houvesse uma norma clara e indiscutível que liminarmente resolvesse o problema - encontrar uma formulação que dê expressão a este princípio, que é, em nossa opinião, claramente obrigatório e já imperativo face à actual Constituição.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, gostaria só de acrescentar uma breve reflexão, a título pessoal, sobre aquilo que já está apurado, sobre esse direito, esse poder de participação por parte das regiões autónomas na vida superior do Estado; é só sobre este aspecto, porque o resto, tanto quanto me parece, já está arredado das preocupações dos presentes.
Na linha do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, pergunto: tudo isto, todas as razões avançadas, não serão elas uma expressão da sabedoria que tem andado por trás da atitude constitucional relativamente a esta matéria?
Quando os órgãos se constituem, e há pelo menos dois na Constituição, o Conselho Económico e Social e o Conselho de Estado, que são órgãos materialmente relevantes para efeitos da representação das regiões autónomas, os constituintes, os revisores da Constituição incluem a representação das regiões autónomas nesses órgãos. As leis, quando realizam a Administração, fazem-no a título próprio, incluindo nos órgãos os representantes das regiões autónomas. Pergunto-me: não será este pragmatismo, esta atitude, que vai do concreto para o geral, a mais sábia, sendo certo que é difícil e que tem ou pode ter consequências imprevisíveis formular um princípio geral absoluto que se aplique a tudo? Sei que a nossa tentação, a tentação portuguesa, a tentação escolástica, que é aquela que nos acompanha desde o fundo das idades, é a de termos princípios universais muito claros para tudo, a de reduzir tudo a princípios gerais, às generalidades. Neste caso concreto, não será isto arriscado e a prova em contrário não é dada pela experiência constitucional feita até hoje?
Deixo estas perguntas.

O Sr. Presidente: Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, quero dizer que, em minha opinião e muito sinceramente, esta proposta não acrescenta nada e o que acrescenta não deve ser acrescentado. Esta proposta vai provocar mais uma frente de conflitualidade entre as regiões autónomas e o Estado.
Até agora isto tem sido feito sem qualquer crispação, porque a Constituição inclui, nos sítios próprios, a representação das regiões autónomas e as leis administrativas incluem, nos sítios próprios, a representação das regiões autónomas. A partir do momento em que isto passe a ser um princípio constitucional, será, a todo o momento, susceptível de reivindicação de preenchimento. E, portanto, estaria aberta uma frente de conflitualidade.
A proposta não tem equívocos, ela é em si mesmo equívoca.
A segunda parte da proposta não tem sentido. Ter assento nos órgãos superiores da Administração Pública não tem sentido. O órgão superior da Administração Pública é o Governo, e a ideia de que as regiões autónomas devem ter assento no Governo não cabe na cabeça de ninguém,

Página 1650

 

certamente nem na dos proponentes; e, portanto, não era isto o que eles queriam dizer. Querem dizer mais do que aquilo que queriam dizer, ou coisa diferente…
Assim, esta proposta é uma fonte de equívocos, é uma fonte de conflitos, e a sábia prática, que tem presidido na Constituição e nas leis, de pôr a representação das regiões autónomas onde ela deve estar, sem grandes conflitos até agora, passaria a ser uma fonte de conflitos já que aquilo que tem sido objecto de sensata e sábia decisão caso a caso passaria a ser uma norma geral, susceptível de uma guerra permanente a propósito de tudo e de qualquer órgão de Estado, de toda e qualquer decisão do Estado.
A participação das regiões autónomas no Conselho de Estado, no Conselho Económico e Social, está prevista na Constituição e na lei. Os direitos de participação estão rotundamente previstos na Constituição, nos artigos n.os 229.º e 230.º, e, portanto, o acrescento de uma norma geral à cabeça deste capítulo seria abrir uma receita directa para o conflito, que, como penso, ninguém pretende. Ora, como penso que o que se pretende, na revisão da Constituição Económica e em matéria da regiões autónomas, não é aumentar as zonas de conflito mas, sim, diminui-las, parece-me sensato não consagrar uma norma desta natureza.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, pronuncio-me apenas porque só tinha feito uma pergunta.
Sobre a questão de fundo, gostaria de dizer, em primeiro lugar, que a participação em órgãos, ditos de participação e consulta, particularmente junto de ministérios, de actividades de natureza sectorial da Administração Pública, é algo de substancialmente diferente da forma como é utilizada nos órgãos superiores da Administração Pública. Portanto, aquilo que está referido, não são órgãos de participação e consulta mas órgãos superiores da Administração Pública, e já foi amplamente demonstrado que é substancialmente diferente.
Por outro lado, em relação à participação nas funções de Estado, também já foi dito que ela está amplamente garantida. De resto, por exemplo, na alínea u) do n.º 1 do artigo 229.º, em vez da fórmula clássica, que seria pronunciar-se sobre as questões da competência dos órgãos de soberania que lhes digam directamente respeito, é utilizada uma fórmula sem a expressão "directamente". Portanto, na Constituição, há uma preocupação, já assegurada em termos muito amplos, de garantir a participação das regiões autónomas.
Quero chamar a atenção para um outro aspecto - este, sim, não está devidamente assegurado -, que é o da participação, nas questões que digam respeito às regiões autónomas, de Portugal nas Comunidades Europeias, e há propostas do PCP e de outros partidos para que essa participação seja assegurada nesta revisão constitucional.
Portanto, eu diria que aquilo que não está garantido, vai ser certamente garantido, espero, num outro contexto, com a abertura dos vários partidos, e, quanto àquilo que faria algum sentido, creio que já está neste momento assegurado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo dos nossos trabalhos, temos assistido à apresentação de várias propostas de alteração da Constituição por vários grupos parlamentares e por vários Deputados, que são, algumas delas, verdadeiros regulamentos, fazem a introdução na Constituição de pormenores quase regulamentares. E tenho sentido receptividade de diferente tipo para essa pormenorização, a qual, esta, sim, me parece contrária àquilo que deve ser uma Constituição, como definidora de princípios e orientações gerais do quadro do Estado, em termos amplos.
Quando se introduz aqui, ou se pretende introduzir, com a redacção que admito discutível e aperfeiçoável, um princípio geral, não se trata mais do que isto, que é independentemente da Constituição já hoje, e até talvez por isso tenha a recolha ou a indicação pontual de representação das regiões em determinados órgãos, o que pode permitir uma interpretação a contrario, dizendo-se que, se este caso não foi previsto na Constituição, o legislador ordinário também não é forçado agora a fazê-lo, etc. - o que também seria uma fonte de equívocos, e têm acontecido em alguns casos -, não é para criar novos equívocos ou novas fontes de eventuais conflitos, não é isso que está no espírito desta proposta. Há realmente duas coisas que registo: a primeira é esta diferença que tem havido, em receptividades várias, para essa supra-regulamentação a introduzir na Constituição a propósito de tudo e de nada; e a segunda é uma incapacidade que aqui se demonstrou e gerou particularmente da parte do PS,…

O Sr. Presidente: - E não só!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … e não só, o Sr. Presidente também, pois, felizmente, muitas vezes nos traz achegas importantíssimas, com redacções alternativas, aperfeiçoamentos que a sua experiência de constitucionalista e de político muito tem valorizado os nossos trabalhos, e que eu tanto gostaria que tivesse ocorrido também a propósito desta proposta.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta de aditamento do n.º 4 ao artigo 227.º, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, tem a oposição do PS e do PCP e o acolhimento do PSD sem prejuízo da reserva de redacção, mas está, nesta fase, prejudicada.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 228.º, para o qual temos uma proposta de alteração dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros. E, naquilo que não foi prejudicada, a única proposta relevante é a relativa ao n.º 4, segundo a qual "A deliberação final…" - supõe-se da Assembleia da República - "… não poderá contrariar as propostas da Assembleia Legislativa".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, e a proposta do artigo 227.º-A?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a discussão dessa proposta foi adiada, far-se-á aquando da discussão do artigo 236.º-B.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem, Sr. Presidente.

Página 1651

 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra para apresentar a proposta de aditamento do n.º 4 ao artigo 228.º.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, em rigor, o que há de inovação nesta proposta de alteração ao artigo 228.º é realmente o n.º 4; quer dizer, é a circunstância de haver, de se manter obviamente, uma dialéctica de discussão entre a Assembleia da República e a assembleia legislativa regional. A Assembleia da República, quando lhe for presente uma proposta de elaboração do estatuto, ou de alteração, poderá propor alterações, as quais, como já acontece hoje, de acordo com a Constituição, tem de reenviar à assembleia legislativa regional, e o que se pretende com esta proposta é que a versão final, o acerto final, resultante dessa reapreciação pela assembleia regional das propostas, contrapropostas ou alterações que a Assembleia da República entenda apresentar, seja aquela que a assembleia legislativa regional vier a aprovar.
Compreendo e sinto que esta é uma proposta complicada, é uma proposta que vai tocar no cerne das competências da Assembleia da República, e, portanto, ela, só por si, pode colidir com outras disposições constitucionais que reservam essa competência à Assembleia da República, digamos que aqui se feria essa competência ao dizer-se que a última palavra competia à assembleia legislativa regional. E é óbvio que a preocupação que está subjacente a esta proposta é a de que também se não caia na situação extrema e oposta de desvirtuar de todo aquilo que seja o espírito de uma iniciativa estatutária da assembleia legislativa regional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, eu…

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado Luís Sá, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira pediu primeiro a palavra.
Faça favor, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, ainda bem que me dá a palavra primeiro, sem prejuízo, obviamente, da intervenção do Deputado Luís Sá, que será ouvida com a atenção habitual e intensa.
Porém, eu gostaria de suscitar uma questão metodológica na discussão desta proposta, não sei se a presidência da mesa da Comissão assim o entenderá, mas, para a racionalização da discussão talvez não fosse mau, que é esta: gostaria de ouvir já a seguir à intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva os outros Deputados do PSD não proponentes.
Não sei se será possível esta metodologia…

Risos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Medeiros Ferreira pode pedir, mas eu não posso impor.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Com certeza, mas é uma sugestão.

O Sr. Presidente: - De qualquer modo, o seu pedido e a sua sugestão estão feitos.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, faço esta sugestão porque, a meu ver, ela poderia poupar-nos parte da discussão, a qual, obviamente, faremos com muito gosto.
O Deputado Guilherme Silva coloca uma questão de fundo sobre o problema da autonomia, o qual, aliás, em princípio, permiti-me, em termos conceptuais, tentar delinear, que é a separação entre a autonomia constitucional e a autonomia constituinte. Portanto, esta proposta releva da filosofia de uma autonomia constituinte, ela própria é que tem a capacidade de delinear os seus poderes e o seu modo de articulação com a República. Por que não assumir esta posição?! Do ponto de vista política, ela parece tão nobre quanto a outra, que é a vigente e é aquela que, sinceramente, me parece a mais equilibrada em termos da harmonia institucional e política entre o todo nacional - esta é a minha posição, e também não quero deixar de a afirmar. De qualquer modo, a questão do Sr. Deputado Guilherme Silva é de relevante filosofia política sobre o entrelaçamento entre as regiões autónomas e o todo nacional, razão pela qual, tendo em conta que esta Comissão não é propriamente, digamos assim, um forum de debate sobre a história das doutrinas políticas…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - (Por não ter falado para o microfone, não foi possível registar as palavras do Orador).

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Exactamente!
Mas, como eu estava a dizer, não sendo esta Comissão propriamente um forum de debate sobre a história das doutrinas políticas, gostaria que os outros Deputados do PSD pudessem dizer-nos qual é a sensibilidade interna do PSD sobre esta questão, por forma a que os outros partidos pudessem aferir os seus argumentos, tendo em conta o grau de possibilidade ou de impossibilidade de essas propostas avançarem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, o seu desafio fica feito.
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer responder já ao desafio?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se for possível…

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em matérias como estas, o PSD tem o assunto mais do que amadurecido. Não é matéria à qual o PSD se furte a dar a sua opinião.
Devo dizer, com toda a tranquilidade, que é pena que o PS não esteja presente, e ainda não se tenha pronunciado…

O Sr. Presidente: - Não está presente?! Está, Sr Deputado! O PS está "super" presente, estão presentes nada menos do que três Deputados, além do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - E dois são membros da direcção do Partido Socialista!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço desculpa ao Sr. Deputado António Reis. Quando eu disse…

Página 1652

 

O Sr. Presidente: - E ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Mas eu, ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, atribuo, nesta discussão em particular, um estatuto especial…

O Sr. Presidente: - Também de membro do "sindicato das autonomias"!

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não é de sindicato mas, sim, de Deputado eleito pelas regiões autónomas, pelo que, provavelmente, nesta matéria terá posições, em alguns casos, ligeiramente diferenciadas das do seu partido.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Representa todo o partido e não o círculo por que foi eleito!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Deputado, se houvesse senado, eu seria eleito pela Região Autónoma dos Açores! Não havendo senado, sou eleito pelo círculo eleitoral da Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sei disso!

O Sr. Presidente: - Este distinguo é justo!
Sr. Deputado Luís Marques Guedes, faça favor de prosseguir.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, referi-me ao Partido Socialista apenas porque, normalmente, o Partido Socialista, quando aborda estas questões, começa por apresentar certezas in limine, e, habitualmente, no sentido da recusa.
Com toda a abertura, e lanço para a reflexão de todos nós esta matéria - respondendo ao desafio que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira me coloca -, porque, em minha opinião, ela é politicamente relevante e deve ser ponderada sem complexos, sem fantasmas e com a total abertura, que, a meu ver, ficou explicitada na apresentação inicial do Sr. Deputado Guilherme Silva, devo dizer que temos aqui um artigo que tem a ver com o estatuto político-administrativo das regiões autónomas, e é a própria Constituição que confere a iniciativa desses estatutos às próprias regiões. Ou seja, é a própria Constituição da República que diz, no n.º 1 do artigo 228.º, que os projectos do estatuto das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias legislativas regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República. Há, portanto, um aspecto que, em minha opinião, deve ser aqui equacionado por todos nós, com toda a abertura, franqueza e transparência, e que é o seguinte: actualmente, as regiões autónomas existem, são uma realidade, foram criadas pela Constituição, em 1975, e são uma realidade que funciona, que tem estatutos próprios, e, face ao texto constitucional, a iniciativa de alteração desses estatutos tem de partir das próprias regiões autónomas.
O que está aqui em causa - e considero esta questão, que foi trazida à colação pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, muito pertinente para a discussão política - é o cuidar de saber se, sendo a iniciativa nesta matéria exclusiva das regiões autónomas, a Assembleia da República pode, aproveitando eventualmente a "boleia" dessa iniciativa das regiões autónomas, que ela, constitucionalmente, não tem, pegar nos estatutos e alterá-los de tal maneira que possa pôr em causa o próprio pensamento político das regiões autónomas aquando da tomada original dessa iniciativa.
Portanto, o que está aqui em causa, mais do que este aspecto - e, neste sentido, devo dizer, com toda a lealdade, que, a meu ver, a redacção proposta pelo Sr. Deputado Guilherme Silva não é de facto a mais feliz, porque inculca logo à cabeça a ideia de que o que aqui temos para discutir é se a Assembleia da República prevalece ou não sobre as assembleias legislativas regionais, e nisto todos estamos de acordo, pois é um órgão de soberania, um órgão da República e, como tal, deve, obviamente, prevalecer sobre as assembleias legislativas regionais, mas esta questão, do meu ponto de vista, só decorre, face à explicação que ouvi da parte do Sr. Deputado Guilherme Silva, pela forma, que eu qualificaria de infeliz, como a formulação está redigida -, é um outro, e este, sim, foi explicitado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, que tem a ver com o facto de averiguarmos aqui se, politicamente, é ou não possível, é ou não aceitável que a Assembleia da República, utilizando o pretexto de uma iniciativa legislativa das assembleias regionais, que apenas a elas cabe, pode ou não pegar no projecto de estatuto político-administrativo das regiões autónomas e, numa hipótese académica, estraçalhá-lo completamente do ponto de vista político. É esta a questão que eu gostaria de ver aqui discutida.

O Sr. Presidente: - Seria inconstitucional, Sr. Deputado!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas era esta a questão que eu gostaria de ver aqui discutida.
Devo dizer que o PSD, politicamente, concorda que não deve ser possível esse tipo de malfeitoria, digamos assim, decorrente de uma interpretação demasiado extensiva deste artigo.
A meu ver, de acordo com o n.º 2 deste artigo, segundo o qual a Assembleia da República pode, numa primeira apreciação, rejeitar o projecto ou introduzir-lhe alterações, devendo, neste caso, remetê-lo à assembleia legislativa regional para apreciação e emissão de parecer, o que aqui se deveria discutir era se não seria de incluir no texto constitucional a hipótese de, no momento referido no n.º 2, quando os projectos voltam às assembleias legislativas regionais, estas poderem optar pela retirada da sua iniciativa.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A Madeira fez isso durante 10 anos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não crie problemas onde eles não existem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, estou a colocar a questão de se ponderar se, politicamente, o que está em causa não é consagrar na Constituição, preto no branco, a eventual retirada dos projectos, exactamente para não ocorrer o tal efeito perverso.
Parece-me, com toda a franqueza, que esta deve ser a discussão política que aqui devemos fazer, face ao que ouvi do Deputado Guilherme Silva. E devo dizer que não ouvi o Deputado Guilherme Silva defender - isto porque, se foi

Página 1653

 

essa a defesa, devo dizer que o Partido Social Democrata não concorda com esse entendimento - que a legitimidade da Assembleia da República sobre o todo da República para tomar decisões nesta ou naquela matéria pudesse ser posta em causa pelas assembleias legislativas regionais. O que me pareceu ouvir discutir foi se valia ou não a pena incluir no texto constitucional um mecanismo que claramente afastasse toda a possibilidade de uma utilização perversa de uma iniciativa que cabe às regiões autónomas contra os interesses, o sentir e o querer das próprias regiões autónomas, pondo desta forma em causa o seu estatuto de autonomia regional.
Neste sentido, eu diria: "Então, para isso, bastaria colocarmos, clara e expressamente, no texto constitucional, no n.º 2 do artigo 228.º, a eventual retirada dos projectos de estatuto político-administrativos no caso de as assembleias legislativas regionais assim o entenderem". É esta a discussão que, a meu ver, devemos fazer e não vale a pena estarmos a "tapar o sol com a peneira", discutindo algo que, em minha opinião, nem sequer foi proposto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a proposta de a deliberação final da Assembleia da República não poder contrariar as propostas da assembleia legislativa regional só se compreende se houver efectivamente uma espécie de poder constituinte, uma espécie de competência das competências regional com uma intervenção secundarizada do Parlamento nacional.
Neste sentido, podemos dizer que a proposta do Sr. Deputado Guilherme Silva é coerente ao, simultaneamente, falar em projectos de Constituição e, no n.º 4, retirar à Assembleia da República a competência de contrariar as propostas da assembleia legislativa regional.
Como não é esta a nossa concepção, visto entendermos que as regiões autónomas são pessoas colectivas públicas constituídas e não constituintes, julgamos que a proposta dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros não faz sentido. Por outro lado, cremos que a procura de uma saída por parte do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, colocando a questão de se estipular a possibilidade de as assembleias legislativas regionais retirarem os projectos, é de todo em todo inútil, porque isso nunca esteve em causa. É evidente que as assembleias legislativas sempre poderão retirar a proposta, se entenderem que ela é completamente desfigurada ou se for introduzida alguma solução que contrarie fortemente as concepções defendidas. De resto, creio que esta hipótese de desfigurar completamente o projecto apresentado é inteiramente inverosímil do ponto de vista político, a não ser que surgisse algo de extremamente estranho, como uma declaração de independência, nos estatutos político-administrativos das regiões autónomas, caso em que seria muito bom que tal fosse contrariado.
Creio que a proposta não faz de todo em todo sentido e que subverte alguns dos princípios fundamentais do Estado português enquanto Estado unitário, com autonomias, com largas autonomias, mas que, em todo o caso, deve continuar a ser um Estado unitário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a diferença entre regiões autónomas e Estados federados é o facto de o estatuto das primeiras ser um acto de soberania legislativa do Estado e os segundos terem uma Constituição própria.
O que o PSD aqui propõe é, de facto, um Estado federado, não é por acaso que a proposta refere "Constituição dos Estados Regionais". A verdade é que a definição do estatuto passaria a ser um acto da assembleia legislativa regional e não da Assembleia da República.
Não vale a pena discutir isto longamente, nem os esforços do Deputado Luís Marques Guedes para dizer "não" sem o dizer, com a tranquilidade que lhe dá saber, à partida, que a proposta vai ser rejeitada, porque o que ele propôs nada tem a ver com o que consta da proposta, é, de facto, irrelevante, visto que nunca esteve em causa o direito de qualquer proponente retirar a proposta antes da sua votação final.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, penso que está tudo dito em relação a esta matéria e creio que não funciona muito bem a tentativa de procurar dar à iniciativa do Sr. Deputado Guilherme Silva um sentido útil diferente do sentido útil que ela tem. O sentido útil que ela tem representa, de facto, uma ruptura e as questões suscitadas, sob a forma de dúvida, pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes estão resolvidas, e muito bem, pela Constituição, que dá às regiões autónomas prerrogativas inultrapassáveis quanto ao momento e ao âmbito da revisão e quanto ao aboletar do processo de revisão estatutária.
Assim, se a proposta tem sentido - e tem-no, de facto -, ele é frontalmente contrário à própria arquitectura constitucional. Ou seja, não pode haver nenhuma dúvida de que a última palavra sobre a revisão pertence à República, através da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, estamos a discutir uma revisão constitucional e, obviamente, a nossa preocupação é a de aperfeiçoar o texto constitucional e o funcionamento das instituições.
Neste artigo 228.º está contida uma excepção ao normal exercício das competências legislativas da Assembleia da República, porque, por princípio, tirando, como é óbvio, as iniciativas do Governo - as propostas de lei -, já há aqui mecanismos, que nem mesmo, em relação às propostas de lei, existem, já há aqui um sistema mitigado em relação ao funcionamento normal da Assembleia da República, que é o de a Assembleia da República não poder ter, no que toca a uma competência que tem, a de discussão e aprovação de um diploma, a iniciativa. A iniciativa estatutária cabe, única e exclusivamente, às assembleias legislativas regionais.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso está fora de dúvidas!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Está fora de dúvida, mas deixe-me acabar o raciocínio.
O problema, que foi aqui, aliás, muito bem abordado pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é o de estarmos aqui com dois pólos, eventualmente opostos, mas que exigem um respeito institucional e constitucional próprios: por um lado, a competência da Assembleia da República; por outro, que este poder de iniciativa não acabe, por um "abuso" total da competência de discussão e aprovação da Assembleia da República, por ser totalmente desvirtuado,

Página 1654

 

designadamente, que as alterações que a Assembleia da República venha a aprovar e venham a constituir o texto final não desvirtuem de todo o espírito e os princípios que inspiram os estatutos ou os projectos de estatuto político-administrativos que as assembleias legislativas regionais apresentam.
Penso que é possível encontrar, sem beliscar a competência da Assembleia da República, uma redacção que também acautele esta ideia. Esta é uma situação possível, e há exemplos, no passado, de alterações que desvirtuaram efectivamente o espírito que inspirava a iniciativa estatutária das assembleias legislativas regionais. Ou seja, o que é que eu quero dizer com isto? Não será possível encontrarmos uma redacção que reforce esta ideia de iniciativa também em relação ao problema do seu conteúdo, pelo menos no que diz respeito aos seus princípios fundamentais? Não será possível encontrar uma redacção que diga que a versão final deverá respeitar, deverá ser fiel aos princípios que inspiraram o projecto?
Estou completamente aberto a redacções que não esqueçam o outro lado, que não tornem esta reserva constitucional de iniciativa em algo que deixou de ter significado, porque, é óbvio, a ideia de a iniciativa caber às assembleias legislativas regionais não é apenas um problema de oportunidade, é também de conteúdo da própria proposta - esta é a questão!
O texto actual não salvaguarda este ponto e estou completamente aberto às sugestões para uma solução - e, por isso, apelo, de novo, ao engenho e arte dos Srs. Deputados desta Comissão e ao Sr. Presidente - que equilibre e possa realmente conciliar estes princípios, estes valores e as questões que estão em causa nesta proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero deixar duas notas, em face das intervenções produzidas.
A primeira tem a ver com a circunstância de, tal como o entendo, o conteúdo essencial da autonomia regional ser aquele que é definido na Constituição, pelo que a Assembleia da República nunca poderia distorcer os estatutos a ponto de diminuir o conteúdo essencial dessa autonomia sem incorrer no vício de inconstitucionalidade, pois não é o estatuto que define o cerne e o essencial da autonomia regional. Esse conteúdo essencial é definido na Constituição e, neste sentido, o estatuto é um desenvolvimento e uma ampliação, por assim dizer, dessa garantia mínima de autonomia, que hoje em dia não é tão mínima quanto isso, e bem, em certo sentido, definida na Constituição.
A segunda nota tem a ver com esta curiosa doutrina sobre a relação entre a reserva de iniciativa e a reserva de competência quando elas são atribuídas a órgãos diferenciados. Não deixa de ser uma doutrina curiosa quando, na altura da discussão do Orçamento do Estado, o mesmo problema se coloca em relação à capacidade que a Assembleia tem ou não de distorcer de tal modo a proposta daquele que tem competência em matéria de iniciativa em relação ao poder que tem aquele que é competente em matéria de deliberação final.
Pode ser que seja interessante extrapolar essa doutrina.

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Talvez o Sr. Deputado Guilherme Silva se lembre de, na discussão do Orçamento, propor também que a deliberação final não pode contrariar…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, ao contrário do que sucede em relação à assembleia legislativa regional, a Constituição não manda a Assembleia enviar as propostas de alteração ao Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros de Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de referir que, a meu ver, as preocupações do Deputado Guilherme Silva teriam alguma razão de ser aquando da elaboração dos primeiros estatutos, os chamados estatutos primitivos, por contraposição com os históricos estatutos provisórios. Mas, hoje, as regiões autónomas são dotadas de estatutos e a única coisa que se prevê são propostas de alteração. Essas propostas de alteração têm os limites constitucionais já aqui referidos. Há já uma prática e uma economia geral nas relações entre a República e as regiões autónomas que permite antever o comportamento da Assembleia da República nestes domínios. Penso que a alteração dos estatutos é feita por lei orgânica, ou seja, necessita de uma aprovação por dois terços da Assembleia da República para…

O Sr. Presidente: - Não. Necessita de maioria absoluta, Sr. Deputado!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas houve várias tentativas nesse sentido!

Risos.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - De qualquer maneira, haveria sempre contrapesos neste domínio.
Compreendo a posição do Deputado Guilherme Silva em relação à coerência interna dos estatutos. Posso compreendê-lo, mas não creio que haja neste momento o perigo que, academicamente, penso eu, mais do que politicamente, o Deputado Guilherme Silva levanta. E, deste ponto de vista, pessoalmente, estou descansado com o processo que está previsto na Constituição.
Há precedentes nobres sobre o que acaba de dizer, e, aliás, até menos nobres. O poder de iniciativa da Comissão Europeia em relação ao Conselho de Ministros da Comunidade Europeia é muito mais leonino do que o poder de iniciativa da região autónoma em relação à República. De qualquer modo, julgo que, em termos substantivos, os interesses e a coerência interna dos estatutos estão hoje em dia acautelados.
Posso perceber ter havido essa preocupação na altura da elaboração dos estatutos provisórios e na passagem dos mesmos a estatutos definitivos, mas, neste momento, essa questão parece-me muito mais atenuada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas que conste na acta a resposta a uma questão que, do meu ponto de vista, foi colocada, de uma forma perfeitamente imprópria e totalmente descabida, pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro sobre esta matéria.

Página 1655

 

Com toda a franqueza, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro sabe bem que, enquanto que o Governo depende da Assembleia da República, as regiões autónomas (que eu saiba) não dependem da Assembleia da República. Elas têm legitimidade própria, são eleitas directamente pelo povo, e não há qualquer tipo de paralelismo entre uma coisa e outra.
Assim, aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro foi apenas um gracejo, seguramente!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Peço a palavra para responder, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, mas peço-lhe que não enxertemos aqui uma questão exótica.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, Sr. Presidente, nem sequer vou pronunciar-me sobre a matéria do Orçamento.
Quero apenas dizer que a autonomia regional depende, não, como é óbvio, no sentido em que o Sr. Deputado referiu, da soberania do Estado, visto o Estado ser unitário e descentralizado e não federal.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas estamos a falar de alterações de propostas de lei. Não vejo o que uma coisa tem a ver com a outra!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta apresentada ao artigo 228.º, pelos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, tem a oposição do PS e do PCP e a proposta de reconversão apresentada pelo PSD também não teve seguimento.
Srs. Deputados, passamos à discussão do artigo 229.º, em relação ao qual foram apresentadas várias propostas de alteração.
Vamos começar pela questão da autonomia legislativa regional, que consta do n.º 1. E lembro, a propósito, que deixámos para esta altura a discussão dos n.os 3 e 4 do artigo 115.º, ou seja, o parâmetro actualmente constante da Constituição, segundo o qual os decretos legislativos regionais devem respeitar as lei gerais da República, para o qual existem propostas dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, do PS, do PCP, do PSD, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros e dos Deputados do PS António Trindade e outros.
Portanto, todas estas propostas de alteração relativas aos n.os 3 e 4 do artigo 115.º terão de ser trazidas à colação na discussão do artigo 229.º, para o qual existem propostas dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, do PS, do PCP, do PSD, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, dos Deputados do PS António Trindade e outros e dos Deputados do PSD Arménio Santos e outros.
Assim, para o actual corpo do n.º 1 do artigo 229.º, que diz que "As Regiões Autónomas são pessoas colectivas de direito público e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:", propõe-se: "As Regiões Autónomas são pessoas colectivas territoriais de direito público (…)" - Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros -, "Os Estados Regionais são pessoas colectivas públicas de população e território (…)" - Deputados do PSD Guilherme Silva e outros - e "As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais de direito público (…)" - Deputados do PS António Trindade e outros.
Srs. Deputados, são estas três propostas, relativas à qualificação constitucional das regiões autónomas, que estão em discussão.
Visto o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho não se encontrar presente, tem a palavra o Sr. Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação à designação "Estados Regionais", não vou repetir-me.
Quanto à designação "pessoas colectivas públicas de população e território", é, a meu ver, uma clarificação e um reforço da ideia já contida no actual 229.º. É uma realidade que são pessoas públicas de população e território, e parece-me ser conveniente que a Constituição expresse esta realidade, com as consequências que daí se podem tirar, no sentido interpretativo geral das normas respeitantes às regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro que há duas versões: "pessoas colectivas territoriais" e "pessoas colectivas públicas de população e território".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A primeira versão é a dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelhos e outros e dos Deputados do PS António Trindade e outros.

O Sr. Presidente: - Exactamente.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, muito francamente, do ponto de vista dogmático, doutrinal, jurídico e político não vejo qualquer inconveniente em se especificar ou densificar que estas pessoas colectivas de direito público sejam pessoas colectivas territoriais. A Constituição refere-se a outras pessoas colectivas territoriais, no artigo 237.º, n.º 2, por exemplo, quanto às autarquias locais, que são definidas constitucionalmente como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativo, etc. Daí, fazer outro tanto em relação às regiões autónomas, não oferece a mínima dificuldade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, registo esta abertura mitigada do Partido Socialista relativamente a esta primeira proposta respeitante às regiões autónomas.

O Sr. José Magalhães (PS): - É a primeira vez!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que é conhecida de todos a polémica em torno de preferir a expressão "pessoas colectivas públicas" ou "de direito público". Também é conhecida a ausência de polémica em relação à qualificação como pessoas colectivas territoriais ou de população e território.
Não vejo grande vantagem em inserir na Constituição qualificações doutrinárias, que são, como disse, perfeitamente pacíficas. Há o lugar paralelo com as autarquias locais, onde é utilizada a expressão "pessoas colectivas territoriais", e, neste sentido, não tenho qualquer objecção, embora também não veja qualquer vantagem na sua inserção.

Página 1656

 

Porém, o Sr. Deputado Guilherme Silva falou em consequências do ponto de vista da interpretação, que eu gostaria de saber quais são, visto não ver rigorosamente nenhuma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, creio que se trata de uma clarificação da ideia de pessoa colectiva pública, e, nesta medida, acho-a enriquecedora no que respeita à qualificação das regiões autónomas ou, como aqui propusemos, dos estados regionais. Só nesta medida é que entendemos que ela pode ser útil em termos interpretativos.
No entanto, não tenho presente nenhum caso concreto para explicitar ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, a sua posição é de oposição ou é apenas de…?

O Sr. Luís Sá (PCP): - Não, não é de oposição, Sr. Presidente, no sentido exacto de que não vejo qualquer vantagem na sua inserção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, as expressões "pessoas colectivas territoriais de direito público" e "pessoas colectivas públicas de população e território" são doutrinariamente equivalentes. No entanto, tendo a Constituição utilizado já a expressão "pessoas colectivas territoriais", pessoalmente, preferia que se utilizasse esta, apesar de não ver qualquer vantagem no acrescento.
Srs. Deputados, fica, então adquirida a qualificação de "pessoas colectivas territoriais públicas", apesar de elas ao serem pessoas territoriais serem, por natureza, públicas.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exacto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, era exactamente isso que eu ia a dizer. Ou seja, já agora, convinha acrescentar a expressão "territoriais" e eliminar a "de direito público", até porque nos artigos relativos às autarquias também não está "de direito público".

O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Portanto, utilizar-se-ia a mesma formulação.

O Sr. Luís Sá (PCP): - A meu ver, devem ser assimiladas as duas formulações.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não vejo qualquer vantagem!

O Sr. Presidente: - Isso é inequívoco, Sr. Deputado Guilherme Silva.
Por mim, se quiser manter a redundância… Agora, se é um problema de qualificação, o melhor é pôr-se uma qualificação "enxuta" doutrinariamente, com a expressão "pessoas colectivas territoriais".

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, sinceramente, não vejo nisto uma questão essencial, pelo que, desde a manutenção da redacção actual até uma formulação alternativa, como "pessoas colectivas territoriais", estou aberto a uma redacção final mais adequada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está acolhida a alteração. As regiões autónomas passarão a ser explicitamente (já que isto nunca esteve em dúvida) qualificadas como pessoas colectivas territoriais.
Quanto a manter-se ou não a expressão "de direito público", o que, a meu ver, é claramente redundante, veremos, depois, se se trata apenas de tornar o discurso constitucional mais enxuto.
Vamos passar à alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, que é relativa aos poderes legislativos das regiões autónomas. Porém, antes de entrarmos na discussão quero fazer uma pequena sistematização da matéria.
Hoje, as regiões autónomas têm poderes legislativos nas matérias de interesse específico que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania, devendo respeitar as leis gerais da República - e são três os parâmetros. São apresentadas propostas de alteração a dois destes parâmetros - e o terceiro será analisado mais tarde, onde há propostas de autorização legislativa, mas em matéria reservada - no sentido de abandonar o requisito do interesse público e o parâmetro das leis gerais da República, tudo isto em várias modalidades.
Há, no entanto, que esclarecer dois aspectos, relativamente às propostas do PS e do PSD, que, sinceramente, não compreendi, e importa que sejam esclarecidos antes de iniciarmos a discussão propriamente dita.
O PS, no artigo 115.º, não aboliu o parâmetro das leis gerais da República, mas aqui, na alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, retirou-o.
Portanto, o PS propõe a redacção "legislar, com respeito da Constituição, em matérias de interesse específico para as regiões que não sejam da competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo" para onde actualmente se diz "legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, (…)". Suponho tratar-se de um lapso, uma vez que no artigo 115.º não só não se retirou o n.º 3 como até se alterou o n.º 4.
Portanto, parece-me óbvio que o PS quer manter a ideia do parâmetro das leis gerais da República, e eu gostaria que esta incongruência ou este lapso fosse esclarecido.
O PSD é ao contrário; ou seja, o PSD aboliu, no artigo 115.º, o parâmetro das leis gerais da República, e aqui, na alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, mantém-no reforçado ao propor: "Legislar, com respeito da Constituição, das leis e dos decretos-leis, (…)", nem mais nem menos!
Também gostaria que o PSD nos esclarecesse sobre este equívoco ou esta incongruência das propostas.
Da parte do PS quem esclarece esta incongruência do projecto de revisão constitucional do PS?

O Sr. José Magalhães (PS): - Posso ser eu, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o projecto deve ser lido articuladamente, e, como o Sr. Presidente sublinhou no início, o que é óbvio, é óbvio! Ou seja, a proposta atinente ao artigo 115.º deve ser lida articuladamente com a proposta respeitante ao artigo 229.º.

Página 1657

 

O que caracteriza o projecto do Partido Socialista são três coisas: primeiro, propõem-se mudanças significativas em matéria de limitação da competência legislativa regional e um significativo aumento daquilo a que poderemos chamar o poder legislativo regional. Isto foi feito com ponderação e na sequência de um diálogo bastante alargado que estabelecemos sobre a matéria, e que teve projecção nas próprias regiões autónomas, e em articulação com os representantes das regiões autónomas. Deste diálogo, ou desta reflexão, resultou, primeiro, que, no artigo 230.º, passámos a enumerar taxativamente - e, face à explicitação assim feita, a bem da coerência da proposta - as matérias da competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo, com o que quisemos substituir o conceito actual de matérias reservadas à competência própria dos órgãos da soberania. Quer-se com isto clarificar quais são as áreas da competência exclusiva da Assembleia e do Governo e eliminar indefinições.
Segundo, deixámos intocadas a competência legislativa autorizada e a competência legislativa desenvolvida…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso ainda não está em discussão.

O Sr. José Magalhães (PS): - Eu sei, Sr. Presidente, mas estou, pura e simplesmente, a sistematizar o conjunto da proposta.

O Sr. Presidente: - Está bem.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como eu dizia, deixámos intactas essas competências que foram introduzidas, como sabe, na segunda revisão constitucional, embora pouco exploradas.
Terceiro, quanto à questão agora em apreço, mantivemos no n.º 4 do artigo 115.º, a subordinação dos decretos legislativos regionais às leis gerais da República, que redefinimos, e fizemo-lo de uma maneira que exige uma ponderação e uma explicação ulterior. E a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º deve ser lida tendo em conta essa definição e essa característica da legislação regional; ou seja, o princípio proclamado no n.º 4 do artigo 115.º mantém-se e cuja refracção no artigo 229.º, n.º 1, alínea a), pode ser feita, ou não. Enfim, suscitadas as dúvidas, o melhor é fazer essa refracção, mas ter-se-ia sempre de ler assim o preceito.

O Sr. Presidente: - Esclarecido o projecto do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para dar o esclarecimento que solicitei acerca do projecto do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, antes de mais, devo dizer que, relativamente à nossa proposta para a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, a expressão "decretos-leis" é um lapso, está claramente a mais.
Quanto à questão das leis, quero dizer que, aquando da discussão do artigo 115.º, como o Sr. Presidente observou, e muito bem, o PSD propunha, nomeadamente no n.º 3, que os decretos legislativos regionais versassem sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões autónomas não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo. E por uma razão que, na altura, tivemos oportunidade de explicitar e que tem a ver com a interpretação, do ponto de vista do PSD, demasiado restritiva ou, se quiser, extensiva - e penso que estão a entender onde quero chegar - que o Tribunal Constitucional tem feito daquilo que são as leis gerais da República, levando-a ao ponto de coarctar sistematicamente (e é o que tem acontecido) às regiões autónomas uma possibilidade legislativa para a resolução de problemas, que são de facto reais e específicos das regiões, e que a actual interpretação jurisdicional não tem permitido fazer valer.
Esta posição já tinha sido explicitada pelo Partido Social Democrata aquando da discussão do artigo 115.º e, nessa altura, pelas minhas anotações, o princípio político não obteve a aceitação por parte do Partido Socialista, que marcou uma posição de oposição relativamente a isso, a qual, sinceramente, esperamos que venha a rever.
Portanto, Sr. Presidente, a expressão "e dos decretos-lei" constante na proposta do PSD para a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º é, devo dizê-lo, liminarmente um lapso do nosso projecto.
Quanto à questão das leis gerais da República, nós retirámos daqui esta expressão exactamente pela qualificação que existe no actual n.º 4 do artigo 115.º e que, em nosso entendimento, tem sido, digamos, a base da tal interpretação, que gostaríamos de ver arredada, por parte do Tribunal Constitucional. Uma coisa é certa: o que gostaríamos de ver nesta revisão constitucional, e por isso apresentamos uma proposta de substituição do n.º 3 e de eliminação do n.º 4 do artigo 115.º, o efeito prático, político e útil que pretendemos é retirar do texto constitucional a hipótese da manutenção da tal interpretação que, a nosso ver, é perfeitamente contrária aos interesses das regiões e àquilo que deve ser o modelo político ou legislativo sobre esta matéria. Assim, não sem alguma hesitação política e discussão no seio do PSD, devo dizer, optámos, quanto à exacta formulação, por manter aqui a referência à Constituição e às leis, porque, de facto, há determinado tipo de leis que, quanto a nós, pelo seu carácter especial e genérico, devem sopesar a iniciativa legislativa das assembleias legislativas regionais. Mas a prática tem demonstrado - e é um facto - que, quando o texto constitucional opta por manter determinado tipo de coisas, corremos o risco de a interpretação do Tribunal Constitucional vir a pôr em causa aquela que era a intenção do constituinte. E, portanto, com toda a lealdade, por parte do PSD, a questão está colocada nestes termos, politicamente.
O que nós gostaríamos - e por isso pedimos a ajuda e a reflexão conjunta de todos os outros Srs. Deputados - era permitir uma abertura, no texto constitucional, a um aprofundamento da capacidade legislativa das regiões autónomas, sem que continuassem a prevalecer interpretações da Constituição que permitam "retirar o tapete", enfim, perdoem-me a expressão, que permitam retirar a capacidade de iniciativa legislativa em determinado tipo de matérias que, claramente, digam respeito a interesses específicos das regiões autónomas sem porem em causa a Constituição e as leis gerais, estas não no sentido que a própria Constituição lhes dá, que vai ao ponto de, no actual n.º 4 do artigo 115.º, incluir no conceito de leis gerais qualquer decreto-lei, mas, sim, no sentido de permitir aqui uma interpretação mais lata.
É este o nosso objectivo, e obviamente gostaríamos de reflectir em conjunto para encontrar uma formulação que dê a melhor expressão possível a esta intenção do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no entanto, compreenderá o meu interesse em saber qual é exactamente a formulação da proposta do PSD.

Página 1658

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no limite, se não for possível consagrar explicitamente a ideia que aqui deixei, se não for possível encontrar uma fórmula consensual que reflicta essa ideia, o PSD opta por propor a seguinte redacção: "Legislar, com respeito da Constituição e das leis (…)", tentando, desta forma, ladear a actual definição que o Partido Socialista, para já, não aceitou…

O Sr. José Magalhães (PS): - De todas as leis? Neste sentido?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não. Mas, uma vez que, no artigo 115.º, o Partido Socialista não deu abertura para alterar a qualificação das leis gerais da República que ali é feita, a nossa ideia era a de retirar claramente daqui o conceito de decretos-leis. Pelo menos isto, para que ficasse claro! Porque, actualmente, com a interpretação conjunta do texto do artigo 229.º e do artigo 115.º, continuando o Partido Socialista a não aceitar alterações no artigo 115.º, o que acontece é que as leis gerais da República incluem os decretos-leis. A verdade é esta, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Isso é verdade! Mas o PS até propôs alterações, a meu ver, de resto, não estimáveis, no n.º 4 do artigo 115.º. De modo que…

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós restringíamos o conceito de leis gerais da República!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas mantinham "decretos-leis"!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão esclarecidas as duas incongruências, as dos projectos do PS e do PSD. E tendo em conta que esta é uma matéria suficientemente ampla, proponho que o melhor é a discussão ficar para a parte da tarde, dando assim tempo para alguma reflexão.
No entanto, quero ainda dizer que, para a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, além das propostas que há pouco enunciei, há também uma do ex-Deputado Jorge Miranda que versa exactamente a questão do parâmetro das leis gerais da República e que é do seguinte teor: "Legislar, com respeito da Constituição e dos princípios fundamentais das leis gerais da República, (…)" -, a meu ver, o termo "gerais" está a mais, bastaria "(…) princípios fundamentais das leis da República,(…)" -…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - "… em matérias de interesse específico para as regiões autónomas que não estejam reservados à competência própria dos órgãos de soberania;".
Também ponho esta proposta à discussão, não por, à partida, concordar com ela mas por pensar que deve ser discutida em conjunto com as que foram apresentadas pelos Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, essa proposta está acoplada com uma enumeração taxativa…

O Sr. Presidente: - Não, não é taxativa, é exemplificativa…

O Sr. José Magalhães (PS): - … daquilo a que se chama matérias de interesse específico para a região.

O Sr. Presidente: - Exacto!
Em suma, serão discutidas as propostas dos Srs. Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, dos Deputados do PS António Trindade e outros e do Professor Jorge Miranda, relativamente à alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, conjuntamente com uma proposta que o Professor Jorge Miranda apresenta para o n.º 2 deste mesmo artigo, a qual contém um elenco enunciativo, mas não exclusivo, de matérias de interesse específico.
Srs. Deputados, vamos interromper agora os nossos trabalhos, que só recomeçarão após a audição, que está marcada para as 15 horas, com a Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário - esta audição já esteve marcada para há dias atrás, para uma sexta-feira, mas, por não terem podido vir, foi adiada - e deverá durar, no máximo, 30 minutos.
Ora, como talvez eu não possa cá estar às 15 horas, já pedi ao Sr. Deputado Guilherme Silva, Vice-Presidente da Comissão, que presida à mesma por mim, mas conto já cá estar às 15 horas e 30 minutos. No entanto, aproveito para pedir aos Srs. Deputados interessados na matéria, nomeadamente aos Deputados da área da Constituição do trabalho, que estejam presentes às 15 horas, estando os outros Deputados em geral dispensados até às 15 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está interrompida a reunião.

Eram 12 horas e 30 minutos.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Começo por dar as boas-vindas, em meu nome pessoal e em nome da Comissão, aos Srs. Membros da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário.
Temos feito esta revisão constitucional tomando em consideração não só os projectos apresentados pelos grupos parlamentares e pelos Deputados mas também alguns escritos que nos têm sido enviados pelos cidadãos e por associações da sociedade civil, e naturalmente que, nesta abertura e nesta preocupação de auscultação directa da sociedade civil, enquadramos estes encontros, estas audiências, no âmbito dos nossos trabalhos. Portanto, é com este sentido, com esta preocupação e com esta abertura, que temos o gosto de vos receber, a vosso pedido.
Assim, estamos à vossa disposição para ouvir as vossas preocupações no âmbito dos nossos trabalhos.

O Sr. Luís Gonzaga Martins (Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário): - Sr. Presidente, também queremos, na pessoa de V. Ex.ª e na dos Srs. Deputados aqui presentes, aqui deixar os nossos melhores cumprimentos aos grupos parlamentares e solicitar a vossa atenção para o problema que aqui nos traz, deixando aqui hoje os nossos anseios,

Página 1659

 

os nossos reparos para uma eventual revisão que se possa vir a fazer, que é no âmbito dos direitos dos trabalhadores a nível das empresas.
Para caracterizar o grupo, devo dizer que somos os representantes das comissões de trabalhadores que hoje existem na banca portuguesa, excepto os bancos que se formaram recentemente e que ainda não têm comissão de trabalhadores activa, mas penso que virão a tê-la mais tarde ou mais cedo. As comissões de trabalhadores dos diversos bancos juntam-se e, em plenário, elegem esta Comissão Coordenadora. Esta Comissão Coordenadora simboliza todas as correntes político-partidárias da Assembleia República, e, por isso, estamos perfeitamente consonantes com aquilo que nos traz cá hoje.
Trazemos um texto, que deixaremos ficar na Comissão para posterior reflexão.
De qualquer forma, para além de querermos saber se há conhecimento, a nível desta Comissão, de alguma eventual mexida no texto da Constituição no que diz respeito à liberação dos trabalhadores das empresas (e sabem bem quanto isso é importante para o equilíbrio social, não só das empresas bancárias mas também da sociedade portuguesa), num momento em que está em curso (e não estamos aqui a fazer juízos de valor) uma reestruturação de tudo aquilo que são direitos dos empresários, das entidades patronais, o que nos traz aqui fundamentalmente é o dever de chamar a atenção para o equilíbrio necessário que deve ser tido em consideração para que as coisas não comecem a ficar de tal maneira desequilibradas que a sociedade portuguesa fica perfeitamente descaracterizada daquilo que esta Casa já concretizou ao longo de vinte e tal anos.
Por isso, se, porventura, se perspectiva alguma mexida do texto da Constituição no que toca à liberação dos trabalhadores nas empresas, queremos colocar aqui esta questão e, se houver alterações, pretendemos demonstrar que deve haver, por parte desta Casa, através de VV. Ex.as, nossos representantes, cuidado ao fazê-las, deverão debruçar-se sobre os efeitos que elas possam vir a ter no equilíbrio da sociedade portuguesa.
É esta a nossa preocupação, que está exarada de uma forma mais apurada num texto, que fizemos no âmbito da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário, sobre o assunto e que deixamos à discussão.
Estou disponível para esclarecer o que nos traz cá, mas, porque somos de facto um grupo polifacetado, entendemos que os outros membros da Comissão Coordenadora devem intervir para poderem exprimir a VV. Ex.as as suas sensibilidades.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Agradeço o texto que nos entregam, o qual vou mandar fotocopiar, para distribuir por todos os Srs. Deputados.
Relativamente às preocupações que expressou, há realmente, sobre esta matéria, algumas propostas de alteração aos artigos 53.º e seguintes da Constituição, que tratam dos direitos dos trabalhadores. Tenho a ideia de que alguns deles, juntamente com as respectivas propostas, já foram discutidos, mas, como a discussão ainda não se esgotou, nem estão consumadas as votações, não posso dar qualquer indicação em concreto sobre as alterações que estão ou não adquiridas.
Em todo o caso, penso que não há que ter qualquer receio, quer pelas propostas em si, de um modo geral, quer por razões da própria Constituição - como sabem, nos limites materiais da revisão da Constituição estão exactamente incluídos os direitos dos trabalhadores e das comissões de trabalhadores e associações sindicais. Não me parece que se desenhe, nesta revisão, qualquer coisa que se traduza numa afectação, diminuição ou retirada de direitos nessa sede e nesse sector. Penso que muitas destas propostas visam alterações de natureza terminológica, aqui ou ali, mas não tocam na essência das soluções e dos direitos que a Constituição confere, sendo alguns deles mesmo direitos fundamentais, pelo que não me parece que esteja desenhada qualquer alteração que vá colidir com as vossas preocupações.
De qualquer forma, é importante não só a vossa vinda como também o cuidado que tiveram em nos deixar um parecer escrito, que vai ser distribuído pela Comissão e considerado nos nossos trabalhos, particularmente quando retomarmos, já numa leitura mais próxima do fim e das próprias votações, esta parte da revisão constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de corroborar a descrição que fez da situação.
De facto, a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional concluiu aquilo a que chamamos a primeira leitura, que é precisamente o que a expressão indicia, ou seja, uma troca de impressões sobre o conteúdo das propostas de cada partido, numa tentativa de vermos o espaço de aproximação e de divergência.
Nesta matéria, o quadro não é muito difícil de retratar, porque há pontos de aproximação e pontos de grande divergência. No entanto, o Grupo Parlamentar do PS não apresentou qualquer proposta de alteração à matéria da Constituição social, no que diz respeito às comissões de trabalhadores e a outros aspectos cruciais, e, durante o debate, muito claramente nos mostrámos indisponíveis para considerar as propostas mais marcadas, como sejam as de abolição do conceito de controlo de gestão ou as de eliminação de direitos de participação, que, no caso concreto, eram propostas do PSD.
Procurámos, e vamos continuar a procurar, pontos de aproximação para melhorias pontuais, uma vez que a Constituição laboral é, em si mesma, bastante rica e, em relação a ela, colocam-se problemas não tanto de definição como de cumprimento, ou de impulso para o cumprimento, tanto no plano legal como no plano do dia-a-dia da vida dos trabalhadores.
Talvez se desenhem alguns consensos positivos, ponto que os meus colegas Deputados podem seguramente corroborar, quanto a alguns aperfeiçoamentos em relação a aspectos que qualificaria de pontuais, dada a dimensão da Constituição laboral. Ou seja, por exemplo, tudo indica que não será impossível haver algum consenso (e este consenso só pode ser o de dois terços) para aditar aos direitos dos trabalhadores a protecção não só das condições necessárias para facultar a realização pessoal como também para facultar a vida familiar no artigo 59.º, n.º 1, alínea b), para introduzir uma determinada imagem de protecção do salário mínimo, para introduzir uma cláusula respeitante à protecção do salário, das garantias que devem incidir sobre os salários, e outros aspectos.
Em muitos domínios espalhados pela Constituição laboral talvez venha a ser possível introduzir margens de aperfeiçoamento, partindo de propostas dos partidos, como as do PCP, do PSD e dos Deputados do PSD Arménio

Página 1660

 

Santos e outros, que nesta matéria foram objecto de alguma consensualização. Esperamos que isso seja possível.
No que diz respeito ao estatuto das comissões de trabalhadores como tais, não se desenha qualquer alteração estatutária e o mesmo se pode dizer quanto à questão do equilíbrio de funções entre comissões de trabalhadores e sindicatos, matéria em relação à qual havia algumas propostas de alteração significativa desse estatuto e até desse relacionamento.
Creio que não será aqui que se instaurará um pólo de divergência na revisão constitucional e na sociedade portuguesa - e creio que isso é positivo, é estabilizador -, pois já temos problemas demais para acrescentarmos a aos demais alguns que são de menos!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, em nome do PSD, quero saudar a organização que veio aqui manifestar a sua preocupação evidente, de que nesta revisão constitucional não se questione nem se ponha em causa direitos dos trabalhadores, em particular as comissões de trabalhadores.
Tivemos oportunidade de, há uma semana atrás, receber aqui, na Comissão, a Comissão Organizadora do IV Encontro Nacional das Comissões de Trabalhadores e, nessa reunião, deixámos bem clara a nossa posição e a satisfação acrescida pela circunstância de termos já discutido esta temática e de, numa primeira análise, naturalmente, pois não são posições definitivas, existir um sentimento comum de que esses direitos não vão ser beliscados.
Mais do que isso, há propostas que reuniram já algum acolhimento e que poderão permitir inclusive - e isto, sim, é saudável e positivo - melhorar em alguns pontos aquilo que já está consagrado no texto constitucional dos direitos e garantias dos trabalhadores.
Como já foi referido, os direitos das comissões de trabalhadores encontram-se consagrados nos limites materiais de revisão constitucional.
Aquilo que o PSD e, de certo modo, também o projecto de revisão apresentado por Deputados do PSD ligados à área laboral, de que também faço parte, procuraram trazer ao debate foi aquilo que poderia ser uma nova filosofia de relacionamento das empresas, fomentando a microconcertação social, e por isso propusemos o aparecimento dos conselhos de concertação de empresas. Portanto, o objectivo não era questionar, não era pôr em causa mas, sim, trazer ao debate, e penso que foi positivo, aquela que seria uma nova realidade nas relações de trabalho. Porquê? Por uma razão muito simples: entendemos que nada é imutável. E, como hoje as relações de trabalho são muito diferentes das que existiam há 10 ou 15 anos, importa criar fórmulas de relacionamento mais próximas em termos de empresa, onde, naturalmente, as comissões de trabalhadores têm um papel determinante e, felizmente, continuarão a tê-lo, mas provavelmente ir-se mais longe em termos de participação, de informação, de tudo aquilo que entendemos necessário face aos movimentos de restruturações das empresas e à modernização das próprias empresas.
Por conseguinte, só para salientar e sublinhar, a satisfação vai no sentido de os partidos, em geral - e por consenso aquando da discussão desta temática -, não questionaram rigorosamente nada do que está no texto constitucional, antes, procuraram reflectir sobre eventuais contributos positivos que poderiam realmente melhorar o texto constitucional.
Naturalmente, vamos continuar a debater e, como eu disse, não há ainda decisões finais, mas tudo o que se fizer, não pondo em causa aquilo que existe, poderá ser, e será sempre, no sentido de melhorar aquilo que já está consagrado na Constituição.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero saudar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, a presença dos nossos convidados, a qual tem em vista responder a uma preocupação que sempre tivemos, que é a de garantir um processo de revisão constitucional tão amplamente participado quanto possível. A própria Constituição consagra amplamente a democracia participativa, e, portanto, é coerente que aqueles que estão a rever a Constituição procurem exactamente fomentar este princípio participativo.
Corroboro o retrato que foi feito em matéria de perspectivas na área da Constituição laboral. Na minha óptica, se olhássemos para algumas propostas nesta matéria, pelo seu valor facial, antes de serem examinadas e de se verificar em que matérias é que haveria a aprovação com um mínimo de dois terços para levar por diante a alteração, poderíamos ter algumas inquietações; mas creio que, neste momento, após a primeira leitura, há razões para bastante mais tranquilidade. Acaba de ser referido, por exemplo, e isto sem instaurar aqui polémica que é inteiramente descabida, a proposta de conselhos de concertação de empresa. A nosso ver, não está em causa haver microconcertação mas substituir as comissões de trabalhadores por conselhos de contratação de empresa.
Há, no entanto, outras alterações que eventualmente se perspectivam com alguma importância, como, por exemplo, a questão da legitimidade processual das organizações de trabalhadores para representar a respectiva categoria, independentemente da legitimidade dos próprios trabalhadores nessa matéria, além das outras alterações que foram referidas pelo Deputado José Magalhães e de pequenos pormenores, creio com alguma importância.
Houve, entretanto, não diria alguma polémica mas algum confronto de opiniões em torno de uma questão, sobre a qual creio estarem em boas condições para informar a Comissão, que é a de que o papel das comissões de trabalhadores, que foi grande no processo político e laboral português, ser, neste momento, muito menor, pois tende a ser substituído pelo dos sindicatos, e há que retirar daqui todas as conclusões. Creio que talvez fosse útil, sem prejuízo de uma qualquer outra questão que queiram abordar, haver uma perspectiva dos senhores acerca desta matéria.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): * Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): * Sr. Presidente, vou de alguma forma corroborar as considerações genéricas dos Deputados que me antecederam em relação àquilo que é a participação dos cidadãos neste processo de revisão constitucional e dizer que o Partido Popular tem, no que toca a esta Constituição laboral, algumas ideias próprias,

Página 1661

 

com alguma coerência, mas que certamente, como se verificou nesta primeira leitura, não irão recolher o assentimento necessário.
De qualquer modo, também gostaria de manifestar a posição do Partido Popular no sentido de participar naquilo que possa ser considerado uma melhoria desta parte da Constituição.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): * Não havendo mais Deputados inscritos para pedirem esclarecimentos, vou dar a palavra para aos membros da Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário para, se quiserem, responder ou levantar qualquer outra questão, pois pareceu-me ter percebido que desejavam um esclarecimento mais preciso da parte do Sr. Deputado Luís Sá.
Tem a palavra o Sr. Luís Gonzaga Martins.

O Sr. Luís Gonzaga Martins: * Sr. Presidente, penso que apanhámos a ideia dos pedidos de esclarecimentos.
No entanto, embora estejamos perfeitamente sintonizados no essencial, se fosse possível, interviríamos todos, para, assim, se poder dar a visão de cada um dos grupos aqui representados e não ficar ninguém de fora.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Muito bem.
Tem, então, a palavra o Sr. João Lopes.

O Sr. João Lopes (Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário): * Sr. Presidente, relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Sá, que me parece pertinente, devo dizer que, à partida, não há qualquer colisão entre a actividade, as funções e os direitos das comissões de trabalhadores e os sindicatos, há, sim, uma total e imprescindível complementaridade, na nossa óptica. Aliás, se hoje não existissem comissões de trabalhadores nas empresas, como os sindicatos não entram nem intervêm nas empresas, criava-se de facto um vazio muito complicado.
Neste sentido, a única forma que conhecemos e que, em nossa opinião, funciona é a comissão de trabalhadores, já que, por um lado, representa todos os trabalhadores e não só os sindicalizados - e esta questão não é totalmente despicienda - e, por outro, temos direitos institucionais para reunir com as administrações, pelo menos uma vez por mês, além de que acabamos por ser um suporte imprescindível à actuação sindical.
A questão que se pode colocar, que, a meu ver, não tem aqui cabimento, é a de saber se esta complementaridade funciona bem e se as duas partes, a actividade sindical e as comissões de trabalhadores, funcionam articuladamente, se é pior ou melhor. Mas este é um problema dos trabalhadores, e uma coisa não tem a ver com a outra, além de que temos uma sede própria para discutir esta matéria.
Se a outra parte está disponível para jogar este jogo…!

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): * Tem a palavra o Sr. Manuel Henriques.

O Sr. Manuel Henriques (Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário): * Sr. Presidente, antes de, na perspectiva, responder à pergunta efectuada, penso que deveria dar alguns esclarecimentos em relação ao texto que apresentámos.
Da sua leitura, e os Srs. Deputados vão ter oportunidade de o ler, visto que vai ser entregue cópia a cada um vós, temos uma preocupação: entendemos que a Constituição, nos moldes em que ela existe, contém o essencial, não contém supérfluo; contém o essencial em termos de democracia e no que se refere aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
O Sr. Deputado José Magalhães disse, é a leitura que faço daquilo que ele disse, que não está em causa o princípio e a forma de organização dos trabalhadores a nível de cada empresa e que se há algo a fazer será aperfeiçoar mais esse mesmo tipo de organização. Estamos perfeitamente de acordo, porque entendemos que a Constituição - e isto pode ver-se pela leitura do próprio parecer, que é muito sintético - não é estática, ela deve aperfeiçoar-se em função do tempo em que nos encontramos, simplesmente, não aceitamos o recuo. Recuar nos direitos que conseguimos ao longo do tempo, como é evidente, não admitimos, não aceitamos. Admitir, teremos de o admitir como membros do povo português, mas não aceitamos que se retirem dela matérias dos direitos e liberdades dos trabalhadores.
Quanto à questão fundamental, a de haver alguma colisão entre a actividade das comissões de trabalhadores e a dos sindicatos, é evidente que não desconhecemos que, a nível da estrutura sindical e, nomeadamente, de algumas comissões de trabalhadores, algumas vezes parece - não existe, mas parece - colidirem um pouco os direitos de uma com os da outra estrutura.
Na realidade isto não acontece, porque, se formos verificar a forma de funcionamento das comissões de trabalhadores e a forma de funcionamento dos sindicatos, ao nível da sua intervenção na empresa, elas complementam-se, não colidem; os direitos de uns não colidem com os direitos de outros. Basta verificarmos que, a nível global, os sindicatos negoceiam uma parte, já que no global dos custos com o pessoal de cada empresa, a matéria negociável a nível dos contratos colectivos de trabalho é uma parte.
Dou, como exemplo flagrante, o que se passa na banca, onde o vencimento base dos trabalhadores é cerca de 45% a 47% dos custos globais com o pessoal. E é na distribuição da massa salarial e dos custos globais com o pessoal que podem entrar as comissões de trabalhadores. Além disto, há obras sociais que são geridas pelo fundo social, que tem representantes quer dos trabalhadores quer da própria empresa. E posso dizer-vos que o fundo social do banco onde trabalho, que tem hoje um património de mais de 400 000 contos, é administrado paritariamente entre a comissão de trabalhadores e representantes da administração.
Portanto, entendemos que as funções da comissão de trabalhadores a nível da empresa são um complemento da acção sindical, que não colidem, visto que a acção sindical é uma actuação virada do exterior para o interior, onde há, de certa forma, limites, enquanto que a comissão de trabalhadores tem outro tipo de obrigações. É, portanto, uma questão de organização interna dos próprios trabalhadores.
Se nos perguntarem se as entidades patronais estão a corresponder às comissões de trabalhadores ou se as comissões de trabalhadores estão habilitadas e capacitadas para ter um staff técnico para poderem desempenhar cabalmente a sua função, eu diria que provavelmente não. As comissões de trabalhadores, devido à sua forma de

Página 1662

 

funcionamento e à sua limitação, inclusivamente em termos de tempo, têm algumas dificuldades em desenvolver a sua actividade da forma mais correcta; são insuficientes os meios que têm disponíveis.
Portanto, eu diria que é fundamental manter a forma de funcionamento das comissões de trabalhadores nos moldes actuais, mas com mais poderes, com meios técnicos, para serem efectivamente, dentro da empresa, os interlocutores junto das administrações, dos conselhos de gestão, e desta forma poderem informar suficientemente os trabalhadores e serem o complemento do sindicato na sua acção em termos globais.
As comissões de trabalhadores, do nosso ponto de vista, com esta forma de estrutura ou com uma estrutura semelhante, devem continuar e não regredir.
No entanto, de acordo com a primeira informação, estamos agora de certa forma menos preocupados do que estávamos quando cá chegámos.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Luís Gonzaga Martins.

O Sr. Luís Gonzaga Martins: * Sr. Presidente, relativamente à Lei n.º 46/79, de 12 de Setembro, iremos analisá-la na Comissão de Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. E há de facto algumas questões que nos merecem reparo, na medida em que as coisas não funcionam, porque, numa primeira análise, a lei não está regulamentada e atribui-nos direitos que estamos impossibilitados de exercer por falta de mecanismos normativos.
De qualquer modo, esta discussão será para uma outra comissão.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): * Tem a palavra o Sr. Diogo Barceló.

O Sr. Diogo Barceló (Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário): * Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente às comissões de trabalhadores, numa perspectiva de parceiro social, elas são obviamente úteis nas empresas e mais concretamente na banca, porque, neste momento, como é do conhecimento de todos, os sindicatos trabalham no exterior e não têm a vivência diária e permanente que uma comissão de trabalhadores tem dentro de uma empresa, além de que até se permitem colaborar com a própria empresa. Por exemplo, quando há uma mudança de serviços, para poder implementar-se e fazer com que haja progresso, a comissão de trabalhadores é um parceiro que está sempre activo e dá efectivamente uma colaboração bastante importante.
Se houver uma alteração, na revisão constitucional, no âmbito das comissões de trabalhadores, é óbvio que isso irá ser prejudicial não só para os trabalhadores como também para as empresas.
Por conseguinte, neste caso concreto, penso que deverá manter-se a lei que regula as comissões de trabalhadores para que possa haver progresso, até nas próprias empresas.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr Luís Gonzaga Martins.

O Sr. Luís Gonzaga Martins: * Sr. Presidente e Srs. Deputados: resumindo, a nossa preocupação é a de que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, no momento em que tiver de intervir, não se esqueça de que o trabalho poderá ser encarado das diversas formas que se entender; poderá ser encarado ao nível de uma mercadoria, ao nível de um factor de transformação. No entanto, não deve esquecer-se de que o trabalho é uma dignidade da condição humana, e esta tem de estar fundamentalmente presente em qualquer resolução, em qualquer atitude que os Srs. Deputados queiram tomar, mas, segundo parece, nenhum dos senhores nega esta qualidade natural e intrínseca do valor do trabalho.
A partir daqui penso que estaremos satisfeitos, congratulamo-nos com aquilo que aqui ouvimos dizer a todos os Srs. Deputados, e temos a certeza de que poderemos dizer aos nossos representados que nada de mal, humilhante e gravoso se avizinha, neste momento e nesta revisão constitucional, para os trabalhadores em geral.
Penso que resumi as nossas preocupações.
Para terminar, desejo-vos um bom trabalho e espero que, como representantes dignos do povo português, saibam merecer a confiança que temos nos senhores e nos vossos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tendo em conta estas últimas observações, permita-me que faça uma sugestão.
O debate desta matéria demorou alguns dias, como é normal e seria de esperar, e foi um debate bastante circunstanciado, em que cada uma das propostas - e são algumas dezenas, mesmo muitas dezenas - foi examinada individualmente, por blocos temáticos e considerada e passada em revista multilateralmente. Ou seja, cada um dos proponentes esclareceu o alcance das propostas - e o alcance de algumas delas não é fácil de captar à primeira vista, suscitou-nos, reciprocamente, bastantes dúvidas - e da discussão tida resultou algumas clarificações, que não conseguiremos transmitir-vos nos escassos minutos que temos disponíveis para esta matéria.
No entanto, talvez possamos, Sr. Presidente, embora a transcrição das actas desta Comissão esteja um pouco atrasada, uma vez que tudo é gravado, estabelecer um compromisso no sentido de, logo que feita a transcrição e ainda em versão preliminar, ser remetida à Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores das Empresas do Sector Bancário uma cópia dessa mesma acta - e são umas dezenas ou centenas de páginas, quiçá -, para poderem analisar os argumentos um a um e as propostas, bem como o desfecho provisório, uma vez que o Sr. Presidente foi apurando o saldo da discussão, dizendo que determinada proposta era viável, que uma outra não era viável, que, relativamente a uma outra, se iniciava um consenso, muitas vezes distinto das propostas originárias. E é isto que é criativo num trabalho de revisão constitucional. Ou seja, há propostas que resultam da discussão colectiva e que não foram adiantadas por ninguém no momento dessa discussão, e, nesta área, algumas delas são francamente interessantes.
Embora não estivesse em questão nenhuma alteração se sinal da Constituição, na minha opinião, o debate foi bastante interessante no que respeita aos limites das figuras constitucionais, aquilo que foi ou não conseguido, onde há deficiências e em que patamar, que normalmente é o patamar

Página 1663

 

prático e legal, e até o micropatamar, ou seja, a luta em empresas concretas e as dificuldades concretas face a uma configuração social específica.
Portanto, a discussão passa tudo isto em revista, e essa discussão só faz plenamente sentido se for analisada, discutida e submetida a juízo crítico por parte dos diversos destinatários e no plano imediato. Aliás, até tínhamos muito interesse, porque há uma segunda leitura, em que essa segunda leitura e, depois, as decisões do Plenário, que só o Plenário vai tomar, também tivessem em conta a vossa leitura da nossa leitura.
É esta a minha proposta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Guilherme Silva): - Penso que nenhum grupo parlamentar se opõe a esta proposta, e, da nossa parte, há todo o interesse em concretizá-la.
Portanto, logo que estejam disponíveis as actas respeitantes a este capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, faremos chegar uma cópia à vossa organização e gostaríamos que, depois, nos enviassem o vosso comentário, sem prejuízo de termos em conta, desde já, este apontamento que aqui nos deixaram.
Para terminar, agradeço a vossa vinda a esta Comissão e o vosso contributo, quer o que nos deixaram por escrito, quer o resultante das vossas intervenções.

Pausa.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar a discussão, relativamente aos poderes legislativos das regiões autónomas, no ponto que a deixamos esta manhã.
Portanto, estão em discussão as propostas dos Srs. Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, dos Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, dos Deputados do PS António Trindade e outros e do Professor Jorge Miranda, relativamente à alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, conjuntamente com uma proposta que o Professor Jorge Miranda apresenta para o n.º 2 deste mesmo artigo, as quais, suponho, prescindem de ulterior apresentação.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, relativamente à alínea a) do 229.º, se bem leio, a opção do Professor Jorge Miranda inscreve-se naquela que era a preocupação do PSD, conforme relatei na parte da manhã. Ou seja, a de se retirar do actual texto constitucional a hipótese de, conjugadamente com o artigo 115.º, a interpretação poder ser, como tem sido aparentemente a doutrina dominante do Tribunal Constitucional, algo restritiva daquilo que são os poderes legislativos das regiões autónomas. E, neste sentido, melhor ainda do que a proposta do PSD, que esclareci na parte da manhã a pedido do Sr. Presidente, que é a de se dizer "Legislar, com respeito da Constituição e da leis (…)", uma vez que, como também aqui foi observado, leis são todas - e a opção do PSD é apenas, como tive oportunidade de explicar, a de tentar ladear o problema colocado pela conceptualização que existe no n.º 4 do artigo 115.º relativamente às chamadas "leis gerais da República" -, parece-nos a formulação do Professor Jorge Miranda, "Legislar, com respeito da Constituição e dos princípios fundamentais das leis gerais da República, (…)", por, aparentemente, ser consonante com as preocupações, que já expressei, do PSD nesta matéria.
Portanto, não nos repugna esta formulação do Professor Jorge Miranda.
No entanto, se politicamente houver abertura da parte do Partido Socialista e de outros partidos relativamente à alteração agora formulada pelo PSD, parece-nos fundamental - e chamo atenção para este facto - que a redacção desta norma seja equacionada em conjunto com o artigo 115.º, sob pena de voltarmos a cair num ciclo vicioso, em que a interpretação daquilo que ficar formulado na alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º poder, depois, entrar em colisão com alguma conceptualização específica feita no artigo 115.º. E, portanto, peço atenção para este facto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, primeiro, quem pôs à discussão a proposta do Professor Jorge Miranda fui eu.
Segundo, a proposta do PSD era bastante mais restritiva do que a que consta na Constituição, por lapso, obviamente, mas era ao dizer "(…) com respeito (…) das leis e dos decretos-leis (…)", e mesmo retirando a expressão "e dos decretos-leis" continuava a ser uma versão altamente restritiva.
É óbvio que a proposta do Professor Jorge Miranda, como, aliás, basta ver pelo artigo 115.º, implica a eliminação da própria ideia de leis gerais, a qual deixa de ter sentido, como implica, por exemplo, a eliminação da alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º, que também deixa de ter sentido; aliás, ela hoje só existe exactamente para permitir excepcionar as leis gerais da República.
Portanto, no caso de se consagrar, há uma enorme abertura para o poder legislativo regional, que admito que hoje, na prática, tenha, em termos constitucionais, algum défice de afirmação. E, assim, a meu ver, vale a pena encarar formas para essa abertura. Esta é uma fórmula, mas, a meu ver, tem alguns distinguo, algumas qualificações.
Penso que, a admitir uma hipótese destas, a de desvincular a legislação regional de respeitar as leis gerais da República, passando a respeitar apenas os princípios fundamentais da legislação da República - penso que o próprio conceito de leis gerais deveria ser abolido, passando a ser os princípios fundamentais de legislação da República -, implica, apesar de tudo, salvaguardar, para além das matérias que hoje são da competência exclusiva da Assembleia da República e do Governo, algumas matérias que a jurisprudência constitucional tem vindo a definir como matérias de competência própria dos órgãos de soberania, nomeadamente algumas das matérias que constam do novo artigo 230.º proposto pelo Partido Socialista, e não digo, necessariamente, na forma em que estão apresentadas, até porque a proposta do novo artigo 230.º engloba uma misturada de competências legislativas, de autonomia administrativa e de autonomia política. Portanto, o novo artigo 230.º, proposto pelo PS, carece de algumas distinções, já que a mistura que aí se faz é, a meu ver, inadequada.
De qualquer modo, o pacote que sugeri para discussão, e que engloba propostas quer do PS quer do PSD, implica considerar de forma integrada uma proposta que desvincule o poder legislativo autónomo das leis gerais, passando este a estar vinculado apenas pelos princípios gerais. Por exemplo, em matéria de direito transitário, é

Página 1664

 

óbvio que não cabe na cabeça de ninguém que a autonomia legislativa regional possa mudar o trânsito da direita para a esquerda, em vez de… Este acto seria sempre um princípio geral da legislação da República em matéria transitária, tal como é a exigência de licença de condução para os veículos motorizados, ou a exigência de que um carro de bois não carece de licença. Estes são exemplos, em matéria de Código da Estrada, de princípios fundamentais da legislação da República, e penso que estes princípios sempre hão-de ser tidos como limites da autonomia legislativa regional.
De facto, entendo que considerar, por exemplo, todo o Código da Estrada como lei geral da República - como o é, efectivamente, com base na actual definição - é, porventura, um limite excessivo da autonomia legislativa regional. E eu, pela minha parte, estou disposto a sugerir e a encarar a hipótese de desvincular ou delimitar o actual limite, desde que isso seja feito em compensação com alguma limitação da própria matéria objectiva sobre a qual pode versar a legislação regional, o que, aliás, a meu ver, simplificaria a Constituição. Essa figura abstrusa, que foi considerada em 1989 e que consta hoje na alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º, que é a autorização para excepcionar leis gerais da República, é, francamente, uma solução que, a meu ver, nunca compreendi verdadeiramente. Aliás, não é por acaso que o refazer da alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, nos termos em que proponho, implica a eliminação da alínea b), o que sucede quer no projecto do Professor Jorge Miranda quer no projecto dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros. E, hoje, não há dúvidas de que a alínea b) só se justifica exactamente para excepcionar leis gerais. Ora, deixando de haver obediência às leis gerais e passando a haver obediência a princípios fundamentais, é óbvio que os princípios fundamentais não devem admitir excepção, e, portanto, a alínea b) deixa de ter sentido.
Independentemente de tudo isto, penso que esta libertação da autonomia legislativa regional deve passar por uma requalificação das matérias reservadas à Assembleia da República, nomeadamente várias das que o PS propõe no novo artigo 230.º.
Explicitando melhor o ter posto à discussão a proposta do Professor Jorge Miranda, nos termos em que o fiz: a ligação ao articulado é óbvia, é uma proposta para discussão juntamente com aquelas que estão. No entanto, temo que as propostas que foram apresentadas, tal como estão, não tenham viabilidade - e, pela minha parte, não a têm nos termos em que foram apresentadas -, já que abolir, pura e simplesmente, as leis gerais da República, admitindo que a autonomia regional possa fazer um código de estrada totalmente diferente do da República, colocando, por exemplo, o trânsito a circular pela esquerda ou exigindo licença de trânsito para os carros de bois, etc., é algo que, para mim, não é concebível.
Por conseguinte, a ideia do limite dos princípios fundamentais deve ser obrigatória.
Por outro lado, admitir a proposta do Professor Jorge Miranda sem constitucionalizar os limites que o Tribunal Constitucional tem afirmado quanto à existência de matérias, que, mesmo não estando nos artigos 167.º e 168.º, pertencem, por natureza, à definição legislativa da República, nomeadamente toda a matéria do Código Civil e do Código do Processo Civil, entre outras que o Tribunal Constitucional tem definido, parece-me que é, de facto, excessivo.
Eu faço um link, uma ligação, uma conexão entre a desvinculação das leis gerais da República e um aumento, com conta, peso e medida, nos casos dos limites absolutos da competência legislativa regional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, considero esta matéria das competências legislativas das regiões autónomas, mais especificamente das assembleias legislativas regionais, o cerne da autonomia, e, portanto, o aspecto mais relevante e importante, em matéria de regiões autónomas, nesta revisão constitucional.
Apesar de sentir que a solução ainda está longe daquilo que é, no meu ponto de vista, o reforço desses poderes legislativos, registo com agrado alguma abertura, ou alguma evolução, dos vários Deputados dos diversos grupos parlamentares, no tocante a esta matéria, e, portanto, um aprofundamento e um aperfeiçoamento dos poderes legislativos das regiões autónomas.
Penso que a experiência que se vem acumulando dita e impõe alterações, e introduziu-se um conceito que não tinha existência na nossa ordem jurídica e menos ainda no âmbito constitucional, que é o de leis gerais da República - ninguém sabe bem até hoje o que isto é, apesar de a Constituição tentar defini-la. A jurisprudência do Tribunal Constitucional à volta deste conceito, e de outros, designadamente o de interesse específico, tem sido extremamente restritiva, e o carácter restritivo desta jurisprudência tem gerado uma situação duplamente penalizante para as regiões autónomas. Digo "duplamente penalizante para as regiões" porque cerceia excessivamente os seus poderes legislativos e não estimula a própria a criação legislativa. Tenho, por experiência própria, por contactos com a Assembleia Legislativa Regional da Madeira, mais em particular com os seus membros dos vários grupos parlamentares - logo, não é uma questão partidária mas institucional, que, por vezes, há iniciativas que não se formalizam, que ficam pelo caminho, por haver o receio, que nos está sempre presente, de ser suscitada a inconstitucionalidade e de o Tribunal Constitucional "chumbar" essas mesmas iniciativas.
Portanto, como eu dizia, isto tem-se traduzido em resultados duplamente penalizantes, porque, primeiro, não estimula e, na prática, cerceia estes poderes e o próprio exercício das competências pelas assembleias legislativas regionais e, segundo, tem, como é óbvio, um sentido de alguma perda de dignidade, de alguma diminuição de afirmação das assembleias legislativas regionais a frequência com que o Tribunal Constitucional, aqui ou ali, considera inconstitucional muito à volta destes dois conceitos, das leis gerais da República e de interesse específico. Assim, a meu ver, seria uma benfeitoria importante retirarmos estas excepções.
A minha proposta será, eventualmente, das mais avançadas, no sentido do reforço dos poderes legislativos…

O Sr. Presidente: "Avançada" é um eufemismo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Será eventualmente a mais avançada, e, evidentemente, o óptimo é inimigo do bom, mas penso que são metas que se devem ter.
Em minha opinião, a Constituição é a primeira e a grande limitação aos poderes legislativos de todos os órgãos que tenham competência legislativa na nossa estrutura constitucional, e compreendo que as competências próprias

Página 1665

 

e exclusivas dos órgãos de soberania também tenham o seu limite, que haja limite às competências das assembleias legislativas regionais.
Mas, tirando estas grandes linhas e em função do interesse, das particularidades que as regiões apresentem, parece-me que há aqui algum perigo, embora reconheça mérito na proposta que o Sr. Presidente acabou de gizar, que é já uma ideia de princípios gerais e não das leis gerais da República em si mesmas. Não sei se não iremos criar uma nova fonte de dúvidas e de conflitos, porque, se a ideia das leis gerais da República é, em si mesmo, excessiva como limitadora dos poderes das assembleias legislativas regionais, dos poderes legislativos das regiões, não sei se o descobrir em cada caso, o tentar em cada caso determinar os princípios dessas leis não será também uma fonte de novas interpretações igualmente restritivas por parte do Tribunal Constitucional. E talvez não estejamos aqui a fazer pedagogia ao procurar uma solução que ultrapasse este estado de coisas, que constatamos todos os dias, como, por exemplo, na jurisprudência constitucional; talvez seja bom haver aqui um esforço de consensualização para uma redacção que não se fique por esta que o Sr. Presidente agora enunciou e propôs, porque receio bem que ela ainda seja suficientemente vaga para ser sempre possível descobrir um princípio de uma qualquer lei geral da República que um diploma ou uma qualquer iniciativa regional ofenda, na óptica restritiva - insisto - que o Tribunal Constitucional vem tendo nesta matéria e que vem sendo denunciada até por constitucionalistas, e, às várias vezes, o Sr. Professor Jorge Miranda é muito crítico, como se sabe, em relação a esses juízos limitativos do Tribunal Constitucional quanto às competências legislativas das assembleias regionais. Daí que a proposta que subscrevo seja muito mais clara e muito menos geradora de dúvidas, equívocos, conflitos que não dignificam as instituições, sejam as regionais, sejam as nacionais, e não há nela qualquer perigo, face às balizas, que são a própria Constituição e as competências próprias dos órgãos de soberania, do meu ponto de vista, de se criar uma frente que atente com a unidade nacional por via da legislação regional, porque, obviamente, não se vai legislar por legislar. Hoje, é frequente, mesmo em diplomas que não são apresentados como destinados a todo o território nacional, logo, às próprias regiões autónomas, serem as próprias regiões, por sua iniciativa, a fazerem a sua adaptação, a "arrastar" a sua aplicação às regiões com adaptações, com as diferenças que as situações específicas das mesmas determinem; e este exercício, que hoje se regista, só significa que a tendência normal é a de acolher as soluções da ordem jurídica nacional, mas não de uma forma que muitas vezes não considera a realidade e a especificidade regionais. Os princípios e as linhas fundamentais da ordem jurídica são os mesmos e não sofrem por isso desvios, não há o receio de sofrerem desvios que atentem com uma arquitectura nacional que se quer preservar e que ninguém quer preterir.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Guilherme Silva, sei que a sugestão que fiz, aliás, com fonte no ex-Deputado Jorge Miranda, fica aquém da proposta que fez, mas peço-lhe para não desvalorizar o alcance modificativo e progressivo para a autonomia regional que a minha proposta implica, porque, a meu ver, isso é "negocialmente" pouco prudente, além de que não corresponde à realidade. A proposta que sugeri para discutir implica, de facto, uma substancial libertação da actual esfera de autonomia legislativa regional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostava de dizer-lhe que a sua proposta pode ser tida em consideração.
Reparei que hesitou em definir princípios gerais ou princípios fundamentais. Parece-me haver nessa hesitação da sua própria formulação, digamos, uma hesitação conceptual, certamente com consequências práticas. Ou seja, se queremos evitar, e penso que todos nós o queremos, que o Tribunal Constitucional mantenha a jurisprudência restritiva, como tem feito até aqui, creio que a simples invocação dos princípios gerais acentua possivelmente o dinamismo legislativo regional, mas, por outro lado, também pode acentuar a intervenção e a tendência restritiva do próprio Tribunal Constitucional. Isto é, o princípio geral é algo ainda de mais flexível, de mais distante, de mais interpretativo do que propriamente as leis, porque estas têm de estar escritas.
Portanto, percebo a ideia do Sr. Presidente, penso que foi um bom esforço, mas, por enquanto, mantenho-me, ainda, nas propostas do Partido Socialista, na sua versão inicial. Não sei o ponto em que as coisas estão em relação ao artigo 115.º, mas recordo que a proposta do Partido Socialista para o n.º 4 do artigo 115.º, se a memória não me falha, dizia: "São leis gerais da República, as leis e os decretos-leis (…) cuja razão de ser envolva a sua aplicação…", sem reservas, "… a todo o território nacional e assim o declarem.". Esta é a nossa proposta e há aqui...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): A autoclassificação legislativa é perigosa.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Não, não! Agora estou a avançar com as propostas do Partido Socialista…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de prosseguir.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Portanto, essa posição parece-me que envolve… A razão de ser tem de ser expressa, não pode ser apenas do próprio legislador…

Neste momento, o Sr. Presidente diz um aparte ao Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): O quê?

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, foi um aparte para o Dr. Barbosa de Melo. Não tem a ver com a sua intervenção.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): De qualquer maneira, como estamos em sede política, penso que o que interessa aqui é essa limitação da capacidade interpretativa do órgão Tribunal Constitucional. Sinceramente, a preocupação que os meus constituintes, no sentido anglo-saxónico da palavra, me transmitiram, ao atribuir-me o mandato de estar nesta Comissão, foi a de reduzir o grau de interpretação restritiva do Tribunal Constitucional.
Portanto, a nossa proposta para o artigo 229.º é exactamente a de "legislar, com respeito pela Constituição, em

Página 1666

 

matérias de interesse específico para as regiões que não sejam da competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo.". Ainda não ouvi aqui referir a mudança de "órgãos de soberania" para a designação expressa de dois órgãos de soberania, a Assembleia da República e Governo, mas creio isto também tem a sua relevância.
Portanto, por enquanto, eu manteria a proposta inicial do Partido Socialista, embora compreenda o esforço que o Sr. Presidente fez ao tentar articular o artigo 115.º; mas, mesmo assim, além destas dúvidas, a supressão da alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º ainda acrescenta uma certa perplexidade à minha posição inicial - não quer isto dizer que ela não venha a evoluir.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Medeiros Ferreira, os órgãos de soberania com competência legislativa na República são, apenas, a Assembleia da República e o Governo.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Ó Sr. Presidente, mas isso deveria ter sido visto em 1976.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado, nunca foi posto em causa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira anunciou, reanunciou e insistiu nas suas perplexidades a respeito desta matéria. Ora, eu também tenho muitas perplexidades e hesitações.
Mas há uma coisa na proposta do Partido Socialista que, a meu ver, é dissonante com a organização da Constituição tal como ela está feita desde 1976 neste contexto territorial, que é uno. Aquilo que propõe o Partido Socialista é, no fundo, isto: o legislador, ao editar normas que, pela sua razão de ser, devem ser aplicadas a todo o território nacional, tem ainda de declarar expressamente que elas são aplicáveis nas regiões autónomas. Isto lembra o regime do direito ultramarino, em que os diplomas legislativos eram extensivos a um território que não fazia parte, e nunca fez no rigor das coisas, da unidade territorial do Estado. Foram colónias até 1951, era assim que a lei as chamava, e as províncias não mudaram tanto como isso a natureza das coisas - era uma linguagem política. Havia descontinuidade no território continental e insular e nos territórios coloniais.
Vamos pegar aqui nesta fórmula. O legislador nacional deve determinar e regular segundo a natureza das coisas. O espaço e vigência da ordem jurídica portuguesa é a unidade do território.
Portanto, a solução que está é esta: se por acaso houver interesse específico da região, ela não pode contradizer a lei que saiu… Mas é um juízo do Tribunal Constitucional; não é o próprio legislador que se autolimita, é o Tribunal Constitucional que o limita.
Há aqui, nesta proposta do Partido Socialista, uma mudança de atitude, que não sei medir o alcance - daí as minhas perplexidades - dessa delicadeza! Chamava a atenção para este lado das coisas.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Sr. Presidente, gostaria só de dizer que, muitas vezes, o legislador esquece-se da aplicabilidade da lei nas próprias regiões autónomas, mesmo quando são leis gerais da República.
Percebo o exemplo histórico que o Professor Barbosa de Melo avançou, mas não me parece que a analogia seja pertinente, e certamente não é isso que está em jogo. Essas leis são leis, e estou aqui exactamente a reportar-me à manutenção do conceito de leis gerais, porque, se retirarmos o conceito de leis gerais, tudo aquilo que estamos aqui a tratar neste momento cai pela base. Não vale a pena exigir mais.
Se houver consenso para se retirar o conceito de leis gerais de República, penso até que não vale a pena continuarmos aqui com esta discussão; mas, se mantiver esse conceito, ao menos que se acrescente que o legislador nacional tem de dizer explicitamente que é uma lei geral da República. O que presumo é que o legislador nacional não sabe o que é uma lei geral da República.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, esclareço que a forma como peguei na proposta do Professor Jorge Miranda eliminava esse problema. Falei em princípios fundamentais da legislação da República; logo, eliminava o conceito de leis gerais.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): Mas eu não "fechei a porta" à aceitação desse princípio!

O Sr. Presidente: Claro!
Tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Oliveira.

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): Sr. Presidente, com certeza que sou o que menos sabe disso, pois acabei de chegar à Assembleia da República. Todavia, parece que é exactamente em relação a este problema das leis gerais da República que há uma certa sintonia entre os diversos grupos dos Açores e da Madeira.
A proposta que faz o Sr. Presidente é realmente tentadora, não há dúvida. Ainda há pouco o Sr. Presidente, ao falar das leis gerais da República, deu como exemplo uma alteração ao Código da Estrada, nomeadamente a possibilidade de poder vir a existir uma lei especial para a circulação do carro de bois. Mas a verdade é que - e eu vivo na Madeira há muitos anos - há leis gerais da República que nunca se aplicaram na Madeira; penso eu que são leis gerais! Por exemplo, e não sei se isto tem a ver com o Código da Estrada, lembro que um restaurante ou uma bomba de gasolina tem obrigatoriamente de estar a uns quantos metros, não sei quantos, da estrada. Ora, se fossemos respeitar esta lei geral da República, nunca se construía um restaurante na Madeira ou uma bomba de gasolina!

Risos.

Lembrei-me deste exemplo, porque, às vezes, o legislador, que está em Lisboa, esquece-se de que o país tem ilhas. Sinto isto, porque sou madeirense, sou português e quero continuar a sê-lo, e não uso subterfúgios ou qualquer outra forma para conseguir outros objectivos, nem acuso ninguém para isso.
No entanto, a proposta que o PS/Madeira está a fazer é consequência da vivência local e é no bom sentido. Mas, se a proposta do Sr. Presidente vem, de facto, satisfazer o que está no nosso espírito,…

O Sr. Presidente: Eu penso que excede!

Página 1667

 

O Sr. Arlindo Oliveira (PS): … nós acataremos.
Agora não me ocorre exemplos de outras leis gerais da República que, embora tenham aplicação na Madeira, nunca aí foram respeitadas por o não poderem ser. Refiro-me, por exemplo, à orla costeira, que, aqui, se não estou em erro, vai a não sei quantos metros; na Madeira, se respeitarmos esta extensão, entra pelas quintas e pelos hotéis dentro. Quer dizer, há leis gerais da República que realmente não se aplicam; embora estejam em vigor, nunca tiveram aplicação na Madeira.
Neste sentido, peço ao Sr. Presidente que considere esta situação.

O Sr. Presidente: A minha proposta considera-a de certeza!
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, já aqui foi referida a jurisprudência do Tribunal Constitucional como o grande factor limitativo da actividade legislativa das regiões autónomas, mas creio que há que referir outros factores.
Um desses factores é a própria actividade do poder legislativo central; e, neste aspecto, creio que é exemplar o caso, por exemplo, do Decreto-Lei n.º 55/95, que trata as regiões autónomas exactamente como autarquias locais, com 2000 ou 3000 eleitores, para efeitos, por exemplo, de definir limites de autorização sem concurso público. É uma matéria da responsabilidade do governo do PSD, e por isso não deixo de sublinhar este aspecto. Todos erram, mesmo quando têm a maioria nas próprias regiões autónomas, como é sabido.
Por outro lado, há outras situações em que creio que vale a pena reflectir. Por exemplo, faz sentido que se desenvolva um sistema próprio de sinais de trânsito na Madeira quando eles estão a ser uniformizados a nível comunitário? Creio que não, creio que não faz grande sentido! Foi aqui referida a questão do Código da Estrada, que, a meu ver, é verdadeiramente exemplar, seja ela desenvolvida, inclusive, pelo próprio governo regional, pela assembleia legislativa regional ou seja ela devido às competências dadas às autarquias para tal efeito.
Da mesma forma que, obviamente, estaremos todos de acordo em que não tem qualquer sentido aprovar, por exemplo, um regulamento próprio de polícia do qual resultaria a proibição de jogos de computador, por terem a lista de jogos que podem ser autorizados.
Portanto, nesta matéria, creio que, por um lado, tem havido uma série de erros, erros perfeitamente evitáveis, quer do Governo quer da própria Assembleia da República, e, por outro, nem tudo está bem também no modo como as coisas têm vindo a desenvolver-se.
Temos, naturalmente, abertura no que toca à reconsideração desta questão, tendo em conta a experiência e toda a elaboração doutrinal que tem sido feita e que, creio, é valiosa nesta matéria. Por exemplo, em minha opinião, o Deputado Guilherme Silva comete uma grande injustiça quando afirma que ninguém sabe o que são leis gerais da República. Tenho aqui um texto do Deputado Barbosa de Melo e de Cardoso da Costa e Vieira de Andrade que diz o seguinte: "O conceito de lei geral da República flui da própria ideia de unidade de Estado: ele pressupõe que as leis gerais da República contêm princípios e normas fundamentais cuja observância é sinal de garantia do carácter unitário do Estado.". Quem diz este texto diz muitos outros textos da doutrina que vão exactamente no sentido de densificar…

Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.

Não! Nesta matéria, eu poderia aqui multiplicar as situações, referindo o Professor Sérvulo Correia, o Professor Jorge Miranda, o Professor Paulo Otero. Creio que a doutrina, nesta matéria, é extremamente abundante e é até rica, e o Sr. Deputado está a ser injusto em relação a tantos jurisconsultos…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): Já viu quantos conceitos já deu?!

O Sr. Luís Sá (PCP): Têm todos uma ideia básica, Sr. Deputado! É que existem leis que, pela sua natureza e teor, têm de ser aplicadas a todo o território nacional, e é aberrante que o não sejam. Creio que isto…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): O problema é o da avaliação concreta! Esse princípio está perfeitamente bem enunciado, mas o problema é a avaliação concreta de tudo isso!

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Deputado Guilherme Silva, do ponto de vista da avaliação concreta, é sabido que existem, no fundamental, três sistemas de chegar a ela: um, é a enumeração taxativa das atribuições e competências; outro, é uma enumeração, enfim, exemplificativa conjugada com uma cláusula geral e indeterminada; e, outro ainda, é, pura e simplesmente, a cláusula geral e indeterminada.
Há também um amplo tratamento da doutrina sobre as vantagens deste tipo de opções. Ora, acontece que, no que toca às regiões autónomas, temos, por um lado, cláusulas gerais indeterminadas, que dão, naturalmente, trabalho à doutrina, à jurisprudência (é evidente que sim), e temos simultaneamente uma enumeração exemplificativa, só que é feita nos estatutos das próprias regiões autónomas.
Ora, nesta matéria, a questão que se coloca é esta: creio que, quando o Professor Jorge Miranda adianta a proposta de obrigar ao respeito não já das leis gerais da República mas dos princípios fundamentais das leis gerais da República, esta proposta está estreitamente ligada à enumeração exemplificativa que é feita de atribuições e competências de matérias de interesse específico na própria Constituição e que são, em rigor, duas propostas inseparáveis. Da mesma forma que o Partido Socialista vai por outra via, não é a via de enumeração de matérias de interesse específico mas a de dizer no concreto quais são as matérias reservadas aos órgãos de soberania. Em todo o caso, creio que tem sempre este aspecto que é bastante importante.
Mais: diria que esta enumeração taxativa das matérias de interesse específico do Professor Jorge Miranda está estreitamente ligada a outro facto, que é a afirmação, que é constante nos escritos do Professor Jorge Miranda acerca da matéria, de que a enumeração feita nos estatutos das regiões autónomas tem várias matérias inconstitucionais.
Assim, o problema que aqui se abriria era o de saber que consequências se colocaria a este tipo de enumeração que é feita, designadamente, por exemplo, quanto à questão de aumentar a enumeração das matérias de interesse

Página 1668

 

específico nos estatutos regionais. Isto é, a questão é saber se, de futuro, esta matéria não ficaria reservada para a Constituição.
Creio, portanto, que esta proposta tem de ser vista nos devidos termos e com o devido alcance, isto é, com todas as vertentes que ela efectivamente tem.
Da nossa parte, há uma preocupação, em relação a esta matéria, que, aliás, de algum modo transparece no facto de termos feito uma proposta acerca desta alínea.
Quanto à ideia de limitar estas questões através de uma enumeração das matérias de competência reservada do Governo e da Assembleia da República, no artigo 230.º, teremos abertura e, na altura própria, como é natural, apreciaremos o elenco destas matérias no sentido de ponderar devidamente um aspecto que julgamos ser da maior importância.
Isto significa que a posição que defendemos neste âmbito é a de introduzir clarificações neste plano e a de, simultaneamente, não embarcar em aventuras ou em fórmulas que, pretendendo ser generosas, na realidade, introduzirão situações que, a meu ver, não relevam do interesse específico mas, sim, de outro tipo de considerações.
Quanto à hipótese de eliminação da alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º, que foi aflorada a propósito desta matéria, manifestamos abertura, tendo em conta que eventuais aberturas no âmbito da alínea a) poderão justificar a eliminação da alínea b) - este é um problema que ponderaremos melhor - e, simultaneamente, o facto de boa parte da doutrina, não apenas a posição do Sr. Presidente mas também, por exemplo, a do Professor Jorge Miranda, ser no sentido de haver fortes reservas em relação a esta questão e, mais, o facto de ela não ter tido alcance prático, desde a revisão de 1989, altura em que foi introduzida, até agora.
No entanto, este é um problema que ponderaremos melhor, com toda a abertura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero apenas fazer algumas clarificações.
Devo dizer que não propus autonomamente a eliminação da alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º, o que penso é que ela decorreria consequencialmente da alteração para a alínea a) que propus no seguimento das posições do Professor Jorge Miranda e dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros, que, aliás, propõem exactamente a eliminação desta mesma alínea, porque ela hoje só existe para admitir excepções regionais às leis gerais da República. Só foi incluída para isso.
Logo, se deixa de haver o parâmetro "leis gerais da República", a alínea b) deixa de fazer sentido. Foi só neste sentido que falei na eventual eliminação da alínea b), e com isto respondo ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira, que colocou a questão, tal como ao Sr. Deputado Luís Sá.
Por outro lado, há duas questões que devemos distinguir: uma, é saber sobre o que é que as regiões autónomas podem legislar, e até agora isto ainda não foi discutido; e, a outra, é saber quais são os parâmetros da legislação da República naquilo em que elas podem legislar. Até agora, só temos estado a discutir o segundo parâmetro, isto é, um parâmetro que actualmente existe e que sugeri que fosse aliviado, substancialmente aliviado. Ora, a meu ver, estes dois aspectos devem ser separados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Gonçalves.

O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de saudar a abertura, que verifico, em relação a esta matéria, pois está a haver um certo consenso sobre o facto de que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a assentar muito na interpretação restritiva de fundo daquilo que são as leis gerais da República.
Por outro lado, gostaria…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita que o interrompa, só para deixar aqui uma nota. Não é para defender a minha testada, pois fui juiz do Tribunal Constitucional, mas penso que não devemos atribuir ao Tribunal Constitucional as culpas de nada.
Sr. Deputado, nisto, a Constituição é clara, fala em leis gerais da República. E, portanto, com mais ou menos restrição, nunca se poderia, de facto, conseguir ultrapassar aquilo que está na Constituição. Assim, não façamos do Tribunal Constitucional o bode expiatório de um défice de autonomia legislativa regional, para cuja eliminação teremos, porventura, de mexer na Constituição, alargando-a. É disto que estamos a tratar.

O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): - Sr. Presidente, eu não estava a fazer do Tribunal Constitucional um bode expiatório, pelo contrário. O Tribunal Constitucional, face à Constituição e àquilo que está dito, tem uma interpretação que é, de qualquer modo, julgada até hoje por várias forças políticas, inclusivamente na Região Autónoma dos Açores, como sendo restritiva, na medida em que é fundamental para nós não haver equívocos nem conflitos relativamente, por exemplo, ao problema que o Sr. Presidente apontou há pouco, sobre aquilo em que se deve centrar a pressão legislativa regional.
O problema fundamental do artigo 229.º tem a ver exactamente com a ideia que existe na Região Autónoma dos Açores, e penso que também na da Madeira, de que as assembleias legislativas regionais se sentem muito autolimitadas na sua capacidade legislativa…

O Sr. Presidente: - Heterolimitadas!

O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): - Autolimitam-se por estarem heterolimitadas, face à jurisprudência que tem vindo a ser feita!
Aliás, o Sr. Presidente referiu-se ao Código da Estrada e, ainda há pouco tempo, tivemos aqui, na Assembleia da República, esse exemplo, com uma proposta emanada da Assembleia Legislativa Regional dos Açores para alterar um artigo do Código da Estrada que não faz sentido. Manifestamente! Pode fazer uma proposta de lei à Assembleia da República para alterar um artigo do Código da Estrada exactamente pela incapacidade, que neste momento existe, de haver uma clara adaptação de princípios gerais à realidade específica das regiões que justifica a autonomia regional.
É nesta perspectiva que, a meu ver, o projecto subscrito pelos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e outros ao eliminar, no artigo 115.º, a referência às leis gerais da República e ao colocar, no artigo 229.º, n.º 1, alínea a), o problema da legislação, substituindo-o pelos princípios gerais da Constituição, constitui uma garantia fundamental para que de facto se ultrapasse este problema, que, em minha opinião, tem mais a ver com o aspecto formal, porque não está posta em causa a unidade do Estado nesta

Página 1669

 

matéria mas, sim, a capacidade das regiões autónomas de legislarem sobre matérias de interesse específico.
Aliás, sobre esta matéria do interesse específico, o Professor Jorge Miranda tem um artigo bastante interessante, que produziu no Instituto Açoreano de Cultura exactamente a propósito da noção de "interesse específico", e lembro que até poderíamos falar em interesse regional - a expressão "interesse específico" apareceu aquando da discussão da Constituição em 1976.
No fundo, há aqui um interesse regional manifesto em muitas áreas que não se consegue concretizar exactamente por via de um conceito muito abstracto, que, mais do que quase unitário, ultrapassa o próprio conceito de unidade do Estado para entrar no aspecto quase orgânico de uma lei se aplicar de uma forma geral, sem possibilidade de a região autónoma, em matéria de interesse específico, a adaptar à realidade regional.
Saúdo esta abertura, e penso que haverá possibilidade de se avançar no sentido de dar maior capacidade legislativa às assembleias legislativas regionais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, independentemente da tecedura política deste debate, há um grande consenso de partida quanto à ideia de existir aqui um problema e de que é este o momento para procurar dar-lhe resposta, e creio que o clima em que a discussão se processa traduz isto mesmo. Esta é uma das matérias da mais elevada tecnicidade que a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e o Parlamento enfrentam neste momento.
Assim, se ultrapassarmos esta "porta de entrada", onde se ouve um clamor positivo, a entrada nas zonas, que eu qualificaria da tal elevada tecnicidade, obviamente provida de sentido político e sujeita ao "fogo" da interpelação política, vai exigir-nos, no momento adequado, alguma depuração de conceitos e algumas clarificações.
Creio que, do ponto de vista da perspectivação, estando dito o que está dito, e bem dito, nesta matéria, há um dado que eu gostaria de realçar: há uma pergunta à qual o Grupo Parlamentar do PS respondeu positivamente, mas nem toda a gente responde positivamente - eu gostaria de realçar este contraste. E a pergunta é a seguinte: é necessário e vantajoso rever a Constituição nesta matéria dos limites do poder legislativo regional? Há quem responda que não, na base de argumentos de desnecessidade, de que as normas são interpretáveis, de que a hermenêutica do interesse específico vem sendo feita, de que em outros ordenamentos jurídicos há conceitos relativamente indeterminados pelo mesmo conjunto de problemas de interpretação que são objecto de apuramento com os órgãos competentes, de que melhor do que adoptar conceitos novos, sujeitos eles próprios a hermenêuticas polémicas, é joeirar conceitos antigos, beneficiários de uma reflexão já sedimentada, etc.
O nosso projecto, ao aceitarmos atravessar a "porta" da não alteração, significa um comprometimento e um empenhamento efectivo na busca de respostas para questões que não têm uma resposta adequada.
Creio que a primeira constatação que nos unirá certamente é a de que falharam algumas das soluções tendentes a encontrar resposta para o problema que agora está equacionado. Praticamente em todas as revisões elas foram equacionadas e tivemos tentativas de resposta.
A revisão de 1989 encontrou a sua tentativa de resposta, de resultado nulo ou francamente negativo, ao tentar criar a competência legislativa autorizada e a competência legislativa de desenvolvimento. Também falhámos na parte em que tentamos enumerar, no n.º 1 do artigo 229.º, aquelas que poderiam ser áreas de desenvolvimento de leis de bases da República, nas áreas da segurança social, da natureza, da política agrícola, da função pública, das empresas públicas.
Em 1982, falhou a tentativa de redefinição do conceito de lei geral de República, uma vez que o conceito originário não foi rigorosamente aquele cujo recorte foi precisado, ou que se julgou precisar nessa altura.
Ou seja, nesta matéria, todos temos conclusões a extrair de tentativas de resolução de problemas, e todas estas falhas prolongaram-se, depois, na elaboração dos estatutos político-administrativos quando tentámos densificar o conceito de "interesse específico" com muitas zonas de indefinição, deixando intacto aquilo que só pode ser resolvido em sede constitucional, gerando, também aí, espaços de incerteza. O que tudo isto conduz a concluir é que há problemas por resolver e que é preciso ter a coragem de dar um passo positivo. E qual é este passo positivo? Creio que este passo positivo tem de ter em conta - e o esforço desta discussão parece-me meritório deste ponto de vista - os nós, digamos assim. E quais são os nós? São os que se reconduzem aos três limites típicos do poder legislativo regional. E estes limites estão definidos - aliás, estamos a considerá-los praticamente um a um - e são os seguintes: interesse específico, lei geral da República e matérias reservadas aos órgãos de soberania. E eu creio que é nestas três áreas de intervenção que é preciso buscar soluções.
O PS deu um contributo para o arranque deste debate, por um lado, procurando redefinir o que são leis gerais da República, num sentido manifestamente restritivo e tendencialmente clarificador, e, por outro, não procurando juntar a um critério material um critério formal. Com que êxito? É o que está submetido ao vosso juízo, e estamos interessados nele, obviamente.
Quanto ao que são as matérias reservadas aos órgãos de soberania, também se procurou fazer uma precisão, e aí está a proposta de limite material em sede do artigo 230.º, com alguns dos problemas que o Sr. Presidente teve ocasião de apontar, mas creio que serve de base de trabalho clarificadora. Esta é uma das tentativas; ou seja, não há muitas formas de o fazer, e esta é claramente uma delas. Para eliminar a incerteza, uma das soluções é naturalmente a utilização de um critério de enumeração de áreas de competência que inequivocamente possam considerar-se zonas de intervenção dos órgãos de soberania, e só destes.
Entender-nos-emos quanto a esse elenco?! É este o nosso desejo, mas, tecnicamente - sublinho, tecnicamente -, esta é uma das formas positivas, concretas e eliminadoras de incerteza, e creio que não há que ter medo de optar nesta matéria. Pela nossa parte, não tivemos, e estamos, obviamente, sujeitos às vossas contribuições desse ponto de vista.
O mesmo se pode dizer relativamente às questões do interesse específico e das leis gerais da República. Ou se reinventa o conceito de lei geral da República ou persistirão todas as dúvidas que a jurisprudência, obviamente, mas também todos os intérpretes, do mais alto ao mais baixo,

Página 1670

 

têm enfrentado ao longo destes anos. A nossa disponibilidade é para que se eliminem as zonas de dúvida também nesta matéria.
Considerar a solução do Professor Jorge Miranda, ela própria retocada, reinventada e retomada ou reformulada? Ponderá-la-emos, obviamente, ao lado das outras soluções, mas, à partida, com a consciência de que damos um contributo e estamos empenhados em que se chegue a um resultado; veremos exactamente em que termos, pois não o podemos declarar à partida dadas as zonas de intervenção. Mas estamos disponíveis para considerar, em relação a cada um dos três limites típicos: interesse específico, definido nos termos que forem apropriados; padrão tributário da unidade nacional, que tão belamente tem sido discutido - e ainda no outro dia o Sr. Deputado Luís Sá citou o Professor Barbosa de Melo, o Dr. Cardoso da Costa e o Dr. Vieira de Andrade num projecto de revisão constitucional. Mas, se alisarmos a definição típica dada pelo Professor Sérvulo Correia ou pelo Dr. Machete quanto ao que deve entender-se por leis gerais da República, verificamos que, em todos, há a preocupação, que, de resto, foi preocupação fundadora da Constituição, de exprimir, com essa ou outra formulação, aquilo que são exigências de unidade do Estado. E essa unidade do Estado é, obviamente, um limite razoável, que não tem de traduzir-se em constrições milimétricas, elas próprias silenciadoras de interesses relevantes das regiões.
Estamos, pois, abertos para encontrar esse ponto de equilíbrio, sendo certo que a nossa "Estrela Polar" é clara e a nossa disponibilidade política está abaixo de qualquer dúvida, neste ponto de vista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, ouvi com muita atenção quer a intervenção do Sr. Deputado Luís Sá quer a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães.
Da intervenção do Sr. Deputado Luís Sá ficou claro algo, que, de resto, estava expresso na proposta do PCP, que o PCP continua a defender, como limite aos poderes legislativos regionais, a figura das leis gerais da República. Que existem várias posições doutrinárias, com movimentos comuns essenciais de identificação, sobre o que é a lei geral da República, não tenho qualquer dúvida. Sei que está construída alguma doutrina relativamente a esta questão. No entanto, um pouco contra a observação feita pelo Sr. Presidente, de que não devemos estar a atribuir as culpas ao Tribunal Constitucional - mas a realidade é que esta é uma sede em que ciclicamente vemos esbarrar a produção legislativa regional -, entendo que o problema é o do ajuizamento casuístico, ou seja de que a lei geral da República é algo de muito variado e de muito incerto, não obstante a fixação desse conceito doutrinário.
Por outro lado, há aqui uma outra questão - e devo confessar que, relativamente a este problema, que vou enunciar, vejo com mais simpatia a solução proposta pelo Sr. Presidente -, que é a seguinte: fala-se de lei geral da República, ajuíza-se e identifica-se (pior ou melhor), casuisticamente, o diploma que, em concreto, tem essa vocação, a da aplicação inequívoca a todo o território nacional, por razões que se prendem com os princípios fundamentais que estejam em causa em cada diploma legislativo em concreto. Mas há uma realidade que se depara para quem vive nas regiões autónomas e conhece o funcionamento das instituições regionais, que é a seguinte: independentemente dos princípios fundamentais, há normativos concretos, diplomas, que não nos repugna classificar e aceitar como leis gerais da República, mas são inaplicáveis às regiões autónomas. E, porque são leis gerais da República, não podem ser mexidos! Esta é uma realidade concreta do nosso ordenamento jurídico. Há soluções que, depois, no articulado concreto, independentemente dos princípios, se revelam inadequadas às regiões autónomas.
Aquando da revisão constitucional de 1989, ensaiou-se aqui a figura da competência legislativa, que poderia ser uma forma de ultrapassar esta questão - infelizmente, sem resultados. Aliás, não conheço nenhuma iniciativa legislativa, de nenhuma das assembleias legislativas regionais, a ultrapassar o problema por essa via. Mas temos de reconhecer que esta é já uma solução sucedânea constitucional, digamos, um pouco coxa, porque, a meu ver, temos de ter forma de evitar esta situação a montante. Temos de evitar esta situação! E, do meu ponto de vista, a forma que tem de ser encontrada é a de não deixar na Constituição este limite: leis gerais da República. Não podemos deixar na Constituição este limite, que consiste na referência às leis gerais da República. Aliás, desde o início que o Sr. Presidente chama atenção para uma contradição que o projecto de revisão constitucional do Partido Socialista revela, e, apesar das explicações dadas pelo Sr. Deputado José Magalhães, essa contradição não foi ultrapassada, que é a circunstância de referir, na proposta para o artigo 229.º, que as competências legislativas são "legislar, com respeito da Constituição, em matérias de interesse específico para as regiões que não sejam da competência exclusiva da Assembleia da República ou do Governo" e, depois, no artigo 115.º, estabelecer como limite, tal como já está hoje, as leis gerais da República, aceitando, ao fim e ao cabo, a redacção que o Partido Comunista Português propõe para a alínea a) do n.º 1 do artigo 229.º, de forma clara, não oculta e não disfarçada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, sem querer fazer compensações, penso que o projecto do PSD tem uma caracterização ao contrário, mais grave.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É evidente! Também é verdade, Sr. Presidente. E a minha crítica ainda é mais veemente em relação a essa redacção, não tenho qualquer reserva quanto a essa observação do Sr. Presidente. Mas o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já reconheceu o equívoco…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Foi um lapso!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - … e o lapso que essa redacção tinha. Portanto, está adquirido que de um lapso se tratou, e não vamos debater os lapsos mas, sim, as soluções que se mantêm. E a solução proposta pelo Partido Socialista mantém-se.
Assim, parece-me que o Partido Socialista tem de esclarecer melhor esta sua posição. Tem de nos dizer se é ou não a favor da limitação consistente nas leis gerais da República, como um limite aos poderes legislativos das assembleias regionais, porque não pode manter este limite no artigo 115.º e retirá-lo no artigo 229.º. Alguma coisa não bate certo!

Página 1671

 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, creio que não vale a pena insistirmos em aspectos que já estão esclarecidos. O PS mantém as leis gerais da República, requalificando-as nos termos em que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira exprimiu.

O Sr. José Magalhães (PS): - Qualificando-as muito!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas há uma outra questão que também me parece desnecessária e que vem marcando esta parte da Constituição relativamente às regiões autónomas - temos, aliás, o exemplo mais flagrante no artigo 230.º, no qual não vou entrar, porque ele não está ainda em debate. Mas, do meu ponto de vista, é um absurdo que se mantenha no artigo 229.º, quer na redacção actual, quer nas redacções aqui propostas, este aspecto, que é legislar, com respeito da Constituição. Há, alguma vez, algum órgão que legisle sem ser com respeito pela Constituição?! Isto significa que só as assembleias legislativas regionais é que têm de legislar com o respeito pela Constituição?! O Governo e a Assembleia da República podem legislar desrespeitando a Constituição?! Porquê este acinte referente às competências regionais?! Não tem sentido! Não faz qualquer sentido a manutenção desta referência aqui! É evidente! É óbvio que não podem legislar com ofensa da Constituição!
A meu ver não faz qualquer sentido e penso que deveríamos fazer um esforço para dignificar esta norma, como é absurdo que a própria Constituição estabeleça que só se possa legislar com respeito de si própria. Esta referência não tem qualquer sentido.
De resto, como terão reparado, na proposta que subscrevo - indo ao encontro do apelo do Sr. Presidente para que se definam as áreas de competência das assembleias legislativas regionais -, não faço referência ao interesse específico. E não faço essa referência, porque também me parece que não é de todo indispensável que ele aqui esteja…

O Sr. José Magalhães (PS): - Porquê?!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Porque é uma questão óbvia!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É óbvio que as assembleias legislativas regionais vão legislar pelo território regional, e, portanto, há, na sua própria competência, um pressuposto, que é o ter de haver uma especificidade e não é necessário que ela esteja expressa aqui como preocupação constitucional, porque essa avaliação da diferença, que justifica uma solução também diferente, há-de resultar de algum poder próprio das assembleias legislativas regionais.
Vai-se encaixando aqui, mais uma vez, os tais conceitos, cujo ajuizamentos da autonomia regional, por parte das instâncias, designadamente do Tribunal Constitucional, vêm revelando-se restritivos. Para podermos fazer o que há pouco o Sr. Presidente nos pedia, que era não fazermos do Tribunal Constitucional o bode expiatório das restrições com que as regiões se debatem em matéria de poderes legislativos, então, vamos tirar da Constituição os conceitos que levam o Tribunal Constitucional a essas interpretações restritivas. É este o nosso papel pedagógico e o nosso papel clarificador, e não o de deixarmos aqui algo que, depois, possa levar-nos a criar os tais bodes expiatórios.
Eram estas as observações que pretendia fazer relativamente a esta matéria e às intervenções que me antecederam.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, este debate revela que é impossível discutir este problema sem algum grau de tecnicidade, porque são matérias que envolvem um grau de tecnicidade considerável.
É verdade aquilo que o Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de referir a propósito do grau de indeterminação do conceito de interesse específico e também é verdade que é a este propósito que se pode, eventualmente, discutir alguma da jurisprudência do Tribunal Constitucional que tem sido produzida sobre esta matéria.
Em relação aos restantes dois requisitos que a Constituição estabelece, penso que são razoavelmente objectivos, e o que, no fundo, o Tribunal Constitucional tem feito é limitar a sua actuação à aplicação desses mesmos requisitos, com o grau de objectividade que eles contêm. E, portanto, nesta perspectiva, não é o Tribunal Constitucional que é restritivo, será, quanto muito, a Constituição.
Porém, nem tudo é óbvio, Sr. Deputado Guilherme Silva! Aliás, se fosse tudo óbvio, não seria preciso regular nada. É evidente que tem de haver limites, e isso implica necessariamente que se estabeleçam alguns requisitos específicos para a competência legislativa regional. E a verdade é que não é a circunstância de se legislar com um âmbito territorial restrito à região que revela necessariamente a especificidade do interesse da legislação, porque uma coisa é o interesse dos órgãos próprios da região em adoptarem um diploma sobre determinada matéria e outra coisa é haver razões de ordem geográfica, social ou económica que justifiquem a existência de uma regulamentação específica dessa matéria naquele âmbito territorial geográfico.
Portanto, não basta que se delimite o âmbito territorial para que resulte daí a especificidade; a especificidade não advém apenas de se circunscrever a jurisdição dos poderes legislativos das regiões autónomas às respectivas regiões, porque isso é que é óbvio que não é preciso explicitar.
Agora, desta discussão também resultam alguns conceitos que, a meu ver, se podem estabelecer. O primeiro dos três requisitos estabelecidos na Constituição, que aparentemente ninguém questiona, diz respeito à reserva de competência dos órgãos de soberania.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Isso é óbvio!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Parece que sim! E, portanto, a única discussão resulta, por um lado, num critério de limitação do âmbito da competência legislativa, e este tem a ver com a especificidade do interesse regional, e, por outro, num problema do parâmetro de validade dessa legislação, designadamente a circunstância de a Constituição hoje estabelecer como parâmetro o respeito pelas leis gerais da República. Há aqui uma distinção que não foi feita até agora, mas, segundo parece, é importante - aliás, reparei nisso porque a expressão foi utilizada sucessivamente

Página 1672

 

em duas intervenções, em particular na do Sr. Deputado Lalanda Gonçalves, a respeito do problema da adaptação da legislação.
Quando estamos a falar no parâmetro material de validade da legislação regional, uma coisa é falar na adaptação no sentido de desenvolvimento ou de execução da legislação da República e, outra, é falar em legislação com sentido contrário, divergente, diferente da legislação da República. E esta distinção, aliás, já resulta de certa forma das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 229.º, quando se fala, por um lado, no desenvolvimento das leis de bases, à semelhança do que acontece no artigo 168.º, e, por outro, na legislação que, para além do interesse específico, tem de respeitar as regiões autónomas.
Falou-se muito no Tribunal Constitucional, mas esquecemo-nos de falar do legislador ordinário - quer a Assembleia da República quer o Governo - que, em função dos requisitos estabelecidos na Constituição, frequentemente, e tem sido cada vez mais frequente, tem vindo a excepcionar o âmbito de aplicação das leis, referindo expressamente que elas não se aplicam na Madeira e nos Açores enquanto não forem objecto de legislação específica a adaptar a dita legislação às respectivas regiões. E é aqui que o problema da constitucionalidade se tem colocado com muita frequência, que é o de saber se essa remissão normativa da adaptação para os órgãos próprios da regiões autónomas permite apenas executar ou desenvolver ou se, pelo contrário, permite adoptar soluções diferenciadas ou diferentes daquelas que o próprio diploma contém. E é sobretudo a este propósito, julgo eu, que se têm colocado alguns problemas de constitucionalidade actualmente, porque são, de facto, duas questões distintas e é relativamente a elas que, porventura, a complexidade deste problema se coloca com maior pertinência. Isto porque ninguém questiona, julgo eu, a necessidade de haver uma especificidade da regulamentação regional de determinadas matérias em função da necessidade de adaptação às circunstâncias geográficas especiais e económicas das regiões, o que se questiona é a liberdade que, eventualmente, se possa ou não consentir às regiões para legislarem de modo diverso ou contrário às leis que vigoram para toda a República, até pelo que isso implica em termos de tratamento igual dos cidadãos. Isto é, a discriminação positiva ou negativa dos destinatários da legislação regional só pode ter como base, obviamente, aquilo que se compadeça com o cumprimento do princípio da igualdade que está estabelecido na Constituição, e é este o limite que tem de estar, em última análise, presente,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas esse já é um limite constitucional!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, esse é um limite…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É um limite constitucional! É o princípio da igualdade!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Esse é um limite que não é salvaguardado com a mesma intensidade consoante se,…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - É um limite constitucional!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … como propõe o Sr. Deputado, elimine, pura e simplesmente, a existência de um parâmetro ou, como propõe o Sr. Presidente, se estabeleça um parâmetro mais flexível, porque, no fundo, quando se propõe a existência de um parâmetro mais flexível vem permitir-se um grau de abertura para permitir a adaptação, não necessariamente para permitir soluções divergentes ou contrárias à constante numa lei geral da República.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O problema é que, às vezes, o interesse específico impõe ou determina que assim seja. O Sr. Deputado tem de perceber que, muitas vezes, o princípio da igualdade atinge-se, exactamente, por força das diferenças, também com soluções diferentes - esta é a questão.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, não sou insensível, até por laços familiares, aos problemas da insularidade, e, portanto, a questão não é propriamente essa. Agora, apesar de tudo, sou sensível à circunstância de que a falta de limites pode, obviamente, conduzir a excessos e a soluções que, mais do que mera adaptação às circunstâncias geográficas, sociais e económicas, constituam solução diversa para os destinatários da legislação regional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado insiste nessa tecla da solução diversa!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe que não se estabeleça, permanentemente, diálogo.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, se o Sr. Deputado me permitir, gostaria de…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe só um segundo, porque vou concluir de imediato.
No fundo, a minha intervenção é só para chamar a atenção de que a excessiva rigidez do conceito de lei geral da República é, porventura, perverso, porque impede, inclusive, a própria adaptação quando esta implica um grau de divergência, ainda que mínimo, relativamente à legislação geral da República. E, neste sentido, julgo que é útil flexibilizar este requisito estabelecido actualmente na Constituição para evitar que ele tenha este efeito perverso; agora, o que não se pode é pretender eliminá-lo, pura e simplesmente, porque daí poderia advir um efeito perverso ainda maior, que consistiria não apenas em permitir a adaptação em função das circunstâncias específicas, geográficas, sociais e económicas das regiões autónomas mas em permitir, inclusive mais do que isso, soluções divergentes ou diferenciadas em relação àquilo que são os tais princípios gerais ou princípios fundamentais da legislação que, em princípio, devem vigorar para todo o território nacional, até para evitar aquilo que tem acontecido, que é a tentação que o legislador tem, para ultrapassar este requisito, em ser ele próprio, por remissão normativa, a autorizar os órgãos do governo próprio da região a fazerem uma adaptação, que, nos tempos constitucionais actuais, é de discutível constitucionalidade. Hoje, é de discutível constitucionalidade que o legislador possa remeter a adaptação, excepcionando o âmbito de aplicação e enquanto não existir um diploma de adaptação, para os órgãos próprios da regiões

Página 1673

 

autónomas por forma a que aí, de alguma maneira, se contenha uma autorização para legislar em sentido diverso daquele que é o sentido da lei aplicável ao território continental.
Por isso é que, em minha opinião, esta flexibilização tem de ser feita tendo sempre em conta esta distinção, que, apesar de tudo, julgo que se deve estabelecer entre a mera adaptação às circunstâncias específicas das regiões e a possibilidade de se adoptarem soluções diferenciadas ou divergentes quanto àquilo que são os fundamentos da legislação, que, em princípio, devem ser os mesmos para todo o território nacional.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro insistiu muito no facto de lhe repugnar as soluções diferentes e ficou-se muito pelo problema da adaptação, de uma aproximação a determinadas especificidades, mas tente perceber e compreender que, por vezes, as soluções têm de ser opostas, a realidade regional assim o exige.
Lembro-me de, numa determinada altura em que fiz parte de uma comissão consultiva para as regiões autónomas, que foi extinta aquando da revisão constitucional de 1982, haver dois diplomas da Assembleia Legislativa Regional dos Açores que tinham a ver com matéria de arrendamento: um dizia respeito à possibilidade de se fazerem uns arrendamentos temporários, em função da circunstância de haver muitas pessoas que, residindo fora dos Açores, tinham casas onde passavam o Verão e que poderiam ser aproveitadas para o mercado de arrendamento em soluções temporárias, com segurança de que as pessoas sairiam, não prejudicando a utilização dos perigos de vilegiatura; o outro tinha a ver com a flexibilidade para o aumento de rendas, porque havia, na ilha Terceira, grande procura de habitação por parte de estrangeiros, dos americanos, dos funcionários das bases aéreas, etc., e os senhorios estavam impedidos, pela legislação nacional, de aumentar as rendas, podendo, inclusivamente, estar sujeitos a processos de especulação, etc. E não foi possível aprovar estes diplomas, porque eram inconstitucionais. Isto é um absurdo! Isto é uma absurdo, Sr. Deputado!
Se a solução local, regional, impuser uma solução oposta à nacional, porque as circunstâncias assim o exigem, assumamo-lo, e assim fazemos o princípio da igualdade funcionar, tendo em conta as diferenças entre uma coisa e outra. É tão simples quanto isto! E, na altura, não se conseguiu aprovar estes diplomas, porque foram tidos como inconstitucionais, porque ofendiam as leis gerais da República, porque congelavam as rendas, etc.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas aí, quanto muito, pode discutir-se se é de interesse específico das regiões, não é…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Esta é a realidade que temos de enfrentar, de frente, sem medo, porque há aqui um problema de medo das diferenças. Há um problema nacional de medo das diferenças, Srs. Deputados, e penso que isto não tem sentido.
Portanto, temos realmente de fazer aqui as flexibilidades necessárias…

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, peço-lhe que…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, tento perceber esta proposta e compreendo que ela é um passo importante nesta questão concreta quando vai radicar nos princípios, mas tenho receio daquilo que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira adiantou, de que vamos inventar princípios que não existem, que vamos inventar princípios para inconstitucionalizar diplomas regionais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero chamar a atenção para dois pontos.
Primeiro, em matéria de autonomia legislativa regional, há duas coisas distintas: uma, é saber sobre o que é que as regiões autónomas podem legislar, e, a outra, é saber com que limites o podem fazer. Até agora só temos estado a tratar do segundo, o primeiro tem a ver com a definição de interesse específico e com a definição do conceito de matérias reservadas aos órgãos de soberania, cuja discussão iremos fazer já a seguir.
O segundo ponto é sobre o parâmetro das leis gerais. Hoje, a Constituição diz que a legislação regional, lá onde ela pode existir, tem de respeitar as leis gerais. Ora, para modificar esta regra os Deputados que propuseram a alteração, porque houve quem não propusesse qualquer alteração, apresentaram três soluções: uma, eliminar tal parâmetro, não há tal parâmetro, o único parâmetro é a Constituição; isto é, deixa de haver qualquer parâmetro a nível de legislação geral ou de princípios fundamentais das leis gerais da República, segundo as propostas dos Deputados do PSD Pedro Passos Coelho e Guilherme Silva.
De acordo com a proposta do PS mantém-se um parâmetro, mas requalifica-se o conceito de lei geral da República, passando a ser como tal apenas as leis que se autodesignem ou autoqualifiquem como tal, mantendo o parâmetro material e acrescentando, além da exigência material, uma qualificação formal.
A terceira solução é aquela que, com base num projecto do Professor Jorge Miranda, eu próprio fiz, ou seja, é a de substituir o parâmetro "lei geral da República" por um que se chamaria "princípios fundamentais da legislação da República". Estas são as três soluções.
No entanto, apura-se o seguinte: o Partido Socialista, sem decair a sua proposta, admite, porém, considerar a sugestão que fiz; o Sr. Deputado Guilherme Silva, sem decair a sua proposta de eliminação, também admite considerar a sugestão que fiz; o PCP, sem deixar de defender a solução que está na Constituição, também admite considerar a sugestão que fiz. Assim sendo, proponho que, para já, se fique neste ponto. Isto é, a sugestão que fiz tem, pelo menos, este mérito, o de, à partida, não ser enjeitada por ninguém, enquanto que as propostas cruzadas são, aparentemente, rejeitadas. Ou seja, a proposta de eliminação, pura e simples, é rejeitada pelo PS e, à partida, também por mim, a proposta do…

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Presidente está em falta em manter as sugestões quanto às regiões autónomas!

Risos.

Página 1674

 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que não insistamos mais neste ponto, até porque, provavelmente, a questão deste parâmetro não é susceptível de ser cindido das outras questões. E, assim, proponho que passemos à outra questão e que, depois, voltemos a uma consideração geral da matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas, como pretendo fazer uma pergunta a V. Ex.ª, talvez o melhor seja intervir já…

O Sr. Presidente: - Claro que sim.
Faça favor, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, para compreender melhor a síntese de V. Ex.ª penso que faltou…

O Sr. Presidente: - A posição do PSD!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - … a posição do PSD em relação à proposta do PS.

O Sr. Presidente: - Exactamente! E também em relação à minha sugestão!

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não, em relação à de V. Ex.ª houve abertura…

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado! Houve abertura da parte do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Presidente, com um invulgar sentido de oportunidade, já fez grande parte daquilo para o que eu tinha pedido a palavra, porque, de facto, eu pedi a palavra para tentar estabilizar um pouco o curso da nossa discussão, que tem sido bastante frutuosa, do meu ponto de vista, e também já fez grande parte da síntese necessária.

O Sr. Presidente: - Esse é o meu trabalho!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente!
De qualquer modo, e antes de mais, gostaria de responder directamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
Sr. Deputado, naquilo que a proposta do Partido Socialista tem de especioso - e que já, por duas vezes, foi citado e ainda não foi discutido -, que é a chamada autoqualificação por parte da legislação nacional, vejo, desde logo, um óbice terrível, pois, neste momento, existem na ordem jurídica portuguesa mais de 1000 diplomas que não estão qualificados, não estão autoqualificados como nada, e a simples aprovação de um princípio como aquele que o Partido Socialista aqui propõe iria automaticamente, de duas, uma: ou abrir toda essa legislação (e eu não estou a qualificar como mau ou bom), a qual, repito, não se autoqualifica como nada porque o problema nunca se tinha colocado, à possibilidade de alteração imediata por parte das regiões autónomas; ou conduzir à obrigação de o Governo, em trabalhos forçados, acrescentar em toda essa legislação um princípio de qualificação, obviamente partindo-se do princípio, através de uma qualquer triagem. E isto apenas para falar da crítica prática a uma solução destas, além de que, do meu ponto de vista, há uma outra crítica teórica, que também não é de subestimar, que tem a ver com o facto de se incluir, na Constituição, o princípio de que as leis da República só são da República quando os órgãos de soberania assim o digam.
Quero com isto dizer que, em teoria, a haver um princípio na Constituição, este deveria ser sempre ao contrário, por uma questão de princípio; ou seja, só quando as leis da República, as leis gerais, dizem que não o são para o território todo é que aparentemente… Em teoria, deveria ser este o princípio, a haver princípio, porque desde já devo dizer - e foi por isto que comecei pela crítica do lado prático - que, em termos práticos, a proposta do Partido Socialista está pensada para um Estado que declara, eventualmente, a sua independência amanhã, e que, portanto, começa do zero amanhã, altura em que a ordem jurídica arranca e começa a autoqualificar-se, para a direita ou para a esquerda e para todo o território ou não.
Agora, é preciso não esquecer que temos uma ordem jurídica toda ela construída e que não está autoqualificada nestes termos. Não está! E, deste modo, pelo vosso princípio constitucional, passava automaticamente a cair na qualificação daquelas áreas legislativas que poderiam ser alteradas pelos órgãos regionais. Era esta a observação crítica que queria fazer e que, de facto, ainda não tinha sido feita.
No entanto, gostaria de acrescentar algo à suma que o Sr. Presidente aqui nos fez. De facto, eu penso que - e é muito este o cerne, o conteúdo útil, da proposta do PSD - a questão que devemos equacionar é a seguinte: actualmente o texto constitucional, naquilo que tem a ver com a República, prevê discriminadamente na Constituição um conjunto de matérias que são reservadas à Assembleia da República, podendo essa reserva ser mais ou menos apertada, e daí o "absoluto" e o "relativo" da reserva, mas há um outro órgão que pode legislar, que é o Governo, para o qual a Constituição da República não discrimina absolutamente nada. Ou seja, residualmente, o órgão Governo, Governo da República, pode legislar em todas as matérias que não estejam constitucionalmente reservadas à Assembleia da República. É este o princípio constitucional que temos.
No entanto, como ponto de ordem para esta discussão, a meu ver, o que temos de discutir - e já foi aflorado pelo Partido Socialista, que tem ideias próprias sobre esta matéria - é se damos por aceite o princípio de que, em relação a toda a matéria reservada à Assembleia da República, por maioria de razão, nem o Governo pode legislar sobre ela, salvo autorização, nem as assembleias legislativas regionais podem legislar, salvo autorização.
Ora, se dermos por adquirido este princípio, o único aspecto que permanece, penso eu, para a continuação da nossa discussão é saber se, para além disso, os órgãos de governo próprio das regiões autónomas podem comportar-se de forma análoga a do Governo da República, isto é, legislando concorrencialmente sobre as outras matérias, que não estão reservadas à Assembleia da República, ou se vamos acrescentar, como o Partido Socialista propõe, um outro grau de reserva, já não de reserva da Assembleia da República mas dos órgãos de soberania (portanto, de Assembleia e de Governo), relativamente aos quais, embora se aplique o mesmo princípio genérico que existe para o Governo da República, há,

Página 1675

 

assim, uma reserva acrescida, para além da reserva estabelecida nos artigos 167.º e 168.º. Há ainda mais algum acervo de matérias, relativamente às quais ou relativamente aos princípios gerais das quais - esta é uma questão que poderemos discutir a seguir - as regiões autónomas não terão capacidade legislativa própria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, eu tinha feito a distinção das duas coisas, pelo que proponho que, para já, não as misturemos.
No entanto, gostaria de saber qual é a posição do PSD, se a quer exprimir ou se a tem, sobre a terceira sugestão, quanto ao parâmetro das leis gerais, ou, melhor, quanto àquele que sugeri, uma vez que os restantes intervenientes já se pronunciaram sobre ela.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, no princípio do recomeço desta reunião, fui o primeiro a dizer que, em relação à proposta do Professor Jorge Miranda, o PSD dava abertura. Aliás, foi logo no início da reunião da tarde que fiz esta referência, antes ainda dos outros Srs. Deputados se terem pronunciado. Portanto, só por lapso é que, eventualmente, o Sr. Presidente não terá tomado a devida nota.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, houve um pedido por parte dos Deputados do PSD para que esta reunião termine às 18 horas, que, tendo sido justificado, deferi, tal como fiz aos apresentados por outros partidos, nomeadamente o PCP e o PS.
Assim, na reunião de amanhã, quarta-feira, às 10 horas, iremos analisar as propostas de alteração aos actuais limites do poder regional, nomeadamente sobre as matérias que não podem ser objecto de legislação regional - a proposta do PS para o artigo 230.º -, e as do limite positivo ou definição de interesse específico que alguns projectos propõem eliminar.
Amanhã começaremos por discutir estas duas propostas em conjunto, e com elas terminaremos as questões que são colocadas pela autonomia legislativa regional, ficando outras que são secundárias, digamos assim, que é, por exemplo, a questão da legislação autorizada. E, terminado este segundo ponto, o âmbito do poder legislativo regional, estaremos em condições de ter uma visão global da autonomia regional.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 17 horas e 50 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 1676

 

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×